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A educação ambiental como educação política

Livro: O que é Educação Ambiental


Editora Brasiliense (1994)
Marcos Reigota

Capítulo 1 - A educação ambiental como educação política

Antes de definirmos a educação ambiental que queremos fazer precisamos ter


claro que o problema não está na quantidade de pessoas que existe no planeta
e que necessita consumir cada vez mais os recursos naturais para se
alimentar, vestir e morar. Esse argumento que relaciona o aumento da
população com a escassez dos recursos naturais ocupou grande parte dos
debates acadêmicos e políticos e esteve muito presente nos meios de
comunicação de massa principalmente nos anos 1960, 1970 e 1980.

A crítica a essa ideia veio principalmente dos intelectuais, pesquisadores e


militantes dos países pouco industrializados, com grande densidade
populacional, com grandes recursos naturais e com baixos índices de
escolaridade. A crítica mais contundente a essa ideia que ligava aumento da
população com o consumo dos recursos naturais veio de pessoas dos países
que naquela época, eram denominados países do “terceiro mundo” ou ainda de
“países em via de desenvolvimento”. O argumento central da crítica era de que
havia uma concentração de consumo dos recursos naturais e das riquezas
provocadas pelo modelo capitalista de desenvolvimento nos países
industrializados e que o real problema era a concentração de riquezas e de
consumo e não o crescimento da população (pobre).

Os críticos enfatizavam que era necessário ampliar a distribuição justa e


equitativa dos recursos naturais (e dos alimentos) e dos bens culturais
(educação) necessários para a manutenção da vida com dignidade em todo o
mundo. Em outras palavras, o que se colocava era: é necessário entender que
o problema está no excessivo consumo desses recursos por uma pequena
parcela da humanidade e no desperdício e produção de artigos inúteis e
nefastos à qualidade de vida.

Outro argumento muito presente na educação ambiental nas suas primeiras


décadas era a de relacioná-la, prioritariamente, com a proteção e a
conservação de espécies animais e vegetais. Nesse sentido, a educação
ambiental estava muito próxima da ecologia biológica, sem que ela tivesse de
se preocupar com os problemas sociais e políticos que provocavam esta
situação de desaparecimento de espécies.
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No sentido contrário afirmamos que a educação ambiental não deve estar
relacionada apenas com os aspectos biológicos da vida, ou seja, não se trata
apenas de garantir a preservação de determinadas espécies animais e
vegetais e dos recursos naturais, embora essas questões (biológicas) sejam
extremamente importantes e devem receber muita atenção.
Quando afirmamos e definimos a educação ambiental como educação política,
estamos afirmando que o que deve ser considerado prioritariamente na
educação ambiental é a análise das relações políticas, econômicas, sociais e
culturais entre a humanidade e a natureza e as relações entre os seres
humanos, visando a superação dos mecanismos de controle e de dominação
que impedem a participação livre, consciente e democrática de todos.

A educação ambiental como educação política está comprometida com a


ampliação da cidadania, da liberdade, da autonomia e da intervenção direta
dos cidadãos e das cidadãs na busca de soluções e alternativas que permitam
a convivência digna e voltada para o bem comum.

Pensar as nossas relações cotidianas com os outros seres humanos e


espécies animais e vegetais e procurar alterá-las (nos casos negativos) ou
ampliá-las(nos casos positivos) numa perspectiva que garanta a possibilidade
de se viver dignamente é um processo (pedagógico e político) fundamental e
que caracteriza essa perspectiva de educação.

Dessa forma, o componente “reflexivo” da e na educação ambiental é tão


importante quanto os elementos “participativos” (estimular a participação
comunitária e/ou coletiva para a busca de solução e alternativas aos problemas
cotidianos) ou “comportamentais” (mudança de comportamentos individuais e
coletivos viciados e nocivos ao bem comum). A educação ambiental deve
procurar favorecer e estimular possibilidades de se estabelecer coletivamente
uma “nova aliança” (entre os seres humanos e a natureza e entre nós mesmos)
que possibilite a todas as espécies biológicas (inclusive a humana) a sua
convivência e sobrevivência com dignidade.

Consideramos então que, com esses princípios básicos, a educação ambiental


deve ser entendida como educação política, no sentido de que ela reivindica e
prepara os cidadãos e as cidadãs para exigir e construir uma sociedade com
justiça social, cidadanias (nacional e planetária), autogestão e ética nas
relações sociais e com a natureza.

A afirmativa de que a educação ambiental é uma educação política está


profundamente relacionada com o pensamento pedagógico de Paulo Freire,
principalmente nos seus últimos escritos, como os livros Pedagogia da
autonomia (São Paulo: Paz e Terra, 1997) e Pedagogia da indignação
(SãoPaulo: Unesp, 2000).

A educação ambiental como educação política enfatiza antes a questão


“porque” fazer do que “como” fazer. Considerando que a educação ambiental
surge e se consolida num momento histórico de grandes mudanças no mundo,
ela tende a questionar as opções políticas atuais (mesmo as consideradas de
“esquerda”) e a própria educação escolar e extraescolar, quando preocupadas
em transmitir conteúdos científicos que terão utilidade apenas para os
concursos e exames.

A educação ambiental como educação política é por princípio: questionadora


das certezas absolutas e dogmáticas; é criativa, pois busca desenvolver
metodologias e temáticas que possibilitem descobertas e vivências, é
inovadora quando relaciona os conteúdos e as temáticas ambientais com avida
cotidiana e estimula o diálogo de conhecimentos científicos, étnicos e
populares e diferentes manifestações artísticas; e crítica muito crítica, em
relação aos discursos e às práticas que desconsideram a capacidade de
discernimento e de intervenção das pessoas e dos grupos independentes e
distantes dos dogmas políticos, religiosos, culturais e sociais e da falta de ética.

A ética ocupa um papel de importância fundamental na educação ambiental e


vários autores brasileiros e estrangeiros têm se dedicado a estudá-la. É sempre
muito difícil definir o que é ética ou ensiná-la, mas podemos identificar a sua
presença ou a sua ausência. Não podemos também transformar a
reivindicação por ética numa lista de preceitos morais, uma lista de
“mandamentos” a serem seguidos. Mas acredito que todos os educadores e
todas as educadoras ambientais estão colaborando com a ampliação da
compreensão da ética e da sua presença na vida cotidiana quando enfatizam a
necessidade de respeito a todas as formas de vida, quando estimulam a
igualdade e o respeito às diferenças étnicas, culturais e sexuais e ao se
posicionarem contrários a todo tipo de corrupção, privilégios e violência,
principalmente quando, para isso, se utiliza do dinheiro e dos espaços públicos
(escolas, universidades, instituições do governo etc.).

O ser humano contemporâneo vive profundas dicotomias. Dificilmente se


considera um elemento da natureza, mas um ser à parte, como um observador
e/ou explorador dela. Esse distanciamento da humanidade em relação à
natureza fundamenta as ações humanas tidas como racionais, mas cujas
graves consequências exigem, neste início de século, respostas pedagógicas e
políticas concretas para acabar com o predomínio do
antropocentrismo(argumento de que o ser humano é o ser vivo mais importante
do universo e que todos os outros seres vivos têm a única finalidade de servi-
lo). Desconstruir essa noção antropocêntrica é um dos princípios éticos da
educação ambiental.

Nas relações sociais cotidianas e na política brasileira verificamos que a ética


está muito pouco presente. A possibilidade de se levar vantagem em qualquer
situação é o clichê básico predominante, e em muitas ocasiões isso é
entendido como natural, ou seja, que o mais forte e esperto deve mesmo
prevalecer diante do mais fraco e pacato.

Com base no pensamento político, filosófico, cultural e pedagógico


contemporâneo, que caracteriza a educação ambiental como educação
política, podemos afirmar que não há nada de natural na competição (ou
competitividade), oportunismo, má-fé, ganância e outros termos que na vida
cotidiana possibilitam a permanência de privilégios de poucos.

Por mais apuradas que sejam as pesquisas sobre o código genético humano
ainda não se conseguiu provar que esses comportamentos encontram-se aí
“naturalmente” explicados. Desse modo, “querer levar vantagem” é um
comportamento social, cultural e político que precisa ser profundamente
questionado e superado para que a convivência entre os diferentes possa
sedar de forma não violenta e menos agressiva.

A educação ambiental crítica está, dessa forma, impregnada da utopia


demudar radicalmente as relações que conhecemos hoje, sejam elas entre a
humanidade, sejam elas entre a humanidade e a natureza.

Voltemos um pouco aos aspectos políticos da educação ambiental. Desde o


seu início, temos insistido que é absolutamente vital que os cidadãos e as
cidadãs do mundo participem para que se tomem medidas de apoio a um tipo
de crescimento econômico que não tenha repercussões nocivas sobre a
população e que não deteriore suas condições de vida. Geralmente, o modelo
econômico capitalista de produção intensiva e desenfreada enfatiza que
possibilitará melhor “qualidade de vida” e “mais emprego” para todos. Mas será
isso mesmo verdade? Afinal, o que é mesmo “qualidade de vida”? Para os
interessados em encontrar algumas respostas a essa última questão sugiro
que procurem os trabalhos da professora da Faculdade de Saúde Pública da
USP, a se

Observe que, no parágrafo acima, enfatizamos a expressão “cidadão e cidadã


do mundo” e a importância de sua participação na definição de um projeto
econômico, portanto político. A educação ambiental deve orientar-se para a
comunidade, para que ela possa definir quais são os critérios, os problemas e
as alternativas, mas sem se esquecer de que dificilmente essa comunidade
vive isolada. Ela está no mundo, recebendo influências diversas e também
influenciando outras comunidades, num fluxo contínuo e recíproco. Assim, a
educação ambiental entra nesse contexto para auxiliar e incentivar o cidadão
e a cidadã a participarem da resolução dos problemas e da busca de
alternativas no seu cotidiano de realidades específicas.

“Os cidadãos e cidadãs do mundo”, atuando nas suas comunidades, é a


proposta traduzida na frase muito usada nos meios ambientalistas:
“Pensamento global e ação local, ação global e pensamento local”.

Claro que educação ambiental por si só não resolverá os complexos problemas


ambientais planetários. No entanto, ela pode influir decisivamente para isso,
quando forma cidadãos e cidadãs conscientes dos seus direitos e deveres.
Tendo consciência e conhecimento da problemática global e atuando na sua
comunidade e vice-versa haverá uma mudança na vida cotidiana que, se não é
de resultados imediatos, visíveis, também não será sem efeitos concretos.

Os problemas ambientais foram criados por homens e mulheres e deles virão


às soluções. Estas não serão obras de gênios, de políticos ou tecnocratas, mas
sim de cidadãos e cidadãs.

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