JonathandeOliveira Dissert
JonathandeOliveira Dissert
JonathandeOliveira Dissert
JONATHAN DE OLIVEIRA
João Pessoa
2020
JONATHAN DE OLIVEIRA
João Pessoa
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES - CCTA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
DEFESA DE DISSERTAÇÃO
___________________________________________________
Dra. Maura Lúcia Fernandes Penna
Orientadora/UFPB
_____________________________________________________
Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz
Membro Interno do Programa/UFPB
_____________________________________________________
Dra. Margarete Arroyo
Membro Externo ao Programa/UNESP
À minha tia Sônia por me inspirar e exigir dedicação aos estudos durante o início da
minha adolescência e a minha tia Iêda por incentivar e apoiar a minha carreira profissional.
Aos meus amigos de infância que fizeram parte das brincadeiras musicais, e àqueles
que construí em minha adolescência que fizeram parte das minhas confidências e
inconfidências onde dividimos histórias, gostos e produções musicais.
Aos companheiros e companheiras que fizeram parte da minha vida acadêmica até
este momento, dividindo experiências, conhecimentos e momentos de descontração.
À Profa. Dra. Margarete Arroyo que se dispôs a contribuir com seus conhecimentos
neste trabalho.
À minha Orientadora, a Profa. Dra. Maura Penna, por acreditar em mim, pela
confiança em me aceitar como seu orientando, por me direcionar em todo este processo, por
me cobrar, e por ter a gentileza, paciência e empatia durante todo o processo.
Aos professores da rede pública municipal que participaram da pesquisa cedendo seu
tempo e abrindo as suas portas em favor da ciência. Sem suas contribuições ao narrarem as
suas histórias de vida musical não seria possível o desenvolvimento deste trabalho.
Aos diversos autores que disponibilizaram seus conhecimentos para que possamos
evoluir cientificamente como indivíduo e sociedade.
In order to understand the social representations of music and teaching in the basic education
of teachers awarded for Art / Music in the João Pessoa public school system, the concept of
Collective Representations (by Durkheim) was started and followed by the bases of Theory of
Social Representations (by Moscovici) and Theory of the Central Nucleus, its derivative (by
Abric). We sought to recognize the construction of the symbolic object of representation
through the relationships established by individuals and/or social groups based on everyday
and dynamic phenomena structured in close or distant relation s with the object. In the field of
education, the present research was based on studies of the dimension of knowledge, aiming
to recognize the relationship between music education and social psychology. As a
methodology, narrative interviews were used in an autobiographical view, complemented by
the performance of semi-structured interviews with the purpose of resuming and deepening
points considered important in the narratives, enabling a detailed and subjective analysis. The
selection criteria for the six participants were: teachers graduated in Music Education or Art
Education/Music qualification, qualified to work with music in the municipal system of João
Pessoa and working in the classroom in basic education. The interviews - six narratives and
six semi-structured - took place from September 2019 to January 2020. To record them, audio
recordings were made that were transcribed using technological tools, such as Voice typing
and Speedchloger, available on the Google platform. The analysis was developed using
different instruments, such as organizing tables and Iramuteq textual analysis software for the
organization of central and peripheral elements of social representations. As a result of the
analysis, it was identified that the representations presented symbolic aspects constructed and
consolidated through socio-cultural and historical relations, reflecting the affective and
emotional relationships about the music object in different periods of their lives. It was
noticed that the relationships that involve exchanging experiences between the subjects, their
group and their opposites contributed to the maintenance of some representations and to the
transformation of others that were restructured by the new connections, assuming different
dimensions for the subjects, some covering the whole his musical life, as the perspective of
instrumental practice, perceived from the first moments of musical awareness until his
professional life. This aspect was confirmed as the conception of music as a technique, love,
life and gift divided the central nucleus of social representations. The conceptions of good and
poor quality music also reflected these multilateral symbolic constructions that involved the
subjects and groups around them. Analyzing the training process and the view on teaching, it
was noticed that their conceptions reflect the previous aspects. However, when discussing the
representations about teaching, two aspects were identified that divided the centrality of their
social representations: 1) the difficulty, associated with the students' behavioral issues and the
breaking of musical expectations at school; and 2) the multipurpose, linked to structural issues
involving the Art / Music curriculum in basic education. It concluded by discussing the
ambivalence of the elements of its representations that conceive the teaching of music as an
instrumental practice, to the detriment of the characteristics of the basic school.
Keywords: Music teachers. Basic education. Municipal education system of João Pessoa -
PB. Social representations. Narrative interviews.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 INTRODUÇÃO
Não é de hoje que o cenário educacional brasileiro lança olhares sobre propostas
educativas, pautadas em conhecimentos interativos a partir de estratégias que valorizem os
diversos saberes articulados com o currículo escolar. Vale destacar que estas trocas de
experiências ampliam os significados dos processos de ensino/aprendizagem nos mais
distintos campos da educação. Diante disso, compreender como os professores de música
concebem a música e a docência na educação básica pode contribuir, de forma significativa,
para entendermos as especificidades que envolvem as suas práticas pedagógicas musicais e
o espaço que a aula de música ocupa no contexto escolar da educação básica. Neste sentido,
usar a Teoria das Representações Sociais de Moscovici como base para reconhecer os
saberes socialmente estruturados pode contribuir para o processo de identificação e
transformação desses saberes (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 87). Desta forma, ao usar esta
abordagem como lente teórica, pautamo-nos em uma base teórica alicerçada por diversos
autores, dentre os quais Spink (1993), Abric (2001), Jodelet (2015), Chaib (2015) e Valla
(2015), que lançaram luz sobre os diversos campos que passaram a utilizar as
representações sociais em seus estudos.
Partindo das discussões desses autores, buscamos, sobretudo, compreender as
representações sociais sobre música de professores diante das suas vivências musicais, dos
seus processos formativos e das suas práticas pedagógicas, a partir das concepções de
música construídas ao longo de suas vidas. Com isso, passamos a entender como esses
processos foram sendo desenvolvidos e quais as relações socioculturais que se fizeram
presentes em suas formações e em suas práticas. Quando olhamos para os caminhos
trilhados no campo da música para dar embasamento à nossa pesquisa, recorremos a vários
trabalhos realizados nos últimos anos, que trouxeram o tema das representações sociais em
diversas pesquisas na área de música, notadamente: Arroyo (1999); Duarte (2002; 2011);
Duarte e Mazzotti (2006a; 2006b); Oliveira, A. S. (2008); Rauski (2013; 2014; 2015a;
2015b); Soares (2012); Subtil (2005); Sugahara (2013; 2014); Vasconcelos e Costa (2018).
Estes trabalhos deram, à discussão, um olhar científico de como as representações sociais
estão ligadas ao processo de desenvolvimento cultural que constitui o ser humano como um
ser único, mas diretamente formado pelas influências socioculturais que envolvem o seu
contexto, a sua história e a de seu grupo.
14
1
Grupo de pesquisa criado e coordenado por professores do departamento de arte da UFPB, que em 2005 passou
a vincular-se ao Departamento de Educação Musical, após a criação do curso de Licenciatura Música da UFPB
no ano de 2005, pela Resolução nº 17/2005 do CONSEPE, que substituiu a habilitação em música do curso de
Educação Artística.
2
A Região Metropolitana de João Pessoa foi criada pela Lei Complementar Estadual da Paraíba nº 59, de 30 de
dezembro de 2003, e abrange os municípios circunvizinhos da capital paraibana.
15
realização de dois concursos públicos3, um no ano de 2008 e outro no ano de 2014, em que
foram ofertadas 40 vagas para professores de música, o campo de atuação da educação
musical da capital passou a ser ampliado, significativamente, nas escolas da rede pública
municipal de educação básica.
Todos esses processos que foram se intensificando nestas últimas décadas
contribuíram para que novos olhares e investigações pudessem ganhar cada vez mais
notoriedade no cenário local e nacional. Com isso, podemos destacar que as inquietações
que tangenciaram e motivaram a realização deste trabalho perpassaram pelas experiências
educativas originadas tanto pelo desenvolvimento das pesquisas realizadas, quanto da nossa
própria prática pedagógica musical na educação básica, que desde 2006, ano em que, junto
ao PENSAMus, participamos de ações de formação continuada (QUEIROZ; MARINHO,
2006a; 2006b) e, posteriormente, de um projeto de pesquisa coordenado pelo Prof. Luis
Ricardo Silva Queiroz, que mapeou os espaços formais e não-formais de educação musical
existentes na cidade de João Pessoa. Outros aspectos motivadores para o desenvolvimento
desta pesquisa foram experiências educativas musicais que se acumularam, ao longo de
mais de uma década, a partir do ingresso na educação básica da rede pública, das quais
trouxemos questões que envolveram a nossa prática pedagógica e as dos nossos pares.
Entretanto, ao fazer um movimento introspectivo, observando-nos como se estivéssemos
diante de um espelho, podemos perceber que as nossas vivências musicais foram iniciadas
bem antes de termos consciência dos processos formativos que nos levaram a uma
aprendizagem musical. Partindo dessa visão, reconhecemos que estudar as representações
sociais de música de professores de música atuante na educação básica, possibilita-nos a
construção de um olhar sobre o espaço escolar a partir das concepções desses sujeitos, uma
vez que a estruturação das representações sociais de música são fatores influenciadores de
suas escolhas musicais e, consequentemente, de suas práticas pedagógicas.
Sendo assim, a partir do conhecimento empírico que envolve esses olhares,
procuramos compreender como os professores se percebem dentro do processo educativo e
como as suas práticas docentes estão diretamente envolvidas com as suas histórias de vida
musical, passando por suas influências familiares, suas relações com os amigos, escolas,
igrejas, escolas especializadas, grupos musicais, formações acadêmicas.
3
Concurso público para provimento de vagas em cargos da carreira dos profissionais em educação edital n.º
01/2007 – PMJP, de 26 de outubro de 2007 e Concurso público – PEB-JP. Edital n.º 01 de 08 de novembro de
2013 – PMJP.
16
Desta forma, usar a Teoria das Representações Sociais, idealizada por Moscovici, e a
Teoria do Núcleo Central, de Abric, foi fundamental para poder ampliar o nosso olhar sobre
os aspectos que envolvem as práticas pedagógicas musicais, como os professores
compreendem a música e a aula de música no contexto da educação básica e quais as
relações que essas práticas têm com suas histórias de vida. Para isso, na perspectiva de
desenvolver este trabalho, buscamos responder à seguinte questão de pesquisa: Quais as
representações sociais sobre música de professores da rede pública municipal de João
Pessoa e da docência na educação básica?
Para responder esta questão, tivemos que entrar no mundo desses professores através
de um contato direto com as suas histórias de vida musical, que passaram a ser conhecidas
por meio de suas próprias revelações em um processo autobiográfico, estruturado por meio
de entrevistas narrativas e entrevistas semiestruturadas, que nos ajudaram a reconhecer e
compreender as suas representações sociais de música. Desta forma, este trabalho tem como
objetivo geral:
4
O conceito de representação social foi introduzido por Moscovici a partir do seu estudo vanguardista de como a
psicanálise se popularizou no pensamento coletivo na França. Porém, este estudo só é publicado pela primeira
vez em sua obra, La Psicanalyse: Son image et son public, França em 1961.
A partir desse momento, substituiremos a escrita de Teoria das Representações Sociais por TRS
20
Em seu livro Sociologia e Filosofia5, Durkheim (2009) traz uma discussão direta sobre a
perspectiva das representações individuais e representações coletivas, iniciando, assim, uma
argumentação que passa a dialogar com as leis científicas da psicologia e da sociologia, de
modo a reconhecer que uma lei pode interagir direta e constantemente com a outra, mutatis
mutandis. Desta forma, passa-se a reconhecer que os elementos da psicologia convidam a
sociologia para compreender as representações presentes na sociedade e vice-versa. Para ele, “a
vida coletiva, como vida mental no indivíduo, é feita de representações; é portanto, presumível
que representações individuais e representações sociais sejam, de alguma maneira, compatíveis”
(DURKHEIM, 2009, p. 14). Durkheim procurava dar conta dos fenômenos sociais que
envolviam as religiões, os mitos, como conhecimentos inerentes à sociedade relacionados com
o espaço-tempo que a sociedade se desenvolvia (SÁ, 1993, p. 21).
Com esta visão, ao estudar os fenômenos da vida cotidiana e o estado de coisas na qual
ela se desenvolve, Durkheim cunha um dos mais importantes conceitos de sua obra – o que
continuaria a ser até os dias atuais um dos temas centrais nas teorias sociais – as Representações
Coletivas. Ao pensar em uma consciência coletiva que se consolida na sociedade, ele abriu
espaços para que diversas áreas que têm interesse em compreender a relação social e o processo
com o qual se desenvolve a maneira como os indivíduos pensam e agem – tais como sociologia,
antropologia e psicologia – pudessem participar do debate sobre como se consolidam estas
representações. Elas envolvem, sobretudo, as “crenças, sentimentos e ideias habituais, dadas e
homogeneamente compartilhadas de uma comunidade” que passaram a ser aceitas e
consagradas pelos indivíduos como pertencente às suas tradições, costumes e histórias de forma
inquestionável. Desta forma, para a sociologia durkheimiana, as representações coletivas, por
sofrerem influência de todas as cerimônias presentes em práticas e ritos de uma sociedade,
seriam responsáveis por sustentar as bases morais que guiam e ditam as ações praticadas pelos
membros de uma determinada comunidade (JOVCHELOVICTH, 2011, p. 97).
5
Esta obra que tem o título original Sociologie et Philosophie (1924) é uma publicação póstuma dos artigos
“Représentations individuelles et représentations collectives” (1898); “Détermination du fait moral” (1906);
“Réponses aux objections” (1906); “Jugements de valeur et jugements de réalité” (1911).
21
Nesta ótica, este processo é construído a partir de estruturas que agem uma sobre as
outras, formando imagens que se consolidam de acordo com a natureza das representações. Tais
imagens se modificam à medida que as representações mudam e tornam-se reais quanto mais
são passíveis de representações.
Nesse sentido, cabe admitir que os elementos naturais ao ser humano que abarcam os
aspectos psicológicos e os elementos de natureza social – os quais envolvem o ser humano em
um ambiente coabitado por individualidades diferentes, mas que compartilha de aspectos
comuns – constroem as representações. Desta forma, podemos destacar que uma representação
social não se firma por fenômenos de natureza individual, uma vez que ela se consolida na
estruturação dos conhecimentos que emergem do compartilhamento de aspectos que fazem
parte da vida social dos indivíduos e que ganham sentido ao se estabilizarem em um
determinado grupo social. Ela se organiza a partir de elementos que são constituídos e
consolidados historicamente, passando a conduzir as representações presentes e possibilitando
que elas possam estruturar as representações futuras, mesmo que não haja uma consciência de
como elas se consolidam.
Nesta ótica, Durkheim (2009) passa a discutir que uma representação é capaz de
construir uma consciência própria, a qual fundamenta o conhecimento do que é representado, de
modo que alguns fenômenos podem ser causados apenas por representações, sem que haja um
estado de consciência psíquica6 sobre eles. Nesta visão, estas apresentações podem construir
signos exteriores a própria consciência. Segundo Durkheim (2009, p. 33), os estudos de Pierre
Janet7 apontam que muitos atos são desenvolvidos sem que haja necessariamente uma
consciência por parte do indivíduo executor a ação. Diante disso, esta ação seria movida por um
conjunto das representações que passariam a dar sentido a ela mesma, independentemente do
estado de consciência psíquica que seria estabelecido, uma vez que, por ser inconsciente, a ação
não seria capaz de ser compreendida conscientemente como tal. Este fator aponta para o fato de
6
São psíquicos porque se traduzem exteriormente por indícios característicos da atividade mental (DURKHEIM,
2009, p. 33).
7
Em sua tese, discutiu questões relativas ao automatismo psicológico ao abordar sua concepção psicológica da
psicopatologia da histeria na qual indicava que a inconsciência determinava o comportamento (PEREIRA, 2008).
22
que os fenômenos psíquicos podem ser construídos sem que sejam apreendidos por um estado
de consciência sobre eles, possibilitando movimentos, gestos, falas, sentimentos, entre outros,
muitas vezes espontâneos. Entretanto, esta autonomia em si passa a ser relativa, à medida que
não há nenhum reino ou elemento da natureza que sobreviva sem depender de outros. Desta
forma, seria inconcebível perceber as ações específicas sem associá-las a outros elementos do
universo. Porém, as representações não seriam meramente algo inerente “à natureza intrínseca
da matéria nervosa”, uma vez que essas representações se retroalimentam em suas próprias
formas de existir, em suas próprias forças, em seu próprio estado de ser.
Podemos compreender que as ações involuntárias realizadas por um indivíduo isolado se
ligam aos processos inconscientes estabelecidos por sua estrutura orgânica, que independem de
sua capacidade ou incapacidade de tomada de decisões. Porém, para Durkheim (2009, p. 37),
“os fatos sociais são, em certo sentido, independentes dos indivíduos e exteriores às
consciências individuais”, o que lhe permite afirmar que as relações que acontecem no reino
social são reflexos das estruturas orgânicas coletivas que se estabelecem a partir de suas
relações com o reino psíquico.
Nesta estrutura, uma representação estabelece suas próprias relações com os elementos
que a definem e, quando abordada sob uma questão de consciência social, passa a ser
estabelecida sobre um estado de associação de um conjunto de indivíduos. Com isso, é possível
constatar que a questão da consciência social está ligada diretamente aos fatores exteriores à
consciência individual, os quais são reverberados por associações estabelecidas pelo grupo,
mesmo que os indivíduos pertencentes a este grupo não tenham consciência das associações que
produzem. Desta forma, a consciência social é estruturada pelas representações que são
partilhadas. Uma vez agrupadas, esta consciência passa a ser estabelecida sobre um estado de
associação de um conjunto de indivíduos. Este fato leva a perceber a sociedade como sendo
formada pelo conjunto dos indivíduos que se agrupam e se associam sobre pontos em comum,
compartilhando territórios, culturas e processos comunicacionais. Desta forma, podemos
destacar que é a partir de uma consciência da representação que são estruturadas as consciências
sociais.
Diante disso, Durkheim passa a observar que é a partir das representações individuais
que as representações coletivas são erguidas, de modo que as representações individuais passam
a ser fundamentais para a existência dos sujeitos. Consequentemente, uma vez que as
representações coletivas são estruturadas a partir do substrato das representações individuais,
elas tornam-se exteriores às consciências individuais que as formam.
A busca por compreender o mundo é fundamental para que possamos nos adaptar às
mais distintas situações que acontecem e que nos conduzem a transformações e à aquisição de
novos conhecimentos. Essa constante construção de saberes nos direciona a idealizar e assimilar
as imagens simbólicas que vão se consolidando ao longo do tempo, assumindo sentidos
diferentes em cada contexto sociocultural. É nesse espaço que as representações são construídas
e partilhadas socialmente, abrindo, assim, caminhos para que sejamos capazes de compreender
os fenômenos sociais, resolver problemas, conduzir situações e instituir concepções a partir dos
conhecimentos que se estabelecem ou se transformam. Por sermos seres sociais e vivermos em
ambientes socioculturais, compartilhamos espaços, crenças, objetos, eventos, ideias,
conhecimentos, entre outros, que podem se aproximar ou se distanciar, de acordo com as
25
dinâmica interna. Por outro lado, a psicologia social se preocupava em estudar as representações
em seus processos dinâmicos. Este contraste, em relação ao foco de estudo das duas áreas seria,
portanto, a maior dificuldade para se reconhecer de forma profunda e detalhada os “mecanismos
internos” e a viabilidade das representações sociais” (MOSCOVICI, 2015, p. 45). Então,
investigar a relação que acontece entre estes dois campos, na busca por compreender como
essas representações se organizam a partir das suas estruturas dinâmicas internas, bem como nas
dinâmicas que as envolvem, seria o ponto chave do surgimento de uma nova compreensão das
representações sociais.
A partir das abordagens iniciais de Durkheim sobre as representações coletivas, mas
contrapondo-se a ela, Moscovici passou a desenvolver uma psicossociologia do conhecimento
tendo por base o reconhecimento dos comportamentos individuais assim como os fatos sociais
que estabelecem as singularidades da realidade em que se desenvolvem os contextos históricos
dos quais os indivíduos fazem parte. Com isso, passa a reconhecer que as representações,
quando sociais, estão além de uma visão individualista estabelecida até então na psicologia
social. Além disso, Moscovici destaca que os indivíduos são responsáveis por construir e
consolidar as representações sociais nas quais eles estão envolvidos, sendo, desta forma, agentes
construtores da sua própria realidade social (SÁ, 1993, p. 28). Nesta visão, são nos
intercâmbios, presentes nos fenômenos que envolvem a vida social e psíquica, que são
elaboradas as representações sociais e, consequentemente, a construção da realidade. Estes
processos trazem para o debate os elementos que envolvem as relações peculiares nas quais
estão presentes e fazem parte, de forma direta, o individual e o coletivo (MARQUES; MUSIS,
2016, p. 22).
Apoiado nas mudanças na forma de olhar as representações, Moscovici buscava
reconhecer as representações que estavam presentes na estrutura atual das relações sociais e que
não estavam estruturadas apenas a partir de construções históricas e culturais, mas as que
estavam sendo fundamentadas em seu desenvolvimento humano, social, político, científico que
ainda não teriam tempo de se solidificar como tradição, mas que estavam sendo construídas e
poderiam ser mutáveis com as próprias mudanças que ocorriam nas estruturas que se
transformavam. Com isso, Moscovici saía da perspectiva da sociologia para criar um novo
espaço de observação a partir de uma psicossociologia que olhava para todos os fenômenos que
poderiam envolver a construção das representações, sejam eles de aspectos individuais ou
sociais, rompendo desta forma com a perspectiva estática que se dava às representações
coletivas de Durkheim (SÁ, 1993, p. 22). Na busca por se aprofundar na compreensão das
27
representações, Moscovici retoma a discussão e traz para o campo da psicologia social um novo
olhar, um direcionamento diferente dos que estavam centrados na sociologia e antropologia.
Esta abordagem não é apenas uma mudança etimológica, pois vai muito além. Ao mudar a ideia
de coletivo para social, passa-se a ter a compreensão de “representações que estavam sempre
em processo de produção no contexto das inter-relações e ações”. Desta forma, reconhecer as
representações sociais como uma relação direta com os pensamentos cotidianos e suas conexões
espontâneas, em diversas relações sociais, traz-nos a possibilidades de compreender a realidade
a partir do conhecimento partilhado coletivamente nas interações socialmente construídas
(ARROYO, 1999, p. 27), assim como descreve Berger e Luckmann (2004, p. 246) ao
discutirem a sociologia do conhecimento.
“As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e
cristalizam-se incessantemente em nosso universo cotidiano através de uma palavra, um gesto,
um encontro”8 (MOSCOVICI, 1979, p. 27). Tomando esse direcionamento como base para as
discussões, podemos compreender a representação social como uma forma de conhecimento
socialmente elaborado com bases históricas e culturais – configurada pela relação comunicativa
que acontece entre os indivíduos – que têm, como função, estruturar conhecimentos práticos
estabelecidos por ações partilhadas por um grupo em comum. Um conjunto social que faz parte
de uma mesma realidade.
Pautado no conceito de representações coletivas, Moscovici pensou os principais
conceitos que fundamentaram a TRS conservando a natureza social, a força material e a
propriedade que o caráter simbólico tem de se manter sólido através das instituições que
contribuem para fortalecer as representações (JOVCHELOVITVH, 2011). Outro ponto do
pensamento de Durkheim – conservado por Moscovici – foi a ideia de que as representações
coletivas mantêm relações com as origens sociais das classificações e da lógica. Entretanto, a
discordância entre as duas visões está na relação divergente que ambos têm sobre o
“pensamento primitivo”. Enquanto Durkheim defende que o pensamento primitivo (o senso
comum) só poderá ser compreendido como ciência ao se libertar dos aspectos sociais e
emocionais que os mantêm ligados às representações coletivas, Moscovici entende que o
pensamento primitivo não está submisso a um pensamento científico mais elaborado, pois
defende que o senso comum tem seu próprio entendimento de mundo, e que suas relações
devem ser consideradas e compreendidas através das suas estruturas.
8
“Las representaciones sociales son entidades casi tangibles. Circulan, se cruzan y se cristalizan sin cesar en
nuestro universo cotidiano a través de una palabra, un gesto, un encuentro” (MOSCOVICI, 1979, p. 27).
No caso de original em língua estrangeira, a tradução é nossa.
28
Com base nisso, podemos dizer que uma representação social se estabelece como uma
forma de perceber os conhecimentos simbolicamente constituídos e partilhados em um
determinado contexto, seja ele científico, histórico, social ou cultural. Entretanto, ela não é
qualquer conhecimento, mas todo conhecimento que pode ser identificador de sentidos, que está
arraigado de emoções, que possa constituir simbolicamente um objeto. Ou seja, um
conhecimento que pode ser observado, legitimamente consolidado e compartilhado pelos
membros de um determinado grupo social, e que orienta as suas ações.
9
JODELET, D. Represéntations Sociales: phénomènes, concept et téorie. In: MOSCOVICI, S. (ed.).
Psychologie sociale. Paris, Presses Universitaires de france, 1984.
29
Uma representação é fruto do resultado de uma série de associações que são realizadas
sobre um determinado objeto. São os significados atribuídos e as compreensões adicionadas a
ele, independentemente do formato que assuma – uma imagem, um fato, uma ação, uma crença,
um momento histórico, um modelo a ser seguido, um lugar etc. – que tornam possível a
assimilação do que é percebido como real. É por meio de uma representação social que os
sujeitos pertencentes a um grupo passam a identificar e dar significados a seus objetos em suas
realidades. São os sentidos dados a um determinado objeto que orientam as percepções de
mundo, a compreensão da realidade, possibilitam a criação, o compartilhamento e o
cumprimento de regras. São estes sentidos que promovem a percepção dos fenômenos sociais
cotidianos, dão justificativas para as ações, reconhecem as razões e explicam os
comportamentos regidos por práticas relevantes (DUARTE; MAZZOTTI, 2006b, p. 1286).
O processo de representação é um fenômeno psicossocial que passa pelo modo com qual
os indivíduos se relacionam com um objeto. Desta forma, Jodelet destaca que o ato de
representar sempre está relacionado a um objeto, independentemente de qual seja ele: um ser,
um fenômeno cultural, um sentimento, uma teoria, um fenômeno natural, um mito, uma crença
etc. Para ela, “não há representação sem objeto” (JODELET, 1993, p. 5). Uma representação é o
espectro mental, seja ele individual ou social, lançado sobre um objeto que, para existir como
tal, depende de uma representação mental que o constitui simbolicamente.
Nessa perspectiva, uma representação pode ser vista como um aspecto concreto que
sustenta a construção do pensamento a partir das percepções individuais e coletivas, internas e
externas, forjando um indivíduo ou um grupo social através da autonomia na observação,
interpretação, mentalização e sentido que é dado a um objeto a partir do pensamento que o
sustenta, respeitando as suas particularidades ou suas partilhas. Sendo assim, é a representação
que torna um objeto que existe no estado mental, constituído a partir de suas estruturas
simbólicas, em algo concreto.
30
10
Segundo Mora (1950b, p. 627), o filósofo Schopenhauer apoia-se nos trabalhos de Platão e Kant, bem como
nas especulações metafísico-religiosas presentes no budismo para discutir o mundo como objeto de
representação.
31
sobre a representação do mundo, argumentando que o mundo só existe como tal devido à
representação. Nesta ótica, ele defendeu que “os objetos do conhecimento não têm uma
realidade subsistente por si só, e que são meramente o resultado das condições gerais de suas
possibilidades: o espaço, o tempo e a causalidade11. Desta forma, Schopenhauer acreditava que
o mundo como se apresenta é consequência do resultado das inconsistências das multiplicidades
de possibilidades que podem surgir com as representações. (MORA, 1950b, p. 627). Os objetos
representados não são resultados de um processo aleatório ou vazio, são imagens criadas e
refletidas por indivíduos e grupos que dão sentido a eles. Para Moscovici (1979, p. 43), “toda
representação é uma representação de alguém. Em outras palavras, é uma forma de
conhecimento colocado por quem sabe dentro do que ele conhece”, permitindo-lhe estruturar
estes conhecimentos que serão partilhados.
Podemos perceber que é a partir da função simbólica que uma representação é
estruturada e constituída pelos significados que são dados aos símbolos, às figuras. Em torno
das representações, há uma relação cíclica constante, uma ação naturalizada inconscientemente
que está além do desejo consciente de representar. É nesta relação que a figura encontra o
significado e que o significado encontra a figura para dar sentido a uma representação.
Gráfico criado pelo autor com base em gráfico de Moscovici (1979, p. 43)
Desta forma, a análise do sentido pode fazer com que as compreensões de diferentes
representações possam estar relacionadas ao mundo social.
11
“[...] los objetos del conocimiento no tienen una realidad subsistente por sí misma, que son meramente el
resultadode las condiciones generales de su posibilidad: el espacio, el tiempo y la causalidad [...]” (MORA,
1950b, p. 627).
32
Desta forma, a construção de uma representação tem suas bases na construção emotiva
que um adulto traz da sua primeira infância, uma vez que é, nesta fase, que são traçadas as
primeiras inter-relações que envolvem o Eu/Outro/Objeto. É, nas estruturas afetivas, que o
processo sociocognitivo estabelece suas conexões e adquire sentido representacional capaz de
conhecer o mundo através da representação.
Neste sentido, vale destacar que a função simbólica das representações rompe com as
restrições que envolvem o objeto-mundo colocando-a em um movimento mais livre através da
expressão de intenções, dos sonhos, dos desejos, das fantasias, e de todos os elementos
subjetivos que a cercam. Na perspectiva de progredir sobre a dimensão da emoção e dos afetos
inconscientes que envolvem a psicologia social das representações, Jovchelovitch (2011, p. 63)
utiliza os conceitos de espaço potencial do princípio do prazer e o princípio da realidade como
instrumentos analíticos dos campos representacionais.
Esta função simbólica que constitui a compreensão do mundo através de seus elementos
externos presentes no Outro, e os elementos internos que direcionam como o indivíduo ligado
ao Eu se situa no mundo, cria um espaço de convergências que nos permitem representar o
mundo. Este ponto de convergência em que se estabelece a função simbólica pode ser
reconhecido como o que Jovchelovitch (2011, p. 68) chamou de espaço potencial. Nesta ótica, o
espaço potencial, passa ser fundamentado pela representação simbólica que, a partir de suas
relações, possibilita reconhecer uma realidade compartilhada.
Assim, as Representações passam a ser estabelecidas a partir dos processos emocionais
inconscientes que estão envolvidos na construção simbólica do mundo, o que demonstra que a
representação é concebida num entrelaçar de processos emocionais e sociais que envolvem o
indivíduo e seu grupo. Partindo desta visão, Leme (1993, p. 50) aponta para o fato de que
Moscovici trouxe, para a discussão, a importância do indivíduo na formação das representações
sociais como seres capazes de construir uma nova percepção de mundo e que, através de suas
relações cotidianas, podem construir novas representações. Desse modo, os aspectos simbólicos
35
social, todas as informações passam por esta lente das representações, que, de certa forma, as
moldam, as distorcem e dão valores instáveis aos objetos e às pessoas. Desta forma, a TRS
“deve ser entendida não apenas como uma psicologia social dos saberes, mas também como a
teoria sobre como os novos saberes são produzidos e acomodados no tecido social”
(JOVCHELOVITCH, 2011, p. 86). Essas representações sociais podem ser transformadas a
partir de novos olhares de novos sujeitos, que passam a construir novos saberes através de
novas formas de ver o mundo e construir uma nova realidade. É nesse aspecto que esta teoria se
destaca, uma vez que passa a reconhecer a capacidade individual na criação de novas
representações, sem se deixar cair numa perspectiva do individualismo.
Gráfico criado pelo autor com base nas discussões de Valsiner (2015).
Ao discutir a TRS como uma teoria prática, Valsiner (2015) direciona seu olhar para
uma observação que marca o desenvolvimento das teorias como uma batalha de campo aberto,
em que estão expostos tanto o pesquisador, quanto os pesquisados, no reconhecimento dos
saberes consolidados. Ou seja, ela é produto de uma constante discussão dialética que envolve
as fenomenologias sociais empiricamente estabelecidas e os princípios teóricos que envolvem
os agentes ativos de uma sociedade. Para este autor “a TRS não é uma teoria do
desenvolvimento, mas uma teoria que torna possível dar conta das várias transformações
dinâmicas” que acontecem nas inúmeras relações entre pessoas/sociedades (VALSINER, 2015,
p. 36). As representações sociais podem ser compreendidas como uma forma de reconhecer que
elementos expressivos – tanto os constituídos historicamente, quanto os que vão sendo
conduzidos ou reconduzidos, criados ou recriados dentro de uma estrutura social dinâmica –
possam ser percebidos como fatores de transformação e estruturação das multiplicidades de
fatores expressos num determinado contexto a partir de suas próprias produções e do imaginário
social.
O ato de representar não deve ser encarado como um processo passivo reflexo
da consciência de um objeto ou conjunto de ideias, mas como processo ativo,
uma reconstrução do dado em um contexto de valores, reações, regras e
associações. Não se trata de meras opiniões, atitudes, mas de “teorias”
internalizadas que serviriam para organizar a realidade. A função da
representação é tornar familiar o não familiar numa dinâmica em que objetos e
eventos são reconhecidos, compreendidos com base em encontros anteriores,
em modelos. (LEME, 1993, p. 48).
Assim sendo, podemos reconhecer que o estudo das representações sociais ultrapassa os
aspectos puramente cognitivos, assimilando elementos das dimensões afetivas e imaginárias,
superando a divisão estabelecida entre a concepção de cognição e emoção. Por consequência,
uma representação não pode se dissociar dos seus aspectos afetivos que entrelaçam a sua
construção. Logo, a ancoragem e a objetivação ampliam a sua abrangência a partir da
41
que passam a emergir. Nesta perspectiva, não só a criação de representações está sujeita a
olhares transformadores, mas a própria teoria que a estuda.
Nesta perspectiva, podemos observar que os vários pesquisadores que desenvolveram
seus trabalhos após Moscovici compreenderam que uma representação social é estabelecida por
um conjunto de informações, organizadas e estruturadas, que envolvem um dado objeto por
meio de um sistema de crenças, opiniões, comportamentos, atitudes que o define. Entretanto,
olhando mais adiante, Jean-Claude Abric avançou em uma direção que passa a analisar as
representações a partir de uma organização interna da própria representação, um olhar de si para
si. Uma investigação dos elementos que são estruturantes da representação, buscando
compreender quais são os elementos que a fundamentam e que estabelecem seus significados
como uma representação. Foi com este olhar que ele seguiu seu caminho e passou a traçar seus
estudos para apresentar a Teoria do Núcleo Central, como uma teoria complementar mais
objetiva para as representações sociais. Este novo olhar pode ampliar a compreensão de como
estas representações se organizam e se manifestam na sociedade. Buscando em trabalhos de
filósofos e psicólogos que o antecederam, Abric (2001, p. 20-22) procurou aprofundar seus
estudos sobre a centralidade nas representações, ao analisar e ampliar a visão que Moscovici
levantava sobre o núcleo simbólico, e propôs a Teoria do Núcleo Central destacando que o
núcleo central passa a ser construído pelos elementos essenciais de uma representação. Ou seja,
é este núcleo que passa a definir o objeto da representação através da origem de seus valores.
Orientado por Serge Moscovici, na Univerité de Provence, Abric desenvolveu seu
estudo sobre o tema do núcleo central em sua tese, no ano de 1976. Nesta pesquisa, ele
apresenta a essência de sua teoria, ao esclarecer “que se trata dos conteúdos cognitivos da
representação social, os quais estão organizados e estruturados em volta de um núcleo central e
dentro de sistemas periféricos” (MARQUES; MUSIS, 2016, p. 35). Todavia, Sá destaca que
esta teoria só passou a ter uma maior influência a partir do início dos anos de 1990, “quando
surgiram as condições para maior reconhecimento dos esforços de elaboração teórica e
metodológica complementares à grande teoria” de Moscovici (SÁ, 1996b, p. 20).
Nesta perspectiva, Abric pode superar a visão do objeto encontrando a origem de seus
valores, sem necessariamente se prender aos aspectos concretos, figurativos, ou a seus
esquemas padronizados. Para este autor, “toda representação está organizada ao redor de um
43
núcleo central”12, que se apresenta como elemento estruturante, uma vez que determina o seu
significado e a organização. Para ele, o núcleo central é o elemento balizador de toda a
representação, sendo o responsável por atribuir conceito, gerar sentido e sistematizar os objetos
representados. É através do núcleo que a função geradora e organizadora de uma representação
é estabelecida, envolvendo, com isso, um arranjo em torno de um elemento central que dá
significado à própria representação (ABRIC, 2001, p. 20).
O núcleo central pode ser reconhecido nas construções das representações ligadas às
memórias coletivas e às normas construídas e asseguradas pelo grupo que o representa, e que
pouco podem ser abaladas pelos elementos periféricos (RAUSKI, 2015, p.60). Podemos
destacar que é o núcleo que se mantém firme e assume a função de organizar os elementos que
definem uma representação social, mesmo que este esteja constantemente lidando com
elementos contrastantes do sistema periférico, o qual “contém elementos condicionais e
flexíveis que lidam geralmente com aspectos práticos, contradições eventuais, e idiossincrasias”
(WACHELKE, 2014, p. 105)13.
Ao aprofundar este debate, Abric (2001) detalha que uma representação acontece por
uma organização deste duplo sistema – o central e o periférico – que a rege. Ao estruturar esta
teoria, ele destaca que o sistema central (núcleo central) é composto por elementos enraizados
na estrutura social que estão diretamente ligados aos seus aspectos históricos, sociológicos e
ideológicos, uma vez que estes aspectos apresentam uma maior resistência a mudanças. Este
sistema, por caracterizar a estrutura mais sólida de uma representação, liga-se aos valores e às
normas e guiam os princípios que assumem as bases fundamentais ao redor de uma
representação. Para Sá, as características atribuídas ao núcleo central são as seguintes:
12
Toda representación está organizada alrededor de un núcleo central. Este es el elemento fundamental de la
representación puesto que a la vez determina la significación y la organización de la representación. (ABRIC,
2001, p. 20).
13
“[...] contains conditional and flexible elements, which deal mostly with practical aspects, eventual
contradictions, and idiosyncrasies” (WACHELKE, 2014, p. 105). Tradução “oficial” para o português feita
pelo autor do artigo original, publicado no periódico Psicologia Teoria e Pesquisa.
44
Essas características apresentam, como forte marca, uma maior flexibilidade em relação
ao sistema central, o que lhe permite uma maior adaptação em função das experiências vividas
em suas práticas cotidianas. É justamente esta flexibilização do sistema periférico que gera uma
proteção ao núcleo central. Esta região periférica, ao envolver o núcleo, permite que
informações e práticas diferenciadas – que possam apresentar heterogeneidade em seus
conteúdos e condutas comportamentais – sejam assimiladas e incorporadas no sistema
periférico sem que o núcleo seja necessariamente abalado. Assim sendo, vale destacar que “o
sistema periférico não é, portanto, um elemento menor da representação. Pelo contrário, é
fundamental, pois, associado ao sistema central, permite que ele seja ancorado na realidade”15
(ABRIC, 2001, p. 26).
14
“Permite modulaciones personales en torno a un núcleo central común, generando representaciones sociales
individualizadas” (ABRIC, 2001, p. 26).
15
“Este sistema periférico no es, por tanto, un elemento menor de la representación. Al contrario, es
fundamental puesto que asociado al sistema central le permite anclarse en la realidad. (ABRIC, 2001, p. 26-
27)
45
16
Es la existencia de ese doble sistema lo que permite entender una de las características esenciales de la
representación social que podría aparecer como contradictoria: son a la vez estables y móviles, rígidas y
flexibles. Estables y rígidas porque están determinadas por un núcleo central profundamente anclado en el
sistema de valores compartido por los miembros del grupo; móviles y flexibles porque son alimentadas de las
experiencias individuales e integran los datos de lo vivido y de la situación especifica, la evolución de las
relaciones y de las prácticas sociales en las que los individuos a los grupos están inscritos. (ABRIC, 2001, p.
27).
46
diferente. Neste direcionamento, podemos destacar que os elementos centrais – ligados aos
processos cognitivos e emocionais que se interligam com a memória e com os outros elementos
da representação – mantêm uma forte conexão com os elementos periféricos – e com todos os
outros aspectos que fazem parte da representação – e são os responsáveis por direcioná-los na
organização da representação. Com isso, “os elementos periféricos passam a assumir a função
de materializar, regular e defender os significados centrais de acordo com a diversidade de
contextos e individualidades” nos quais eles se apresentam. (MONACO; LHEUREUX, 2007, p.
59).
Pensando nas condições inflexíveis e flexíveis que envolvem o sistema estrutural de
uma representação e na sua capacidade de promover tanto uma manutenção quanto alterações
na representação social, Marques e Musis (2016, p. 36) apresentam algumas funções que podem
ajudar a compreender melhor como acontece o desenvolvimento destes sistemas. Eles destacam
que o núcleo central apresenta duas funções básicas: a primeira identificada como função
geradora, está ligada à construção de sentidos e valores atribuídos a uma representação. Isso
porque ela está associada ao momento da criação de uma representação, da alteração de seus
elementos ou das transformações dos elementos balizares. A segunda, identificada como função
organizadora, está relacionada às conexões estabelecidas pelos elementos que fazem parte da
representação. As ligações que são mantidas têm o poder de unificar e estabilizar o que está
sendo representado. Já para o sistema periférico, os autores apresentam três funções. A primeira,
a função de concretização, está ligada diretamente ao contexto e à percepção de realidade
estabelecida pelo processo de ancoragem. Esta função se liga ao núcleo central, dando-lhe uma
funcionalidade concreta. A segunda, a função reguladora, está ligada às relações mais flexíveis
que compõem os elementos periféricos da representação. Esta função é a responsável pelos
processos de transição que ocorrem em uma representação, possibilitando suas conversões. A
terceira, a função de defesa, promove uma relação de proteção do núcleo central, fazendo com
que o sistema periférico seja o responsável por fazer uma barreira de contenção para defender a
representação.
Uma outra pauta encaminhada na discussão sobre a abordagem estrutural das
representações foi trazida por Campos e Rouquette (2003, p. 436), para quem “a abordagem
estrutural não concebe as representações como um conjunto de eventos e processos puramente
cognitivos; tampouco ela se dedica às tentativas de estabelecer relações de primazia do aspecto
cognitivo sobre o afetivo ou vice-versa”. Com este entendimento, os autores afirmam que uma
representação pode ser compreendida como uma organização de diversos aspectos,
47
Já faz um tempo que a educação musical dialoga com as mais distintas áreas do
conhecimento, buscando, cada vez mais, um aprofundamento sobre questões relacionadas aos seus
processos de ensino/aprendizagem e às construções socioculturais e históricas que envolvem os
agentes neles inseridos: professores; alunos; familiares; amigos entre outros. Diante da necessidade
de estabelecer diálogos com outras áreas do conhecimento, a Educação Musical traz, para seus
estudos, reflexões mais abrangentes que possibilitam uma abordagem que relacione suas bases
teóricas e práticas com as mais diversas áreas, como: Musicologia; Etnomusicologia; Antropologia;
Educação; Sociologia; Psicologia; entre outras.
Esta aproximação traz, para os estudos acadêmicos da educação musical – e da música, de
modo geral –, diversos elementos que reforçam que uma determinada área de conhecimento não
está limitada a suas próprias visões, uma vez que está inserida em um mundo formado por diálogos,
interações e experiências que possibilitam e permitem o desenvolvimento de processos evolutivos.
Neste sentido, buscamos reconhecer as relações que se estabelecem entre a área de educação
musical e a psicologia social, através da lente teórica das representações sociais. Procuramos, com
isso, compreender as concepções sobre música e seu ensino presentes no cenário educacional
brasileiro, assim como as abordagens teóricas e metodológicas que têm norteado os estudos dos
processos de ensino/aprendizagem da música.
Por estar ligado aos diversos processos de aquisição e troca de conhecimento, o campo
da educação passa a dialogar com a psicologia social, através das representações sociais, à
medida que reconhece as relações dessa teoria com o conhecimento produzido nas mais
distintas instâncias da sociedade. Podemos constatar este crescente diálogo, quando vemos
que estudos envolvendo as representações sociais e a educação vêm se ampliando a partir do
interesse desprendido pelos pesquisadores do campo educacional, ao buscarem compreender
estas relações de construção do conhecimento que acontecem pelos processos interativos
sociais que compartilham seus significados tanto em processos formais quanto não-formais
e/ou informais de ensino/aprendizagem. Para Marques e Musis (2016, p. 39), este processo
vem se consolidando ao longo do tempo. Para eles, esta interação entre as áreas traz inúmeras
“contribuições para a compreensão do conhecimento socialmente partilhado do processo
educacional e do trabalho docente”.
17
Como o caso em que estamos vivenciando na atualidade, devido à pandemia do Covid-19, novo coronavírus,
que assolou o mundo e fez com que as relações educacionais passassem por mudanças estruturais e
metodológicas de forma intensa e imediata, em todos os níveis educacionais.
50
Nos nossos estudos, podemos destacar que as pesquisas que envolvem a TRS no
cenário musical brasileiro passaram a ganhar força a partir de trabalhos de diversos autores,
notadamente: Arroyo (1999; 2000); Del-Ben (2012); Duarte (2011); Duarte e Mazzotti
(2006a; 2006b); Loiola (2015); Moreira (2010); Oliveira A. (2008); Rauski (2015); Scardua e
Sousa Filho (2010); Silva e Urt (2016); Soares (2012); Subtil (2005); Subtil, Sebben e Rosso
(2012); Sugahara (2013; 2014) e Westrupp (2012). Nesta ótica, os estudos sobre
representações sociais de música passaram a ser capazes de promover uma compreensão e
uma reflexão sobre as diferentes formas de se relacionar com a música, com os mais distintos
públicos, agentes e contextos. Ao abordar tais discussões, estes autores trazem, para a cena,
trabalhos que apresentam direcionamentos que passam a debater a pesquisa sobre
representações sociais e música na visão de professores e de alunos, de espaços e de práticas,
entre outros.
Um dos primeiros trabalhos a discutir as representações sociais e música no cenário
brasileiro foi a pesquisa desenvolvida por Margarete Arroyo (1999), na qual a autora discutiu
dois universos distintos a partir de suas práticas de ensino/aprendizagem: o congado e o
conservatório de música. Em sua pesquisa, Arroyo percebeu a diferenciação de cada contexto:
o congado como sendo uma prática que envolve o meio social dos seus praticantes, suas
identidades e etnias como algo direcionador da prática, e o conservatório como uma
representação dos moldes escolares europeus. Contudo, ela também apresenta que, dentro de
um mesmo contexto sociocultural, acontecem diferentes modos e práticas do fazer musical,
baseadas em concepções distintas, que promovem modos de fazer, aprender e ensinar música.
Ao abordar uma visão cultural a partir de uma construção simbólica, estruturada através das
relações sociais existentes em cada contexto, a autora reconhece que o fazer musical passa a
ser parte de uma construção cultural cheia de significados que se estabelecem através de
inserções de ações músico-culturais diversas (ouvir, dançar, cantar, compor, improvisar,
arranjar, reger etc.), tudo o que pode estabelecer e configurar a prática performática e seus
significados culturalmente construídos. Utilizando uma abordagem etnográfica, a autora
conclui que os dois mundos musicais apresentam fatores contextualizados socioculturalmente
e que ambos estabelecem uma ligação com os significados culturais ligados às suas práticas.
Alguns trabalhos, como o de Del-Ben (2012), passaram a envolver as representações
sociais ligadas ao ensino de música na educação básica, através das visões dos licenciandos
52
em música, durante a graduação. Com caráter qualitativo, a pesquisa teve por base a aplicação
de nove entrevistas semiestruturadas com estudantes da licenciatura em música da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de diferentes períodos, na perspectiva
de captar possíveis mudanças de representações no decorrer do processo formativo. Este
direcionamento foi pensado para buscar entender as relações estabelecidas neste percurso que
foram capazes de indicar o posicionamento desses profissionais em relação à atuação na
educação básica após formados. Para isto, a autora procurou reconhecer quais as concepções
que os licenciados tinham sobre música neste espaço de atuação. A autora buscava, também,
reconhecer quais valores eram atribuídos às práticas referentes ao contexto da educação
básica, durante seu processo de formação. Assim, investigar as concepções que os discentes
têm desse espaço pode ampliar a capacidade de compreender como são construídas, através
de suas percepções, as suas representações sociais sobre a aula de música na educação básica.
Para Del Ben, conhecer as percepções dos alunos pode ajudar a encontrar caminhos para
reverter o processo de distanciamento que os professores de música têm deste contexto.
Ao estudar alunos com faixa etária entre 9 e 11 anos, Subtil (2005) direcionou seu
trabalho para a análise das práticas e vivências musicais decorrentes de um contato direto
desses estudantes, sobretudo com a mídia. Este olhar possibilitou compreender como as
representações sociais vão sendo construídas a partir de um processo de consumo e
socialização com as músicas do mercado, que fazem parte do seu cotidiano. Nesta abordagem,
a autora passou a utilizar diferentes instrumentos de coleta de dados, como entrevistas,
observações, questionários abertos e fechados, além de apreciação musical e práticas
musicais, bem como análise de desenhos realizados pelas crianças, através dos quais
procuravam expressar a forma como percebiam as músicas. Um aspecto interessante
observado nesta pesquisa está relacionado à compreensão de como as crianças enxergam a si
e aos objetos simbólicos que estão à sua volta, bem como incorporam valores morais a partir
das construções sociais em que estão inseridas.
Um fator relevante que pode ser observado quando analisados os estilos musicais está
na relação do permitido, do proibido, quando relacionado ao funk que foi compreendido a
partir de construções simbólicas relacionadas à malícia, sexualidade e questões amorosas.
Vale destacar que a autora identificou, nestas representações, algumas nuances quando o
público investigado apresentava diferença de classe social ou de gênero, sendo percebidas no
tipo de brincadeira e nas distintas posturas apresentadas no desenvolvimento das atividades
musicais. Por fim, ela aborda o fato de que as músicas midiáticas são importantes para o
53
processo de educação musical escolar, uma vez elas estão presentes no processo de
socialização das crianças, principalmente se observado que estas músicas são amplamente
valorizadas e receptíveis pelas crianças.
Em outra abordagem, mudando completamente o foco do público, Subtil, Sebben e
Rosso (2012) desenvolveram sua pesquisa envolvendo diferentes formações de professores.
Neste estudo, os sujeitos pesquisados pertenciam a dois grupos distintos: o primeiro, formado
por professores licenciados em música e professores licenciados em artes visuais, e o
segundo, formado por professores sem licenciatura específica em arte, mas que atuaram nas
séries iniciais da educação básica. Este trabalho procurou entender, através da TRS, quais
sentidos são atribuídos à arte, bem como, quais aspectos estiveram presentes na relação arte e
sociedade e da arte na escola.
Como direcionamento metodológico, esta pesquisa foi estruturada nas abordagens
qualitativa e quantitativa, e, para a análise dos dados obtidos através de questionários abertos,
foi realizada a análise de conteúdo com o auxílio do software Alceste18. Um dos pontos
interessantes desse trabalho foi a amplitude dos contextos pesquisados, com dados coletados
abrangendo cinco municípios, de quatro diferentes estados brasileiros. Neste processo,
percebe-se que os diferentes grupos apresentam representações sociais semelhantes quanto ao
ensino de arte; entretanto, quando se analisa a relação da arte com a sociedade, alguns
aspectos passam a ser bem distintos. Enquanto os licenciandos em arte apresentam uma visão
mais humanizadora, os professores sem uma formação específica em arte apresentam um
caráter mais utilitário.
Por sua vez, um trabalho de bastante relevância para as discussões sobre
representações sociais e música foi desenvolvido por Duarte e Mazzotti (2006a, p. 60), que
efetuaram uma análise retórica dos discursos sobre música, com o intuito de apreender as
representações sociais de música dos professores. Com isso, apresentam uma discussão acerca
dos “fenômenos perceptivos presentes nos processos de negociação de significados de
música” (2006b, p. 1.283), de modo a contribuir com a identificação dos aspectos que
promovem os esquemas de percepção a partir de seus esquemas simbólicos, que consolidam o
significado de música através da compreensão que se tem dela. Desta forma, podemos
compreender que as concepções que conduzem os processos perceptivos transpassam por um
conjunto de valores, internamente construídos e culturalmente adquiridos. Estes fatores
18
Análise Lexical pelo Contexto de um Conjunto de Segmentos de Texto.
54
19
As questões que direcionaram as entrevistas foram pautadas da seguinte forma: 1) Que tipos de música você
conhece?; 2) Dê três exemplos de músicas da sua preferência; 3) Qual o repertório de discos que você mais
tem em casa? (DUARTE, 2001, p. 61)
55
Já o trabalho de Scardua e Souza Filho (2010) tem uma abordagem bastante diferente
dos anteriores, uma vez que eles passam a investigar as representações sociais de música
tendo como base o foco em elementos gramaticais. Este direcionamento visou identificar os
processos de ancoragem e objetivação presentes nas respostas de músicos e ouvintes através
dos elementos gramaticais, quando direcionados a responderem um questionário que envolvia
definições de música, de gosto musical e de produção musical.
Nessa abordagem, a hipótese levantada foi a de que “os processos de formação de
representações sociais possam ser relacionados às construções gramaticais do tipo sujeito-
verbo-predicado” (SCARDUA; SOUZA FILHO, 2010). Desta forma, os verbos indicariam
aspectos funcionais, que seriam reconhecidos como ancoragem, já os predicados estariam
relacionados às dimensões do objeto, à objetivação, e aos enfoques subjetivos e relacionais
que ecoavam. Esta abordagem foi estruturada a partir da identificação de três categorias: a)
objetivas e descritivas – que passaram a descrever aspectos mais objetivos e específicos da
música, bem como aspectos profissionais e técnicos, além de animosidade e emotividade,
entre outros; b) efeitos e uso da música – que foram relacionados a questões que dizem
respeito às diferentes funcionalidades que envolviam a música, bem como os aspectos
intencionais e conscientes que conduziam seu uso; c) retórica – que possibilitou o
reconhecimento de aspectos relacionados à construção de valor. Tomando por base este
direcionamento, os autores concluem que, mesmo havendo uma variação nos discursos dos
sujeitos, caracterizados pelos elementos gramaticais, pode-se observar os múltiplos e
complexos sentidos que se cruzam nas relações estabelecidas com a música.
Desenvolvendo seu trabalho em outra abordagem, Westrupp (2012), através de uma
metodologia qualitativa, com base em um estudo de caso etnográfico, procurou compreender
as representações sociais em música, investigando como estas relações se concretizavam a
partir de aspectos formais e não formais presentes no processo educativo musical em uma
escola de educação básica. Nesta pesquisa, o autor procurou, através das representações de
diferentes sujeitos ligados ao processo educativo (professores, pais, alunos e diretores),
compreender como as representações sociais aconteciam neste contexto. Como suporte para a
investigação, o trabalho teve como base a prática de ensino/aprendizagem na banda e o
processo educacional curricular direcionado para todos os alunos do 6º ao 9º ano. Outro fator
apresentado no trabalho foi o procedimento de coleta de dados, que trouxe, como instrumento,
as entrevistas semiestruturadas que foram aplicadas de forma individual e em grupo focal com
vários sujeitos participantes, análise documental e a observação participante. O seu processo
56
de análise foi desenvolvido com base em uma organização tríplice, que envolveu análise do
discurso, dos planos de aulas e das anotações realizadas no diário de campo.
Os trabalhos de Sugahara (2013; 2014) discutem as representações sociais que os
estudantes da licenciatura em música e da pedagogia têm sobre a perspectiva da escuta
musical a partir de três gêneros musicais: pop, jazz e world music. Com o objetivo de discutir
o potencial formativo da música, a partir das representações sociais destes estudantes, utilizou
a técnica de livre associação para o processo de categorização das respostas. Este processo
possibilitou a identificação das representações a partir de cinco eixos temáticos: afetividade;
movimento; comunicação; contexto e formação. Nesta perspectiva, percebeu-se que os fatores
simbólicos que envolveram uma estrutura musical estavam ligados a diversos aspectos que se
associavam aos diferentes elementos e contextos que envolviam a música e suas estruturas.
Neste trabalho, o tempo (percepção histórica da sua realidade) e espaço (percepção
contextualizada dos lugares em que os grupos se desenvolvem) foram identificados como
elementos relevantes na compreensão da construção da memória, relacionados aos contextos
históricos sociais que os envolvem. Desta forma, compreender como se desenvolve esta
memória que passa a ser coletiva possibilitou um olhar singular para as representações sociais
de um determinado objeto.
Nesta ótica, percebemos que uma música pode adquirir diferentes representações
sociais ao ser ouvida em diferentes contextos e tempos. Podemos tomar como exemplo a
música “Fricote”20, que foi lançada no ano de 1985, por Luiz Caldas, e virou um hit daquele
ano, mas que hoje, é vista por muitos como uma mensagem que banaliza o racismo e o
machismo. Daí, podemos ver o mesmo objeto adquirindo diferentes representações sociais ao
longo do tempo. A mudança do momento histórico e/ou do contexto passam a dar novos
significados ao objeto, construindo, assim, novas representações sociais.
Um aspecto interessante levantado por Sugahara (2013; 2014) está na abordagem do
processo de objetivação como concebido por Jodelet21, apresentando aspectos como distorção,
suplementação e desfalque. Esses três aspectos passam a ser compreendidos como formas de
20
A música fricote, conhecida popularmente como “Nega do cabelo duro”, foi a responsável por promover a
carreira do cantor e compositor Luiz Caldas, que foi o precursor do gênero musical “Axé Music” no contexto
da década de 80 do século passado. Na atualidade, com a mudança do contexto histórico e social, e do cenário
político, recebe críticas por que muitos consideram que a sua letra tem um cunho preconceituoso. Podemos ver
a letra e ouvir a música Fricote no link: https://www.letras.mus.br/luis-caldas/65415/; e ver uma entrevista em
que o compositor apresenta uma mudança de representação sobre a música no link:
https://www.youtube.com/watch?v=yeQkyS0QWQ0&feature=emb_logo
21
JODELET, Denise. Représentation sociale: phénomene, concept et théorie. In: MOSCOVICI, S. (Ed).
Psychologie sociale. Paris: Presses Universitaires de France, 1990.
57
22
O software EVOC possibilita a análise do léxico formado pelo conjunto das evocações obtidas em uma
pergunta estruturada por meio de um termo indutor referente ao objeto do estudo. Disponível em:
https://uspdigital.usp.br/apolo/apoObterAtividade?cod_oferecimentoatv=54682.
58
23
O WebQDA é um software de apoio à análise de dados qualitativos num ambiente colaborativo e distribuído.
Disponível em: https://www.webqda.net/o-webqda/.
59
ter cursado teoria, apreciação e percepção musical apenas após ingressarem na faculdade. Em
seu desenvolvimento, a pesquisa contou com a coleta de dados através de um questionário
que, entre outros aspectos, buscava reconhecer o processo de escolha pela licenciatura em
música, seguindo um formato que envolvia “sensibilização e abertura, desenvolvimento,
questão-chave e, por fim, encerramento” (VASCONCELOS; COSTA, 2018, p. 24). Ao
discutir as relações entre educação musical e formação musical, através de uma comparação
entre licenciatura e bacharelado, os autores iniciam a discussão levantando essas diferenças.
Um ponto conflitante que surge nos resultados da análise é o fato de que a maioria dos
respondentes não conhecia o conceito de licenciatura antes de entrar no curso. Eles pensavam
que o curso escolhido seria voltado para a prática instrumental, sem a base teórica que
envolvia as disciplinas pedagógicas. Destacam ainda que, dentre o grupo dos que conheciam o
caráter de uma licenciatura e optaram por ela, a representação sobre a formação reconhecia a
necessidade de ter um conhecimento mais aprofundado sobre música.
Uma representação levantada pelos estudantes que optaram pela licenciatura estava
presente na percepção de que ela é tecnicamente menos exigente que um curso de
bacharelado. Outras questões estão presentes na percepção a respeito dos aspectos
pedagógicos: se por um lado os estudantes se mostravam assustados pelas condições que
encontrariam na educação básica, por outro, a compreensão desta realidade favorecia a
aceitação de disciplinas mais ligadas às questões pedagógicas. Para estes autores, as falas dos
pesquisados produziam duas representações distintas; porém, no desenvolver do curso, ambas
passaram a dividir impressões parecidas, tornando-se mais homogêneas.
promover um processo analítico centrado em uma construção mais subjetiva dos dados
apresentados. Observa-se, com isso, que há elementos intrínsecos e implícitos que não seriam
capazes de aparecer em informações apenas estatisticamente quantificadas. Nesta ótica, a
abordagem plurimetodológica passa a ser defendida na pesquisa, uma vez que essas duas
técnicas podem se complementar em um processo de análise focado em questões que
envolvem perspectivas psicológicas ou sociais, como no caso estudado.
No processo analítico, Rauski (2015) verificou as relações que a música tinha com os
ambientes familiar e religioso, com os elementos midiáticos, com as novas tecnologias e com
os estilos musicais que fazem parte da vivência musical e do gosto musical dos alunos. Na sua
estrutura, as representações sociais de música dos alunos apresentaram, como elementos
centrais, o sentimento, o bem-estar e o entretenimento, uma vez que esses três elementos são
recorrentes nos discursos dos alunos. Outro ponto destacado é que, ao buscar o
reconhecimento das representações sociais de estilos de música, foram identificados diversos
gêneros musicais que compunham as representações que não estavam, de certa forma, ligadas
às influências midiáticas. Isso leva à reflexão de que estas representações são formadas por
suas ligações a diversos elementos influenciadores. Isto ficou mais evidente quando, dentre os
gêneros musicais apresentados, surgiram alguns com pouca expressão midiática, mas que
faziam parte da região periférica que envolve o núcleo central.
Nesse trabalho, Rauski (2015) reconhece que há uma baixa participação dos alunos
nas atividades musicais, e que um número relevante deles não reconhece o desenvolvimento
de práticas musicais ligadas às aulas, relacionando essas práticas, direta e exclusivamente, às
atividades extracurriculares e a eventos comemorativos. Um ponto crucial, que merece
destaque, é o fato de que os alunos apresentavam uma preferência pela disciplina de música e
reconheciam a sua importância no currículo. Entretanto, eles não consideravam a música com
caráter formador profissional como outras disciplinas de caráter “mercadológico” e, com isso,
passavam a distanciar-se de uma possível atuação futura no campo da música. Outro ponto de
grande relevância para o trabalho é a visão de como os adolescentes concebiam uma aula de
música ideal, segundo a qual destacavam uma relação direta com a preferência musical, com a
perspectiva de uma prática musical e com os aspectos da diversão. Deste modo, os
adolescentes apontavam que uma aula de música perfeita deveria ser desenvolvida com base
em uma prática musical, através de execuções que envolvessem as músicas de suas
preferências, proporcionando-lhes, assim, um momento de diversão. Por fim, ao tomar esse
direcionamento como um processo de reflexão, devemos fazer questionamentos para novas
62
Américas Meridionais. Outro fator geográfico que a coloca em destaque é o fato de ser a capital
mais próxima de outras capitais28.
A cidade de João Pessoa, segundo o IBGE (2017), possui uma densidade
demográfica 3.421,28hab/km2 e extensão territorial de 210,044 km². Entre os 223
municípios do estado, a cidade fica no 104º lugar em extensão territorial e em 2º se
comparado à sua microrregião. Seu território está dividido em 66 bairros (JOÃO PESSOA,
2006, p.1), como podemos verificar na imagem129, que abarcam uma população estimada
em mais de 800 mil habitantes. A sua infraestrutura “apresenta 70,8% de domicílios com
esgotamento sanitário adequado, 78,4% de arborização em vias públicas e 25,1% de
domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro,
calçada, pavimentação e meio-fio)” (IBGE, 2017).
:
Fonte: Diretoria de Geoprocessamento e Cadastro Urbano (JOÃO PESSOA, 2006b)
28
João Pessoa é a capital do Brasil que apresenta a menor distância entre outras capitais vizinhas. A distância
entre João Pessoa e Recife é de apenas 120Km e, entre João Pessoa e Natal, a distância é de 186Km.
Disponível em: http://www.itatrans.com.br/distancia.html Acesso em: 14 maio 2020.
29
Mapa dos bairros de João Pessoa, com a escala de 1:80.000, contido no Anexo 1. Disponível em:
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/04/Mapa-dos-Bairros-de-Joao-Pessoa.pdf
Acesso em: 31 maio 2020.
67
Este gráfico mostra que esse desenvolvimento já vinha ocorrendo há quase três
décadas, uma vez que, entre os anos de 1991 e 2000, foi a dimensão educação que apresentou
um maior avanço em termos absolutos, chegando a atingir 0,139 de crescimento. E entre 2000
e 2010, a dimensão educação voltou a ser a que mais avançou em termos absolutos, chegando
a ter um crescimento de 0,170. Entretanto, mesmo com um real avanço que marca a casa dos
38,48% em seu IDHM, entre os anos de 1991 e 2010, João Pessoa apresentou um crescimento
inferior à média nacional, que foi de 47,46% e muito abaixo da média de crescimento estadual
que foi de 72,25%. Esses dados demonstram que o “desenvolvimento humano, ou seja, a
distância entre o IDHM30 do município e o limite máximo do índice, que é 1, foi reduzido em
47,22% entre 1991 e 2010” (IDEME, 2013, p. 2).
Um outro dado bastante interessante que marca o desenvolvimento educacional da
cidade é o fato de que, no de período 1991 e 2000, a proporção de crianças de 5 a 6 anos na
escola cresceu 46,47% e no período de 2000 a 2010, este valor foi de 8,47%. Já em relação às
crianças de 11 a 13 anos frequentando os anos finais do ensino fundamental, este número
30
Quanto mais próximo de 1 melhor é o índice de IDHM.
68
cresceu na porcentagem de 50,65% entre 1991 e 2000, e entre os anos de 2000 e 2010, este
valor cresceu 47,04% (IDEME, 2013, p. 7).
Podemos observar um sutil, mas constante avanço nos índices de educação básica da
capital paraibana, através dos resultados obtidos nas avaliações nacionais, como podemos
verificar no Gráfico 4, que apresenta os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica –
IDEB, referente aos anos escolares iniciais, e no Gráfico 5, referente aos anos finais.
Fonte: Mapa das Regiões de Participação Popular do Orçamento Participativo (JOÃO PESSOA,
2019)33
31
Quanto maior o valor, maior a aprovação.
32
Além das 101 escolas de educação básica, a rede municipal de ensino conta também com 90 Centros de
Referência em Educação Infantil (CREIS), que apresentam professores nas áreas de arte, incluindo música.
Entretanto, este público não fará parte da pesquisa.
33
Adaptações feitas pelo autor para mostrar as 14 regiões da cidade e suas distribuições por bairros.
70
Fonte: Mapa das Regiões de Participação Popular do Orçamento Participativo (JOÃO PESSOA,
2019).
34
“Trata-se de um documento normativo, que tornou obrigatório o ensino de Artes, articulado em Artes Visuais,
Artes Cênicas/Dança e Música nas diversas séries e modalidades no município de João Pessoa/PB”
(NASCIMENTO, 2008, p. 1061).
71
educação básica, em seus diversos níveis, como na educação infantil, no ensino fundamental e
na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Vale destacar que o concurso de 2007 marcou uma
virada no ensino de Arte da capital, e consequentemente no ensino de música, em virtude do
fato de que, anteriormente, não havia sido realizado nenhum concurso que visasse
contratações nas diversas especificidades da arte, de modo a contemplar as áreas de música,
teatro e artes visuais, visto que estas eram as modalidades artísticas oferecidas no curso de
Licenciatura em Educação Artística da UFPB35 (OLIVEIRA, O., 2018).
Um outro fator importante neste período foi a criação do curso de Licenciatura em
Música da UFPB36, que passou a contribuir de forma significativa para formação de
profissionais com licenciatura específica em música. A criação deste curso resultou na
ampliação do número de profissionais com graduação em música atuantes na rede pública
municipal de ensino como professores do componente Arte, bem como para outros setores
que emergiam. Vale destacar que a modalidade de música foi a primeira das áreas de arte a se
desmembrar do curso de Educação Artística37, abrindo o caminho para que todas as outras
conseguissem articular a construção dos seus cursos de forma independente.
Diante de todas estas tendências educacionais que emergiam no campo da arte,
podemos compreender que as diversas discussões que aconteciam no âmbito político
educacional foram fundamentais para as mudanças estruturais ocorridas no currículo da
educação básica de João Pessoa. Podemos destacar que a resolução do CME citada
anteriormente foi um fator de relevante importância que iniciou as mudanças que culminaram
na ampliação dos espaços de ensino/aprendizagem de música na educação básica, bem como
no fortalecimento de espaços capazes de abarcar profissionais com formação específica.
Nesta perspectiva, o concurso de 2007 foi precursor às discussões que estavam sendo
travadas com a perspectiva de alterar a legislação educacional. Com a criação da lei
35
O curso de Licenciatura em Educação Artística mantinha uma estrutura curricular que direcionava para uma
formação que, mesmo possuindo modalidades específicas, possibilitava o contato com outras linguagens da
arte nos três primeiros semestres através das disciplinas de Oficina Básica de Arte I, II e III.
36
O Curso de Licenciatura em Música, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Campus I, da
Universidade Federal da Paraíba, foi criado a partir da Resolução nº 17/2005, como forma capacitar
professores de Música para atuar nos campos de trabalho emergentes da área (UFPB, 2005).
37
Com a extinção do curso de Licenciatura em Educação Artística, foram criados os cursos de licenciatura em
música, pela Resolução nº 17/2005 (UFPB, 2005), os cursos de Teatro, licenciatura e bacharelado (Resolução
21/2006) (UFPB, 2006a), os cursos de Artes Visuais, Licenciatura e Bacharelado pela Resolução 47/2006
(UFPB, 2006b), e posteriormente o curso de Dança, através da Resolução nº. 60/2012 (UFPB, 2012).
72
11.769/200838, que alterou a LDB 9394/96 tornando a música um conteúdo obrigatório na escola
(BRASIIL, 2008), a PMJP passou a ser uma das primeiras instituições públicas que apresentava,
em suas estruturas administrativa e curricular, um alinhamento com a nova lei de 2008.
O segundo concurso, lançado em 2013, também merece destaque, principalmente no
que se refere ao campo das artes, uma vez que passou a ampliar a quantidade de vagas para a
atuação dos vários profissionais de arte. Desta vez, o concurso contemplou, além de música,
teatro e artes visuais, também a área de dança, refletindo a criação de licenciatura específica
na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que teve seus primeiros egressos no ano de
2013. Este segundo concurso também foi significativo para a área de música, porque
apresentou uma abertura no mercado de trabalho para os profissionais que haviam se
graduado em Licenciatura em Música pela UFPB. Vale destacar que, como a licenciatura em
música ainda era um curso novo, a maioria dos profissionais que atuavam nessa área na rede
pública municipal de ensino possuíam graduação em Licenciatura em Educação Artística, que,
mesmo apresentando habilitações específicas, tinha sua estrutura curricular baseada na
polivalência. Desta forma, podemos destacar que estes concursos foram importantes, pois
abriram espaço e passaram a contemplar profissionais de áreas específicas da arte, sobretudo
para a área de música, uma vez que, até então, a grande maioria dos professores não possuía
uma formação específica em música (PENNA, 2001, p. 113; 2002, p. 10-12; 2008, p. 122),
fato este que inviabilizou a participação da música de forma efetiva na escola, e abriu espaço
para uma polivalência da arte que, pouco ou quase nada, contemplava o ensino de música.
De modo geral, podemos destacar que o cenário do ensino de música teve mudanças
significativas na PMJP, principalmente se realizarmos uma análise evolutiva do número de
professores que possuíam formação específica em música atuando no ensino de arte. Em uma
análise cronológica, podemos tomar por base os estudos de Penna (2002, p. 10), segundo o
qual apenas um pequeno número de profissionais com formação específica em música atuava nas
redes de ensino da Grande João Pessoa. Segundo a autora, entre os anos de 1999 e 2002, dos 186
professores atuantes na disciplina de arte na educação básica, apenas nove possuíam formação
específica em música. O trabalho de Nader (2010) apresenta uma discussão sobre o investimento da
PMJP no processo de formação continuada dos professores de música, destacando que tiveram seu
início apenas no ano de 2008. Contudo, no ano de 2009, durante as oficinas dessas formações de
38
No ano de 2008, a Lei 11.769 dispôs sobre a obrigatoriedade da música como conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo, do ensino de arte na educação básica. Entretanto, em 2016 houve uma nova alteração na LDB
9394/96, por meio da Lei nº 13.278/2016, que estabelece as diferentes modalidades – artes visuais, a dança, a
música e o teatro – como integrantes do componente curricular de Arte.
73
música, foram apresentadas algumas características dos professores participantes. Do total dos nove
professores com formação em música39, dois tinham formação específica em Educação Artística
com habilitação apenas na área de música, os outros sete eram graduados em Educação Artística
com habilitação em música e também em outras áreas específicas, como artes plásticas e artes
cênicas (NADER, 2010, p. 1043).
Seguindo o processo de transformação da música na educação básica de João Pessoa,
Souza (2018) trouxe mais uma vez, para o debate, o processo de formação continuada dos
professores de música da rede pública municipal. Ao fazer um levantamento de todos os
professores que atuavam na rede em 2017, chegou ao número de 35 professores de música
atuantes nas escolas de educação básica do município de João Pessoa, sendo 27 professores
efetivos (SOUZA, 2018, p. 65) e oito eram contratados como Prestadores de Serviço (PS)40.
No ano de 2019, a PMJP conta em sua rede de ensino com um total de 41 professores com
formação específica em música, dos quais 36 estão em sala de aula41.
39
Mesmo o trabalho de Nader (2010) não apresentando dados que indiquem o quantitativo dos professores de
música pertencentes à rede de ensino atuantes na educação básica, consideramos que os números estavam bem
próximos do quantitativo total do efetivo, uma vez que, mesmo tendo sido aprovados 20 professores de
música no concurso realizado em 2007, até o ano de 2009 só tinham sido convocados dez dos professores
aprovados.
40
A partir deste momento, utilizaremos a sigla PS para nos referirmos aos profissionais que atuem com o sistema
de contratação como prestadores de serviço.
41
Alguns dos professores de música estão fora da atuação direta em sala de aula por variados motivos, como:
licença para tratamento de saúde; readaptação de função; ou por assumir cargos nas direções escolares.
74
42
A organização por região passou a ser adotada a partir de 2018 com a divisão da área de João Pessoa em 14
regiões, entretanto segue uma estrutura muito próxima da que era adotada anteriormente que dividia a área em
8 (oito) polos de ensino.
75
quatro deles fizeram sua graduação na UFPB e dois realizaram sua graduação na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Quanto ao gênero, destacamos que cinco eram do sexo masculino
e uma do sexo feminino. Em relação ao ambiente de atuação, todos trabalhavam em escolas que
pertenciam a polos diferentes e atuavam em diferentes níveis da educação básica, pois é comum que
o mesmo professor desenvolva suas funções tanto no ensino fundamental I, no fundamental II,
quanto na EJA43. Vale destacar que esses respondentes apresentavam distintas crenças e perfis
culturais. Uma característica interessante é que todos tinham distintos locais de nascimento, com
alguns vindos de outras regiões da Paraíba e de centros urbanos de outros estados. Podemos destacar
que este fator se deve às características das capitais que, como polos estaduais ou mesmo regionais,
apresentam uma concentração de pessoas vindas de outros lugares.
43
Um fator interessante que marca uma contradição referente ao dispositivo legal e a atuação dos professores de
música nos diversos níveis de ensino é que os editais dos concursos indicam como Cargo 13: Professor da
Educação Básica II – Disciplina: Música (JOÃO PESSOA, 2007, p. 4; 2013, p. 4).
44
Tabela com a caracterização dos sujeitos quanto a sua formação, idade e ingresso na rede pública de ensino:
Graduação em Educação Artística, habilitação em Música (GEDA/M); Graduação em Educação Artística,
habilitação em Música e outra graduação (GEDA/M/O); Graduação em Licenciatura em Música (GLM).
45
Essa foi a média de idade dos participantes que forneceram este dado.
46
Este concurso realizado no ano de 2014, teve seu edital lançado no ano de 2013, como mencionado
anteriormente no tópico 4.2.
76
Para que pudéssemos dar início ao processo de coleta de dados, o projeto de pesquisa
foi submetido, através da Plataforma Brasil, ao Comitê de Ética. (CCM)47 da UFPB. Este
procedimento minimiza a possibilidade de incorrermos em questões éticas que poderiam
surgir devido ao fato de a pesquisa lidar com seres humanos. Como consequência, todos os
sujeitos envolvidos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua
participação na pesquisa (ver Apêndice A).
Para que o trabalho pudesse ser desenvolvido com êxito, atingindo os objetivos
pretendidos, foi adotada como metodologia uma abordagem qualitativa envolvendo pesquisa
bibliográfica e entrevistas. A visão qualitativa para esta pesquisa possibilitou o trabalho de
análise numa perspectiva mais ampla e subjetiva, de modo a reconhecer as representações
sociais de música de professores de música atuantes em escolas de Educação Básica da Rede
Pública Municipal de João Pessoa.
A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida com base em trabalhos de pesquisas publicados
em livros, periódicos, revistas especializadas em música, repositórios institucionais, anais de
eventos, entre outros, com o objetivo de fundamentar o referencial teórico.
Buscamos um embasamento teórico para os diversos temas que subsidiaram a
pesquisa através de estudos focados no campo científico das produções já existentes, seja
numa visão geral ou específica das discussões que conduziram para a resposta da questão da
pesquisa. Este processo envolveu “localizar, selecionar, ler, estudar, analisar e refletir sobre
trabalhos publicados” (PENNA, 2017, p. 76). Desta forma, a revisão bibliográfica transpassou
áreas como as de educação musical, sociologia e psicologia, buscando discutir o tema das
representações sociais em música na educação básica a partir dos professores de música. Este
processo visou definir os conceitos centrais, as teorias científicas e as metodologias que
respaldaram todo o trabalho, estabelecendo uma correlação estreita entre as dimensões e as
características fundamentais do conhecimento científico que embasaram todo o trabalho de
pesquisa, incluindo a análise dos dados coletados.
47
No caso da UFPB, nosso projeto foi direcionado para o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do
Centro de Ciências Médicas (CCM).
77
4.4.1 A entrevista narrativa como base para o reconhecimento das representações sociais
O ato de narrar está presente no desenvolvimento das sociedades humanas como processo
de construção do conhecimento desde os períodos mais remotos da humanidade. Através deste
processo, diversas histórias foram estruturadas, difundidas e consolidadas, dando sentido a
inúmeros acontecimentos e construindo narrativas compartilhadas. Deste modo, podemos
destacar que “a narrativa faz parte da história da humanidade e, portanto, deve ser estudada dentro
dos seus contextos sociais, econômicos, políticos, históricos, educativos” (SOUSA; CABRAL,
2015, p. 150). As narrativas revelam a qualidade que os seres humanos têm de serem grandes
contadores de histórias, de modo a serem capazes de apresentar fatos de suas vidas com riqueza
de detalhes, interpretando, assim, as suas experiências de vida.
Pela narrativa, os sujeitos assumem a capacidade de se colocarem na história como seres
ativos, podendo, com isso, se identificarem como seres produtores e transformadores de um
determinado momento histórico. Ao contar as suas histórias, os sujeitos utilizam-se da narrativa para
transmitirem os seus conhecimentos através de gerações que se sucedem e que passam a repetir,
quase que de maneira involuntária, as suas histórias por meio da narrativa. Assim, ao longo dos
tempos, as histórias foram transmitidas através de narrativas que tinham um caráter primordial para
a manutenção dos conhecimentos apreendidos e conduzidos para as futuras gerações.
Desta forma, “a narrativa torna-se, portanto, relevante para o contexto de formação em que
se concebe o professor como narrador-personagem-escritor de histórias que se constituem a partir de
diversas situações de formação” (SOUSA; CABRAL, 2015, p.151). Neste caso, ao reconhecer a
78
importância da narrativa para rememorar as experiências de vida, podemos destacar que, para a
realização da primeira entrevista narrativa, autobiográfica, solicitamos ao participante que ficasse à
vontade para desenvolver um relato sobre sua história de vida musical. Alguns autores, como
Laville e Dione (1999, p. 157) e Flick (2004, p. 109), apontam a elaboração de narrativas como a
forma mais adequada para captar as experiências subjetivas expressas no discurso. Deste modo, as
entrevistas narrativas possibilitam que a expressividade possa se dar com maior naturalidade e
efetividade do que as entrevistas que assumem um esquema de perguntas e respostas diretas. Por
seu caráter não diretivo, estes autores defendem que a relação estabelecida entre o pesquisador e o
participante precisa ser estimulada por reforços de atenção, fazendo com que o participante se sinta
motivado a continuar com a narrativa.
Sousa e Cabral (2015, p. 155) recomendam “não interromper o fluxo da narrativa e nem
dificultá-la com perguntas, intervenções diretas ou avaliações”. Decidimos, portanto, seguir as
recomendações apresentadas por Flick (2004, p. 110), quando indica que apenas uma questão
gerativa narrativa seja usada para conduzir o tema central. A maneira como esta questão é
estruturada tem como característica a apresentação de diversos tópicos que são considerados
importantes para a pesquisa e que devem ser abordados durante a narrativa. Esta forma de
apresentação inicial em um único momento é interessante, pois possibilita uma condução da
entrevista com o mínimo de interrupção possível por parte do pesquisador entrevistador.
Assim, para poder conduzir uma narrativa capaz de produzir dados consistentes que
possibilitassem uma análise que levasse a uma compreensão das representações sociais em música,
foi elaborada uma questão gerativa narrativa, com a finalidade de estimular a fluidez e o
direcionamento do relato do entrevistado:
Gostaria de saber sobre a sua história de vida musical. Você pode falar como a música
fez parte de sua vida através das várias influências que envolvem família, amigos,
escola, igreja etc. Aborde também o momento em que se interessou por aprender música,
os ambientes em que você foi desenvolvendo sua prática musical, os repertórios com
que você se identificava e os que se identifica nos dias atuais, e por fim fale sobre sua
formação como professor e sua experiência na educação básica. Pode falar à vontade,
dando detalhes, pois toda a sua experiência interessa à nossa pesquisa.
Se observarmos as nossas experiências de vida, sob uma ótica de experiências
cotidianas, podemos perceber que é através das narrativas que passamos a reconhecer os
elementos que consolidaram a nossa existência e a nossa forma de ver o mundo através do
outro.
79
PRIMEIRA SEGUNDA
SUJEITOS DA PESQUISA
ENTREVISTA ENTREVISTA
Professor 1 01/09/2019 16/10/2019
Professor 2 24/09/2019 16/10/2010
Professor 3 27/09/2019 14/10/2019
Professor 4 02/10/2019 13/12/2019
Professor 5 19/11/2019 29/01/2020
Professor 6 22/11/2019 17/12/2019
Fonte: Dados da pesquisa (2020)
81
48
‘Os recursos verbais que operam com marcadores [conversacionais] formam uma classe de palavras ou
expressões altamente estereotipadas, de grande ocorrência e recorrência” – como ‘né', ‘tá’, dentre muitos
outros. Os marcadores são muitas vezes tratados erroneamente como ‘vícios de linguagem’ por textos que
abordam a entrevista e sua transcrição. No entanto, do ponto de vista linguístico, eles são característicos da
fala: não trazem informações novas – de modo que não valem por seu conteúdo –, mas ajudam a organizar o
desenvolvimento da conversação, tendo caráter interativo e comunicativo (MARCUSCHI, 1986, apud.
PENNA, 2017, 144).
49
O speedchloger é um software de reconhecimento automático de voz que está disponível online através do link
https://speechlogger.appspot.com/pt/
83
do Google Docs50, ou ainda aquelas diretamente ligadas aos aparelhos de smartphones – que
fazem uso do recurso de gravação e transcrição de voz, como é o caso de e-mail e aplicativos
de mensagens, que usam a tecnologia do sistema operacional Android.
As ferramentas do Google passaram, então, a ser utilizadas de maneira satisfatória
para o desenvolvimento das transcrições das entrevistas por sua versatilidade na criação de
documentos, que já podem ser pré-formatados com a seleção de uma fonte específica, pela
facilidade em utilizar elementos de marcação ou fixação – como mudança na cor da fonte,
marcador de texto, seleção do tipo de fonte, colocação de negrito, itálico, entre outros – e por
recursos como o Voice typing presente no pacote do Google Docs, disponível através do
aplicativo Google Drive51, no navegador Google Crome, no computador ou nos aparelhos de
smartphones, que funciona como uma ferramenta para a transcrição de áudio em texto. A
utilização destas ferramentas teve como objetivo promover a transcrição bruta das narrativas,
uma vez que o uso delas foi direcionado para facilitar este processo.
Vale destacar que a realização das entrevistas narrativas possuem uma dinâmica própria
para cada caso, fato que gerou alguns problemas para o processo de transcrição, uma vez que,
por serem personalizadas e obedecerem às particularidades de cada narrador, estas entrevistas
necessitaram de transcrições que acompanharam uma revisão ortográfica mais profunda e um
olhar rigoroso sobre o que foi transferido automaticamente, pois, durante as suas falas, estão
presentes palavras regionalizadas, a falta de compreensão de uma determinada palavra devido à
dicção, uma gíria, um marcador conversacional, um termo específico que pode não ser
transcrito de forma correta, entre outros, ou até mesmo, por uma falha de equipamentos, como
oscilação na rede de internet. Contudo, ao contrapor as dificuldades e as facilidades que
envolveram o processo de transcrição automática, consideramos que houve mais benefícios ao
fim do processo, pois, na maioria dos casos, otimizou o tempo da transcrição, sendo porém
imprescindível a revisitação a cada gravação para ajustes na escrita.
50
A escolha pela utilização desta ferramenta se deu pelo fato dela gerar um documento de texto no formato do
Google Doc que além de ficar armazenado em um ambiente virtual, pode ter seu material copiado para os
softwares convencionais de edição de texto.
51
O Google Drive é um pacote de ferramenta gratuito disponível para quem possui uma na plataforma Google,
que possibilita o armazenamento e o compartilhamento de diversos tipos de arquivos, como fotos, planilhas,
vídeos, entre outros. A sua estrutura versátil possibilita o acesso aos recursos armazenados em diversos
dispositivos, como tablet, smartphone e computador. (https://www.google.com.br/drive/).
84
Essas primeiras tabelas possibilitaram um olhar mais criterioso sobre cada elemento
representacional que estava sob análise, de modo a reconhecer quais aspectos das narrativas
interligavam-se a suas representações sociais de música ou se as revelavam.
85
As construções dessas tabelas possibilitaram um olhar mais focado sobre cada um dos
termos e das frases que constituíram uma imagem simbólica da representação social de
música sobre cada ponto abordado. No primeiro formato de tabela, foram destacadas as
relações da música na infância, as concepções de música e seus processos de formação, entre
outros. No segundo, destacamos sua importância, porque possibilitou a identificação e a
seleção específica de cada termo que indicava as construções de símbolos representacionais,
que se destacavam como importantes nas narrativas dos professores. A organização destas
86
tabelas foi fundamental para a construção de dois gráficos que possibilitaram uma análise
focada nos elementos centrais das representações de música dos professores através da
utilização do software Iramuteq: o gráfico nuvem de palavras e o gráfico de análise de
similitude. Eles estão exemplificados nas imagens 5 e 6 abaixo.
Este recurso de duplicação adotado possibilitou que os termos com maior relevância
na história narrada passassem a receber um destaque em relação aos demais, possibilitando a
construção dos gráficos nuvem de palavras e de análise de similitude pudessem apresentar as
informações compatíveis com as representações sociais de música dos sujeitos pesquisados,
sem a interferências de termos sem relevância para a pesquisa. Um outro procedimento
importante adotado na análise foi o processo de exclusão de termos que poderiam estar
presentes nas representações, mas que durante a narrativa não apresentavam relação com as
representações sociais de música, como o que podemos perceber na fala do Professor 2: Deus,
52
Alceste é um software de análise textual de dados, desenvolvido na França e vem sendo largamente utilizado
na análise de questionários, trabalhos literários, artigos científicos etc. O Software Alceste pode ser utilizado
em Sociologia, Psicologia, processamento de pesquisas, análise de discursos, anúncios em Marketing,
Jornalismo, Direito, pesquisas documentais, Linguística, análise de imprensa e, finalmente, em todos os
campos onde existam muitos textos a serem analisados. (SOFTWARE.COM.BR, 2020).
88
eu gostaria de saber o que é o amor (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019). Essa fala,
mesmo apresentando termos que poderiam estar relacionados às concepções de música dos
professores – como é o caso de “Deus” – que está presente em representações como um
elemento divino; e “amor”, presente em representações que envolvem afetividade, mas que de
forma direta, não fazem parte das relações representacionais do professor no contexto em que
foi exposto. Sendo assim, era justificada a sua retirada do processo de análise. Foi este
processo analítico multiarticulado que possibilitou um olhar mais amplo e consistente na
identificação e compreensão das representações sociais de música dos professores de música
da rede pública municipal de ensino.
De modo geral, podemos notar que a estruturação dos procedimentos metodológicos
adotados foi essencial para que pudéssemos reconhecer de forma clara o contexto em que
desenvolvemos a pesquisa, as características dos sujeitos participantes, bem como os
procedimentos de coleta, tratamento e análise dos dados. Estes procedimentos guiaram-nos de
forma consistente na busca por atingir os objetivos propostos pela pesquisa, garantindo,
assim, um melhor direcionamento e estabilidade na realização do processo de análise. Foram
estes direcionamentos que nos deram a segurança e solidez para seguir de forma detalhada o
que havíamos traçado para o procedimento de análise da pesquisa. Assim, podemos destacar
que a densidades dos resultados obtidos são fruto da estruturação dessa abordagem
metodológica.
89
direcionamento musical reconhecido na sua fase adulta. Essas relações iniciais que
possibilitaram os seus primeiros contatos com a música passaram a direcionar as
representações sociais de música construídas ao longo do tempo. A Tabela 4 abaixo apresenta
recortes de algumas falas que relacionam a influência inicial que a família exerceu nos
primeiros contatos com a música.
gostou muito de música […]. Minha mãe também gostava muito de música. A gente
escutava muita música (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019); já o incentivo a
aprendizagem é identificado nas falas dos Professores 2 e 6: Meu irmão queria [me] dar um
curso, eu disse: “eu prefiro curso de violão” (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019); A
banda voltou e eu fui, minha mãe me matriculou (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez.
2019); ou ainda o apoio para a realização das práticas, como podemos perceber na fala do
Professor 1, quando ele fala “Ganhei um violão da minha mãe” (PROFESSOR 1. Entrevista
1, 01 set. 2019); entre outros.
Esta conexão que é estabelecida com a família pode ser percebida de forma bastante
explícita ao analisarmos o Gráfico 6, no formato de nuvem de palavras, quando
relacionamos os termos recorrentes a estas influências na infância.
53
Gráfico criado pelo autor a partir do processamento de dados no software Iramuteq. Os gráficos
expostos nesta pesquisa que tiveram seus dados processados por esta ferramenta analítica foram
criados pelo autor.
92
identificar que o termo “mãe” aparece como o termo mais recorrente e assume sua posição ao
centro, sendo acompanhado pelos termos “pai” e “irmão”, que surgem dando uma
sustentabilidade as relações familiares mais próximas. Estes três termos, por apresentarem uma
maior recorrência, aparecem com maior destaque, indicando uma maior centralidade destas
relações familiares na construção dos primeiros contatos com a música e, consequentemente,
influenciando na construção de suas representações sociais a partir da relação simbólica que se
tem do objeto música nestas relações.
Como podemos identificar, o termo família, mesmo não sendo o elemento mais citado
no discurso de forma direta, pode ser compreendido como elemento central das relações com a
música na infância, uma vez que ele sintetiza as relações que acontecem entre os que aparecem
com centralidade: mãe, pai e irmão, bem como tio e primo, que surgem como elementos
periféricos, mas pertencentes ao grupo família.
Gráfico 7 – Relação de centralidade dos termos “mãe”, “pai”,“irmão”, “tio” e “primo” direcionado para a
família
Um outro ponto que merece destaque nessa análise são os aspectos relacionados à
consolidação da memória musical, uma vez que, nas narrativas dos professores, as principais
referências que consolidam as suas representações sociais de música são construídas
justamente na infância. É a partir das influências musicais que estavam inseridas no seu
contexto familiar que esses elos são estabelecidos. Esse vínculo consolidado na família faz
com que os contatos iniciais dos professores com o objeto música sejam carregados de
aspectos afetivos e simbólicos (LANE, 1993, p. 59). Outros aspectos que envolvem os
elementos culturais podem ser percebidos no discurso do Professor 3, quando destaca que as
suas referências musicais atuais vêm desse primeiro envolvimento com a música, e do
Professor 1, ao revelar que sentia uma conexão com as músicas de artistas populares que
faziam parte do repertório musical que era vivenciado em sua casa por sua mãe.
sociais do mundo. Com isso, podemos compreender que a representação social de música é
estabelecida pelas representações simbólicas que não se dissociam dos aspectos afetivos,
cognitivos e sociais como mencionado anteriormente no Capítulo 2 (JOVCHELOVICTH,
2011, p. 57).
Os aspectos afetivos que envolvem a música desde a primeira infância podem ser
percebidos na fala do Professor 6, abaixo, que relata como as relações construídas entre ele,
seus familiares e a música traz uma carga de memória ligada à alegria, às amizades, ao
prazer, entre outros. Podemos perceber também que as questões afetivas musicais passam a
ganhar aspectos simbólicos que conectam os membros do grupo social.
Esse vínculo afetivo presente desde a primeira infância através dos laços familiares
faz com que a compreensão do objeto música esteja diretamente interligada à construção do
Eu, pela forma que se percebe o Outro. Na fase da infância, a família é, além de espelho, a
janela para o mundo social: ela é o contato com o Outro que forma o Eu. Daí as
representações sociais edificadas nesta fase serem bastante sólidas, permanecendo presentes
na região central das representações sociais. A fala do Professor 5 evidencia esse processo.
Outros relatos trazem essas referências partindo de uma aproximação com a música
através de incentivos da família:
dissociar este processo das questões emotivas e afetivas que estão envolvidas nestas
relações. (CAMPOS; ROUQUETTE, 2003, p.435; JOVCHELOVITCH, 2011, p.63).
Contudo, mesmo reconhecendo as influências afetivas e culturais que partem dos
primeiros contatos com a família como sendo a base para a representação social de música
dos professores, podemos encontrar, na fala do Professor 5, uma percepção contrária, uma
vez que ele não reconhece a influência familiar nas suas relações com a aprendizagem
musical, quando perguntado sobre a influência de família na sua vivência musical:
A minha família, meu pai em casa era muito musical, né? […] Mas em
relação à formação, se deu principalmente na igreja. Quando [eu] tinha
oito, sete, oito anos, minha mãe entrou para igreja, para a igreja
evangélica. E aí, na igreja você tem esse contato com música direto,
“bicho”! Todo final de semana você vê o pessoal tocar. (PROFESSOR 5.
Entrevista 1, 19 nov. 2019).
Entretanto, ao relatar a experiência com seus irmãos que, de certa forma, passaram a
influenciar as suas práticas musicais, ele passa a apresentar as relações familiares que
contribuíram para o seu envolvimento musical na infância.
[…] teve a questão da gente tocava porque meu irmão tocava também, né?
Então o que ele escutava, o que ele aprendia ele passar para gente, e aí a
gente ficava aprendendo, tal. Essa história também... então acho que essa
história da aprendizagem musical, dessa influência, eu acho que cada um
teve uma parcela, cada um tem um pouquinho, entendeu? Não tem como
dizer se isso foi mais, ou mais outro, tal. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29
jan. 2020).
Esta relação que envolve a influência familiar concebida como um aspecto que
contribui diretamente no processo de formação musical pode ser observado em Mateiro
(2007, p. 182), segundo o qual “a família foi apontada por 57,14% dos entrevistados como
98
um fator de influência na formação musical”. Mesmo reconhecendo que outros fatores como
igreja, amigos e escola, também foram influenciadores, a família passa a assumir um espaço
de maior relevância.
Um aspecto importante de ser observado nessas falas é o fato de que as
representações sociais acontecem pelas relações partilhadas pelo grupo social de forma a se
tornar comum, mas não indiferente ao objeto representado. (LEME, 1989; 1993). Podemos
perceber, com isso, que à medida que o Professor 5 não reconhece a influência dessas
experiências ocorridas no meio social familiar, fica mais evidente que o fenômeno social
que acontece e que tece suas representações, a partir das comunicações entre os sujeitos que
fazem parte do grupo ao qual ele pertence, consolida-se de maneira espontânea e, de certa
forma, inconsciente (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 74).
Aí, eu fui para uma casa de música da cidade. Para aprender a ler música,
a escrever música. Daí começou a minha formação na música erudita, a
ler e escrever música. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
Estudei na escola de teclado, mas não conseguia levar muito longe porque era
muito caro. Era uma coisa feita para a elite, né? Era uma música de elite. Eu
não [tinha] condições. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
100
Eu senti o desejo, digo: “não, vou transformar isso”. É que eu vou para
seminário para poder fazer mais consciente, né? Aprender a educação
formal. Aprender como é. Eu sei fazer, mas na prática. Eu não sabia a
teoria. Então, surgiu o desejo de [aprender] a teoria. (PROFESSOR 4.
Entrevista 1, 02 out. 2019).
Estas falas revelam uma busca por aprendizagens pautadas em práticas musicais com
características mais formais, desenvolvidas em escolas especializadas, estruturadas a partir
de uma construção simbólica do ambiente de ensino/aprendizagem musical que passa a ser
percebido através de uma ampliação dos grupos sociais com que os professores constroem e
interagem durante o período da adolescência. Entretanto, esse novo olhar que os professores
desenvolveram sobre essas novas práticas musicais passa a abrir espaço para que pudessem
ser moldadas outras estruturas simbólicas capazes de configurar uma nova representação
sobre o objeto música, como relata o Professor 5.
Podemos perceber, nessa fala, que, ao ampliar seu grupo social, o indivíduo se abre
para a assimilação de novas representações, constituídas a partir de alterações nos elementos
que estavam centralizados em seu ambiente representacional. As experiências que se
acumulam colaboram para a criação ou a manutenção dos objetos simbólicos representados
tanto por um indivíduo quanto por seu grupo. É através destas mudanças que os indivíduos
passam a reconhecer outras realidades que, ao alterar, ou não, a sua estrutura central, são
capazes de criar conhecimentos e dialogar com outros.
Um outro exemplo que evidencia essa relação com as novas representações está
presente na fala do Professor 3, como podemos ver a seguir.
Essa fala marca uma recondução no modo de compreender a música como objeto
simbólico de representação. À medida que o sujeito reconhece que a sua perspectiva de
101
aprendizagem musical não se adapta aos moldes institucionais, presentes nos ambientes
formais, mas, mesmo assim, passa a reconhecer e internalizar a visão teórica da música
como modelo que deveria seguir em seu processo de aprendizagem musical, revela uma
recondução da sua percepção sobre música à medida que passou a incorporar novos
conhecimentos à sua vivência.
As transformações que acontecem na fase da adolescência – sejam elas físicas,
emocionais, intelectuais ou outras – possibilitam os contatos com novos grupos, o ingresso a
novas tribos, a construção de conexões que conduzem a diferentes formas de ver o mundo.
Estas mudanças que ocorrem nas estruturas sociais dos adolescentes nas quais se
manifestem os novos saberes reorganizam seus conhecimentos e reestruturam suas
representações. Desta forma, esses novos diálogos sociais que promovem diferentes olhares
sobre o objeto de representação social música são constituídos pelas trocas de experiências
entre os membros do grupo. A partir dessa fase, percebemos que algumas concepções de
música passam a se consolidar, tornando-se mais estáveis, uma vez que passam a fazer parte
da vida dos sujeitos. Essas representações sociais de música são revigoradas através de
diversos aspectos que passam a ganhar uma maior consistência para os indivíduos e seu
grupo, como quando passa a ser compreendida como objeto de profissionalização, como
podemos verificar na fala do Professor 1, quando ele apresenta a sua visão de
profissionalização ao ganhar seu primeiro cachê com músico: “O meu primeiro cachê foi
com quinze anos. Aos dezessete anos eu fui tirar minha carteira da Ordem dos Músicos”
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 01 set. 2019), que atua como legitimação de sua prática, já o
Professor 3 relata que, ao buscar desenvolver seus estudos, passou a dar aulas: “Fui buscar
[a escola de música] para ter aula e terminei virando professor. Aí, nisso daí, foi minha
primeira experiência como professor de música, especificamente de instrumento musical,
né?” (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Ou a música pode ser, ainda,
representada como um elemento de socialização, como relatado pelo Professor 2:
54
Esta fala foi reorganizada pelo autor para dar um sentido mais direto ao que foi expresso pelo professor.
102
Entretanto, da mesma forma que a música pode ser percebida com um elemento de
socialização por um lado, por outro ela é vista como um elemento de identificação e
isolamento de determinados grupos, que desenvolvem um olhar simbólico diferente dos
demais, como podemos ver na fala do Professor 3.
A gente ia nessa onda aí, que todo mundo ia aprender para tocar lá na
igreja, obviamente, né? Todo mundo queria tocar na igreja lá na frente,
tal. A igreja era grande, então, todo mundo queria estar lá na frente se
apresentando. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020);
Outros elementos mais destacados que estão presentes na região periférica – como
“conservatório”, “instrumento”, “aula”, “igreja”, “banda” – também atuam como mantedores
do elemento central por terem uma relação direta o termo “estudar”, passando a dar a ele um
sentido mais amplo. Podemos perceber o ato de estudar como elemento central no
envolvimento musical dos professores em sua adolescência, ao analisarmos as narrativas que
destacam como estas ligações aconteciam:
Eu me lembro que eu fui na casa do meu tio, antes de eu nem pensar que
eu iria estudar. Quando eu olhei para o violão, eu disse: “cara, esse
negócio deve ser muito difícil!” Eu já tinha certa consciência de que não
era uma coisa tão fácil, né? Apesar que isso é relativo, porque quando
você usa a música apenas como hobby é uma coisa, mas quando você diz
assim: “não, eu quero ser um profissional da música”, claro que as
exigências são outras, né? (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Quando eu fiquei jovem, então, eu tive vontade e fui para o seminário. Aí,
eu fui para aprender esta questão mais acadêmica, né? […] Me formei
com especialização em regência coral, porque a minha intenção era
trabalhar em igreja. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).
O relato que segue, do Professor 5, revela que o grupo no qual ele estava inserido
compartilhava das mesmas representações sociais sobre os aspectos musicais ligados às
práticas dos conservatórios55. Percebe-se que estas visões estão consolidadas
simbolicamente como um modelo de bom desempenho musical e que ganhava cada vez
mais consistência dentro do grupo. Esta representação está estruturada de tal maneira que
ela não se limita apenas a reconhecer a visão do estudo de música como um processo
formativo formal, mas como algo que está enraizado e legitimado como “o conhecimento
musical” a ser seguidos:
Meu primeiro contato pedagógico, assim, da aula, didático, foi nessa época
que eu estava no conservatório. […] Eu acho que foi uma das primeiras
pessoas a estudar música em conservatório da [minha]. Era uma cidade
pequena, tinha 16 mil habitantes. Então, o pessoal sabia que eu estudava
música, aí começou a me procurar para estudar. Eu me lembro que eu tinha
13, 14, 15 anos, bicho, nessa época, mas eu tinha um monte de alunos
particulares que vinham estudar. E aí, eu dava aula de partitura, dava aula
de instrumento, passava as coisas que eu ia aprendendo, entendeu? Do jeito
que aprendia lá, eu passava para eles. […] E eu dava aula de instrumento,
teoria, eu tocava [um] pouquinho de teclado, tocava violão. E tudo porque
eu estava lá no conservatório. Então, o pessoal tinha essa visão: “então, se
55
A visão de conservatório apresentada neste trabalho não corresponde diretamente às perspectivas relacionadas
a uma estrutura curricular centrada na formação musical eurocêntrica, como visto nas discussões de Pereira M.
V. M. (2014) sobre habitus conservatorial. Por outro lado, elas se alinham ao trabalho desse autor quando
reconhecem o conservatório como um ambiente institucionalizado capaz de promover um “conhecimento
legítimo”. (PEREIRA, M. V. M. 2014, p. 95)
108
ele está estudando [no conservatório]56, olha, o cara tem as ideias aí”.
Então, fui, fiquei estudando no conservatório e dando aula, tocando na
igreja. Essa foi a formação. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
A fala apresentada acima aponta para um alinhamento das novas vivências musicais do
sujeito com as ideias partilhadas pelo grupo, que passam a ser compreendida como o modelo
pelo qual a prática da aprendizagem musical é reconhecida e valorizada. A ação simbólica que
o grupo desenvolve sobre o objeto estudar música se estrutura a partir de uma construção
histórica e socialmente constituída e partilhada. A familiaridade com que esta prática se
ancora facilita a consolidação e a manutenção de suas representações sociais de música, sobre
um modelo fortalecido simbolicamente pelas articulações que conduzem para novas
informações que se incorporam e se acomodam para manter a solidez do objeto representado.
(LEME, 1993; MOSCOVICI, 2015; RAUSKI, 2015a; SAWAIA, 1993). Dessa forma,
podemos compreender que o ato de estudar música a partir dos moldes conservatoriais
passava a ser percebido pelo grupo como um elemento capaz de promover transformações, de
mudar visões, de experimentar novas experiências, mas que não fugiam das simbologias
preestabelecidas que configuravam suas representações sociais do objeto estudar música.
Entretanto, mesmo reconhecendo que a prática da aprendizagem musical, ligada aos
modelos tradicionais do conhecimento musical, aparece de forma significativa nos discursos
de cinco dos seis sujeitos pesquisados, podemos perceber que outras práticas de
aprendizagens também estão relacionadas ao processo de desenvolvimento musical com
essas características mais formais. É o caso do Professor 3.
O interessante desta fala é que, mesmo tendo relatado anteriormente que a sua
experiência com o conservatório foi desastrosa, o professor apresenta uma relação muito
forte com o processo de desenvolvimento musical vinculado às práticas dos conservatórios.
Assim, ele evidencia que a visão simbólica que se constrói deste modelo pode ser
compreendida como uma construção da representação social de música nesta fase da vida.
56
Trecho alterado para não indicar a cidade em que o professor desenvolveu seus estudos musicais, mantendo
assim o anonimato do entrevistado.
109
Para esses entrevistados, à medida que o objeto estudar música é visto como o caminho para
um “melhor” desempenho musical, outros espaços e práticas de aprendizagem passam a ser
vistos como uma esfera de socialização e potenciais meios de ampliação de conhecimento
musical, que, muitas vezes, estão relacionados a outras experiências de vida que cercam os
indivíduos inseridos no grupo. Estas outras relações podem ser percebidas na adolescência,
como amizades, interações sociais, participação de grupos, questões amorosas, entre outras,
uma vez que os interesses presentes nestas novas conexões são realinhados e ressignificados
como novos elementos simbólicos de representações sociais (SANTOS; ACIOLI NETO,
SOUZA, 2011, p. 111). Com isso, podemos reconhecer, também, que tanto as práticas
formais quanto as informais vão se desenvolvendo a partir dessas mudanças que ocorrem na
fase da adolescência, dos seus novos desejos e de suas novas perspectivas de
desenvolvimento musical. Isto é exemplificado na fala do Professor 1:
Escutava o que tocava em rádio, anos 80, transmissão dos anos 90. Até que
eu chego na escola e vi um amigo meu com a camisa do Guns n’ Roses58. Eu
disse: “detesto essa banda”. “Como, se você nunca ouviu”? “Música de
maconheiro. Quero ouvir não!” Passa o clipe de Axl, cantando,“rapaz, essa
menina canta demais”. Para você ver que até o visual eu não conhecia. Não
tinha acesso ao visual. Quando eu escutei, que eu soube qual era a banda, aí
pronto. Aí eu caí de cabeça. Era Guns n’ Rose e tudo que era relacionado a
57
Estes trechos apresentaram uma falha no áudio, por isso estão entre colchetes, pois indicam as palavras que
mais se assemelhavam com o que era ouvido e com o contexto do que estava sendo narrado.
58
Guns N’ Roses é uma banda de hard rock norte-americana, formada em Los Angeles, Califórnia em 1984. A
banda, liderada pelo vocalista e co-fundador Axl Rose, passou por várias mudanças de alinhamento e
controvérsias desde a sua criação. (LETRAS, 2020).
110
este estilo. Já tinha facilidade de não ter preconceito contra a língua, porque
escutava tudo que minha família, minhas tias já ouviam. Então, eu já tive
essa facilidade. Em compensação, eu comecei a não ouvir mais música
brasileira. A música brasileira da rádio. Porque é quando começa É O
Tchan59, o axé, o pagode. Quando começa isso daí, eu já roqueiro convicto,
né? Eu disse: “eu não escuto isso”. E o choque com a música brasileira que
eu tenho conhecimento, [que eu tinha] contato para trás, era muito grande.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
À medida que ele passa a dialogar com as diversas referências musicais que o
envolvem, começa a dar novos sentidos a elas. O que era estranho, por falta de um
conhecimento prévio, tornou-se familiar, como podemos perceber quando ele relata que não
ouvia rock por que era “música de maconheiro”, mas que, quando passou a ter uma
referência da música a partir do que já vivenciava com a sua família, passou a internalizar o
gênero musical de tal forma que passou a se considerar roqueiro convicto. Estes aspectos
simbólicos que são construídos com as mudanças de envolvimento com a música passam
contribuir para a construção de novas representações sociais sobre música. Desta forma,
podemos compreender que esses processos levam a uma condução de novos
comportamentos, e que estes estão ligados à manutenção ou mudança das relações
simbólicas afetas a um determinado objeto passível de ser representado.
Podemos compreender que as mudanças de representações vão acontecendo à
medida que as experiências vão se transformando e que os contatos com outros grupos vão
se aprofundando ao ponto de fazer com que o que parecia estranho se tornasse familiar
(MOSCOVICI, 2015, p. 63). Podemos observar isso de uma forma mais explícita, mais uma
vez, na fala do Professor 3:
59
Grupo de axé e samba criado no início dos anos 1980, em Salvador, por um grupo de amigos que se reunia
toda sexta-feira para tocar e batucar. O grupo, liderado pelos músicos Compadre Washington e Beto Jamaica,
inicialmente tinha o nome de Gera Samba (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN, 2020).
60
Pagodão ou pagode baiano é um estilo musical muito popular na Bahia, principalmente na capital Salvador,
surgiu em meados dos anos 1990. O ritmo, por vezes também chamado swingueira ou quebradeira, é uma
variante do pagode criada na Bahia. (CALVIN, 2016; DICIONÁRIO INFORMAL, 2014)
111
podemos ver que a centralidade de suas representações está diretamente ligada a uma visão
que busca a prática instrumental.
Ao relacionar os termos citados à quantidade das suas recorrências nas narrativas,
podemos constatar que há uma relação hierárquica dos principais motivos presentes de
forma espontânea nas narrativas, como indicado no Gráfico 12 abaixo, estruturado no
formato de nuvem de palavras:
Estas relações podem ser observadas em algumas falas, como quando o Professor 5
relata que o ato de aprender estava voltado para a execução musical nos grupos da igreja: As
músicas que a gente aprendia eram as músicas que eram para tocar, era uma coisa bem
funcional, era para tocar, para aprender as músicas para tocar na igreja. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).
Um outro exemplo que apresenta estas construções simbólicas da música vinculadas à
execução instrumental, está presente na fala do Professor 3, quando ele destaca que, mesmo sem
compreender o que sentia em relação à música, tinha seu interesse voltado para o ato de tocar o
instrumento: Rapaz, o que ela significava naquele momento eu não sabia dizer. Eu queria
aprender o instrumento. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019). Por outro lado,
podemos encontrar uma outra percepção na fala do Professor 1, que não indicava pretensões
de uma prática instrumental, como veremos: Na primeira infância eu não me lembro de ser
uma criança musical, essas coisas (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). Porém, o fato
de não se considerar uma criança musical indica uma visão contrária ao modo como revela suas
práticas na infância:
Ao relacionar estas falas, percebemos que a sua visão de criança musical está ligada à
construção simbólica do objeto música atrelada ao instrumento musical, uma vez que as
outras práticas musicais associadas às brincadeiras, às escutas, ao canto e aos movimentos
ritmados como sendo uma base para a sua musicalidade assumiam um caráter desprendido das
visões musicais. Nesta mesma perspectiva, ele segue destacando que seu contato direto com o
violão era inicialmente uma brincadeira, voltada para a imitação dos artistas que vivenciava
através das influências da família e dos meios de comunicação da época: rádio e TV. Vale
destacar que a construção simbólica da música relacionada ao ato de tocar estava presente nos
gestos infantis, uma vez que mesmo não executando o instrumento musical da forma
convencional esta ação era realizada em brincadeiras conduzidas pela referência simbólica da
representação da prática musical:
115
Gráfico 13 – Ligações dos termos relacionados aos motivos iniciais de aprender músicas –
Análise de similitude (IRAMUTEQ).
No Gráfico 13, observamos que o desejo de tocar cria diversas ramificações, que se
inter-relacionam e indicam vários outros direcionamentos, que consolidam a representação
social dos motivos apresentados para aprender música. Estas ligações podem ser observadas
ao verificarmos que os termos interligados que se destacam no gráfico de similitude indicam
alguns dos que foram destacados na Tabela 6, exposta anteriormente, como:
“tocar/instrumento”; “tocar/bem”, “tocar/violão”, “aprender/violão”, “aprender/notas”.
Também criam relações de mesmo sentido, como as que acontecem entre os termos
“aprender/partitura”, “aprender/teoria” e “aprender/ler”, entre outros. Outras relações entre
estes termos podem ser observadas diretamente em suas narrativas, como nas falas a seguir,
dos Professores 1, 2 e 3.
117
Com doze anos eu passei a ter aulas […] aquela coisa de exercício, botar os
primeiros acordes, ré, sol, dó, e dedilhado. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 01
set. 2019);
Eu comecei a ficar louco pelo violão, para aprender. E eu disse: “cara, eu
quero aprender isso”. Para você ter uma ideia, foi uma coisa tão marcante
na minha vida que teve um momento que eu estava com vergonha de pedir
o violão emprestado, e eu vi um pedaço de pau na cozinha, e eu peguei e
disse: “cara, vou desenhar as cordas”. Aí, fiz uns traços, nesse pedaço de
pau, fiz os trastes e os traços representando as cordas, e botei uma
revistinha de música e fiquei tocando nesse pau sem corda, sem nada, só
pela vontade de querer fazer as notas. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27
set. 2019);
Quando eu vi aquele negócio todo colorido eu disse: “bem”, com as
teclas, né? Um piano. “Eu quero tocar piano”. Não sabia que era
sintetizador ainda. “Quero tocar piano”. E isso foi três anos de agonia no
ouvido da minha mãe. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019);
das mesmas práticas – consolidam os olhares simbólicos sobre os aspectos dinâmicos que
envolvem as práticas de execução musical. Um outro fator que também podemos observar
nos relatos dos Professores 5 e 6, adiante, refere-se à maneira como tais relações iniciais se
desenvolvem com a ideia de tocar um instrumento, haja vista que elas têm, na prática da
execução musical, o objeto central de suas representações sociais de música. E, ainda como
os processos de socialização que envolvem aspectos que interiorizam a emotividade, o
prazer, a coletividade, entre outros, estão relacionados a esta visão simbólica do objeto de
aprendizagem musical.
A gente aprendia a tocar umas músicas no violão, coisa e tal. Aí, depois,
quando eu tinha uns 11, 12 anos mais ou menos, foi que apareceu a
oportunidade de tocar contrabaixo na igreja. Aí eu já sabia tocar notas do
violão. Aí o menino do mesmo jeito, não teve nada de teoria. “Olha bicho,
você vai tocar aqui, toca, toca aqui, toca aqui, bota a mão aqui, aí
pronto”. Foi uma coisa bem prática. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19
nov. 2019).
Eu sempre quis ser artista, eu sempre quis ser artista. Aí, eu fui fazer Arte.
Escolhi a música, a licenciatura. [Durante o curso] tinham as ações
artísticas e foi quando eu pensei em me transformar em uma pessoa dos
palcos, e eu estaria dentro da música. Mas quando eu [cheguei] lá, eu vi que
não era tão simples assim. Lembro que assim que a gente entrou [tinha uma
visão, mas acontece] uma quebra, assim digamos, a questão da área da
educação. Inclusive a Educação Artística era mais focado na educação
mesmo do que especificamente em música. Até pelo nível de formação dos
professores, a maioria dos professores entraram por notório saber, enquanto
na área da educação já era uma coisa mais solidificada em termos
acadêmicos. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
sua memória afetiva, ao destacar que “sempre quis ser artista”. Em segundo lugar,
identificamos a expectativa em desenvolver-se como artista, a partir da perspectiva que o
curso lhe deu para o desenvolvimento dessa investida. O terceiro apresenta uma decepção em
relação às suas expectativas musicais, uma vez que, ao estar diante da real estrutura do curso,
passa a reconhecer que a sua estrutura curricular estava mais voltada para perspectivas
educacionais.
Podemos salientar que a ideia de uma formação musical que estivesse voltada para
uma prática artística musical passava a ganhar um reforço quando observadas as
representações que os professores apresentaram sobre a prática pedagógica. Podemos
identificar estas incompatibilidades nas falas dos Professores 2 e 3 (na sequência), ao
reconhecer que havia um prévio distanciamento com a docência, seja pela representação
social que se tem da profissão, ao se destacar a sua desvalorização, ou pela representação
simbolicamente construída da realidade que encontrariam após formados.
Quando eu fiz a Educação Artística, eu não tinha essa vontade de dar aula,
né? De ser professor, por vários fatores. Um dos fatores seria a questão do
salário. O segundo fator seria o próprio sistema educacional, a realidade
que a gente se encontra hoje. A gente vive com alunos [que] têm muitos
problemas, a ausência dos pais, principalmente. Na educação desses alunos,
eu acho que isso pesa muito. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Essa fala do Professor 3 revela, justamente, o conflito existente entre suas expectativas
sobre formação acadêmica em música e a estrutura da Licenciatura em Educação
Artística/Habilitação em Música. Com isso, compreendemos que os anseios gerados
funcionaram como combustível para a frustração dessas expectativas. As falas dos Professores
5 e 6 mostram como suas concepções de uma formação musical superior estavam voltadas
para a uma ampliação das suas práticas performáticas musicais.
Eu não sabia o que era licenciatura nem bacharelado, “bicho”, eu não tinha
nem ideia […]. Eu achava que ia estudar instrumento, coisa e tal. Aí,
quando chegou aquele monte de disciplina, metodologia do ensino, um
monte, as disciplinas do curso de pedagogia, né? Sociologia da educação,
não sei o que, eu falei: “meu irmão, esse negócio está errado demais,
velho”. Aí, achei… comecei a achar esquisito, assim, estranho, eu estava
viajando. Só que, como eu estava no curso de música, eu disse: “não, estou
fazendo música”. Mas tinha aquele monte de disciplinas pedagógicas, que
eu não entendia direito. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
Não, a universidade eu não esperava que fosse uma coisa puxado, mais para
o lado da Educação não. Na verdade, quando eu disse: “ah, eu quero fazer
música”. Eu estava… eu não imaginava, é tanto que eu dizia assim: “vou
fazer faculdade de música”. Na região. Eu nem sabia o que era faculdade de
música. Aí, eu pensava que ia ser para ser músico, né? Para trabalhar como
músico. Eu cheguei lá, me decepcionei, que era para ser professor de
música. E tinha que pagar as disciplinas de educação, tal. E eu não
entendia. Quando eu fiz vestibular, eu não entendia essa coisa de
licenciatura e bacharelado, não. Eu fui, passei e fui. Aí, me decepcionou.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
música. Diante do exposto, notamos que a estrutura do curso de licenciatura provocou uma
decepção em relação às expectativas que esses professores tinham da formação superior em
um curso de música, como revela a fala do Professor 6. Entretanto, esses novos
conhecimentos, adquiridos no processo formativo, possibilitaram um olhar que favoreceu as
relações com outras realidades musicais, construindo, assim, novas estruturas simbólicas
capazes de transformar estes conhecimentos em novas representações sociais, como podemos
perceber a partir da concepção harmoniosa e integradora apresentada pelo Professor 5:
Eu acho que isso é em todo o curso de música, velho. Quando você entra
para uma universidade de música, você chega pronto, você entra na
instituição para aprender um repertório de um determinado compositor, de
períodos, aprimorar sua técnica, mas você já chega como músico. Então eu
vejo isso, com músicos populares na licenciatura, eles chegam dessa forma.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
126
Eu acho que essa formação que a gente tem, tanto na universidade, quanto
que a gente traz, às vezes, ela se choca. Tem gente que parece que foi feito
um para o outro. No meu caso não foi. Eu tive um choque muito grande de
realidade, do meu universo, para o universo acadêmico, e para o universo
escolar. Esses três mundos aí, para eu dialogar, tive dificuldade, tive muita
dificuldade. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Assim, a universidade, o que ela me trouxe muito foi o contato. Isso foi
válido demais. Com essas várias formas de pensar, não é? Essa diversidade
de pensamento. E isso [é o que] vale mais para mim. Eu convivi com gente
de gospel, com pessoal do metal, pessoal do rap, os bacharéis em música,
convivi com todo mundo que hoje faz parte da minha corrente de amigos, de
amizade, que realmente eu consigo trocar com eles. […] E com o
amadurecimento do tempo, né? Você vai amadurecendo, você vai
começando a aproveitar um pouquinho de cada um. Caem algumas coisas,
reforçam-se outras. E foi muito assim. […] O que eu tirei realmente de
proveitoso da universidade foi essa pluralidade... de visões musicais
diferentes. […] Tinha gente extremamente profissional, tinha gente que não
sabia dar uma nota. Então, como o curso não exigia [prova de ingresso]61,
né? A Licenciatura [em Educação Artística] não exigia. Então eu tive
contato com tudo isso. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019)
61
O curso de Licenciatura em Educação Artística não exigia prova específica para ingresso, como os cursos de
Bacharelado em Música e, atualmente, a Licenciatura em Música. Esse fator possibilitava a realização de uma
graduação ligada à música sem que, necessariamente, os estudantes tivessem uma formação musical centrada
em uma estrutura ligada aos padrões formais da música.
127
Essa fala do Professor 1 mostra que essas experiências vivenciadas durante o período
da formação acadêmica contribuíram para estabelecer um diálogo entre a sua prática artística
musical com a sua prática docente.
Outro aspecto relevante nas narrativas dos professores foi a importância dada por eles
quanto ao ingresso na universidade. As relações que surgiram no discurso evidenciaram que,
mesmo a formação não tendo as características que eles esperavam, foi fundamental para a
sua atuação profissional atual, como músico e docente. Podemos reconhecer essas relações na
fala do Professor 1:
Um fator interessante na fala do Professor 1 está na relação que ele estabelece entre o
conhecimento musical prévio e o seu desenvolvimento a partir do processo de formação
docente. “E eu considero que minha formação, como professor de música, é setenta por
cento, sessenta por cento da musicalidade que eu aprendi ao longo da vida e uns trinta, trinta
e cinco por cento que a academia me proporcionou” (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set.
2019). Dessa forma, ao reconhecer que a formação acadêmica foi substancial e lhe
proporcionou técnicas e métodos, ele demonstra a relevância dada ao processo de formação
musical para a docência. Uma outra fala que apresenta esta importância dada ao processo de
formação acadêmica musical pode ser percebida no discurso do Professor 4:
128
Você tem um profissional percussionista, por exemplo, [que] toca muito bem,
de ouvido mesmo, e que não tenha conhecimento acadêmico. Mas eu tenho
certeza que, no fundo, no fundo, ele gostaria de ter tido, ou gostaria, se
pudesse correr atrás do acadêmico, sabe? [...] Eu acho que é importante o
acadêmico, por esse motivo, sabe? Para dar esse... nem que seja para não
usar... não vou usar nada disso, mas eu sei”. (PROFESSOR 4. Entrevista 1,
02 out. 2019).
62
Ao falar da formação musical, o professor destacou que o currículo do seminário era equivalente a um curso
de bacharelado em música, apesar de não ser reconhecido na época pelo MEC.
131
O Professor 5 também apresenta, em seu relato, aspectos que estabelecem essas conexões
com elementos considerados importantes no processo de formação docente. Ele destaca que
passou a ter um novo olhar sobre a docência durante o curso, revelando assim a importância das
orientações recebidas para esta nova forma de dialogar com a formação musical.
[…] a gente fica aqui só estudando esse negócio de... educação, e coisa e
tal. Mas eu tinha, desde essa época, essa visão de... “rapaz para ser músico
não é somente nessa parte mais técnica, você pode ter orientação do
professor, mas depende mais de você, entendeu? Assim, do seu esforço. […]
esse conteúdo mais teórico de metodologias, aí sim a gente precisa de
orientação do professor. Então, tinha muita essa visão na licenciatura, a
música depende de mim, é então que eu estudava, bicho. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).
Diante das influências que esta nova formação passava a exercer, as mudanças foram
acontecendo e desencadeando novas formas de ver e de se ver, em um processo de formação
musical diferente do que era esperado inicialmente, contribuindo para a criação de novas
representações sobre formação musical. A fala do Professor 6 mostra como estas relações se
consolidam a partir das novas perspectivas que foram sendo estabelecidas pelo processo de
formação docente.
Nessa fala, o Professor 6 apresenta algumas associações que indicam um olhar sobre o
processo de formação, no qual ele destaca tanto a importância dada à formação docente,
quanto a um distanciamento que esta tem da atuação prática pedagógica musical no mercado
de trabalho. Um contraste em relação à fala do Professor 6 pode ser percebido na narrativa do
Professor 3, quando declara que a universidade não lhe deu nada.
Eu posso até fazer alguma coisa inconsciente por ter vivido aquilo. Mas
nada, nada que eu vivi na universidade eu levo para sala de aula. Nada!
(PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).
63
Na área de arte, o professor polivalente trabalha com as diferentes linguagens artísticas.
134
Professor 6 exemplifica: Quando eu fui para lá, eu comecei como professor de arte
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Além desses dois aspectos apresentarem uma constância nas narrativas, outros foram
identificados nas falas dos sujeitos, assumindo um posicionamento periféricos nas suas
representações sociais. Os elementos periféricos surgiram como forma de “identificação com
a docência”, como na fala do Professor 4: […] eu gosto muito, eu gosto de dar [aula]
(PROFESSOR 4. Entrevista 1, 02 out. 2019); ou em relação à “estabilidade financeira”, como
destacado na fala do Professor 2: […] eu passei pelos momentos mais difíceis da minha vida
justamente [em] uma crise existencial somada a uma depressão, justamente pelo medo de
viver de música. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019); ao “reconhecimento
profissional” e de “ser artista e professor”, presentes na fala do Professor 1: Eu acho que eu
sou professor também, eu também sou professor, eu também tenho um conteúdo a passar, eu
também tenho meus recursos de avaliação. (PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019); Essa
questão de juntar, de ser artista profissional e ser professor, tem [me desgastado muito]
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
Esta visão hierárquica que permite a compreensão dos elementos centrais e elementos
periféricos das representações sociais dos professores entrevistados – envolvendo a docência
na educação básica – podem ser percebidas de forma mais eficaz através da análise da nuvem
de palavras exposta no Gráfico 16.
135
Gráfico 17 – Compilação dos elementos periféricos que indicam o elemento central dificuldade
Gráfico 18 – Indicação dos elementos periféricos que envolvem o elemento central dificuldade
Podemos constatar, nas falas dos professores, essas relações que se destacaram nos
Gráficos 17 e 18. As indicações diretas sobre as dificuldades estiveram presentes nas falas dos
Professores 1 e 2.
137
Mas, eu já tenho planos de não [continuar por muito tempo], de não passar
mais dez anos como professor de escola pública no ensino regular. Porque é
muito puxado. Quando eu decidi ser professor, eu não imaginava que fosse tão
difícil. Que fosse tão difícil, tão puxado, tão distinto. E tem vezes que eu penso
que não é uma questão pessoal, [porque] eu vejo em alguns colegas, [algo
assim], em mais e mais professores. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set.
2019).
O que eu acho mais difícil hoje, na sala de aula, é isso, os alunos. […] olha só,
eu cansei de estar dando aula, cara, e perder meia hora de aula por [ter] no
mínimo dez alunos ali, levando a sério a aula, querendo estudar. E por causa
desses maus alunos, sabe? Eu perder meia hora de aula, prejudicando quem
quer. […] a gente está numa situação hoje que às vezes o próprio diretor tem
medo de tomar [uma] atitude. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Quando eu digo que foi que um choque, foi mais em questão, assim, de atitudes,
de comportamento, comportamental, não é? Como eu te disse, eu vivia com o
meu público, eu sempre fui evangélico, no distrito de criança, é então o
linguajar diferente, mas as atitudes são diferentes e as reações a algumas
atitudes são diferentes. Coisas simples como palavrão, por exemplo, né?
(PROFESSOR 4. Entrevista 1, 02 out. 2019).
[…] Meu irmão, quando eu cheguei para dar aula, que eu vi 40 alunos numa
sala, os meninos uma bagunça, barulho da “bexiga”, sem querer saber de
nada, “visse”, foi aquele choque, bicho. Então assim, o primeiro ano que eu
passei na Educação Básica, bicho, foi um choque muito grande. […] Então, eu
vinha com aquelas ideias. Não, vou trabalhar os métodos ativos, tal. E vou fazer
isso, e vou usar isso e aquilo. Meu amigo, quando eu cheguei, eu não consigo
fazer nada, bicho, do que tinha pensado […].“Ah, vou trazer, usar esse método
aqui”, quando chegou, “ôxe”, não dava certo não, bicho. Os meninos não
queriam saber de nada. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
138
[…] você vem com aquela expectativa. Não, agora eu vou trabalhar com
música. Aí, você cai por terra quando vai ver a realidade. Aí, teve um choque,
sim. […] Eu vim para cá, aí disse, “não, agora eu vou trabalhar com música”.
Acabou que não era isso. Não era. Isso foi frustrante, está sendo frustrante.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
O primeiro choque foi no primeiro dia, né? Aqui estão as suas turmas, amanhã
você começa. Eu disse: “bem beleza né? Vamos lá”. Aí vem a primeira coisa: a
universidade não me preparou para este momento. Ali, já caiu na minha
cabeça: “espera aí, que a universidade não me deixou pronto”. Ela me deu um
monte de coisa e disse assim: “olha, procura aí que tu acha”. (PROFESSOR 3.
Entrevista 2, 14 out. 2019).
Essa fala do Professor 3 lançou um olhar de fragilidade sobre o processo de sua formação
acadêmica. A falta de experiência é também reforçada pelo destaque na fala do Professor 5, que
139
indicou que as disciplinas de estágio realizadas durante a graduação não foram reconhecidas por
ele como um momento de experiência docente.
Eu, na verdade, eu nunca quis ser professor, por questão de salário e alguma
coisa dentro de mim mesmo. Sem ter experiência, eu sabia que não ia ser uma
coisa tão fácil. Porque a gente não tem um livro, né? Como o professor de
matemática, de geografia que é muito, veja só que doideira, né? Para eles a
coisa mais fácil do mundo é aula de artes, mas não é, porque eles têm um livro
de matemática tem um livro de História, chega lá é só seguir o livro[...]. Minha
grande dificuldade foi essa, não tinha livro nenhum de música que fosse
adequado. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).
O segundo elemento que divide a centralidade das representações sociais sobre a docência
em música na educação básica é a concepção de “professor polivalente”. Este elemento
identificado nas narrativas de todos os sujeitos entrevistados assume dois direcionamentos
importantes nos discursos dos professores. 1 – Está relacionado às exigências que são feitas pelas
gestões das escolas e/ou equipe da Secretaria de Educação Municipal64, de modo que os
professores concursados para a área específica de música, ao assumir a disciplina de Arte, passam
a trabalhar também com as demais linguagens. 2 – Está ligado à visão de que os professores têm
64
A Secretaria de Educação e Cultura Municipal de João Pessoa (SEDEC-JP) atua através da Gestão Curricular
(DGC) nos direcionamentos sobre as questões que envolvem os currículos, projetos e programas da educação
pública municipal.
140
sobre sua própria prática docente e o currículo de Arte, uma vez que se reconhecem como os
responsáveis pela disciplina de Arte. No primeiro caso, identificamos a estranheza de ter que lidar
com os novos conhecimentos da grade curricular que são definidos por órgãos administrativos
superiores. No segundo, percebemos uma cobrança individual dos professores por assumirem que
há uma necessidade de seus alunos terem o direito ou necessidade de vivenciar todas as
linguagens da arte.
Após a análise, constatamos nas falas de quatro dos seis professores a visão do
desenvolvimento da polivalência na disciplina de Arte a partir de direcionamentos da Secretaria
de Educação e, consequentemente, dos gestores escolares. A seguir, um dos exemplos na fala do
Professor 3:
Exigem da gente que a gente seja polivalente e que a gente vire ornamentadores
de escola. Essa é a visão se tem do professor de Arte, né? Porque quando
chegam para fazer música, ele escolhe ou cede para contemplar o currículo. Ou
vira o seu currículo todo para música, e ainda é arriscado em levar aquele
puxão de orelha do gestor. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
[…] veio uma ordem de lá da secretaria que quem assumiu para música,
também assumiria Artes. […] aí, o que é que eu faço, eu tenho duas aulas, em
uma eu dou música, na outra aula eu dou Artes. Foi difícil porque eu tinha que
pesquisar, tinha que correr atrás de coisas que eu não tinha formação nessa
área. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).
141
A maioria dos professores apontam que há uma certa pressão por parte dos dirigentes das
escolas para que as aulas sejam desenvolvidas a partir da inserção de conteúdos das diversas áreas
de Arte, conduzindo as práticas para uma perspectiva polivalente. Entretanto, percebemos,
também, que há professores que decidem pela polivalência de uma forma mais espontânea, o que
conduz para o segundo direcionamento mencionado anteriormente. Esta segunda forma de lidar
com a polivalência em Arte apresenta uma reflexão por parte dos professores sobre o papel que
eles têm em uma atuação docente no currículo de Arte, mesmo sendo graduados em música. Este
direcionamento está presente nas falas dos Professores 1, 2, e 3.
Ao fazer a análise das falas desses três professores, percebemos que eles se reconhecem
no papel de professores de música e também de promotores de uma formação em Arte mais
abrangente e democrática, com base nas diversas vivências que os alunos podem e devem
desenvolver nas aulas de Arte, em seu processo educativo. Este processo pode ser identificado na
fala do Professor 1 quando ele declara que é o profissional de Arte da escola. A fala do Professor 2
apresenta um elemento bem interessante, uma vez que ele destaca uma possível adaptação à
polivalência, não apenas por se reconhecer como o profissional responsável pelo currículo de Arte
na escola, mas por ter habilitação também em outra área da Arte. Um ponto interessante está
presente na fala do Professor 3, que revela sua inquietação sobre a nomenclatura da disciplina em
142
relação ao concurso realizado, mas não consegue ver seu aluno seguindo um currículo com o
nome de Arte sem ter acesso a outros conhecimentos artísticos que considera importantes.
Um relato capaz de sintetizar a forma como os professores se enxergam no processo
educativo musical ao assumirem a disciplina de Arte pode ser percebido nessa segunda fala do
Professor 1, quando traz para si a responsabilidade de transmitir os conteúdos relacionados às
diversas linguagens artísticas.
Diante do material analisado, identificamos que há uma visão coletiva por parte dos
professores sobre a utilização de outras linguagens artísticas – além da música – no currículo de
Arte. Desta forma, a concepção do “professor polivalente” acaba sendo algo internalizado pelos
indivíduos e compartilhado pelo grupo. Esta concepção que permeia a polivalência no currículo
de Arte se apresenta e se estabiliza sob uma ótica coletiva que tem, nos documentos legais, um
reforço para o estabelecimento dos discursos que compartilham dos mesmos elementos
representacionais. Isto leva à construção de uma estrutura simbolicamente aceitável da
polivalência e a centralidade das representações sociais que os professores de música têm da sua
prática docente na disciplina de Arte.
Outros aspectos relevantes que constatamos ao analisar as narrativas foram os elementos
periféricos – “identificação com a docência”, “estabilidade profissional” e “reconhecimento
profissional” –, que surgiram nos discursos dos professores. As falas dos Professores 4 e 5 trazem
a ideia de identificação com a prática docente:
Nestas duas falas, os professores deixaram claro que a estabilidade profissional, ligada
diretamente a questões financeiras, foram substanciais para o seu ingresso na educação básica. O
contexto social de instabilidade do mercado de trabalho para o músico, já apresentado por
diferentes estudos (SEGNINI, 2011) dimensiona as opções para se viver de música. Desta forma,
as condições materiais de vida influem sobre as representações sociais da profissão, relacionadas
às produções artístico-musical e à docência na escola básica.
As relações estabelecidas entre os elementos que estão no núcleo central – “dificuldade na
docência” e “professor polivalente” – com os demais que assumem um posicionamento periférico
– “reconhecimento profissional”, “necessidade financeira”, e a “identificação com a área” –
podem ser percebidos nas associações que acontecem nas narrativas, como podemos identificar
no Gráfico 19.
144
Gráfico 19 – Ligações dos termos relacionados às concepções sobre a docência em música na educação
básica - análise de similitude (IRAMUTEQ)
O Gráfico 19 apresenta algumas conexões que foram estabelecidas e que nos ajudaram a
identificar as associações presentes nos discursos dos professores para a estabilização dos
aspectos identificados como elementos centrais das representações sociais dos professores sobre a
música na educação básica. Estas centralidades puderam ser percebidas através das interligações
estabelecidas entre: “dificuldade na docência/choque de realidade”; “dificuldade na
docência/clientela meio complicada”; “dificuldade na docência reconhecimento profissional”;
“dificuldade na docência/não tinha experiência”; “não tinha experiência/A universidade não me
preparou”; “choque de realidade/ reconhecimento profissional”; entre outras. Ou através das
conexões entre “professor polivalente/identificação com a docência”; “professor
polivalente/pressão pela polivalência”; “professor polivalente/professor de Arte vai trabalhar
tudo”; “professor polivalente/estabilidade financeira”; “sou polivalente/sou profissional de artes”;
entre outras.
145
Podemos constatar como estas conexões – que indicam as representações sociais sobre a
docência em música na educação básica – acontecem e se estabilizam, ao observar os elementos
que estão presentes nas narrativas dos professores, como na fala do Professor 1, quando aponta
aspectos que envolvem uma perspectiva técnica, remuneração salarial e, de certa forma, falta de
experiência.
Eu fico observando que, para ser professor, tem que ter técnica. Não adianta
dizer que [é] porque gosta de criança [que] vai fazer pedagogia, ou porque é
artista vai ser professor de arte, de música. Mas isso ocorre, pois é o que
ocorre. No nosso campo mal remunerado, a pessoa pensa “ah, vou ser
professor”. […] Eu tenho trinta e seis anos, [fiz um curso superior], e ainda
busco técnica. Muitas coisas eu não aprendi na universidade. Não aprendi
como controlar uma turma de quarenta alunos, quando vem do intervalo, de
uma aula de educação física. Não se aprende isso na universidade, você tem
que aprender a lidar, tem que ter paciência. Eu acho que todo profissional, que
não aprendeu o suficiente na formação [inicial] ele vai aprender na marra.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
Na fala que segue, podemos identificar a concepção de dificuldade associada aos conflitos
envolvendo os alunos e ao estresse decorrente. Entretanto, ele destaca a perspectiva de
reconhecimento profissional, à medida que percebe o interesse dos alunos.
[…] no início, eu sofri muito como professor, e não é fácil. Mas quando você
pega uma turma que você percebe que [se] identifica com a sua forma de
ensinar e que gosta das suas aulas, e que está querendo realmente, que valoriza
você, é uma maravilha, cara. Eu não acharia ruim não, entendeu? De trabalhar
com esse tipo de, com esse nível, sabe, dos alunos, mas infelizmente […], eu
sofro por esse lado. Não é fácil; tem muito estresse [com] esses alunos.
Principalmente, como eu falei, a escola não tem uma política de resolução [de
problemas] que precisa ter. Não pode continuar do jeito que está. Achar normal
o que está acontecendo é achar que não tem uma forma de resolver isso aí, é um
grande erro tanto de secretaria, quanto do Ministério Público, seja lá de quem
for... (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 10 out. 2019).
Existe ainda uma [confusão] entre alunos e colegas, que não têm muito claro o
que é o professor de música na escola. Ele vai tocar? Ele vai ensinar a tocar?
Ele vai só cantar? Qual é o seu plano com uma sala com trinta e cinco alunos?
Não tem muita clareza ainda na cabeça do aluno. O que é que você vai fazer?
146
Ainda tem essa visão de aula de arte, né? Mesmo você sabendo que é música.
Não, é aula de arte! Então, ele acha que você trabalha todas as linguagens,
trabalha o desenho, trabalha a pintura, apesar de que eu também trabalho com
pintura, mesmo puxando para música. Mas eles têm essa visão assim. Eu, em
todas as escolas que trabalhei, em nenhuma, teve assim uma visão que... “eita,
professor de música, ele vai fazer um coral, vai fazer isso aqui, não”, entendeu?
Geralmente, eles têm uma visão mais geral de arte, vai trabalhar todas as
linguagens. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).
Quando eu entrei no primeiro ano sala de aula, me deu uma revolta muito
grande. Eu pensei até em desistir quando eu encarei a realidade da escola. A
forma como a escola hoje está. As condições que os alunos se encontram. Aí, eu
penso em desistir. Eu não desisti porque... Porque eu não tinha a situação
financeira... Eu não desisti no primeiro ano que eu entrei, porque eu estava
numa situação muito pior, entendeu? (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out.
2019).
Eu consegui dar conta, né? [...] Amei a experiência. No primeiro ano sofri, mas
como eu sempre gostei de estudar, de pesquisar, então, eu não tinha... Eu não
vejo muita dificuldade quando, você tem boa vontade, né? Então, eu
pesquisava, eu ia. E eu consegui dar conta. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13
dez. 2019).
A análise das narrativas e dos elementos presentes nos Gráficos 16, 17, 18 e 19 permitiu
traçar um panorama amplo de como as estruturas simbolicamente constituídas organizam e
consolidam as representações sociais sobre a docência na educação básica dos sujeitos
pesquisados. A organização das informações expostas nestes Gráficos possibilitou a identificação
dos níveis que cada elemento passa a assumir na construção dessas representações, por mais
distintos que sejam.
Dessa forma, foi possível verificar que a análise dos gráficos mencionados permitiu o
reconhecimento da ordem hierárquica que estabelece os níveis de importância dos elementos
presentes nos discursos dos professores, bem como as associações que podem ser estabelecidas
entre eles. Assim, conseguimos, de forma mais consistente, identificar os elementos que fazem
parte do núcleo central das representações sociais desses professores.
Nesse direcionamento, compreender a importância que cada elemento tem ao se destacar
no discurso – a partir de como ele apresenta sua natureza simbólica e se constitui coletivamente em
um grupo social – nos dá um panorama de sua relevância para a consolidação das representações
sociais que os envolvem. Assim, a identificação de elementos simbólicos relacionados às
dificuldades enfrentadas durante a prática docente e a estrutura organizacional do currículo pautado
sob a ótica polivalência em Arte, permite perceber que estes elementos que compõem o núcleo
central das representações – e as outras estruturas às quais eles se conectam – passam a
fundamentar a visão que os professores têm sobre a docência em música na educação básica.
148
Sabemos que a concepção de música não é algo fácil de se estabelecer, uma vez que
ela pode variar de acordo com a visão cultural estabelecida em cada sociedade, bem como
através das transformações que se desenvolvem histórica e culturalmente ao longo do
tempo. Nesta perspectiva, buscamos reconhecer as diferentes relações estabelecidas entre os
professores de música participantes da pesquisa com o objeto música e, com isso,
compreender quais as representações sociais que estruturam as suas diferentes visões de
música. Neste item, discutimos as relações que os professores têm com a música a partir das
percepções e concepções atribuídas à música, passando por aspectos que discutem a relação
com a aprendizagem musical relativos às visões de dom, talento, técnica, afetividade,
vivacidade, entre outros. Desta forma, buscamos compreender as suas representações sobre
música, nas mais diversas perspectivas, como música de qualidade, música de má qualidade,
música como técnica, vida, afeto, dom.
Ao analisarmos a Tabela 9, podemos identificar que ela apresenta algumas frases que
indicam diversos elementos subjetivos que reforçam a construção simbólica do objeto de
representação música que se estabilizam nas narrativas dos professores. Estas frases revelam um
nível pessoal e subjetivo que passam a envolver os traços imagéticos dos receptores com as
mensagens compartilhadas no nível coletivo. Ao buscarmos reconhecer suas concepções de
música, identificamos vários termos indicativos de que as suas idealizações estão carregadas de
componentes simbólicos que transitam por um campo subliminar da mensagem. Como
podemos observar, as falas apresentam termos que fazem parte de uma concepção imaginária e
subjetiva da música, que partem de um componente abstrato direcionando à composição de suas
representações. Por apresentar uma variação de termos carregados de imaterialidade que
pertencem e estruturam os elementos de representação simbólica internalizada pelos
professores, estes termos dialogam com as construções culturais normativas que remetem a
visões figurativas da música integrantes da representação social de música dos professores.
Estas relações dialogam com o desenvolvimento das representações sociais a partir de um
processo de objetivação, como evidenciado por diversos autores (DUARTE, 2002, p. 127;
LEME, 1993, p. 49; MOSCOVICI, p. 71; SAWAIA, 1993, p. 76), como vimos no capítulo 2.
Com isso, podemos reconhecer como estas relações estão presentes nas falas dos Professores 1,
2 e 4, através dos termos “mágico”, “extraordinário” e “divino”, bem como nos termos “amor”,
“paixão”, “dádiva” e “vida”, presentes nas falas dos Professores 1, 2, 4, 5 e 6.
150
Ao destacar o termo “vida” como um dos elementos que fazem parte da centralidade
das representações sociais da concepção de música dos sujeitos pesquisados, podemos
perceber que há uma relação que passa a se consolidar, à medida que o objeto simbólico
música ganha materialidade ao associar elementos concretos – que fazem parte da realidade
do professor – a outros intangíveis que passam a ser reconhecidos como tendo importância
imprescindível para a sua existência, como nas relações cotidianas e profissionais. Esta
relação corrobora os trabalhos de Duarte e Mazzotti (2006a, p. 62), obra citada anteriormente,
153
ao discutir a música como elemento de vida para os professores, ou ainda com a pesquisa
realizada por Loiola (2015. p. 102), que identificou na fala dos professores a música como
elemento vital. Podemos identificar esta proximidade na narrativa do Professor 1:
A música me deu tudo. Me dá tudo, né? É meu ganha pão. Eu sou músico
profissional. Dou aula, dupla jornada de trabalho tocando. A música é
fundamental para mim. É tudo na minha vida. […] A música, para mim, é
minha vida, é meu ganha pão e, como todo trabalho, tem seus casos.
(PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019).
O que chamava a atenção era o fato das pessoas estarem ali tocando
aqueles instrumentos e a alegria que aquilo passava para as pessoas,
principalmente ali, no caso do contato que eu tinha em casa. Mas também
achava bonito em outros casos, como por exemplo a banda, quando
passava na frente da minha casa. Eu gostava, achava bonito e segui a
banda. E eu lembro que eu achava impressionante aquela quantidade de
botão que tinha no saxofone, não sabia como era que eles conseguiram fazer
aquilo. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
para a condição de vida. Esta visão pode ser percebida em outros trabalhos, como Westrupp
(2012, p. 60), que, em sua pesquisa, traz uma discussão que compartilha de percepções
semelhantes. O relato que segue, do Professor 6, mostra esta internalização da música como
um elemento de essencialidade, necessária à sua condição de vida.
Música, como toda arte. Para mim, é essencial. Mas é como arroz e feijão, eu não
consigo viver sem o som e os instrumentos e a música. É o alimento. É alimento
desde a juventude, eu acho que até o final da vida. É como aquela coisa que eu
tenho todo dia, tem que colocar para dentro. É vida, é alimento. (PROFESSOR 6.
Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Uma outra relação que apresenta esta perspectiva de elemento vital pode ser
identificada na fala do Professor 2, quando ele estabelece a concepção de música como
objeto de representação simbólica que ampara a própria condição de vida, de bem-estar, de
socialização e de equilíbrio emocional, que tem o “poder” de contribuir fundamentalmente
para uma melhor condição de existência:
Nesta fala, ele apresenta um processo de aprendizagem musical que não atende de
forma favorável aos seus desejos musicais. Contudo, ao não ter uma relação afetiva de
“amor” como o instrumento teclado, ele apresenta um desinteresse pela aprendizagem
musical relacionada a este instrumento. A relação afetiva (ou a falta dela), com um
instrumento, um gênero musical, uma cultura, pode modificar de forma significativa as
representações sociais de um indivíduo ou de um grupo social sobre o objeto representado.
Outro aspecto simbólico que envolve as concepções de música relacionadas ao amor,
pode ser percebido na fala do Professor 1, quando destaca uma visão generalizada da paixão
pela música. Desta forma, podemos compreender que essa relação afetiva não acontece por
acaso: ela é fundamentada pelas percepções de fascínio que o sujeito internaliza do objeto
música a partir do seu meio sociocultural.
156
estar interligadas a diferentes planos imagéticos que buscam uma ancoragem em estruturas mais
sólidas que podem ser compreendidas e compartilhadas pelo grupo.
Na fala acima, o professor revela que a sua relação com a música passa por
diferentes níveis de subjetividade. Ao idealizar a música como matemática, ele relaciona
uma disciplina considerada objetiva a uma partitura. Com isso, passa a figurar a música
como uma estrutura técnica, porém relacionada aos aspectos afetivos. Esta visão é
reafirmada quando o Professor 2 destaca que o processo de criação musical está relacionado
aos conhecimentos técnicos, mas associado à organização de seus elementos, seus
conhecimentos e suas experiências: A música para mim... quando eu pego o violão, é como
se eu tivesse... eu imagino um cientista no laboratório, onde fica experimentando.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Podemos perceber que a concepção de música ligada à técnica está presente nos
relatos de todos os professores entrevistados, mesmo que apresentem uma maior intensidade
em algumas de suas falas. Vale destacar que, na análise das narrativas, ficou claro que as
concepções voltadas para as questões técnicas da música passam a ganhar um maior
destaque à medida que é ampliada a formação musical direcionada pelos processos formais
eurocêntricos da música. Essa ligação com as questões técnicas podem ser observadas nas
pesquisas de Loiola (2015) e Andrade (2016a; 2016b), que mostram que a questão do
desenvolvimento técnico aparece como um pilar de sustentação para a formação dos
professores e dos alunos respectivamente.
conflitos relativos à utilização deste termo, buscamos compreender a sua etimologia para, a
partir daí, utilizá-lo de forma mais clara.
A palavra dom tem sua origem no latim, donum, que significa “oferenda aos deuses”
(DICIO, 2020). Em sua definição, encontramos a palavra dom atribuída a “qualidade
especial ou habilidade inata para fazer algo; aptidão, habilidade, talento”, quando
observamos a condição de uma habilidade natural para algo, bem como, “Aquilo que foi
objeto de doação; dádiva, donativo, presente”. Ao ser utilizada como sentido figurado
vemos o termo dom como “benefício, benesse ou dádiva concedida pela natureza; bem,
bênção, graça” ou ainda um “bem espiritual que se considera como oferecido por Deus;
bênção, graça, mercê” (MICHAELIS, 2020a). Como podemos constatar, estas definições da
palavra dom direcionam para um olhar relacionado a uma visão imaginária e divina, que se
liga a algo subliminar.
Ao reconhecermos as relações que estão associadas ao termo dom, podemos
identificar que a ideia de vocação dele se aproxima pelos vínculos que ambos os termos têm
com as questões inatas. Se considerarmos a matriz etimológica do termo vocação,
verificamos que sua origem vem do latim vocationis, que significa “chamado” (LATDICT,
2020). Também podemos compreender vocação como “qualquer disposição natural do
espírito; pendor, talento”; ou “inclinação para qualquer atividade, ofício, profissão”, bem
como quando relacionamos o termo às questões divinas, ao ser definido como “inclinação
para o sacerdócio ou para a vida religiosa” (MICHAELIS, 2020b). Dessa forma, estas
percepções passam a dividir espaço nas concepções de música dos professores. Este
direcionamento pode ser encontrado em trabalhos que discutem a concepção de música
como uma produção artística na visão de músicos, como no trabalho de Adenot (2010), que
mostra que a concepção de música está relacionada às questões de vocação como sendo
estruturas artísticas inatas atribuídas a um certo fascínio por parte dos músicos. Porém, se
observarmos esta relação de forma empírica, percebemos que este discurso pode se fazer
presente em diversos outros contextos. Neste sentido, Loiola (2015. p. 97) destaca que a
visão de dom associado à crença pessoal pode estabelecer um processo de seleção dos que
manifestam aptidão.
A partir destas definições, percebemos que esta estrutura simbólica que dialoga com
os elementos idealizados, como algo além da capacidade humana, passa a ser construída
pelas diversas relações que foram ganhando significados sólidos nas representações sociais
dos sujeitos, a partir dos esquemas imagéticos que envolvem o objeto de representação
160
música. Nessa visão, percebemos que a imagem que se cria da música está relacionada a um
estado de sublimação, fascínio e espiritualidade, gerados pelos aspectos emotivos e afetivos
consolidados pelas distintas relações com um elemento extraordinário, divino e religioso
que, ao ser partilhado pelo grupo, ganha um sentido, um status de axioma. A utilização do
termo dom, que, de certa forma, preenche um espaço de centralidade nas representações
sociais das concepções de música, é reforçado por outros termos como “mágica”, “dádiva”,
“extraordinário”, entre outros.
Um fator interessante que observamos ao analisar as narrativas, foram as diferentes
relações com os aspectos que envolvem a concepção de música como um dom. Percebemos que
esta visão não é facilmente manifestada, porém podemos notar que há uma aproximação das
concepções dos professores com os elementos que estariam ligados a algo sobre-humano.
Como é que surge uma música? Aí, eu entendi que, no meu caso, foi a
questão do violão que me ajudou. Tem a questão também da sensibilidade
da pessoa, né? Que a arte é um reflexo do que você é, né? Do que você
pensa, do que você sente, do que você viveu. Então, eu percebo que foi um
conjunto de fatores e que não foi pronto. Só para ter uma ideia de que não
é essa coisa mágica, eu comecei a tocar violão com 15 anos, eu vim
engatilhar nesse processo de composição 12 anos depois, só para você ver
como não é essa questão de... que se fosse dom, no primeiro ano que eu
comecei a tocar violão... já era compositor. Onde é que está esse dom?
Porque não é dom. É claro que as pessoas confundem vocação com dom,
vocação é diferente de dom, vocação é quando você se identifica com algo
e diz: “cara, eu gosto muito disso, eu quero isso”. Você se dedica àquilo.
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).
Um fator que nos chama atenção nesta fala é a busca por desvincular a sua concepção
de música utilizando o termo vocação. Uma vez que se formos tomar como base a matriz
etimológica da palavra, como visto anteriormente, a ideia de vocação não se dissocia
completamente do termo dom. Vale destacar que, nesta fala, o Professor 2 deixa claro como as
suas representações sofrem mudanças à medida que há um aprofundamento de suas práticas
musicais. Este direcionamento apresenta elementos que indicam a formação de uma nova
representação de música, configurada a partir do seu próprio desenvolvimento musical.
Assim, à medida em que suas experiências musicais avançam, vão sendo criadas novas
compreensões de música, e estas passam a atribuir novos sentidos ao objeto. Através destas
novas experiências o sujeito passa a tentar trazer suas concepções para uma construção
racional, tentando retirar toda a carga imagética e mítica de suas visões factuais da música.
Podemos verificar, porém, que seu núcleo apresenta um arcabouço que dialoga com uma
representação que se sustenta inconscientemente, uma vez que os fenômenos psíquicos que
apoiam as representações são consolidados por suas relações involuntárias e exteriores a
consciência do indivíduo, como discutido no Capítulo 2. Com isso, podemos referenciar uma
relação ambígua entre a concepção de dom e a sua negação:
Eu acho que eu ter existido na vida sem a presença do violão seria um erro.
Como diz Nietzsche: “A vida sem música seria um erro”. […] Eu posso
dizer que a minha melhor alma gêmea que aconteceu na vida foi o violão.
O violão e, claro que eu não posso também ser tão cego e egoísta de achar
que essa essência que existe em mim seja uma coisa até divina, porque a
música é uma coisa divina, né? A música é uma coisa divina, uma dádiva,
seja você religioso ou não, mas é uma coisa extraordinária, né? É uma
forma de você... tem até um pensamento que dizia: “a arte é uma forma de
buscar alcançar o céu sem precisar de reza”. Porque, quer queira, quer
não, quando você faz aquilo, você mergulha dentro de si mesmo, né?
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019)
162
Essa questão do dom é uma coisa muito perversa, porque as pessoas tiram
o mérito do seu trabalho de estudar, né? As pessoas falam que você tem um
dom como se você fosse o iluminado, se estivesse sentado na posição de
flor de lótus, e Deus, puff, fosse descarregar tudo e você fosse a pomba
gira ou sei lá o que for. Um transe, qualquer tipo de coisa mística, né?
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019)
Esta fala é interessante, à medida que ele integra elementos extrassensoriais como
parte de suas representações, ao relacionar a aprendizagem sem dificuldades de um novo
instrumento musical – o charango – como sendo “uma coisa mágica”. Ao declarar esta
percepção, o professor traz para o seu discurso uma representação social da concepção de
música ligada aos símbolos internalizados e partilhados socialmente. A internalização desses
elementos imagéticos atribuídos à música dá sentido ao objeto simbólico que orientam sua
compreensão de mundo e consolida suas representações (DUARTE; MAZZOTTI, 2006b;
JOVCHELOVITCH, 2011). Desta forma, podemos encontrar estas concepções de música
relacionadas às questões de fascínio, que trazem o termo dom compartilhado dentro de uma
centralidade simbólica, consolidadas como núcleo central das representações sociais nas
falas de três dentre os seis professores entrevistados.
Ao analisarmos estas concepções de música, percebemos que elas transitam em
diferentes campos conceituais e simbólicos. Mesmo apresentando elementos que possam
parecer antagônicos, mantêm correlações entre suas construções simbólicas que passam a
interligar as visões mais objetivas às concepções carregadas de subjetividade, e vice-versa.
Isto fica claro no Gráfico 21, abaixo:
164
Gráfico 21 - Ligações dos termos relacionados às concepções de música dos professores – Análise
de similitude (IRAMUTEQ)
relação com questões mais racionais e objetivas, quanto ao estabelecer suas concepções mais
alinhadas às questões de ordem afetiva, emocionais e místicas.
As ligações apresentadas visualmente no Gráfico 21, de similitude, revelam as
conexões que se desenvolvem e mantêm as representações consolidadas a partir destas inter-
relações. Podemos identificar que as conectividades entre os termos nos mostram que elas
estabilizam estas representações ao passarem a proporcionar uma sinestesia capaz de construir
diferentes interpretações sobre um objeto simbólico e novos conceitos atribuídos a ele, como
podemos qualificar nas similitudes que se apresentam a partir da junção dos termos: música é
arte; arte é vida; música é técnica; técnica com mágica; música é som; arte é emoção e dom; é
uma habilidade dádiva; técnica com afetividade; música é vida e paixão; entre outras. Estas
similitudes trazem as conexões com elementos periféricos que reforçam as representações
sociais das concepções de músicas dos sujeitos participantes desta pesquisa. Elas mantêm seu
núcleo central consolidado sobre quatro aspectos: sentido de vida; sentimentos; técnica e
transcendentalidade, esta concebida sob a perspectiva de dom, mesmo que haja um esforço
por parte dos professores para não utilizar este termo. O Gráfico 22 apresenta essas relações
na estruturação do núcleo central das representações.
que todos têm a capacidade de aprender música, o professor está relacionando suas
concepções às questões técnicas, porém, quando ele relata que pode haver uma facilidade
inata, aponta para um aspecto que passa a funcionar como um elemento periférico do dom.
Podemos perceber estas correlações na fala do Professor 4, quando ele destaca a
música como sendo um objeto racional, ligado a aspectos de fascínio, imagéticos e
transcendentais, definindo-a como sendo matemática com magia, que eu não tenho nem
como explicar (PROFESSOR 4. Entrevista 1, 02 out. 2019). Nessa fala, ele evidencia que a
representação social sobre música está ligada às questões subliminares, corroborando,
assim, com os estudos de alguns autores como mencionado anteriormente. Este fato mostra
que, mesmo tendo passado por diversos processos formativos, reconhecendo os diferentes
perfis de estudantes e os demais atores envolvidos neste trajeto de formação, o seu olhar
sobre o que é música não se dissocia de uma visão supranatual, que ao reconhecer os
aspectos técnicos, culturais, históricos e sociais que envolvem a música, traz, também, o
místico, o divino, o mágico, em sua fala como núcleo central de sua representação social.
Outra interligação pode ser percebida na fala do Professor 5, quando destaca que, com o
estudo da prática musical, ele foi “pegando amor”. A ligação da técnica com a afetividade
pode ser percebida de forma mais sólida quando ele evidencia que interrompeu a
aprendizagem de um instrumento por não sentir amor, como destacado nas discussões
anteriores. Assim como o Professor 2 que destaca: Eu traduziria persistência por paixão,
está entendendo? É como eu lhe disse, é como se fosse uma coisa que fizesse parte de você.
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Essa fala coloca mais uma vez a ideia da
afetividade relacionada à questão técnica.
Podemos identificar outras conexões na fala do Professor 6, quando apresenta uma
visão que liga a música a um desenvolvimento cotidiano, que se estabelece de forma mais
sólida através de uma vivência habitual:
Acredito que música é mais vivência do que qualquer outra coisa. Não sei se
você tem esse pensamento, mas se você vê aquele músico que tem mais
vivência, […] ele tem uma percepção melhor da música como [um] todo,
como arte, do que aquele que saiu do banco da escola e ainda está no banco
da universidade. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Nesta relação, podemos perceber que a sua concepção de música encontra seus laços
em uma articulação com diferentes visões, em uma perspectiva técnica, evidenciada pela
ideia de melhor percepção de música, como uma ação da vida cotidiana, ao apontar que a
167
música é estruturada pela vivência, e como estas relações passam a aprofundar e ampliar a
percepção da arte.
Com estas conexões, podemos compreender que as concepções não se estruturam
sobre uma única base de representação social: elas são construídas pelas distintas trocas de
experiências acumuladas ao longo de suas vidas sociais, que interagem nos mais diversos
espaços de convivência cotidiana e organizações formativas. A multiplicidade de fatores que
se interligam possibilita a compreensão das diferentes situações e formas de compreender o
objeto música. As representações sociais de música como vida, dom, técnica e sentimentos
trazem, para o objeto simbólico música, elementos que dialogam entre si, estabelecendo
uma representação social de música que tem seu núcleo central estruturado por distintos
elementos que se consolidam e se complementam.
Tendo por base as falas que expressam uma afinidade direta ou um distanciamento
com os elementos que consolidaram suas visões de música de boa ou de má qualidade,
trouxemos a Tabela 10, com as narrativas que apresentam concepções de música de boa
qualidade, e a Tabela 11, que indica concepções de má qualidade presentes nas narrativas dos
professores.
A Tabela 10 apresenta recortes das narrativas que indicam exemplos de diferentes
aspectos relacionados às vivências musicais dos sujeitos. Seus relatos contribuíram para um
processo analítico que, a partir de um olhar interpretativo, possibilitou a compreensão das
suas concepções de música de boa qualidade.
Desta forma, a Música Religiosa passa a agrupar termos como: música da igreja; gospel; louvor;
música evangélica etc. Após identificados os gêneros, organizamos o material levantado em
conjuntos mais amplos, como podemos observar na Tabela 11.
Podemos observar estas relações nas falas de alguns dos professores, à medida que
eles apresentam alguns indicadores destas concepções a partir das proximidades com
determinados gêneros musicais, como destacados na fala do Professor 1, que apresenta uma
perspectiva de ecletismo: as músicas eram muito ecléticas, a gente ouvia de rock a bossa-
nova (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). Ou a ideia de amplitude presente na fala
do Professor 2, quando ele destaca: fui entrando um pouco para outros ritmos variados,
tango, bolero, jazz, blues (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Uma outra
perspectiva pode ser observada na fala do Professor 3, quando destaca esta relação como
uma ligação formativa: eu venho da escola do rock, da escola do pop, do eletrônico
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Outras ligações que indicam de forma diretas a
relação do gênero musical como um exemplo de qualidade pode ser observada na fala do
Professor 6, quando fala sobre a Música Popular, referindo-se a esta forma como [aquela]
que a gente que é músico gosta, é um choro, é uma improvisação, uma bossa (PROFESSOR
6. Entrevista 1, 22 nov. 2019). Identificamos essas relações, ainda pelas menções a nomes
de intérpretes e compositores, como podemos observar na fala do Professor 4, quando ele
destaca que suas preferências estão ligadas a uma música de qualidade, […] um Chico
Buarque (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). Estas concepções também podem ser
observadas no trabalho de Duarte (2011, p. 66), quando ela aponta que as respostas
referentes à Música Popular que os professores identificam como “música de qualidade”
estão ligadas às obras de compositores consagrados. Já a representação da concepção de boa
música relacionada à letra, à mensagem ou ao conteúdo está presente nas falas de alguns
171
entrevistados, como percebemos nas falas dos Professores 2 e 3, quando destacam a letra
como um elemento importante para o reconhecimento de uma música de boa qualidade.
Podemos exemplificar essas relações quando o Professor 2 destaca eu procuro unir uma boa
melodia com uma boa letra, com bom conteúdo (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out.
2019); ou na fala do Professor 3, quando ele relata que se a partir daquela letra ele
consegue alguma coisa melhor (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).
Outros fatores também funcionaram como indicadores de qualidade musical, como as
questões que envolvem a temporalidade, a autenticidade e a importância cultural, como na
fala do Professor 1, quando faz uma relação com as músicas folclóricas que são canções que
você não sabe quem é o autor, mas estão aí, bem vivas (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set.
2019). Ou na fala do Professor 2, ao destacar que a sua primeira influência foi a música
Regional (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Ou ainda na fala do Professor 5,
quando relativiza uma música de qualidade como uma música que teve um impacto cultural
(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).
A percepção de música de boa qualidade também se revela por questões técnicas que
envolvem uma relação ligada a estruturas formais da música, como podemos verificar nas
falas dos Professores 2, 3, 5 e 6, quando destacam que: sou muito criterioso com a questão da
estética (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Eu acredito muito na técnica […].
Música que tenha variação rítmica, variação harmônica, vários instrumentos (PROFESSOR
3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Em relação à qualidade mesmo... instrumental, a música
harmônica (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019). Prefiro aquelas que têm um
tratamento melhor (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). A concepção de qualidade
relacionada a aspectos emotivos também esteve presente nas narrativas, como podemos
constatar na fala do Professor 3, ao reconhecer como uma boa música aquela que desperte um
bem-estar (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019); Também surgiram, nos discursos,
concepções que apontaram a Música Erudita como sendo uma representação de música de boa
qualidade, como podemos ver na fala do Professor 5. Eu via os caras tocando violão erudito,
bicho eu achei a coisa mais linda do mundo (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020),
bem como na do Professor 3, quando destaca: eu tenho contato com as bandas sinfônicas
europeias (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019), o que indica uma ligação com grupos
musicais que têm influência direta da Música Erudita. Mais uma vez, podemos encontrar
corroboração no trabalho de Duarte (2011, p. 67). Entretanto, destacamos que há uma
diferença entre as questões que envolvem a concepção de Música Erudita como música de
172
qualidade, uma vez que no trabalho desta autora esta forma de música ligada às tradições
europeias teve as maiores recorrências, ao passo que, em nossa pesquisa, esta forma musical
assume uma visão mais periférica de música de qualidade, ao levantarmos as recorrências. A
Música Religiosa esteve presente nas falas do Professor 4 e 5, quando relacionaram esta
forma de música às suas vivências pessoais, como podemos observar em suas falas. Eu gosto
de cantar música evangélica sim (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). As músicas
que eu escutava muito eram da igreja (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
Diante do que apresenta a Tabela 10 e segundo a categorização da Tabela 11, podemos
observar que os termos que remetem à “Música Popular”, à “MPB”, e a uma “boa letra”
aparecem como elementos que indicam uma centralidade das representações sociais de
música de boa qualidade na visão dos professores entrevistados. Ao reconhecer que o discurso
que remete à Música Popular se faz presente nas vivências musicais da maioria dos sujeitos
entrevistados – seja pela identificação com a forma, o conteúdo, a mensagem apresentada,
pelas relações de afinidade construídas histórica e socialmente, ou pela estrutura sonora
musical, entre outros – podemos considerar que a Música Popular se configura como o núcleo
central de suas representações sociais de música de boa qualidade. O Gráfico 23, na estrutura
de nuvem de palavras, apresenta de forma visual esta centralidade e as estruturas periféricas
que a cercam e dão suporte para a sua manutenção.
Gráfico 23 – Relação das músicas de boa qualidade apresentadas pelos professores – Nuvem de
Palavras (IRAMUTEQ).
identificar elementos que fazem parte de uma centralidade com os termos que se relacionam
com a música popular, bem como com os elementos periféricos que passam a compartilhar os
espaços de representação, como a MPB e música regional.
Outras concepções de qualidade musical que surgiram nas narrativas estiveram
ligadas ao conteúdo musical e às mensagens que são transmitidas em uma música através da
letra. Vale destacar que estas relações são reforçadas nas falas dos Professores 2, 5 e 6.
Nessa fala do Professor 2, identificamos a letra das músicas como um elemento que se
associa à qualidade de uma música, à medida que ela passa a ser reconhecida como um
recurso estruturante que é capaz de transmitir as suas ideias de valores estabilizadas pelas suas
relações socialmente construídas. Uma visão bem próxima desta pode ser identificada nos
discursos dos Professores 5 e 6.
Esta fala é interessante, uma vez que o Professor 5 revela que a sua concepção de boa
qualidade musical pode estar relacionada a diferentes fatores associados à música. Ao destacar
que sua visão de boa qualidade não está restrita à “qualidade musical” que envolve as
estruturas técnicas instrumentais, ele amplia seu olhar para além dessas questões e passa a
incorporar outros elementos ligados à música, como as questões culturais que podem fazer
com que uma determinada obra passe a ter um papel significativo em um determinado
65
Vale destacar que a ideia de valores, nos dias atuais, está muito ligada às questões que envolvem alguns
dogmas conservadores que são compartilhados por uma parcela da sociedade e que muitas vezes estão ligadas
às questões morais e religiosas.
176
contexto com o passar do tempo, bem como a importância dada às mensagens que são
transmitidas pela letra. Podemos perceber isto também na fala do Professor 6:
Seria aquela música que é feita por qualquer um, qualquer pessoa, que
colocasse poucos elementos ou que colocasse qualquer elemento que a música
pode dar, dentro daquela música, ou todo o universo musical que poderia
para levar de ferramenta para construir aquela música, ou aquela música
mais simples, desde que não levasse, de mensagem, coisas ruins. Isso para
mim, não levando coisas ruins, pensamentos ruins, mensagens ruins, eu já
considero uma boa música. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Podemos perceber que esta relação de boa qualidade, estabelecida a partir da identificação
com a letra de uma música, também está presente na fala do Professor 6, quando ressalta a “boa
mensagem” em oposição a “mensagem ruins” como elemento de qualidade. Com isso, assim
como os Professores 2 e 5, ao reconhecer a letra como elemento que indica uma qualidade
musical, ele retira o foco das questões voltadas às técnicas que envolvem a música.
Destacamos que outros elementos presentes nas narrativas indicaram as
representações sociais da concepção de música de boa qualidade dos professores
relacionando-as às questões que envolvem aspectos como: temporalidade; autenticidade e
importância cultural. Identificamos o reforço destas relações na fala do Professor 5, quando
aborda a questão da temporalidade:
Se a gente for pegar historicamente, né? Você vai ver que tinha época que
a música, “visse”... essa música daqui ninguém pode escutar não. Hoje em
dia é clássico, entendeu? Então assim, é complicado de julgar. […] E
também vai ter músicas de períodos anteriores que também têm qualidade
harmônica, [mesmo com] duas ou três notas, entendeu? Então assim, é
muito difícil comparar, sabe? […] Eu me lembro que na época eu escutava
Mastruz com Leite, eu ficava, “meu irmão, que música feia, poucos
acordes”. Quando eu comparo com as de hoje, “rapaz, aquilo era música,
bicho”. Olha o arranjo, tudo certinho, a entoação, a afinação […].
(PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
Este exemplo evidencia que uma representação social não é algo estático,
consolidado a partir de elementos fixos e estáticos, muito pelo contrário, uma representação
social é construída a partir das relações que são estabelecidas com os processos transitórios
que a cercam (MOSCOVICI, 2015. p. 136). Essa fala do Professor 5 apresenta, alguns
elementos que se ligam à música popular que se relaciona à música regional, mas traz
consigo entre outras abordagens, justamente, uma mudança de representação social pautada
na temporalidade. Isto aconteceu também na fala que segue do Professor 1:
177
[Eu] fiz umas comparações com comida. Quando você está de dieta, você
vai encontrar facilmente uma coxinha e Coca-cola. Normalmente, a Coca-
cola é mais barata que o suco. O sanduíche natural, você roda para achar.
Existe comida ruim e existe comida boa. Existem músicas boas e músicas
ruins. Existem músicas boas que ficaram ruins ao longo do tempo, existem
músicas ruins que ficaram boas ao longo do tempo. O que era brega no
passado hoje é cool. É muito rico, sabe, é como a língua, é muito vivo.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
Ao trazem a ideia do paladar para exemplificar a sua narrativa, o Professor 1 faz uso do
processo de associação análoga como uma forma de dar sentido às construções simbólicas sobre
um determinado objeto, fator esse também percebido por Duarte (2011, p. 65).
Nas falas que seguem, os professores apresentam suas visões de qualidade, destacando
as influências culturais regionais. Entretanto, vale destacar que estas concepções não se
dissociam das outras relações que fazem parte das construções de suas representações, como
observado na fala do Professor 2, quando vincula as suas concepções de música de qualidade
às características do seu trabalho artístico.
Ao falar das características que estão presentes em suas criações musicais, podemos
encontrar, além da letra, os elementos regionais que influenciam diretamente as
representações sociais que conduzem às suas concepções de música de boa qualidade.
Vale destacar que a importância cultural, outro fator relevante que surgiu na
compreensão das representações sociais de boa qualidade musical dos sujeitos pesquisados,
assim como as suas relações com a temporalidade, estiveram presentes nas narrativas de
alguns sujeitos, como na fala do Professor 5:
Rapaz, é muito difícil falar, por exemplo, música de qualidade, porque o que
é de referência de qualidade para mim [não] é o de qualidade para você,
né? Então, por exemplo, não tem como, bicho! Às vezes a gente usa esse
termo aí, qualidade, mas a gente está se referindo a outro tipo de coisa, por
exemplo, uma música que tem uma importância cultural, por exemplo, Asa
Branca, Asa Branca para mim é uma música que ela teve importância na
trajetória musical, no gênero musical, então isso é uma música importante.
Apesar que ela só tem três acordes, cinco notinhas, entendeu? Aí, você tem
também, por exemplo, uma música como Aquarela do Brasil, já tem um
178
Essa fala do Professor 2 traz uma série de elementos que apresenta como as
representações sociais de música abrangem diferentes espaços, formas, culturas e
sentimentos, envolvendo, com isso, aspectos ligados ao sentimento de “amor”, ao
“regionalismo”, a “letra”, bem como a “música popular” com características mais técnicas,
como observamos quando ele se refere ao tango, jazz, blues, bolero etc.
As relações estabelecidas com a visão mais técnica da música conduzem para a
compreensão de que as concepções de música de boa qualidade são estruturadas sobre
questões que envolvem equilíbrio dos elementos, uma estética mais “rebuscada”, bem como
um “maior” cuidado na produção. Estas relações podem ser percebidas na fala do Professor
4, quando ele destaca: “eu tenho uma teoria [musical], eu tento manter um equilíbrio que eu
179
gosto. Eu gosto para poder trazer uma coisa de uma qualidade melhor, né? (PROFESSOR 4.
Entrevista 1, 02 out. 2019). Identificamos este ponto também na fala do Professor 2:
Começo a escutar Guns [N’ Rose], daí eu evoluo para Metallica, Black
Sabbath, e vou me formando dentro do metal. Quando chega em 1995/1996,
mais ou menos, eu tenho contato com as bandas sinfônicas europeias. Aí,
vem… eu tenho contato com Nightwish, Lacrimosa, Afla Nedlend, que é de
Israel, Blarg Garden, que é da Alemanha. Então, era outro universo musical
dentro do Metal, que já era completamente diferente daquele do início. Aí, o
que é que tinha? Orquestra. Que faz a ponte com o quê? Com a
Universidade. Que eu estava pegando os discos lá na biblioteca, eu pegava
aquelas coleções compositores como material de estudo. Estudar as
sinfonias, estudava Mahler, Bartók, estudava esse pessoal para aprender
sobre eles. Por que Beethoven, Vivaldi, Chopin, Tchaikovski, os de sempre,
eu já ouvia. Eu queria aprender mais. Era mais como exercício do que uma
apreciação. E nisso daí, eu começo a ver elementos dentro do metal. Aí
pronto. Aí, uni o útil ao agradável. O metal que eu gostava com a parte mais
sinfônica que eu também gostava. E vim escutando esse som desde sempre.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
a sua prática cotidiana e geram uma identificação direta com a música. Desta forma,
observamos que as relações emocionais que envolvem a música não estão isoladas, pois
interligam aos diversos aspectos citados anteriormente, como música popular, os aspectos
culturais regionais, música folclórica, entre outros. Outro fator relevante são as questões que
envolvem a temporalidade, uma vez que destaca, como traço de qualidade, a importância
cultural que a música folclórica tem pela sua permanência no tempo, podendo promover
memórias afetivas em contraposição às músicas que assumem um caráter mercadológico.
Nesta mesma perspectiva, a fala do Professor 6 traz mais um elemento que se relaciona com
os aspectos emocionais para a compreensão das concepções de música de boa qualidade: a
conexão que a música tem com as questões íntimas e intuitivas ligadas ao sujeito. Podemos
perceber esta associação quando ele faz uma comparação entre a música popular e a música
erudita, destacando: a música [popular] é muito mais intuitiva, vem de dentro, do que
aquela coisa quadradinha, por isso que eu não gostava muito do erudito. Eu acho que não
gostava não, não gosto ainda. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Outro exemplo de sentimentos que envolvem as representações sociais de boa
qualidade musical pode ser encontrado na forma pela qual o Professor 3 descreve sua
relação com a música eletrônica, qual seja, através do contato com o instrumento
sintetizador, ainda na infância:
Eu tinha uns seis para sete anos. Rapaz, sabe como é que é tu ver aquele
brinquedo dos teus sonhos? Imagina, tu criança que gosta do espaço, e entra
em uma nave espacial. Pronto, era mais ou menos isso. Porque quando eu vi
um DX7, especificamente, o Kawaii, quando eu vi eu disse: “é isso aí que eu
quero tocar”. […] Quando eu toquei em um, […] que eu escutei o som, aquele
som bem espacial, é indescritível, assim. Eu não sei lhe explicar a sensação
qual é. Mas é uma coisa que toma conta inexplicavelmente, é uma sensação
que poucas vezes eu tive, [no] contato com o instrumento, de você bater a mão
assim, e dizer é isso. É isso que eu quero para mim, mesmo sem saber o que
era aquilo. E dizer que foi tomado de impacto assim. Toquei, escutei, olhei
para o tecladista, “como é o nome desse negócio”? Aí ele fez: “isso é um
sintetizador, isso é um Yamaha DX7”. Tanto é que há uns dois anos atrás, eu
enlouqueci atrás de um. Aí é… [minha esposa] fala muito que eu sou da
música do Roupa Nova. Eu compro o que a infância sonhou. Então, quando
eu tive condições, nem pestanejei, comprei um DX7. A primeira coisa. E hoje
eu sou lotado de sintetizadores. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
representado. Este relato traz, para a luz do debate, mais uma vez, a construção das
representações sociais a partir de um processo de ancoragem, que fica claro quando o
sujeito inicia sua fala descrevendo-se como uma criança que gosta do espaço sideral e se
sentiu em uma espaçonave ao ouvir o som do sintetizador. Como apontam Campos e
Rouquette (2003), o vínculo afetivo e emocional que o sujeito apresenta com a música
conduz para a construção de suas representações sociais de boa qualidade, que também
transitam pelas questões que envolvem o bem-estar, aspecto central de sua definição de
música de boa qualidade: [é uma música] que lhe cause algo bom, que você se sinta atraído
por aquilo. Se não tem isso, para mim é uma música de má qualidade. (PROFESSOR 3.
Entrevista 2, 14 out. 2019).
Para os Professores 4 e 5, as concepções de música de boa qualidade estão ligadas à
questão religiosa. Destacamos que as suas relações com a música evangélica estão
diretamente ligadas às suas representações sociais construídas através das interações que
ocorreram nos espaços das igrejas e em todos os contextos em que estas práticas estão
inseridas. O Professor 4 destaca: Pelas minhas atitudes eu tento mostrar, e tento fazer eles
verem que: eu não chamo palavrão, que eu gosto de cantar música evangélica, sim.
(PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). Essa fala evidencia que a sua concepção de boa
qualidade musical, que circula nesta esfera da música religiosa, estava relacionada às questões
que envolviam o seu cotidiano, bem como suas relações familiares que foram fundamentais
para a construção dos conhecimentos que configuraram as suas representações sociais desde a
infância, como vimos anteriormente no item 4.1.1.
Nessa mesma perspectiva, o Professor 5 apresenta a sua ligação com a música religiosa no
período da infância e adolescência, vinculada diretamente ao repertório musical da igreja:
66
O Oficina G3 é um grupo musical que surgiu na década de 1990, que produz suas músicas com temas cristãos,
utilizando o ritmo do rock como principal influência musical. Disponível em: http://oficinag3.com.br/bio/
Acesso em: 04 julho 2020.
67
“Catedral é uma banda brasileira de pop rock/MPB rock formada no Rio de Janeiro em 1988. Iniciou sua
carreira no mercado gospel e se tornou um dos grupos mais famosos do segmento. É conhecida por possuir
uma mensagem cristã descomprometida, além de falar de temas como amor e política”. (LETRAS, 2020).
Disponível em: https://www.letras.com.br/catedral/biografia. Acesso em: 12 jul. 2020.
183
Gráfico 24 – Ligações dos termos relacionados às concepções de música de boa qualidade – Análise
de similitude (IRAMUTEQ).
boa qualidade está interligada a gêneros musicais que possam se associar a estes elementos
periféricos e às demais conexões que possam surgiu a partir deles, como: “música
popular/MPB/boa letra”, “música popular/MPB/senso crítico”, “música popular/que tem
valores/estética”, “música popular/que tem valores/variação rítmica”, “música popular/big
band/improvisação”, “música popular/que tem valores/importância cultural”, entre outros.
Assim, a centralidade das representações sociais de boa qualidade musical estabelece-se
através dos diálogos recorrentes que circundam o objeto simbólico música. Estas conexões
– e as demais que dela derivam – só reforçam a ideia de que a construção de uma
representação social não se dá de forma isolada: ela perpassa por diversos caminhos,
sentidos e significados que são associados a um objeto simbolicamente representado.
Muitas vezes, isto requer um esforço para assumir riscos e gerar mudanças, principalmente
quando construímos uma imagem negativa do outro. (MOSCOVICI, 2015. p. 64).
Encontramos um exemplo na fala do Professor 3:
Tive uma experiência, não posso dizer traumática, aprendi um bocado com
uma banda de pagode, por incrível que pareça. […] Claro que eu fui cheio
de preconceito. Fui por causa do dinheiro que iriam me pagar. Fui cheio de
preconceito? Fui. Mas me deu muita coisa que hoje eu aproveito. Primeiro,
o aprendizado rítmico. Que eu não tive na minha formação, que é o contato
com os instrumentos de percussão, tudo isso que eu não tinha. [...] É um
universo que eu não fazia parte. Então, tive esse contato que hoje eu uso na
escola. Isso realmente faz diferença para os meninos hoje. Tive os primeiros
contatos com as danças de swingueira. Que também, cheio de preconceito,
olhava aquilo atravessado, […] e lá eu começo efetivamente a utilizar os
sintetizadores ao máximo. Porque muita gente não percebe, mas dentro da
swingueira, do período de 2013, existe muita linha de sintetizadores e os
samples, que as pessoas às vezes não conseguem perceber, acham que é só
uma brincadeirinha, e não é. É coisa séria. E para fazer dá um trabalho
danado. Então assim, eu tive um contato pesado para sintetizadores que eu
nunca imaginei que eu fosse ter lá dentro da música. Eu realmente não
imaginava [isso] dentro da música brasileira, especificamente, dentro do
pagodão e da swingueira. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Essa fala é interessante, uma vez que apresenta uma mudança de representação
social a partir dos processos de objetivação e ancoragem (JOVCHELOVITCH, 2011;
LEME, 1993; MOSCOVICI, 1976, 2015; SAWAIA, 1993). Pudemos observar as relações
que estruturaram uma nova visão de qualidade musical pela objetivação, à medida que essas
novas vivências trouxeram para seu universo elementos da música popular ligadas aos
ritmos percussivos através do pagode. Por outro lado, pudemos identificar as construções
dessas novas representações através do processo de ancoragem, uma vez que ele passou a
186
Ao observar a Tabela 12, percebemos que ela apresenta alguns traços capazes de
conduzir para uma análise consistente sobre as concepções de músicas de má qualidade que
são apresentadas pelos sujeitos pesquisados. Nesse processo, percebemos seis eixos que
permeiam suas narrativas e apareceram como indicadores dessas concepções na visão dos
professores. Desta forma, podemos destacar que estas percepções não surgem a partir de um
olhar isolado, elas se ancoram em elementos simbólicos historicamente construídos e
culturalmente consolidados por suas relações sociais, através de aspectos que foram
coletivamente negativizados. Diante disso, podemos compreender que a edificação destas
concepções de má qualidade parte de relações opostas que antagonizam o que é identificado
como bom, como positivo pelos sujeitos, e, com isso, passam a estruturar seus espaços de
representação sobre aspectos que são compreendidos como negativos por estes professores.
Estes eixos estão relacionados a alguns aspectos que envolvem baixa técnica, mal-estar, letra
ruim (depreciativa), erotização (sexo), sem importância cultural e o gênero musical funk.
Um aspecto interessante que identificamos ao observar essa análise – através de uma
ótica que indica uma oposição ao que os professores mencionaram como de boa qualidade –
foram as citações que falaram da técnica, da letra, do bem-estar e da importância cultural,
como podemos perceber na fala do Professor 3, quando ele destaca a música de má qualidade
como sendo uma música que tenha pouca variação rítmica (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14
out. 2019). Outros aspectos mencionados foram os apresentados pelos Professores 1 e 5, que
indicaram a de má qualidade como sendo uma música de consumo, ou música da indústria
cultural, como definiu o Professor 3. As concepções ligadas ao mal-estar, a aspectos negativos
188
foram observados nas falas dos Professores 3 e 6, quando destacam música de má qualidade
como aquilo que traz mal-estar (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019); ou que traga
pensamentos ruins (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Um ponto que merece
destaque foi a menção de música de má qualidade associada à letra, uma vez que esta fez
parte do discurso de todos os sujeitos entrevistados, como podemos observar nas falas do
Professor 1 quando destaca as letras que falem de cachaça […] (PROFESSOR 1. Entrevista
2, 16 out. 2019) e o Professor 5 que aponta as letras que falem palavrões (PROFESSOR 5.
Entrevista 1, 19 nov. 2019). Outras duas concepções de má qualidade musical que foram
apontadas foram relacionadas ao sexo e ao funk. Vale destacar que o funk e seus derivados
foram os únicos gêneros musicais citados nas narrativas. A menção relacionada às músicas
que trazem temas sexuais foram apontadas nas falas dos Professores 1, 2, 3 e 4, como
podemos observar quando os professores reconhecem má qualidade musical em letras que
falem da questão sexual (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019), ou em músicas que
envolvem erotização (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Já o funk, citado nas falas
de quatro dos seis entrevistados, apresentou uma forte relevância nos discursos que destacam
uma concepção de má qualidade musical. Podemos observar isso nos exemplos expostos
pelas falas dos Professores 2 e 4 quando eles destacam: o funk para mim é uma virose
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019), ou eu não canto funk (PROFESSOR 4.
Entrevista 2, 13 dez. 2019). Estas falas, indicam de forma direta uma percepção negativa do
gênero musical funk que mantém uma conexão com os elementos que o compõe, como a letra
e a dança. Desta forma, a concepção de música de má qualidade apresenta uma associação de
fatores comuns em torno da estrutura musical do funk que coloca a indicação desse gênero,
associado a outros fatores, como sendo o núcleo central das representações sociais da música
de má qualidade apresentada pelos sujeitos entrevistados no contexto desta pesquisa. Como
podemos perceber na apresentação do Gráfico 25.
189
Gráfico 25 – Relação das músicas de boa qualidade apresentadas pelos professores – Nuvem de
palavras (IRAMUTEQ)
68
Para Guedes (2007, p. 78) o Funk Proibidão é conhecido como “um subgênero do funk que faz apologia ao
narcotráfico com exaltação das façanhas criminosas e violentas, e expressa o ódio e a morte dos seus
inimigos: a polícia e as facções rivais”.
190
relacionada ao fato de uma música com “baixa” qualidade técnica, como podemos observar
na fala do Professor 3.
Essas representações são reforçadas à medida que ele destaca em seu discurso uma
concepção de má qualidade associada à pobreza de elementos musicais, quando cita o
“Passinho”69, um gênero musical derivado do funk, em uma perspectiva de exposição crítica
reflexiva para os estudantes.
Nessa fala, o termo passinho, citado pelo Professor 3, vai além da compreensão desta
expressão como dança, onde ele o traz para o campo da música a partir dos ritmos ligados ao
funk, como o brega funk, que está tomando conta das periferias de todo Brasil, e o proibidão.
Desta forma, podemos destacar que ao considerar o passinho como sendo pobre, através esta
associação com a orquestra, o professor apresenta também uma concepção negativa do
passinho através da técnica musical aplicada. Porém, ao expor, de forma direta, as suas
concepções de má qualidade musical, este professor enfatiza: má qualidade para mim, funk
proibidão. Ele vai no popular do que os meninos estão vendo. Funk, proibidão, passinho.
(PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019). A explicitação dessa fala evidencia a sua visão
de má qualidade musical associada ao funk e às estruturas musicais que derivam deste ritmo.
Ao trazer a dança, associada ao funk, para o espaço das discussões que envolvem as
representações sociais de música de má qualidade, destacamos a fala do Professor 2, uma vez
que ele traz esta relação entre a música do funk e a sua dança em uma concepção negativa.
69
O passinho é uma forma de dança legítima que faz parte da expressão cultural do funk carioca contemporâneo
e que, segundo Nascimento (2017, p. 39), transita entre a aceitação e a negação por parte de grupos sociais.
Atualmente, associado a uma das variações do funk, o brega funk, o passinho rompeu as fronteiras dos morros
carioca e ganhou espaços nas periferias das regiões metropolitanas de todo o país. O passinho “ganhou grande
visibilidade na mídia nacional, foi considerado Patrimônio Cultural do Rio e chegou a ser apresentado na
abertura das Olimpíadas em 2016 e no show de Beyoncé durante o Rock In Rio de 2013”. (BENTO, 2019).
191
Realmente, isso me incomoda. Eu não vou mentir, a dança do funk, eu não acho
uma dança elegante, por exemplo. Eu não acho. Eu não acho. Pode dizer que
eu sou preconceituoso, que eu sou moralista. É uma questão pessoal, eu não
acho interessante. Não me atrai. Eu não me sinto atraído por esse tipo de
dança. Eu acho vulgar. É meu ponto de vista. As gesticulações deixam bastante
claro que é apologia apenas ao sexo. É o sexo posto da mesa, na maioria dos
casos. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
(PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). Estas duas falas que foram as mais explícitas,
estão diretamente interligadas a uma construção socialmente partilhada que é constantemente
difundida sobre o gênero musical funk como podemos observar em alguns trabalhos que
abordam este tema (RODRIGUEZ, 2011; SIQUEIRA; 2015; PONTES; RIBEIRO, 2016).
Vale destacar que a esta representação social que reconhece o funk como uma música
de má qualidade se fortalece na medida em que uma onda de conservadorismo avança no
cenário atual em que vive a sociedade brasileira.
Desta forma, essa visão do funk que se fortalece como uma música de má qualidade, faz
parte de uma construção social enraizada em suas representações sociais que podem ser vistas
em diversos contextos, não apenas entre educadores musicais, haja vista que, em uma pesquisa
rápida pela ferramenta Google, podemos verificar que o funk atualmente conta com diversas
petições públicas que juntas já coletavam 1.263 assinaturas eletrônicas, até o momento desta
pesquisa, pedindo a criminalização do funk70. Esta visão negativizada do funk, que é
socialmente partilhada por diferentes grupos, muitas vezes ligadas a esta visão conservadora,
passou a ganhar tanta força no atual cenário político e social brasileiro – que além de petições
públicas pedindo a sua criminalização – ainda contou com uma Ideia Legislativa, que por ter
tido mais de 20.000 assinaturas, foi transformada em Sugestão71 (BRASIL, 2017). Esta
Sugestão, que visava criminalizar o gênero musical funk “como crime de saúde pública à
criança aos adolescentes e à família”, durante o período que esteve sob análise tramitando no
senado contou com 52.858 assinaturas eletrônicas para transformá-la em Projeto de Lei (PL)72.
Desta forma, podemos afirmar que o funk é alvo de ataques por diversos segmentos sociais,
uma vez que esse gênero traz consigo uma série de aspectos históricos e sociais que apontam
que o preconceito que existe sobre ele vai além das suas músicas.
Outras visões que envolvem o funk e que contribuem para a construção de suas
representações sociais como uma música de má qualidade por parte dos entrevistados, estão
nas associações que são feitas e que envolvem suas letras, como podemos observar nas falas
dos Professores 2 e 3.
70
Petições públicas criadas na internet com o objetivo de coletar assinaturas para criminalizar o funk.
Disponíveis em: https://www.change.org/p/presidente-jair-messias-bolsonaro-pela-
criminaliza%C3%A7%C3%A3o-do-funk ; https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=100FUNK ;
https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR108754 ;
https://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/36260; Acesso em: 16 jul. 2020.
71
Sugestão n° 17, de 2017. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/129233 Acesso em: 19 jul. 2020.
72
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu e decidiu não transformar a sugestão em projeto de lei, visto
que a comissão entendeu ser a matéria contrária à cláusula pétrea da Constituição Federal (art. 60, §4º, IV, que
proíbe qualquer redução dos direitos e garantias individuais previstos no art. 5º). (BRASIL, 2017).
193
Eu não acho que o que tem de errado na música seja o ritmo. Não é o funk que
é... que tem algo de errado, não. O que a gente tem que fazer[é] uma análise ao
conteúdo que geralmente é colocado no funk, ou seja, a letra das músicas, né?
Então, a gente precisa refletir sobre isso. Porque isso é uma questão de...
quando você não respeita o outro... é complicado você querer receber respeito
se você não respeita o outro, né? […] A gente vê um país afundando com tanta
coisa ruim, tanto sofrimento, eu acho de um egoísmo muito grande de você
chegar, sabe? Fazer uma musicazinha para a galera pular, para dançar, bicho,
olha, sinceramente eu acho isso animalesco, eu acho isso bizarro, eu acho isso
de um egoísmo, sabe? São pessoas extremamente... essas pessoas não vão
mudar em nada nesse país, essas pessoas não vão contribuir com nada.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Nessa fala do Professor 2, percebemos uma relação de oposição que passa a conduzir,
também, suas visões de música de má qualidade à medida que ele destaca termos que são
relevante para a discussão, como “musicazinha” e “animalesco”. Entretanto, um ponto
interessante presente nessa fala é o fato de esse professor declarar que o que ele identifica
como “errado” no funk não é o ritmo, mas os elementos que envolvem seus conteúdos. Desta
forma, o ritmo do funk ao ser reconhecido como objeto simbólico musical pode ser aceito,
porém, as mensagens presentes em suas letras que transmitem conteúdos que vão de encontro
aos aspectos morais vigentes na sociedade atual, é o que qualifica este gênero como sendo de
má qualidade na visão dos sujeitos entrevistados.
A fala do Professor 3 traz, para a luz do debate, que a sua percepção negativa sobre o
funk está muito mais relacionada às questões sociais que envolvem este gênero:
Social, é mais social, porque tecnicamente ele, na minha visão, ele vem
perdendo elementos. Está ficando cada vez mais simples e está ficando cada
vez mais pobre o contato dos meninos com os elementos musicais devido
essa música, mas o que pesa mais nesse fator é o social que envolve
erotização, letra, tudo isso. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).
Por exemplo, o cara trouxe um dia desse um brega funk, “professor bote aí
para a gente escutar”, aí eu botei, só botei no início. Aí eu disse: “Ei bicho,
essa música não dá não para a gente colocar em sala de aula não. Leia, recite
só a letra aí para gente”. Aí ele fez: “ah, professor não vou recitar não. Ôxe, é
muito palavrão, muita coisa”. [Eu disse:] “Oxente, mas escutar você
escuta?” É tipo assim, quando está com uma música a letra está de boa, mas
se eu for só falar o que é que a letra diz, “epa, aí para, eu estou chamando
palavrão”. Entendeu? (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
Nessa fala, percebemos que a letra se configura como o principal elemento periférico
que dá sustentabilidade para que o funk possa permanecer como núcleo central das
representações sociais de música de má qualidade. O interessante nessa narrativa é que ela
aponta que a relação com a letra perpassa as visões individuais lançadas pelo professor, uma
vez que os próprios alunos não se sentem à vontade para expor a letra da música que eles
mesmos vivenciam. Como dito antes, a fala do Professor 6 também revela estas relações
quando ele apresenta uma reação contrária ao funk devido ao teor da mensagem transmitida.
Às vezes eu gosto também de pegar uma música e deixar a música tocar, deixar que eles
aproveitem. Porque o que eles trazem, às vezes, eu veto, é intocável. Não pode tocar no
aparelho de som, não dá para colocar na escola não. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov.
2019). Ao ser perguntado sobre um gênero, ou nome de algum artista, o entrevistado
destacou: Rapaz, como exemplo, tem os artistas daqui mesmo que agora não lembro, mas que
eles falam, [são] daqui de João Pessoa73. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019). Vale
destacar que mesmo não usando diretamente o termo funk em sua fala, pudemos reconhecer a
relação com este gênero por ele ter indicado que estava falando de artistas locais que
produzem suas músicas ligadas ao movimento funk, como o batidão ou brega funk.
Outras representações sociais que surgiram nas narrativas e que apresentaram
indicadores de música de má qualidade, porém um pouco mais afastadas do núcleo, foram as
músicas relacionadas à indústria cultural, como podemos observar nas falas dos Professores 1
73
Diante do fato de o Professor 6 não recordar nomes de artistas, mas ter apontado para artistas locais,
perguntamos pelo nome de Gil Bala, uma vez que este é um dos artistas locais – que produz músicas com
batidas fortes derivadas do funk, pancadão e brega funk – que teve sua música amplamente difundida nos
últimos anos, principalmente nas regiões periféricas.
195
A gente tem uma série de músicas que você sabe que é feita... que a gente
chama [de] música para a indústria cultural, entendeu? É uma música que...
não tem a intenção de… trabalhar a realidade cultural. É uma música para
vender, entendeu? […] 90% da música que está aí é para gente com essa
perspectiva. É uma música que é para vender. Então, não é uma música que
vai provavelmente... daqui a cinco anos ninguém vai nem lembrar. [Se]
perguntar a música de carnaval, de cinco anos atrás, acho que ninguém nem
lembra mais que passou. […] Então, por exemplo, eu vou comparar uma
música Asa Branca, com as músicas que tem hoje, tem música hoje de forró
de plástico bem elaborado, mas não teve a função cultural que teve [Asa
Branca], entendeu? Então, é mais nesse sentido aí. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).
74
O debate sobre a associação entre funk e violência atravessa a década e, em 1995, foi criada a primeira
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a relação entre funk e tráfico de drogas, o que gerou
a proibição de diversos bailes. O funk passou a ser vinculado à Secretaria de Segurança Pública desde então.
Somente em 2009, a Lei Álvaro Lins (5.625/2008), que restringia a realização de bailes funks no Estado, foi
revogada, passando a vigorar a Lei 5.543/2009, que reconhece o funk como movimento cultural.
(RODRIGUES; SODRÉ; ARRUDA, 2011, p. 418).
198
Essa fala apresentada pelo Professor 3 mostra-nos diferentes relações que compilam as
concepções que são lançadas sobre o objeto simbólico funk, como erotização, tipo de
vocabulário, degradação social, além da questão da técnica. Ela revela que as concepções
podem estar relacionadas às variadas condições que os sujeitos estabelecem sobre o objeto
representado. O que o sujeito pode considerar como música de boa qualidade pode ser
condicionado às relações sociais ligadas à música e à finalidade que se pretende atingir com
ela. Desta forma, podemos compreender que a construção de uma representação social nunca
nasce de um único ponto; ela se estabiliza através dos vários diálogos, vivências, processos
etc., que envolvem os sujeitos que estão incorporados em uma sociedade.
Reconhecer as concepções de música dos professores fez-nos perceber como essas
relações se estabeleceram ao longo da vida, através da identificação dos significados
atribuídos à música dentro de uma estrutura que estabelece determinados valores simbólicos a
um objeto. Diante da identificação dessas concepções, percebemos como foram sendo
inseridas e consolidadas através das interações que os professores tiveram com o objeto de
representação música ao longo de suas vidas. As concepções de música estabelecidas a partir
da construção simbólica do amor, do sentimento, da técnica e do dom, identificadas como
elementos centrais que dividem os espaços imagéticos das representações sociais dos sujeitos,
evidenciam que a música não tem um único significado, pois está entrelaçada nas diversas
estruturas simbólicas construídas socialmente pelos membros da sociedade que partilham de
visões distintas sobre o mesmo objeto, mas que conectam e correlacionam suas percepções
com as demais visões compartilhadas no mesmo espaço da sociedade.
A concepção de amor nos remete à ideia de proximidade, afinidade e de intimidade no
relacionamento que cada membro tem com a música e como ela está presente nas relações
pessoais que eles vivenciam e compartilham seus sentimentos. A concepção de música como
vida permite reconhecer que essa relação é amplificada ao ponto de atingir níveis simbólicos
associados à própria existência. Identificar a música como algo vital, relacionada ao alimento,
199
à energia, ao ar, ou a algo tão mais intenso como correlacionar a música com a sua própria
vida revela uma visão, de certa forma, “romantizada”, mas que nos apresenta o objeto música
dentro de um espaço íntimo que é compartilhado socialmente. Ver a música como algo
fundamental para a vida, fez-nos perceber que a construção do objeto música passa pela
organização de símbolos que se estabeleceram como algo substancial e existencial.
Outras duas concepções que surgiram dividindo espaço na centralidade das
representações sociais dos sujeitos pesquisados foram a visão de técnica e de dom. Mesmo
parecendo opostas por natureza, uma vez que a técnica é conhecida como algo que parte de
uma construção solidificada por questões que envolvem repetições, estudos, aplicação na
música, entre outros – que podem ser almejadas e atingidas por qualquer indivíduo que se
proponha a investir esforço e tempo na aquisição desses conhecimentos –; e o dom é
percebido como algo inato, divino, transcendental, mágico que faz parte de uma condição
“privilegiada” na construção desse conhecimento, como percebido por Loiola (2015, p. 91)
quando destaca, em sua pesquisa, que a visão do dom pode ser vista tanto pela capacidade
inata de aprender quanto de ensinar música. “Portanto, o dom e o talento [musical] são
representados como uma facilidade dos vocacionados para o ensino e para a aprendizagem
musical, mas, segundo os professores, necessitam ser desenvolvidos e aperfeiçoados pelo
estudo e dedicação” (LOIOLA, 2015, p. 92). Desta forma, compreendemos que as concepções
de técnica e dom passam a dividir os mesmos espaços sociais diante da representação
simbólica do objeto música, e que estas percepções distintas do mesmo objeto consolidam os
conhecimentos presentes nas representações sociais desses professores.
Diante dessas concepções sobre o objeto símbolo música, direcionamo-nos para
reconhecer as representações sociais que contribuíram para a atribuição de valor ao objeto
música sob a ótica de música de “boa” ou “má” qualidade. Diante disso, pudemos perceber
que essas concepções de valor dialogam diretamente com representações simbólicas
atribuídas ao objeto música dentro de um olhar relacionado com os grupos aos quais os
sujeitos estão inseridos. Na identificação dessas representações, podemos perceber que a
relação entre os opostos – boa ou má qualidade – é estabelecida a partir das representações
que os indivíduos têm de si e das representações que eles constroem do outro (MOSCOVICI,
2015). Dessa forma, os valores passam a ser atribuídos pelas relações de proximidade que
cada grupo tem como determinado objeto. O que pertence a um e não pertence ao outro passa
a possuir valores distintos em suas representações, como podemos observar em todos os
campos que envolvem as relações sociais.
200
Partindo dessas ótica, pudemos notar que a concepção música de boa qualidade, que
teve sua centralidade apresentada na música popular conectada à boa letra, estava associada a
valores considerados positivos pelo grupo, como a mensagem que essa música traz e suas
relações com os aspectos afetivos e emotivos, construídos em ambientes como família, igreja,
escola etc., ou relacionados a mensagens que envolvem os sentimentos, o olhar crítico e as
visões de mundo que essas músicas transmitem através de suas letras, bem como a
importância cultural e os elementos técnicos construídos a partir dos processos de informação
musical, entre outros. Por outro lado, a música de má qualidade revela suas características nas
visões opostas de mundo por membros da sociedade em diferentes grupos. Dessa forma, essas
construções simbólicas que imputam um valor negativo à música são percebidas através das
relações com as mensagens negativas atribuídas às suas letras, à indicação de baixo
desenvolvimento técnico, à baixa importância cultural pelas relações com o mercado, entre
outros. Diante disso, podemos compreender que as concepções de música de má qualidade
presente nas narrativas dos professores entrevistados direcionaram-se ao gênero musical funk,
sendo associadas à percepção de letra ruim como um elemento que caracterizou o núcleo
central de suas representações sociais. Sendo assim, podemos concluir que essas concepções
de música são conduzidas diante das construções simbólicas estruturadas pelos
conhecimentos acumulados ao longo da vida de cada sujeito. E é nessa relação entre figura e
significados (MOSCOVICI, 1979) que essas representações emergem, possibilitando, assim,
as formações de imagens, nomes e formas que são atribuídas ao objeto representado.
201
criticidade, entre outros, como nos exemplos das narrativas da maioria dos professores:
Mostrar um funk aqui […] que fala de valores (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019); O
que é que se propõe a letra […] (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020); Músicas que
digam alguma coisa para eles (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Vale lembrar que
esta relação com a letra se apresenta de forma intensa, uma vez que se manifestou também ao
abordarmos as concepções de música de boa qualidade. Outros aspectos que apareceram de
forma muito intensa nas falas dos professores foram os que envolvem as aulas específicas de
música. Estes tiveram suas associações com indicadores como o contato direto com
instrumentos musicais, aulas de instrumento, elementos musicais, história da música, entre
outros. Estas correlações podem ser verificadas nas falas da maioria dos professores, como
nos exemplos que seguem: aulas de músicas de fato (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set.
2019); Existe o conteúdo formal de música. […] isso deveria ser apresentado (PROFESSOR
3. Entrevista 1, 27 set. 2019); Trabalhar a questão de ritmo também, dos elementos
(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2019); Mais contato com uma música, com
instrumento musical (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Outras conexões que são
explicitadas indicam uma ligação com a perspectiva do desenvolvimento de um trabalho
voltado para a música popular, através das menções aos ritmos, às danças, aos movimentos
culturais, entre outros. Estas ligações podem ser percebidas nas falas de cinco dos seis
professores, como podemos verificar na fala do Professor 1, quando destaca que é muito
válida essa questão de pensar a música popular (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019);
ou do Professor 2, quando aponta para a importância da valorização da música local. Os
ritmos brasileiros (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019); ou do Professor 3, quando
indica que os meninos poderiam a ter um contato maior com a música através da dança
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019); ou do Professor 5, que direciona para a
perspectiva de se trabalhar um artista, aí o artista pode fazer samba, funk, tal, entendeu?
(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020). Ou ainda quando o Professor 6 destaca a
possibilidade de realizar trabalhos com a música mais clássica do universo popular brasileiro
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Outro aspecto que esteve presente nas narrativas foram as questões que envolvem as
vivências musicais dos alunos. Estas tiveram suas conexões com o tipo de música vivenciada
na família, com as expressões da dança, com as músicas que fazem parte das suas playlists
etc. Neste sentido, os professores destacam que o trabalho musical deve tocar o que vivenciou
na família (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019); ou valorizar mais o que o aluno está
204
querendo (PROFESSO 2); ou ainda que devem ser abordadas as relações com as músicas
ligadas às danças, como salienta o Professor 3, o que eles querem dançar é o passinho
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019); e também aquela coisa do funk, das coisas dele
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Um dos pontos significativos que foram
abordados, e que merece destaque nas narrativas, foi a perspectiva de trazer para o
desenvolvimento dos trabalhos musicais uma aproximação com os mundos musicais alheios
às vivências dos alunos. Esta busca por apresentar “músicas novas” está relacionada com a
perspectiva de introduzir novas escutas, que possam ir além das músicas vinculadas nos meios
midiáticos, como rádio, TV, YouTube, entre outras plataformas. Podemos constatar estas
relações nas falas dos Professores 1, 2, 3, e 5, à medida que destacam que o trabalho musical
deve mostrar para o aluno que não é só o que toca no rádio ou o que aparece no YouTube
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019); ou Expandir também, para outras músicas
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019), bem como apresentar Coisas que eles sozinhos
não iriam descobrir (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019). Ou ainda estabelecer laços
que consigam promover uma relação que unifique diferentes mundos musicais, como na fala
do Professor 3, quando destaca consegui unir os dois mundos (PROFESSOR 3. Entrevista 1,
27 set. 2019). Já a música religiosa – que associamos a termos como “sacra”, “gospel”,
“evangélica” e “da igreja” – também foi um dos pontos que recebeu destaque por quatro
dentre os seis professores entrevistados. Podemos verificar essas relações em falas como as do
Professor 2, quando refere que aborda em seu trabalho temas como arte sacra, música sacra,
a Idade Média (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019). Ou ainda na fala do Professor 4,
ao indicar que trabalha com música secular e música de igreja [...] (PROFESSOR 4.
Entrevista 2, 13 dez. 2019), bem como na fala do Professor 5, quando afirma o interesse em
trabalhar as músicas das igrejas com eles [os alunos] (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov.
2019). A partir das indicações apresentadas na análise da Tabela 13, identificamos três
aspectos que mantêm uma relação de centralidade, presentes nas representações sociais das
concepções de música que os professores entrevistados consideram importantes para serem
trabalhadas no ambiente escolar. Os três aspectos que se destacaram, dividindo esta
centralidade, foram a “letra das músicas”, as “aulas específicas” e a “música popular”, como
podemos observar na distribuição hierárquica destas relações expostas na análise do Gráfico 27.
205
Gráfico 27 – Relação dos aspectos considerados importantes para serem trabalhados nas aulas de
música – Nuvem de palavras (IRAMUTEQ)
75
Trecho adaptado pelo autor para poder adequar a estrutura da narrativa.
207
conhecimento mais significativo, direcionado pela ótica de que, através do contato direto com
o instrumento, o aluno passa a associar o conhecimento de forma mais consistente.
Outros aspectos que foram identificados estiveram presentes nas falas do Professor 3,
quando destaca suas concepções de técnica musical, da educação formal, como uma
perspectiva que deva ser abordada nas aulas de educação básica.
Podemos compreender que essa fala não traz apenas as indicações de aspectos
considerados importantes para o desenvolvimento das aulas de música na educação básica.
Ela se ancora em uma relação direta com as estruturas formais de aprendizagem musical
percebidas como importantes na construção de suas próprias representações sociais de
música. Neste sentido, podemos compreender que estas concepções são pautadas em questões
que transitam por discursos simbólicos que foram estruturados e solidificados pelos diversos
processos formativos pautados em perspectivas técnicas que fizeram parte de sua formação
como músico e como professor de música. Diante disso, podemos notar que o olhar lançado
para o processo educativo musical passa a sofrer influências dessas estruturas mais tecnicistas,
historicamente idealizadas, sobre práticas musicais que envolvem habilidades específicas.
Nesta fala, podemos observar claramente uma relação direta entre aulas práticas de
música e espaços específicos para o seu desenvolvimento, perspectiva também observada em
Westrupp (2012, p. 70). Diante disso, reconhecemos que as suas representações sobre a aula
de música são pautadas em uma construção simbólica pré-estabelecida e solidificada sob a
ótica música/instrumento, fazendo com que o professor mantenha uma visão distante da
aplicabilidade das aulas práticas de música na estrutura educacional da educação básica. Já o
Professor 6 tem sua fala sobre o local como um dos aspectos considerados importantes na
perspectiva do desenvolvimento das atividades em harmonia com outras disciplinas no
ambiente escolar:
A gente teria que ter um local específico para a aula de música. Se você não...
se não pudesse ter o instrumental, […] eu não acredito que esse instrumental
seria muito problema, o problema é o professor de música ter o seu local e ter
especificamente professor de música. […] mas quando eu falo de local, uma
sala, mas que seja um local afastado da sala de aula normal, ou pelo menos
tratada acusticamente, porque não vai atrapalhar as outras [aulas]. […] Eu
pegava os instrumentos da banda marcial, que ficava bem distante, mas o
209
pessoal ainda começou a reclamar: “professor, está muita zoada, não sei o
quê”. Tentei fazer percussão corporal, às vezes eles gostavam, mas depois
dizem: “professor, hoje não vai fazer isso, não. Por que o senhor não bota um
funk aí para a gente escutar?” Tentei botar um funk, mas depois foi
desestimulando. [...] Aí parei e disse: “olha, não dá, não tenho local, não tem os
instrumentos […]”. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019).
Nesse trecho, o Professor 6 destaca a importância do local como uma estrutura básica
para o desenvolvimento das aulas, uma vez que apresenta a ausência de um local específico
como algo que gera problemas na organização da instituição escolar. Assim como o Professor 2,
ele também apresenta uma relação entre o espaço e as práticas instrumentais sobre a perspectiva
do lugar “adequado”, à prática instrumental e à propagação do som no ambiente escolar.
Vale destacar que a abordagem do Professor 5 traz um olhar voltado para o trabalho
musical pensado para a educação básica associada, diretamente, às letras das músicas. A
indicação do uso de atividades musicais envolvendo a construção de paródias apresenta-nos
uma ligação entre o uso da letra e as estruturas musicais específicas. Outros olhares lançados
sobre as letras das músicas que podem ser compreendidos como aspectos importantes diante
das concepções dos professores podem estar conectados às representações sociais do próprio
210
ambiente escolar, seus acordos, suas normas, suas estruturas já consolidadas ao longo de sua
existência.
A gente opta por canções que não... que não têm esses temas, né? Mesmo
sabendo que alguns pais escutam música de cangaia77, de cachaça, de tudo.
E a música dele é essa. E não vai cantiga de roda nem a pau. Por exemplo,
dentro de casa, mas é o que a escola... a gente enquanto escola tenta fazer a
nossa parte, né? (PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019).
Eu procuro chegar, quando eu vou trabalhar uma música, “Olha gente essa
música aqui, ela passa essa mensagem, o que é que vocês acham disso”? E
tem funcionado, tem aula que eu tenho dado, assim, falando sobre isso, que os
76
A palavra “rapariga”, que nos dicionários de língua portuguesa significa jovem do sexo feminino, moça,
menina, apresenta no contexto informal regional outro significado. Neste contexto, a utilização regionalizada
e pejorativa de “rapariga” significa prostituta.
77
O termo “cangaia” é uma expressão informal, usada no Nordeste brasileiro, derivado da palavra “cangalha”.
Entretanto, no contexto da narrativa, “cangaia” refere-se a uma outra expressão conhecida coletivamente pela
população local como indicação de traição conjugal. Exemplo: “levou uma cangaia”, ou seja, foi traído.
211
alunos chegaram batendo palma assim: “Professor, que massa, não sei o
quê”. Então, isso é muito importante, a gente ter essa consciência de valores,
de ética, assim. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Esta visão trazida pelo Professor 2 pauta as letras das músicas como um elemento de
reflexão, reconhecendo este aspecto como uma ferramenta importante para a promoção de um
olhar crítico sobre o objeto música. Desta forma, a relação com a mensagem através da letra
divide os espaços de representação social com as aulas específicas – que têm por base a
prática instrumental – como os aspectos considerados importantes em um trabalho musical na
escola. Mas vale ressaltar que essa abordagem que coloca a letra das canções como sendo um
dos aspectos relevantes também pode promover um distanciamento com a vivência musical dos
alunos e suas práticas musicais cotidianas, como podemos perceber na fala do Professor 4:
Depende do funk. Qual é o funk? “Não! Aqui a gente não canta” […]
Quando termina minha aula: [os alunos falam] “tio, bota aquela música”.
“Não, esse aqui é proibido, essa não toca não, só as outras, essa não
toca”. Não toco, não estimulo […]. Posso estar errado, mas botar, eu não
sei. Mas é a forma que eu trabalho, é como eu vejo. (PROFESSOR 4.
Entrevista 2, 13 dez. 2019).
Um ponto interessante que podemos observar nesta fala está destacado na aversão à
música do passinho. Entretanto, na sequência de sua fala, o Professor 3 informou que acabou
buscando elementos capazes de dialogar e possibilitar o trabalho com a música dos alunos
através de estruturas comuns às duas realidades. Este direcionamento, pauta-se em um
processo que busca conversar entre grupos opostos através de um processo de ancoragem que
212
identifique similaridades que possam quebrar o antagonismo entre as partes. Esta busca por
um diálogo entre a música do professor e as músicas dos alunos corroboram a perspectiva de
“sacrifício” (DUARTE, 2011), na medida em que o professor passa a buscar mecanismos e
estratégias para reduzir o seu distanciamento pessoal com as mensagens presentes nas letras
das músicas vivenciadas pelos alunos. Como podemos verificar na fala do Professor 6,
quando ele destaca que não dá para colocar [a música dos alunos] no repertório. Dá, se for
discutir porque que tem isso na música. Até já aconteceu de conversar isso, mas também não
é uma coisa recorrente. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019). Neste trecho, o
professor apresenta uma receptividade para poder usar as músicas dos alunos como uma
forma de trazer para uma discussão crítica reflexiva as temáticas que envolvem estas músicas.
Este ponto é interessante haja vista que, mesmo achando inapropriadas as músicas que os
alunos consomem, elas podem ser utilizadas como objeto de construção de conhecimentos
musicais articulados com os diversos acontecimentos que se cruzam em seu cotidiano.
Podemos encontrar, na fala do Professor 2, uma aproximação com o exposto
anteriormente, ao passo que ele busca por um alinhamento com a música vivenciada pelos
alunos, estabelecendo, com isso, possibilidades para um trabalho de educação musical na
escola em que sejam contempladas algumas de suas expectativas e as dos alunos.
É claro que tem muitos funks [que eu] sei que têm letras muito boas, como
por exemplo “eu só quero ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu
nasci” [cantando]. De você reafirmar a sua identidade. Então, isso é uma
coisa. Aí é que entra a nossa capacidade de chegar, “gente eu não sou
cantor de funk. Olha, vou mostrar um funk aqui para vocês que a gente pode
trabalhar em sala de aula, que fala de valores, que fala de identidade”. […]
Tem que ter um certo senso crítico, né? Então, eu acho isso. […] Você pode
pegar duas músicas, pegar um funk desse cujo conteúdo é a banalização do
outro, e você pegar um conteúdo poético e, simplesmente, você pode levar os
dois. Eu digo gente: “vamos trabalhar essas duas músicas, eu quero que
vocês falem sobre o ponto de vista de vocês. O que é que vocês acham sobre
esse tipo de música?” (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).
Destacamos a importância desta fala nas discussões das representações sociais por ela
trazer, para o debate, o olhar sobre o gênero musical funk que foi identificado como núcleo
central das representações de má qualidade musical (subtópico 6.2.2 deste capítulo) e a sua
aplicabilidade em um processo de ensino/aprendizagem musical sob a perspectiva da letra.
Entretanto, vale destacar que, ao trazer este gênero como um indicador de material musical
que pode ser abordado em sala de aula, o professor não direciona para o funk que ele
identifica nas músicas vivenciadas pelos alunos atualmente.
213
Assim, o professor passa a manter um contato com a música dos alunos trazendo um
funk que possa contribuir com novos conhecimentos, que se apresente como algo novo, que
possa ampliar o horizonte musical através do funk crítico, do funk consciente78, como um
exemplo das músicas adequadas para o contexto escolar, uma vez que este formato de funk
traz, em seus temas, questões mais críticas da sociedade. Esta abordagem leva a uma
ancoragem que contribui diretamente para um processo de construção de novos
conhecimentos capazes de ser construídos de forma mais harmoniosa.
A “música popular” foi o terceiro elemento que fez parte da centralidade e dividiu o
núcleo central das representações sociais dos professores sobre os aspectos que são
considerados importantes para trabalho de música na educação básica. Podemos compreender
que esta centralidade da música popular está associada diretamente com as representações
sociais de música de boa qualidade dos professores, uma vez que fazia parte do seu núcleo
central. Dessa forma, as representações sociais de música de boa qualidade se refletem
diretamente nos materiais que os professores consideram importantes para se trabalhar no
ambiente escolar.
Esta fala é interessante, uma vez que revela claramente como as representações sociais
do professor direcionam a sua visão de música ideal para ser trabalhada na escola: ele passa a
trazer para as aulas o que concebe como música de boa qualidade. Esta visão é reforçada pela
fala do Professor 2, quando valoriza os ritmos brasileiros.
78
“O funk consciente, também chamado de ‘neurótico’, se aproxima tematicamente do rap, com letras críticas,
dramáticas, engajadas, politizadas, ácidas, muitas vezes agressivas, fazendo uma crônica dura do cotidiano das
favelas e expressando reivindicações sociais”. (CYMROT, 2011, p. 120).
214
não tenho fronteiras com ensinamento, acho que todo ensinamento, ele é
bem-vindo. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, out. 2019).
[A] música dentro da escola é pobre demais. Assim... se eu for falar de música
brasileira hoje, o que eles consomem [é] musicalmente pobre. Então, eles
trazem tudo aquilo que a música promove. Que é o quê? A partir da música,
você tem um estilo de se vestir, um estilo de falar, até o estilo de caminhar, os
tipos de dança, muito em função da música, que está relegada a segundo
plano na escola. [...] Os meninos poderiam ter um contato maior com a
música através da dança. A dança é proibida na escola lá. Pelo menos, nos
moldes que tem hoje. O que eles querem dançar é o passinho, então, a direção
da escola proíbe terminantemente. A gente tem que entrar num acordo para
tentar... como é a palavra? Tentar diminuir a questão da erotização. […] Aí
entra o quê? Os conflitos. Isso só reflete nos conflitos com os alunos. Porque a
gente tem que entender que, aqueles alunos, “sim senhor”, “sim senhor”,
“sim senhor”, acabou, né? Aquilo acabou. Hoje eu acho que muito reflexo
daquilo que eles vivem fora da escola é a questão [do] enfrentamento. Então o
enfrentamento é muito grande. Não tenho problema com o enfrentamento.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
216
Essa fala é interessante, pois traz alguns elementos a partir da visão do professor, de
como ele e a escola (na sua visão) percebem a música dos alunos. A relação conflituosa ocorre
na medida em que as representações sociais dos dois grupos se distanciam por questões
antagônicas que envolvem a construção simbólica do objeto de representação musical. A
concepção da música dos alunos como algo erotizado se vincula diretamente com as
concepções de música de má qualidade apresentadas pelos professores, no subtópico 6.2.2.
Esta fala do Professor 3 dialoga, também, com o que foi expresso pelo Professor 1 (em uma
de suas falas anterior), quando ele relatou um acordo entre os diferentes membros da escola
em relação à exibição de determinados tipos de músicas pelas suas associações com
determinados gêneros e pelas mensagens trazidas em suas letras. Porém, ao trazer, mais uma
vez, o relato do Professor 6, destacamos um olhar diferente que ele apresenta sobre a
possibilidade de promoção de um trabalho de educação musical na educação básica
envolvendo as músicas dos alunos.
Vou dar um exemplo, música popular brasileira. Eu sei que [para] muita
gente é fácil de trabalhar, por exemplo, Luiz Gonzaga, o pessoal do Bossa
Nova, a música mais clássica do universo popular brasileiro. Também uso,
mas também aquela coisa do funk, das coisas deles, [...] principalmente por
ser simples, poucas ferramentas e que não deixa de ser música, né? É
música. E para você colocar aquilo quando você precisa estar falando de
música. Por exemplo, que música é a organização dos sons, né? Ruído e
som, né? A diferença para se fazer músicas é organizar. Aquela coisa do
começo, né? Se a música organiza algumas células rítmicas, nada mais
simples e palpável para eles do que uma batida de funk. Então, eu uso isso
para dar [aula], “olha, isso aqui é um exemplo simples, de música simples,
feita de forma simples, com elemento... com poucos elementos. Então, você
não tem esse som, mas você tem esse aqui. Aí, eu boto uma coisa e outra.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Os meninos gostam muito rap. Eu não tenho intimidade com o estilo, com o
ritmo do rap, mas eu tenho intimidade com todo o equipamento que produz.
Então, o que é que eu faço? Eu promovo produções com eles. Sempre que
possível a gente está produzindo e fazendo isso. O que foi que eu fiz, um
festival aqui, não lembro quando foi o ano, que eu coloquei uma cantora
lírica e um menino fazendo um rap juntos. Então, eu consegui unir os dois
mundos, mas ainda há dificuldades [sobre] isso na escola, pelo menos na
217
minha, né? Essa abertura, nesse espaço, para esse tipo de produção, eu
acho muito complicado. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Eu tenho uma flauta transversa que eu levei para a sala de aula e o menino
do nono ano disse: “ah, professor tem um menino lá de Louro Santos79 que
também toca com uma bicha dessa”. “Pois é, isso é uma flauta transversa,
não só o Louro Santos, mas também tem muitos artistas, muitas orquestras
que usam esse instrumento”. Isso já foi um mote, foi uma deixa incrível usar
o tema de Louro Santos para eu poder falar da flauta transversa, e dos
gêneros musicais, né? (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
79
Louro Santos é um cantor e compositor pernambucano, com diversos trabalhos em bandas de “forró
eletrônico”, como Mastruz com Leite, Limão com Mel, Arretados do Forró, Chamego Arretado e Aveloz.
Porém recebeu destaque ao desenvolver um trabalho autoral, Louro Santos e Forró da Malagueta, com
músicas de forró ligadas às canções românticas brasileiras. Disponível em: https://www.letras.com.br/louro-
santos/biografia Acesso em: 26 set. 2020.
Ainda durante o período de realização desta pesquisa, o cantor e compositor Louro Santos morreu, aos 49
anos, vítima da Covid-19. Disponível em: https://revista.cifras.com.br/noticia/cantor-louro-santos-morte-covid
Acesso em: 14 de dez. 2020.
218
Percebemos, a partir desta fala, que o Professor 5 lança um olhar crítico e seletivo
sobre o tipo de música usada ou não em uma aula de música. Porém, na perspectiva de
promover estratégias que pudessem trazer a música dos alunos para um processo de
aprendizagem musical pautado nas suas múltiplas vivências e possibilidades, este mesmo
professor destaca suas estratégias:
Rapaz, eu faço uma atividade com eles chamada de rádio. Eu digo: “Olha,
cada um vai escolher três músicas para botar aqui”. Aí, eu dou logo uma
olhada na letra, eu digo: “não, essa aqui dá para botar”. […] Aí, trago também
música instrumental, peço para eles escutarem, a música clássica, né? Quanto
menor a idade, mas ele consegue escutar música. Quando vai chegando no
quarto, quinto ano, ele “já está bom, professor, acabe, está bom, vou dormir”,
entendeu? Mas... mas eu acho importante, mesmo que eles escutem sem gostar,
para eles saberem que têm outras coisas, entendeu? […] Então, eu sempre
acabo forçando assim para eles escutarem música, levo o violão para tocar
também, entendeu? Aí, canto a música deles, [as que eles] indicam, aí, também
canto. Aí, “olha, vamos cantar, aprender uma música aqui, tal. Trabalhar o
ritmo, vamos cantar com a boca assim, com a boca assado81”. Aí, é sempre
nesse esquema aí. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).
através de materiais com os quais eles não estão familiarizados, proporcionando-lhes, assim,
conhecimentos que os levem a uma representação social pautada em processos de objetivação
(LEME, 1993; SAWAIA, 1993; MOSCOVICI, 2015).
Por sua vez, o Professor 1 destaca algo bastante relevante para esta discussão, ao
reconhecer que os ambientes de aprendizagem não são fechados sobre um único prisma e que
o processo de aprendizagem não parte do nada, de modo que não há construção de
conhecimentos que se desenvolva em um vazio.
Nas minhas aulas, eu trabalho muito com essa questão da filosofia. E até a
questão bíblica, até me ajudou em sala de aula, né? Porque a gente pode
trabalhar com..., a gente explora, por exemplo, a arte sacra, música sacra, a
Idade Média. Então, se você está falando da Idade Média ali, da música do
canto gregoriano, você está falando de religião. (PROFESSOR 2.
Entrevista 1, 27 set. 2019).
Esta concepção presente na fala do Professor 3 revela uma relação direta a mensagem
que está presente nas letras dessas músicas, em função dos valores morais. Entretanto, é na
fala do Professor 4 que podemos identificar uma relação direta entre esta forma de música, a
história de vida do sujeito e o ensino de música na educação básica:
Olhe, para não ser tendencioso, e nem tampouco assim, gerar conflitos, né?
Eu trabalho com música secular e com música de igreja, certo? As de igreja,
o que é que eu faço, trabalho mais na formatura do primeiro ano. Aí, eu
coloco uma música secular e uma música evangélica, que tenha naquele
tema. Que envolva a turminha dos pequenininhos, até o primeiro ano, o que
é que eu faço? Eu trabalho, pego uma música evangélica de criança que eu
aprendi da minha época, né? Que são músicas que ajudam a levar a criança
a pensar, em respeito ao próximo. Então, eu procuro sempre colocar músicas
assim, e introduzo agora com esses maiores, por exemplo, quarto, quinto
ano. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).
82
Aline Barros é uma cantora de música gospel brasileira, que desenvolve sua carreira com músicas gospel para
os públicos adulto e infantil. Foi ganhadora do Prêmios Grammy Latino de Melhor álbum de música cristã de
Língua Portuguesa, nos anos de 2004, 2006, 2007, 2011 e 2014, com os álbuns Fruto de Amor, Aline Barros &
Cia, Caminho de Milagres, Extraordinário Amor de Deus e Graça. (alinebarros.com, 2020)
222
Gráfico 28 – Ligações dos termos relacionados aos aspectos importantes para as aulas de música –
Análise de Similitude (IRAMUTEQ)
Outro direcionamento presente na fala desse professor, que apresenta essas conexões,
pode ser observado na busca por mediar conflitos e aproximar as relações entre as suas
concepções, sobre o que é importante para ser trabalhado nas aulas de música e o interesse
dos alunos. Diante disso, o Professor 2 declara: Eu adoraria estar na escola com turma,
turma específica dando aula de música. Eu acho que a escola deveria valorizar mais o que o
aluno está querendo. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019). O interessante desta
abordagem é que, quando ele fala que as aulas deveriam estar alinhadas com os interesses dos
alunos, ele não expressa um olhar para todos os alunos, mas para um grupo específico, ou
seja, para aqueles que se alinham com as suas próprias representações sociais de música e
desejam ter aulas específicas. Esta relação que alinha a música dos alunos na sala de aula às
representações sociais do professor pôde ser percebida também na fala do Professor 5:
Rapaz, eu faço uma atividade com eles chamada de rádio. Eu digo: “Olha,
cada um vai escolher três músicas para botar aqui”. Aí, eu dou logo uma
olhada na letra, eu digo: “não, essa aqui dá para botar”. Quando eu vejo lá
no Spotify que tem um “Ezinho83” que está dizendo que é explícito, então há
alguma coisa errada ali. […] Eles escolhem esse tipo de música [Brega
Funk]. Qualquer atividade de tocar qualquer tipo de coisa, eles dizem; “não
83
Diminuitivo da letra “E”.
225
professor, bote para tocar aí”, entendeu? Então, eu digo: “não, rapaz,
vamos escutar outra coisa diferente. É mais nessa... nesse sentido assim,
entendeu? E trazem, bicho, no celular, os meninos que têm celular
geralmente botam para tocar, mas não assim, relacionado com a aula não,
bicho, como proposta da aula. [...] Então, eu falo muito para os meus
alunos, no sentido assim, “gente vamos escutar isso não, vocês já escutam
em casa. Vamos escutar o que você não tem oportunidade de escutar em
casa. Deixa isso aí para você escutar em casa. Mesmo que você não queira
escutar em casa, você escuta na rua. Então, [não] vamos escutar na escola
também não. Vamos escutar uma coisa diferente”. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).
Vale destacar que essa fala do Professor 5 reforça as suas representações sociais de
música, na medida em que, em uma fala anterior, ele correlacionou a utilização da música
evangélica à música dos alunos. Mas, quando abordado o brega funk, a percepção é a de que o
gênero não é utilizado, justamente por fazer parte da realidade dos alunos. Percebemos, assim,
que ele traz, como um dos critérios para o uso da música em aula, uma associação clara com o
conteúdo da letra.
Outros aspectos que também surgiram nas narrativas e assumiram posicionamentos
importantes, pois estabeleceram contribuições significativas para a manutenção dos elementos
que estão presentes no núcleo central através de suas associações, foram as próprias conexões
que estes elementos fizeram entre si e com os elementos periféricos. Como podemos observar
na fala do Professor 6.
[...] tem gente que tem preconceito, “ah, você está passando música
clássica?” Até porque a maioria dos desenhos animados que a gente via
eram [com] música clássica. Então, isso faz parte do universo deles. Então,
eu acho que é importante trabalhar essas músicas, ver a questão da letra, e
essas outras músicas é importante até para você fazer uma análise.
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).
Podemos observar, nessa fala, uma síntese das concepções que os professores
apresentam dos aspectos considerados importantes para serem trabalhados nas aulas de
música da educação básica. Diante da afirmação, percebemos como essas conexões
estruturam as visões que os professores têm acerca da prática pedagógica e as suas
representações sociais de música. Entretanto, observamos que, tanto nessa fala do Professor 2,
quanto na que segue do Professor 4, há uma busca por relacionar as suas representações
sociais de boa qualidade musical às vivências musicais dos alunos em situações cotidianas.
Mesmo porque a gente está aqui em uma escola, eu penso assim, se está
tendo uma música de qualidade, vamos trazer um Chico Buarque numa
versão de Carrossel que gravaram, né? A banda. [Os alunos falam:] “eita
tio, é de Carrossel?” “É, sabe quem cantou? Sabe quem fez”? Aí eu vou e
entro com Chico Buarque e eles vão… entendesse? Dessa forma, eu vou
introduzindo para que escutem um pouco de coisa de qualidade e vejam
que têm coisas boas sendo feitas por aí. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13
dez. 2019).
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
representações sociais. Outro aspecto que destacamos no uso das narrativas é a identificação
de uma estrutura sequencial da história de vida narrada, fator esse também encontrado nos
estudos de Liu (2015).
Uma contribuição interessante que percebemos através da análise das narrativas foi o
reconhecimento de que a construção das representações sociais de música dos professores vai
além das práticas e processos educativos musicais tradicionalmente valorizados e
consolidados pelas propostas pedagógicas europeias, pois são estruturadas pelos diversos
processos, práticas e contextos nos quais os sujeitos estiveram socioculturalmente inseridos ao
longo do tempo. À vista disso, passamos a compreender que as suas representações sociais
traziam elementos significativos das suas concepções de música que foram construídas e
enraizadas pelas relações estabelecidas através da influência familiar e dos ambientes sociais
que eles vivenciavam na infância, bem como pelas inter-relações com distintos grupos com os
quais tiveram contato durante a juventude, e ainda pelos processos formativos musicais na
vida acadêmica. Assim, percebemos que essas sucessivas experiências, ao longo do tempo,
construíram novas representações, além de potencializar ou modificar as já existentes.
Ao buscar compreender as concepções de música na infância e adolescência,
reconhecemos as relações que os professores tiveram desde os seus primeiros contatos com o
objeto de representação música. Ao lidar com o fenômeno musical a partir das concepções
que eram estabelecidas no contexto social e familiar e, posteriormente, nos demais grupos,
conseguimos traçar como o objeto simbólico de representação música passou a ser construído
nesta fase por meio de uma relação constante com a música. Podemos notar, também, que o
contato direto com outros familiares – que também desenvolvem práticas musicais – bem
como professores e amigos – reforça o processo de aprendizagem e conduz a forma com que
os indivíduos constroem sua história de vida musical e, consequentemente, suas
representações sociais sobre música. Da mesma forma, o contato com determinadas práticas
musicais conduz para caminhos onde compartilham experiências comuns, o que direciona
para que uma dada relação simbólica com a música seja internalizada por diferentes sujeitos e
grupos sociais.
Ao analisar os motivos pelos quais os professores de nossa pesquisa decidiram
aprender música, alguns exemplos evidenciaram como a estrutura instrumental se fez presente
na forma de se relacionarem com a música e, consequentemente, na construção de suas
representações sociais. Ao alinhar as narrativas dos professores sobre as suas conexões com a
música na infância e adolescência, verificamos que as suas representações sociais foram
230
podemos destacar que, de modo geral, as equipes gestoras das escolas têm uma visão
generalista da disciplina de Arte, e em vários casos não reconhecem as divisões por
modalidades como algo relevante para a disciplina. Todavia, esta pressão e/ou direcionamento
identificado nas falas de alguns dos professores não pode ser constatado como regra, mesmo
reconhecendo que isso acontece com certa frequência. Este direcionamento em relação à
polivalência, mesmo sendo bastante recorrente em nossa pesquisa, mostrou-se diferente no
trabalho de Oliveira (2018, p. 85), que observou a prática pedagógica de dois professores da
rede municipal concursados para música que atuavam apenas nesta área em suas escolas.
Estes fatores que envolvem a atuação polivalente trouxeram, para o debate, um
problema significativo para a área de educação musical, pois, à medida que os professores
participantes – que assumiram o encargo docente por meio de um concurso público para
Professor de Música da Educação Básica – passaram a exercer a polivalência em Arte,
deixando de trabalhar especificamente com a música, acabaram desvalorizando e mesmo
contrapondo-se às recentes conquistas que garantiram a efetiva participação da música na
educação básica.
Ao analisarmos as concepções de música que estão envolvidas nas representações
sociais dos professores, identificamos que a centralidade desta concepção é formada por
quatro aspectos que balizam estas representações: técnica; vida; amor e dom. Vale destacar
que estas concepções interligam-se e conectam-se ao ponto de estarem juntas no centro das
concepções de música presentes nas representações sociais dos professores entrevistados. A
concepção de música como vida está relacionada a aspectos que constroem e estruturam as
representações sociais sobre música como um elemento que faz parte da subsistência humana,
sendo simbolicamente identificado como um “alimento para a alma”, capaz de estabilizar e
promover bem-estar. Esta concepção também foi encontrada no trabalho de Duarte (2011, p.
65, 67), quando associa a música erudita à vida, e em Duarte e Mazzotti (2006, p. 62), que
utiliza esta simbologia para indicar a música como algo que faz parte da vida e que está
associado a emoções vitais.
Por sua vez, a ligação da música com os aspectos sentimentais destaca-se através de
estruturas simbólicas associadas ao termo “amor”, que aparecem nas representações sociais
dos entrevistados conectados com outros termos, como casamento, paixão, coração, entre
outros. Uma relação de amor pela música foi apresentada como um dos fatores que motivaram
o desejo de aprender um instrumento musical.
233
85
We begin to develop musical representations from the first moment that we are exposed to music within our
culture. [...] this can occour before we are born. (HALLAN, 2010, p. 203).
86
[…] The culture which we are exposed to, therefore, shapes the musical structures we develop, and the way we
that enact these in our lives (HALLAN, 2010, p. 203).
234
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Magno Augusto Job de. Educação musical para adultos: representações
sociais no ensino de instrumentos para adultos iniciantes. Orientador: Jean Joubert Freitas
Mendes. 2016. 107 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN. Natal, 2016a. Disponível em:
https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/22646. Acesso em: 27 nov. 2019.
ANDRADE, Magno Augusto Job de; MENDES, Jean Joubert Freitas. Educação musical para
adultos no Brasil e representações sociais. In: Congresso da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Música, 26. B. Horizonte, 2016b. Disponível em:
https://www.anppom.com.br/congressos/index.php/26anppom/bh2016/paper/download/4344/
1381. Acesso em: 13 set. 2019.
BENTO, Emanuel. Entenda o Passinho dos Malokas, fenômeno que está renovando o brega-
funk. In: Diário de Pernambuco. (Funk). 2019. Disponível em:
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2019/01/o-fenomeno-do-passinho-dos-
malokas-no-grande-recife.html. Acesso em: 15 jul. 2019.
BRASIL. Criminalização do funk como crime de saúde pública à criança aos adolescentes e à
família. In: Senado Federal. e-Cidadania. Ideias legislativas. 2017a. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=65513. Acesso em: 19 jul.
2020.
239
BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1°
e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 20 fev. 2020.
BRASIL. Sugestão n° 17, de 2017. In: Senado Federal. Atividade Legislativa. 2017b.
Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129233.
Acesso em: 19 jul. 2020.
CARNEIRO, Krytine. A cidade mais verde? Extremo Oriental? Saiba o que é verdade sobre
João Pessoa. In: G1 PARAÍBA. 2017. Disponível em:
https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/cidade-mais-verde-extremo-oriental-saiba-o-que-e-
verdade-sobre-joao-pessoa.ghtml. Acesso em: 14 maio 2020.
REDAÇÃO. Morre o cantor e compositor Louro Santos, vítima da Covid-19, aos 49 anos.
In: Revista Cifras. 2020. Disponível em: https://www.letras.com.br/guns-n-roses/biografia
Acesso em: 12 dez. 2020.
CLICKPB. João Pessoa perde o posto de cidade mais verde do Brasil para Curitiba. In:
ClickPB Mundo. Publicado em: 22.11.2010. Disponível em:
https://www.clickpb.com.br/mundo/joao-pessoa-perde-o-posto-de-cidade-mais-verde-do-
brasil-para-curitiba-no-parana-102583.html. Acesso em: 20 fev. 2020.
CUNHA, Jeysson Ricardo Fernabdes da; GODI, Ingrid Ferreira de; ALVES, Thays Regina
240
Lemes. Representações sociais do gênero feminino nas músicas Brasileiras mais reproduzidas
em 2017. In: Revista Brasileira de Educação e Cultura – REBEC. n. 19. São Gonçalo. jan-
jun 2019. p. 68-83. Disponível em: https://periodicos.cesg.edu.br/index.php/educacao
ecultura/article/view/446. Acesso em: 28 nov. 2019.
DICIONÁRIO CRAVO ALBIN. É o Tchan. In: Dicionário Cravo Albin da Música popular
Brasileira. 2020. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/e-o-tchan/dados-artisticos
Acesso em: 14 maio 2020.
Fernando Dias Andrade. (Coleção a obra-prima de cada autor). São Paulo: Martin Clarent, 2009.
FLICK, Uwe. Uma Introdução à pesquisa qualitativa. Artmed. Tradução Sandra Netz. 2.
ed. Porto Alegre: Bookman, 2004.
GUEDES, Maurício da Silva. Aumente o som: o “proibidão” tá na pista! In: A música que
toca é nós que manda: um estudo sobre o proibidão. Orientadora: Monique Rose Aimée
Augras, Rio de Janeiro. 2007. 135 f. Dissertação (Mestrado em psicologia) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio janeiro – PUC-Rio. Rio de janeiro. 2007. Disponível em:
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/9975/9975_6.PDF. Acesso em: 21 jul. 2020.
HALLAM, Susan. Culture, musicality, and musical expertise. In: M. S. Barrett (Ed.), A cultural
psychology of music education. Oxford: Oxford University Press. 2011. (p. 201–224).
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. João Pessoa. 2017. In: IBGE Cidades.
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pb/joao-pessoa/panorama. Acesso em: 02
fev. 2020.
IDEME. Perfil do município de João Pessoa. In: Atlas de desenvolvimento humano. 2013. p.
1-14. Disponível em: http://ideme.pb.gov.br/servicos/perfis-do-
idhm/atlasidhm2013_perfil_joao-pessoa_pb.pdf. Acesso em: 19 fev. 2020.
JOÃO PESSOA. Mapas de bairro de João Pessoa: Ruas, avenidas e equipamentos públicos.
Prefeitura Municipal de João Pessoa - Secretaria de Planejamento – Diretoria de
Geoprocessamento e Cadastro Urbano. 2006b. Disponível em:
http://geo.joaopessoa.pb.gov.br/digeoc/mapas/MAPA%20JOAO%20PESSOA%20A3.pdf.
Acesso em: 31 maio 2020.
242
JOÃO PESSOA. Mapa das Regiões de Participação Popular do Orçamento Participativo. In:
Secretaria e órgãos. Conexão EscoLAR – EAD, João Pessoa. 2019. Disponível em:
http://antigo.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/op/regioes-de-participacao-popular/. Acesso em:
03 set. 2020.
JOÃO PESSOA. Parque Zoobotânico Arruda Câmara. Prefeitura Municipal de João Pessoa.
In: joaopessoa.pb.gov.br. Online. SD. Disponível em:
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/semam/parque-zoobotanico-arruda-camara/.
Acesso em: 02 fev. 2020.
JODELET, Denise. O encontro dos saberes. In: JESUÍNO, Jorge Correria; et. al. (Orgs). As
representações sociais nas sociedades em mudança. Petrópolis: Vozes, 2015. 29-58. (Col.
Psicologia social).
LANE, Sílvia Tatiana Maurer. O Uso e Abuso do Conceito de Representação Social. In:
SPINK, Mary Jane (Org.). O conhecimento no cotidiano: Representações sociais na
Perspectiva da psicologia social. Brasiliense. São Paulo: [S.n.], 1993.
LATDICT, Latin Dictionary & Grammar Resourse (online). Latin Difinition for: vocatio,
vocationis. 2020. Disponível em: https://latin-dictionary.net/definition/39030/vocatio-
vocationis. Acesso em: 10 maio 2020.
LEME, Maria Alice Vanzolini da Silva. O impacto da teoria das representações sociais. In:
SPINK, Mary Jane (Org.). O conhecimento no cotidiano: representações sociais na
Perspectiva da psicologia social. Brasiliense. São Paulo: [S.n.], 1993.
LEME, Maria Alice Vanzolini da Silva; BUSSAB, Vera Silvia Raad; OTTA, Emma. A
representação social da Psicologia e do Psicólogo. In: Instituto de Psicologia Universidade de
São Paulo. Psicologia, Ciência e profissão. v. 9, n. 1, p. 29-35, Brasília. 1989. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v9n1/09.pdf. Acesso em: 31 out. 2018.
LOIOLA, Lisette Jung. Docência em Música e a Teoria das Representações Sociais. In:
Congresso nacional da Associação Brasileira de Educação Musical ABEM, 22. Educação
Musical: Formação humana, ética e produção de conhecimento. 22. 2015b, Natal. Anais
eletrônicos […]. Natal: Escola de Música do Rio Grande do Norte. [p. 1-14]. Disponível em:
http://abemeducacaomusical.com.br/conferencias/index.php/xxiicongresso/xxiicongresso/pap
er/viewFile/1449/342. Acesso em: 24 ago. 2019.
MOSCOVICI, Serge. An essay on social representations and ethnic minorities. In: Social
Science Information. v. 50. Issue 3-4, September–December 2011. 442-461. DOI:
10.1177/0539018411411027. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/258190251_An_essay_on_social_representations_a
nd_ethnic_minorities. Acesso em: 02 nov. 2019.
PARAÍBA. Lei Complementar nº 59, de dezembro de 2003. Diário Oficial. Disponível em:
http://www.pm.pb.gov.br/arquivos/legislacao/Leis_Ordinarias/2003_CRIA_A_REGIAO_ME
TROPOLITANA_DE_JOAO_PESSOA.pdf. Acesso em: 01 fev. 2020.
PENNA, Maura et al. É este o ensino de arte que queremos? Uma análise das propostas dos
Parâmetros Curriculares Nacionais. In: PENNA, Maura. (Coord.). João Pessoa: Editora
Universitária. 2001. p.184.
PENNA, Maura. Professores de música nas escolas públicas de ensino fundamental e médio:
Uma ausência significativa. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 7. n. 7. p. 7-19, set., 2002.
Disponível em: http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/
revistaabem/article/view/427/354. Acesso em: 1º fev. 2020.
PENNA, Maura. Não basta tocar? Discutindo a formação do educador musical. Revista
Abem. Porto Alegre, v. 16. n.16, p. 49-56, mar. 2007. disponível em:
http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/
view/291 Acesso em: 28 set. 2020.
PENNA, Maura. Caminhos para a conquista de espaços para a música na escola: uma
discussão em aberto. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 19. n.19, p. 57-64, set. 2008.
Disponível em: http://www.abemeducacaomusical.com.br/revista_abem/
ed19/revista19_artigo6.pdf. Acesso em: 08 fev. 2019.
PEREIRA, Mário Eduardo Costa. Pierre Janet e os atos psíquicos inconscientes revelados
pelo automatismo psíquico das histéricas. Revista latinoamericana de psicopatologia
fundamental [online], São Paulo, v. 11. n. 2. p.301-309, jun., 2008. [ISSN 1415-4714].
Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-47142008000200013. Acesso em: 15 fev. 2020.
PERILO, Bruna. Marília Mendonça, quem é? Biografia, vida pessoal e principais sucessos.
In: Área de mulher. 2020. Disponível em: https://areademulher.r7.com/celebridades/marilia-
mendonca-quem-e-historia-vida-pessoal-e-principais-musicas/. Acesso em: 03 set. 2020.
QEDU. João Pessoa: Ideb 2019. In: Qedu - Resultado de metas por escola. Ideb. Municipal. Anos
iniciais. Online. Fundação Lemann. 2020a. Disponível em: https://www.qedu.org.br/cidade/4586-
joao-pessoa/ideb?dependence=3&grade=1&edition=2019. Acesso em: 12 dez. 2020.
QEDU. João Pessoa: Ideb 2019. In: Qedu - Resultado se metas por escola. Ideb. Municipal. Anos
finais. Online. Fundação Lemann. 2020b. Disponível em: https://www.qedu.org.br/cidade/4586-
joao-pessoa/ideb?dependence=3&grade=2&edition=2019. Acesso em: 12 dez. 2020.
QUEIROZ; Luis Ricardo Silva (Coord); SOARES; Marciano da Silva; MEDEIROS; Pedro
Henrique Simões de. Educação musical em João Pessoa: Espaços, concepções e práticas de
ensino e aprendizagem da música. In: Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação – ANPPOM, 28. Anais […]. Salvador. 2008. p. 235-239. Disponível em:
https://antigo.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2008/comunicas/COM434%20-
%20Queiroz%20et%20al.pdf. Acesso em: 03 jul. 2019.
RAUSKI, Rafael Dalalíbera. Representações sociais dos estilos musicais por alunos
concluintes do ensino fundamental. In: XANPEDSUL, Florianópolis, outubro de 2014.
Disponível em: http://xanpedsul.faed.udesc.br/arq_pdf/1265-0.pdf. Acesso em: 06 abr 2019.
247
RAUSKI, Rafael Dalalíbera. Representações sociais sobre música, estilos musicais e aula
de música: Uma problematização necessária. Orientador: Ademir José Rosso. Ponta Grossa.
2015a. 166 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Ponta Grossa
– UEPG. Ponta Grossa. 2015. Disponível em: http://tede2.uepg.br/jspui/bitstream/prefix/
1183/1/Rafael%20Rauski.pdf. Acesso em: 11 mar. 2019.
RAUSKI, Rafael Dalalíbera. Representações sociais da aula de música por alunos concluintes
do ensino fundamental. In: XII Congresso Nacional de Educação. EDUCARE 2015b. III
Seminário Internacional de Representações Sociais, Subjetividade de Educação – SIRSSE, e
V Seminário Internacional Sobre Profissionalização Docente SIPD/CÁTEDRA UNESCO.
Curitiba, 2015. Disponível em: http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/
22217_10743.pdf. Acesso em: 06 abr. 2019.
SÁ, Celso Pereira de. Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In:
SPINK, Mary Jane (Org.). O conhecimento no cotidiano: Representações sociais na
Perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1993.
SÁ, Celso Pereira de. Núcleo Central das Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1996a.
SÁ, Celso Pereira de. Representações Sociais: Teoria e pesquisa do núcleo central. In: Temas
em Psicologia. n. 3. Rio de janeiro. 1996b. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/
v4n3/v4n3a02.pdf. Acesso em: 20 jan. 2020.
SÁ, Celso Pereira de; ARRUDA, Angela. O estudo das representações sociais no Brasil.
Revista de Ciências Humanas. [EDUFSC, Edição Especial Temática], Florianópolis, p.11-
31. 2000. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/
article/download/24121/21516. Acesso em: 04 jan. 2019.
SANTOS, Maria de Fátima de Souza; ACIOLI NETO, Manoel de Lima; SOUZA, Yuri Sá de
Oliveira. Adolescência em revistas: um estudo sobre representações sociais. In: Psicologia:
Teoria e Prática. São Paulo, v. 13. n. 2, p. 103-113, 2011. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v13n2/v13n2a08.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.
SCARDUA, Anderson; SOUSA Filho, Edson Alves de. Analisando representações sociais
através de elementos gramaticais: compondo representações sobre música. In: Psicologia &
Sociedade, v. 22, n. 2, 2010, p. 374-381. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n2/18.pdf. Acesso em: 29 dez. 2019.
SILVA, Juliana Pereira; URT, Sonia da Cunha. Músicas infantis e representações sociais: Um
descompasso social. In: SILVA, Maria de Lourdes da; BRANDÃO, Beatriz; RIBEIRO, Tiago
Magalhães. Drogas, Medicalização e Educação. Revista Teias, v. 17. n. 45, p. 243-259, 2016.
Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/
view/24606/17586. Acesso em: 04 jan. 2019.
SIQUEIRA, Flávia Conceição da Rocha. A representação social de uma cultura funk e das
favelas. Dissertação. Orientador: Micheline Mattedi Tomazi. 163 fl. (Mestrado em Estudos
Linguísticos). Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Artes. Vitória, 2015.
Disponível em: http://repositorio.ufes.br/bitstream/10/3804/1/tese_9329_disserta
%c3%a7%c3%a3o%20de%20mestrado%20versao%20final.pdf. Acesso em: 15 jul. 2020.
SOUSA, Maria Goreti da Silva; CABRAL, Carmen Lúcia de Oliveira. A narrativa como
opção metodológica de pesquisa e formação de professores. Horizontes, v. 33. n. 2.
Campinas. 2015. p. 149-158. Disponível em:
https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/149. Acesso em: 29 out. 2019.
SOUZA, José Reinaldo Tavares de. Formação continuada em música na rede pública
municipal de educação de João Pessoa: percepção dos professores frente às demandas de
atuação. Orientadora: Cristiane Galdino. João Pessoa, 2018. 118 fl. Dissertação (Mestrado em
Música) – Universidade Federal da Paraíba – UFPB. João Pessoa, 2015. Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13570/1/Arquivototal.pdf. Acesso em:
06 abr. 2019.
249
SOUZA, José Reinaldo Tavares de. Um panorama sobre o ensino de música na rede
pública municipal de João Pessoa no ano de 2017. In: XXVIII Congresso da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música - ANPPOM. Anais […]. Manaus – 2018.
p. 01-08. Disponível em: http://www.anppom.com.br/congressos/index.php/
28anppom/manaus2018/paper/view/5181. Acesso em: 06 abr. 2019.
SOUSA, Maria Goreti da Silva; CABRAL, Carmen Lúcia de Oliveira. A narrativa como
opção metodológica de pesquisa e formação de professores. Horizontes, [v. 33, n. 2, p. 149-
158, jul./dez. 2015. Disponível em: https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/
article/download/149/102. Acesso em: 26 out. 2019.
SPINK, Mary Jane P. O estudo empírico das Representações Sociai. In: O conhecimento no
cotidiano: Representações sociais na Perspectiva da psicologia social. SPINK, Mary Jane
(Org.). Brasiliense. São Paulo: [S. n.], 1993b.
SUBTIL, Maria José Dozza. Mídias, música e escola: práticas musicais e representações
sociais de crianças de 9 a 11 anos. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 13, p. 65-73, set.,
2005. Disponível em: http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revista
abem/index.php/revistaabem/article/view/326/256 . Acesso em: 03 dez. 2018.
SUBTIL, Maria José; SEBBEN, Egon Eduardo; ROSSO, Ademir José. Representações
sociais sobre arte e ensino de arte. Revista Contrapontos – Eletrônica. [S. l.], v. 12. n. 3. set-
dez., 2012. p. 350-361. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/
view/3599/2386. Acesso em: 02 dez. 2019.
SUGAHARA, Leila Yuri. Música e música na escola: Um estudo das representações sociais
de estudantes de pedagogia e de música a partir da escuta musical. Orientador: Clarilza Prado
de Sousa. 2013. 204 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. São Paulo, 2013. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/160
74/1/Leila%20Yuri%20Sugahara.pdf. Acesso em: 04 jan. 2019.
SUGAHARA, Leila Yuri. Representações sociais de futuros professores sobre música a partir
da escuta musical. Revista @mbienteeducação. Universidade Cidade de São Paulo. São
Paulo, v. 7, n. 2, p. 361-376, maio/ago., 2014. Disponível em:
http://publicacoes.unicid.edu.br/index.php/ambienteeducacao/article/view/488/464. Acesso
em: 04 jan. 2019.
WISNIK, José Miguel. Entre o erudito e o popular. Revista de História, n.157, 55-72, 2º
semestre de 2007. Disponível em: https://www.hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Wisnik-
Erudito-popular.pdf Acesso em: 22 set. 2020.
251