Experiencia Com 115 Pessoas
Experiencia Com 115 Pessoas
Experiencia Com 115 Pessoas
RESUMO - A toxina botulínica A é a forma mais eficaz de tratar algumas distonias focais e o espasmo hemifacial.
Devido a seu custo ainda elevado no nosso país, seu uso ainda não é disseminado. Mostramos nossa experiência
com a toxina botulínica A em 115 pacientes, sendo 45 com espasmo hemifacial que apresentaram melhora
acentuada ou total em 100%. Em 20 pacientes com blefaroespasmo essencial houve melhora acentuada ou total
em 70% . Na síndrome de Meige, representada por 14 pacientes, a melhora acentuada ou total foi observada em
71,4%. Em 23 pacientes com distonia cervical observou-se melhora acentuada em 65,2%. Distonia da mão, com
6 pacientes, apresentou o menor índice de melhora acentuada (2 pacientes, 33,3%). As complicações de caráter
transitório ocorreram, sendo as mais frequentes ptose palpebral e diminuição da força palpebral e a mais grave,
pneumonia aspirativa. Acreditamos que a toxina é forma eficaz e habitualmente segura de tratamento destas
condições clínicas.
PALAVRAS-CHAVE: toxina botulínica A, Botox, distonias focais, espasmo hemifacial.
A toxina botulínica A é considerada a mais potente toxina natural existente, atuando de maneira
a bloquear a transmissão neuromuscular de acetilcolina. Sua utilização clínica se iniciou na década
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de 80 pelo oftalmologista Allan Scott, na Califórnia (USA) , para a correção de estrabismo. Após
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isso passou a ser utilizada em movimentos involuntários como o blefaroespasmo e espasmo
hemifacial, tornando-se o tratamento de primeira escolha nestas condições; posteriormente passou a
ser utilizada em distonia cervical, disfonia espástica, distonias focais das mãos e pernas, distonia de
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ação específica e tremores .0 espectro das indicações de tratamento pela toxina botulínica aumentou
consideravelmente nos últimos anos, passando a ser indicado em tratamento da espasticidade, em
MATERIAL E MÉTODOS
Avaliamos 115 pacientes provenientes do ambulatório de neurologia no Setor de Distúrbios do Movimento
da Disciplina de Neurologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Eram
45 pacientes com espasmo hemifacial, 24 com blefaroespasmo, 14 com síndrome de Meige, 26 com distonia
cervical e 6 com distonia da mão, na forma de distonias de ação específica.
Estudamos a distribuição quanto ao sexo, idade, a dose de toxina aplicada, o número total de aplicações,
a duração média do tempo do efeito, os resultados e as complicações. A melhora foi considerada discreta quando
menor que 50%, acentuada quando maior que 50% e total, 100%, de acordo com a informação obtida pelo
paciente e objetivamente ao exame. A avaliação do resultado foi realizada após 4 semanas da aplicação.
Os pacientes com distonia da mão foram submetidos à eletroneuromiografia antes da aplicação.
A toxina utilizada foi a americana ( Botox , Laboratório Allergan) com 100 U de toxina liofilizada em
cada frasco, com diluições em 1 ou 2 ml de solução fisiológica a 0,9%, correspondendo respectivamente a 0,1 ml
= lOUeO.l ml = 5 U.
RESULTADOS
A Tabela 1. mostra a distribuição da amostra de acordo com a condição clinica. Os resultados
obtidos podem ser vistos na Tabela 2. Quatro pacientes com blefaroespasmo e 3 com distonia cervical
não aparecem nesta tabela pelo fato de não terem retornado à consulta até o encerramento da coleta
dos resultados.
Os 3 pacientes com distonia cervical que não obtiveram melhora eram pacientes com distonia
generalizada e apresentavam história com mais de 5 anos de inicio. Dois pacientes com síndrome de
Meige apresentavam apraxia de abertura ocular além do blefaroespasmo, o que concorreu para que
não houvesse qualquer melhora. Obviamente, com 259 aplicações realizadas em 115 pacientes,
houve a oportunidade de aplicar repetidamente a toxina em uma parte dos pacientes e apenas uma
vez em outra parte. Neste estudo não nos dedicamos a comparar os grupos submetidos a apenas uma
injeção com os que receberam injeções repetidas. Além do mais, os pacientes que foram injetados
mais de uma vez, de modo geral, obtiveram o mesmo nível de melhora que na(s) anterior(es),
mostrando não haver perda da eficácia com as repetições.
As complicações mais freqüentemente encontradas foram:
a) Espasmo facial: diminuição da força palpebral em 11 (24,4%) pacientes, ptose palpebral
em 6 (13,3%), apagamento da rima labial em 2 (4,4%), paralisia facial em 2 (4,4%), fraqueza da
boca em 5 (11,1%) e diplopia em 1 (2,2%);
b) Blefaroespasmo: ptose palpebral em 8 (40%), diminuição da força palpebral em 1 (5%),
edema palpebral em 2 (10%), diplopia em 1 (5%) e ardor ocular em 1 (5%);
c) Síndrome de Meige: edema palpebral em 1 (7,1%), ptose em 1 (7,1%), disfagia em 1
(7,1%), fraqueza da boca em 1 (7,1%) e pneumonia aspirativa em 1 (7,1%);
d) Distonia cervical: disfagia em 3 (13%), dor cervical em 2 (8,7%), fraqueza no pescoço em
1 (4,3%);
e) Distonia da mão: fraqueza em dedos em 4 (66,7%).
Estes resultados foram computados sem os 7 pacientes que não haviam retornado após as
aplicações.
DISCUSSÃO
Todos os 45 pacientes com espasmo hemifacial apresentaram uma melhora acentuada (mais
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de 50%) ou total. Na literatura é descrita melhora que varia de 82 a 100% - . As complicações mais
freqüentes e de caráter transitório foram diminuição da força palpebral, ptose palpebral e fraqueza
da musculatura peri-bucal, algumas vezes com aspecto de paralisia facial periférica. Uma das pacientes
com espasmo facial, que apresentou fraqueza na boca na primeira aplicação, solicitou que só fosse
injetado o músculo orbicular do olho na segunda sessão. Mesmo assim apresentou apagamento da
rima labial homolateral. Isto poderia ser usado como argumento da existência de uma ação da toxina
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à distância do ponto injetado. Este efeito distante já foi discutido por Lange e col. , num estudo
duplo cego que mostra alterações eletrofisiológicas no membro superior , através da
eletroneuromiografia de fibra única, em pacientes com torci colo espasmódico, entretanto sem
evidência clínica de fraqueza muscular.
Estudos eletrofisiológicos demonstram transmissão "efáptica", que é a transmissão de um
potencial de ação através de uma sinapse eletrônica de um axônio ao vizinho, sem ser mediada por
neurotransmissor. No espasmo hemifacial, isto é demonstrado pela resposta em um músculo facial à
estimulação de um ramo do sétimo nervo que não inerva o músculo, e que é tardia com respeito à
resposta direta no músculo que é inervado. Por exemplo , no estímulo do ramo zigomático observa-
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se resposta imediata no músculo orbicular do olho e tardia no ramo mandibular e vice versa . Com o
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uso da toxina botulínica, Geller e col. , observaram que não houve alteração da transmissão excitatória
do ramo zigomático ao mandibular e vice versa, mas a amplitude de resposta estava diminuída. Por
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outro lado Glocker e col. observaram redução do potencial de ação muscular de 40% no músculo
orbicular injetado. Não houve alteração da resposta tardia do zigomático ao ramo mandibular.
Entretanto, não conseguiram obter resposta do músculo do mento à estimulação do ramo orbicular.
Os autores acreditam que isto pode ser explicado pela captação preferencial da toxina botulínica A
por sinapses hiperativas envolvidas na transmissão "efáptica". Uma ação decorrente de difusão da
toxina a partir do local injetado, no entanto, é pouco provável. Quase sempre se pode demonstrar,
por trás dos movimentos clônicos ou tônicos da hemiface, uma fraqueza muscular subjacente, com
hipotonia muscular, o que é diferente dos casos de distonia facial, em que existe aumento do tono
muscular e também da contratilidade muscular. Esta fraqueza subjacente poderia concorrer para
maior susceptibilidade local, por qualquer dos mecanismos que a toxina possa estar agindo.
A duração média do efeito foi de 3,4 meses (em torno de 14 semanas) e um dos pacientes
mostrou efeito de 8 meses. Doses maiores tendem a produzir efeitos mais duradouros, porém com
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efeitos colaterais de fraqueza muscular mais acentuados. Mauriello e Aljian mostram duração do
efeito em torno de 16 semanas para 50% de sua amostra.
No grupo de pacientes com blefaroespasmo essencial a melhora foi acentuada ou total em
70% dos pacientes e discreta em 15%, não tendo ocorrido qualquer melhora em 3 pacientes (15%).
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A duração média do efeito foi de 2,9 meses (em torno de 12 semanas). Jankovic e col. , obtiveram
melhora em 94% dos pacientes, com média de duração de 15,7 semanas. Três dos nossos pacientes
não apresentaram qualquer melhora, sendo que 2 em duas sessões. A existência de componente de
apraxia da abertura dos olhos mesclado ao blefaroespasmo, pode ser lembrada nestes casos. As
complicações mais freqüentes foram ptose palpebral em 8 (40%), sendo bilateral em 2 (10%) e
edema palpebral em 2 (10%). A ptose palpebral tem sido descrita como uma das complicações mais
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freqüentes, ocorrendo em torno de 10% . Acreditamos que, em nossa série, as causas para maior
número de ocorrências de ptose palpebral possam ser falhas técnicas, com doses acima do desejável
aplicadas nos cantos internos e externos da pálpebras superiores. Injetando-se doses de 2,5 U, ao
invés de 5U nestes pontos, passamos a ter menor ocorrência de ptose palpebral.
Na síndrome de Meige, melhora acentuada ou total ocorreu em 10 pacientes (71,5% ); em 3
pacientes não houve qualquer resposta. Dois destes apresentavam apraxia de abertura ocular. A
apraxia de abertura ocular pode ocorrer associada à doença de Parkinson, à paralisia supranuclear
progressiva (PSP - síndrome de Steele, Richardson, Olszewski), outras enfermidades extrapiramidais
ou mesmo isoladamente. Freqüentemente é confundida com o blefaroespasmo essencial. O fenômeno
diferencial é que no blefaroespasmo existe sempre contração muscular que mantém forçadamente
os olhos fechados e na apraxia de abertura das pálpebras o paciente fecha os olhos e não mais
consegue abri-los, porém sem contração muscular. Apenas o mecanismo de inibição reflexa entre o
elevador da pálpebra e o orbicular do olho se encontra alterado. Na apraxia de abertura, termo que
nem todos aceitam facilmente, também não ocorre o piscamento repetido que é tão comum no
blefaroespasmo. O fator complicador é que uma proporção de pacientes com o blefaroespasmo
essencial apresentam também algum grau de apraxia de abertura das pálpebras, de modo que o
resultado da aplicação, fazendo-se predominantemente sobre a contração muscular excessiva, pode
não ser satisfatório. Esta associação também ocorre nos pacientes com a síndrome de Meige, como
relatado anteriormente. Existem alguns relatos na literatura de melhora da apraxia com toxina
5,11
botulínica A . Já tivemos pacientes com apraxia de abertura dos olhos que responderam bem às
aplicações de toxina botulínica. A explicação para esta resposta não parece muito fácil.
Os efeitos colaterais ocorreram em 5 (35,7%) com ptose palpebral, diplopia, edema palpebral,
e o caso mais grave foi de uma paciente que apresentou disfagia seguida de pneumonia aspirativa,
necessitando internação em terapia intensiva, porém, felizmente, recuperando-se. Havia recebido
injeções também na musculatura cervical (cuticular do pescoço) e músculos submandibulares.
Na distonia cervical, obtivemos melhora acentuada em 15 (65,2%) e discreto em 5(21,2%),
com duração média do efeito de 4,2 meses (em torno de 18 semanas). Neste grupo não tivemos
pacientes com melhora completa, total. Os 3 pacientes que não apresentaram melhora eram portadores
de distonia generalizada com mais de 5 anos de história. Tem sido descrita melhora, que varia de 61 a
1 510
90%, da posição da cabeça - e melhora dramática na dor cervical. Nossos pacientes também
confirmaram melhora marcada das dores musculares cervicais e dorsais. Os efeitos colaterais mais
encontrados foram disfagia em 3 (13%), dor cervical em 2 (8,7%) e fraqueza no pescoço em 1 (4,3%).
Blackie e Lees' observaram disfagia em 28% de sua amostra e duração média do efeito de 12 semanas.
Entre as causas para as falhas de resposta devemos incluir dose inadequada, escolha errônea
dos melhores músculos a serem injetados e o desenvolvimento de anticorpos. Esta última não deve
ser levada muito em consideração em nossos pacientes pois houve número pequeno de repetições, o
que costuma ser fator importante no desenvolvimento de anticorpos, além do tamanho das doses.
Num estudo longitudinal com toxina botulínica A em pacientes com blefaroespasmo e distonia
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cervical, Jankovic e Schwartz observaram que 4,3 % dos pacientes com distonia cervical não
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responsivos mostraram a presença de anticorpos e posteriormente os mesmos autores testaram 86
pacientes para a presença de anticorpos, sendo que 20 eram positivos e estes não apresentavam
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resposta em pelo menos duas sessões consecutivas. Greene e col. estimam em 7 a 10% a prevalência
de sua população de distonia cervical com a presença de anticorpos. Nestes casos uma boa opção
8,16
seria o uso da toxina botulínica F .
Na distonia da mão observamos melhora em 2 (33,3%) pacientes e 4 apresentaram fraqueza
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dos dedos. Poungvarin e col. utilizaram toxina em 92 pacientes com distonia ocupacional com
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melhora em 67,3%. Jankovic e col. relataram melhora moderada em 77% em sua série de 22
pacientes, acompanhada de fraqueza transitória dos dedos.
Nos pacientes com distonia da mão há a dificuldade em localizar os músculos responsáveis
pela disfunção, pois na maioria dos casos se situam profundamente e não são fáceis de serem
identificados. É necessário o uso da eletroneuromiografia. Mesmo com o uso desta, não conseguimos
bons resultados. A complexidade dos músculos das mãos e antebraços envolvidos nas distonias
ocupacionais, como a cãimbra do escrivão, dos digitadores de computador, dos músicos ou esportistas,
concorre com a dificuldade de se abordar os músculos adequados. É uma área onde ainda se aguarda
por melhores indicadores técnicos para as injeções.
Nós concluímos que a aplicação de toxina botulínica A é forma eficaz e habitualmente segura
de tratamento do espasmo hemifacial e distonias focais, com resultados superiores aos que se consegue
com os variados medicamentos. Todas as complicações foram transitórias e, com excessão de um
caso de penumonia aspirativa, foram benignas.
REFERÊNCIAS
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