Alain Coulon - Etnometodologia e Educacao - Iniciais

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SUMÁRIO

PREFÁCIO.....................................................................................................

INTRODUÇÃO.................................................................................................

Capítulo 1
A INVERSÃO ETNOMETODOLÓGICA

1. RACIOCÍNIO DE SENSO COMUM E RACIOCÍNIO CIENTÍFICO.........................................


O raciocínio sociológico prático....................................................
O motorista de táxi não é um cartógrafo....................................
O ator social não é um idiota cultural.........................................
É necessário considerar os fatos sociais como ações práticas.....
Os procedimentos interpretativos do ator social.......................

2. A RACIONALIDADE DO ATOR............................................................................
Garfinkel versus Parsons.................................................................
Estrutura social e personalidade...................................................
6 ALAIN COULON

3. PARADIGMA NORMATIVO E PARADIGMA INTERPRETATIVO.........................................


O paradigma normativo.................................................................
O paradigma interpretativo...........................................................
As implicações metodológicas dessa dualidade........................

Capítulo 2
UMA ABORDAGEM MICROSSOCIAL DOS FENÔMENOS SOCIAIS

1. A CRÍTICA FEITA PELAS SOCIOLOGIAS DA VIDA COTIDIANA À MACROSSOCIOLOGIA............


Estudar as interações em seu meio natural.................................
Uma crítica radical..........................................................................

2. ESTRUTURA SOCIAL E INTERAÇÃO SOCIAL...........................................................


A ordem social é cognitiva.............................................................
Uma nova definição do problema................................................
O entrelaçamento entre o micro e o macro.................................

3. ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO: UMA ABORDAGEM MACROSSOCIOLÓGICA?........................


A competência social de membro de uma sociedade se
manifesta na linguagem.............................................................
A trama entre micro e macro segundo E. Schegloff..................
A “reparação”...................................................................................
Os homens interrompem as mulheres?.......................................
Entre o micro e o macro: o contexto.............................................
A conversa é produzida pelos indivíduos, mas é exterior
a eles..............................................................................................
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 7

4. EM DIREÇÃO A UMA INTEGRAÇÃO MICRO-MACRO..................................................


O indispensável, mas difícil diálogo entre micro-macro..........
A integração dos dois níveis nos quadros sociais cotidianos..
A mobilidade social é um duplo fenômeno................................
O “modelo interativo”....................................................................

5. DIFERENÇAS DE MÉTODOS.............................................................................
Descrever: um imperativo..............................................................
Uma etnografia semiológica..........................................................
As categorias descritas constituem tanto recursos como temas.
Ver, enfim, aquilo que não é observado.......................................

Capítulo 3
AS PERSPECTIVAS INTERACIONISTAS EM EDUCAÇÃO

1. O INTERACIONISMO SIMBÓLICO.......................................................................
A natureza simbólica da vida social.............................................
Uma ecologia social?.......................................................................
Duas versões concorrentes.............................................................

2. A PRIMEIRA PESQUISA INTERACIONISTA EM EDUCAÇÃO...........................................


A cultura específica da infância....................................................
O conflito professor-aluno..............................................................
A definição de situações novas.....................................................
A resistência à escola.......................................................................
8 ALAIN COULON

3. AS NOÇÕES DE “PERSPECTIVA” E DE “CULTURA ESTUDANTIL” EM UMA ORGANIZAÇÃO.........


A noção de perspectiva...................................................................
A “cultura estudantil”.....................................................................

4. A ESCOLA INTERACIONISTA INGLESA..................................................................


Participar para observar.................................................................
Seis conceitos principais.................................................................
O ingresso numa nova turma........................................................
A negociação do trabalho escolar.................................................
O aluno e sua carreira.....................................................................
A resistência da classe operária.....................................................
Pesquisadores e práticos.................................................................

5. A “NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO”................................................................


A “Nova Sociologia da Educação” nasce a partir de uma
crítica à “antiga”..........................................................................
A primeira fase da “Nova Sociologia da Educação”.................
As críticas dirigidas a “Nova Sociologia da Educação”...........
A segunda fase da “Nova Sociologia da Educação”.................

6. A TEORIA DOS RÓTULOS................................................................................


A teoria geral dos rótulos...............................................................
A rotulação na escola......................................................................
O fim da segregação racial na escola?..........................................
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 9

Capítulo 4
OS TRABALHOS DE INSPIRAÇÃO ETNOMETODOLÓGICA EM EDUCAÇÃO

1. OS PRINCÍPIOS REGULADORES DA ETNOMETODOLOGIA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO.............


A “estruturação da estrutura escolar”..........................................
As pesquisas de campo convencionais........................................
A etnografia constitutiva e a microetnografia da sala de aula...

2. ESCOLHAS METODOLÓGICAS E DISPOSITIVOS PRÁTICOS..........................................


A descrição etnográfica...................................................................
A “trilha” etnográfica......................................................................

3. OS QUADROS DA ORIENTAÇÃO E SELEÇÃO DOS ALUNOS...........................................


Avaliar as práticas de avaliação e classificação..........................
Mobilidade social de concorrência e mobilidade social de
apadrinhamento...........................................................................

4. A ETNOGRAFIA CONSTITUTIVA NA SALA DE AULA...................................................


Os marcadores escolares de competência....................................
Interações e aprendizagens............................................................
Classificação escolar e classes sociais...........................................

5. ESTUDOS CONSTITUTIVOS DA SELEÇÃO ESCOLAR..................................................


O tratamento da “deficiência” escolar.........................................
Os testes e os exames......................................................................
As entrevistas de orientação..........................................................
Etnicidade e diferenças culturais..................................................
O nível da organização e da instituição.......................................
10 ALAIN COULON

6. A SOCIALIZAÇÃO DA CRIANÇA E AS PRÁTICAS ESCOLARES........................................

7. O OFÍCIO DE ESTUDANTE................................................................................

8. CONCLUSÃO..............................................................................................

CAPÍTULO 5
REPRODUÇÃO E AFILIAÇÃO

1. REPRODUÇÃO E HABITUS...............................................................................
O habitus............................................................................................
Um estruturalismo construtivista.................................................
Habitus e aprendizagem..................................................................

2. A AFILIAÇÃO..............................................................................................
A noção de membro........................................................................
As evidências....................................................................................
A competência..................................................................................
A afiliação..........................................................................................

Capítulo 6
SEGUIR UMA REGRA

1. NORMAS E REGRAS.....................................................................................
As regras governam nossas ações.................................................
A utilização da regra.......................................................................
Do recurso implícito ao objeto sociológico de pesquisa...........
Como seguimos as instruções?......................................................
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 11

2. O MÉTODO DOCUMENTAL DE INTERPRETAÇÃO.......................................................


Todo código é incompleto..............................................................
Como tornar a realidade social compreensível?.........................
Uma experimentação......................................................................

3. A FORÇA DA REGRA.....................................................................................
Uma regra “corresponde” a quê?.................................................
Seguir uma regra é uma prática....................................................
Aprendizagem e afiliação...............................................................
A “praticalidade” da regra.............................................................
A construção social da regra..........................................................
As propriedades adormecidas das regras...................................

BIBLIOGRAFIA................................................................................................

ÍNDICE ONOMÁSTICO DE AUTORES CITADOS.............................................................


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PREFÁCIO

O CONTEXTO E O TEXTO

Há 20 anos, Alain Coulon lançava no Brasil a primeira edição


de Etnometodologia e educação. A relevância e a oportunidade de uma
segunda edição que somente agora, após 20 anos, vem a público, se
exprimem por dois aspectos indissociáveis.
O primeiro diz respeito ao ambiente intelectual e à produção
acadêmica no interior da Sociologia da educação no Brasil: o contex-
to.1 O segundo, igualmente importante, diz respeito à qualidade do
trabalho empreendido pelo autor: o texto.
Se a escola ocupou lugar central no pensamento sociológico no
exame da reprodução social e dos processos socializadores, o modo
como essa instituição foi concebida mudou no interior das orienta-
ções teóricas ao longo do tempo. No Brasil, o nascimento da reflexão
sociológica sobre a educação foi amplamente ancorado na perspectiva

1. Desenvolvi essas ideias em dois artigos: “Uma perspectiva não escolar no estudo so-
ciológico da escola”, em Sociologia da Educação. Pesquisa e realidade brasileira. Petrópolis, Vozes,
2. edição, 2011; o segundo tem como título “A Sociologia e a vida cotidiana: a contribuição
pioneira de José de Souza Martins”, em Fraya Frehse, (org.). A Sociologia Enraizada de José de
Souza Martins. São Paulo (no prelo).
14 ALAIN COULON

de Durkheim e sistematizado por Fernando de Azevedo, em seus


trabalhos dos anos 1940.
O imediato pós-guerra, sobretudo durante a década de 1950 e
início de 1960, marca a forte presença dos estudos funcionalistas so-
bre a educação escolar, em especial de Talcott Parsons. Em busca dos
fundamentos capazes de tornar possível uma nova ordem social, a
análise da realidade escolar foi realizada procurando compreender as
possíveis variáveis que estariam condicionando o seu funcionamento.
Em 1955, ao fazer um balanço da Sociologia da educação, Anto-
nio Candido tratava da retração de outros temas diante da evidente
importância do estudo da escola, traduzido, nesse momento, por uma
demanda de conhecimento da própria instituição, diante da ausência
de investigações sobre as situações de ensino.
No artigo de 1956 — “A estrutura da escola” —, Candido2 abre
perspectivas para um conjunto de investigações, ao se apropriar da
designação de Florian Znaniecki, considerando a escola como grupo
social instituído. Assim, propõe um esquema analítico de estudo da
escola a partir da imbricação de duas orientações: parte da vida escolar
seria determinada por grupos externos a ela mesma e, sob esse ponto
de vista, seria relevante o estudo dos componentes burocráticos dos
sistemas escolares, derivados da ação do Estado que exprimia novas
formas da racionalidade da sociedade moderna opostas à dominação
tradicional, na acepção de Max Weber. Por outro lado, parte da vida
escolar estaria definida pelos padrões de sua sociabilidade interna que
demandariam, assim, esforço sociológico para a sua compreensão.
A partir dos anos 1970, a Sociologia da educação no Brasil esteve,
em grande parte, sujeita à conjuntura política — que estreitava as pos-
sibilidades de ação da sociedade e sua interferência junto aos aparelhos
de Estado — e submetida a certa compreensão do marxismo a partir
de uma leitura althusseriana das relações entre educação, sociedade e
Estado, consagrada nos denominados aparelhos ideológicos estatais.

2. Antonio Candido. A estrutura da escola. In: PEREIRA, Luiz; FORACCHI, Marialice M.


Educação e sociedade. São Paulo, Editora Nacional, 1987.
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 15

As insuficiências dessas formulações apareciam para muitos


pesquisadores, inspirados em Thompson, que consideravam como
desafio passar de um modo de produção altamente abstrato para as
determinações históricas como o exercício de pressões, como uma
lógica do processo.3
Nesse escopo, a vida do homem comum e suas formas de conhe-
cimento afiguram-se como centrais para a compreensão da realidade
social. As dificuldades da tradição sociológica em relação ao homem
comum e sua consciência não são pequenas. Duas fortes tradições so-
ciológicas, tanto o positivismo como a tradição dialética, desconfiaram
do senso comum, como afirma José de Souza Martins, porque seria

[...] banal, destituído de verdade. Na perspectiva erudita o senso comum


é desqualificado porque banal, privado de verdade, fonte de equívocos
e distorções. Do lado do positivismo seria preciso estabelecer a crítica e
a revisão da ideia de que só o fato desprovido de vida é social. Do lado
da dialética conduz à revisão da ideia de que só a conversão consciente
ao projeto revolucionário pode revolucionar a vida.4

A partir de meados dos anos 1980, verificou-se um movimento


de diversificação teórica, semelhante ao observado em alguns países
da Europa dos quais a reflexão brasileira sempre esteve muito próxi-
ma, especialmente França e Inglaterra. Com o nascimento da Nova
Sociologia da Educação na Inglaterra por meio dos estudos sobre
o currículo e linguagem desenvolvidos por Michael Young e Basil
Bernstein, no início dos anos 1970, e com a diversificação teórica dos
anos 1980, pela incorporação das perspectivas interacionistas e etno-
gráficas, o interesse pela instituição escolar permanece. A influência
de duas autoras mexicanas, Elsie Rockwell e Justa Ezpeleta, também
foi bastante significativa nos anos 1980 com o estudo do cotidiano
escolar sob uma perspectiva etnográfica.

3. Edward Thompson, A miséria da teoria, Rio de Janeiro, Zahar, 1981.


4. Martins, José de Souza, A sociabilidade do homem simples, São Paulo, Hucitec, 2000, 57 p.
16 ALAIN COULON

A partir desse momento, alguns pesquisadores brasileiros entram


em contato com a riqueza e a diversidade das correntes fenomenoló-
gicas que trataram do conhecimento do homem comum.
A leitura de autores como Alfred Schütz, Erving Goffman, Peter
Berger e Thomas Luckmann abriu, para muitos, o leque de perspec-
tivas teóricas. Nesse contexto é lançado para o público brasileiro, nos
anos 1990, o trabalho de Alain Coulon que retoma essa tradição sob
a perspectiva de Harold Garfinkel e, ao mesmo tempo, apresenta de
modo inédito e original as contribuições da etnometodologia para o
estudo dos fenômenos educativos.
A segunda edição do livro Etnometodologia e educação, após 20 anos,
continua a preencher lacunas importantes nos estudos da Sociologia
da educação desenvolvidos no Brasil. O texto apresenta inúmeras
qualidades, dentre as quais destaco apenas algumas.
Em primeiro lugar, o ineditismo, ao apresentar ao leitor, de modo
rigoroso, um intelectual pouco lido em meios acadêmicos brasileiros:
Harold Garfinkel. Além de situar a obra desse autor nas abordagens
fenomenológicas e interacionistas, Alain Coulon traz para o leitor o
aporte específico da etnometodologia que se ocupa da descrição e
análise dos procedimentos que os indivíduos utilizam para levar a
cabo suas ações habituais. Assim, restitui em seu trabalho a impor-
tância do senso comum e situa a problemática da etnometodologia
no interior “das relações entre conhecimento leigo do mundo social
pelos indivíduos comuns e o conhecimento erudito construído pelos
sociólogos a partir desse conhecimento”.
Em segundo lugar, aponto a discussão que Coulon realiza sobre
a integração possível e necessária entre as escalas de análise: micro e macro.
Durante algum tempo, a adoção de novas referências teóricas que
privilegiaram a adoção de orientações próximas da microssociologia
suscitou, também, algumas críticas diante das evidentes dificuldades
de articulação dessas perspectivas voltadas para o estudo minucioso
da instituição escolar com processos mais amplos de natureza estru-
tural. Recorrendo às suas palavras: “O nível micro não se absorve
inteiramente no nível macro, do mesmo modo que o macro não pode
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 17

ser reduzido à soma dos fenômenos e acontecimentos observados em


âmbito micro”. Ao enfrentar essa espinhosa e difícil questão, Alain
Coulon apresenta com rigor sua perspectiva, evidenciando a impor-
tância dos contextos e a análise da conversação para a compreensão
da vida social.
Em terceiro lugar, destaco a riqueza das suas contribuições so-
bre as implicações dos estudos interacionistas e, especialmente, da
etnometodologia para o estudo dos fenômenos educativos. De acordo
com o autor, “para que a explicação e interpretação sejam possíveis,
é preciso, antes de tudo, observar e descrever. Isso pressupõe que
nos tornemos testemunhas diretas dos fenômenos que são tomados
como objeto”. Os estudos desenvolvidos por essas abordagens buscam
evidenciar, mais do que as desigualdades escolares já realizadas, os
processos ativos e cotidianos que as constituem.
Finalmente, the last but not the least, situo a originalidade com
que traz duas noções importantes para a pesquisa em Sociologia da
educação e vida escolar: afiliação e regra. A afiliação é para Coulon uma
categoria que poderá completar a noção de habitus desenvolvida por
Pierre Bourdieu. Examina, para tanto, as análises que marcaram a
ruptura com a noção de membro cunhada pelo funcionalismo parso-
niano, recorrendo às formulações de Howard Becker e David Matza
para situar sua perspectiva e o modo como ela opera no estudo sobre
os estudantes universitários.
Integrada à ideia de afiliação aparece, como decorrência, a ca-
tegoria regra, uma vez que os processos que possibilitam a afiliação
estão vinculados à capacidade dos atores de seguir as regras dos
novos universos a que se integram. Mas a ideia de adesão às regras
está ancorada em autores do campo da fenomenologia, da etno-
metodologia e da filosofia-analítica. Para essas tradições teóricas,
afirma Coulon,

[...] os indivíduos descobrem a extensão e aplicação das regras no próprio


momento em que as põem em prática. Não chegaram a interiorizá-las,
antes de serem utilizadas concretamente, nem conhecem seu modo
18 ALAIN COULON

de emprego, como é perfeitamente ilustrado pela impossibilidade de


predizer um comportamento a partir exclusivamente da existência de
uma regra”.

As reflexões desenvolvidas por Alain Coulon constituem elemen-


tos fundamentais para a formação dos pesquisadores na área da So-
ciologia da educação. Independentemente das filiações teóricas, certos
textos são de leitura obrigatória porque alargam nossa compreensão
do campo de estudos e solidificam a nossa formação. Etnometodologia
e educação integra esse seleto conjunto.

Marilia Pontes Sposito


Junho de 2015
19

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos 1970, novas correntes de investigação em


Sociologia da educação se desenvolveram nos Estados Unidos e, em
menor escala, na Inglaterra. Se há alguns anos, no plano teórico, essas
correntes eram desconhecidas na França, atualmente elas já ganharam
mais visibilidade, e colocam em questão várias pesquisas realizadas
anteriormente nesse campo de estudo. Essas questões são fundamen-
tais na medida em que as teorias que as inspiraram nos direcionam
a uma visão diferente do mundo social e a uma prática distinta da
Sociologia, evidenciando outra inteligência do social.1
Portanto, esta obra persegue vários objetivos. Trata-se, em primei-
ro lugar, de mostrar em que as abordagens sociológicas conhecidas
como etnometodologia e interacionismo são capazes de impactar a
pesquisa francesa sobre os fenômenos educativos, tanto no que se
refere aos métodos de investigação que adotam, quanto ao pano de
fundo teórico em que se sustentam.
É por isso que apresento, inicialmente, as diferentes concepções
interacionistas e etnometodólogicas, tentando mostrar as linhas de

1. No campo da sociologia geral podemos nos reportar a obra de Jean-Michel Berthelot,


L’intelligence du social, Paris, PUF, 1990, 249 p.; ver também Jean-Michel Berthelot, La construction
de la sociologie, Paris, PUF (“Que sais-je?”, nº. 2602), 1991, 128 p.
20 ALAIN COULON

ruptura que essas correntes provocam na Sociologia da educação


“tradicional”. Assim, indico a inversão paradigmática a que assistimos
no campo da Sociologia quando se adota uma abordagem etnometo-
dológica. Entretanto, não apresento novamente a gênese da etnometo-
dologia, seus conceitos e os seus campos de aplicação. Para ter acesso
a esses conteúdos o leitor poderá, eventualmente, consultar minha
obra de introdução à etnometodologia.2 Em contrapartida, apresento
uma série de considerações que nos parecem essenciais ao exercício
concreto da etnometodologia, por exemplo, a distinção necessária entre
o raciocínio do indivíduo de senso comum e o esforço de objetivação
do sociólogo. Além disso, as concepções teóricas da etnometodologia
e do interacionismo implicam uma concepção específica da pesquisa
de campo, cujos métodos se inscrevem numa microssociologia cujas
características vou apresentar.
Num segundo momento, exponho as principais orientações da
Sociologia interacionista e da Sociologia etnometodológica no campo
da educação, mostrando como essas considerações teóricas foram
colocadas concretamente em prática na realização de pesquisas de
campo, essencialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Indico,
igualmente, de modo resumido, o uso que fiz desses princípios na
investigação que conduzi sobre os processos de afiliação dos novos
estudantes quando ingressam na universidade, mostrando como fui
levado a desenvolver o conceito de afiliação, no prolongamento da
noção habitus de Pierre Bourdieu e de membro formulada por Harold
Garfinkel.
Finalmente, para concluir, convido o leitor a refletir sobre a
noção de regra, que deveria ser um conceito essencial da pesquisa
em educação, na medida em que está no coração dos processos de
aprendizagem.

2. Alain Coulon, Etnometodologia, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995, 134 p.


21

CAPÍTULO 1
A INVERSÃO ETNOMETODOLÓGICA

O termo “etnometodologia” não deve ser entendido como uma


metodologia específica da etnologia, nem como uma nova abordagem
metodológica da Sociologia. A originalidade da etnometodologia está
em sua concepção teórica dos fenômenos sociais. O projeto científico
da etnometodologia é analisar os métodos ou os procedimentos que os
indivíduos utilizam para concretizar as diferentes ações que realizam
na sua vida cotidiana. É a análise “das maneiras de fazer” triviais que
os atores sociais comuns mobilizam a fim de realizar as suas ações
frequentes. Essa metodologia do senso comum — constituída pelo
conjunto do que chamaremos de etnométodos — que os membros
de uma sociedade ou de um grupo social utilizam de maneira banal,
mas engenhosa para viver juntos, constitui o corpus da investigação
etnometodológica. A etnometodologia é, portanto, definida como
a “ciência” dos “etnométodos”, ou seja, dos procedimentos que
constituem aquilo que Harold Garfinkel, o fundador da corrente e
o “inventor” da palavra, chama de “raciocínio sociológico prático”.1

1. Harold Garfinkel, nascido em 29 de outubro de 1917 em Newark, próximo de Nova


York, é um grande expoente da sociologia americana. Fez seus estudos em Newark e, depois
22 ALAIN COULON

Essa definição de etnometodologia que indico aqui provoca,


evidentemente, certo número de questões essenciais que devem ser
examinadas. De modo particular, a problemática etnometodológica nos
obriga a reexaminar as relações entre o conhecimento do senso comum
que os indivíduos comuns têm do mundo social e o conhecimento
científico construído pelos sociólogos a partir desses conhecimentos
de senso comum.

1. RACIOCÍNIO DE SENSO COMUM E RACIOCÍNIO CIENTÍFICO

Desde as primeiras linhas do primeiro capítulo de Studies, 2


H. Garfinkel indica que seus estudos:

[...] tratam das atividades práticas, as circunstâncias práticas, e o racio-


cínio sociológico prático, como objetos de estudo empírico. Atribuindo
às atividades banais da vida cotidiana a mesma atenção que se atribui
habitualmente aos acontecimentos extraordinários, procura-se apreen-
dê-los como fenômenos de pleno direito.

O interesse essencial das ideias de H. Garfinkel reside, com


efeito, no estudo das atividades práticas, em especial do raciocínio
prático, seja ele profissional ou de senso comum. Mostrando que

na Universidade da Carolina do Norte, onde, em 1942, tornou-se Mestre em sociologia. Em


1946 iniciou o doutorado que seria concluído em 1952, sob a orientação de Talcott Parsons
em Harvard (sob o título “The Perception of the Other: A Study in Social Order, Ph.D., Harvard
University, junho 1952, 602 p., anexos, bibliografia, 12 p). Em 1954, torna-se professor do depar-
tamento de sociologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), onde construiu
toda sua carreira. Em 1988, tornou-se professor emérito da UCLA e permaneceu ativo em suas
produções até seu falecimento em 21 de abril de 2011.
2. Harold Garfinkel, Studies in Ethnomethodology, Englewood Cliffs, NJ, Prentice-Hall, 1967,
2e éd. Cambridge (G-B.), Polity Press, 1984, 288 p. A partir desse ponto do texto esta obra será
identificada como Studies. Sua tradução para o francês foi tardia, pois ocorreu apenas em setembro
de 2007, ou seja, 40 anos depois da publicação da obra original: Recherches en ethnométhodologie,
Paris, PUF (“Quadrige”), 2007.
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 23

os procedimentos do raciocínio do senso comum são idênticos


àqueles que presidem a atividade científica — incluindo aqueles
da Sociologia —, H. Garfinkel supõe, ao mesmo tempo, que o corte
epistemológico entre conhecimento prático e conhecimento cientí-
fico não é o problema fundamental a ser resolvido pela Sociologia.
Na verdade, não há diferença de natureza entre os procedimentos
que os membros de uma sociedade utilizam para viver juntos, num
arranjo institucional permanente, e os procedimentos de pesquisa
adotados pelos sociólogos.

De um ponto de vista etnometodológico, a maioria dos sociólogos não


vê a evidência das origens do seu trabalho: a cientificidade da Sociolo-
gia começa pela compreensão da vida cotidiana, tal como se manifesta
através das ações práticas dos atores. A produção de uma visibilidade
do social passa, portanto, por uma objetivação que não é monopólio da
atividade científica. De acordo com Albert Ogien,3 a Sociologia de H.
Garfinkel “institui-se sobre o reconhecimento da capacidade reflexiva
e interpretativa própria de qualquer ator social”(p. 62).

O modo de conhecimento prático, é

[...] esta faculdade de interpretação que qualquer indivíduo, cientista ou


não, possui e coloca em funcionamento na rotina das suas atividades
práticas diárias. […] Procedimento regido pelo senso comum, a inter-
pretação é colocada como inseparável da ação e igualmente comparti-
lhada pelo conjunto dos atores sociais. […] O modo de conhecimento
científico não se distingue em nada do modo de conhecimento prático
quando se considera que são confrontados a um problema de elucidação
similar: nenhum dos dois pode ocorrer fora do conhecimento “de uma
linguagem natural” e sem colocar em jogo uma série de propriedades
indexicais que lhes são referentes (ibid., p. 70).

3. Albert Ogien, Positivité de la pratique. L’intervention en psychiatrie comme argumentation, tese


de doutorado, Universidade Paris 8, 1984, 339 p. Outra obra a ser consultada e parcialmente
extraída dessa tese é: Albert Ogien, Le raisonnement psychiatrique, Paris, Méridiens-Klincksieck,
1989, 274 p.
24 ALAIN COULON

O raciocínio sociológico prático


Se os atores produzem a objetivação, isso implica dizer que a
forma de conhecimento científico não tem o monopólio da objetiva-
ção. A etnometodologia vai, por conseguinte, sustentar que a ativi-
dade científica, como um conjunto de operações que são idênticas
àquelas que os atores comuns utilizam, é produto de um modo de
conhecimento prático, que pode se tornar, ele mesmo, um objeto de
investigação da Sociologia e ser, por sua vez, interrogado cientifica-
mente. Os etnometodólogos — e está aí toda sua dívida em relação à
fenomenologia — consideram o mundo como um objeto de percepções
e ações do senso comum.
O objetivo da etnometodologia é a pesquisa empírica dos métodos
que os indivíduos utilizam para dar sentido, e ao mesmo tempo con-
cretizar, suas ações cotidianas: comunicar, tomar decisões, raciocinar.
Para os etnometodólogos, a Sociologia será, então, o estudo dessas
atividades do dia a dia, quer sejam corriqueiras ou científicas, tendo
em vista que a Sociologia, em si mesma, deve ser considerada uma
atividade cotidiana comum.

Como destaca George Psathas, (1980)4 a etnometodologia se apresenta


como: “Uma prática social reflexiva que procura explicar os métodos
de todas as práticas sociais, incluindo as suas próprias”.(p.3)

O motorista de táxi não é um cartógrafo


Contudo, a grande atenção atribuída ao ator, como sujeito, não impli-
ca, de modo algum, o abandono da atitude científica que é, ao contrário,
claramente reivindicada por H. Garfinkel em sua tese, desde 1952.5 Levar

4. George Psathas, “Approaches to the Study of the World of Everyday Life”, Human
Studies, 3, 1980, p. 3-17.
5. Harold Garfinkel. The Perception of the Other: A Study in Social Order, op. cit.
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 25

em consideração a subjetividade não provoca uma confusão entre o ator


real e o ator construído, nem entre a descrição do objeto pelo sociólogo
e aquela do mesmo objeto por qualquer outro ator social.

As pessoas empíricas do sociólogo — os seus policiais, seus pais, suas


crianças, seus compatriotas irlandeses, seus Trobiandeses — são obje-
tos sociológicos e não objetos da vida cotidiana. Para um cartógrafo,
a cidade de Boston é descrita por um mapa de Boston, […] o objeto
Boston construído através de procedimentos cartográficos e não através
de um consenso das concepções que os motoristas de táxi têm sobre
Boston […]. Não se elabora um retrato científico do traçado de Boston
consultando os motoristas de táxi. (1952, p. 223-224).

A posição de H. Garfinkel é, portanto, clara, e o programa científico


da etnometodologia não consiste, contrariamente ao que indica, por
exemplo, P. Bourdieu (1987, p.148)6, em um “resumo dos resumos dos
atores”. A questão é saber como os atores produzem os seus mundos,
quais as regras que ordenam esses mundos e seus julgamentos. De fato,
se o sociólogo efetua, necessariamente, um trabalho de objetivação a
fim de transformar os seus objetos empíricos em objetos sociológicos,
o ator social também faz um trabalho semelhante a fim de interpretar
o mundo que o cerca e, assim, realizar as suas ações.
A etnometodologia encontrou uma de suas origens teóricas na fe-
nomenologia. Nas primeiras pesquisas de H. Garfinkel, a influência das
ideias de Schütz e Husserl é evidente. H. Garfinkel agradece a Schütz
por ter permitido aos sociólogos “estudar a atitude natural e o mun-
do do senso comum como fenômenos problemáticos”(H. ­Garfinkel,
1963, p. 238)7.
Tomando emprestado de Schütz a hipótese da cláusula “et cae-
tera”, bem como “a tese geral da reciprocidade das perspectivas”,

6. Pierre Bourdieu, Coisas ditas, São Paulo: Brasiliense, 1987, 2004, 2009.
7. Harold Garfinkel, “A Conception of, and Experiments with, “Trust” as a Condition of
Stable Concerted Actions”, p. 187-238, in O. J. Harvey (ed.), Motivation and Social Interaction,
Cognitive Determinants, New York, Ronald Press, 1963, 332 p.
26 ALAIN COULON

Garfinkel descreve as determinações que se vinculam a um aconte-


cimento banal da vida diária e constata que as características desse
acontecimento “são vistas sem ser observadas” pelos atores que,
contudo, supõem constantemente a sua existência e compartilham a
visão “de um mundo evidente”. O sociólogo deve “perseguir” essas
características porque a atitude natural permite aos indivíduos trans-
formar facilmente a estranheza em familiaridade. Esses são, de acordo
com H. Garfinkel, traços invariantes da vida cotidiana.

O ator social não é um idiota cultural


A Sociologia defende que, em certa medida, a realidade social
existe independentemente das investigações em que é tomada como
objeto. De acordo com H. Garfinkel, essa é a razão pela qual os es-
tudos sociológicos descobrem, sobretudo, “coisas razoáveis” e pro-
duzem “trabalho documental” (Studies, p. 99-100). De acordo com a
Sociologia, o sentido das ações dos membros apenas seria acessível
ao sociólogo profissional. Assim, o sociólogo cientista trata o ator
social de acordo com a fórmula de H. Garfinkel, ou seja, como “um
idiota cultural, que produz a estabilidade da sociedade agindo em
conformidade com alternativas de ação preestabelecidas e legítimas
que a cultura lhe fornece”.
Até o presente, os sociólogos têm “sobressocializado” o compor-
tamento dos atores e suas hipóteses sobre a internalização das normas,
provocando condutas “automáticas” e impensadas, o que não explica
o modo como os atores percebem e interpretam o mundo, reconhecem
o familiar, constroem o aceitável, da mesma forma que não explica
como as regras organizam, concretamente, as interações.

É necessário considerar os fatos sociais como ações práticas


Segundo H. Garfinkel, é a razão pela qual os fatos sociais não
nos são impostos como uma realidade objetiva, contrariamente ao que
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 27

afirma Durkheim: é necessário considerar os fatos sociais não como


coisas, mas como ações práticas. Entre uma regra, uma instrução,
uma norma social e a sua aplicação pelos indivíduos, se estabelece
um imenso campo de contingências gerado pela prática, que nunca
é pura aplicação ou simples imitação de modelos preestabelecidos.
O fato social não é objeto estável, é o produto da atividade contínua
dos homens, que colocam em ação o saber-fazer, os procedimentos,
as regras de conduta, isto é, uma metodologia do senso comum que
dá sentidos a essas atividades e cuja análise constitui, de acordo com
H. Garfinkel, a verdadeira tarefa do sociólogo: “Os estudos etnome-
todológicos analisam as atividades de todos os dias como métodos
que os membros utilizam para tornar essas mesmas atividades visi-
velmente racionais e relacionadas a todos os fins práticos, ou seja,
descritíveis” (Studies, p. vii)8.

Os procedimentos interpretativos do ator social


Aaron Cicourel,9 por sua vez, evidenciou certo número de pro-
priedades daquilo que chamou de “procedimentos interpretativos”.
Por esse termo ele designa o que H. Garfinkel já tinha chamado de
“raciocínio sociológico prático”.10
Após ter apresentado as principais correntes da investigação
linguística sobre o papel da linguagem na socialização da criança,

8. Encontramos uma ilustração desses princípios no notável trabalho de campo realizado


por Renaud Dulong e Patrícia Paperman: La réputation des cités HLM. Enquête sur le langage de
l’insécurité, Paris, Éditions L’Harmattan, 1992, 236 p.
9. Aaron Cicourel, The Acquisition of Social Structure : Toward a Developmental Sociolo-
gy of Language and Meaning, chap. 6, p. 136-168, in Jack D. Douglas, Understanding Everyday
Life; Toward the Reconstruction of Sociological Knowledge, Chicago, Aldine Publishing Company,
1970, 358 p.
10. A. Cicourel ao referir-se muito frequentemente neste texto aos trabalhos de H. Garfinkel,
nem sempre deixa clara a paternidade das ideias que ele avança, indicando que elas provêm,
às vezes todas duas, dos trabalhos de Schütz. Apesar disso o texto de A. Cicourel conserva o
seu interesse na medida em que constitui uma tentativa de síntese.
28 ALAIN COULON

em especial no processo de internalização das normas sociais, A. Ci-


courel se propôs a estudar, a partir dos trabalhos etnometodólogicos
de H. Garfinkel, as proibições e as obrigações que balizam a vida
cotidiana, que chama de “regras de superfície”. Trata-se de estudar a
forma como os indivíduos, no seu raciocínio prático diário, ou ainda
nas suas atividades científicas,

[...] utilizam procedimentos interpretativos para reconhecer a pertinên-


cia das regras de superfície e convertê-las em comportamento prático
imposto (p. 145).

Ora, não existem regras para dizer à criança ou ao adulto como


essa articulação deve ser encontrada. Considerando que os indiví-
duos adquirem a competência necessária para dar um sentido ao seu
ambiente, os procedimentos interpretativos devem, então, possuir
propriedades invariantes do raciocínio prático. Os procedimentos de
interpretação dos indivíduos permitem dar um sentido “às regras de
superfície”, que são antes de tudo “uma estrutura aberta” que tem “um
horizonte” de significações possíveis. Assim, à maneira da linguística
chomskiana, a estrutura social seria “generativa”. A. Cicourel propõe
caracterizar os procedimentos interpretativos através das seguintes
propriedades:
a) A reciprocidade das perspectivas: A. Cicourel retoma aqui as
ideias de Schütz sobre o caráter intercambiável dos pontos de vista
e a conformidade do sistema de pertinência, duas idealizações que,
articuladas, formam “a tese geral da reciprocidade das perspectivas”.11
b) A hipótese da cláusula “et caetera”: contudo, essa reciprocidade
das perspectivas não é suficiente para que dois atores se compreen-
dam. É necessário também que eles compartilhem uma compreensão
comum das trocas que realizam. A cláusula “et caetera” que os atores
utilizam permanentemente conforme seu conhecimento, permite-lhes

11. Sobre Schütz, podemos nos reportar, em francês, a seleção de artigos reunidos em:
Alfred Schütz, Le Chercheur et le quotidien, Paris, Méridiens-Klincksieck, 1987, 286 p.
ETNOMETODOLOGIA E EDUCAÇÃO 29

apreender o significado dos acontecimentos, apesar do seu caráter vago


ou de sua ambiguidade. Ela os autoriza a considerar certas descrições
como adequadas. De acordo com A. Cicourel, essa propriedade que
é utilizada no decorrer das trocas entre atores não implica dizer que
exista, previamente, um consenso entre os dois interlocutores. O acordo
é feito ao longo da interação, como uma consequência da aplicação
da cláusula “et caetera”, que “revela” que o locutor e o ouvinte acei-
tam tacitamente, e assumem juntos, a existência de significados e de
compreensões comuns, seja o conteúdo das suas descrições evidente
ou não para eles. Evidencia-se, então, que existe um saber comum
socialmente distribuído.
c) As formas normais: as duas características precedentes supõem
que existem “formas normais” de expressão, às quais os membros se
referem para dar sentido ao seu ambiente. A “dissonância” produzida
durante uma troca verbal é superada à medida que os atores lançam
mão das formas de normalidade. Assim, eles manifestam sua compe-
tência de membros que, de acordo com a expressão de H. Garfinkel,
“sabem o que todo mundo sabe”.
d) O caráter prospectivo-retrospectivo dos acontecimentos: a conver-
sação comum está cheia desses momentos em que se deve esperar o
aparecimento de um enunciado específico para dar sentido, de forma
retrospectiva, ao que tenha sido dito anteriormente. Essa propriedade
permite tanto ao locutor como ao ouvinte manter o sentido da estru-
tura social, apesar das suas incompreensões momentâneas ou das
suas dúvidas. A. Cicourel definiu num outro texto12 essa propriedade:

Expressões vagas, ambíguas ou truncadas, são identificadas pelos


membros, que atribuem a elas significações contextuais e transcontex-
tuais, graças ao caráter retrospectivo-prospectivo dos acontecimentos
que estas expressões descrevem. Os enunciados presentes nos fatos
descritos, que contêm nuances ambíguas ou previsíveis, podem ser

12. Aaron Cicourel, Cognitive Sociology : Language and Meaning in Social Interaction, New
York, Free Press, 1972, 191 p.; tr. fr., La Sociologie cognitive, Paris, PUF, 1979, 239 p.
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examinados prospectivamente pelo locutor-ouvinte nos seus sentidos


potenciais futuros, supondo, assim, que a integralidade das significa-
ções e das intenções presentes se manifestarão num momento posterior.
Ou comentários realizados anteriormente podem, de repente, clarificar
enunciados presentes. Os princípios de integralidade e de conexão
permitem que o ator mantenha um sentido da estrutura social que
ultrapassa o tempo dos relógios e o da experiência, apesar do caráter
deliberadamente vago, ou supostamente vago e mínimo, da informação
transmitida pelos atores durante as suas trocas (p. 87).

Até agora os sociólogos têm tomado esses procedimentos de


interpretação como evidentes e, por conseguinte, não foram estu-
dados, notadamente porque eles também os utilizam, uma vez que
igualmente são membros comuns da sociedade. Todos, sociólogos ou
não, se utilizam dessas propriedades “como métodos práticos para
construir e manter a ordem social” (p. 149). H. Garfinkel considera
essas propriedades instruções reflexivas que os membros se dão entre
si a fim de poder compreender e decidir as suas ações.
e) A própria linguagem é reflexiva: a linguagem é um elemento cons-
titutivo fundamental da nossa vida. Ela nos permite reconhecer e tornar
compreensíveis as nossas instituições. De acordo com H. Garfinkel, ela
é constitutiva de todos os quadros sociais: por um lado, os membros
a consideram um indicativo de que “tudo vai bem”; por outro, ela é
um instrumento indispensável para descrever e tornar compreensíveis
as suas atividades e as cenas nas quais elas se desenrolam.
f) Os vocabulários descritivos como expressões indexicais: segundo
H. Garfinkel, os vocabulários são traços e índices constitutivos da
experiência que ele quer descrever. Ele toma o exemplo dos fichários
de biblioteca, nos quais as palavras-chave utilizadas para indexar o
conteúdo de uma obra ou de um artigo fazem sempre parte da termi-
nologia empregada nas próprias obras ou artigos: assim, os catálogos
são os vocabulários dos próprios trabalhos que eles descrevem. Esses
vocabulários descritivos são indexicais e a sua importância deve-se
ao fato de fornecerem aos investigadores a possibilidade, ao seguirem
as instruções que contêm, de reencontrar a plena significação de um

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