Weber

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 24

Preto: Rolando Lazarte (Max Weber: Ciência e Valores) (P.

58-81)
Vermelho: Antônio Flávio Pierucci (O Desencantamento
do Mundo) (P. 7-8, 150-166)
Como se entrelaçam, para Weber, as dimensões existencial e profissional do cientista no
exercício da sua vocação? Quais são as contribuições que a sociologia pode dar ao homem do
nosso tempo, às voltas com mecanismos de dominação e alienação tão perfeitos e sutis como
os que nos controlam? Que perspectivas oferece a sociologia compreensiva para que esse
homem reencontre aquilo que nossa época utilitária, desencantada e racionalizada, baniu para
o porão do inútil, a saber: a dimensão interior do nosso ser, a nossa capacidade para sermos
felizes nesta vida e neste mundo?

Para Weber a ciência é inseparável da vida pessoal do cientista. A atividade científica


pressupõe a integração das dimensões humanas excluídas pelo saber burocratizado: a
intuição, a imaginação, um profundo e vital comprometimento com o tempo presente e uma
ousadia capaz de impulsar a criatividade nas tentativas de compreender cientificamente o
mundo social dos homens.

O autor fundamenta uma ciência social assentada sobre o pluralismo cognoscitivo, o


relativismo e a paixão. Embora a ciência social, como toda ciência, aspire à explicação, e nesse
sentido elabore um universo conceitual capaz de representar o empírico com pretensões de
apreender as conexões causais atuantes em cada caso, isso não pode justificar a pretensão de
validar empiricamente, com caráter universal, os valores a partir dos quais tais representações
são construídas. Não se trata de negar a objetividade, mas a pretensão de, em seu nome,
alicerçar uma forma autoritária de conceber o conhecimento científico, aparentemente isenta
de valor. Não nega a razão, mas o imperialismo intelectualista que se enfileira por trás de sua
versão cientificista.

Segundo Sedi Hirano: “Em termos epistemológicos e axiológicos a poli-historicidade dos


conceitos weberianos advém do seu relativismo e dos pressupostos metodológicos assumidos
pelo investigador, ou seja: a realidade é infinita (a primeira assunção); somente uma parcela
desta realidade é passível de ser entendida e compreendida pelo sujeito da investigação
(segunda assunção). (Hirano, 1974: 17)”.

O pluralismo cognoscitivo (neste caso a afirmação da existência de diferentes formas sociais de


representar o mundo) e o relativismo “perspectivista” estão relacionados ao caráter
fragmentário da obra weberiana. As linguagens cotidiana, jurídica, política etc. coexistem com
a linguagem científica da sociologia, sem que se possa estabelecer (com critérios
universalmente válidos) entre elas uma hierarquia de qual é mais ou menos verdadeira. Weber
reconhece a multiplicidade de perspectivas no interior da ciência e a consequente
impossibilidade de se alcançar, em algum momento, uma explicação final, última, definitiva, de
qualquer aspecto do social sobre o qual venha a incidir a investigação sociológica.

Weber não considera reflexões epistemológicas e metodológicas pré-requisitos para o avanço


do conhecimento científico, salvo quando ocorrem mudanças significativas nas ideias de valor
de dada ciência. Para o autor “apenas delimitando e resolvendo problemas concretos se
fundamentaram as ciências, e somente assim desenvolveram seu método; as reflexões
puramente epistemológicas ou metodológicas, ao contrário, jamais contribuíram
decisivamente para tal (Weber, 1973b: 104)”. Em A ciência como vocação retoma parte dessas
reflexões na sua mais clara afirmação sobre os limites do conhecimento discursivo face a uma
realidade que concebia como fundamentalmente irracional. E, sobretudo, face ao dilema do
homem que, no mundo desencantado pela racionalização crescente de nosso tempo, vive num
vazio espiritual que a ciência não pode (e nem deve pretender) preencher. Para ele a realidade
é um contínuo fluir, irracional, caótico, de acontecimentos e processos, que ocorrem
simultânea e sucessivamente, tanto “dentro” como “fora” de nós mesmos. São nossos
interesses e pontos de vista que cortam parcelas desse fluir e emprestam-lhe significação.

Ao mesmo tempo em que escapa do teleologismo de perspectivas como a positivista ou


marxista, Weber toma distância das pretensões objetivizantes de qualquer cientificismo. A
compreensão do sentido da ação social, objetivo da sociologia compreensiva, reconhece no
“objeto de estudo” sua dimensão subjetiva (os motivos), essencial para sua adequada
explicação. Ao mesmo tempo, reconhece a dimensão subjetiva (valores e interesses) do
investigador, como elemento fundamental da compreensão sociológica, distante das
pretensões de “objetividade”, que pressupõem a sua eliminação como pré-requisito
indispensável para garantir a “cientificidade” da mesma. Para ele “a vida nos oferece uma
multiplicidade infinita de processos que surgem e desaparecem, sucessiva e simultaneamente,
tanto “dentro” como “fora” de nós mesmos. (Weber, 1973a: 61)”. As significações que o real
adquire, a partir dos nossos valores, são recortes nessa caótica e mutável corrente do devir
histórico-social.

A perspectiva interpretativa do cientista é, por outra parte, necessariamente unilateral por sua
relação com seus valores. Dessa forma, afasta-se a pretensão de qualquer leitura do real que
se queira total, definitiva. A inesgotabilidade do real, sustentada com insistência por Weber,
estabelece o conhecimento científico da sociedade em uma postura humilde: a sua superação
permanente é uma condição da sua existência.

Se alguma leitura do marxismo quis reivindicar para si a posse da “maneira correta” de


interpretar definitivamente o social, é contra ela que se insurge o autor. A realidade da vida,
para ele, não pode ser deduzida a partir de “leis”. Weber entende que a construção de tais leis
ou conceitos generalizantes é relevante para o fazer científico, uma vez que se trata de meios
de conhecimento, nunca a finalidade da ciência. São construções conceituais cuja realidade
está situada no plano do conhecimento, não no da empiria. O conceito weberiano, como o
autor explica detalhadamente em A objetividade do conhecimento na ciência social e na
política social ao expor as características do tipo ideal, não apenas não contém a realidade e
tampouco a copia. Apenas pretende representá-la conceitualmente de maneiras unívocas
destinadas a serem superadas. A mudança dos valores em que se fundamentam nossos pontos
de vista impõe a necessidade de uma constante construção de novos conceitos para tentar
tornar compreensível aquela parcela do acontecer histórico-social que nos resulta significativa
por sua relação com esses mesmos valores.

Como é concebida a lei (no plano do pensamento) frente à realidade (plano empírico) cujos
aspectos se pretende captar? Para Weber, um conceito é um “recipiente provisório [...] para
descrever provisoriamente uma pluralidade de fenômenos particulares [...] cujo status lógico
nem sempre é claro (Weber, 1985a: 14)”.

“Para o conhecimento dos fenômenos históricos em sua condição concreta, as leis mais gerais
são comumente também as menos valiosas, por serem as mais vazias de conteúdo. Quanto
mais amplo for o campo de validade de um conceito genérico – sua extensão –, tanto mais nos
desvia da riqueza da realidade, uma vez que para conter o comum ao maior número possível
de fenômenos deve ser o mais abstrato possível e, consequentemente, mais pobre em
conteúdo (Weber, 1973a: 68)”.

O autor formulou o seu conceito de “tipo ideal” como uma entidade situada entre a riqueza e
multiplicidade sempre irrepetível do empírico, e a abstração do universo conceitual próprio da
ciência social.

Para o autor existem três fronteiras do conhecimento discursivo. A primeira é traçada pelo
hiatus irrationalis que separa o conceito (obtido mediante a abstração do individual) do seu
referente empírico (realidade constantemente dada de modo concreto e individual). A
segunda está dada pelos limites da compreensão como fundamento da explicação sociológica.
O campo do comportamento humano acessível à compreensão resulta delimitado pelo
universo valorativo do investigador. Uma pessoa não pode compreender aquilo que, a partir
de seus pontos de vista, carece de sentido. Além disso, nossa maior ou menos sensibilidade
frente a condutas sociais baseadas em valores alheios à nossa cultura também limita a
compreensão.

A terceira fronteira do conhecimento discursivo da ciência social é constituída pelos valores


“últimos e fundamentais que dão sentido à nossa existência”. Nesse caso o autor leva em
consideração o desencantamento do mundo racionalizado. O homem contemporâneo,
desencantado, está “destinado a viver em uma época sem deus e sem profetas, os valores
essenciais e mais sublimes se retiraram da vida pública para refugiarem-se no reino
transcendente da vida mística ou na fraternidade de relações humanas diretas e pessoais
(Weber, 1974a: 188-190)”.

Os homens não buscam significações do acontecer na referência a uma ordem superior. A


racionalização crescente significa, para o autor, que os homens acreditam que os fenômenos
podem ser compreendidos sem a necessidade da intervenção de entidades mágicas, bem
como deixaram de buscar as razões da sua existência no sobrenatural. Até mesmo as religiões
atuais sofreram essas marcas (por exemplo, os rituais mecânicos).

O texto A ciência como vocação (de uma conferência em Munique, 1917) é um dos mais lidos
de Weber, e aquele em que o termo “desencantamento” mais aparece (seis vezes). A
expressão de sua autoria passou ao linguajar corrente e seu autor lembrado como o homem
que fez da ideia de desencantamento não meramente um tema importante para pensar a vida
moderna, mas talvez o mais essencial aspecto da modernidade. Em sentido estrito o termo
significa “desmagificação” (do alemão Entzauberung), literalmente quer dizer “quebrar o
feitiço”. Possui dois sentidos, ora simultâneos, ora alternados ou intercalados: o
desencantamento pela religião e o desencantamento pela ciência. O primeiro consiste na
ascensão da forma caracteristicamente ocidental de racionalismo no mundo moderno,
enquanto o segundo consiste em um diagnóstico de época (uma visão crítica, tensa, muito
menos otimista). Em outras palavras, o primeiro significado seria uma conceituação estrita, um
fato em si, sem juízo de valor, enquanto o segundo seria uma visão qualitativa que designa a
perda de sentido (o primeiro seria um conceito produtivo e o segundo um conceito crítico). Na
maioria de seus usos da palavra ainda há a ideia de desmagificação religiosa (Habermas 1987 -
destaque mais para a extinção do pensamento mágico do que das práticas mágicas), mas
nunca sozinho; sempre acompanhado da ideia mais ampla de perda de sentido.

A questão do sentido da ciência perde o seu chão, pois dele a mesma nada tem a dizer.Ela que
pretende tudo calcular, prever e dominar, não é capaz de definir nenhum valor, sequer mesmo
de dizer se vale a pena ser cientista e dedicar a vida à pesquisa. Tolstói faz tal indagação: “Qual
é, afinal, o sentido da ciência como vocação? [...] Ela não tem sentido, já que não consegue
responder à indagação que realmente nos importa: que devemos fazer? Como devemos
viver?” (Ciência e Política: duas vocações, 35-36).

Nos tempos modernos andam juntas a ciência e a falta de sentido. A primeira desvenda a
“objetiva” ausência de “sentido objetivo” do mundo natural e da existência humana,
ironicamente. De acordo com a ciência o “ser” tem precedência sobre o “deve ser” (a verdade
objetiva natural é mais importante do que preceitos éticos). Em Consideração intermediária
Weber já havia elucidado esse hiato: “O cosmos da causalidade natural e o pretendido cosmos
da causalidade ética compensatória mantiveram-se numa oposição irreconciliável. E embora a
ciência, que criou aquele cosmos, parecesse não conseguir dar uma explicação segura de seus
próprios pressupostos últimos, arvorou-se em nome da ‘honestidade intelectual’ com a
seguinte pretensão: ser a única forma possível de consideração pensante do mundo”.

Todas as visões de mundo são o que são porque não são científicas, dão sentido. Na
conferência de 1917 o autor pergunta-se “que os conhecimentos da astronomia, da biologia,
da física ou da química pudessem nos ensinar algo sobre o sentido do mundo, ou tão-somente
pudessem nos apontar as pegadas de tal sentido, se é que isso existe?”. Em dado momento o
autor chega a qualificar a ausência de sentido como “sempre mais aniquiladora”.

Para Weber o conhecimento científico em si se exercita sem confiar em qualquer fim último ou
valor transcendental, e mesmo assim progride sem parar, de forma inerente. Contudo, não
tem um paradeiro. Seu desenvolvimento é progresso no sentido técnico, a sua lógica interna a
arrasta de modo irresistível a acumular um estoque sempre maior e atualizado de
conhecimento sobre o mundo. O processo de investigação é aberto por sua própria natureza,
sendo a ciência ars inveniendi, a arte da descoberta. Seu percurso é revolucionário,
ascendente e unidirecional, mas não se consuma, não tem repouso; sendo provisório,
limitado, especializado, e por isso parcial. Nunca total ou definitivo. Nessa constante
autosuperação reside, para Weber, o problema de sentido da ciência.

Esse pensamento dos limites da ciência é baseado em Kant. Segundo Pierucci Weber volta a
deixar clara a sua dívida com Kant na “verdadeira meditação filosófica” que é a conferência de
1917. Kantianamente falando os pressupostos das ciências naturais são vazios, sem sentido.

O que a ciência moderna faz é transformar o mundo em um “mecanismo causal”, algo


perfeitamente explicável em cada elo causal, mas não no todo. Retira o sentido do mundo e
não é capaz de substituí-lo por outro. O mundo que criamos com o trabalho, a ciência e a
tecnologia resiste a todo projeto de reencantamento metafísico da totalidade. O misterioso é
desvalorizado porque não pode ser calculado, o conhecimento cientificamente configurado é
privilegiado porque através dele é possível tudo “dominar mediante o cálculo” (durch
Berechnen beherrschen). O primiero parágrafo de Dialética do Esclarecimento de Horkheimer e
Adorno já dizia: “O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta
era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber”. Weber chama a atenção para que
o desencantamento científico do mundo é muito mais fatal e definitivo do que a
desmagificação da prática religiosa, porque irrevogável, incapaz de recuar (lei do progresso
técnico). A ciência desencanta o mundo ao mesmo tempo em que desencanta a si mesma.

Em A ciência como vocação, no mundo moderno, desencantado pela racionalização crescente,


deuses e demônios não mais disputam a alma do homem. “Devemos trabalhar e satisfazer as
‘exigências do momento’, nas relações humanas bem como na nossa vocação. Isto, contudo,
resulta simples se cada um descobrir e obedecer ao demônio que sustenta os fios da sua
própria vida (Weber, 1975a: 192)”. A ciência não pode preencher esse vazio na alma humana,
não deve haver pretensões de instituir códigos valorativos universalmente válidos. Cada um
deve descobrir e obedecer ao “demônio que sustenta os fios da sua própria vida” (relação com
a máxima socrática “Conhece-te a ti mesmo”).

Em outras palavras, Weber sugere que o homem moderno busque o seu interior
(individualmente), sempre ofuscado pela tendência atual exteriorizante, objetivizante e
massificante. Neste caso o autor aproxima-se de Nietzche. Não se trata, porém, de considerar
a ciência indiferente com relação aos imperativos éticos da conduta humana, mas sim de
desejar para os atores sociais liberdade em suas escolhas. A sociologia compreensiva propõe-
se a ajudar o homem nessa escolha (para que perceba o significado de suas ações), mas não
deve decidir por ele.

“Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que se deve fazer, mas apenas o que se
pode fazer e, em certas circunstâncias, o que se quer (Weber, 1973a: 44)”.

Max Weber – Ensaios de Sociologia - Hans Gerth e


C. Wright Mills
Métodos da Ciência Social de Weber (Gerth e Mills) P.73-80
As reflexões metodológicas de Weber têm dívidas claras para com a filosofia do iluminismo.
Seu ponto de partida e a unidade final de sua análise é a pessoa individual: “A Sociologia
interpretativa considera o indivíduo e seu ato como a unidade básica, como seu ‘átomo’ – se
nos permitirem pelo menos uma vez a comparação discutível. Nessa abordagem, o indivíduo é
também o limite superior e o único portador de conduta significativa... Em geral, para a
Sociologia, conceitos como ‘Estado’, ‘associação’, ‘feudalismo’ e outros semelhantes designam
certas categorias de interação humana. Daí ser tarefa da Sociologia reduzir esses conceitos à
ação ‘compreensível’, isto é, sem exceção, aos atos dos indivíduos participantes” (Gesammelte
Aufsaetze zur Wissenschaftslehre, p. 415).

No pensamento de Weber, a ênfase se opões à tradição de Hegel e Ranke. Esta tradição tenta
interpretar a pessoa individual, vendo-a como um documento de um todo subjacente; e tem
raízes no pensamento romântico e conservador alemão. Weber incorporou o problema da
compreensão em sua abordagem sociológica que, como ressaltava, era um tipo de Sociologia,
entre outros tipos possíveis. Portanto, chamou sua perspectiva de Sociologia “interpretativa”
ou “compreensiva”. É característico de sua posição racional e positivista o fato de ter ele
transformado o conceito de compreensão, que continuou sendo para Weber uma abordagem
excepcional das Ciências Morais ou Culturais que tratam do homem, e não dos outros animais
ou da natureza inanimada. O autor distingue diferentes tipos de ações motivados. Considera
como do tipo mais “compreensivo” as ações que estão na natureza da adequação racional, e
dos quais a conduta do “homem econômico constitui exemplo destacado.

As ações menos racionais são exemplificadas por Weber em termos da busca de “fins
absolutos”, fluindo de sentimentos afetivos ou dos elementos “tradicionais” (irrefletidos e
habituais, sancionados porque “sempre foi feito assim”). Tais tipos de ações são construídos
operacionalmente em termos de uma escala de racionalidade e irracionalidade. Um recurso
tipológico, uma abordagem nominalista. Dando destaque à incompreensibilidade da conduta
humana, em oposição à simples explicação causal dos “fatos sociais” como ocorre na Ciência
Natural, Weber traça uma linha entre sua Sociologia interpretativa e a physique sociale na
tradição de Condorcet, que Comte chamou de sociologie (Philosophie Positive, vol. IV, p. 132) e
Durkheim desenvolveu de modo tão destacado.

O nominalismo do método de Weber pode ser compreendido em termos de sua tentativa de


evitar a ênfase filosófica sobre os fatores materiais ou ideais, ou sobre os princípios estruturais
ou individuais de explicação. Seu apego ao pensamento positivista ocidental evidencia-se em
seu desprezo por quaisquer elementos “filosóficos” ou “metafísicos” nas Ciências Sociais.
Deseja ele dar a essas ciências a mesma abordagem prática com que as Ciências Naturais se
aproximam da natureza.

O método quantitativo acompanha de perto tal concepção e coloca-se em oposição a uma


perspectiva na qual todos os fenômenos são vistos como entidades qualitativamente únicas.
Para Weber, a singularidade histórica e social resulta de combinações específicas de fatores
gerais, que, se isolados, são quantificáveis. Assim, os “mesmos” elementos podem ser vistos
numa séries de outras combinações singulares. “Decerto, em última análise, todos os
contrastes qualitativos, em realidade, podem ser compreendidos, de alguma forma, como
diferenças exclusivamente quantitativas, feitas de combinações de vários fatores isolados. Ele
não diz que a qualidade pode ser ‘reduzida’ à quantidade; na verdade, como nominalista,
Weber é bem sensível à singularidade qualitativa da realidade cultural e às diferenças
qualitativas que resultam de mudanças quantitativas. Por exemplo: ‘De nosso ponto de vista
especial, quando o maior medo do mundo levou a uma fuga às atividades ocupacionais na
economia privada, o pietismo não só se transforma em algo diferente de grau, mas também
num elemento que difere em qualidade” (Religionssoziologie, vol. I, p. 128).

O discutido “tipo ideal”, expressão-chave na discussão metodológica de Weber, refere-se à


construção de certos elementos da realidade numa concepção logicamente precisa. A palavra
“ideal” nada tem a ver com quaisquer espécies de avaliações, seu uso tem finalidades
analíticas. A abordagem quantitativa de constelações culturais excepcionais e a concepção dos
tipos ideais estão intimamente ligadas ao método comparado, que implica que duas
constelações são comparáveis em termos de alguma característica comum a ambas. Uma
afirmação dessas características comuns implica o uso de conceitos gerais. Como conceitos
gerais, os tipos ideais são instrumentos com os quais Weber prepara o material descritivo da
história mundial para análise comparada. Esses tipos variam em amplitude e no nível de
abstração. Quando Weber caracteriza a “democracia” como “uma minimização do poder”,
chega à formulação mais ampla e menos específica, historicamente. Várias técnicas de
minimização do poder, como mandatos curtos, sistema de divisão de poderes, o referendo
etc., são possíveis em determinados casos históricos. Esses casos são transformados em
subtipos da democracia. Incorporando características históricas selecionadas à concepção
geral de democracia, ele pode restringir esse tipo geral e aproximar melhor os casos históricos.

Sua preocupação com os problemas históricos específicos e seu interesse por uma Sociologia
comparada de natureza generalizante estão, assim, relacionados. A diferença entre ambos é
apenas de ênfase. Em suma, o respectivo interesse de pesquisa – na elaboração de um
conceito ou na construção de um objeto histórico – determina seu processo. De qualquer
modo, Weber se interessa pelo uso de concepções generalizadas a fim de compreender a
sociedade como sujeita a regularidades de lei. Para compreender uma sequência de
acontecimentos regulares causalmente, devemos examinar condições comparáveis.

A Ciência como Vocação (resumo do texto original de Weber -


1917) P.154-186 (Ainda no livro de Gerth e Mills)
Pediram-me que falasse sobre “A Ciência como Vocação”. Ora, nós, os economistas, temos um
hábito pedante de sempre começar com as condições externas. Neste caso, começamos com a
pergunta: Quais são as condições da ciência como vocação no sentido material da expressão?
Quais as perspectivas para o estudante formado que resolve dedicar-se profissionalmente à
ciência na vida universitária? Sob esse aspecto, os Estados Unidos contrastam mais
acentuadamente com a Alemanha.

Na Alemanha a carreira do jovem que se dedica à ciência começa com o posto de Privatdozent,
começa a lecionar como residente, sem receber qualquer salário, além das taxas pagas pelos
alunos que se inscreverem. Nos Estados Unidos a carreira começa pelo cargo de assistente
(remunerado). Na Alemanha é extremamente arriscado para um jovem professor sem recursos
expor-se às condições da carreira acadêmica. Nos EUA, onde existe o sistema burocrático, o
jovem acadêmico é remunerado desde o início. Na verdade, seu salário é modesto, mas
começa com uma posição aparentemente segura, por ter um salário fixo. Outra diferença é
que na Alemanha o Privatdozent geralmente ministra menor número de cursos do que deseja,
o professor catedrático ministra os “grandes” cursos e o docente se limita aos secundários.
Nos EUA, durante os primeiros anos de sua carreira, o assistente se vê sobrecarregado
exatamente porque é remunerado. A posição de assistente é, com freqüência, tão precária
quanto a de qualquer existência “quase-proletária”; e a vida universitária alemã está sendo
americanizada, como ocorre com a vida alemã em geral. A questão é que existe uma distância
extraordinária, externa e internamente, entre o chefe dessas grandes empresas capitalistas e
universitárias e o professor catedrático ao estilo antigo.

Todo jovem que se sente atraído pela erudição deve compreender claramente que a tarefa à
sua frente tem um aspecto duplo. Deve ter qualidades não só como erudito, mas também
como professor. E os dois aspectos não coincidem. Pode-se ser um intelectual de destaque e
ao mesmo tempo um professor abominavelmente ruim. A situação, porém, é que as
universidades alemãs estão empenhadas numa competição ridícula em busca de alunos. O
número de alunos matriculados em cada curso/matéria é uma prova de qualificação. A
questão de ele ser considerado um bom professor ou não é determinada pelo número de
alunos que condescendem em freqüentar-lhe o curso. A afluência ou não de alunos a um curso
é determinada em grande parte por elementos exclusivamente externos: temperamento e
mesmo a inflexão de voz do professor. Na verdade, é certo que apresentar os problemas
científicos de modo que uma mente não-instruída, mas receptiva, os possa compreender, seja
a tarefa pedagógica mais difícil de todas. Mas se essa tarefa é ou não realizada não será o
número de alunos que o demonstrará. Essa arte mesma é um dom pessoal e de modo algum
coincide com as qualificações científicas do universitário.

Devemos perguntar aos demais: “você acredita, em sã consciência, que pode ver mediocridade
atrás de mediocridade, ano após ano, passar à sua frente, sem se amargurar e sem sofrer?”.
Naturalmente, recebemos sempre a resposta: “É claro, vivo apenas para a minha vocação”.
Não obstante, comprovei que poucos homens podem suportar essa situação sem
ressentimento. A ciência entrou numa fase de especialização antes desconhecida e isto
continuará. Não só externamente, mas também interiormente, a questão está num ponto em
que o indivíduo só pode adquirir a consciência certa de realizar algo verdadeiramente perfeito
no caso de ser um especialista rigoroso. Sem a paixão, não haverá vocação para a ciência e
seria melhor que vos dedicásseis a qualquer outra coisa. É fato, porém, que nenhum volume
desse entusiasmo pode forçar um problema a produzir resultados científicos. Certamente o
entusiasmo é um pré-requisito da “inspiração”, que é decisiva. Hoje em dia, em círculos de
jovens, há uma noção generalizada de que a ciência se tornou um problema de cálculo, que
envolve apenas o intelecto frio e não o “coração e a alma”. O trabalho não pode substituir a
ideia, nem criá-la, tal como também não o pode o entusiasmo. Entusiasmo e trabalho, e acima
de tudo ambos em conjunto, é que criam a ideia. As ideias nos chegam quando lhes apraz, e
não quando queremos. As melhores ideias ocorrem “ao fumarmos um charuto no sofá”
(Ihering) ou “quando caminhamos por uma rua que sobe lentamente” (Helmholtz), não
quando estamos pensando e procurando em nossa mesa de trabalho. Não obstante, elas
certamente não nos ocorreriam se não tivéssemos pensado à mesa e buscado respostas com
dedicação apaixonada. O trabalhador científico tem de correr o risco existente em todo
trabalho científico: ocorre a “ideia” ou não ocorre? Ele pode ser um excelente trabalhador e
não obstante não ter qualquer ideia própria valiosa. A inspiração não tem um papel menor na
ciência do que na arte.

O trabalho científico está preso ao curso do progresso. Na ciência, sabemos que as nossas
realizações se tornarão antiquadas em dez, vinte, cinqüenta anos. Toda “realização” científica
suscita novas “perguntas”: pede para ser “ultrapassada” e superada. Quem desejar servir à
ciência tem de resignar-se a tal fato. Não podemos trabalhar sem a esperança de que outros
avançarão mais do que nós, e com isso chegamos à indagação da significação da ciência. Por
que alguém se dedica a alguma coisa que na realidade jamais chega, e jamais pode chegar, ao
fim?

O progresso científico é uma fração, a mais importante, do processo de intelectualização que


estamos sofrendo há milhares de anos e que hoje em dia é habitualmente julgado de forma
tão extremamente negativa. Vamos esclarecer, primeiro, o que significa praticamente essa
racionalização intelectualista, criada pela ciência e pela tecnologia orientada cientificamente.
Temos maior conhecimento das condições de vida em que existimos do que um índio
americano ou um hotentote? Dificilmente. A menos que seja um físico, quem anda num bonde
não tem ideia de como o carro se movimenta. E não precisa saber. O selvagem tem um
conhecimento incomparavelmente maior sobre as suas ferramentas. A crescente
intelectualização e racionalização não indicam, portanto, um conhecimento maior e geral das
condições sob as quais vivemos.

Significa mais alguma coisa, ou seja, o conhecimento ou crença em que, se quiséssemos,


poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento. Significa principalmente, portanto,
que não há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos, em princípio, dominar todas as
coisas pelo caçulo. Isto significa que o mundo foi desencantado. Já não precisamos recorrer
aos meios mágicos para dominar ou implorar aos espíritos. Os meios técnicos e os cálculos
realizam o serviço. Isto, acima de tudo, é o que significa a intelectualização. Esse “progresso”, a
que a ciência pertence, terá qualquer significado que vá além do exclusivamente prático e
técnico? Esta questão foi levantada por Tolstói. Todas as suas reflexões consistiam no fato de
que para o homem civilizado, a morte não tem significado. Algum camponês do passado,
morreu “velho e saciado da vida”, pois a vida lhe dera o que tinha a oferecer, porque para ele
não havia enigmas que pudesse querer resolver. O homem civilizado, colocado no meio do
enriquecimento continuado da cultura pelas ideias, conhecimento e problemas, pode “cansar-
e da vida”, mas não “saciar-se” dela. E porque a morte não tem significado, a vida civilizada,
como tal, é sem sentido.

A questão é o que a ciência, como vocação, significa para os seus discípulos dedicados. Suscitar
essa questão é indagar a vocação da ciência dentro da vida total da humanidade. Qual é o
valor da ciência?

Aqui o contraste entre o passado e o presente é tremendo. Lembrareis a imagem maravilhosa


que existe no começo do livro VII da República de Platão: aqueles homens da caverna,
acorrentados, cujas faces estão voltadas para um parede de pedra à sua frente. Atrás deles
está uma fonte de luz que não podem ver. Ocupam-se apenas das imagens em sombras que
essa luz lança sobre a parede e buscam estabelecer-lhes inter-relações. Finalmente, um deles
consegue libertar-se dos grilhões, volta-se, vê o sol. Cego, tateia e gagueja uma descrição do
que viu. Os outros dizem que ele delira. Gradualmente, porém, ele aprende a ver a luz, e então
sua tarefa é descer até os homens da caverna e levá-los para a luz. Ele é o filósofo; o sol,
porém, é a verdade da ciência.

Bem, quem, hoje, vê a ciência desse modo? Hoje, os jovens pensam exatamente o inverso: as
construções intelectuais da ciência constituem um campo irreal de abstrações artificiais. Aqui
na vida, naquilo que para Platão era o jogo de sombras nas paredes da caverna, pulsa a
realidade genuína; o resto são derivativos da vida, fantasmas sem vida e nada mais. Como
ocorreu essa mudança?

Na Grécia, pela primeira vez, surgiu uma forma prática pela qual era possível colocar os
parafusos lógicos em alguém, de modo que não pudesse expressar-se sem admitir que nada
sabia ou que isto, e nada mais, era a verdade, a verdade eterna que jamais desaparecerá, ao
contrário dos feitos dos homens cegos, que desaparecem. Foi essa a tremenda experiência que
se abriu para os discípulos de Sócrates. E disso parece seguir-se que bastaria descobrir-se o
conceito adequado do belo, do bom ou, por exemplo, da coragem, da alma – ou qualquer
outro – então para se aprender também o verdadeiro ser. E isso, por sua vez, parecia abrir o
caminho para o conhecimento e o ensino de como agir acertadamente na vida e, acima de
tudo, como agir como cidadão do Estado; pois esta questão era tudo para o homem helênico,
cujo pensamento era totalmente político. E por essas razões as pessoas se dedicavam à
ciência.

O segundo grande instrumento do trabalho científico, a experimentação racional, surgiu ao


lado da descoberta do espírito helênico, durante a Renascença. Sem ela, a ciência empírica
hoje seria impossível. Houve experimentações antes, mas elevar a experimentação a um
princípio de pesquisa foi realização da Renascença. Foram os grandes inovadores na arte
(como da Vinci), os homens que foram os pioneiros da experimentação. Desses círculos a
experimentação passou à ciência, principalmente através de Galileu, e ingressou na teoria,
através de Bacon. Foi, então, adotada pelas várias disciplinas exatas das universidades
continentais, em primeiro lugar as da Itália e em seguida as da Holanda.

O que significava a ciência para esses homens? Para os experimentadores artísticos do tipo de
Leonardo e dos inovadores musicais, a ciência significava o caminho para a verdadeira arte, e
isto significava para eles o caminho para a verdadeira natureza. E hoje? A ciência como o
caminho para a natureza e para a arte soaria aos ouvidos dos jovens como uma blasfêmia. O
trabalhador científico, influenciado indiretamente pelo protestantismo e puritanismo,
considerava como sua tarefa mostrar o caminho para Deus. Spener sabia que Deus não se
encontrava no caminho onde a Idade Média o havia procurado. Deus está oculto, Seus
caminhos não são os nossos caminhos, Seus pensamentos não são os nossos pensamentos.
Quem ainda acredita que as descobertas da Astronomia, Biologia, Física ou Química nos
poderão ensinar qualquer coisa sobre o significado do mundo? E finalmente, a ciência como
caminho para Deus? A ciência, essa força especificamente irreligiosa? Depois da devastadora
crítica feita por Nietzsche aos “últimos homens” que “inventaram a felicidade”, posso deixar
totalmente de lado o otimismo ingênuo no qual a ciência – isto é, a técnica de dominar a vida
que depende da ciência – foi celebrada como o caminho para a felicidade. Quem acredita
nisso?

Sob essas pressuposições interiores, qual o significado da ciência como vocação, depois de
desaparecidas todas essas ilusões antigas, o “caminho para o verdadeiro Deus”, o “caminho
para a verdadeira felicidade”? Tolstói deu a resposta mais simples, com as palavras: “A ciência
não tem sentido porque não responde à nossa pergunta, a única pergunta importante para
nós: o que devemos fazer e como devemos viver? É inegável que a ciência não dá tal resposta.

Hoje, as rotinas da vida cotidiana desafiam a religião. O que é difícil para o homem moderno, e
especialmente para a geração mais nova, é estar à altura da existência do trabalho cotidiano. A
busca onipresente de “experiência” nasce dessa fraqueza; pois é uma fraqueza não ser capaz
de aprovar a inexorável seriedade de nossos tempos fatídicos.

O erro dos jovens estudantes é que eles buscam no professor algo diferente daquilo que está à
sua frente. Anseiam por um líder, e não um professor. E são duas coisas diferentes, como se
pode ver imediatamente. Seja-me permitido levar-vos novamente à América. O rapaz
americano aprende muito menos do que o rapaz alemão, apesar de um número incrível de
exames. Na América, a burocracia, que pressupõe o diploma de exame como o bilhete de
entrada para o reino das prebendas, está apenas em seus primórdios. O jovem americano não
tem respeito por coisa alguma, nem por ninguém, pela tradição ou pelo cargo público – a
menos que seja pela realização pessoal dos homens individualmente. É a isso que o americano
chama de “democracia”. A concepção que o americano tem do professor que o enfrenta é: ele
me vende seu conhecimento e seus métodos em troca do dinheiro do meu pai, tal como o
verdureiro vende repolhos à minha mãe. E nenhum jovem americano pensaria que o professor
lhe possa vender uma Weltanschauung ou um código de conduta. Quando o pensamento é
formulado dessa maneira devemos rejeitá-lo.

Amigos estudantes! Vinde às nossas aulas e exigi de nós as qualidades de liderança, sem
compreender que de cem professores pelo menos 99 não pretendem ser líderes em questões
de conduta/nos problemas vitais da vida. Vêde, por favor, que o valor de um homem não
depende de ter ou não qualidades de liderança. O professor que se sente chamado a intervir
nas lutas das opiniões mundiais e posições partidárias, poderá fazê-lo fora da aula. Afinal de
contas, é muito cômodo demonstrar coragem tomando uma posição quando a audiência e os
possíveis adversários estão condenados ao silêncio.

Finalmente, pode-se levantar a questão: “Se assim é, que contribuição real e positiva traz a
ciência para a vida prática e pessoal?”. Com isso estamos novamente de volta ao problema da
ciência como “vocação”.

Primeiro, é claro, a ciência contribui para a tecnologia do controle da vida calculando os


objetos externos bem como as atividades do homem. Bem, direis vós, afinal de contas isso
equivale ao verdureiro do rapaz americano. Concordo plenamente. Segundo, a ciência pode
contribuir com algo que o verdureiro não pode: métodos de pensamento, os instrumentos e o
treinamento para o pensamento. Direis, talvez: “Bem, isso não são verduras, mas não vai,
também, além dos meios para conseguir as verduras”. Fiquemos hoje por aqui.

Felizmente, porém, a contribuição da ciência não alcança seu limite, com isso. Estamos em
condições de levar-vos a um terceiro objetivo: a clareza. Na prática, podeis tomar esta ou
aquela posição em relação a um problema de valor – simplificando, pensai, por favor, nos
fenômenos sociais como exemplos. Se tomardes esta ou aquela posição, então, segundo a
experiência científica, tereis de usar tais e tais meios para colocar em prática vossa convicção.
Ora, tais meios talvez sejam de tal ordem que sua rejeição vos pareça imperiosa. Tendes,
então, simplesmente de escolher entre o fim e os meios inevitáveis. Justificará o “fim” os
meios? Ou não? O professor pode apresentar-vos a necessidade de tal escolha. Não pode fazer
mais do que isso, enquanto quiser continuar como professor, e não tornar-se um demagogo.
Com isso, finalmente, chegamos ao serviço final que a ciência, como tal, pode prestar ao
objetivo da clareza, e ao mesmo tempo chegamos aos limites da ciência.

Se formos competentes em nossa empresa, podemos forçar o indivíduo, ou pelo menos


podemos ajudá-lo, a prestar a si mesmo contas do significado último de sua própria conduta.
Isto não me parece pouco, mesmo em relação a nossa vida pessoal. Sou tentado, novamente,
a dizer de um professor que consegue êxito sob tal aspecto: ele está a serviço de forças
“morais”; ele cumpre o dever de provocar o auto-esclarecimento e um senso de
responsabilidade. E creio que ele estará mais capaz de realizar isso na medida em que evitar
conscienciosamente o desejo de impor ou sugerir, pessoalmente, à sua audiência a posição
que tomou. As atitudes últimas possíveis para com a vida são inconciliáveis, daí sua luta jamais
chegar a uma conclusão final. Assim, é necessária uma escolha decisiva. Se, nessas condições,
a ciência é uma “vocação” digna para alguém, e se a ciência em si tem “vocação”
objetivamente digna, são julgamentos de valor sobre os quais nada podemos dizer na sala de
aula. Afirmar o valor da ciência é uma pressuposição a ser ensinada ali. Pessoalmente, pelo
meu trabalho mesmo, respondo pela afirmativa, e também o respondo precisamente do ponto
de vista que odeia o intelectualismo como o pior dos males, tal como o faz hoje a juventude,
ou habitualmente apenas imagina que faz.

A ciência hoje é uma “vocação” organizada em disciplinas especiais a serviço do auto-


esclarecimento e conhecimento de fatos inter-relacionados. Não é o dom da graça de videntes
e profetas que cuidam de valores e revelações sagradas, nem participa da contemplação dos
sábios e filósofos sobre o significado do universo. É essa, na verdade, a condição inevitável de
nossa situação histórica. Não podemos fugir a ela enquanto continuarmos fiéis a nós mesmos.
E se lembrarmos a questão de Tolstói: se a ciência não dá, quem dará resposta à pergunta
“Que faremos e como disporemos nossas vidas?”. Podemos dizer que somente um profeta ou
um salvador podem dar as respostas. Se não houver tais homens, ou se sua mensagem já não
for recebida com confiança, então, certamente não forçaremos o seu aparecimento nesta
Terra, fazendo que milhares de professores, como assalariados privilegiados do Estado,
tentem, como pequenos profetas em suas salas de aula, assumir tal papel. O profeta por
quem, na nossa geração mais nova, tanto anseiam simplesmente não existe.

O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização e intelectualização e, acima de


tudo, pelo “desencantamento do mundo”. Precisamente os valores últimos e mais sublimes
retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida mística, seja para a
fraternidade das relações humanas diretas e pessoais. Não é por acaso que hoje somente nos
círculos menores e mais íntimos, em situações humanas pessoais, em pianissimo, é que pulsa
alguma coisa que corresponde ao pneuma profético, que nos tempos antigos varria as grandes
comunidades como um incêndio, fundindo-as numa só unidade. Se procurarmos forçar e
“inventar” um estilo monumental na arte, produzem-se monstruosidades tão miseráveis
quanto os muitos monumentos dos últimos vinte anos. Se tentarmos construir
intelectualmente novas religiões sem uma profecia nova e autêntica, então, num sentido
íntimo, resultará alguma coisa semelhante, mas com efeitos ainda piores. E a profecia
acadêmica, finalmente, criará apenas seitas fanáticas, mas nunca uma comunidade autêntica.

Para quem não pode enfrentar como homem o destino da época, devemos dizer: possa ele
voltar silenciosamente, sem a publicidade habitual dos renegados, mas simples e quietamente.
Os braços das velhas igrejas estão abertos para eles. De uma forma ou de outra, ele tem de
fazer o seu “sacrifício intelectual” – isso é inevitável. Se ele puder realmente fazê-lo, não o
criticaremos. Pois tal sacrifício intelectual em favor de uma dedicação religiosa é éticamente
diferente da evasão do dever claro de integridade intelectual.
Nada se ganha ansiando e querendo apenas, e agiremos de modo diferente. Procuraremos
trabalhar e atender às “exigências do momento”, nas relações humanas e em nossa vocação.
Isto, porém, é claro e simples, se cada um de nós encontrar e obedecer ao demônio que
controla os cordões de nossa própria vida.

René E. Gertz - Max Weber e Karl Marx

“Max Weber e Karl Marx”, Karl Löwith – 1929 (P.17-31)


Em acordo com a sociedade real, também a ciência desta sociedade não é apenas uma, mas
duas: sociologia burguesa e marxismo. Os representantes mais destacados destas duas
orientações são Max Weber e Karl Marx. O campo de investigação de ambos, porém, é o
mesmo: o caráter “capitalista” da moderna economia e sociedade. Esta área transformou-se
em problema fundamental, não só por abranger uma problemática especial da economia e da
sociedade, e que deve ser tratada em separado, mas sobretudo porque atinge o homem na
totalidade da sua humanidade, e isto como fundamento básico tanto da problemática social
quanto da econômica. É necessariamente o homem, cujo tipo de humanidade se manifesta no
tipo de suas condições de vida social e econômica, então uma análise temática mais ou menos
isolada da “economia e sociedade” capitalista ou do “processo de produção” capitalista
encerrará uma determinada visão do homem, e constituirá o fio condutor e como análise
crítica da economia e sociedade humana, ela insistirá numa “ideia” do homem, que se
distinguirá do fato. A raiz do homem é o próprio homem, e essa concepção assim expressa e
radicalmente intramundana do homem é pressuposta tanto por Marx quanto por Weber.

O tema explícito das investigações científicas de Marx e de Weber é o “capitalismo”, mas o


impulso para a investigação a seu respeito é dado pela questão do destino humano do mundo
contemporâneo, em que o capitalismo constitui a expressão marcante da problemática. A
questão em torno do capitalismo implica por seu turno uma ideia daquilo que dentro deste
mundo capitalista faz do homem um homem, o que dentro dele constitui a sua humanidade.
Explicitar o tema de investigação de Marx e Weber no concernente a este aspecto não
equivale a dizer que este tema já constituísse para eles mesmos a tendência orientadora, mas
ele constitui o pano de fundo onipresente em suas preocupações. Assim, a tendência evidente
do Manifesto Comunista é prático-política e a dos estudos de sociologia das religiões de Weber
é teórico-histórica.

Para Weber o fenômeno da racionalização constitui a grande linha-mestra não só de sua


sociologia da religião e de sua doutrina científica mas, no fundo, de todo o seu sistema.
Representa para ele o caráter básico do modo de vida ocidental e do nosso “destino”. Numa
diferenciação expressa e numa contraposição suposta à análise econômica de Marx, a análise
sociológico-religiosa consiste no fato de que Weber não encara o capitalismo como uma força
autonomizada de relações, meios e forças de produção para, com base nela, entender
ideologicamente todo o resto; mas, segundo ele, o capitalismo só pôde transformar-se na
força determinante da vida humana por desenvolver-se no âmbito de um “modo racional de
vida”, a racionalidade como postura de vida que se manifesta tanto no “espírito” do
capitalismo (burguês) quanto no protestantismo (burguês). Ambas, religião e economia,
configuram-se na sua vitalidade sob a direção deste todo orientador.
O conhecimento dos meios (não dos fins) é fornecido pela ciência racional. Ela possibilita,
assim, a coerência interna e portanto (!) a honestidade do nosso agir finalístico teórico e
prático. Existe a tensão ética entre meio e fim (“os fins justificam os meios”). Ao contrário da
ética moral, que Weber chama de ética de comportamento “irracional” em função de sua
indiferença quanto às consequências, a ética de responsabilidade calcula quais as
oportunidades e as consequências do agir. Ela é uma ética relativa e não absoluta, por estar
condicionada pelo conhecimento das oportunidades e consequências da execução de seus
fins, com base na avaliação dos meios.

Para Weber, uma vez que aquilo que originalmente constitui um simples meio (para um fim
valioso) se transforma em fim em si, aquilo que funcionava como meio se autonomiza,
passando a funcionar como fim e perdendo seu sentido original. Esta inversão caracteriza toda
a cultura moderna. É aí que reside o verdadeiro problema cultural da racionalização em
direção ao irracional e é aí que se colocam a identidade da análise e a diferença na avaliação
desta problemática, dadas por Weber e por Marx.

Na conferência de 1918 sobre o Socialismo, Weber menciona a separação do trabalhador em


relação aos instrumentos de trabalho, o que o socialismo entendia como “domínio das coisas
sobre o homem”. Esta inversão paradoxal aparece naturalmente mais transparente quando
ocorre naquele comportamento que pretende ser especificamente racional: o comportamento
econômico-racional. No processo de sua racionalização, transforma-se com necessidade
inevitável em seu inverso e produz a insensata irracionalidade de condições autônomas e auto-
suficientes que passam a dominar o comportamento humano. É em torno da explicação e da
destruição desta situação que gira todo o trabalho teórico e prático de Marx; o trabalho de
Weber desenvolve-se em torno da compreensão da situação. Esta perversão econômica
também representa para Marx a configuração de uma inversão geral, que consiste no fato de
que a coisa domina o homem, que o produto produzido domina o produtor.

Diante da irreversibilidade da racionalização burocrática, segundo Weber, só se pode


perguntar como, em face desta tendência superpoderosa da racionalização da vida, ainda é
possível salvar quaisquer resíduos de uma “liberdade individualista de movimento”, seja ela
qual for. É esta liberdade de movimento que Weber na verdade não salvou para si, mas lutou
permanentemente por ela, e isto aconteceu praticamente pela luta em si. Weber sempre lutou
por esta liberdade, colocando-se de forma ostensiva e autônoma exatamente dentro deste
mundo, para dentro dele lutar contra ele como “ato de renúncia”. O sucesso mais geral e mais
profundo da racionalização é aquilo que Weber demonstra estar principalmente ao alcance da
ciência, um desencantamento fundamental do mundo. A postura básica que Weber assume
dentro deste mundo racionalizado, e que também determina sua metodologia, consiste numa
firmeza objetivamente insustentável do indivíduo que se responsabiliza diante de si mesmo.
Colocado dentro deste mundo de servidão, o indivíduo como “homem” pertence e está
abandonado a si mesmo.

Crítica de Weber à concepção materialista de História (ainda segundo Löwith)

O título sob o qual Weber apresentou em 1918 suas pesquisas sobre sociologia das religiões é
Crítica positiva da concepção materialista de História. A concepção materialista de História
pressuposta na crítica de Weber não se encontra nem no que tange ao seu sentido nem no
que tange à terminologia no próprio Marx; em especial no jovem Marx, que ainda não fizera o
acerto de contas com sua “consciência filosófica”. Ela constitui um produto do marxismo
vulgar econômico, que tem sua origem em Engels e no velho Marx. O conteúdo original e
pleno da análise crítica do homem da sociedade econômica burguesa feita por Marx
praticamente se perdeu com isto. À falsa crítica de Weber a Marx que daí se originou
corresponde um erro análogo na identificação dos temas originais e abrangentes da pesquisa
na sociologia weberiana por parte de sociólogos profissionais burgueses.

Weber ofuscou (em conluio com o marxismo vulgar) a perspectiva orientadora original de
Marx (o fenômeno humano-histórico da alienação), através de argumentos antimarxistas.
Apesar disso, mesmo na forma lacunosa da crítica de Weber manifesta-se o verdadeiro tema
que o diferencia de Marx. Cabe resgatar este tema real do cerne da sua formulação agressiva e
falhada, para reconduzir a diferença entre Weber e Marx ao seu nível inicial.

Dez anos antes, Weber fizera a sua crítica à “assim chamada” superação da concepção
materialista da História por Stammler. A colocação em relação a Stammler deixa transparecer
simultaneamente uma colocação em relação ao próprio Marx. O segundo parágrafo da crítica
nos fornece o seguinte sobre a auto-interpretação científica de Weber e sobre a respectiva
crítica a Marx: a tese espiritualista de que em “última análise” a História humana, incluindo os
acontecimentos políticos e econômicos, não reflete outra cosia senão lutas religiosas, de que
com isto ela deve ser explicada unitária e inequivocamente. Esta tese, para Weber, é
“empiricamente” tão incomprovável e irrefutável quanto a tese materialista – que lhe é oposta
quanto ao conteúdo, mas não quanto ao método -, que afirma serem as lutas econômicas o
agente, em última instância, decisivo na História humana. Em relação a ambas as teses, o
empirista sociológico Weber afirma que quanto ao significado causal do fator religioso em si,
para a vida social em si, cientificamente não se pode afirmar nada. A visão total
cientificamente possível não consiste na ampliação dogmática de um componente individual
para uma fórmula universal do todo que só existe na cabeça de dogmáticos, mas sim no
avanço baseado em uma unilateralidade, necessária para qualquer observação científica, que
se realiza sob determinadas perspectivas que delimitam unilateralmente o objeto, em direção
à multiplicidade dos modos de observação.

O assim chamado espírito do capitalismo não é entendido por Weber nem de forma marxista-
vulgar, como simples espírito ideológico das relações capitalistas de produção, nem como um
espírito religioso independente e autônomo. Um espírito do capitalismo, segundo Weber, só
existe porque uma tendência geral para o modo de vida racional, sustentada pela camada
burguesa da sociedade, fornece motivos para o estabelecimento de uma relação interna entre
economia capitalista de um lado e ethos protestante de outro. Ele mesmo classifica a diferença
entre o seu método e o do marxismo conforme a diferenciação entre um método empírico e
um método dogmático. O verdadeiro sentido de seu procedimento “empírico” só
aparentemente se localiza no progredir de uma unilateralidade necessária na investigação
científica para a multiplicidade científica, em oposição à inequivocidade dogmática de uma
fórmula universal. O verdadeiro sentido disto está em que Weber, ao abdicar de uma
“humanidade universal” e de uma “fórmula universal” abrangente, queria desautorizar
qualquer fixação em quaisquer realidades determinadas e sua consequente ampliação para
um “todo” ilusório. O que ele efetivamente combate não é a totalidade da existência e da
observação, mas a possível cristalização de uma particularidade para um todo, ou seja, um
determinado tipo de totalidade.

Pode-se afirmar que sociologia que Weber pratica é uma “ciência da realidade”. Todavia, não
pelo fato de ter apreendido a realidade de forma puramente científica, mas pelo fato de que,
sabedor do caráter duvidoso de nossos ideais e realidades contemporâneas, Weber
comportava-se em relação a esta realdiade de forma livre no que tange ao fim, mas
comprometido no que tange aos meios, comportando-se tecnicamente. Assim a peculiaridade
de seu método empírico especialziado também decorre do fato de que ele não se deixava
determinar por nenhuma especialização da vida ou do conhecimento e combatia qualquer
método dogmático como forma científica de uma postura do homem diante do mundo com
raízes no transcendente, como uma fixação muito rápida em instâncias supostamente últimas,
de tipo religioso, social ou econômico.

Como Marx e Weber, ao analisar a realidade que nos determina, pensavam saber o que é
efetivamente real e humano, sua ciência se referia a um todo. Este todo não é a soma de tudo
aquilo que existe, mas o resumo de o que é significativo no todo de um princípio, com base no
qual ele então pode ser investigado em seus detalhes. O todo que ambos reconheceram em
sua importância primária e transformaram no objeto de suas investigações é a problemática
do mundo humano moderno, o qual é capitalista (ponto de vista econômico) e burguês
(político). Weber possui a dúvida em relação à expectativa do marxismo de que a eliminação
da economia privada daria fim ao domínio do homem sobre o homem.

“O problema do relacionamento de Max Weber com Karl Marx”,


Jürgen Zander – 1978 (P.70-96)
O pensamento de Weber estava submetido a uma constante exigência de exatidão, e a
pressão que esta exigência exercia sobre ele próprio pode ser notada em cada página que
escreveu. A mesma exatidão de que não conseguia desvencilhar-se, exigia dos outros. Não
tolerava nenhuma falta de clareza, nenhuma vaguidade, sempre que fosse possível dizer e
determinar as coisas com exatidão maior. Assim sendo, seria de estranhar se tivessem
escapado a Weber os traços de incoerência ou de falta de nitidez que caracterizam o marxismo
vulgar. Para ele, estava claro que ali onde as ideias não questionam seus fundamentos, não se
pode esperar por firmeza. Weber estava consciente do caráter pouco nítido das ideias que
vinham na sucessão de Marx, mas tinha consciência de que essa falta de clareza entre os
sucessores de Marx não tinha sua origem necessariamente nos escritos do próprio Marx. Se
Weber era tão exato a ponto de, apesar da falta de clareza das ideias dos sucessores de Marx,
constatar a existência de orientações e correntes, então ele era no mínimo suficientemente
exato para não incluí-lo nas ideias propagadas pelos marxistas. Veremos que ele até o defende
contra estas ideias.

As referências diretas de Weber ao próprio Marx são extremamente raras e espalhadas por
toda a sua obra. Uma delas é a crítica a Rudolf Stammler [já citada no texto de Löwith]. Weber
sugere (ao citar um texto de Max Adler) que o termo marxiano “materialista” está cada vez
mais distorcido dentro do marxismo, transformando-se na metafísica do materialismo das
ciências naturais que predominou no século XVII e que continou forte até meados do XIX.
Contudo, neste sentido das ciências naturais Marx não teria sido um materialista. O erro seria
justamente da concepção de Stammler, o que significa que Weber faz uma distinção entre
Marx e marxismo [Jürgen Zander já discorda da interpretação de Löwith].

No artigo A objetividade do conhecimento sociocientífico e social-político, Weber diz:


“Propositalmente se evitou fazer uma demonstração à mão do caso mais importante de
construções típico-ideais: em Marx. Isto aconteceu para não complicar a exposição ainda mais,
com a inclusão de interpretações de Marx, e para não antecipar as discussões na nossa revista,
que transformará a bibliografia que surgiu sobre e a partir do grande pensador em objeto
permamente de nossas análises críticas [...]”. Deve-se procurar muito na obra de Weber para
encontrar um autor a quem ele atribua o predicado “grande pensador”. Deve-se recordar
também da máxima de Weber, de que não se deve louvar alguém que não se tenha
efetivamente lido, o que comprova a leitura das obras de Marx por Weber.

Uma outra prova está nos Debates: “Mas está escrito em Marx, onde está escrita muita coisa
que, se a gente for analisar de forma exata e pedante como nós o devemos fazer, não só
parece contraditória mas efetivamente é contraditória [...]”, raríssima vez em que Weber faz
citação direta a Marx (e de forma crítica). Ela indica que Weber estava plenamente consciente
da utilização do método dialético em Marx. Nesse texto de Weber, logo no início aparece seu
interesse lógico pela dialética de Hegel. Jürgen Zander observa o quão grande era a
importância que Weber atribuía a Hegel; que ele via aplicado no Capital de Marx o método
dialético; que a dialética sofreu em Marx uma mudança em relação a Hegel. Não há dúvida de
que Weber se referia ao próprio Marx e enxergava nele o dialético que merecia o seu respeito.

Na conferência sobre O Socialismo, Weber procura defender Marx do marxismo vulgar com as
seguintes palavras: “O assim chamado materialismo histórico é defendido atualmente com um
obscurecimento total de seu sentido verdadeiro. Criou-se, por exemplo, uma tal confusão
desesperadora na discussão em torno da concepção materialista da história [...]”. Em uma
outra análise sobre as interpretações de Marx, na Wissenschaftslehre, Weber mostra que o
que dá unidade à abordagem weberiana do marxismo é o fato de que ele o analisa
perguntando se este lida, e como, com a pretensão manifesta de constituir um método
universal de interpretação da realdiade. Mas esta pretensão estabelecida pelo próprio
marxismo, segundo Weber, só é cumprida através do recurso a “hipóteses extremamente
gastas” e à “fraseologia mais chã”. Contudo, nesta descrição (que se entende por diversas
páginas) o nome de Marx não é citado.

Distinção de Weber entre Marx e sucessores de Marx

A importância desta distinção se deve ao fato de Löwith ter partido do pressuposto inverso. É
necessário que se faça uma crítica a esse trabalho com base nisso. Löwith afirma que Weber,
em sua crítica a Stammler, também apresentou uma crítica do marxismo, com ênfase no seu
método, mas como no marxismo vulgar “se perdera o conteúdo original e pleno da análise
crítica de Marx”, teria ocorrido “uma crítica errada de Weber a Marx”. Weber teria, “em
conluio com o marxismo vulgar, obscurecido a perspectiva que orientava o Marx original, o
fenômeno histórico-humano da alienação, e tapado com argumentos antimarxistas”.

Isto está errado. A crítica de Weber a Stammler pretende justamente não ser uma crítica ao
marxismo vulgar e muito menos ao próprio Marx, a intenção é exclusivamente testar as
capacidades metodológicas de Stammler, já que este pretendia corrigir Marx. Na verdade,
Weber no mínimo defendeu Marx contra Stammler.

Segundo Kocka “Weber praticamente não se confronta com Marx, de forma explícita ao
menos. Quando se refere ao marxismo, volta-se primordialmente contra um determinado
desdobramento da teoria marxiana, mas deixa de levar em consideração a posição central do
próprio Marx [...]”. Segundo Giddens há um claro antagonismo entre a avaliação que Weber
fazia do “cientista” Marx e aquela que ele fazia dos marxistas que encontrava no contexto
político de seu tempo. Löwith não levou em conta a exigência weberiana por exatidão e por
isso enxergou Weber “em conluio com o marxismo vulgar”, uma afirmação insuportável para a
natureza weberiana.

Quando Weber fala do próprio Marx, se tem a impressão de que não pretende entrar no
assunto, de que pretende deixar como está. A obra de Weber não apresenta uma discussão
aberta com Marx na forma acabada de uma crítica explícita, como a que ele não deixou de
fazer a Roscher, Knies ou Stammler.

Quase ao final de sua vida, respondeu à pergunta de um estudante: “A probidade de um


intelectual contemporâneo e sobretudo de um filósofo de nossos dias pode-se medir com base
em seu posicionamento diante de Nietzche e de Marx. Quem não admite que não poderia
executar partes muito importantes de seu trabalho sem o trabalho que estes dois realizaram
engana-se a si mesmo e aos outros. O mundo dentro do qual nós mesmos existimos
intelectualmente é um mundo em grande parte cunhado por Marx e por Nietzche”.

É interessante que Weber, em vez de permitir que o classifiquem como opositor a Marx,
prefere solidarizar-se com este. Mas, no conjunto, sua oposição é esquiva e reservada. Nunca
se manifestou de forma inequívoca sobre sua postura diante de Marx. Assim, apesar de que
uma confrontação de Weber com Marx estivesse na ordem do dia, ela nunca ocorreu. Esta
ausência de uma crítica direta, mais aprofundada e fundamental de Marx na obra de Weber,
consitui a questão que nos deverá guiar no nosso interesse em aprofundar a relação de Weber
com Marx.

Resultados da investigação sobre o problema da relação de Max Weber com Karl Marx

Uma vez que Weber via, com razão, em Marx o dialético na forma da dialética hegeliana, mas
como ele próprio também reivindica para si uma apreensão própria do “todo”, assim ocorre
entre os dois, uma separação. Weber, que tinha consciência de sua separação de Marx, a
considerava – o que se manifestava no seu amplo silêncio em relação a Marx.

Soa paradoxal que aquilo que separava Weber de Marx era a mesma pretensão radical de
apreender a realidade.

Weber conhecia muito bem a prática epistemológica dialética de Marx, assim como dominava
muito bem a sua lógica (refutando-se em definitivo Löwith, ao afirmar que Weber interpretou
Marx erroneamente com base no marxismo vulgar).

Pretendo citar dois textos com manifestações de Weber sobre Marx, propositalmente ainda
não utilizados:

1 - Discussão na Associação para Política Social: “Quanto sei, Marx não fornece uma definição
do conceito de técnica. Mas está escrito em Marx, onde está escrita muita coisa, que, se a
gente for analisar de forma exata e pedante como nós o devemos fazer, não só parece
contraditória, mas efetivamente é contraditória; entre outras passagens isto atinge uma muito
citada que diz: moinho manual condiciona feudalismo, moinho a vapor condiciona capitalismo.
Mas esta não é uma construção econômica, mas sim tecnológica da História - e, sobre a
afirmação, simplesmente se constata que ela está errada. Pois a era do moinho manual, que
vem até o limiar da era moderna, conheceu ‘superestruturas’ culturais de todos os tipos
imagináveis em todos os campos. Aí o dr. Quarck naturalmente tem toda a razão, ao afirmar
que a concepção materialista de História parte da distribuição da propriedade como elemento
constitutivo do processo de produção, e não só da pergunta se, por exemplo, são empregadas
máquinas ou não. Mas, ao lado de outras imprecisões”.

2 - Conferência sobre “O Socialismo”: “O documento fundamental deste socialismo é o


Manifesto Comunista de 1847, publicado e difundido em janeiro de 1848 por Karl Marx e
Friedrich Engels. Este documento constitui, no seu gênero, por mais que neguemos suas teses
centrais (e ao menos eu o faço), uma realização científica de primeira grandeza. Isto não se
pode nem se deve negar, pois ninguém o acreditaria, e porque de sã consciência não se pode
negá-lo. Mesmo naquelas teses que hoje negamos, ele constitui um erro espirituoso, que no
campo político teve consequências profundas e talvez nem sempre agradáveis, mas que teve
consequências muito frutíferas para a ciência, consequências mais frutíferas do que muitas
vezes possui uma correção sem espirituosidade”.
Em ambas as passagens, que se referem ao próprio Marx, se fala de “imprecisões”, “erro”,
“afirmação falsa”. Mas com que esforço evidente para reduzir o significado negativo dessas
expressões! Os erros contidos no Manifesto Comunista, “uma realização científica de primeira
grandeza”, são “espirituosos”.

Pode ser-nos muito útil caracterizar Weber como um “espírito inquiridor”, indagador, que tem
como máxima a exatidão pedante, enquanto os dialéticos Hegel e Marx podem ser descritos
como “viajantes” em meio a um terreno em aclive e que se voltam para trás para olhar o
panorama que se descortina atrás deles. Se a maneira de ver e de formular destes dois era
sobretudo descritiva e narrativa, a do espírito inquiridor é sobretudo de definição.

Esta peculiaridade de Marx e Weber, no sentido de que um tende sobretudo para a definição,
enquanto o outro (Marx) a evita, não constitui apenas uma peculiaridade estilística de ambos,
mas está fundamentada naquilo que acima foi caracterizado como o tipo do espírito
inquiridor, por um lado, e como o tipo do “panoramista”, por outro. As afirmações de Weber
recém-citadas mostram claramente que vantagens e que desvantagens para o conhecimento
ele enxergava no modo de pensar de Marx. Como desvantagens, ele aponta a falta de precisão
na definição (impreciso, “falta de clareza”, perigo de surgimento de um “erro”). Como
vantagem do método de Marx, Weber aponta os dons da fantasia e a força criadora (“erro
espirituoso” com “consequências mais frutíferas” para a ciência do que uma “correção sem
espirituosidade”).

[Löwith apontou para a crítica errada de Weber em função do dogmatismo da comparação.


Zander assume outra posição, onde o comparar parece totalmente suspeito.]

A incomparabilidade de ambos se mostrou tanto na problemagtização geral que envolve a


pretensão de apreender o todo (o princípio filosófico), quanto na peculiaridade
caracteriológica de Weber como espírito inquiridor e de Marx como espírito panoramista.

Weber, como disse na sua conferência, enxergava no marxismo sobretudo “a fé jubilosa das
massas” em uma “profecia patética”. Esta profecia apresentava seu vaticínio na forma de uma
explicação da realidade que era racionalmente irrefutável e totalmente independente do
acaso. Para Marx, o absoluto (cujo conteúdo não conhecia) se transformou numa realidade
efetivamente existente através da relativamente satisfatória conceptibilidade dialética do
mundo. Para a fé dos adeptos, dos discípulos desta figura especificamente profética, bastava a
convicção da irrefutabilidade racional e da infalibilidade (não há acaso) do vaticínio; acredita-
se em Marx porque e na medida em que seu vaticínio é cientificamente irrefutável. O sacrifício
do intelecto do adepto de Marx processa-se na forma certamente inovadora de que o
intelecto se transforma em instrumento de coação da fé e, com isto, assume a função inversa
do intelecto no “espírito inquiridor”.

O fato de que Weber enxergava em Marx o profeta que conseguiu levar seus adeptos à fé no
vaticínio, usando seu intelecto da forma como foi descrita, colocou o primeiro numa relação
profundamente complexa com o segundo. Pelo fato de Marx ter apresentado sua profecia na
forma daquela racionalização infalível e logicamente inatacável, sem conhecer diretamente o
absoluto que se lhe revelava aí, ele deve ter parecido a Weber como a inovadora e talvez única
figura de profeta que falava através da ciência sem ter sido enviado por um Deus. Este
relacionamento complexo com Marx foi o motivo pelo qual Weber evitou o confronto direto,
público ou publicado. Ele sabia que a forma lógica da teoria marxiana era inatacável,
justamente porque a partir da lógica pura é irrefutável, não havia um antídoto racional contra
um instrumento de fé. Weber compreendeu que não se pode cair nos braços de um profeta,
que se deve deixá-lo em paz. Apesar de o reconhecer como profeta, não era discípulo, não
acreditava nele, não pensava em sacrificar o intelecto. Se Weber não estava disposto a
enfrentar o profeta Marx, por outro lado, julgava que o compromisso consigo mesmo e com o
profeta consistia em não apoiá-lo. Weber sabia que a única força contra Marx e o marxismo
era o questionamento, inquietação do intelecto. Sabia que o questionamento feito a partir de
fora podia ser rechaçado, mas não o de dentro, através da inquietação do intelecto. Weber
sabia que este seria o momento no qual a ação profética de Marx estaria no fim e sua obra
missionária cumprida, quando dentro do marxismo a convicção da racionalidade logicamente
irrefutável da evolução predita não fosse mais suficiente para forçar a fé no absoluto sob a
forma da ideia da inevitabilidade, então a força do questionamento a partir de dentro teria
uma nova chance. Sabendo disto, Weber podia silenciar.

Um Toque de Clássicos - Weber - Tania Quintaneiro


P. 107-113

À época de Max Weber, travava-se na Alemanha um acirrado debate entre a corrente até
então dominante no pensamento social e filosófico, o positivismo, e seus críticos. O objeto da
polêmica eram as especificidades das ciências da natureza e do espírito e, no interior destas, o
papel dos valores e a possibilidade da formulação de leis. Wilhelm Dilthey (1833-1911), um dos
mais importantes representantes da ala antipositivista, contrapôs à razão científica dos
positivistas a razão histórica, isto é, a idéia de que a compreensão do fenômeno social
pressupõe a recuperação do sentido, sempre arraigado temporalmente e adscrito a uma
weltanschauung (relativismo) e a um ponto de vista (perspectivismo). Obra humana, a
experiência histórica é também uma realidade múltipla se inesgotável.

Mas foram Marx e Nietzsche, reconhecidos pelo próprio Weber como os pensadores decisivos
de seu tempo, aqueles que, segundo alguns biógrafos, tiveram maior impacto sobre a obra do
sociólogo alemão. A influência de Marx evidencia-se no fato de ambos terem compartilhado o
grande tema - o capitalismo ocidental - e dedicado a ele boa parte de suas energias
intelectuais, estudando-o da perspectiva histórica, econômica, ideológica e sociológica. Weber
propôs-se a verificar a capacidade que teria o materialismo histórico de encontrar explicações
adequadas à história social, especialmente sobre as relações entre a estrutura e a
superestrutura. Em suma, procurou compreender como as idéias, tanto quanto os fatores de
ordem material, cobravam força na explicação sociológica, sem deixar de criticar o monismo
causal que caracteriza o materialismo marxista nas suas formas vulgares.

Weber também é herdeiro da percepção de Friedrich Nietzsche (1844-1900) segundo a qual a


vontade de poder, expressa na luta entre valores antagônicos, é que torna a realidade social,
política e econômica compreensível. Isso refletia preocupações correntes de historiadores,
sociólogos e psicólogos alemães, interessados pelo caráter conflituoso implícito no pluralismo
democrático.

Enfim, cabe lembrar a originalidade de Weber no refinamento dessas e de outras idéias que
estavam presentes nos debates da época. Os conceitos com os quais interpretou a complexa
luta que tem lugar em todas as arenas da vida coletiva e o desenvolvimento histórico do
Ocidente como a marcha da racionalidade representam um avanço em termos de precisão
metodológica.

A OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO
Na investigação de um tema, um cientista é inspirado por seus próprios valores e ideais, que
têm um caráter sagrado para ele, nos quais está disposto a lutar. Por isso, deve estar
capacitado a estabelecer uma “distinção entre reconhecer e julgar, e a cumprir tanto o dever
científico de ver a verdade dos fatos, como o dever prático de defender” os próprios valores,
que devem ser obrigatoriamente expostos e jamais disfarçados de “ciência social” ou da
“ordem racional dos fatos”. É essencial distinguir a política e a ciência e considerar que esta
tampouco está isenta de valores. Enquanto a ciência é um produto da reflexão do cientista, a
política o é do homem de vontade e de ação, ou do membro de uma classe que compartilha
com outras ideologias e interesses. Segundo Weber, “a ciência é hoje uma vocação organizada
em disciplinas especiais a serviço do auto-esclarecimento e conhecimento de fatos inter-
relacionados”. (A Ciência como Vocação, p. 180) Ela não dá resposta à pergunta: a qual dos
deuses devemos servir? Essa é uma questão que tem a ver com a ética. Em outras palavras, é
preciso distinguir entre os julgamentos de valor e o saber empírico. Este nasce de necessidades
e considerações práticas historicamente colocadas, na forma de problemas, ao cientista cujo
propósito deve ser o de procurar selecionar e sugerir a adoção de medidas que tenham a
finalidade de solucioná-los. Já os julgamentos de valor dizem respeito à definição do
significado que se dá aos objetos ou aos problemas. O saber empírico tem como objetivo
procurar respostas através do uso dos instrumentos mais adequados (os meios, os métodos).
Mas o cientista nunca deve propor-se a estabelecer normas, ideais e receitas para a praxis,
nem dizer o que deve, mas o que pode ser feito. A ciência é, portanto, um procedimento
altamente racional que procura explicar as conseqüências de determinados atos, enquanto a
posição política prática vincula-se a convicções e deveres. A relação entre ciência e valores é,
ainda assim, mais complexa do que possa parecer. Segundo Weber:

Hoje falamos habitualmente da ciência como “livre de todas as pressuposições”. Haverá tal
coisa? Depende do que entendemos por isso. Todo trabalho científico pressupõe que as regras
da lógica do método são válidas; são as bases gerais de nossa orientação no mundo; e, pelo
menos para nossa questão especial, essas pressuposições são o aspecto menos problemático
da ciência. A ciência pressupõe, ainda, que o produto do trabalho científico é importante no
sentido de que “vale a pena conhecê-lo”. Nisto estão encerrados todos os nossos problemas,
evidentemente, pois esta pressuposição não pode ser provada por meios científicos - só pode
ser interpretada com referência ao seu significado último, que devemos rejeitar ou aceitar,
segundo a nossa posição última em relação à vida. (...) A “ressuposição” geral da Medicina é
apresentada trivialmente na afirmação de que a Ciência Médica tem a tarefa de manter a vida
como tal e diminuir o sofrimento na medida máxima de suas possibilidades. Se a vida vale a
pena ser vivida e quando - esta questão não é indaga da pela Medicina. (WEBER. A Ciência
como vocação, p.170-171)

Mas como é possível, apesar da existência desses valores, alcançar a objetividade nas ciências
sociais? A resposta de Weber é que os valores devem ser incorporados conscientemente à
pesquisa e controlados através de procedimentos rigorosos de análise, caracterizados como
“esquemas de explicação condicional”. A ação do cientista é seletiva. Os valores são um guia
para a escolha de um certo objeto pelo cientista. A partir daí, ele definirá uma certa direção
para a sua explicação e os limites da cadeia causal que ela é capaz de estabelecer, ambos
orientados por valores. As relações de causalidade, por ele construídas na forma de hipóteses,
constituirão um esquema lógico-explicativo cuja objetividade é garantida pelo rigor e
obediência aos cânones do pensamento científico. O ponto essencial a ser salientado é que o
próprio cientista é quem atribui aos aspectos do real e da história que examina uma ordem
através da qual procura estabelecer uma relação causal entre certos fenômenos. Assim produz
o que se chama tipo ideal.
Conclui-se que a atividade científica é, simultaneamente, racional com relação às suas
finalidades - a verdade científica - e racional com relação a valores - a busca da verdade. A
obrigação de dizer a verdade é, enfim, parte de uma ética absoluta que se impõe, sem
qualquer condição, aos cientistas.

Dada a sua complexidade, a discussão realizada por Weber sobre a objetividade das ciências
sociais merece uma consideração cuidadosa. Segundo o autor, para chegar ao conhecimento
que pretende, o cientista social efetua quatro operações: 1) estabelece leis e fatores
hipotéticos que servirão como meios para seu estudo; 2) analisa e expõe ordenadamente “o
agrupamento individual desses fatores historicamente dados e sua combinação concreta e
significativa”, procurando tornar inteligível a causa e natureza dessa significação; 3) remonta
ao passado para observar como se desenvolveram as diferentes características individuais
daqueles agrupamentos que possuem importância para o presente e procura fornecer uma
explicação histórica a partir de tais constelações individuais anteriores, e 4) avalia as
constelações possíveis no futuro. (A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais, p. 91).

Weber endossa o ponto de vista segundo o qual as ciências sociais visam a compreensão de
eventos culturais enquanto singularidades. O alvo é, portanto, captar a especificidade dos
fenômenos estudados e seus significados. Mas sendo a realidade cultural infinita, uma
investigação exaustiva, que considerasse todas as circunstâncias ou variáveis envolvidas num
determinado acontecimento, torna-se uma pretensão inatingível. Por isso, o cientista precisa
isolar, da “imensidade absoluta, um fragmento ínfimo”: que considera relevante. O critério de
seleção operante nesse processo está dado pelo significado que certos fenômenos possuem,
tanto para ele como para a cultura e a época em que se inserem. É a partir da consideração de
ambos os registros que será possível o ideal de objetividade e inteligibilidade nas ciências
sociais. Pode-se dizer, então, que o particular ou específico não é aquilo que vem dado pela
experiência, nem muito menos o ponto de partida do conhecimento, mas o resultado de um
esforço cognitivo que discrimina, organiza e, enfim, abstrai certos aspectos da realidade na
tentativa de explicar as causas associadas à produção de determinados fenômenos. Mas o
método de estudo de que se utiliza baseia-se no estado de desenvolvimento dos
conhecimentos, nas estruturas conceituais de que dispõe e nas normas de pensamento
vigentes, o que lhe permite obter resultados válidos não apenas para si próprio.

Existe uma grande diferença entre conferir significado à realidade histórica por meio de idéias
de valor e conhecer suas leis e ordená-la de acordo com conceitos gerais e princípios lógicos,
genéricos. Mas a explicação do fato significativo em sua especificidade nunca estará livre de
pressupostos porque ele próprio foi escolhido em função de valores. Com isso, Weber rejeita a
possibilidade de uma ciência social que reduza a realidade empírica a leis. Para explicar um
acontecimento concreto, o cientista agrupa uma certa constelação de fatores que lhe
permitam dar sentido a esta realidade particular.
Weber procura demonstrar que conceitos muito genéricos, extensos, abrangentes ou
abstratos, são menos proveitosos para o cientista social por serem pobres em conteúdo, logo,
afastados da riqueza da realidade histórica. Portanto, a tentativa de explicar tais fenômenos
por meio de “leis” que expressem regularidades quantificáveis que se repetem não passa de
um trabalho preliminar, possivelmente útil. Os fenômenos individuais são um conjunto infinito
e caótico de elementos cuja ordenação é realizada a partir da significação que representam e
por meio da imputação causal que lhe é feita. Logo,

a) o conhecimento de leis sociais não é um conhecimento do socialmente real, mas unicamente


um dos diversos meios auxiliares que o nosso pensamento utiliza para esse efeito e, b) porque
nenhum conhecimento dos acontecimentos culturais poderá ser concebido senão com base na
significação que a realidade da vida, sempre configurada de modo individual, possui para nós
em determinadas relações singulares. (WEBER. A objetividade do conhecimento nas Ciências
Sociais, p. 96).

O princípio de seleção dos fenômenos culturais infinitamente diversos é subjetivo, já que


apenas o ponto de vista humano é capaz de conferir-lhes sentido, assim como de proceder à
imputação de causas concretas e adequadas ou objetivamente possíveis, destacando algumas
conexões, construindo relações, e elaborando ou fazendo uso de conceitos que pretendem ser
fecundos para a investigação empírica, embora inicialmente imprecisos e intuídos. Isto vai
permitir “tomar consciência não do que é genérico mas, muito pelo contrário, do que é
específico a fenômenos culturais” (WEBER. A objetividade do conhecimento nas Ciências
Sociais, 116). A resposta para o problema da relação entre a objetividade do conceito puro e a
compreensão histórica encontra-se na elaboração dos tipos ideais, através dos quais busca-se
tornar compreensível a natureza particular das conexões que se estabelecem empiricamente.

OS TIPOS IDEAIS
Por meio das ciências sociais “queremos compreender a peculiaridade da vida que nos rodeia”
composta de uma diversidade quase infinita de elementos. Ao tomar um objeto, apenas um
fragmento finito dessa realidade, o cientista social empreende uma tarefa muito distinta
daquela que se propõe o cientista da natureza. O que procura é compreender uma
individualidade sociocultural formada de componentes historicamente agrupados, nem
sempre quantificáveis, a cujo passado se remonta para explicar o presente, partindo então
deste para avaliar as perspectivas futuras.

Sendo uma ciência generalizadora, a Sociologia constrói conceitos - tipo, “vazios frente à
realidade concreta do histórico” e distanciados desta, mas unívocos porque pretendem ser
fórmulas interpretativas através das quais se apresenta uma explicação racional para a
realidade empírica que organiza. Esta adequação entre o conceito e a realidade é tanto mais
completa quanto maior a racionalidade da conduta a ser interpretada, o que não impede a
Sociologia de procurar explicar fenômenos irracionais (místicos, proféticos, espirituais,
afetivos). O que dá valor a uma construção teórica é a concordância entre a adequação de
sentido que propõe e a prova dos fatos, caso contrário, ela se torna inútil, seja do ponto de
vista explicativo ou do conhecimento da ação real. Quando é impossível realizar a prova
empírica, a evidência racional serve apenas como uma hipótese dotada de plausibilidade. Uma
construção teórica que pretende ser uma explicação causal baseia-se em probabilidades de
que um certo processo “A” siga-se, na forma esperada, a um outro determinado processo “B”.

Somente as ações compreensíveis são objeto da Sociologia. E para que regularidades da vida
social possam ser chamadas de leis sociológicas é necessário que se comprove a probabilidade
estatística de que ocorram na forma que foi definida como adequada significativamente.

Na medida em que não é possível a explicação de uma realidade social particular, única e
infinita, por meio de uma análise exaustiva das relações causais que a constituem, escolhem-se
algumas destas por meio da avaliação das influências ou efeitos que delas se pode esperar. O
cientista atribui a esses fragmentos selecionados da realidade um sentido, destaca certos
aspectos cujo exame lhe parece importante - segundo seu princípio de seleção - baseando-se,
portanto, em seus próprios valores. Mas, enquanto “o objeto de estudo e a profundidade do
estudo na infinidade das conexões causais são determinados somente pelas idéias de valor
que dominam o investigador e sua época”, o método e os conceitos de que ele lança mão
ligam-se às normas de validez científica referidos a uma teoria. A elaboração de um
instrumento que oriente o cientista social em sua busca de conexões causais é muito valiosa
do ponto de vista heurístico. Esse modelo de interpretação-investigação é o tipo ideal, e é dele
que se vale o cientista para guiar-se na infinitude do real.
Suas possibilidades e limites devem-se: 1) à unilateralidade, 2) à racionalidade e 3) ao caráter
utópico. Ao elaborar o tipo ideal, parte-se da escolha, numa realidade infinita, de alguns
elementos do objeto a ser interpretado que são considerados pelo investigador os mais
relevantes para a explicação. Esse processo de seleção acentua - necessariamente – certos
traços e deixa de lado outros, o que confere unilateralidade ao modelo puro. Os elementos
causais são relacionados pelo cientista de modo racional, embora não haja dúvida sobre a
influência, de fato, de incontáveis fatores irracionais no desenvolvimento do fenômeno real.
No relativo à ênfase na racionalidade, o tipo ideal só existe como utopia e não é, nem
pretende ser, um reflexo da realidade complexa, muito menos um modelo do que ela deveria
ser. Um conceito típico-ideal é um modelo simplificado do real, elaborado com base em traços
considerados essenciais para a determinação da causalidade, segundo os critérios de quem
pretende explicar um fenômeno.

É possível, por exemplo, construir tipos ideais da economia urbana da Idade Média, do Estado,
de uma seita religiosa, de interesses de classe e de outros fenômenos sociais de maior ou
menor amplitude e complexidade, e também organizar qualquer dessas realidades a partir de
um ou de diversos de seus elementos. Na medida em que o cientista procede a uma seleção,
esta vem a corresponder às suas próprias concepções do que é essencial no objeto examinado,
e sua construção típico-ideal não corresponde necessariamente às de outros cientistas. Ele
procederá, a partir daí, a uma comparação entre o seu modelo e a dinâmica da realidade
empírica que examina.

As construções elaboradas por Marx sobre o desenvolvimento do capitalismo têm, para


Weber, o caráter de tipos ideais e, embora teoricamente corretas, não se lhes deve atribuir
vali dez empírica ou imaginar que são “tendências” ou “forças ativas” reais.

Tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços particulares ou em seu caráter total, os
fenômenos se aproximam de uma de nossas construções, determinar o grau de aproximação
do fenômeno histórico e o tipo construido teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é
simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais lúcidas.
(WEBER. Rejeições religiosas do mundo e suas direções, p. 372.).

Um exemplo da aplicação do tipo ideal encontra-se na obra A ética protestante e o espírito do


capitalismo. Weber parte de uma descrição provisória que lhe serve como guia para a
investigação empírica, “indispensável à clara compreensão do objeto de investigação”, do que
entende inicialmente por “espírito do capitalismo”, e vai construindo gradualmente esse
conceito ao longo de sua pesquisa, para chegar à sua forma definitiva apenas no final do
trabalho. O tipo ideal é utilizado como instrumento para conduzir o autor numa realidade
complexa. O autor reconhece que seu ponto de vista é um entre outros. Cabe à Sociologia e à
História, como parte das ciências da cultura, reconstruir os atos humanos, compreender o
significado que estes tiveram para os agentes, e o universo de valores adotado por um grupo
social ou por um indivíduo enquanto membro de uma determinada sociedade e, por fim,
construir conceitos-tipo e encontrar “as regras gerais do acontecer”.

Introdução ao Pensamento Sociológico - Anna


Maria de Castro e Edmundo Dias
Weber P. 105-106
Do objeto da Sociologia

[...] Deve-se entender por sociologia (no sentido aqui aceito desta palavra, empregada com tão
diversos significados): uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social para,
desta maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimento e efeitos. Por “ação” deve-se
entender uma conduta humana (que pode consistir num ato externo ou interno; numa
condição ou numa permissão) sempre que o sujeito ou os sujeitos da ação envolvam-na de um
sentido subjetivo. A “ação social”, portanto, é uma ação em que o sentido indicado por seu
sujeito, ou sujeitos, refere-se à conduta de outros, orientando-se por esta em seu
desenvolvimento. (W. 1969, I, 5).

O sentido como definidor da Ação Social

Por “sentido” entendemos o sentido subjetivo indicado pelos sujeitos da ação, seja a) existente
de fato: 1 num caso historicamente dado, 2 como média e como aproximação numa
determinada massa de casos: ou b) construído num tipo ideal, com atores deste caráter. Não
se trata, de forma alguma, de um sentido objetivamente justo ou de um sentido verdadeiro,
fundado metafisicamente. Aqui, precisamente, é que se enraíza a diferença entre as ciências
empíricas da ação (a sociologia, a história) face a todas as ciências dogmáticas (jurisprudência,
lógica, ética, estética), as quais pretendem investigar em seu objetos o sentido “justo” e
“válido”. (W. 1969, I, 6).

Os limites entre uma ação com sentido e um modo de conduta simplesmente reativo (como
aqui o denominaremos), que não está unido a um sentido subjetivamente indicado, são
inteiramente elásticos. Uma parte muito importante dos modos de conduta de interesse para
a sociologia, especialmente a ação puramente tradicional, acham-se na fronteira entre ambos.
[...] Frequentemente, os elementos compreensíveis e os não compreensíveis de um processo
estão unidos e misturados entre si. (W. 1969, I, 6)

Você também pode gostar