JonathandeOliveira Dissert

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES - CCTA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

JONATHAN DE OLIVEIRA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DE JOÃO


PESSOA SOBRE MÚSICA E SOBRE A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

João Pessoa
2020
JONATHAN DE OLIVEIRA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DE JOÃO


PESSOA SOBRE MÚSICA E SOBRE A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em música da Universidade Federal da
Paraíba – UFPB, na Área de Educação Musical, para a
área de concentração Processos e Práticas Educativo-
Musicais: estudos acerca do ensino e aprendizagem da
música, considerando dimensões pedagógicas,
psicológicas, políticas, históricas, culturais ou sociais,
como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre.

Orientadora: Profa. Dra. Maura Lúcia Penna

João Pessoa
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES - CCTA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
DEFESA DE DISSERTAÇÃO

Título da Dissertação: “Representações sociais de professores da rede municipal de João


Pessoa sobre música e sobre a docência na educação básica”

Mestrando (a): Jonathan de Oliveira

___________________________________________________
Dra. Maura Lúcia Fernandes Penna
Orientadora/UFPB

_____________________________________________________
Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz
Membro Interno do Programa/UFPB

_____________________________________________________
Dra. Margarete Arroyo
Membro Externo ao Programa/UNESP

João Pessoa, 21 de outubro de 2020.


Aos meus pais, Airton de Oliveira e Maria Bernadete S.
Oliveira (Dona Beta) que me amaram e dedicaram as suas
vidas para que eu e meus irmão pudéssemos trilhar nossos
caminhos e construir nossas histórias.

À minha esposa Rosângela A. O. Costa, que está ao meu lado


por mais de vinte anos de nossas vidas e que não deixou de
me apoiar nesse momento difícil.

À minha filha Janaína Oliveira, que ao nascer deu luz aos


meus olhos, cor ao meu mundo e som aos meus ouvidos.

À minha avó, Lúcia, que me teve e me amou como filho e aos


meus entes e amigos queridos que não estão mais aqui, mas
sei que onde quer que eles estejam, estão felizes com minha
vitória. (in memoriam)
AGRADECIMENTOS

A Deus por ter guiado os caminhos que trilhei até aqui.

À minha família, que confiou em mim e me acompanhou nessa jornada fazendo


sacrifícios para me apoiar nesse momento importante de minha vida profissional.

À minha tia Sônia por me inspirar e exigir dedicação aos estudos durante o início da
minha adolescência e a minha tia Iêda por incentivar e apoiar a minha carreira profissional.

Aos meus amigos de infância que fizeram parte das brincadeiras musicais, e àqueles
que construí em minha adolescência que fizeram parte das minhas confidências e
inconfidências onde dividimos histórias, gostos e produções musicais.

Aos companheiros e companheiras que fizeram parte da minha vida acadêmica até
este momento, dividindo experiências, conhecimentos e momentos de descontração.

Aos professores e professoras que fizeram parte da minha história, em especial ao


Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz e ao Prof. Dr.Vanildo Mouzinho Marinho, pois sem suas
contribuições lá atrás, como professores e amigos, me provocando, cobrando, estimulando na
busca por novos conhecimentos e me motivando, eu não estaria aqui hoje como professor.

À Profa. Dra. Margarete Arroyo que se dispôs a contribuir com seus conhecimentos
neste trabalho.

À minha Orientadora, a Profa. Dra. Maura Penna, por acreditar em mim, pela
confiança em me aceitar como seu orientando, por me direcionar em todo este processo, por
me cobrar, e por ter a gentileza, paciência e empatia durante todo o processo.

Aos professores da rede pública municipal que participaram da pesquisa cedendo seu
tempo e abrindo as suas portas em favor da ciência. Sem suas contribuições ao narrarem as
suas histórias de vida musical não seria possível o desenvolvimento deste trabalho.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Música –


PPGM/UFPB, pela seriedade e competência que desenvolvem a pós-graduação.

Aos diversos autores que disponibilizaram seus conhecimentos para que possamos
evoluir cientificamente como indivíduo e sociedade.

Ao CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à


CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão de
bolsa de estudos durante toda a pesquisa. Sem o incentivo ao desenvolvimento científico
muitos trabalhos de grande relevância deixariam de acontecer.
“Tudo passa, tudo passará
E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz
Teremos coisas bonitas para contar
E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe para trás
Apenas começamos”

(LEGIÃO URBANA, 1991)


RESUMO

Com o objetivo de compreender as representações sociais da música e da docência na


educação básica de professores efetivados para Arte/Música da rede pública municipal de
João Pessoa, partiu-se do conceito de Representações Coletivas (de Durkheim), seguiu-se
pelas bases da Teoria das Representações Sociais (de Moscovici) e da Teoria do Núcleo
Central, sua derivada (de Abric). Buscou-se reconhecer a construção do objeto simbólico de
representação através das relações estabelecidas pelos indivíduos e/ou grupo social a partir
dos fenômenos cotidianos e dinâmicos estruturados nas relações de proximidade ou
distanciamento com o objeto. No campo da educação, a presente pesquisa se fundou nos
estudos da dimensão do conhecimento, almejando reconhecer as relações entre a educação
musical e a psicologia social. Como metodologia, lançou-se mão de entrevistas narrativas
numa visão autobiográfica, complementadas pela realização de entrevistas semiestruturadas
com a finalidade de retomar e aprofundar pontos considerados importantes das narrativas,
possibilitando uma análise detalhada e subjetiva. Os critérios de seleção para os seis sujeitos
participantes foram: professores graduados em Licenciatura em Música ou Educação
Artística/habilitação Música, concursados para música na rede municipal de João Pessoa e
atuando em sala de aula na educação básica. As entrevistas – seis narrativas e seis
semiestruturadas – aconteceram no período de setembro de 2019 a janeiro de 2020. Para
registrá-las, foram feitas gravações em áudio que foram transcritas por meio de ferramentas
tecnológicas, como o Voice typing e o Speedchloger, disponíveis na plataforma Google. A
análise foi desenvolvida com a utilização de diferentes instrumentos, como tabelas
organizadoras e o software Iramuteq de análise textual para a organização dos elementos
centrais e periféricos das representações sociais. Como resultado da análise, identificou-se que
as representações apresentaram aspectos simbólicos construídos e consolidados através das
relações socioculturais e históricas, refletindo as relações afetivas e emocionais sobre o objeto
música em diferentes períodos de suas vidas. Percebeu-se que as relações que envolvem
trocas de experiências entre os sujeitos, seu grupo e seus opostos contribuíram para a
manutenção de algumas representações e para a transformação de outras que foram
reestruturadas pelas novas conexões, assumindo diferentes dimensões para os sujeitos,
algumas percorrendo toda sua vida musical, como a perspectiva da prática instrumental,
percebida desde os primeiros momentos de consciência musical até a vida profissional.
Confirmou-se este aspecto à medida que a concepção de música como técnica, amor, vida e
dom dividiram o núcleo central das representações sociais. As concepções de música de boa e
má qualidade também refletiram essas construções simbólicas multilaterais que envolveram
os sujeitos e os grupos à sua volta. Analisando o processo de formação e a visão sobre a
docência, percebeu-se que suas concepções apresentam reflexos dos aspectos anteriores.
Porém, ao discutir as representações sobre a docência, foram identificados dois aspectos que
dividiram a centralidade de suas representações sociais: 1) a dificuldade, associada às
questões comportamentais dos alunos e às quebras das expectativas musicais na escola; e 2) a
polivalência, ligada às questões estruturais envolvendo o currículo de Arte/Música na
educação básica. Concluiu-se discutindo a ambivalência dos elementos de suas representações
sobre a docência que concebem o ensino de música como prática instrumental, em detrimento
das características da escola básica.

Palavras-chave: Professores de música. Educação básica. Rede municipal de ensino de João


Pessoa – PB. Representações sociais. Entrevistas narrativas.
ABSTRACT

In order to understand the social representations of music and teaching in the basic education
of teachers awarded for Art / Music in the João Pessoa public school system, the concept of
Collective Representations (by Durkheim) was started and followed by the bases of Theory of
Social Representations (by Moscovici) and Theory of the Central Nucleus, its derivative (by
Abric). We sought to recognize the construction of the symbolic object of representation
through the relationships established by individuals and/or social groups based on everyday
and dynamic phenomena structured in close or distant relation s with the object. In the field of
education, the present research was based on studies of the dimension of knowledge, aiming
to recognize the relationship between music education and social psychology. As a
methodology, narrative interviews were used in an autobiographical view, complemented by
the performance of semi-structured interviews with the purpose of resuming and deepening
points considered important in the narratives, enabling a detailed and subjective analysis. The
selection criteria for the six participants were: teachers graduated in Music Education or Art
Education/Music qualification, qualified to work with music in the municipal system of João
Pessoa and working in the classroom in basic education. The interviews - six narratives and
six semi-structured - took place from September 2019 to January 2020. To record them, audio
recordings were made that were transcribed using technological tools, such as Voice typing
and Speedchloger, available on the Google platform. The analysis was developed using
different instruments, such as organizing tables and Iramuteq textual analysis software for the
organization of central and peripheral elements of social representations. As a result of the
analysis, it was identified that the representations presented symbolic aspects constructed and
consolidated through socio-cultural and historical relations, reflecting the affective and
emotional relationships about the music object in different periods of their lives. It was
noticed that the relationships that involve exchanging experiences between the subjects, their
group and their opposites contributed to the maintenance of some representations and to the
transformation of others that were restructured by the new connections, assuming different
dimensions for the subjects, some covering the whole his musical life, as the perspective of
instrumental practice, perceived from the first moments of musical awareness until his
professional life. This aspect was confirmed as the conception of music as a technique, love,
life and gift divided the central nucleus of social representations. The conceptions of good and
poor quality music also reflected these multilateral symbolic constructions that involved the
subjects and groups around them. Analyzing the training process and the view on teaching, it
was noticed that their conceptions reflect the previous aspects. However, when discussing the
representations about teaching, two aspects were identified that divided the centrality of their
social representations: 1) the difficulty, associated with the students' behavioral issues and the
breaking of musical expectations at school; and 2) the multipurpose, linked to structural issues
involving the Art / Music curriculum in basic education. It concluded by discussing the
ambivalence of the elements of its representations that conceive the teaching of music as an
instrumental practice, to the detriment of the characteristics of the basic school.

Keywords: Music teachers. Basic education. Municipal education system of João Pessoa -
PB. Social representations. Narrative interviews.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Movimentos cíclicos de uma representação ................................................. 31


Gráfico 2 – Elementos que dialogam em uma representação social ............................... 37
Gráfico 3 – Gráfico da evolução do IDHM de João Pessoa ............................................ 67
Gráfico 4 – Gráfico da evolução do IDEB nos anos iniciais ........................................... 68
Gráfico 5 – Gráfico da evolução do IDEB nos anos finais ............................................. 68
Gráfico 6 – Indicação de centralidade referentes às influências musicais iniciais dos
professores – Nuvem de palavras (IRAMUTEQ) ........................................ 91
Gráfico 7 – Relação de centralidade dos termos ............................................................. 92
Gráfico 8 – Ligações dos termos relacionados às influências musicais na infância –
Análise de similitude (IRAMUTEQ) ........................................................... 94
Gráfico 9 – Indicação de centralidade referentes às vivências musicais na
adolescência – Nuvem de palavras (IRAMUTEC)................... ................. 103
Gráfico 10 – Relação da continuidade dos elementos periféricos da centralidade de
estudar ....................................................................................................... 104
Gráfico 11 – Ligações dos termos relacionados à vivência musical na adolescência -
Análise de similitude (IRAMUTEQ) ......................................................... 106
Gráfico 12 – Indicação de centralidade das motivações que levaram os professores a
aprenderem música –Nuvem de palavras (IRAMUTEQ) .......................... 113
Gráfico 13 – Ligações dos termos relacionados aos motivos iniciais de aprender
músicas – Análise de similitude (IRAMUTEQ) ......................................... 116
Gráfico 14 – Indicação de centralidade sobre a formação acadêmica em música -
Nuvem de palavras (IRAMUTEQ) ............................................................ 121
Gráfico 15 – Ligações dos termos relacionados à formação acadêmica em música –
Análise de similitude (IRAMUTEQ) ......................................................... 129
Gráfico 16 – Indicação de centralidade das concepções sobre a docência em música na
educação básica – Nuvem de palavras (IRAMUTEQ) ............................... 135
Gráfico 17 – Compilação dos elementos periféricos que indicam o elemento central
dificuldade ................................................................................................. 136
Gráfico 18 – Indicação dos elementos periféricos que envolvem o elemento central
dificuldade ................................................................................................. 136
Gráfico 19 – Ligações dos termos relacionados às concepções sobre a docência em
música na educação básica - análise de similitude (IRAMUTEQ) ............ 144
Gráfico 20 – Indicação de centralidade das concepções de música pelos professores -
Gráfico Nuvem de palavras (IRAMUTEC) ............................................... 151
Gráfico 21 - Ligações dos termos relacionados às concepções de música dos
professores – Análise de similitude (IRAMUTEC) .................................... 164
Gráfico 22 – Núcleo central das representações das concepções de música ................... 165
Gráfico 23 – Relação das músicas de boa qualidade apresentadas pelos professores –
Nuvem de Palavras (IRAMUTEQ). ........................................................... 172
Gráfico 24 – Ligações dos termos relacionados às concepções de música de boa
qualidade – Análise de similitude (IRAMUTEQ) ...................................... 184
Gráfico 25 – Relação das músicas de boa qualidade apresentadas pelos professores –
Nuvem de palavras (IRAMUTEQ) ............................................................ 189
Gráfico 26 – Ligações dos termos relacionados às concepções de música de má
qualidade – Análise de Similitude (IRAMUTEC) ...................................... 196
Gráfico 27 – Relação dos aspectos considerados importantes para serem trabalhados
nas aulas de música Nuvem de palavras (IRAMUTEC) ............................ 205
Gráfico 28 – Ligações dos termos relacionados aos aspectos importantes para as aulas
de música - Análise de Similitude (IRAMUTEC) ...................................... 223

Imagem 1 – Mapa do geopolítico do Município de João Pessoa ..........................................66


Imagem 2 – Mapa das Regiões de Ensino do Município de João Pessoa .............................70
Imagem 3 – Falas agrupadas de professores agrupadas por similaridade temática ..............84
Imagem 4 – Termos recorrentes ............................................................................................85
Imagem 5 – Exemplo dos gráficos nuvem de palavras .........................................................86
Imagem 6 – Exemplo dos gráficos de análise de similitude no IRAMUTEQ ......................86
Imagem 7 – Explicação da duplicação de termos..................................................................87
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Relação dos bairros por Região de Ensino ........................................................... 69


Tabela 2 – Caracterização dos sujeitos .................................................................................. 75
Tabela 3 – Indicação dos períodos de realização das entrevistas ........................................... 80
Tabela 4 – Falas relacionadas à formação musical na infância .............................................. 90
Tabela 5 – Falas relacionadas à música na adolescência ........................................................ 99
Tabela 6 – Falas dos professores relacionadas às motivações para aprender músicas ......... 112
Tabela 7 – Falas dos professores relacionadas à formação docente em música ................... 120
Tabela 8 – Falas dos professores relacionadas à docência em música na educação básica ...133
Tabela 9 – Falas dos professores relacionadas às suas concepções de música ..................... 149
Tabela 10 – Falas professores relacionadas às concepções de música de boa qualidade ..... 168
Tabela 11 – Agrupamentos musicais por associação ............................................................ 170
Tabela 12 – Falas de professores relacionadas às suas concepções de música ..................... 187
Tabela 13 – Falas dos professores relacionadas às músicas trabalhadas no ambiente escolar .... 202
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... ..13


2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .................................................. ..19
2.1 As representações coletivas: as contribuições de Durkhein.................................... ..20
2.2 As representações sociais e a construção do conhecimento .................................... ..24
2.3 As representações sociais e sua relação com o objeto.............................................. ..29
2.4 A dimensão simbólica das representações sociais .................................................... ..30
2.4.1 Representações sociais e os fenômenos cotidianos ...................................................... ..36
2.4.2 O processo de ancoragem e objetivação ....................................................................... ..38
2.5 A teoria do núcleo central das representações sociais ............................................. ..41
3 EDUCAÇÃO MUSICAL E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS................................ ..48
3.1 A construção de conhecimentos, processos de ensino/aprendizagem musical e a
Teoria das Representações Sociais...............................................................................48
3.2 Representações sociais sobre música: os estudos no cenário brasileiro ................ ..51
4 CONTEXTOS E CAMINHOS DA PESQUISA.........................................................64
4.1 João Pessoa: a cidade e seu desenvolvimento humano e educacional ................... ..65
4.2 A expansão da rede municipal e os professores de arte/música ............................. ..70
4.3 Os sujeitos da pesquisa............................................................................................... ..73
4.4 Os encaminhamentos de coleta de dados ................................................................. ..76
4.4.1 A entrevista narrativa como base para o reconhecimento das representações sociais . ..77
4.4.2 O processo de transcrição ............................................................................................. ..81
4.4.3 Tratamento e análise dos dados...................................................................................... 84
5 AS VIVÊNCIAS MUSICAIS DOS PROFESSORES E A CONSTRUÇÃO DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE MÚSICA ............................................... ..89
5.1 Concepções de música na infância e juventude ....................................................... ..89
5.1.1 Formação musical na infância e a influência familiar .................................................. ..89
5.2 Música na adolescência .............................................................................................. ..98
5.3 Os motivos dos professores para aprender música ................................................. .111
5.4 Os processos de formação musical e a docência em música ................................... .119
5.4.1 Formação acadêmica .................................................................................................... .119
5.4.2 As concepções sobre a docência em música ................................................................ .132
6 A MÚSICA NA VISÃO DOS PROFESSORES ...................................................... .148
6.1 Concepções de música dos professores ..................................................................... .148
6.1.1 A concepção de música como vida............................................................................... .152
6.1.2 A concepção de música como sentimento .................................................................... .154
6.1.3 A concepção de música como técnica .......................................................................... .156
6.1.4 A concepção de música como dom ou vocação ........................................................... .158
6.2 As representações de música de boa e má qualidade .............................................. .167
6.2.1 As representações de música de boa qualidade ............................................................ .168
6.2.2 As representações de música de má qualidade ............................................................. .186
7 CONCEPÇÕES SOBRE A MÚSICA TRABALHADA NA ESCOLA E SEUS
ELEMENTOS CENTRAIS ....................................................................................... .201
7.1 Aulas específicas de música ....................................................................................... .205
7.2 As letras das músicas .................................................................................................. .209
7.3 A música popular ........................................................................................................ .213
7.4 A utilização da música dos alunos ............................................................................. .215
7.5 O contato com novas músicas .................................................................................... .217
7.6 A música religiosa ....................................................................................................... 220
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 228
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 238
APENDICE A - ........................................................................................................... 251
APENDICE B - ........................................................................................................... 254
ANEXO A .................................................................................................................... 255
ANEXO B .................................................................................................................... 256
13

1 INTRODUÇÃO

Não é de hoje que o cenário educacional brasileiro lança olhares sobre propostas
educativas, pautadas em conhecimentos interativos a partir de estratégias que valorizem os
diversos saberes articulados com o currículo escolar. Vale destacar que estas trocas de
experiências ampliam os significados dos processos de ensino/aprendizagem nos mais
distintos campos da educação. Diante disso, compreender como os professores de música
concebem a música e a docência na educação básica pode contribuir, de forma significativa,
para entendermos as especificidades que envolvem as suas práticas pedagógicas musicais e
o espaço que a aula de música ocupa no contexto escolar da educação básica. Neste sentido,
usar a Teoria das Representações Sociais de Moscovici como base para reconhecer os
saberes socialmente estruturados pode contribuir para o processo de identificação e
transformação desses saberes (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 87). Desta forma, ao usar esta
abordagem como lente teórica, pautamo-nos em uma base teórica alicerçada por diversos
autores, dentre os quais Spink (1993), Abric (2001), Jodelet (2015), Chaib (2015) e Valla
(2015), que lançaram luz sobre os diversos campos que passaram a utilizar as
representações sociais em seus estudos.
Partindo das discussões desses autores, buscamos, sobretudo, compreender as
representações sociais sobre música de professores diante das suas vivências musicais, dos
seus processos formativos e das suas práticas pedagógicas, a partir das concepções de
música construídas ao longo de suas vidas. Com isso, passamos a entender como esses
processos foram sendo desenvolvidos e quais as relações socioculturais que se fizeram
presentes em suas formações e em suas práticas. Quando olhamos para os caminhos
trilhados no campo da música para dar embasamento à nossa pesquisa, recorremos a vários
trabalhos realizados nos últimos anos, que trouxeram o tema das representações sociais em
diversas pesquisas na área de música, notadamente: Arroyo (1999); Duarte (2002; 2011);
Duarte e Mazzotti (2006a; 2006b); Oliveira, A. S. (2008); Rauski (2013; 2014; 2015a;
2015b); Soares (2012); Subtil (2005); Sugahara (2013; 2014); Vasconcelos e Costa (2018).
Estes trabalhos deram, à discussão, um olhar científico de como as representações sociais
estão ligadas ao processo de desenvolvimento cultural que constitui o ser humano como um
ser único, mas diretamente formado pelas influências socioculturais que envolvem o seu
contexto, a sua história e a de seu grupo.
14

Ao traçar um panorama sobre a história recente da educação musical na Paraíba nas


três últimas décadas, percebemos que a pesquisa científica vem ganhando notoriedade ao
explorar este campo de atuação de forma mais profunda e intensa, passando a contribuir
significativamente para compreensão da realidade atual da música na educação básica neste
contexto. Os trabalhos de Penna (2001; 2002; 2008; 2015), Queiroz e Marinho (2005; 2007;
2008; 2009;), Queiroz et al (2008), Náder (2010) e, mais recentemente, os de Oliveira, O.
(2018) e de Souza (2017; 2018) dão corpo para esta discussão à medida que apresentaram
um direcionamento sobre os espaços de atuação da educação musical, envolvendo os perfis
dos professores de música da educação básica, as suas formações e os processos de
formação continuada para a prática docente. Contudo, podemos destacar que este campo
firma-se na pesquisa paraibana, principalmente, a partir de estudos realizados por
professores do Departamento de Artes da UFPB, que, na década de 1990, direcionaram seus
esforços para compreender esta realidade. Este processo passou a ser fortalecido a partir de
pesquisas desenvolvidas pelo Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes, através do
Programa das Licenciaturas (PROLICEN), que tinha como objetivo realizar um
mapeamento profundo da situação que envolvia o ensino de arte nas escolas públicas da
Grande João Pessoa. (PENNA, 2002).
Outras pesquisas desenvolvidas a partir da década de 2000, pelo Grupo de Pesquisa
Práticas de Ensino Aprendizagem da Música em Múltiplos Contextos (PENSAMus)1,
buscaram compreender os processos de ensino/aprendizagem da música existentes na
Região Metropolitana de João Pessoa2,“com o objetivo de verificar os espaços formais de
educação musical presentes no município, e de que forma se caracterizam as concepções,
estratégias, situações e processos de ensino e aprendizagem da música nesses contextos”
(QUEIROZ; SOARES; MEDEIROS, 2008, p. 235). As contribuições desses trabalhos para
a área da educação musical foram significativas para a compreensão do desenvolvimento
dos processos que estruturaram e que ajudaram a direcionar a educação musical da capital
paraibana na atualidade.
Com o processo de expansão do número de profissionais licenciados em música que
passaram a atuar na educação básica na rede pública municipal de João Pessoa, resultante da

1
Grupo de pesquisa criado e coordenado por professores do departamento de arte da UFPB, que em 2005 passou
a vincular-se ao Departamento de Educação Musical, após a criação do curso de Licenciatura Música da UFPB
no ano de 2005, pela Resolução nº 17/2005 do CONSEPE, que substituiu a habilitação em música do curso de
Educação Artística.
2
A Região Metropolitana de João Pessoa foi criada pela Lei Complementar Estadual da Paraíba nº 59, de 30 de
dezembro de 2003, e abrange os municípios circunvizinhos da capital paraibana.
15

realização de dois concursos públicos3, um no ano de 2008 e outro no ano de 2014, em que
foram ofertadas 40 vagas para professores de música, o campo de atuação da educação
musical da capital passou a ser ampliado, significativamente, nas escolas da rede pública
municipal de educação básica.
Todos esses processos que foram se intensificando nestas últimas décadas
contribuíram para que novos olhares e investigações pudessem ganhar cada vez mais
notoriedade no cenário local e nacional. Com isso, podemos destacar que as inquietações
que tangenciaram e motivaram a realização deste trabalho perpassaram pelas experiências
educativas originadas tanto pelo desenvolvimento das pesquisas realizadas, quanto da nossa
própria prática pedagógica musical na educação básica, que desde 2006, ano em que, junto
ao PENSAMus, participamos de ações de formação continuada (QUEIROZ; MARINHO,
2006a; 2006b) e, posteriormente, de um projeto de pesquisa coordenado pelo Prof. Luis
Ricardo Silva Queiroz, que mapeou os espaços formais e não-formais de educação musical
existentes na cidade de João Pessoa. Outros aspectos motivadores para o desenvolvimento
desta pesquisa foram experiências educativas musicais que se acumularam, ao longo de
mais de uma década, a partir do ingresso na educação básica da rede pública, das quais
trouxemos questões que envolveram a nossa prática pedagógica e as dos nossos pares.
Entretanto, ao fazer um movimento introspectivo, observando-nos como se estivéssemos
diante de um espelho, podemos perceber que as nossas vivências musicais foram iniciadas
bem antes de termos consciência dos processos formativos que nos levaram a uma
aprendizagem musical. Partindo dessa visão, reconhecemos que estudar as representações
sociais de música de professores de música atuante na educação básica, possibilita-nos a
construção de um olhar sobre o espaço escolar a partir das concepções desses sujeitos, uma
vez que a estruturação das representações sociais de música são fatores influenciadores de
suas escolhas musicais e, consequentemente, de suas práticas pedagógicas.
Sendo assim, a partir do conhecimento empírico que envolve esses olhares,
procuramos compreender como os professores se percebem dentro do processo educativo e
como as suas práticas docentes estão diretamente envolvidas com as suas histórias de vida
musical, passando por suas influências familiares, suas relações com os amigos, escolas,
igrejas, escolas especializadas, grupos musicais, formações acadêmicas.

3
Concurso público para provimento de vagas em cargos da carreira dos profissionais em educação edital n.º
01/2007 – PMJP, de 26 de outubro de 2007 e Concurso público – PEB-JP. Edital n.º 01 de 08 de novembro de
2013 – PMJP.
16

Desta forma, usar a Teoria das Representações Sociais, idealizada por Moscovici, e a
Teoria do Núcleo Central, de Abric, foi fundamental para poder ampliar o nosso olhar sobre
os aspectos que envolvem as práticas pedagógicas musicais, como os professores
compreendem a música e a aula de música no contexto da educação básica e quais as
relações que essas práticas têm com suas histórias de vida. Para isso, na perspectiva de
desenvolver este trabalho, buscamos responder à seguinte questão de pesquisa: Quais as
representações sociais sobre música de professores da rede pública municipal de João
Pessoa e da docência na educação básica?
Para responder esta questão, tivemos que entrar no mundo desses professores através
de um contato direto com as suas histórias de vida musical, que passaram a ser conhecidas
por meio de suas próprias revelações em um processo autobiográfico, estruturado por meio
de entrevistas narrativas e entrevistas semiestruturadas, que nos ajudaram a reconhecer e
compreender as suas representações sociais de música. Desta forma, este trabalho tem como
objetivo geral:

 Compreender as representações sociais sobre música de professores de música da


rede pública municipal de João Pessoa.
E para alcançar tal objetivo, direcionamos os seguintes objetivos específicos:
 Analisar as representações sociais da música de professores em relação às suas
diferentes vivências musicais;
 Identificar como os professores concebem a música na escola;
 Analisar fatores que contribuem para as estruturações de suas representações sociais.
Partindo deste direcionamento, estruturamos esta dissertação em sete capítulos que
apresentam nossa pesquisa, sendo os dois que se seguem à introdução dedicados à Teoria
das Representações Sociais e aos trabalhos que a exploram na educação musical brasileira.
Estruturamos um capítulo que discute as bases metodológicas da pesquisa e três capítulos
dedicados à análise.
No Capítulo 2, A Teoria das Representações Sociais, debruçamo-nos sobre essa
teoria, partindo da perspectiva de dar profundidade ao embasamento teórico que sustentou
todo o desenvolvimento da pesquisa. Para isso, estruturamos cinco tópicos que deram corpo
ao capítulo e foram fundamentais para uma discussão sólida sobre as teorias que envolvem
as representações sociais, passando, assim, pelas contribuições de diversos autores.
17

No Capítulo 3, Educação musical e representações sociais, trouxemos para o


debate as relações entre a Teoria das Representações Sociais e o cenário musical brasileiro a
partir dos campos que estão envolvidos com os processos de ensino/aprendizagem da
música. Neste, apresentamos os estudos brasileiros na área de música que abordaram as
representações sociais como base teórica para a compreensão das concepções sobre os
processos musicais que acontecem nos diferentes espaços e níveis formativos. Esta
discussão nos ajudou a compreender as dinâmicas presentes no cenário nacional.
No Capítulo 4, Contextos e caminhos da pesquisa, abordamos os aspectos
metodológicos que encaminharam o desenvolvimento deste trabalho. Nele, traçamos quatro
tópicos que foram fundamentais para a compreensão de como configuramos a metodologia
da pesquisa. Buscamos, assim, apresentar a cidade e seu desenvolvimento humano e
educacional, os processos políticos e estruturais para a expansão da rede de ensino, além de
apresentar a entrevista narrativa como procedimento utilizado para a coleta de dados, os
processos de transcrição, tratamento e análise dos dados.
No Capítulo 5, As vivências musicais dos professores e a construção das
representações sociais sobre música, apresentamos os resultados da análise com foco nos
diversos processos que constituem as vivências musicais presentes nas diferentes práticas e
contextos em que os professores estiveram inseridos ao longo de sua história de vida. Nesta
perspectiva, apresentaremos as concepções de música que foram construídas a partir das
diversas influências presentes nas relações sociais e culturais desenvolvidas durante a
infância, a juventude e no seu processo de formação acadêmica, bem como os reflexos
destas representações sociais nas visões que este grupo estabeleceu sobre a docência em
música na educação básica.
No Capítulo 6, A música na visão dos professores, discorremos sobre as diferentes
concepções de música que permeiam as construções simbólicas e que dão sustentação às
representações sociais de música dos entrevistados. Nele buscamos reconhecer como o
objeto música tem sua imagem construída a partir de suas relações afetivas, emocionais,
racionais, sociais, culturais, históricas e profissionais, e como o diálogo entre estes
processos direcionam suas representações. Tratamos, também, das concepções de música
como vida, sentimento, técnica e dom/vocação, bem como abordamos os elementos que
envolvem as concepções de música de boa e má qualidade.
No capítulo 7, Concepções sobre música trabalhada na escola e seus elementos
centrais, abordamos os diferentes panoramas apresentados pelos professores sobre os
18

aspectos que consideraram importantes de serem trabalhados em uma prática docente


musical no contexto escolar da educação básica. Interligando-se às diferentes estruturas
simbólicas que envolvem a música, às suas representações estabelecidas sobre a perspectiva
de desenvolvimento de aulas específicas, às questões estruturais da música e às relações
com as músicas dos alunos nas suas distintas formas.
Por fim, trataremos das Considerações finais, apresentando uma visão geral de todo
o desenvolvimento da pesquisa. Neste ponto, destacaremos a importância das bases teóricas,
dos procedimentos metodológicos e dos processos analíticos utilizados. Perpassaremos
pelas reflexões construídas ao longo das análises dos Capítulo 5, 6 e 7, explorando-os e
expondo os resultados perante os objetivos propostos para a pesquisa. Com isso traremos, à
luz do debate, o reconhecimento dos diversos objetos que tangenciaram e possibilitaram a
compreensão das diversas representações sociais de música dos professores entrevistados.
Assim, apontaremos os elementos significativos presentes em suas concepções responsáveis
por estruturar o núcleo central de suas representações sociais. Destacaremos, ainda, as
singularidades desta pesquisa e as relações de proximidades entre os resultados encontrados
nela com outras pesquisas desenvolvidas na área de música que fizeram uso da Teoria das
Representações Sociais.
19

2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Neste capítulo, discutiremos a Teoria das Representações Sociais4 proposta por


Moscovi, fazendo uma construção histórica do pensamento deste autor a partir das ideias que
constituem a representação como uma forma de organizar e de identificar as bases do
conhecimento. Esta discussão teve a contribuição de diversos autores como: Durkhein,
Vygotsky, Moscovici, Jodelet, Jovelechovith, Skin, entre outros. A partir de suas contribuições,
procuraremos compreender o processo de construção do pensamento sobre as representações
sociais que passam a dialogar com as diversas áreas.
Buscaremos compreender as representações sociais a partir de um sistema articulado
com as experiências cotidianas, as quais integram uma determinada realidade e compartilham
seus conhecimentos entre indivíduos e sociedade. Este processo se mostra capaz de manter
estruturado um olhar forjado nas representações articuladas com as mais distintas áreas do
saber, seja este pautado em conhecimentos empíricos ou em conhecimentos cientificamente
estruturados.
Direcionamos as discussões a partir da ideia das representações sociais segundo a visão
de Moscovici, entendendo que os conhecimentos são construídos e consolidados através de
organizações estruturantes que influenciam e compartilham os diversos aspectos da vida social
que envolvem sentimentos, espiritualidade, religiosidade, entre outros pensamentos comuns a
alguns grupos.
Através dos estudos iniciados por Moscovici, podemos compreender que existem
relações que passam a ser pensadas a partir da perspectiva de uma teoria que sinaliza como o
conhecimento se constrói e é compartilhado entre os indivíduos e os grupos aos quais estes
sujeitos pertencem. Contudo, a abordagem sobre a visão das representações passa a ser
discutida de forma inicial a partir de visões psicológicas e sociológicas que buscam construir a
ideia de como o pensamento se desenvolve por meio da naturalização dos aspectos
compartilhados socialmente presentes nas individualidades, bem como na coletividade que
envolve os indivíduos.
Neste direcionamento, pudemos identificar, nos estudos de Durkheim, os primeiros
passos que suscitaram questões afetas às relações apresentadas entre o indivíduo, em seus

4
O conceito de representação social foi introduzido por Moscovici a partir do seu estudo vanguardista de como a
psicanálise se popularizou no pensamento coletivo na França. Porém, este estudo só é publicado pela primeira
vez em sua obra, La Psicanalyse: Son image et son public, França em 1961.
A partir desse momento, substituiremos a escrita de Teoria das Representações Sociais por TRS
20

esquemas psíquicos de estruturação do conhecimento e o coletivo, cuja estrutura é formada a


partir de partilhas que se consolidam.

2.1 As representações coletivas: as contribuições de Durkhein

Em seu livro Sociologia e Filosofia5, Durkheim (2009) traz uma discussão direta sobre a
perspectiva das representações individuais e representações coletivas, iniciando, assim, uma
argumentação que passa a dialogar com as leis científicas da psicologia e da sociologia, de
modo a reconhecer que uma lei pode interagir direta e constantemente com a outra, mutatis
mutandis. Desta forma, passa-se a reconhecer que os elementos da psicologia convidam a
sociologia para compreender as representações presentes na sociedade e vice-versa. Para ele, “a
vida coletiva, como vida mental no indivíduo, é feita de representações; é portanto, presumível
que representações individuais e representações sociais sejam, de alguma maneira, compatíveis”
(DURKHEIM, 2009, p. 14). Durkheim procurava dar conta dos fenômenos sociais que
envolviam as religiões, os mitos, como conhecimentos inerentes à sociedade relacionados com
o espaço-tempo que a sociedade se desenvolvia (SÁ, 1993, p. 21).
Com esta visão, ao estudar os fenômenos da vida cotidiana e o estado de coisas na qual
ela se desenvolve, Durkheim cunha um dos mais importantes conceitos de sua obra – o que
continuaria a ser até os dias atuais um dos temas centrais nas teorias sociais – as Representações
Coletivas. Ao pensar em uma consciência coletiva que se consolida na sociedade, ele abriu
espaços para que diversas áreas que têm interesse em compreender a relação social e o processo
com o qual se desenvolve a maneira como os indivíduos pensam e agem – tais como sociologia,
antropologia e psicologia – pudessem participar do debate sobre como se consolidam estas
representações. Elas envolvem, sobretudo, as “crenças, sentimentos e ideias habituais, dadas e
homogeneamente compartilhadas de uma comunidade” que passaram a ser aceitas e
consagradas pelos indivíduos como pertencente às suas tradições, costumes e histórias de forma
inquestionável. Desta forma, para a sociologia durkheimiana, as representações coletivas, por
sofrerem influência de todas as cerimônias presentes em práticas e ritos de uma sociedade,
seriam responsáveis por sustentar as bases morais que guiam e ditam as ações praticadas pelos
membros de uma determinada comunidade (JOVCHELOVICTH, 2011, p. 97).

5
Esta obra que tem o título original Sociologie et Philosophie (1924) é uma publicação póstuma dos artigos
“Représentations individuelles et représentations collectives” (1898); “Détermination du fait moral” (1906);
“Réponses aux objections” (1906); “Jugements de valeur et jugements de réalité” (1911).
21

Nesta ótica, este processo é construído a partir de estruturas que agem uma sobre as
outras, formando imagens que se consolidam de acordo com a natureza das representações. Tais
imagens se modificam à medida que as representações mudam e tornam-se reais quanto mais
são passíveis de representações.

Para admitir a realidade das representações, não é, de forma alguma,


necessário imaginar que sejam coisas em si; basta concordar que não são nada,
que são fenômenos, mas reais, dotados de propriedades específicas e que se
comportam de maneiras diferentes uns com os outros, conforme tenham, ou
não, propriedades comuns (DURKHEIM, 2009, p. 28).

Nesse sentido, cabe admitir que os elementos naturais ao ser humano que abarcam os
aspectos psicológicos e os elementos de natureza social – os quais envolvem o ser humano em
um ambiente coabitado por individualidades diferentes, mas que compartilha de aspectos
comuns – constroem as representações. Desta forma, podemos destacar que uma representação
social não se firma por fenômenos de natureza individual, uma vez que ela se consolida na
estruturação dos conhecimentos que emergem do compartilhamento de aspectos que fazem
parte da vida social dos indivíduos e que ganham sentido ao se estabilizarem em um
determinado grupo social. Ela se organiza a partir de elementos que são constituídos e
consolidados historicamente, passando a conduzir as representações presentes e possibilitando
que elas possam estruturar as representações futuras, mesmo que não haja uma consciência de
como elas se consolidam.
Nesta ótica, Durkheim (2009) passa a discutir que uma representação é capaz de
construir uma consciência própria, a qual fundamenta o conhecimento do que é representado, de
modo que alguns fenômenos podem ser causados apenas por representações, sem que haja um
estado de consciência psíquica6 sobre eles. Nesta visão, estas apresentações podem construir
signos exteriores a própria consciência. Segundo Durkheim (2009, p. 33), os estudos de Pierre
Janet7 apontam que muitos atos são desenvolvidos sem que haja necessariamente uma
consciência por parte do indivíduo executor a ação. Diante disso, esta ação seria movida por um
conjunto das representações que passariam a dar sentido a ela mesma, independentemente do
estado de consciência psíquica que seria estabelecido, uma vez que, por ser inconsciente, a ação
não seria capaz de ser compreendida conscientemente como tal. Este fator aponta para o fato de

6
São psíquicos porque se traduzem exteriormente por indícios característicos da atividade mental (DURKHEIM,
2009, p. 33).
7
Em sua tese, discutiu questões relativas ao automatismo psicológico ao abordar sua concepção psicológica da
psicopatologia da histeria na qual indicava que a inconsciência determinava o comportamento (PEREIRA, 2008).
22

que os fenômenos psíquicos podem ser construídos sem que sejam apreendidos por um estado
de consciência sobre eles, possibilitando movimentos, gestos, falas, sentimentos, entre outros,
muitas vezes espontâneos. Entretanto, esta autonomia em si passa a ser relativa, à medida que
não há nenhum reino ou elemento da natureza que sobreviva sem depender de outros. Desta
forma, seria inconcebível perceber as ações específicas sem associá-las a outros elementos do
universo. Porém, as representações não seriam meramente algo inerente “à natureza intrínseca
da matéria nervosa”, uma vez que essas representações se retroalimentam em suas próprias
formas de existir, em suas próprias forças, em seu próprio estado de ser.
Podemos compreender que as ações involuntárias realizadas por um indivíduo isolado se
ligam aos processos inconscientes estabelecidos por sua estrutura orgânica, que independem de
sua capacidade ou incapacidade de tomada de decisões. Porém, para Durkheim (2009, p. 37),
“os fatos sociais são, em certo sentido, independentes dos indivíduos e exteriores às
consciências individuais”, o que lhe permite afirmar que as relações que acontecem no reino
social são reflexos das estruturas orgânicas coletivas que se estabelecem a partir de suas
relações com o reino psíquico.
Nesta estrutura, uma representação estabelece suas próprias relações com os elementos
que a definem e, quando abordada sob uma questão de consciência social, passa a ser
estabelecida sobre um estado de associação de um conjunto de indivíduos. Com isso, é possível
constatar que a questão da consciência social está ligada diretamente aos fatores exteriores à
consciência individual, os quais são reverberados por associações estabelecidas pelo grupo,
mesmo que os indivíduos pertencentes a este grupo não tenham consciência das associações que
produzem. Desta forma, a consciência social é estruturada pelas representações que são
partilhadas. Uma vez agrupadas, esta consciência passa a ser estabelecida sobre um estado de
associação de um conjunto de indivíduos. Este fato leva a perceber a sociedade como sendo
formada pelo conjunto dos indivíduos que se agrupam e se associam sobre pontos em comum,
compartilhando territórios, culturas e processos comunicacionais. Desta forma, podemos
destacar que é a partir de uma consciência da representação que são estruturadas as consciências
sociais.

A sociedade tem por substrato o conjunto dos indivíduos associados. O


sistema que eles formam quando se unem, e que varia de acordo com sua
disposição na superfície do território, a natureza e o número de vias de
comunicação, constituem a base sobre a qual se erige a vida social. As
representações que constituem sua trama emanam das relações que se
estabelecem entre os indivíduos assim combinados ou entre grupos
23

secundários que se intercalam entre o indivíduo e a sociedade total.


(DURKHEIM, 2009, p.37).

Diante disso, Durkheim passa a observar que é a partir das representações individuais
que as representações coletivas são erguidas, de modo que as representações individuais passam
a ser fundamentais para a existência dos sujeitos. Consequentemente, uma vez que as
representações coletivas são estruturadas a partir do substrato das representações individuais,
elas tornam-se exteriores às consciências individuais que as formam.

Se pudermos dizer, em certo sentido, que representações coletivas são


exteriores às consciências individuais, é porque elas não derivam dos
indivíduos tomados isoladamente, mas de seu concurso, o que é bem diferente.
Sem dúvida, na elaboração do resultado comum, cada um tem a sua
contribuição; mas os sentimentos privados se tornam sociais somente ao se
combinar sob a ação das forças sui generis que a associação desenvolve; em
consequência dessas combinações e das alterações mútuas que daí resulta, eles
se tornam outra coisa. (DURKHEIM, 2009, p.39).

Para a visão durkheimiana, as representações coletivas podem ser compreendidas como


sistemas superiores e exteriores a uma estrutura formada por uma consciência individual, uma
vez que ela se constitui pelo conjunto das consciências. Com isso, esta teoria destaca que cada
representação individual tem alguma coisa que está presente nas representações coletivas,
contudo, esta última nunca está presente por completo na primeira.
De forma ampla, ao abrir esta discussão, Durkheim passou a trazer um novo olhar que
superou as visões ideológicas da psicossociologia, como também foi além do naturalismo
materialista da sócio-antropologia. Pare ele, “existe lugar para um naturalismo sociológico que
vê nos fenômenos sociais fatos específicos e que tenta justificá-los respeitando religiosamente
sua especificidade” (DURKHEIM, 2009, p.48). Neste enfoque, ele passa a abrir os caminhos
para um novo olhar sobre as representações, à medida que traz para o debate o reconhecimento
da ação do indivíduo na construção das representações e o papel destas representações na
formação da consciência coletiva na qual os indivíduos estão inseridos, uma vez que estes
indivíduos são seres munidos de particularidades, mas que fazem parte do todo coletivo que age
sobre eles e influencia a construção de sua consciência.
Estas questões que envolvem as representações coletivas, a partir da consciência
coletiva de uma sociedade, passaram a ser percebidas por Durkheim, assim como
posteriormente por Moscovici, como aspectos fundamentais no reconhecimento e na definição
dos compartilhamentos sociais e dos elementos constitutivos das cooperações coletivas em uma
24

comunidade. Para Durkheim, as representações coletivas conduziam os indivíduos sob uma


estrutura compulsória e estável que tem sua autonomia e estabilidade configurada pelas regras
da ação coletiva. Esta estabilidade pode ser observada em instituições como a família, igreja,
sistema legal, entre outras – as quais mantêm uma maior resistência a mudanças.
Em sua teoria, Durkheim pensava a construção das representações e, consequentemente,
todo o enredo que envolve e conduz a organização da vida social, a partir de fenômenos
psíquicos que se edificavam nas relações individuais (ARROYO, 1999, p. 25). Entretanto, estas
representações só ganham sentido na fundamentação das relações que passavam a ser
estabelecidas socialmente. Com isso, as representações coletivas passam a destacar que a lógica
da construção da racionalidade humana ocorre a partir de como o indivíduo está relacionado
com a sociedade e como ele passa a adquirir sua individualidade através do contato social.
“Apenas a vida coletiva faz do indivíduo uma personalidade, dando forma à consciência moral e
pensamento lógico que têm origem e destinação social”. Nesta visão, a construção das
representações coletivas de Durkheim estabelece sua sustentação através da estruturação do
simbolismo. A perspectiva simbólica é o que dá sentido ao que é compreendido coletivamente
pelos sujeitos em suas individualidades (PINHEIRO FILHO, 2004, p. 162).
Esses pontos podem ser considerados os principais caminhos para as discussões que
vieram a seguir, na psicologia social de Moscovici. Estas relações mútuas, que tangenciam a
formação das comunidades e as representações que emanam delas, é o que constitui um dos
pressupostos da TRS de Moscovici.

2.2 As representações sociais e a construção do conhecimento

A busca por compreender o mundo é fundamental para que possamos nos adaptar às
mais distintas situações que acontecem e que nos conduzem a transformações e à aquisição de
novos conhecimentos. Essa constante construção de saberes nos direciona a idealizar e assimilar
as imagens simbólicas que vão se consolidando ao longo do tempo, assumindo sentidos
diferentes em cada contexto sociocultural. É nesse espaço que as representações são construídas
e partilhadas socialmente, abrindo, assim, caminhos para que sejamos capazes de compreender
os fenômenos sociais, resolver problemas, conduzir situações e instituir concepções a partir dos
conhecimentos que se estabelecem ou se transformam. Por sermos seres sociais e vivermos em
ambientes socioculturais, compartilhamos espaços, crenças, objetos, eventos, ideias,
conhecimentos, entre outros, que podem se aproximar ou se distanciar, de acordo com as
25

representações simbólicas reconhecidas e compartilhadas por grupos sociais distintos. Dessa


forma, as representações sociais afirmam-se pelas relações de construção e consolidação de
conhecimentos que ora convergem e ora divergem em relação a seu grupo ou a outro. Por ter
uma grande importância no desenrolar da vida cotidiana e por ser a base para as ideias,
entendimentos e julgamentos que serão partilhados, é que as representações deixam de ser
individuais e passam a ser sociais; assim, as representações sociais possibilitam o processo de
identificação, nomeação, interpretação dos eventos cotidianos, guiando suas compreensões,
definições, defesas, instaurações e afastamento através de um grupo social (JODELET, 1993, p.
47).
Ao discutir aspectos relacionados ao processo de construção do conhecimento na
contemporaneidade, podemos enfatizar que estes não se dissociam das questões sociais. Para
Berger e Luckmann (2004, p. 14), a sociologia passa a reconhecer que todo conhecimento é
fruto da estrutura social que o identifica e o valida como real. À “medida em que todo
‘conhecimento’ humano desenvolve-se, transmite-se e mantém-se em situações sociais, a
sociologia do conhecimento deve procurar compreender o processo pelo qual isto se realiza”.
Nesta perspectiva, usar a TRS para poder compreender como são construídas as relações que
acontecem entre o contexto social e os processos de aprendizagem levou-nos às primeiras
discussões de Durkheim sobre as representações coletivas, como vimos anteriormente.
Segundo Minayo (1995, p 90), “Durkheim é o autor que primeiro trabalha
explicitamente o conceito de representações sociais”. Entretanto, o uso do termo por Durkheim
ainda estava relacionado ao sentido de representações coletivas, ao observar o modo como eram
categorizados os pensamentos e a própria realidade dentro da perspectiva da sociologia. Nesta
visão, ele acreditava que os processos que envolviam as representações sociais estariam
relacionados aos agrupamentos de fenômenos reais capazes de reproduzir comportamentos
dotados de especificidades, mas que a sociedade seria a responsável pela construção do
pensamento. Este direcionamento retirava o desenvolvimento da consciência individual de todo
o processo que envolvia a construção das consciências coletivas presentes nas representações.
Para Moscovici, o conceito de representações sociais surgiu em Durkheim, porém, por
apresentar diferentes visões em relação ao pensamento durkheiniano, ele defendia que “a
psicologia social [deveria] considerá-lo de um ângulo diferente – de como o faz a sociologia. A
sociologia [...] viu as representações sociais como artifícios exploratórios, irredutíveis a
qualquer análise posterior.” A visão sociológica reconhecia as representações nas sociedades,
entretanto, não era de interesse desta área investigar as estruturas que compunham a sua
26

dinâmica interna. Por outro lado, a psicologia social se preocupava em estudar as representações
em seus processos dinâmicos. Este contraste, em relação ao foco de estudo das duas áreas seria,
portanto, a maior dificuldade para se reconhecer de forma profunda e detalhada os “mecanismos
internos” e a viabilidade das representações sociais” (MOSCOVICI, 2015, p. 45). Então,
investigar a relação que acontece entre estes dois campos, na busca por compreender como
essas representações se organizam a partir das suas estruturas dinâmicas internas, bem como nas
dinâmicas que as envolvem, seria o ponto chave do surgimento de uma nova compreensão das
representações sociais.
A partir das abordagens iniciais de Durkheim sobre as representações coletivas, mas
contrapondo-se a ela, Moscovici passou a desenvolver uma psicossociologia do conhecimento
tendo por base o reconhecimento dos comportamentos individuais assim como os fatos sociais
que estabelecem as singularidades da realidade em que se desenvolvem os contextos históricos
dos quais os indivíduos fazem parte. Com isso, passa a reconhecer que as representações,
quando sociais, estão além de uma visão individualista estabelecida até então na psicologia
social. Além disso, Moscovici destaca que os indivíduos são responsáveis por construir e
consolidar as representações sociais nas quais eles estão envolvidos, sendo, desta forma, agentes
construtores da sua própria realidade social (SÁ, 1993, p. 28). Nesta visão, são nos
intercâmbios, presentes nos fenômenos que envolvem a vida social e psíquica, que são
elaboradas as representações sociais e, consequentemente, a construção da realidade. Estes
processos trazem para o debate os elementos que envolvem as relações peculiares nas quais
estão presentes e fazem parte, de forma direta, o individual e o coletivo (MARQUES; MUSIS,
2016, p. 22).
Apoiado nas mudanças na forma de olhar as representações, Moscovici buscava
reconhecer as representações que estavam presentes na estrutura atual das relações sociais e que
não estavam estruturadas apenas a partir de construções históricas e culturais, mas as que
estavam sendo fundamentadas em seu desenvolvimento humano, social, político, científico que
ainda não teriam tempo de se solidificar como tradição, mas que estavam sendo construídas e
poderiam ser mutáveis com as próprias mudanças que ocorriam nas estruturas que se
transformavam. Com isso, Moscovici saía da perspectiva da sociologia para criar um novo
espaço de observação a partir de uma psicossociologia que olhava para todos os fenômenos que
poderiam envolver a construção das representações, sejam eles de aspectos individuais ou
sociais, rompendo desta forma com a perspectiva estática que se dava às representações
coletivas de Durkheim (SÁ, 1993, p. 22). Na busca por se aprofundar na compreensão das
27

representações, Moscovici retoma a discussão e traz para o campo da psicologia social um novo
olhar, um direcionamento diferente dos que estavam centrados na sociologia e antropologia.
Esta abordagem não é apenas uma mudança etimológica, pois vai muito além. Ao mudar a ideia
de coletivo para social, passa-se a ter a compreensão de “representações que estavam sempre
em processo de produção no contexto das inter-relações e ações”. Desta forma, reconhecer as
representações sociais como uma relação direta com os pensamentos cotidianos e suas conexões
espontâneas, em diversas relações sociais, traz-nos a possibilidades de compreender a realidade
a partir do conhecimento partilhado coletivamente nas interações socialmente construídas
(ARROYO, 1999, p. 27), assim como descreve Berger e Luckmann (2004, p. 246) ao
discutirem a sociologia do conhecimento.
“As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e
cristalizam-se incessantemente em nosso universo cotidiano através de uma palavra, um gesto,
um encontro”8 (MOSCOVICI, 1979, p. 27). Tomando esse direcionamento como base para as
discussões, podemos compreender a representação social como uma forma de conhecimento
socialmente elaborado com bases históricas e culturais – configurada pela relação comunicativa
que acontece entre os indivíduos – que têm, como função, estruturar conhecimentos práticos
estabelecidos por ações partilhadas por um grupo em comum. Um conjunto social que faz parte
de uma mesma realidade.
Pautado no conceito de representações coletivas, Moscovici pensou os principais
conceitos que fundamentaram a TRS conservando a natureza social, a força material e a
propriedade que o caráter simbólico tem de se manter sólido através das instituições que
contribuem para fortalecer as representações (JOVCHELOVITVH, 2011). Outro ponto do
pensamento de Durkheim – conservado por Moscovici – foi a ideia de que as representações
coletivas mantêm relações com as origens sociais das classificações e da lógica. Entretanto, a
discordância entre as duas visões está na relação divergente que ambos têm sobre o
“pensamento primitivo”. Enquanto Durkheim defende que o pensamento primitivo (o senso
comum) só poderá ser compreendido como ciência ao se libertar dos aspectos sociais e
emocionais que os mantêm ligados às representações coletivas, Moscovici entende que o
pensamento primitivo não está submisso a um pensamento científico mais elaborado, pois
defende que o senso comum tem seu próprio entendimento de mundo, e que suas relações
devem ser consideradas e compreendidas através das suas estruturas.

8
“Las representaciones sociales son entidades casi tangibles. Circulan, se cruzan y se cristalizan sin cesar en
nuestro universo cotidiano a través de una palabra, un gesto, un encuentro” (MOSCOVICI, 1979, p. 27).
No caso de original em língua estrangeira, a tradução é nossa.
28

Para Moscovici (1979, p. 33), as representações sociais estão relacionadas com as


teorias, próprias do desenvolvimento social, pautadas nas construções de conhecimentos
empíricos relacionados a valores e conceitos que se liguem às diferentes fontes nas quais estes
são partilhados. Muitas vezes consensuais em um grupo, estes saberes passam a ter a função de
interpretar e construir a realidade social. Dessa forma, Sá (1993, p. 26) reconhece que as
representações sociais constituem verdadeiras teorias do senso comum, construídas a partir dos
pensamentos desenvolvidos na vida cotidiana em uma sociedade ativa e pensante, que cria
constantemente novos episódios de comunicação e interação social, que acontecem “em todas
as ocasiões e lugares onde pessoas se encontram informalmente e se comunicam”, construindo,
assim, as suas representações.
Deste modo, podemos perceber que uma representação social pode ser compreendida
como uma forma específica de conhecimento, que está relacionada diretamente com o
conhecimento cotidiano, com o saber do senso comum. Estas representações consolidam-se
através de processos funcionais que se manifestam em ações cotidianas, que criam
entendimentos e deixam suas marcas no meio social.

As Representações Sociais são modalidades de pensamento prático orientadas


para a comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material
e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características específicas no plano da
organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica.
A marcação social dos conteúdos ou dos processos de representação refere-se
às condições e aos contextos nos quais emergem as Representações, às
comunicações pelas quais elas circulam, às funções que elas servem na
integração com o mundo e com os outros. (JODETET, 1984, p. 361 apud SÁ,
1993, p. 32)9.

Com base nisso, podemos dizer que uma representação social se estabelece como uma
forma de perceber os conhecimentos simbolicamente constituídos e partilhados em um
determinado contexto, seja ele científico, histórico, social ou cultural. Entretanto, ela não é
qualquer conhecimento, mas todo conhecimento que pode ser identificador de sentidos, que está
arraigado de emoções, que possa constituir simbolicamente um objeto. Ou seja, um
conhecimento que pode ser observado, legitimamente consolidado e compartilhado pelos
membros de um determinado grupo social, e que orienta as suas ações.

9
JODELET, D. Represéntations Sociales: phénomènes, concept et téorie. In: MOSCOVICI, S. (ed.).
Psychologie sociale. Paris, Presses Universitaires de france, 1984.
29

2.3 As representações sociais e sua relação com o objeto

Uma representação é fruto do resultado de uma série de associações que são realizadas
sobre um determinado objeto. São os significados atribuídos e as compreensões adicionadas a
ele, independentemente do formato que assuma – uma imagem, um fato, uma ação, uma crença,
um momento histórico, um modelo a ser seguido, um lugar etc. – que tornam possível a
assimilação do que é percebido como real. É por meio de uma representação social que os
sujeitos pertencentes a um grupo passam a identificar e dar significados a seus objetos em suas
realidades. São os sentidos dados a um determinado objeto que orientam as percepções de
mundo, a compreensão da realidade, possibilitam a criação, o compartilhamento e o
cumprimento de regras. São estes sentidos que promovem a percepção dos fenômenos sociais
cotidianos, dão justificativas para as ações, reconhecem as razões e explicam os
comportamentos regidos por práticas relevantes (DUARTE; MAZZOTTI, 2006b, p. 1286).

É a análise do sentido que pode esclarecer o fato de que diferentes pessoas, em


diferentes contextos e tempos, produzem diferentes visões, símbolos e
narrativas, sobre o que é real, e é apenas através da compreensão do sentido
que podemos entender como diferentes representações se relacionam entre si e
quais suas consequências no mundo social. (JOVCHELOVITCH, 2011, p.
37).

O processo de representação é um fenômeno psicossocial que passa pelo modo com qual
os indivíduos se relacionam com um objeto. Desta forma, Jodelet destaca que o ato de
representar sempre está relacionado a um objeto, independentemente de qual seja ele: um ser,
um fenômeno cultural, um sentimento, uma teoria, um fenômeno natural, um mito, uma crença
etc. Para ela, “não há representação sem objeto” (JODELET, 1993, p. 5). Uma representação é o
espectro mental, seja ele individual ou social, lançado sobre um objeto que, para existir como
tal, depende de uma representação mental que o constitui simbolicamente.
Nessa perspectiva, uma representação pode ser vista como um aspecto concreto que
sustenta a construção do pensamento a partir das percepções individuais e coletivas, internas e
externas, forjando um indivíduo ou um grupo social através da autonomia na observação,
interpretação, mentalização e sentido que é dado a um objeto a partir do pensamento que o
sustenta, respeitando as suas particularidades ou suas partilhas. Sendo assim, é a representação
que torna um objeto que existe no estado mental, constituído a partir de suas estruturas
simbólicas, em algo concreto.
30

O ‘que’ das representações se refere à construção do objeto, ao conteúdo a ele


atribuído e à solidez dos ambientes simbólicos. O objeto-mundo é sempre
produto da ação humana, mas isso não o faz menos objetivo e sólido. A nossa
realidade humana é socialmente construída não porque queremos, mas porque
precisamos construí-la: o mundo em si mesmo existe apenas como ideação. O
mundo necessita tornar-se para nós, e por meio de nossa atividade e
representação, ele é feito nossa realidade humana. (JOVCHELOVITCH, 2011,
p. 187)

É por meio da construção do objeto que se constrói a materialidade objetiva de um


mundo representado como real. É a sua solidez que conduz a visão do tempo, do espaço, das
condutas, dos costumes, das crenças, dando significado e estabilidade à realidade. Sem a
estabilidade do objeto, a representação perde seu significado, a noção de sentido estaria abalada,
o que pode comprometer a construção da própria realidade. Desta forma podemos destacar que
a rigidez ou a flexibilidade com o qual o sistema de conhecimento é desenvolvido e
estabelecido, independentemente da estrutura histórica, vai depender do quão estável é o objeto
da representação. “Embora uma das tarefas mais importantes do objeto seja expressar a solidez
do mundo objetivo, ele também opera como uma plataforma a partir da qual novos pontos de
partida são construídos e imaginados” (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 189). É o reconhecimento
do objeto que vai indicar a estabilidade de uma realidade, suas possíveis inovações ou a criação
de outras.

2.4 A dimensão simbólica das representações sociais

Ao discutir as representações sociais, podemos destacar que uma representação é uma


forma estruturada de compreender como os processos fundamentais para racionalidade da vida
humana emergem e, consequentemente, dão sentido ao mundo real. Uma representação não surge
de um espaço vazio ou de um estágio neutro, ela se forma a partir da organização dos
simbolismos que estão estruturados e fundamentados na histórica dinâmica da vida social. Nas
reflexões de Jovchelovitch, as representações são construídas a partir da compreensão do sentido.
“É apenas pela consideração do sentido e da função simbólica que uma perspectiva
verdadeiramente psicossocial da representação pode emergir” (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 37).
Vale ressaltar que esta visão simbólica atribuída à representação está presente desde os
trabalhos do filósofo Arthur Schopenhauer, quando ele partiu de outros autores10 para discutir

10
Segundo Mora (1950b, p. 627), o filósofo Schopenhauer apoia-se nos trabalhos de Platão e Kant, bem como
nas especulações metafísico-religiosas presentes no budismo para discutir o mundo como objeto de
representação.
31

sobre a representação do mundo, argumentando que o mundo só existe como tal devido à
representação. Nesta ótica, ele defendeu que “os objetos do conhecimento não têm uma
realidade subsistente por si só, e que são meramente o resultado das condições gerais de suas
possibilidades: o espaço, o tempo e a causalidade11. Desta forma, Schopenhauer acreditava que
o mundo como se apresenta é consequência do resultado das inconsistências das multiplicidades
de possibilidades que podem surgir com as representações. (MORA, 1950b, p. 627). Os objetos
representados não são resultados de um processo aleatório ou vazio, são imagens criadas e
refletidas por indivíduos e grupos que dão sentido a eles. Para Moscovici (1979, p. 43), “toda
representação é uma representação de alguém. Em outras palavras, é uma forma de
conhecimento colocado por quem sabe dentro do que ele conhece”, permitindo-lhe estruturar
estes conhecimentos que serão partilhados.
Podemos perceber que é a partir da função simbólica que uma representação é
estruturada e constituída pelos significados que são dados aos símbolos, às figuras. Em torno
das representações, há uma relação cíclica constante, uma ação naturalizada inconscientemente
que está além do desejo consciente de representar. É nesta relação que a figura encontra o
significado e que o significado encontra a figura para dar sentido a uma representação.

Gráfico 1 – Movimentos cíclicos de uma representação

Gráfico criado pelo autor com base em gráfico de Moscovici (1979, p. 43)

Desta forma, a análise do sentido pode fazer com que as compreensões de diferentes
representações possam estar relacionadas ao mundo social.

11
“[...] los objetos del conocimiento no tienen una realidad subsistente por sí misma, que son meramente el
resultadode las condiciones generales de su posibilidad: el espacio, el tiempo y la causalidad [...]” (MORA,
1950b, p. 627).
32

É a análise do sentido que pode esclarecer o fato de que diferentes pessoas, em


diferentes contextos e tempos, produzem diferentes visões, símbolos e narrativas
sobre o que é real, e é apenas através da compreensão do sentido que podemos
entender como diferentes apresentações se relacionam entre si e quais são suas
consequências do mundo social. (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 37).

Assim, a análise do sentido possibilita a compreensão da função simbólica que passa a


ser usada para o entendimento da realidade, que não está limitada a uma cópia do mundo, e sim
estruturada através dos sentidos que são compreendidos além de uma relação Eu/Outro. Esta
visão do sentido representacional se estrutura através de uma realidade estabelecida pela
internalização do mundo, que parte da relação de significados compreendidos de aspectos
sociais que se relacionam. Desta forma, o sentido possibilita o reconhecimento da representação
estabelecida pelo contato entre indivíduo e comunidade, não como uma construção lógica do Eu
e do Outro, ou do Eu para o Outro, mas de significados que se estabelecem e se restabelecem a
partir de aspectos importantes da realidade dos mundos que coabitam o Eu, o Outro e os
Contextos sociais que se inter-relacionam (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 38).
É através da compreensão do sentido que os arranjos sociais se estruturam em um
sistema representante em que a relação passa a ser compartilhada entre os agentes de uma
sociedade. Nesta relação estabelecida entre os indivíduos e comunidades, a função simbólica
constrói representações não apenas dando sentido a um objeto, mas revelando suas
representações sobre o que o grupo social considera importante na compreensão do mundo:

Pela representação, indivíduos e comunidades não apenas representam um


determinado objeto e o estado de coisas no mundo, mas também revelam
quem são e o que consideram importante, as inter-relações em que estão
implicados e a natureza dos mundos sociais que habitam.
(JOVCHELOVITCH, 2011, p. 38)

Desta forma, “a psicologia social da representação considera a significação e o contexto


social como dimensões fundamentais de todos os fenômenos representacionais”
(JOVCHELOVITCH, 2011, p. 38), os quais, por sua vez, são consolidados e definidos a partir
da racionalidade com que os diversos saberes se constituem, se consolidam, evoluem e se
transformam.
Neste sentido, a representação passa a ser compreendida como o sistema que se
(re)estrutura a partir de significados construídos através das inter-relações formadas por um
aspecto triangular que se estabelece entre o Eu (sujeito presente no mundo existencial) em sua
relação com o Outro, e estes dois com o Contexto (mundo em que estes coabitam), criando
33

significados e passando a construir seus saberes como objeto da representação. No mesmo


direcionamento que Jovchelovitch, Valsiner (2015) destaca que a TRS se estrutura a partir das
construções simbólicas complexas que se consolidam através as relações que acontecem em um
estado interacional entre o Eu/Outro/Objeto. Por meio da consolidação deste processo, as
representações passam a ser reconhecidas pelos cruzamentos que possibilitam o estado de
reconhecimento destes símbolos, de forma sólida, pelo grupo de um determinado contexto
social.
Podemos perceber, então, que o desenvolvimento de uma representação não pode ser
compreendido sem os aspectos históricos e psicossociais que o tornam possível, principalmente
se tomarmos como referência a visão de que a história é uma sucessão de acontecimentos que
promovem uma infindável trama na interação social (LEME, 1993). Destarte, esses aspectos só
se tornam possíveis de serem constituídos a partir da incorporação e compartilhamento de
diversos acontecimentos sociais partilhados por indivíduos e sociedade.
Mesmo sem a pretensão de discutir profundamente, neste trabalho, a ontogênese das
representações, podemos destacar que a construção “do objeto pela representação simbólica [...]
é ao mesmo tempo um processo cognitivo, afetivo e social” (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 57),
fazendo com que a criança compreenda o objeto a partir de uma construção emocional que
esteja diretamente ligada ao interesse de conhecer e ao desejo de saber. Neste sentido:

O desejo de saber é central na infância e pode ser visto claramente na


intensidade da ação simbólica criativa, lúdica e construtiva da criança. Mas ele
continua a formar, por meio de formas culturalmente sublimadas, a relação
entre atores sociais adultos e os saberes que eles produzem em campos sociais.
(JOVCHELOVITCH, 2011, p. 57).

Nesta perspectiva, podemos compreender que os processos que estruturam as


representações não podem estar dissociados dos elementos históricos e psicossociais que os
constituíram na primeira instância do desenvolvimento. Desde os seus primeiros momentos de
vida, a criança passa a formar suas representações psíquicas e emocionais a partir de seus
esquemas sensório-motores, o conhecimento do mundo que a cerca, e da sua própria existência,
através da consciência de si. Estes fatores, que são conduzidos por meio da estruturação de
símbolos, passam a construir relações interpessoais que propiciam diretamente o
desenvolvimento emocional e psíquico no qual ela se desenvolve. Com isso, passa a construir
suas representações por meio de múltiplas relações consigo (Eu), com o Outro e com o Mundo.
34

Desta forma, a construção de uma representação tem suas bases na construção emotiva
que um adulto traz da sua primeira infância, uma vez que é, nesta fase, que são traçadas as
primeiras inter-relações que envolvem o Eu/Outro/Objeto. É, nas estruturas afetivas, que o
processo sociocognitivo estabelece suas conexões e adquire sentido representacional capaz de
conhecer o mundo através da representação.

Seria difícil, se não impossível, ignorar o caráter afetivo das representações


construídas na primeira infância quando a função simbólica está no seu
apogeu e as construções da criança estão permeadas pela vida emocional do
Eu e pela intensidade das interações que constituem os primeiros encontros
com um mundo de pessoas e objetos que constituíram o “não Eu”.
(JOVCHELOVITCH, 2011, p. 63).

Neste sentido, vale destacar que a função simbólica das representações rompe com as
restrições que envolvem o objeto-mundo colocando-a em um movimento mais livre através da
expressão de intenções, dos sonhos, dos desejos, das fantasias, e de todos os elementos
subjetivos que a cercam. Na perspectiva de progredir sobre a dimensão da emoção e dos afetos
inconscientes que envolvem a psicologia social das representações, Jovchelovitch (2011, p. 63)
utiliza os conceitos de espaço potencial do princípio do prazer e o princípio da realidade como
instrumentos analíticos dos campos representacionais.
Esta função simbólica que constitui a compreensão do mundo através de seus elementos
externos presentes no Outro, e os elementos internos que direcionam como o indivíduo ligado
ao Eu se situa no mundo, cria um espaço de convergências que nos permitem representar o
mundo. Este ponto de convergência em que se estabelece a função simbólica pode ser
reconhecido como o que Jovchelovitch (2011, p. 68) chamou de espaço potencial. Nesta ótica, o
espaço potencial, passa ser fundamentado pela representação simbólica que, a partir de suas
relações, possibilita reconhecer uma realidade compartilhada.
Assim, as Representações passam a ser estabelecidas a partir dos processos emocionais
inconscientes que estão envolvidos na construção simbólica do mundo, o que demonstra que a
representação é concebida num entrelaçar de processos emocionais e sociais que envolvem o
indivíduo e seu grupo. Partindo desta visão, Leme (1993, p. 50) aponta para o fato de que
Moscovici trouxe, para a discussão, a importância do indivíduo na formação das representações
sociais como seres capazes de construir uma nova percepção de mundo e que, através de suas
relações cotidianas, podem construir novas representações. Desse modo, os aspectos simbólicos
35

que envolvem a elaboração dos elementos afetivos e emocionais na construção do


conhecimento individual são partilhados em representações sociais (LEME et al 1989, p. 30).
Nesta perspectiva, a representação é o “elo” que estabelece uma comunicação
constituída e compartilhada dos conhecimentos, entre os membros de um grupo que a
constituem e compartilham dos seus entendimentos numa ação social simultânea. Então, a
representação, ao mesmo tempo em que é estruturada pelo grupo, torna-se estruturante dos
conhecimentos partilhados socialmente. Uma vez que “as visões centradas na mente isolada são
obviamente limitadas e limitantes; a representação pertence ao ‘entre’ da comunicação humana
e da ação social e não é produto de mentes individuais fechadas em si mesmas”
(JOVCHELOVITCH, 2011, p. 73). Uma representação não surge de um indivíduo isolado,
como base de um pensamento único que direciona seu entendimento de mundo, sua visão das
coisas. É no social que a representação é construída, consolidada, reconstruída e revalidada. Ela
é desenvolvida a partir das fenomenologias sociais que acontecem simultaneamente através das
comunicações entre os sujeitos de um grupo e suas relações “ontológicas, epistemológicas,
psicológicas, sociais, culturais e históricas” (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 74). É desta
estrutura representacional, direcionada por aspectos da vida social contextualizada, que as
representações sociais se erguem, passando a relacionar elementos abrangentes e complexos da
racionalidade, através dos sistemas que ligam os saberes que emergem através do envolvimento
entre os indivíduos, o ambiente, a cultura e seus aspectos históricos. É neste direcionamento que
a TRS se aprofunda em suas concepções, ultrapassando aspectos da psicologia social para
atingir também novos saberes produzidos, estabelecidos e transmitidos em uma estrutura social.
Moscovici (2015) pensa a psicologia social como um caminho que é capaz de perceber
como o conhecimento do senso comum e o conhecimento cientificamente estruturado são
construídos através de reações normativas, a partir das quais tanto as pessoas comuns quantos
cientistas emitem sobre o fenômeno que é percebido. Para ele, a representação passa por
processos que podem ser compreendidos através da observação do que é familiar, da aceitação
inquestionável dos entendimentos cotidianos, das reações que temos diante dos acontecimentos
e das respostas dadas aos estímulos que estão relacionados às definições, de forma comum, a
todos os membros de uma determinada comunidade. A representação nos orienta “em direção
ao que é visível como àquilo a que nós temos de responder; ou que relacionam a aparência à
realidade; ou de novo aquilo que define essa realidade” (MOSCOVICI, 2015, p. 31).
Como pessoas comuns, analisamos o mundo através de uma lente compartilhada, que
quase sempre o generaliza e o define de maneira semelhante. Por vivermos em um mundo
36

social, todas as informações passam por esta lente das representações, que, de certa forma, as
moldam, as distorcem e dão valores instáveis aos objetos e às pessoas. Desta forma, a TRS
“deve ser entendida não apenas como uma psicologia social dos saberes, mas também como a
teoria sobre como os novos saberes são produzidos e acomodados no tecido social”
(JOVCHELOVITCH, 2011, p. 86). Essas representações sociais podem ser transformadas a
partir de novos olhares de novos sujeitos, que passam a construir novos saberes através de
novas formas de ver o mundo e construir uma nova realidade. É nesse aspecto que esta teoria se
destaca, uma vez que passa a reconhecer a capacidade individual na criação de novas
representações, sem se deixar cair numa perspectiva do individualismo.

2.4.1 Representações sociais e os fenômenos cotidianos

Jovchelovitch (2011) destaca as representações como uma teoria e como um fenômeno.


Para ela, as representações sociais “são uma teoria que oferece um conjunto de conceitos
articulados que buscam explicar como os saberes sociais são produzidos e transformados em
processo de comunicação e interação social”, da mesma forma, que “são fenômenos que se
referem a um conjunto de regularidades empíricas compreendendo as ideias, os valores e as
práticas de comunidades humanas sobre objetos sociais específicos, bem como os processos
sociais e comunicativos que os produzem e reproduzem”. (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 87)
Dessa forma, podemos destacar que as representações sociais são fenomenologias da
vida cotidiana, capazes de construir saberes ligados às pessoas comuns e às suas comunidades,
buscando reconhecer diferentes aspectos que possam produzir conhecimentos através de
elementos relevantes a si mesmos, dando, sobretudo, legitimidade aos diversos saberes que
consolidam as práticas de um grupo, as tradições culturais e as histórias ligadas a uma
determinada comunidade.
Com isso, as representações sociais revelam-se como uma forma de reconhecer
conhecimentos, através dos diferentes aspectos que consolidam as visões de mundo e as crenças
que têm suas conexões diretas com a vida cotidiana e todos os saberes relacionados a ela. Nesta
perspectiva, a TRS contraria a ideia de que os conhecimentos, ligados aos diversos fatores
cotidianos, são inconsistentes e condicionados ao erro. Ela busca, justamente, promover o
reconhecimento dos saberes cotidianos ligados ao senso comum como fonte de saberes
legítimos. E à medida que ela analisa como estes conhecimentos surgem e são partilhados, ela
compreende como estes conhecimentos são percebidos e vivenciados pelo grupo social.
37

Buscando dialogar sobre estas complexidades que envolvem os estudos da TRS,


Valsiner (2015) discute como esta teoria tem papel ativo e busca dar sentido às relações de
conhecimento de indivíduos que agem na sociedade. Desta forma, ele destaca que as
representações sociais são delimitadas pela realidade social, e essa abordagem teórica traz,
nesse processo – como objetos de suas investigações – todos os fatores versáteis e complexos
que envolvem “os modos sociais de representar mundo” (VALSINER, 2015, p. 29).
Para ele, o processo de se relacionar com o mundo social gera representações sociais que
desempenham papéis dinâmicos na vida cotidiana, que podem estabilizar ou desestabilizar a
dinâmica social. Dessa forma, observa-se que uma representação social se estabelece a partir de
três modos que passaram a dialogar entre si: (1) a Impessoalidade, que está ligada a todos que
geram influência sobre ela; (2) o Outro, que direciona uma visão de mundo capaz de gerar
influências a partir de indivíduos opostos; e (3) a Pessoalidade, que está ligada diretamente ao
Eu como fenômeno do ego. Por mais que esses elementos se aproximem ou se distanciem, se
harmonizem ou desarmonizem, apazíguem ou conflitem, eles resultam em processos que
compartilham as mesmas tensões e configuram signos que pertencem a elementos simultâneos
ao Eu – como construção pessoal; ao Outro – como elemento externo oposto; e a Todos – como
elementos compartilhados entre os vários.

Gráfico 2 – Elementos que dialogam em uma representação social

Gráfico criado pelo autor com base nas discussões de Valsiner (2015).

As representações sociais, por serem fenômenos da vida social, assumem um papel


dinâmico capaz de estabilizar e desestabilizar as alternâncias que envolvem a dinâmica da vida
social, gerando um equilíbrio entre as várias partes presentes no complexo sistema interacional,
reduzindo e ampliando: poderes; preconceitos; opiniões; gostos; liberdades; tolerâncias etc. Elas
são capazes de intervir e orientar os processos já existentes e os que virão a existir.
38

Por lidar com as flexibilidades, as dinâmicas e as contrariedades geradas pelas oposições


e proximidades que são compartilhadas no meio social, as representações sociais tornaram-se
uma forma eficaz na tentativa de compreender os fenômenos representacionais que envolvem as
relações psicossociais em todas as suas complexidades.

Dada esta atenção, não é de surpreender que as Representações Sociais como


uma noção na Teoria das Representações Sociais apareça vaga. Elas são
representações que não estão localizadas em uma pessoa ou em uma
sociedade, mas precisamente no processo de relação entre uma e outra, pessoa
e sociedade. Daí a noção de que as Representações Sociais se ajustem (fit) ao
papel de organizadores semióticos das relações das pessoas com seus mundos
sociais. (VALSINER, 2015, p. 34).

Ao discutir a TRS como uma teoria prática, Valsiner (2015) direciona seu olhar para
uma observação que marca o desenvolvimento das teorias como uma batalha de campo aberto,
em que estão expostos tanto o pesquisador, quanto os pesquisados, no reconhecimento dos
saberes consolidados. Ou seja, ela é produto de uma constante discussão dialética que envolve
as fenomenologias sociais empiricamente estabelecidas e os princípios teóricos que envolvem
os agentes ativos de uma sociedade. Para este autor “a TRS não é uma teoria do
desenvolvimento, mas uma teoria que torna possível dar conta das várias transformações
dinâmicas” que acontecem nas inúmeras relações entre pessoas/sociedades (VALSINER, 2015,
p. 36). As representações sociais podem ser compreendidas como uma forma de reconhecer que
elementos expressivos – tanto os constituídos historicamente, quanto os que vão sendo
conduzidos ou reconduzidos, criados ou recriados dentro de uma estrutura social dinâmica –
possam ser percebidos como fatores de transformação e estruturação das multiplicidades de
fatores expressos num determinado contexto a partir de suas próprias produções e do imaginário
social.

2.4.2 O processo de ancoragem e objetivação

Reconhecendo que as representações sociais são estruturas que se desenvolvem a partir


dos conhecimentos que circulam cotidianamente no dia a dia dos indivíduos, percebe-se que
elas têm a função de lidar com as informações por meio de um processo comunicativo
possibilitando construir, consolidar ou transformar um conhecimento. Na busca por tornar o que
é estranho a um indivíduo ou a um grupo em algo familiar, a teoria idealizada por Moscovici
(1976) passa a discutir essas intervenções sob a perspectiva da ancoragem e da objetivação.
39

O ato de representar não deve ser encarado como um processo passivo reflexo
da consciência de um objeto ou conjunto de ideias, mas como processo ativo,
uma reconstrução do dado em um contexto de valores, reações, regras e
associações. Não se trata de meras opiniões, atitudes, mas de “teorias”
internalizadas que serviriam para organizar a realidade. A função da
representação é tornar familiar o não familiar numa dinâmica em que objetos e
eventos são reconhecidos, compreendidos com base em encontros anteriores,
em modelos. (LEME, 1993, p. 48).

Diante do reconhecimento dos acontecimentos pertencentes a uma dinâmica social, em


que a memória passa a ser um elemento capaz de estabelecer consensos, Moscovici (1976;
2015) traça a ancoragem e a objetivação como processos pelos quais as representações se
estabelecem, passando a propor que a ancoragem tem a capacidade de fazer o que é estranho se
aproximar de categorizações reconhecíveis, que possam ser classificadas e rotuladas através de
valores atribuídos, posicionando-se em ordens hierárquicas. Nesta ótica, o processo de
ancoragem traz, para o nível de representação, elementos que estão relacionados às memórias, o
que, desta forma, possibilita às relações sobre uma percepção positiva ou negativa dos fatos,
acontecimentos, processos, interações que estão presentes em uma representação. A ancoragem
busca dar sentido ao que é representado através de significados já reconhecidos, internalizados e
generalizados numa estrutura normalizada (LEME, 1993; RAUSKI, 2015). Ela estabelece a
organização dos novos conhecimentos em articulação com os preexistentes, ou seja, ela
possibilita a incorporação de novas informações estabelecidas em conteúdos cognitivo-
emocionais que passam a ser convertidos em um novo objeto (SAWAIA, 1993, p. 73).
Nessa perspectiva, podemos compreender que o processo de ancoragem nunca é neutro:
ele estabelece valores positivos e negativos de acordo com as estruturas vigentes sobre a ordem
de maior ou menor importância dentro de uma perspectiva hierárquica (MOSCOVICI, 2015, p,
63). Com isso, as representações passam a ter em suas estruturas traços da memória que são
facilmente reconhecidas pelo grupo. Quanto mais esta memória é compartilhada e integra as
lembranças de um coletivo, mais ela está presente nas representações sociais de um
determinado indivíduo ou grupo.
Por outro lado, a objetivação busca concretizar aspectos que estão relacionados a
elementos imagéticos, a estruturas abstratas, presentes na construção do que se conhece sobre
algo. Ela normaliza as representações sociais apoiando-se na subjetivação, intersubjetivação e
transubjetivação. Isto possibilita que os elementos abstratos sejam reconhecidos como
concretos, estejam eles numa esfera individual (subjetiva), consensual entre indivíduos
40

(intersubjetiva), ou reconhecida por um grupo (transubjetiva), à medida que divide os


aspectos individuais e consensuais na construção do conhecimento coletivo que forma as
representações sociais (RAUSKI, 2015). Assim, a objetivação consiste em transformar o que
está em um campo imaginário subliminar em “realidade”. Podemos observar isso na construção
do que é divino, na fé, nos mitos e em tudo o que é intangível fisicamente, que passa a ser
percebido como uma realidade concreta que se estabelece através de sentimentos reais (LEME,
1993, p. 49).
Reconhecemos, então, que a “ancoragem é o processo de assimilação de novas
informações a um conteúdo cognitivo emocional preexistente, e objetivação é a transformação
de um conceito abstrato em algo tangível” (SAWAIA, 1993, p. 76). Desta forma, as
representações sociais passam a fazer uma ligação com o sujeito ativo que estabelece e
compartilha suas dimensões criativas na sociedade através aspectos simbólicos que compõem a
realidade, contrapondo-se, assim, à perspectiva cognitiva, focada apenas nos processos
individuais.
Todavia, ao trazer para a discussão as dimensões afetivas ao abordar os aspectos
cognitivos como base para centralidade das representações, Campos e Rouquette (2003)
destacam que há poucos estudos que desenvolvem as relações afetivas e emocionais das
representações. Os autores defendem a pertinência da crítica sobre a psicologia social,
principalmente nas pesquisas relacionadas às representações sociais, pela dificuldade que a área
tem de integrar aos seus estudos os aspectos emocionais que envolvem as práticas coletivas e as
relações simbólicas ligadas a elas. Eles acolhem esta crítica, mesmo identificando que os
principais trabalhos da área reconhecem a função dos processos emocionais no funcionamento
das representações. Neste sentido,

Se considerarmos que uma representação é um conhecimento estruturado que


tem um papel determinante no modo como os indivíduos vêm e reagem face à
realidade, fica evidente que este conhecimento é dotado de cargas afetivas, é
atravessado (ou poderia se dizer, “ativado”) por um componente afetivo.
(CAMPOS; ROUQUETTE, 2003, p. 435).

Assim sendo, podemos reconhecer que o estudo das representações sociais ultrapassa os
aspectos puramente cognitivos, assimilando elementos das dimensões afetivas e imaginárias,
superando a divisão estabelecida entre a concepção de cognição e emoção. Por consequência,
uma representação não pode se dissociar dos seus aspectos afetivos que entrelaçam a sua
construção. Logo, a ancoragem e a objetivação ampliam a sua abrangência a partir da
41

perspectiva de trazer para as representações a memória afetiva-emocional circulante, tanto nos


indivíduos quanto no grupo. Esses processos permitem “entender a participação do emocional
no processo de produção de ideias hegemônicas e vice-versa” (SAWAIA, 1993, p. 81), pois eles
geram sentido e estruturam o mundo real a partir da realização dos eventos que envolvem os
fenômenos afetivos que compõem a própria realidade. Entretanto, estes processos afetivos,
sistematicamente estruturados nas bases da memória social, sofrem uma instabilidade com as
alterações que podem ocorrer nas representações já estabelecidas.
Para Jovchelovitch, “o não familiar abala identidades e comunidades, desafia visões
tradicionais […] propõe maneiras radicalmente novas de proceder” (JOVCHELOVITCH, 2011,
p. 201). Contudo, é na consciência do que é estável e na própria construção das mudanças que
as representações se acomodam e se harmonizam. Com isso, podemos entender que as
representações sociais ao lidar com o sistema de ancoragem e a objetivação trazem, para a
realidade, a perspectiva de instaurar o novo, a possibilidade da quebra de paradigmas que se
estruturam de forma hegemônica, as mudanças nas bases tradicionais que envolvem o social.
Ela possibilita direcionar o olhar para os processos inovadores e abrem-se para as mudanças que
podem ocorrer no campo social ao tornar o não familiar em algo familiar (MOSCOVICI, 2015,
p. 61).

2.5 A teoria do núcleo central das representações sociais

As discussões trazidas sobre a TRS transitam nos diversos constructos teóricos,


abordados por diversos autores – como Moscovici, Jodelet, Jovchelovitch, Spink, Sá, entre
outros. Eles apontam para o direcionamento que mostra as representações sociais centradas em
aspectos que envolvem os fenômenos cognitivos, afetivos e imaginários estabelecidos pelas
relações emanadas das experiências, das práticas e dos pensamentos construídos e socialmente
estruturados e partilhados em uma dinâmica social. Nesta perspectiva, compreender o que
sustenta as suas estruturas contribui para o reconhecimento da própria representação, através da
rigidez ou flexibilidade em que são organizados os fenômenos sociais.
Entretanto, os indivíduos e a sociedade estão em um constante processo de
transformação e expansão, no qual são modificadas suas redes de saberes, seus processos de
comunicação, suas relações com outros grupos etc. Estas transformações acabam gerando novas
representações que se estruturam com estes novos conhecimentos e as novas visões de mundo
42

que passam a emergir. Nesta perspectiva, não só a criação de representações está sujeita a
olhares transformadores, mas a própria teoria que a estuda.
Nesta perspectiva, podemos observar que os vários pesquisadores que desenvolveram
seus trabalhos após Moscovici compreenderam que uma representação social é estabelecida por
um conjunto de informações, organizadas e estruturadas, que envolvem um dado objeto por
meio de um sistema de crenças, opiniões, comportamentos, atitudes que o define. Entretanto,
olhando mais adiante, Jean-Claude Abric avançou em uma direção que passa a analisar as
representações a partir de uma organização interna da própria representação, um olhar de si para
si. Uma investigação dos elementos que são estruturantes da representação, buscando
compreender quais são os elementos que a fundamentam e que estabelecem seus significados
como uma representação. Foi com este olhar que ele seguiu seu caminho e passou a traçar seus
estudos para apresentar a Teoria do Núcleo Central, como uma teoria complementar mais
objetiva para as representações sociais. Este novo olhar pode ampliar a compreensão de como
estas representações se organizam e se manifestam na sociedade. Buscando em trabalhos de
filósofos e psicólogos que o antecederam, Abric (2001, p. 20-22) procurou aprofundar seus
estudos sobre a centralidade nas representações, ao analisar e ampliar a visão que Moscovici
levantava sobre o núcleo simbólico, e propôs a Teoria do Núcleo Central destacando que o
núcleo central passa a ser construído pelos elementos essenciais de uma representação. Ou seja,
é este núcleo que passa a definir o objeto da representação através da origem de seus valores.
Orientado por Serge Moscovici, na Univerité de Provence, Abric desenvolveu seu
estudo sobre o tema do núcleo central em sua tese, no ano de 1976. Nesta pesquisa, ele
apresenta a essência de sua teoria, ao esclarecer “que se trata dos conteúdos cognitivos da
representação social, os quais estão organizados e estruturados em volta de um núcleo central e
dentro de sistemas periféricos” (MARQUES; MUSIS, 2016, p. 35). Todavia, Sá destaca que
esta teoria só passou a ter uma maior influência a partir do início dos anos de 1990, “quando
surgiram as condições para maior reconhecimento dos esforços de elaboração teórica e
metodológica complementares à grande teoria” de Moscovici (SÁ, 1996b, p. 20).
Nesta perspectiva, Abric pode superar a visão do objeto encontrando a origem de seus
valores, sem necessariamente se prender aos aspectos concretos, figurativos, ou a seus
esquemas padronizados. Para este autor, “toda representação está organizada ao redor de um
43

núcleo central”12, que se apresenta como elemento estruturante, uma vez que determina o seu
significado e a organização. Para ele, o núcleo central é o elemento balizador de toda a
representação, sendo o responsável por atribuir conceito, gerar sentido e sistematizar os objetos
representados. É através do núcleo que a função geradora e organizadora de uma representação
é estabelecida, envolvendo, com isso, um arranjo em torno de um elemento central que dá
significado à própria representação (ABRIC, 2001, p. 20).
O núcleo central pode ser reconhecido nas construções das representações ligadas às
memórias coletivas e às normas construídas e asseguradas pelo grupo que o representa, e que
pouco podem ser abaladas pelos elementos periféricos (RAUSKI, 2015, p.60). Podemos
destacar que é o núcleo que se mantém firme e assume a função de organizar os elementos que
definem uma representação social, mesmo que este esteja constantemente lidando com
elementos contrastantes do sistema periférico, o qual “contém elementos condicionais e
flexíveis que lidam geralmente com aspectos práticos, contradições eventuais, e idiossincrasias”
(WACHELKE, 2014, p. 105)13.
Ao aprofundar este debate, Abric (2001) detalha que uma representação acontece por
uma organização deste duplo sistema – o central e o periférico – que a rege. Ao estruturar esta
teoria, ele destaca que o sistema central (núcleo central) é composto por elementos enraizados
na estrutura social que estão diretamente ligados aos seus aspectos históricos, sociológicos e
ideológicos, uma vez que estes aspectos apresentam uma maior resistência a mudanças. Este
sistema, por caracterizar a estrutura mais sólida de uma representação, liga-se aos valores e às
normas e guiam os princípios que assumem as bases fundamentais ao redor de uma
representação. Para Sá, as características atribuídas ao núcleo central são as seguintes:

1. é marcado pela memória coletiva, refletindo as condições sócio-históricas; e


os valores do grupo; 2. constitui a base: comum, consensual, coletivamente
partilhada das representações, definindo a homogeneidade do grupo social; 3.
é estável, coerente. Resistente à mudança, assegurando assim a continuidade e
a permanência da representação; 4. é relativamente pouco sensível ao contexto
social e material imediato no qual a representação se manifesta. Suas funções
são gerar o significado básico da representação e determinar a organização
global de todos os elementos. (SÁ, 1996b, p. 22).

12
Toda representación está organizada alrededor de un núcleo central. Este es el elemento fundamental de la
representación puesto que a la vez determina la significación y la organización de la representación. (ABRIC,
2001, p. 20).
13
“[...] contains conditional and flexible elements, which deal mostly with practical aspects, eventual
contradictions, and idiosyncrasies” (WACHELKE, 2014, p. 105). Tradução “oficial” para o português feita
pelo autor do artigo original, publicado no periódico Psicologia Teoria e Pesquisa.
44

Estas características fazem do sistema central o responsável por organizar os elementos


que compõem a base comum social, promovendo, com isso, uma maior homogeneidade em um
grupo, mesmo que os comportamentos individuais possam parecer contraditórios ao que se
reconhece no coletivo (MARQUES; MUSIS, 2016). Este sistema se torna o responsável por
promover a estabilidade e a coerência de uma representação, garantindo, assim, a sua
permanência no tempo, criando forte resistência para que seu processo de evolução aconteça
lentamente.
Por outro lado, o sistema periférico tem suas bases estruturadas nos processos
individualizados e contextualizados nos quais os indivíduos estão inseridos. Nesta ótica, é o
sistema periférico que “permite modulações pessoais ao redor do núcleo central comum,
gerando representações sociais individualizadas”14 (ABRIC, 2001, p. 26). Este sistema também
apresenta algumas características, como veremos a seguir, que direcionam suas reações no
processo de organização das representações.

1. permite a integração das experiências e histórias individuais; 2. suporta a


heterogeneidade do grupo e as contradições: 3. é evolutivo e sensível ao
contexto imediato. Sintetizando, suas funções consistem, em termos atuais e
cotidianos, na adaptação à realidade concreta e na diferenciação do conteúdo
da representação e, em termos históricos, na proteção do sistema central. (SÁ,
1996b, p. 22).

Essas características apresentam, como forte marca, uma maior flexibilidade em relação
ao sistema central, o que lhe permite uma maior adaptação em função das experiências vividas
em suas práticas cotidianas. É justamente esta flexibilização do sistema periférico que gera uma
proteção ao núcleo central. Esta região periférica, ao envolver o núcleo, permite que
informações e práticas diferenciadas – que possam apresentar heterogeneidade em seus
conteúdos e condutas comportamentais – sejam assimiladas e incorporadas no sistema
periférico sem que o núcleo seja necessariamente abalado. Assim sendo, vale destacar que “o
sistema periférico não é, portanto, um elemento menor da representação. Pelo contrário, é
fundamental, pois, associado ao sistema central, permite que ele seja ancorado na realidade”15
(ABRIC, 2001, p. 26).

14
“Permite modulaciones personales en torno a un núcleo central común, generando representaciones sociales
individualizadas” (ABRIC, 2001, p. 26).
15
“Este sistema periférico no es, por tanto, un elemento menor de la representación. Al contrario, es
fundamental puesto que asociado al sistema central le permite anclarse en la realidad. (ABRIC, 2001, p. 26-
27)
45

Seguindo na discussão, Marques e Musis (2016) destacam que o sistema periférico é


composto por duas periferias, uma reconhecida como zona de contraste e a outra que podemos
chamar de zona de identificação. Esta última seria a responsável por possibilitar a identificação
das características individuais e do que o indivíduo reconhece como sua realidade, permitindo-
lhe reconhecer as diferenças e realizar adaptações em decorrência das experiências vividas. Ao
assumir como característica marcante a flexibilização em relação ao núcleo central, o sistema
periférico “permite a integração de informações e de práticas diferentes. Ele também é
fundamental, pois junto com o núcleo central possibilita a ancoragem na realidade” partilhada
por um grupo (MARQUES; MUSIS, 2016, p. 36). De modo geral, mesmo funcionando como
uma barreira de proteção e contenção, para a manutenção da centralidade de uma representação,
o sistema periférico age, ao mesmo tempo, abrindo caminhos para a aquisição de novas
informações que podem levar a novas práticas, por isso, ele pode direcionar para o
reconhecimento de possíveis transformações em uma representação, que possam vir a ocorrer
no futuro.

É a existência deste duplo sistema que permite entender uma das


características mais essenciais da representação social que pode parecer
contraditória: elas são estáveis e móveis, rígidas e flexíveis. Estáveis e rígidas
por que estão determinadas por um núcleo central profundamente ancorado
em um sistema de valores compartilhado entre os membros do grupo; móveis
e flexíveis porque são alimentadas pelas experiências individuais e integram
os dados experienciados em uma situação específica, da evolução das relações
e das práticas sociais em que os indivíduos e os grupos estão inseridos16.
(ABRIC, 2001.p. 27).

Segundo Monaco e Lheureux (2007), a estrutura organizacional do núcleo central é o


que possibilita a manutenção ou alteração de uma representação. A sua inconsistência, por
menor que seja, possibilita a transformação do elemento central, e consequentemente a
representação será alterada. “O sistema central funciona como um ‘filtro’ mental através do qual
a realidade é percebida e julgada”. É através dele que as informações são emitidas, analisadas,
julgadas e internalizadas. Contudo, mesmo que a informação emitida para grupos distintos seja
a mesma, ela não será assimilada da mesma forma se os grupos possuírem o sistema central

16
Es la existencia de ese doble sistema lo que permite entender una de las características esenciales de la
representación social que podría aparecer como contradictoria: son a la vez estables y móviles, rígidas y
flexibles. Estables y rígidas porque están determinadas por un núcleo central profundamente anclado en el
sistema de valores compartido por los miembros del grupo; móviles y flexibles porque son alimentadas de las
experiencias individuales e integran los datos de lo vivido y de la situación especifica, la evolución de las
relaciones y de las prácticas sociales en las que los individuos a los grupos están inscritos. (ABRIC, 2001, p.
27).
46

diferente. Neste direcionamento, podemos destacar que os elementos centrais – ligados aos
processos cognitivos e emocionais que se interligam com a memória e com os outros elementos
da representação – mantêm uma forte conexão com os elementos periféricos – e com todos os
outros aspectos que fazem parte da representação – e são os responsáveis por direcioná-los na
organização da representação. Com isso, “os elementos periféricos passam a assumir a função
de materializar, regular e defender os significados centrais de acordo com a diversidade de
contextos e individualidades” nos quais eles se apresentam. (MONACO; LHEUREUX, 2007, p.
59).
Pensando nas condições inflexíveis e flexíveis que envolvem o sistema estrutural de
uma representação e na sua capacidade de promover tanto uma manutenção quanto alterações
na representação social, Marques e Musis (2016, p. 36) apresentam algumas funções que podem
ajudar a compreender melhor como acontece o desenvolvimento destes sistemas. Eles destacam
que o núcleo central apresenta duas funções básicas: a primeira identificada como função
geradora, está ligada à construção de sentidos e valores atribuídos a uma representação. Isso
porque ela está associada ao momento da criação de uma representação, da alteração de seus
elementos ou das transformações dos elementos balizares. A segunda, identificada como função
organizadora, está relacionada às conexões estabelecidas pelos elementos que fazem parte da
representação. As ligações que são mantidas têm o poder de unificar e estabilizar o que está
sendo representado. Já para o sistema periférico, os autores apresentam três funções. A primeira,
a função de concretização, está ligada diretamente ao contexto e à percepção de realidade
estabelecida pelo processo de ancoragem. Esta função se liga ao núcleo central, dando-lhe uma
funcionalidade concreta. A segunda, a função reguladora, está ligada às relações mais flexíveis
que compõem os elementos periféricos da representação. Esta função é a responsável pelos
processos de transição que ocorrem em uma representação, possibilitando suas conversões. A
terceira, a função de defesa, promove uma relação de proteção do núcleo central, fazendo com
que o sistema periférico seja o responsável por fazer uma barreira de contenção para defender a
representação.
Uma outra pauta encaminhada na discussão sobre a abordagem estrutural das
representações foi trazida por Campos e Rouquette (2003, p. 436), para quem “a abordagem
estrutural não concebe as representações como um conjunto de eventos e processos puramente
cognitivos; tampouco ela se dedica às tentativas de estabelecer relações de primazia do aspecto
cognitivo sobre o afetivo ou vice-versa”. Com este entendimento, os autores afirmam que uma
representação pode ser compreendida como uma organização de diversos aspectos,
47

afetivos/emocionais e cognitivos, que transpassam as diferentes dimensões na construção de


uma representação. Desta forma, ao guiar os estudos das representações sociais pela abordagem
estrutural, como fazem estes autores, podemos observar que uma situação carregada de
elementos emocionais, vivenciada por um determinado grupo, pode configurar as estruturas
cognitivas que consolidam uma representação, mas também pode ser a promotora de mudanças
na estrutura de uma representação existente. Seguindo esta abordagem, passa-se a reconhecer
que a dimensão afetiva pode influir diretamente em aspectos que envolvem processos
cognitivos e comportamentos avaliativos. Isso pode ser observado quando estabelecemos
critérios de valor sobre um determinado objeto representado ou uma situação que nos envolve,
em que os julgamentos estão relacionados a desconforto ou prazer.
Com isso, ao observar os componentes afetivos e cognitivos que se entrelaçam na
estrutura organizacional de uma representação, podemos reconhecer que o Núcleo Central, por
estabelecer uma relação direta com os elementos pertencentes a essas dimensões, possibilita o
reconhecimento de elementos estruturantes carregados de significados que são construídos na
sua relação direta com a dimensão afetiva.
Podemos compreender, então, que o reconhecimento das representações sociais,
independentemente do campo que se pretende estudar, passa pelos processos de identificação
das estruturas balizares que se estabelecem como núcleo central de um determinado objeto de
conhecimento e das possíveis influências que os elementos periféricos estabelecem sobre estas
representações, dando-lhes sentido e significado.
Assim, ao buscar reconhecer as representações sociais de professores de música atuantes
na educação básica da rede pública, se faz necessário compreender como são construídos os
elementos simbólicos que compõem as suas concepções sobre música a partir de um processo
de identificação dos aspectos sociais, culturais e históricos, que envolvem estes indivíduos e os
grupos aos quais eles fazem parte, bem como compreender como os conhecimentos são
sistematizados, construídos e consolidados no núcleo das suas representações e,
consequentemente, compartilhados através do desenvolvimento das dimensões afetivas e
emocionais que se estabelecem na construção simbólica do objeto representado. Desta forma,
reconhecer a história de vida dos membros deste grupo através dos contatos que eles têm com
outros grupos e instituições, como família, amigos, escola, igreja, trabalho, universidade, entre
outros, nos possibilita uma análise mais detalhada de como estas representações sociais
emergem no cenário da educação musical e da educação básica.
48

3 EDUCAÇÃO MUSICAL E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Já faz um tempo que a educação musical dialoga com as mais distintas áreas do
conhecimento, buscando, cada vez mais, um aprofundamento sobre questões relacionadas aos seus
processos de ensino/aprendizagem e às construções socioculturais e históricas que envolvem os
agentes neles inseridos: professores; alunos; familiares; amigos entre outros. Diante da necessidade
de estabelecer diálogos com outras áreas do conhecimento, a Educação Musical traz, para seus
estudos, reflexões mais abrangentes que possibilitam uma abordagem que relacione suas bases
teóricas e práticas com as mais diversas áreas, como: Musicologia; Etnomusicologia; Antropologia;
Educação; Sociologia; Psicologia; entre outras.
Esta aproximação traz, para os estudos acadêmicos da educação musical – e da música, de
modo geral –, diversos elementos que reforçam que uma determinada área de conhecimento não
está limitada a suas próprias visões, uma vez que está inserida em um mundo formado por diálogos,
interações e experiências que possibilitam e permitem o desenvolvimento de processos evolutivos.
Neste sentido, buscamos reconhecer as relações que se estabelecem entre a área de educação
musical e a psicologia social, através da lente teórica das representações sociais. Procuramos, com
isso, compreender as concepções sobre música e seu ensino presentes no cenário educacional
brasileiro, assim como as abordagens teóricas e metodológicas que têm norteado os estudos dos
processos de ensino/aprendizagem da música.

3.1 A construção de conhecimentos, processos de ensino/aprendizagem musical e a teoria das


representações sociais

Fazendo uma contraposição com as teorias cognitivas e de desenvolvimento


psicológico, que são as mais usadas para explicar os processos de ensino/aprendizagem,
Chaib (2015) discute a TRS como uma forma alternativa de compreender a construção do
conhecimento. Nesta visão, a representação social passa a ser vista como uma teoria do
conhecimento e da comunicação que faz uso da exploração dos fenômenos culturais, sociais e
psicológicos, mostrando-se também importante na educação.
Assim, reconhecemos que as representações são a construção de um saber naturalizado
pelo senso comum que, de certa forma, não se dissociam do conhecimento cientificamente
estruturado, por serem reconhecidas como um objeto legítimo para o estudo científico,
atingindo a mesma importância na vida social.
49

Por estar ligado aos diversos processos de aquisição e troca de conhecimento, o campo
da educação passa a dialogar com a psicologia social, através das representações sociais, à
medida que reconhece as relações dessa teoria com o conhecimento produzido nas mais
distintas instâncias da sociedade. Podemos constatar este crescente diálogo, quando vemos
que estudos envolvendo as representações sociais e a educação vêm se ampliando a partir do
interesse desprendido pelos pesquisadores do campo educacional, ao buscarem compreender
estas relações de construção do conhecimento que acontecem pelos processos interativos
sociais que compartilham seus significados tanto em processos formais quanto não-formais
e/ou informais de ensino/aprendizagem. Para Marques e Musis (2016, p. 39), este processo
vem se consolidando ao longo do tempo. Para eles, esta interação entre as áreas traz inúmeras
“contribuições para a compreensão do conhecimento socialmente partilhado do processo
educacional e do trabalho docente”.

O estudo das Representações Sociais da Educação pode contribuir para o


entendimento dos saberes partilhados coletivamente por um grupo, bem
como para as suas influências nas práticas diárias do meio educacional. No
meio escolar podemos encontrar uma diversidade de grupos, com variadas
representações sobre um mesmo objeto. (MARQUES; MUSIS, 2016, p. 40).

Ao olharmos as representações sociais como uma forma de reconhecer o indivíduo


como um produtor e reprodutor de conhecimentos, podemos encontrar na visão de Jodelet
(1993) um direcionamento que defende que o estudo e o reconhecimento das representações
sociais devem estar associados ao reconhecimento dos elementos que estejam ligados a
atividade mental, afetiva, cognitiva, comunicativa, linguística, sociais e psicológica que
envolvam uma apropriação da realidade. Deste modo, a construção do conhecimento se
transforma de acordo com as mudanças que acontecem no meio social, científico, educacional
entre outros, sejam elas direcionadas por novas abordagens teóricas e metodológicas, ou por
mudanças estruturais que envolvem os novos meios de aprendizagem e comunicação17. Tais
mudanças podem ser observadas nos dias atuais, através de processos ligados aos avanços
tecnológicos que nos conduzem para estruturas comunicacionais síncronas e/ou assíncronas,
alterando significativamente as relações interpessoais, a interação social entre os indivíduos e

17
Como o caso em que estamos vivenciando na atualidade, devido à pandemia do Covid-19, novo coronavírus,
que assolou o mundo e fez com que as relações educacionais passassem por mudanças estruturais e
metodológicas de forma intensa e imediata, em todos os níveis educacionais.
50

as suas relações de aprendizagem, que são (re)direcionadas diante da realidade que se


transforma.
Ao olhar para os processos comunicativos que ora demarcam, ora expandem os
comportamentos de diferentes grupos, através do uso de novas ferramentas, percebemos que a
noção de representação social de Moscovici pode sustentar a compreensão dos processos de
interação que se desenvolvem através dos novos meios de difusão e compartilhamento
cultural, e como estes fazem parte das relações sociais dos indivíduos na construção do seu
aprendizado, seja em núcleos fechados, construídos por cada grupo, ou no espaço expandido,
desenvolvido pelas inter-relações que os distintos grupos criam ao se cruzarem. Desta forma,
este aspecto passa a evidenciar que as relações sociais de aprendizagem não são dissociadas
das representações sociais estabelecidas pelos processos comunicativos culturais, que estão
ligados, também, aos novos meios tecnológicos e suas interferências. Para Chaib (2015, p.
363), “o surgimento de novas tecnologias de aprendizagem, as relações de poder estabelecidas
entre diferentes grupos sociais e a crescente globalização da cultura e da educação
transformam a aprendizagem em um ato de comunicação interpessoal”. Assim, as mudanças
direcionadas pelos novos meios tecnológicos de comunicação alteram de forma significativa a
interação entre os indivíduos, o que resulta em uma visão de aprendizado compartilhado e
contínuo.
Estes diálogos e negociações, que acontecem nos processos educacionais através do
conhecimento construído pelas relações socioculturais e pela interação com elementos
midiáticos – como o rádio, a TV, a internet e as demais tecnologias – possibilitam um
processo educativo dinâmico através das novas formas de se comunicar e se relacionar com o
mundo em constante transformação. Com isso, a compreensão de representação social,
centrada em um processo de aprendizagem interligado com os eixos não-formais e informais
de aprendizagem, aponta que esses eixos sempre antecedem a aprendizagem formal, porém
não cessam com ela, destacando, desta forma, a construção do conhecimento como uma
relação diretamente ligada com as emoções e intuições, retirando, do ponto de vista da
aprendizagem, a centralidade de processos que estejam ligados estritamente ao conhecimento
escolar-acadêmico. Nesta visão, o processo de aprendizagem, tendo como base as
representações sociais, é estabelecido por meio dos diálogos dos vários atores que participam
do processo, formando uma tríplice articulação em que dialogam professores, alunos e
aprendizagem.
51

3.2 Representações sociais sobre música: os estudos no cenário brasileiro

Nos nossos estudos, podemos destacar que as pesquisas que envolvem a TRS no
cenário musical brasileiro passaram a ganhar força a partir de trabalhos de diversos autores,
notadamente: Arroyo (1999; 2000); Del-Ben (2012); Duarte (2011); Duarte e Mazzotti
(2006a; 2006b); Loiola (2015); Moreira (2010); Oliveira A. (2008); Rauski (2015); Scardua e
Sousa Filho (2010); Silva e Urt (2016); Soares (2012); Subtil (2005); Subtil, Sebben e Rosso
(2012); Sugahara (2013; 2014) e Westrupp (2012). Nesta ótica, os estudos sobre
representações sociais de música passaram a ser capazes de promover uma compreensão e
uma reflexão sobre as diferentes formas de se relacionar com a música, com os mais distintos
públicos, agentes e contextos. Ao abordar tais discussões, estes autores trazem, para a cena,
trabalhos que apresentam direcionamentos que passam a debater a pesquisa sobre
representações sociais e música na visão de professores e de alunos, de espaços e de práticas,
entre outros.
Um dos primeiros trabalhos a discutir as representações sociais e música no cenário
brasileiro foi a pesquisa desenvolvida por Margarete Arroyo (1999), na qual a autora discutiu
dois universos distintos a partir de suas práticas de ensino/aprendizagem: o congado e o
conservatório de música. Em sua pesquisa, Arroyo percebeu a diferenciação de cada contexto:
o congado como sendo uma prática que envolve o meio social dos seus praticantes, suas
identidades e etnias como algo direcionador da prática, e o conservatório como uma
representação dos moldes escolares europeus. Contudo, ela também apresenta que, dentro de
um mesmo contexto sociocultural, acontecem diferentes modos e práticas do fazer musical,
baseadas em concepções distintas, que promovem modos de fazer, aprender e ensinar música.
Ao abordar uma visão cultural a partir de uma construção simbólica, estruturada através das
relações sociais existentes em cada contexto, a autora reconhece que o fazer musical passa a
ser parte de uma construção cultural cheia de significados que se estabelecem através de
inserções de ações músico-culturais diversas (ouvir, dançar, cantar, compor, improvisar,
arranjar, reger etc.), tudo o que pode estabelecer e configurar a prática performática e seus
significados culturalmente construídos. Utilizando uma abordagem etnográfica, a autora
conclui que os dois mundos musicais apresentam fatores contextualizados socioculturalmente
e que ambos estabelecem uma ligação com os significados culturais ligados às suas práticas.
Alguns trabalhos, como o de Del-Ben (2012), passaram a envolver as representações
sociais ligadas ao ensino de música na educação básica, através das visões dos licenciandos
52

em música, durante a graduação. Com caráter qualitativo, a pesquisa teve por base a aplicação
de nove entrevistas semiestruturadas com estudantes da licenciatura em música da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de diferentes períodos, na perspectiva
de captar possíveis mudanças de representações no decorrer do processo formativo. Este
direcionamento foi pensado para buscar entender as relações estabelecidas neste percurso que
foram capazes de indicar o posicionamento desses profissionais em relação à atuação na
educação básica após formados. Para isto, a autora procurou reconhecer quais as concepções
que os licenciados tinham sobre música neste espaço de atuação. A autora buscava, também,
reconhecer quais valores eram atribuídos às práticas referentes ao contexto da educação
básica, durante seu processo de formação. Assim, investigar as concepções que os discentes
têm desse espaço pode ampliar a capacidade de compreender como são construídas, através
de suas percepções, as suas representações sociais sobre a aula de música na educação básica.
Para Del Ben, conhecer as percepções dos alunos pode ajudar a encontrar caminhos para
reverter o processo de distanciamento que os professores de música têm deste contexto.
Ao estudar alunos com faixa etária entre 9 e 11 anos, Subtil (2005) direcionou seu
trabalho para a análise das práticas e vivências musicais decorrentes de um contato direto
desses estudantes, sobretudo com a mídia. Este olhar possibilitou compreender como as
representações sociais vão sendo construídas a partir de um processo de consumo e
socialização com as músicas do mercado, que fazem parte do seu cotidiano. Nesta abordagem,
a autora passou a utilizar diferentes instrumentos de coleta de dados, como entrevistas,
observações, questionários abertos e fechados, além de apreciação musical e práticas
musicais, bem como análise de desenhos realizados pelas crianças, através dos quais
procuravam expressar a forma como percebiam as músicas. Um aspecto interessante
observado nesta pesquisa está relacionado à compreensão de como as crianças enxergam a si
e aos objetos simbólicos que estão à sua volta, bem como incorporam valores morais a partir
das construções sociais em que estão inseridas.
Um fator relevante que pode ser observado quando analisados os estilos musicais está
na relação do permitido, do proibido, quando relacionado ao funk que foi compreendido a
partir de construções simbólicas relacionadas à malícia, sexualidade e questões amorosas.
Vale destacar que a autora identificou, nestas representações, algumas nuances quando o
público investigado apresentava diferença de classe social ou de gênero, sendo percebidas no
tipo de brincadeira e nas distintas posturas apresentadas no desenvolvimento das atividades
musicais. Por fim, ela aborda o fato de que as músicas midiáticas são importantes para o
53

processo de educação musical escolar, uma vez elas estão presentes no processo de
socialização das crianças, principalmente se observado que estas músicas são amplamente
valorizadas e receptíveis pelas crianças.
Em outra abordagem, mudando completamente o foco do público, Subtil, Sebben e
Rosso (2012) desenvolveram sua pesquisa envolvendo diferentes formações de professores.
Neste estudo, os sujeitos pesquisados pertenciam a dois grupos distintos: o primeiro, formado
por professores licenciados em música e professores licenciados em artes visuais, e o
segundo, formado por professores sem licenciatura específica em arte, mas que atuaram nas
séries iniciais da educação básica. Este trabalho procurou entender, através da TRS, quais
sentidos são atribuídos à arte, bem como, quais aspectos estiveram presentes na relação arte e
sociedade e da arte na escola.
Como direcionamento metodológico, esta pesquisa foi estruturada nas abordagens
qualitativa e quantitativa, e, para a análise dos dados obtidos através de questionários abertos,
foi realizada a análise de conteúdo com o auxílio do software Alceste18. Um dos pontos
interessantes desse trabalho foi a amplitude dos contextos pesquisados, com dados coletados
abrangendo cinco municípios, de quatro diferentes estados brasileiros. Neste processo,
percebe-se que os diferentes grupos apresentam representações sociais semelhantes quanto ao
ensino de arte; entretanto, quando se analisa a relação da arte com a sociedade, alguns
aspectos passam a ser bem distintos. Enquanto os licenciandos em arte apresentam uma visão
mais humanizadora, os professores sem uma formação específica em arte apresentam um
caráter mais utilitário.
Por sua vez, um trabalho de bastante relevância para as discussões sobre
representações sociais e música foi desenvolvido por Duarte e Mazzotti (2006a, p. 60), que
efetuaram uma análise retórica dos discursos sobre música, com o intuito de apreender as
representações sociais de música dos professores. Com isso, apresentam uma discussão acerca
dos “fenômenos perceptivos presentes nos processos de negociação de significados de
música” (2006b, p. 1.283), de modo a contribuir com a identificação dos aspectos que
promovem os esquemas de percepção a partir de seus esquemas simbólicos, que consolidam o
significado de música através da compreensão que se tem dela. Desta forma, podemos
compreender que as concepções que conduzem os processos perceptivos transpassam por um
conjunto de valores, internamente construídos e culturalmente adquiridos. Estes fatores

18
Análise Lexical pelo Contexto de um Conjunto de Segmentos de Texto.
54

passam a recontextualizar novos significados e novas representações diante das diferentes


maneiras como são vivenciados, produzidos e reproduzidos o material musical.
Nesta perspectiva, os autores defendem que uma organização musical, estabelecida a
partir de seus elementos sonoros, traz consigo os valores simbólicos que são culturalmente
constituídos e internalizados de forma perceptiva. Quando esta organização é compreendida
passa a adquirir valores reais e a estabelecer padrões de acordo com suas ressignificações de
música que (re)constituirão posições sociais e oposições sobre estruturas musicais vivenciadas
por determinados grupos. Seguindo esse direcionamento, os autores defendem que o processo
de educação musical pode alterar, através de novas vivências, a forma como o estudante se
relaciona com a música, passando a lhe atribuir novas crenças, novos valores e novas atitudes.
Neste processo, tanto os professores quanto os alunos passam a internalizar novas
representações (DUARTE; MAZZOTTI, 2006b, p. 1.286).
Duarte (2011), a partir de uma pesquisa realizada com 20 professores de música, traz
para a discussão a perspectiva de reconhecer as representações sociais de “música de
qualidade” deste grupo. Com uma abordagem metodológica, utilizando entrevistas19 – que
tinham, como base, questões que buscavam compreender como esses professores articulavam
seus saberes musicais em seu trabalho cotidiano – a autora defende que a busca pela
compreensão do que é considerado “música de qualidade” poderá contribuir para uma análise
de aplicabilidade prática na formação de repertórios de novos professores. Duarte identificou
que a música de qualidade, na visão dos respondentes, estive relacionada à construção dos
repertórios ligados aos padrões preestabelecidos da música erudita, salientando fatores como
autenticidade, espontaneidade e sofisticação.
Outro aspecto destacado nos resultados foi o direcionamento romantizado atribuído à
discussão. Pensar a música como alimento da alma passa a dar um significado arraigado de
simbolismo às músicas de tradição erudita europeia, que eram percebidas como algo superior.
Nesta mesma linha, os professores apresentavam, como elemento de excelência musical, obras
referentes à música popular que fazem parte de repertórios relacionados a compositores que
têm seus nomes consagrados na MPB. Diante disso, foi percebido que o processo de busca e
construção de repertório para ampliação de material musical para as aulas de música,
associado às influências midiáticas, muitas vezes, estaria associado ao que seria chamado de
“sacrifício”

19
As questões que direcionaram as entrevistas foram pautadas da seguinte forma: 1) Que tipos de música você
conhece?; 2) Dê três exemplos de músicas da sua preferência; 3) Qual o repertório de discos que você mais
tem em casa? (DUARTE, 2001, p. 61)
55

Já o trabalho de Scardua e Souza Filho (2010) tem uma abordagem bastante diferente
dos anteriores, uma vez que eles passam a investigar as representações sociais de música
tendo como base o foco em elementos gramaticais. Este direcionamento visou identificar os
processos de ancoragem e objetivação presentes nas respostas de músicos e ouvintes através
dos elementos gramaticais, quando direcionados a responderem um questionário que envolvia
definições de música, de gosto musical e de produção musical.
Nessa abordagem, a hipótese levantada foi a de que “os processos de formação de
representações sociais possam ser relacionados às construções gramaticais do tipo sujeito-
verbo-predicado” (SCARDUA; SOUZA FILHO, 2010). Desta forma, os verbos indicariam
aspectos funcionais, que seriam reconhecidos como ancoragem, já os predicados estariam
relacionados às dimensões do objeto, à objetivação, e aos enfoques subjetivos e relacionais
que ecoavam. Esta abordagem foi estruturada a partir da identificação de três categorias: a)
objetivas e descritivas – que passaram a descrever aspectos mais objetivos e específicos da
música, bem como aspectos profissionais e técnicos, além de animosidade e emotividade,
entre outros; b) efeitos e uso da música – que foram relacionados a questões que dizem
respeito às diferentes funcionalidades que envolviam a música, bem como os aspectos
intencionais e conscientes que conduziam seu uso; c) retórica – que possibilitou o
reconhecimento de aspectos relacionados à construção de valor. Tomando por base este
direcionamento, os autores concluem que, mesmo havendo uma variação nos discursos dos
sujeitos, caracterizados pelos elementos gramaticais, pode-se observar os múltiplos e
complexos sentidos que se cruzam nas relações estabelecidas com a música.
Desenvolvendo seu trabalho em outra abordagem, Westrupp (2012), através de uma
metodologia qualitativa, com base em um estudo de caso etnográfico, procurou compreender
as representações sociais em música, investigando como estas relações se concretizavam a
partir de aspectos formais e não formais presentes no processo educativo musical em uma
escola de educação básica. Nesta pesquisa, o autor procurou, através das representações de
diferentes sujeitos ligados ao processo educativo (professores, pais, alunos e diretores),
compreender como as representações sociais aconteciam neste contexto. Como suporte para a
investigação, o trabalho teve como base a prática de ensino/aprendizagem na banda e o
processo educacional curricular direcionado para todos os alunos do 6º ao 9º ano. Outro fator
apresentado no trabalho foi o procedimento de coleta de dados, que trouxe, como instrumento,
as entrevistas semiestruturadas que foram aplicadas de forma individual e em grupo focal com
vários sujeitos participantes, análise documental e a observação participante. O seu processo
56

de análise foi desenvolvido com base em uma organização tríplice, que envolveu análise do
discurso, dos planos de aulas e das anotações realizadas no diário de campo.
Os trabalhos de Sugahara (2013; 2014) discutem as representações sociais que os
estudantes da licenciatura em música e da pedagogia têm sobre a perspectiva da escuta
musical a partir de três gêneros musicais: pop, jazz e world music. Com o objetivo de discutir
o potencial formativo da música, a partir das representações sociais destes estudantes, utilizou
a técnica de livre associação para o processo de categorização das respostas. Este processo
possibilitou a identificação das representações a partir de cinco eixos temáticos: afetividade;
movimento; comunicação; contexto e formação. Nesta perspectiva, percebeu-se que os fatores
simbólicos que envolveram uma estrutura musical estavam ligados a diversos aspectos que se
associavam aos diferentes elementos e contextos que envolviam a música e suas estruturas.
Neste trabalho, o tempo (percepção histórica da sua realidade) e espaço (percepção
contextualizada dos lugares em que os grupos se desenvolvem) foram identificados como
elementos relevantes na compreensão da construção da memória, relacionados aos contextos
históricos sociais que os envolvem. Desta forma, compreender como se desenvolve esta
memória que passa a ser coletiva possibilitou um olhar singular para as representações sociais
de um determinado objeto.
Nesta ótica, percebemos que uma música pode adquirir diferentes representações
sociais ao ser ouvida em diferentes contextos e tempos. Podemos tomar como exemplo a
música “Fricote”20, que foi lançada no ano de 1985, por Luiz Caldas, e virou um hit daquele
ano, mas que hoje, é vista por muitos como uma mensagem que banaliza o racismo e o
machismo. Daí, podemos ver o mesmo objeto adquirindo diferentes representações sociais ao
longo do tempo. A mudança do momento histórico e/ou do contexto passam a dar novos
significados ao objeto, construindo, assim, novas representações sociais.
Um aspecto interessante levantado por Sugahara (2013; 2014) está na abordagem do
processo de objetivação como concebido por Jodelet21, apresentando aspectos como distorção,
suplementação e desfalque. Esses três aspectos passam a ser compreendidos como formas de

20
A música fricote, conhecida popularmente como “Nega do cabelo duro”, foi a responsável por promover a
carreira do cantor e compositor Luiz Caldas, que foi o precursor do gênero musical “Axé Music” no contexto
da década de 80 do século passado. Na atualidade, com a mudança do contexto histórico e social, e do cenário
político, recebe críticas por que muitos consideram que a sua letra tem um cunho preconceituoso. Podemos ver
a letra e ouvir a música Fricote no link: https://www.letras.mus.br/luis-caldas/65415/; e ver uma entrevista em
que o compositor apresenta uma mudança de representação sobre a música no link:
https://www.youtube.com/watch?v=yeQkyS0QWQ0&feature=emb_logo
21
JODELET, Denise. Représentation sociale: phénomene, concept et théorie. In: MOSCOVICI, S. (Ed).
Psychologie sociale. Paris: Presses Universitaires de France, 1990.
57

atribuir representações sociais às diferentes formas de vivências musicais relacionadas aos


aspectos adquiridos pela apreciação. Desta forma, na objetivação, a imaginação e a atenção
são percebidos como centrais, porém, não são os únicos fatores a promover interferências na
construção das representações sociais, uma vez que eles estão relativizados pelas experiências
prévias do produto musical, ou pela identificação através de aspectos afetivos relacionados à
música. Estes aspectos são capazes de levar uma escuta à criação de imagens sonoras, que são
consolidadas como representações sociais a partir de fatores que se firmam em sentimentos,
memória afetiva e memória social.
Na busca por identificar quais aspectos poderiam se configurar como fundamentais
para o reconhecimento das representações sociais dos estudantes investigados, Sugahara
(2013; 2014) fez uso de dois tipos de questionários. O primeiro foi utilizado para
reconhecimento do perfil dos estudantes, e o segundo estava estruturado com questões de
livre associação. A análise dos dados foi desenvolvida com o auxílio do software EVOC22 de
análise de conteúdo, associado à Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais.
Um aspecto interessante observado é afeto às relações que os estudantes estabeleceram
diante de um repertório que não estava vinculado à grande mídia. Este fato possibilitou uma
escuta mais ampla, consciente, crítica e emancipada dos padrões midiáticos. Por outro lado, a
falta de conhecimento musical específico ou uma falta de informação sobre determinados
gêneros musicais limitou o processo de escolha de repertório, restringindo a aplicabilidade de
uma escuta musical mais ampla. A autora destaca que o caráter afetivo da música esteve
presente nas respostas dos dois grupos estudados. Desta forma, ela conclui que investir numa
escuta musical mais ativa, capaz de gerar uma emancipação por parte dos futuros professores
que atuarão na educação básica, pode contribuir diretamente para que a música possa ser
trabalhada na escola, podendo promover uma formação mais efetiva dos seus estudantes
(SUGAHARA, 2013; 2014).
Loiola (2015) pauta suas discussões nas áreas de educação e educação musical ao
investigar as representações sociais dos professores de piano de escolas particulares – de
Tabatinga (DF) – e sua prática docente, buscando a compreensão dos valores, pensamentos,
ideias que permeiam a docência no instrumento. A autora destaca o interesse por compreender
melhor o ensino de música no Distrito Federal, dando ênfase ao contexto periférico, devido à
baixa produtividade de trabalhos envolvendo a região.

22
O software EVOC possibilita a análise do léxico formado pelo conjunto das evocações obtidas em uma
pergunta estruturada por meio de um termo indutor referente ao objeto do estudo. Disponível em:
https://uspdigital.usp.br/apolo/apoObterAtividade?cod_oferecimentoatv=54682.
58

Seguindo na discussão, Loiola apresenta que o crescente interesse em discutir as


representações sociais na área da educação, principalmente no Brasil, tem como destaque,
entre as várias temáticas, a formação continuada e a prática docente. Nesta perspectiva,
assumiu uma abordagem metodológica flexibilizada, de acordo com os objetivos, tendo por
base, para a coleta de dados, a entrevista semidiretiva e, como tratamento e análise dos dados,
a análise de conteúdo. Para a aplicação da Análise Categorial Temática, a organização e a
codificação contou com o auxílio do software WebQDA23.
Neste direcionamento, a autora aborda a visão simbólica na docência, pautando em
questões relacionadas aos diferentes aspectos que envolvem a prática, como o significado de
ser professor, a atuação profissional e os desafios relacionados à profissão. Ela constata que
há um consenso entre as discussões que envolvem o reconhecimento das representações para
melhor contribuir para o desenvolvimento de ações que levem a um avanço da formação
docente e das práticas pedagógicas. Desta forma, vale ressaltar que o pensamento de que as
representações sociais de música podem influenciar a ação pedagógica musical coloca este
conceito como central no estudo das práticas educativas musicais, bem como no processo de
formação docente e da formação continuada. Assim, as inter-relações que permeiam as
práticas musicais na educação básica facilitam o reconhecimento dos estudos sobre formação
docente sob a ótica de professores e alunos.
Como resultado, a autora destacou a importância de se compreender as representações
sociais dos professores de música em suas atividades docentes, uma vez que esta
compreensão possibilita discutir práticas e entender as representações que são construídas nos
contextos de atuação. Assim, estas representações passam a ser construídas na mente dos
indivíduos e consolidadas nas inter-relações que estes mantêm com o seu grupo social. Com
isso, Loiola passa a evidenciar que as ações presentes na prática pedagógicas dos professores
de música apoiam-se em suas representações sobre o ensino desta disciplina.
Ao discutir o tema da música como objeto de representação social, Vasconcelos e
Costa (2018) também apoiam sua abordagem no clássico trabalho de Moscovici que discute a
TRS. Estes autores trabalham com uma amostragem não-probabilística, da qual fazem parte
doze alunos de um curso de licenciatura de uma faculdade de um município do Vale do
Paraíba Paulista. Para a escolha dos participantes, adotaram, como critério, a disposição dos
alunos no decorrer do curso, com dois alunos de cada semestre. Os sujeitos também deveriam

23
O WebQDA é um software de apoio à análise de dados qualitativos num ambiente colaborativo e distribuído.
Disponível em: https://www.webqda.net/o-webqda/.
59

ter cursado teoria, apreciação e percepção musical apenas após ingressarem na faculdade. Em
seu desenvolvimento, a pesquisa contou com a coleta de dados através de um questionário
que, entre outros aspectos, buscava reconhecer o processo de escolha pela licenciatura em
música, seguindo um formato que envolvia “sensibilização e abertura, desenvolvimento,
questão-chave e, por fim, encerramento” (VASCONCELOS; COSTA, 2018, p. 24). Ao
discutir as relações entre educação musical e formação musical, através de uma comparação
entre licenciatura e bacharelado, os autores iniciam a discussão levantando essas diferenças.
Um ponto conflitante que surge nos resultados da análise é o fato de que a maioria dos
respondentes não conhecia o conceito de licenciatura antes de entrar no curso. Eles pensavam
que o curso escolhido seria voltado para a prática instrumental, sem a base teórica que
envolvia as disciplinas pedagógicas. Destacam ainda que, dentre o grupo dos que conheciam o
caráter de uma licenciatura e optaram por ela, a representação sobre a formação reconhecia a
necessidade de ter um conhecimento mais aprofundado sobre música.
Uma representação levantada pelos estudantes que optaram pela licenciatura estava
presente na percepção de que ela é tecnicamente menos exigente que um curso de
bacharelado. Outras questões estão presentes na percepção a respeito dos aspectos
pedagógicos: se por um lado os estudantes se mostravam assustados pelas condições que
encontrariam na educação básica, por outro, a compreensão desta realidade favorecia a
aceitação de disciplinas mais ligadas às questões pedagógicas. Para estes autores, as falas dos
pesquisados produziam duas representações distintas; porém, no desenvolver do curso, ambas
passaram a dividir impressões parecidas, tornando-se mais homogêneas.

Ao adentrarem na faculdade de música, esses dois grupos que eram opostos,


passam a partilhar os mesmos símbolos e conhecimentos, […], ou seja,
[passaram de] um grupo oposto, para um grupo mais homogêneo, que
compartilham as mesmas práticas simbólicas e teóricas. (VASCONCELOS;
COSTA, 2018, p. 29).

Desta forma, os autores compreendem que as representações sociais funcionam como


instrumentos reguladores de um determinado objeto simbólico que está estruturado a partir de
comportamentos partilhados socialmente, dos conceitos e das normas estabelecidas pelo
grupo social. Para eles, as representações apresentam uma imprecisão sobre os objetivos da
formação na licenciatura em música. Um ponto marcante nas representações que foram
evidenciadas está na visão de que seria necessário traçar estratégias que fortalecessem a
formação dos futuros professores. Para os autores, o processo formativo do bacharelado e da
60

licenciatura deveria ter estruturas curriculares mais próximas, ao ponto de apresentarem os


mesmos conhecimentos específicos exigidos no processo seletivo. Entretanto, também estão
presentes nas representações a visão de que deveria ser mais evidenciada a importância dos
conteúdos pedagógicos para o desenvolvimento do educador, bem como possibilitar o
aprofundamento das disciplinas que ligam a música aos contextos sociológicos, filosóficos e
interdisciplinares.
Em seu trabalho, Rauski (2015), assim como Sugahara (2013; 2014), pauta as ideias
de ancoragem e objetivação pensadas por Moscovivi, e conduz seus estudos relacionando-os à
Abordagem Estrutural das Representações Sociais e a Teoria do Núcleo Central de Abric
(2001). Com isso, ele passa a reconhecer os elementos centrais e periféricos presentes nas
representações que – a partir dos estudos que os correlacionam ao Núcleo Central e à
verificação de elementos hegemônicos nas representações em questão – podem ser de grande
relevância para ações de educação musical, uma vez que permitem compreender uma
realidade e, possivelmente, intervir sobre ela com mais propriedade. Sua pesquisa apresenta
relevância por se tratar, principalmente, de estudos que envolvem a representação dos alunos
na educação básica. Nesta perspectiva, o autor abre uma reflexão sobre como o
reconhecimento das representações sociais, sob o olhar dos alunos, pode significar um
elemento norteador das ações pedagógicas. Com isso, estas representações podem indicar
caminhos que podem ser trilhados no ensino de música na educação básica, tornando-se,
assim, capazes de contribuir para a redefinição e a amplitude dos conhecimentos musicais, de
maneira significativa e contextualizada com a realidade dos alunos.
Usando uma perspectiva metodológica centrada nas abordagens quantitativa e
qualitativa, a pesquisa de Rauski é defendida como uma base estrutural plurimetodológica.
Para o seu direcionamento, foi adotado como procedimento de coleta de dados o uso de
questionários, aplicados em seis escolas da cidade de Ponta Grossa (PR) e região
metropolitana, sendo três da rede pública e três da rede privada. Para o processo de análise
dos dados, foram utilizados softwares de análise estatística, como o SPSS, EVOC,
COMPLEX, SIMI, ALCESTE, bem como o uso de técnicas de análise de conteúdo. Para o
autor, a metodologia adotada promoveu uma melhor interpretação dos dados e uma análise
mais ampla e assertiva. Nesta perspectiva, seguir com a pesquisa por uma abordagem
quantitativa pode estar diretamente relacionado a um processo de mensuração de elementos
recorrentes que apresentam padrões que podem ser utilizados em uma ampliação da visão
analítica dos dados quantificados, ao passo que a abordagem qualitativa conduz para
61

promover um processo analítico centrado em uma construção mais subjetiva dos dados
apresentados. Observa-se, com isso, que há elementos intrínsecos e implícitos que não seriam
capazes de aparecer em informações apenas estatisticamente quantificadas. Nesta ótica, a
abordagem plurimetodológica passa a ser defendida na pesquisa, uma vez que essas duas
técnicas podem se complementar em um processo de análise focado em questões que
envolvem perspectivas psicológicas ou sociais, como no caso estudado.
No processo analítico, Rauski (2015) verificou as relações que a música tinha com os
ambientes familiar e religioso, com os elementos midiáticos, com as novas tecnologias e com
os estilos musicais que fazem parte da vivência musical e do gosto musical dos alunos. Na sua
estrutura, as representações sociais de música dos alunos apresentaram, como elementos
centrais, o sentimento, o bem-estar e o entretenimento, uma vez que esses três elementos são
recorrentes nos discursos dos alunos. Outro ponto destacado é que, ao buscar o
reconhecimento das representações sociais de estilos de música, foram identificados diversos
gêneros musicais que compunham as representações que não estavam, de certa forma, ligadas
às influências midiáticas. Isso leva à reflexão de que estas representações são formadas por
suas ligações a diversos elementos influenciadores. Isto ficou mais evidente quando, dentre os
gêneros musicais apresentados, surgiram alguns com pouca expressão midiática, mas que
faziam parte da região periférica que envolve o núcleo central.
Nesse trabalho, Rauski (2015) reconhece que há uma baixa participação dos alunos
nas atividades musicais, e que um número relevante deles não reconhece o desenvolvimento
de práticas musicais ligadas às aulas, relacionando essas práticas, direta e exclusivamente, às
atividades extracurriculares e a eventos comemorativos. Um ponto crucial, que merece
destaque, é o fato de que os alunos apresentavam uma preferência pela disciplina de música e
reconheciam a sua importância no currículo. Entretanto, eles não consideravam a música com
caráter formador profissional como outras disciplinas de caráter “mercadológico” e, com isso,
passavam a distanciar-se de uma possível atuação futura no campo da música. Outro ponto de
grande relevância para o trabalho é a visão de como os adolescentes concebiam uma aula de
música ideal, segundo a qual destacavam uma relação direta com a preferência musical, com a
perspectiva de uma prática musical e com os aspectos da diversão. Deste modo, os
adolescentes apontavam que uma aula de música perfeita deveria ser desenvolvida com base
em uma prática musical, através de execuções que envolvessem as músicas de suas
preferências, proporcionando-lhes, assim, um momento de diversão. Por fim, ao tomar esse
direcionamento como um processo de reflexão, devemos fazer questionamentos para novas
62

reflexões sobre a estrutura curricular da música no âmbito da educação básica e, como


consequência, refletir também sobre o processo formativo que envolve os futuros professores
de música.
Ao discutir as representações sociais tendo por base a música como campo de
reflexão, podemos perceber que o campo acadêmico da música já tem explorado esta temática
desde o final do século passado. Entretanto, vale ressaltar que a música não fomenta o desejo
de estudo sob a ótica das representações apenas nos programas de pós-graduação em música.
Diversos trabalhos em outras áreas passam a discutir as representações sociais de música
através das suas perspectivas próprias. Contudo, quando relacionamos a música como objeto
de formação humana, associada a seus processos de ensino/aprendizagem, observamos que há
um direcionamento das áreas ligadas à construção do conhecimento e aos processos didáticos
pedagógico-musicais. De modo geral, as áreas que mais concentram seus estudos sobre
representações sociais de música são as de Educação Musical, Educação, Psicologia e
Psicologia Educacional.
De forma abrangente, os trabalhos desenvolvidos abordaram diferentes linhas de
reflexão, possibilitando que as pesquisas possam ser estruturadas de uma forma ampla,
contemplando diferentes espaços formativos, abordagens pedagógicas, níveis de ensino,
campo de atuação e sujeitos. Vale destacar, por sua amplitude, que as possibilidades de estudo
envolvendo a TRS e música não se limitam aos que já foram desenvolvidos, deixando assim,
uma gama de possibilidades que podem ser exploradas sobre este tema.
Nesta perspectiva, podemos destacar que os trabalhos aqui apresentados ilustram
estudos que tinham como referência as representações sociais, mostrando que as abordagens
variam de acordo com os ambientes estudados, os sujeitos envolvidos e as metodologias
utilizadas, o que comprova as diversas possibilidades que podem ser exploradas sob essa
perspectiva.
Os estudos que envolveram as representações sociais no cenário brasileiro acabam
apresentando algumas características comuns entre os trabalhos, como é o caso da abordagem
metodológica qualitativa, que pode ser observada nas pesquisas. Nesta perspectiva, podemos
fazer uma observação para o trabalho de Rausky (2015) que direcionou sua pesquisa em uma
ótica quanti/qualitativa. As pesquisas também apresentaram em suas estruturas procedimentos
distintos para a coleta de dados, contudo dois instrumentos se destacaram, os questionários e
as entrevistas, que surgiram em duas formas, semiestruturadas e abertas, vale destacar que
estes dois procedimentos já são utilizados para os estudos das representações sociais em
63

diversas áreas. Ao estudar as pesquisas que envolvem a TRS no campo da pesquisa em


música, fica evidenciado que ainda há muito a ser investigado, principalmente se observarmos
as multiplicidades de contextos que foram e que podem ser explorados. Uma observação a ser
feita quando observado o cenário atual, é que mesmo com a ampla possibilidade de
direcionamentos nas pesquisas envolvendo as representações sociais no âmbito da educação
musical, há um pequeno número de trabalhos que estão relacionados diretamente com a
educação básica. Quando esta visão é focada tendo como perspectiva as representações dos
professores atuantes na educação básica e da prática docente em música no currículo deste
nível de ensino os números são ainda menores.
Assim, apresentamos o nosso trabalho como uma contribuição para a área da educação
musical por buscar a ampliação das discussões que envolvem as representações sociais no
campo da música e, principalmente, por termos seguido o caminho ainda pouco explorado nas
pesquisas já existentes, as representações sociais dos professores de música atuantes na
educação básica. Ao buscarmos compreender as representações sociais destes sujeitos, neste
espaço, nosso trabalho traz para a discussão questões que permeiam os vários debates que
envolvem as lacunas existentes entre o processo de formação e a prática docente, presentes
não apenas na área da educação musical, mas nas diversas outras relacionadas ao campo da
educação conectadas com a própria pesquisa.
Destacamos, ainda, que as pesquisas que foram desenvolvidas, proporcionando uma
associação entre as áreas da educação musical e a psicologia social, demonstram grande
relevância para as áreas pois possibilitaram reflexões importantes sobre como as
representações sociais que envolvem a música são percebidas em seus diferentes contextos
socioculturais, nos espaços formativos em diversos níveis, e na atuação dos atores envolvidos
nos processos, sejam eles docentes ou discentes. Compreendemos então, que estes estudos,
incluindo o nosso, proporcionam um olhar analítico sobre as concepções de música dos
sujeitos construídas a partir do desenvolvimento musical que envolvem suas escutas, suas
práticas, suas vivências musicais de modo geral e sobre como são estabelecidas as relações
existentes entre as perspectivas que os licenciandos e os professores licenciados em música
têm acerca da formação docente, da atuação prática pedagógica musical e dos espaços que
envolvem estes processos formativos.
64

4 CONTEXTOS E CAMINHOS DA PESQUISA

Neste capítulo, apresentamos os procedimentos metodológicos que adotamos na


pesquisa, passando por diversos pontos que envolvem a caracterização do contexto. Neste
ponto, buscamos informar, inicialmente, sobre as estruturas geopolíticas que envolvem o
ambiente, como dimensões territoriais e densidade demográfica, além do Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da capital paraibana, tratando de sua estrutura
educacional, que envolve os avanços ocorridos nos últimos anos, percebidos pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, que é estabelecido com base em um conjunto
de fatores que contribuem para o processo educacional, como índice de aprendizagem e
frequência escolar. Vale destacar que a estrutura geopolítica do contexto pesquisado passou a
ganhar solidez no campo da música a partir de meados dos anos 2000, quando passam a ser
discutidas novas políticas educacionais que visavam dar novos rumos para o ensino de
música, tanto em nível regional quanto nacional.
Um outro aspecto que abordamos neste capítulo está relacionado à caracterização dos
sujeitos participantes da pesquisa, de modo a reconhecer quais são suas formações, ano de
ingresso no setor público e suas faixas etárias. Tratamos ainda da metodologia utilizada para o
desenvolvimento da pesquisa e os instrumentos de coleta de dados, bem como o
encaminhamento do projeto para a avaliação no comitê de ética, uma vez que, apenas a partir
de sua aprovação, as ações de coleta de dados puderam ser conduzidas. Vale destacar que o
procedimento de coleta de dados passou por diferentes momentos que sustentaram o
andamento da pesquisa: a) estruturação da questão gerativa narrativa, que tinha como função
captar informações relevantes sobre a história de vida dos sujeitos; b) a realização da
entrevista; c) transcrição do material coletado na primeira entrevista; d) estruturação do
roteiro para a segunda entrevista de caráter semiestruturada; e) realização da segunda
entrevista; e f) transcrição da segunda entrevista. Após o processo de coleta de dados,
seguimos apresentando o desenvolvimento dos procedimentos de análise e as diversas
ferramentas que estruturaram os caminhos para que pudéssemos atingir os objetivos da
pesquisa, como a criação de tabelas com excertos dos relatos, a utilização de softwares e a
65

criação de gráficos analíticos, como o gráfico nuvem de palavras e análise de similitude


criados a partir do software Iramuteq24.

4.1 João Pessoa: a cidade e seu desenvolvimento humano e educacional

Situada no litoral do Nordeste brasileiro, João Pessoa, a capital do estado da Paraíba se


destaca por diversos aspectos, como sua história, sua cultura, sua natureza, sua localização
geográfica, bem como por diversos outros aspectos que a singularizam diante das demais cidades do
país. Formada por uma costa litorânea de 24 km de extensão, a cidade é reconhecida por abrigar dez
belas praias que vão de norte a sul e pela preservação de sua mata atlântica em seu perímetro
urbano25. Por suas características naturais, no ano 1992, a cidade de João Pessoa recebeu o título de
cidade mais verde do Brasil26, concedido durante a realização da Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – ECO-92 (CARNEIRO, 2017), bem como o título
de segunda cidade mais verde do mundo, concedido durante a Conferência da Organização das
Nações Unidas – ONU sobre o meio ambiente (CLICKPB, 2010), títulos estes que passaram a ser
questionados por não haver uma comprovação baseada em um estudo científico. Além de ser
reconhecida por suas belas praias e pela preservação de seu verde que marcam as suas riquezas
naturais, ela também se destaca por sua localização geográfica singular, por ter em seu território o
ponto mais extremo das Américas, a Ponta do Seixas27. Este fator faz a cidade ser reconhecida de
forma carinhosa como Porta do Sol, por ter o local onde o sol nasce primeiro entre todas as
24
O Iramuteq É um software gratuito de código fonte aberto, licenciado por GNU GPL (v2), que utiliza o
ambiente estatístico do software R. Assim como os outros softwares de fonte aberta, ele pode ser alterado e
expandido por meio da linguagem Python (www.python.org). Ele é utilizado no estudo das Ciências Humanas
e Sociais e utiliza o mesmo algoritmo do software Alceste para realizar análises estatísticas de textos, porém
incorpora, além da CHD - Classificação Hierárquica Descendente, outras análises lexicais que auxiliam na
análise e interpretação de textos (SALVIATI, 2017, p. 4).
25
A cidade de João Pessoa apresenta duas grandes reservas de Mata Atlântica na região urbana a cidade, o
Parque Zoobotânico Arruda Câmara – BICA, e o Jardim Botânico Benjamin Maranhão (JBBM) – Mata do
Buraquinho. A BICA como é popularmente conhecida, tem uma área de mata preservada de 26,8 hectares
tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP, desde 26 de
agosto de 1980 (JOÃO PESSOA, 2020). Já a Mata do Buraquinho, uma das maiores áreas de mata atlântica
urbanas do Brasil, mede 515 hectares (PARAÍBA). Disponíveis em:
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/semam/parque-zoobotanico-arruda-camara/;
http://sudema.pb.gov.br/servicos/servicos-ao-publico/jardim-botanico Acesso em: 1º fev. 2020.
26
Vale destacar que este título foi fundamentado por informações empíricas, não tendo nenhuma comprovação
científica que o embasasse de forma factual. Atualmente, o IBGE reconhece Goiânia/GO como a capital com a
maior área verde do Brasil (G1 PARAÍBA, 2017).
27
“A Ponta do Seixas é o ponto mais oriental do Brasil e das Américas continentais, localizado em João Pessoa,
capital da Paraíba. Fica na praia do Seixas, a 14 km do centro da cidade. Sua longitude é de 34° 47’ 30" oeste, e
sua latitude de 7° 9’ 28" sul. Dos pontos extremos brasileiros, a Ponta do Seixas é o único que é ao mesmo tempo
extremo do país e do continente”. Disponível em:
http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=870&evento=7%3E Acesso em: 1º fev.
2020.
66

Américas Meridionais. Outro fator geográfico que a coloca em destaque é o fato de ser a capital
mais próxima de outras capitais28.
A cidade de João Pessoa, segundo o IBGE (2017), possui uma densidade
demográfica 3.421,28hab/km2 e extensão territorial de 210,044 km². Entre os 223
municípios do estado, a cidade fica no 104º lugar em extensão territorial e em 2º se
comparado à sua microrregião. Seu território está dividido em 66 bairros (JOÃO PESSOA,
2006, p.1), como podemos verificar na imagem129, que abarcam uma população estimada
em mais de 800 mil habitantes. A sua infraestrutura “apresenta 70,8% de domicílios com
esgotamento sanitário adequado, 78,4% de arborização em vias públicas e 25,1% de
domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro,
calçada, pavimentação e meio-fio)” (IBGE, 2017).

Imagem 1 – Mapa do geopolítico do Município de João Pessoa

:
Fonte: Diretoria de Geoprocessamento e Cadastro Urbano (JOÃO PESSOA, 2006b)

28
João Pessoa é a capital do Brasil que apresenta a menor distância entre outras capitais vizinhas. A distância
entre João Pessoa e Recife é de apenas 120Km e, entre João Pessoa e Natal, a distância é de 186Km.
Disponível em: http://www.itatrans.com.br/distancia.html Acesso em: 14 maio 2020.
29
Mapa dos bairros de João Pessoa, com a escala de 1:80.000, contido no Anexo 1. Disponível em:
http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/04/Mapa-dos-Bairros-de-Joao-Pessoa.pdf
Acesso em: 31 maio 2020.
67

A estrutura educacional pertencente à Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP),


conta com uma ampla rede de assistência para a educação básica que abrange o seu
território e possibilita o acesso à educação das populações dos seus bairros e comunidades.
Esse fator contribuiu de forma significativa para uma crescente no Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) que, impulsionado pelo avanço da educação,
chega a registrar, em 2010, uma taxa de escolarização de 96,9% para crianças com idade
escolar entre 6 e 14 anos de idade (IBGE, 2017) e atingir a marca de 0,763 pontos, o que
deixa o município “situado na faixa de Desenvolvimento Humano Alto (IDHM entre 0,700
e 0,799)” (IDEME, 2013, p. 2), como podemos ver no Gráfico 3, de fato houve uma
evolução desde 1991.

Gráfico 3 – Gráfico da evolução do IDHM de João Pessoa

Fonte: Atlas de desenvolvimento humano do Brasil (IDEME, 2013)

Este gráfico mostra que esse desenvolvimento já vinha ocorrendo há quase três
décadas, uma vez que, entre os anos de 1991 e 2000, foi a dimensão educação que apresentou
um maior avanço em termos absolutos, chegando a atingir 0,139 de crescimento. E entre 2000
e 2010, a dimensão educação voltou a ser a que mais avançou em termos absolutos, chegando
a ter um crescimento de 0,170. Entretanto, mesmo com um real avanço que marca a casa dos
38,48% em seu IDHM, entre os anos de 1991 e 2010, João Pessoa apresentou um crescimento
inferior à média nacional, que foi de 47,46% e muito abaixo da média de crescimento estadual
que foi de 72,25%. Esses dados demonstram que o “desenvolvimento humano, ou seja, a
distância entre o IDHM30 do município e o limite máximo do índice, que é 1, foi reduzido em
47,22% entre 1991 e 2010” (IDEME, 2013, p. 2).
Um outro dado bastante interessante que marca o desenvolvimento educacional da
cidade é o fato de que, no de período 1991 e 2000, a proporção de crianças de 5 a 6 anos na
escola cresceu 46,47% e no período de 2000 a 2010, este valor foi de 8,47%. Já em relação às
crianças de 11 a 13 anos frequentando os anos finais do ensino fundamental, este número
30
Quanto mais próximo de 1 melhor é o índice de IDHM.
68

cresceu na porcentagem de 50,65% entre 1991 e 2000, e entre os anos de 2000 e 2010, este
valor cresceu 47,04% (IDEME, 2013, p. 7).
Podemos observar um sutil, mas constante avanço nos índices de educação básica da
capital paraibana, através dos resultados obtidos nas avaliações nacionais, como podemos
verificar no Gráfico 4, que apresenta os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica –
IDEB, referente aos anos escolares iniciais, e no Gráfico 5, referente aos anos finais.

Gráfico 4 – Gráfico da evolução do IDEB nos anos iniciais.

Fonte: QEdu.org.br. Dados do Ideb/Inep (QEDU, 2020a).

Gráfico 5 – Gráfico da evolução do IDEB nos anos finais

Fonte: QEdu.org.br. Dados do Ideb/Inep (QEDU, 2020b).


69

Os dados apresentados nos Gráficos 4 e 5 demostram que as escolas municipais de


João Pessoa obtiveram, para o ano de 2019, a nota de 5,4 para os anos iniciais e 4,3 para os
anos finais, números que estão dentro do plano de evolução da educação básica. Um dos
componentes que contribuem para que as escolas públicas municipais se mantivessem um
pouco acima da meta estabelecida, foram os números obtidos no indicador de fluxo de
aprovação31 que atingiu a marca de 0,92 pontos para os anos iniciais e 0,86 para os anos finais
(INEP, 2018; QEDU, 2020b).
Estes resultados são o fruto da expansão que a PMJP promoveu em suas instituições
de ensino, tanto para dar maior suporte para o processo educacional nos anos iniciais, quanto
para os anos finais do ensino fundamental. Atualmente, a rede conta com um total de 101
escolas de educação básica, distribuídas nas 14 regiões de ensino, como podemos verificar na
Imagem 2. São nove polos, que contemplam seus bairros32 e comunidades e que atingem
diretamente os mais de 40 mil alunos matriculados no ensino regular (QEDU, 2020a).

Tabela 1 – Relação dos bairros por Região de Ensino

Fonte: Mapa das Regiões de Participação Popular do Orçamento Participativo (JOÃO PESSOA,
2019)33

31
Quanto maior o valor, maior a aprovação.
32
Além das 101 escolas de educação básica, a rede municipal de ensino conta também com 90 Centros de
Referência em Educação Infantil (CREIS), que apresentam professores nas áreas de arte, incluindo música.
Entretanto, este público não fará parte da pesquisa.
33
Adaptações feitas pelo autor para mostrar as 14 regiões da cidade e suas distribuições por bairros.
70

Imagem 2 – Mapa das Regiões de Ensino do Município de João Pessoa

Fonte: Mapa das Regiões de Participação Popular do Orçamento Participativo (JOÃO PESSOA,
2019).

4.2 A expansão da rede municipal e os professores de arte/música

A partir do processo de expansão educacional que aconteceu na capital paraibana, nas


duas últimas décadas, foram realizados dois concursos públicos direcionados para o
preenchimento de vagas para os cargos de professores da educação básica para as diversas
áreas de formação. O primeiro no ano de 2007, sob o Edital nº 1/2007 (JOÃO PESSOA, 2007),
e o segundo no ano de 2014, sob o Edital nº01/2013 (JOÃO PESSOA, 2013). Estes dois
concursos foram importantes, pois contribuíram para um alinhamento com as propostas
educacionais que passaram a ser direcionadas pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, que
buscava assegurar o cumprimento da Resolução nº 009/200634, aprovada pelo Conselho
Municipal de Educação (CME) – que implantou o ensino de Artes em todos os anos da

34
“Trata-se de um documento normativo, que tornou obrigatório o ensino de Artes, articulado em Artes Visuais,
Artes Cênicas/Dança e Música nas diversas séries e modalidades no município de João Pessoa/PB”
(NASCIMENTO, 2008, p. 1061).
71

educação básica, em seus diversos níveis, como na educação infantil, no ensino fundamental e
na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Vale destacar que o concurso de 2007 marcou uma
virada no ensino de Arte da capital, e consequentemente no ensino de música, em virtude do
fato de que, anteriormente, não havia sido realizado nenhum concurso que visasse
contratações nas diversas especificidades da arte, de modo a contemplar as áreas de música,
teatro e artes visuais, visto que estas eram as modalidades artísticas oferecidas no curso de
Licenciatura em Educação Artística da UFPB35 (OLIVEIRA, O., 2018).
Um outro fator importante neste período foi a criação do curso de Licenciatura em
Música da UFPB36, que passou a contribuir de forma significativa para formação de
profissionais com licenciatura específica em música. A criação deste curso resultou na
ampliação do número de profissionais com graduação em música atuantes na rede pública
municipal de ensino como professores do componente Arte, bem como para outros setores
que emergiam. Vale destacar que a modalidade de música foi a primeira das áreas de arte a se
desmembrar do curso de Educação Artística37, abrindo o caminho para que todas as outras
conseguissem articular a construção dos seus cursos de forma independente.
Diante de todas estas tendências educacionais que emergiam no campo da arte,
podemos compreender que as diversas discussões que aconteciam no âmbito político
educacional foram fundamentais para as mudanças estruturais ocorridas no currículo da
educação básica de João Pessoa. Podemos destacar que a resolução do CME citada
anteriormente foi um fator de relevante importância que iniciou as mudanças que culminaram
na ampliação dos espaços de ensino/aprendizagem de música na educação básica, bem como
no fortalecimento de espaços capazes de abarcar profissionais com formação específica.
Nesta perspectiva, o concurso de 2007 foi precursor às discussões que estavam sendo
travadas com a perspectiva de alterar a legislação educacional. Com a criação da lei

35
O curso de Licenciatura em Educação Artística mantinha uma estrutura curricular que direcionava para uma
formação que, mesmo possuindo modalidades específicas, possibilitava o contato com outras linguagens da
arte nos três primeiros semestres através das disciplinas de Oficina Básica de Arte I, II e III.
36
O Curso de Licenciatura em Música, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Campus I, da
Universidade Federal da Paraíba, foi criado a partir da Resolução nº 17/2005, como forma capacitar
professores de Música para atuar nos campos de trabalho emergentes da área (UFPB, 2005).
37
Com a extinção do curso de Licenciatura em Educação Artística, foram criados os cursos de licenciatura em
música, pela Resolução nº 17/2005 (UFPB, 2005), os cursos de Teatro, licenciatura e bacharelado (Resolução
21/2006) (UFPB, 2006a), os cursos de Artes Visuais, Licenciatura e Bacharelado pela Resolução 47/2006
(UFPB, 2006b), e posteriormente o curso de Dança, através da Resolução nº. 60/2012 (UFPB, 2012).
72

11.769/200838, que alterou a LDB 9394/96 tornando a música um conteúdo obrigatório na escola
(BRASIIL, 2008), a PMJP passou a ser uma das primeiras instituições públicas que apresentava,
em suas estruturas administrativa e curricular, um alinhamento com a nova lei de 2008.
O segundo concurso, lançado em 2013, também merece destaque, principalmente no
que se refere ao campo das artes, uma vez que passou a ampliar a quantidade de vagas para a
atuação dos vários profissionais de arte. Desta vez, o concurso contemplou, além de música,
teatro e artes visuais, também a área de dança, refletindo a criação de licenciatura específica
na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que teve seus primeiros egressos no ano de
2013. Este segundo concurso também foi significativo para a área de música, porque
apresentou uma abertura no mercado de trabalho para os profissionais que haviam se
graduado em Licenciatura em Música pela UFPB. Vale destacar que, como a licenciatura em
música ainda era um curso novo, a maioria dos profissionais que atuavam nessa área na rede
pública municipal de ensino possuíam graduação em Licenciatura em Educação Artística, que,
mesmo apresentando habilitações específicas, tinha sua estrutura curricular baseada na
polivalência. Desta forma, podemos destacar que estes concursos foram importantes, pois
abriram espaço e passaram a contemplar profissionais de áreas específicas da arte, sobretudo
para a área de música, uma vez que, até então, a grande maioria dos professores não possuía
uma formação específica em música (PENNA, 2001, p. 113; 2002, p. 10-12; 2008, p. 122),
fato este que inviabilizou a participação da música de forma efetiva na escola, e abriu espaço
para uma polivalência da arte que, pouco ou quase nada, contemplava o ensino de música.
De modo geral, podemos destacar que o cenário do ensino de música teve mudanças
significativas na PMJP, principalmente se realizarmos uma análise evolutiva do número de
professores que possuíam formação específica em música atuando no ensino de arte. Em uma
análise cronológica, podemos tomar por base os estudos de Penna (2002, p. 10), segundo o
qual apenas um pequeno número de profissionais com formação específica em música atuava nas
redes de ensino da Grande João Pessoa. Segundo a autora, entre os anos de 1999 e 2002, dos 186
professores atuantes na disciplina de arte na educação básica, apenas nove possuíam formação
específica em música. O trabalho de Nader (2010) apresenta uma discussão sobre o investimento da
PMJP no processo de formação continuada dos professores de música, destacando que tiveram seu
início apenas no ano de 2008. Contudo, no ano de 2009, durante as oficinas dessas formações de

38
No ano de 2008, a Lei 11.769 dispôs sobre a obrigatoriedade da música como conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo, do ensino de arte na educação básica. Entretanto, em 2016 houve uma nova alteração na LDB
9394/96, por meio da Lei nº 13.278/2016, que estabelece as diferentes modalidades – artes visuais, a dança, a
música e o teatro – como integrantes do componente curricular de Arte.
73

música, foram apresentadas algumas características dos professores participantes. Do total dos nove
professores com formação em música39, dois tinham formação específica em Educação Artística
com habilitação apenas na área de música, os outros sete eram graduados em Educação Artística
com habilitação em música e também em outras áreas específicas, como artes plásticas e artes
cênicas (NADER, 2010, p. 1043).
Seguindo o processo de transformação da música na educação básica de João Pessoa,
Souza (2018) trouxe mais uma vez, para o debate, o processo de formação continuada dos
professores de música da rede pública municipal. Ao fazer um levantamento de todos os
professores que atuavam na rede em 2017, chegou ao número de 35 professores de música
atuantes nas escolas de educação básica do município de João Pessoa, sendo 27 professores
efetivos (SOUZA, 2018, p. 65) e oito eram contratados como Prestadores de Serviço (PS)40.
No ano de 2019, a PMJP conta em sua rede de ensino com um total de 41 professores com
formação específica em música, dos quais 36 estão em sala de aula41.

4.3 Os sujeitos da pesquisa

Reconhecemos a participação crescente dos professores de música atuantes na rede de


educação básica, principalmente a partir das mudanças políticas e administrativas que promoveram
um novo direcionamento para o ensino de arte na educação básica da rede municipal de João
Pessoa. Assim, nosso universo de pesquisa era bastante abrangente, uma vez que, antes da
realização de dois concursos que foram alavancados por estas mudanças, o número de profissionais
com formação específica era muito inferior aos números apresentados na atualidade. Contudo,
mesmo com o número de professores de música tendo crescido significativamente nas duas últimas
décadas, estes profissionais ainda não conseguem contemplar todas as escolas da rede. Entretanto,
vale destacar que a abrangência do número de escolas atendidas por estes profissionais supera o
número de professores, pois alguns deles atuavam em mais de uma escola para complementar a
carga horária de trabalho semanal.

39
Mesmo o trabalho de Nader (2010) não apresentando dados que indiquem o quantitativo dos professores de
música pertencentes à rede de ensino atuantes na educação básica, consideramos que os números estavam bem
próximos do quantitativo total do efetivo, uma vez que, mesmo tendo sido aprovados 20 professores de
música no concurso realizado em 2007, até o ano de 2009 só tinham sido convocados dez dos professores
aprovados.
40
A partir deste momento, utilizaremos a sigla PS para nos referirmos aos profissionais que atuem com o sistema
de contratação como prestadores de serviço.
41
Alguns dos professores de música estão fora da atuação direta em sala de aula por variados motivos, como:
licença para tratamento de saúde; readaptação de função; ou por assumir cargos nas direções escolares.
74

Como forma de mapeamento para que pudéssemos identificar as escolas e,


consequentemente, os(as) professores(as) de música, utilizamos um critério de divisão por
região/polo42, já existente na rede pública municipal, buscando contemplar respondentes de
diferentes regiões. Vale destacar que este estudo não teve a pretensão de trabalhar com amostra
probabilística, de modo que seus resultados não podem ser generalizados, mas trazem a análise das
representações sociais sobre música de professores de música atuantes na rede pública municipal de
João Pessoa. São, assim, sujeitos concretos de um determinado período e contexto, que apresentam
elementos que podem refletir aspectos formativos e concepções compartilhadas por outros
professores de música atuantes na educação básica.
Partindo deste direcionamento, a escolha dos(as) sujeitos respondentes que passariam a
fazer parte da pesquisa tiveram como base alguns critérios utilizados que foram previamente
estruturados: 1 – que os professores pertencessem ao quadro efetivo da rede municipal de ensino; 2
– que fossem licenciados em Música ou Educação Musical, ou Educação Artística com habilitação
em Música, ou curso equivalente; 3 – que desenvolvessem suas funções na educação básica no
componente curricular Arte, com práticas na área de música; 4 – que apresentassem interesse e
disponibilidade em participar da pesquisa de forma livre e voluntária.
Reconhecendo que o número de professores que atenderiam a estes quatro critérios iniciais,
poderia fazer com que ficasse inviável o processo de coleta, tratamento e análise dos dados,
estabelecemos mais alguns filtros para que pudéssemos chegar a um número que apresentasse um
panorama satisfatório das representações sociais de música dos professores de música atuantes na
educação básica de João Pessoa. Com isso, estabelecemos que: a) o professor deveria estar em
atividade em sala de aula; b) não poderia haver dois professores que pertencessem ao mesmo polo;
c) tivesse seu contato telefônico atualizado; d) seriam excluídos os professores que não atendessem
às ligações durante três tentativas de contato em momentos alternados; e) os entrevistados tivessem
distinção de gênero. Este último critério buscava trabalhar com professores que apresentassem
formações distintas, uma vez que esses dois perfis de gênero e formação estão presentes em
professores da rede pública, embora haja uma predominância do gênero masculino e de graduados
em Educação Artística, habilitação em música, conforme Souza (2018, p 71).
Com isso, dentro dos critérios estabelecidos, chegamos ao número de seis professores para a
realização das entrevistas. Destes, três possuíam graduação em Educação Artística com habilitação
em música e três possuíam graduação em Licenciatura em Música. Uma outra observação é que

42
A organização por região passou a ser adotada a partir de 2018 com a divisão da área de João Pessoa em 14
regiões, entretanto segue uma estrutura muito próxima da que era adotada anteriormente que dividia a área em
8 (oito) polos de ensino.
75

quatro deles fizeram sua graduação na UFPB e dois realizaram sua graduação na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Quanto ao gênero, destacamos que cinco eram do sexo masculino
e uma do sexo feminino. Em relação ao ambiente de atuação, todos trabalhavam em escolas que
pertenciam a polos diferentes e atuavam em diferentes níveis da educação básica, pois é comum que
o mesmo professor desenvolva suas funções tanto no ensino fundamental I, no fundamental II,
quanto na EJA43. Vale destacar que esses respondentes apresentavam distintas crenças e perfis
culturais. Uma característica interessante é que todos tinham distintos locais de nascimento, com
alguns vindos de outras regiões da Paraíba e de centros urbanos de outros estados. Podemos destacar
que este fator se deve às características das capitais que, como polos estaduais ou mesmo regionais,
apresentam uma concentração de pessoas vindas de outros lugares.

Tabela 2 – Caracterização dos sujeitos44


SUJEITOS DA FORMAÇÃO MÉDIA DE IDADE ANO DO
PESQUISA CONCURSO
Professor 1 GEDA/M 40 anos 2007 e 2014
Professor 2 GEDA/MO 2007
Professor 3 GEDA/M 2007
Professor 4 GLM 2014
Professor 5 GLM 2014
Professor 6 GLM 2014
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao observarmos a Tabela 2 acima, verificamos que os professores apresentam uma


média de idade de 40 anos45 e que seus processos de ingresso no cargo público estão bem
divididos entre os dois concursos realizados que ofereceram vagas específicas para
professores de música. Podemos destacar que três deles foram efetivados no concurso de
2007 e três no concurso de 201446, e que esta efetivação também se divide pela formação,
de modo que os professores ingressos do primeiro concurso possuem graduação em
Educação Artística com habilitação em Música, e, os do segundo, têm Licenciatura em

43
Um fator interessante que marca uma contradição referente ao dispositivo legal e a atuação dos professores de
música nos diversos níveis de ensino é que os editais dos concursos indicam como Cargo 13: Professor da
Educação Básica II – Disciplina: Música (JOÃO PESSOA, 2007, p. 4; 2013, p. 4).
44
Tabela com a caracterização dos sujeitos quanto a sua formação, idade e ingresso na rede pública de ensino:
Graduação em Educação Artística, habilitação em Música (GEDA/M); Graduação em Educação Artística,
habilitação em Música e outra graduação (GEDA/M/O); Graduação em Licenciatura em Música (GLM).
45
Essa foi a média de idade dos participantes que forneceram este dado.
46
Este concurso realizado no ano de 2014, teve seu edital lançado no ano de 2013, como mencionado
anteriormente no tópico 4.2.
76

Música. Esta divisão é reflexo do desmembramento do curso da área de música do curso de


Educação Artística e, com isso, a criação do curso de Licenciatura em Música, como
mencionado no tópico anterior.

4.4 Os encaminhamentos de coleta de dados

Para que pudéssemos dar início ao processo de coleta de dados, o projeto de pesquisa
foi submetido, através da Plataforma Brasil, ao Comitê de Ética. (CCM)47 da UFPB. Este
procedimento minimiza a possibilidade de incorrermos em questões éticas que poderiam
surgir devido ao fato de a pesquisa lidar com seres humanos. Como consequência, todos os
sujeitos envolvidos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua
participação na pesquisa (ver Apêndice A).
Para que o trabalho pudesse ser desenvolvido com êxito, atingindo os objetivos
pretendidos, foi adotada como metodologia uma abordagem qualitativa envolvendo pesquisa
bibliográfica e entrevistas. A visão qualitativa para esta pesquisa possibilitou o trabalho de
análise numa perspectiva mais ampla e subjetiva, de modo a reconhecer as representações
sociais de música de professores de música atuantes em escolas de Educação Básica da Rede
Pública Municipal de João Pessoa.
A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida com base em trabalhos de pesquisas publicados
em livros, periódicos, revistas especializadas em música, repositórios institucionais, anais de
eventos, entre outros, com o objetivo de fundamentar o referencial teórico.
Buscamos um embasamento teórico para os diversos temas que subsidiaram a
pesquisa através de estudos focados no campo científico das produções já existentes, seja
numa visão geral ou específica das discussões que conduziram para a resposta da questão da
pesquisa. Este processo envolveu “localizar, selecionar, ler, estudar, analisar e refletir sobre
trabalhos publicados” (PENNA, 2017, p. 76). Desta forma, a revisão bibliográfica transpassou
áreas como as de educação musical, sociologia e psicologia, buscando discutir o tema das
representações sociais em música na educação básica a partir dos professores de música. Este
processo visou definir os conceitos centrais, as teorias científicas e as metodologias que
respaldaram todo o trabalho, estabelecendo uma correlação estreita entre as dimensões e as
características fundamentais do conhecimento científico que embasaram todo o trabalho de
pesquisa, incluindo a análise dos dados coletados.
47
No caso da UFPB, nosso projeto foi direcionado para o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do
Centro de Ciências Médicas (CCM).
77

Na busca por compreender as representações sociais de música de professores de música


que atuam no componente curricular Arte da educação básica da Rede Pública Municipal de João
Pessoa, foram realizadas entrevistas narrativas, na perspectiva de compreender estas
representações a partir dos relatos de professores, desde os seus primeiros contatos com a música,
suas vivências musicais, os repertórios construídos ao longo dos anos, as suas formações, e como
estas várias situações contribuíram para as atuações profissionais destes professores.

4.4.1 A entrevista narrativa como base para o reconhecimento das representações sociais

O ato de narrar está presente no desenvolvimento das sociedades humanas como processo
de construção do conhecimento desde os períodos mais remotos da humanidade. Através deste
processo, diversas histórias foram estruturadas, difundidas e consolidadas, dando sentido a
inúmeros acontecimentos e construindo narrativas compartilhadas. Deste modo, podemos
destacar que “a narrativa faz parte da história da humanidade e, portanto, deve ser estudada dentro
dos seus contextos sociais, econômicos, políticos, históricos, educativos” (SOUSA; CABRAL,
2015, p. 150). As narrativas revelam a qualidade que os seres humanos têm de serem grandes
contadores de histórias, de modo a serem capazes de apresentar fatos de suas vidas com riqueza
de detalhes, interpretando, assim, as suas experiências de vida.
Pela narrativa, os sujeitos assumem a capacidade de se colocarem na história como seres
ativos, podendo, com isso, se identificarem como seres produtores e transformadores de um
determinado momento histórico. Ao contar as suas histórias, os sujeitos utilizam-se da narrativa para
transmitirem os seus conhecimentos através de gerações que se sucedem e que passam a repetir,
quase que de maneira involuntária, as suas histórias por meio da narrativa. Assim, ao longo dos
tempos, as histórias foram transmitidas através de narrativas que tinham um caráter primordial para
a manutenção dos conhecimentos apreendidos e conduzidos para as futuras gerações.

[...] estudar as narrativas como veículo de conteúdo psicológico complexo


conduz a um conhecimento empírico acerca da adaptação social humana. Os
indivíduos nas suas histórias de vida (live stories), tal como os grupos nas
suas histórias de grupos (group histories), compõem os seus episódios de
vida significativos. (LÁSZIO, 2015, p. 235).

Desta forma, “a narrativa torna-se, portanto, relevante para o contexto de formação em que
se concebe o professor como narrador-personagem-escritor de histórias que se constituem a partir de
diversas situações de formação” (SOUSA; CABRAL, 2015, p.151). Neste caso, ao reconhecer a
78

importância da narrativa para rememorar as experiências de vida, podemos destacar que, para a
realização da primeira entrevista narrativa, autobiográfica, solicitamos ao participante que ficasse à
vontade para desenvolver um relato sobre sua história de vida musical. Alguns autores, como
Laville e Dione (1999, p. 157) e Flick (2004, p. 109), apontam a elaboração de narrativas como a
forma mais adequada para captar as experiências subjetivas expressas no discurso. Deste modo, as
entrevistas narrativas possibilitam que a expressividade possa se dar com maior naturalidade e
efetividade do que as entrevistas que assumem um esquema de perguntas e respostas diretas. Por
seu caráter não diretivo, estes autores defendem que a relação estabelecida entre o pesquisador e o
participante precisa ser estimulada por reforços de atenção, fazendo com que o participante se sinta
motivado a continuar com a narrativa.
Sousa e Cabral (2015, p. 155) recomendam “não interromper o fluxo da narrativa e nem
dificultá-la com perguntas, intervenções diretas ou avaliações”. Decidimos, portanto, seguir as
recomendações apresentadas por Flick (2004, p. 110), quando indica que apenas uma questão
gerativa narrativa seja usada para conduzir o tema central. A maneira como esta questão é
estruturada tem como característica a apresentação de diversos tópicos que são considerados
importantes para a pesquisa e que devem ser abordados durante a narrativa. Esta forma de
apresentação inicial em um único momento é interessante, pois possibilita uma condução da
entrevista com o mínimo de interrupção possível por parte do pesquisador entrevistador.
Assim, para poder conduzir uma narrativa capaz de produzir dados consistentes que
possibilitassem uma análise que levasse a uma compreensão das representações sociais em música,
foi elaborada uma questão gerativa narrativa, com a finalidade de estimular a fluidez e o
direcionamento do relato do entrevistado:
 Gostaria de saber sobre a sua história de vida musical. Você pode falar como a música
fez parte de sua vida através das várias influências que envolvem família, amigos,
escola, igreja etc. Aborde também o momento em que se interessou por aprender música,
os ambientes em que você foi desenvolvendo sua prática musical, os repertórios com
que você se identificava e os que se identifica nos dias atuais, e por fim fale sobre sua
formação como professor e sua experiência na educação básica. Pode falar à vontade,
dando detalhes, pois toda a sua experiência interessa à nossa pesquisa.
Se observarmos as nossas experiências de vida, sob uma ótica de experiências
cotidianas, podemos perceber que é através das narrativas que passamos a reconhecer os
elementos que consolidaram a nossa existência e a nossa forma de ver o mundo através do
outro.
79

Consequentemente, ao discutir a entrevista narrativa como abordagem metodológica


para o desenvolvimento desta pesquisa, percebemos que esta ferramenta pôde contribuir de
forma significativa, uma vez que ajudou a compreender os elementos que estão ligados às
concepções de música que fundamentam as representações sociais dos sujeitos pesquisados.
Como as narrativas têm a característica da liberdade com o mínimo de interferência, tivemos
que passar por uma adaptação quanto a este modelo de entrevista. Uma das dificuldades naturais da
narrativa é a sua imprevisibilidade quanto ao conteúdo que vai ser narrado e a profundidade nas
informações apresentadas pelo narrador, por isso, este procedimento requer uma atenção especial do
entrevistado, para não perder o direcionamento do seu discurso, e do entrevistador, para não deixar
passar informações importantes para o desenvolvimento da pesquisa, além de exigir a sensibilidade
para exercer uma pequena intervenção, caso necessária. Neste processo, para que acontecesse uma
melhor adaptação e uma análise sobre como este modelo nos poderia proporcionar os dados
necessários para a pesquisa, destacamos a importância das entrevistas piloto.
Assim, como parte integrante do desenvolvimento da pesquisa, e não menos
importante, foram desenvolvidas previamente três entrevistas, com o caráter de aplicação
piloto, para que a proposta da utilização de narrativas pudesse ser avaliada em sua
potencialidade para a identificação de representações sociais sobre música. Essas três
entrevistas foram realizadas com professores que apresentavam características semelhantes e
que pertenciam à mesma rede de ensino dos sujeitos da pesquisa. Foi a partir desses pilotos
que pudemos confirmar que o processo de desenvolvimento da entrevista narrativa seria uma
ferramenta produtiva, uma vez que nelas os sujeitos apresentaram traços de suas
representações sociais através de sua história de vida musical, de forma natural e espontânea.
Por terem um caráter autobiográfico, podemos destacar que o ato de narrar sua história
de vida é uma experiência seletiva, pois as memórias expostas são as consideradas
significativas para o narrador, de modo que possamos perceber que o que foi registado de sua
história é o que adquire importância real. (MUYLAERT et al, 2014.p. 195; ROSENTHAL,
2014, p. 232). Podemos destacar que a opção por trabalhar com entrevistas narrativas, mesmo
sendo complexa devido à própria natureza do ato de narrar, foi importante para a pesquisa
porque possibilitou um processo reflexivo de rememoração no qual o narrador lança um olhar
sobre si, fazendo com que suas histórias de vida tivessem uma carga significativa de
elementos considerados importantes na construção de suas representações sociais, por
carregar elementos que foram firmados em seu íntimo por meio seu convívio familiar, social e
cultural (SOUSA; CABRAL, 2015; EUGENIO; TRINDADE, 2017, 121). A captação de
80

elementos de representação contidas na história do narrador torna-os até mais significativos,


uma vez que partiram de um movimento mais espontâneo.
Após a realização da primeira entrevista narrativa foi realizada ainda uma segunda, desta
vez, com caráter semiestruturado. Vale destacar que a realização desta segunda entrevista tinha
o objetivo de aprofundar informações mais detalhadas sobre determinados acontecimentos
narrados na primeira. Esta segunda entrevista semiestruturada também teve um caráter
narrativo, mas com direcionamentos temáticos que foram apontados de forma específica para
cada entrevistado, mas também que tiveram pontos em comum para que cada entrevistado
pudesse narrar a sua história a partir dele. Um ponto importante a ser observado nesta forma de
entrevista é que ela não tem a rigidez de uma entrevista estruturada, mas também não tem a
ampla liberdade da livre narrativa que apresenta apenas uma questão gerativa. Ela mantém a
liberdade para que o entrevistado narre sua história, mas apresenta pontos de direcionamento
que são capazes de possibilitar ao entrevistador compreender a estrutura lógica pela qual a
história de vida se desenvolve na narração (DUARTE, 2014, p. 215).
Esta proposta de realização de duas entrevistas com cada professor buscava
compreender, a partir da sua história de vida musical, as suas representações sobre música.
Dessa forma, na primeira entrevista narrativa havia o mínimo de interferência possível, de
modo que os professores pudessem conduzir a sua história a partir apenas de acontecimentos
que julgassem relevantes. A segunda entrevista, semiestruturada, foi desenvolvida para suprir
a necessidade de compreender, aprofundar, ou esmiuçar mais alguns elementos da primeira
entrevista. Vale destacar que estas entrevistas foram realizadas entre o período de setembro de
2019 a janeiro de 2020, como indicado na Tabela 3, a seguir.

Tabela 3 – Indicação dos períodos de realização das entrevistas

PRIMEIRA SEGUNDA
SUJEITOS DA PESQUISA
ENTREVISTA ENTREVISTA
Professor 1 01/09/2019 16/10/2019
Professor 2 24/09/2019 16/10/2010
Professor 3 27/09/2019 14/10/2019
Professor 4 02/10/2019 13/12/2019
Professor 5 19/11/2019 29/01/2020
Professor 6 22/11/2019 17/12/2019
Fonte: Dados da pesquisa (2020)
81

O cronograma das entrevistas apresentou uma flexibilidade quanto ao período de


aplicação, devido ao fato de as entrevistas terem um caráter individual, sendo realizadas
conforme a disponibilidade de tempo dos entrevistados e nos locais indicados por eles, como
nas próprias residências, locais de trabalho ou ambientes neutros em que se sentissem
confortáveis. Das doze entrevistas realizadas – sendo seis narrativas e seis semiestruturadas –,
cinco foram realizadas nas residências dos entrevistados, cinco em seus locais de trabalho e
duas na universidade, a pedido do entrevistado. Pudemos notar que as entrevistas concedidas
no ambiente doméstico e na universidade deixaram os entrevistados mais relaxados e livres
para desenvolver sua narrativa sem se preocupar com elementos externos, enquanto as
entrevistas concedidas no ambiente de trabalho apresentaram alguns percalços naturais, como
encontrar um local mais reservado para que o professor pudesse se sentir mais confortável,
algumas interrupções por pessoas externas à pesquisa, além da administração do tempo, uma
vez que foram realizadas nos intervalos entre os turnos de trabalho.

4.4.2 O processo de transcrição

Para o processo de tratamento e análise, realizamos alguns procedimentos


fundamentais, como a coleta, a organização e a categorização dos dados. O procedimento de
coleta aconteceu por meio de gravações em áudio das entrevistas narrativas e
semiestruturadas realizadas com cada um dos sujeitos da pesquisa. Por ser uma ferramenta
eficaz utilizada para captar e registrar as histórias narradas, a gravação garantiu a revisitação
do que foi narrado, possibilitando a sua compreensão em seus maiores detalhes, uma vez que,
diante da liberdade característica das entrevistas narrativas, os sujeitos poderiam transitar por
diferentes períodos de suas histórias sem, necessariamente, seguir uma ordem cronológica
pré-definida de acontecimentos (LIU, 2015, p.260-261). Podemos destacar, porém, que, no
caso desta pesquisa, a ordem cronológica dos acontecimentos seguiu uma linha temporal na
qual as histórias relatadas partiram da infância até a prática docente atual, seguindo a proposta
da questão norteadora.
Outro fator que tornou importante o processo de gravação das entrevistas é que o
material coletado funciona como mais uma ferramenta de comprovação do teor narrado, bem
como foi a base para a realização das transcrições. O processo de transcrição que tornou capaz
a escrita da narrativa resultou em 146 páginas de material bruto e passou por um tratamento a
fim de manter o anonimato dos participantes, evitando que houvesse qualquer indicação de
82

local de trabalho, instituição de formação, nomes de pessoas próximas, professores que


fizeram parte do processo de formação, entre outras. Neste processo também foi realizada a
adequação dos marcadores de gênero para o masculino, uma vez que este seria o gênero da
maioria dos respondentes. Algo que consideramos importante para a retirada dos marcadores
de gênero é o fato de a rede de ensino que faz parte do contexto pesquisado não ser tão ampla
e a indicação dos marcadores para o gênero feminino poderiam comprometer o anonimato.
Outros elementos – como marcadores conversacionais48, termos regionais e gírias – foram
mantidos, para que não descaracterizar nem tirar a singularidade da fala. Entretanto, quando
empregados com muita frequência, alguns destes marcadores foram removidos ou
substituídos por termos semelhantes, desde que não alterassem o teor da narrativa. Esta
decisão foi tomada como forma de fazer com que a escrita pudesse acontecer com maior
fluidez e adequação às normas da academia.
Todo esse processo, que visa redigir o material gravado de forma integral, demanda
tempo e dedicação, uma vez que durante o processo percebemos que cada entrevistado tinha
um ritmo de fala, uma dicção e uma forma de narrar própria à sua história, o que torna o
processo de transcrição algo muito trabalhoso, uma vez que nele são observados os mínimos
detalhes presentes no discurso. Assim, na perspectiva de agilizar as transcrições das
entrevistas, buscamos encontrar em meio as novas tecnologias instrumentos capazes de
facilitar o processo de escrita na íntegra da narrativa. Para isto, foram testadas algumas
ferramentas disponíveis em diferentes plataformas que tinham como base promover o
processo de transcrição através do reconhecimento automático de voz. Nesta busca, trilhamos
caminhos que nos levaram à experimentação de alguns recursos disponíveis online que
permitiram a transcrição direta de áudio em tempo real, bem como realizar a transcrição de
arquivos de áudio que foram gravados.
Dentre as ferramentas testadas para este processo, encontramos algumas com recursos
que se adequavam ao que procurávamos para esta etapa, como o speedchloger49, e as
ferramentas desenvolvidas diretamente pela plataforma do Google que pertencem ao pacote

48
‘Os recursos verbais que operam com marcadores [conversacionais] formam uma classe de palavras ou
expressões altamente estereotipadas, de grande ocorrência e recorrência” – como ‘né', ‘tá’, dentre muitos
outros. Os marcadores são muitas vezes tratados erroneamente como ‘vícios de linguagem’ por textos que
abordam a entrevista e sua transcrição. No entanto, do ponto de vista linguístico, eles são característicos da
fala: não trazem informações novas – de modo que não valem por seu conteúdo –, mas ajudam a organizar o
desenvolvimento da conversação, tendo caráter interativo e comunicativo (MARCUSCHI, 1986, apud.
PENNA, 2017, 144).
49
O speedchloger é um software de reconhecimento automático de voz que está disponível online através do link
https://speechlogger.appspot.com/pt/
83

do Google Docs50, ou ainda aquelas diretamente ligadas aos aparelhos de smartphones – que
fazem uso do recurso de gravação e transcrição de voz, como é o caso de e-mail e aplicativos
de mensagens, que usam a tecnologia do sistema operacional Android.
As ferramentas do Google passaram, então, a ser utilizadas de maneira satisfatória
para o desenvolvimento das transcrições das entrevistas por sua versatilidade na criação de
documentos, que já podem ser pré-formatados com a seleção de uma fonte específica, pela
facilidade em utilizar elementos de marcação ou fixação – como mudança na cor da fonte,
marcador de texto, seleção do tipo de fonte, colocação de negrito, itálico, entre outros – e por
recursos como o Voice typing presente no pacote do Google Docs, disponível através do
aplicativo Google Drive51, no navegador Google Crome, no computador ou nos aparelhos de
smartphones, que funciona como uma ferramenta para a transcrição de áudio em texto. A
utilização destas ferramentas teve como objetivo promover a transcrição bruta das narrativas,
uma vez que o uso delas foi direcionado para facilitar este processo.
Vale destacar que a realização das entrevistas narrativas possuem uma dinâmica própria
para cada caso, fato que gerou alguns problemas para o processo de transcrição, uma vez que,
por serem personalizadas e obedecerem às particularidades de cada narrador, estas entrevistas
necessitaram de transcrições que acompanharam uma revisão ortográfica mais profunda e um
olhar rigoroso sobre o que foi transferido automaticamente, pois, durante as suas falas, estão
presentes palavras regionalizadas, a falta de compreensão de uma determinada palavra devido à
dicção, uma gíria, um marcador conversacional, um termo específico que pode não ser
transcrito de forma correta, entre outros, ou até mesmo, por uma falha de equipamentos, como
oscilação na rede de internet. Contudo, ao contrapor as dificuldades e as facilidades que
envolveram o processo de transcrição automática, consideramos que houve mais benefícios ao
fim do processo, pois, na maioria dos casos, otimizou o tempo da transcrição, sendo porém
imprescindível a revisitação a cada gravação para ajustes na escrita.

50
A escolha pela utilização desta ferramenta se deu pelo fato dela gerar um documento de texto no formato do
Google Doc que além de ficar armazenado em um ambiente virtual, pode ter seu material copiado para os
softwares convencionais de edição de texto.
51
O Google Drive é um pacote de ferramenta gratuito disponível para quem possui uma na plataforma Google,
que possibilita o armazenamento e o compartilhamento de diversos tipos de arquivos, como fotos, planilhas,
vídeos, entre outros. A sua estrutura versátil possibilita o acesso aos recursos armazenados em diversos
dispositivos, como tablet, smartphone e computador. (https://www.google.com.br/drive/).
84

4.4.3 Tratamento e análise dos dados

Após o processo de transcrição de todas as entrevistas, seguimos no desenvolvimento


da análise das narrativas. Para isso, traçamos uma divisão capaz de categorizar os diferentes
elementos representacionais das distintas concepções que foram surgindo nas falas. Esse
processo foi estruturado de modo que seus conteúdos fossem distribuídos em três capítulos,
que possibilitaram o reconhecimento e a distribuição dos elementos identificados das
representações sociais de música. Durante este processo, foram identificadas as concepções
de música na infância e juventude, os processos de formação musical, as representações de
música no contexto da educação básica e a música na visão dos professores. Para estabelecer
uma organização dos elementos que indicassem pontos significativos das representações
sociais dos professores e que apresentassem similaridade em suas falas, redistribuímos o
conteúdo das narrativas em tabelas, como forma de guiar o processo para uma análise mais
profunda. Como podemos observar o exemplo da Imagem 3 que apresenta uma dessas tabelas.

Imagem 3 – Falas agrupadas de professores agrupadas por similaridade temática

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Essas primeiras tabelas possibilitaram um olhar mais criterioso sobre cada elemento
representacional que estava sob análise, de modo a reconhecer quais aspectos das narrativas
interligavam-se a suas representações sociais de música ou se as revelavam.
85

A construção da primeira tabela possibilitou a criação de filtros que foram


fundamentais para excluir da análise elementos que poderiam estar presentes nas falas, mas
que não se enquadravam no processo de representação de música dos sujeitos pesquisados,
como uma ideia paralela, um desvio de foco ou o uso de termos isolados (DUARTE, 2004, p.
218). Realizado esse filtro inicial, foi criada uma segunda tabela que apresentava os elementos
sintetizados, mas com significativa importância, sobre as representações sociais de música dos
professores. Esse segundo tipo de tabela foi fundamental para que pudéssemos conduzir o
processo analítico através do software específico para análise textual, o Iramuteq. Nesta
segunda tabela, podemos estruturar, de forma mais clara, os termos que se faziam presentes
nas narrativas que correspondiam às suas representações. Um exemplo dessas tabelas é
apresentado na Imagem 4 abaixo.

Imagem 4 – Termos recorrentes

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

As construções dessas tabelas possibilitaram um olhar mais focado sobre cada um dos
termos e das frases que constituíram uma imagem simbólica da representação social de
música sobre cada ponto abordado. No primeiro formato de tabela, foram destacadas as
relações da música na infância, as concepções de música e seus processos de formação, entre
outros. No segundo, destacamos sua importância, porque possibilitou a identificação e a
seleção específica de cada termo que indicava as construções de símbolos representacionais,
que se destacavam como importantes nas narrativas dos professores. A organização destas
86

tabelas foi fundamental para a construção de dois gráficos que possibilitaram uma análise
focada nos elementos centrais das representações de música dos professores através da
utilização do software Iramuteq: o gráfico nuvem de palavras e o gráfico de análise de
similitude. Eles estão exemplificados nas imagens 5 e 6 abaixo.

Imagem 5 – Exemplo dos gráficos nuvem de palavras

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Imagem 6 – Exemplo dos gráficos de análise de similitude no IRAMUTEQ

Fonte: Dados da pesquisa (2020)


87

O Iramuteq é um software de análise textual, similar a outros que apresentam


ferramentas semelhantes, como é o caso do Alceste52, apresentado no trabalho de Rauski
(2015), que traça suas análises através de padrões matemáticos que se repetem no texto, como
forma de reconhecer os elementos que apresentam relevância no discurso. No entanto, cabe
ressaltar a preparação prévia do material textual para ser processado para a criação dos
gráficos. Para evitar que os termos que não apresentavam uma relevância representativa nas
narrativas, como marcadores conversacionais, pronomes, algumas flexões verbais, entre
outros, recebessem um destaque nas análises textuais desenvolvidas pelo software
simplesmente por aparecerem em uma certa frequência no discurso, podendo, com isso, ser
confundidos com outros termos relevantes para a compreensão das representações dos
professores, resolvemos usar o artifício de duplicar os termos com indicadores de
representação, como podemos observar no exemplo na Imagem 7, abaixo, quando analisamos
a influência familiar na formação musical.

Imagem 7 – Explicação da duplicação de termos

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Este recurso de duplicação adotado possibilitou que os termos com maior relevância
na história narrada passassem a receber um destaque em relação aos demais, possibilitando a
construção dos gráficos nuvem de palavras e de análise de similitude pudessem apresentar as
informações compatíveis com as representações sociais de música dos sujeitos pesquisados,
sem a interferências de termos sem relevância para a pesquisa. Um outro procedimento
importante adotado na análise foi o processo de exclusão de termos que poderiam estar
presentes nas representações, mas que durante a narrativa não apresentavam relação com as
representações sociais de música, como o que podemos perceber na fala do Professor 2: Deus,

52
Alceste é um software de análise textual de dados, desenvolvido na França e vem sendo largamente utilizado
na análise de questionários, trabalhos literários, artigos científicos etc. O Software Alceste pode ser utilizado
em Sociologia, Psicologia, processamento de pesquisas, análise de discursos, anúncios em Marketing,
Jornalismo, Direito, pesquisas documentais, Linguística, análise de imprensa e, finalmente, em todos os
campos onde existam muitos textos a serem analisados. (SOFTWARE.COM.BR, 2020).
88

eu gostaria de saber o que é o amor (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019). Essa fala,
mesmo apresentando termos que poderiam estar relacionados às concepções de música dos
professores – como é o caso de “Deus” – que está presente em representações como um
elemento divino; e “amor”, presente em representações que envolvem afetividade, mas que de
forma direta, não fazem parte das relações representacionais do professor no contexto em que
foi exposto. Sendo assim, era justificada a sua retirada do processo de análise. Foi este
processo analítico multiarticulado que possibilitou um olhar mais amplo e consistente na
identificação e compreensão das representações sociais de música dos professores de música
da rede pública municipal de ensino.
De modo geral, podemos notar que a estruturação dos procedimentos metodológicos
adotados foi essencial para que pudéssemos reconhecer de forma clara o contexto em que
desenvolvemos a pesquisa, as características dos sujeitos participantes, bem como os
procedimentos de coleta, tratamento e análise dos dados. Estes procedimentos guiaram-nos de
forma consistente na busca por atingir os objetivos propostos pela pesquisa, garantindo,
assim, um melhor direcionamento e estabilidade na realização do processo de análise. Foram
estes direcionamentos que nos deram a segurança e solidez para seguir de forma detalhada o
que havíamos traçado para o procedimento de análise da pesquisa. Assim, podemos destacar
que a densidades dos resultados obtidos são fruto da estruturação dessa abordagem
metodológica.
89

5 AS VIVÊNCIAS MUSICAIS DOS PROFESSORES E A CONSTRUÇÃO DAS


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE MÚSICA

Este capítulo apresenta a análise da pesquisa, visando compreender as diferentes


representações sociais de música que estiveram presentes nas narrativas dos professores de
música da educação básica da rede municipal de João Pessoa. Para tanto, dividimos o
capítulo em subtópicos que nos permitiram organizar os elementos presentes nas narrativas
capazes de indicar as representações sociais de música desses professores. Nesse
direcionamento, discutimos as concepções de música na infância e juventude, analisando as
construções das representações sociais de música a partir da primeira infância, desde os
primeiros contatos musicais na família e as influências na fase da adolescência, buscando
compreender como essas representações foram construídas e transformadas nessa fase.
Abordamos as relações com os estudos formais de música a partir dos processos que
envolveram a formação específica e a formação acadêmica, bem como os aspectos capazes
de indicar as suas representações sociais sobre sua formação docente. Por fim, analisamos a
visão de música no contexto da educação básica, abordando as relações de conflito com a
prática docente, bem como os aspectos considerados importantes para o desenvolvimento
das aulas de música neste contexto.

5.1 Concepções de música na infância e juventude

Ao buscar compreender a construção do objeto simbólico música a partir dos


professores de música, podemos observar que esta relação se dá a partir da estruturação
emocional na infância ao adquirirem estabilidade em instituições histórica e culturalmente
consolidadas, como família, igreja, escola, entre outros. Essas relações consolidam-se à
medida que as instituições são fortalecidas no meio social em que os sujeitos convivem.
Desta forma, para analisar as relações dos professores entrevistados com o objeto música,
temos que reconhecer as idealizações de música que partem desde a primeira infância,
mesmo que não se limitem apenas a ela.

5.1.1 Formação musical na infância e a influência familiar

Ao analisar a formação musical dos professores de música a partir das influências


familiares que são edificadas desde a infância, passamos a identificar, em suas narrativas, os
vários elementos capazes de indicar como tais relações foram fundamentais para o
90

direcionamento musical reconhecido na sua fase adulta. Essas relações iniciais que
possibilitaram os seus primeiros contatos com a música passaram a direcionar as
representações sociais de música construídas ao longo do tempo. A Tabela 4 abaixo apresenta
recortes de algumas falas que relacionam a influência inicial que a família exerceu nos
primeiros contatos com a música.

Tabela 4 – Falas relacionadas à formação musical na infância


TERMOS RECORRENTES REFERENTES A FORMAÇÃO MUSICAL NA INFÂNCIA
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Ganhei um Minha mãe Meu pai e Minha mãe era Minha mãe também A banda voltou e
violão da quando viu se Minha mãe muito afinada; gostava muito de eu fui, minha mãe
minha mãe; emocionou; sempre Eu e meus música; me matriculou;
Meu pai ele Papai comprou escutavam irmãos, sempre A gente escutava Meu pai toca
toca; meu primeiro muita música; cantamos; muita música; pouco, mas toca, e
Sou o único violão; Escutava tudo Eu e meus Meu pai botava muita sempre se
artista da Meu irmão que minha amigos música para gente Juntava alguns
minha queria dar um família, minhas dividíamos as escutar; músicos lá em
família; curso, eu disse: tias já ouviam; vozes. A gente Meu irmão aprendeu a casa;
A gente “eu prefiro Convivi com tinha uma tocar violão e a gente Tinha um primo
ouvia de curso de todo mundo que percepção ficava mexendo no que gostava de
rock a violão”; hoje faz parte muito boa; violão dele; cantar e terminou
bossa-nova, Meu colega foi da minha A minha família, meu gravando algumas
aquela quem me corrente pai era muito musical; coisas;
coisa de ensinou os amigos, Meus amigos, assim,
estudante; primeiros eles queriam tocar,
acordes;
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

As frases apresentadas na Tabela 4 trazem diversas relações estabelecidas no âmbito


da instituição familiar, nos primeiros contatos com a música. Como podemos constatar,
essas ligações diretas são percebidas nas falas de todos os sujeitos investigados na pesquisa.
As suas narrativas indicam uma compatibilidade focada em um parentesco de primeiro grau,
pautados pelas recorrências que envolvem os termos “mãe”, “pai” e “irmão”. Entretanto,
outras relações familiares que envolvem outros membros – como “tio” e “primo” – também
aparecem em suas narrativas. O contato com a família, como fator direcionador de suas
ideações musicais, aparece destacada nas mais distintas situações, como fonte de inspiração,
como podemos ver nas falas dos Professores 4 e 6. Minha mãe era muito afinada
(PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019); Tinha um primo que gostava de cantar e
terminou gravando algumas coisas (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019); O
estímulo à audição é destacado pelos Professores 3 e 5: Meu pai e minha mãe sempre
escutavam muita música (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019); [Meu pai] sempre
91

gostou muito de música […]. Minha mãe também gostava muito de música. A gente
escutava muita música (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019); já o incentivo a
aprendizagem é identificado nas falas dos Professores 2 e 6: Meu irmão queria [me] dar um
curso, eu disse: “eu prefiro curso de violão” (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019); A
banda voltou e eu fui, minha mãe me matriculou (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez.
2019); ou ainda o apoio para a realização das práticas, como podemos perceber na fala do
Professor 1, quando ele fala “Ganhei um violão da minha mãe” (PROFESSOR 1. Entrevista
1, 01 set. 2019); entre outros.
Esta conexão que é estabelecida com a família pode ser percebida de forma bastante
explícita ao analisarmos o Gráfico 6, no formato de nuvem de palavras, quando
relacionamos os termos recorrentes a estas influências na infância.

Gráfico 6 – Indicação de centralidade referente às influências musicais iniciais dos professores –


Nuvem de palavras (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020)53

O gráfico “Nuvem de palavras”, exposto acima, apresenta os elementos centrais


presentes nas narrativas quando relacionamos os fatores que exerceram as principais influências
musicais que direcionaram os primeiros contatos com a música na infância. Nele podemos

53
Gráfico criado pelo autor a partir do processamento de dados no software Iramuteq. Os gráficos
expostos nesta pesquisa que tiveram seus dados processados por esta ferramenta analítica foram
criados pelo autor.
92

identificar que o termo “mãe” aparece como o termo mais recorrente e assume sua posição ao
centro, sendo acompanhado pelos termos “pai” e “irmão”, que surgem dando uma
sustentabilidade as relações familiares mais próximas. Estes três termos, por apresentarem uma
maior recorrência, aparecem com maior destaque, indicando uma maior centralidade destas
relações familiares na construção dos primeiros contatos com a música e, consequentemente,
influenciando na construção de suas representações sociais a partir da relação simbólica que se
tem do objeto música nestas relações.
Como podemos identificar, o termo família, mesmo não sendo o elemento mais citado
no discurso de forma direta, pode ser compreendido como elemento central das relações com a
música na infância, uma vez que ele sintetiza as relações que acontecem entre os que aparecem
com centralidade: mãe, pai e irmão, bem como tio e primo, que surgem como elementos
periféricos, mas pertencentes ao grupo família.

Gráfico 7 – Relação de centralidade dos termos “mãe”, “pai”,“irmão”, “tio” e “primo” direcionado para a
família

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Como podemos observar, a compatibilidade dos termos pertencentes à centralidade e


dos que os envolvem, presentes nas regiões periféricas, induz a um agrupamento em um mesmo
conjunto, que passa a ser representado pela família. Contudo, mesmo reconhecendo que este
grande grupo – que passa a abranger todas as condições que envolvem o termo família –, ainda
podemos observar que os termos “mãe e pai”, presente dentro deste novo grupo, são as bases da
sua estrutura central e, com isso, passam a direcionar as referências que fazem parte das
construções simbólicas do objeto música. Esta orientação pode ser vista em algumas falas dos
professores, como podemos observar na narrativa a seguir, do Professor 4.

Meus pais, eles eram evangélicos, então, o que é que acontecia? A


gente cantava muito em casa, né? Desde pequeno eu tenho esta
lembrança. As lembranças melhores e as mais nítidas, de quando
faltava energia, minha mãe reunia todo mundo na sala ao redor dela e
começava, todo mundo começava a cantar, e ela era muito afinada. Ela
cantava em coral, e desde sempre eu pequeno, eu e meus irmãos a
gente sempre cantou muito e agente já aprendia a fazer uma segunda
93

voz, mesmo sem nenhuma parte técnica, sem nenhum aprendizado


prévio, a gente não tinha aula na escola, eu não tinha aula na escola
nem nada, nesse período, né? Então, minha lembrança de música que
eu tenho é essa daí. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).

Um outro ponto que merece destaque nessa análise são os aspectos relacionados à
consolidação da memória musical, uma vez que, nas narrativas dos professores, as principais
referências que consolidam as suas representações sociais de música são construídas
justamente na infância. É a partir das influências musicais que estavam inseridas no seu
contexto familiar que esses elos são estabelecidos. Esse vínculo consolidado na família faz
com que os contatos iniciais dos professores com o objeto música sejam carregados de
aspectos afetivos e simbólicos (LANE, 1993, p. 59). Outros aspectos que envolvem os
elementos culturais podem ser percebidos no discurso do Professor 3, quando destaca que as
suas referências musicais atuais vêm desse primeiro envolvimento com a música, e do
Professor 1, ao revelar que sentia uma conexão com as músicas de artistas populares que
faziam parte do repertório musical que era vivenciado em sua casa por sua mãe.

Na primeira infância foi basicamente minha formação, repertório, né?


Foi basicamente tudo ligado àquilo que significa hoje ao que eu ainda
escuto. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).
Minha mãe, sobre música, escutava muito Chico Buarque, Toquinho
para crianças, muito Tom Jobim, Tom Jobim e Maria Creuza, Eu
criança escutava essas coisas, né? Quando eu escutava Chico Buarque
[fazia associações]. Já rolava essa conexão. (PROFESSOR 1.
Entrevista 1, 1º set. 2019).

Na intenção de aprofundar a compreensão das representações sociais que envolvem as


relações familiares buscando reconhecer como elas foram estabelecidas e estruturadas,
seguimos a análise na intenção de reconhecer os elementos que se fortaleceram a partir das
conexões dos elementos narrados, apresentados no Gráfico 8.
94

Gráfico 8 – Ligações dos termos relacionados às influências musicais na infância – Análise de


similitude (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

A análise de similitude exposta no Gráfico 8 mostra como as conexões são


estabelecidas entre os elementos que constituem as influências musicais na infância. Ao
observarmos a imagem do gráfico, identificamos como o núcleo que envolve a família se
consolida. Isso fica evidente ao relacionarmos os termos com a perspectiva de construção de
uma estrutura conexa, como “mãe canta muito”, “mãe canta afinado”, “pai escuta música”,
“pai toca violão”, entre outros. São a partir dessas relações que podemos ver como as
representações sociais têm seu desenvolvimento a partir dos primeiros contatos com o
objeto música na infância. O contexto familiar se configurou como o primeiro contato com
o mundo social, vivenciado pelos professores quando crianças, envolvendo o objeto de
representação música. É nesse ambiente, carregado de aspectos emotivos, que a construção
simbólica dos seus objetos passa a se solidificar como as suas primeiras representações
95

sociais do mundo. Com isso, podemos compreender que a representação social de música é
estabelecida pelas representações simbólicas que não se dissociam dos aspectos afetivos,
cognitivos e sociais como mencionado anteriormente no Capítulo 2 (JOVCHELOVICTH,
2011, p. 57).
Os aspectos afetivos que envolvem a música desde a primeira infância podem ser
percebidos na fala do Professor 6, abaixo, que relata como as relações construídas entre ele,
seus familiares e a música traz uma carga de memória ligada à alegria, às amizades, ao
prazer, entre outros. Podemos perceber também que as questões afetivas musicais passam a
ganhar aspectos simbólicos que conectam os membros do grupo social.

Meu pai toca pouco, mas toca, violão, cavaquinho e sempre se


juntavam alguns músicos lá em casa para fazer farra, fazer uma
brincadeira, uma roda de música de amigos, e sempre tinha isso. E
eu gostava de ficar observando quando criança. E tinha uma das
pessoas que frequentavam, […] um primo que gostava de cantar e
terminou gravando algumas coisas. Meu pai tem aparelho de som e
gravava fita cassete para ele [meu primo] entrar em concurso de
música [...] hoje [ele] é um dos artistas da cena. Já eu, agora faço
alguns trabalhos com ele. Daí eu descobri o desejo de música […].
(PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019).

Esse vínculo afetivo presente desde a primeira infância através dos laços familiares
faz com que a compreensão do objeto música esteja diretamente interligada à construção do
Eu, pela forma que se percebe o Outro. Na fase da infância, a família é, além de espelho, a
janela para o mundo social: ela é o contato com o Outro que forma o Eu. Daí as
representações sociais edificadas nesta fase serem bastante sólidas, permanecendo presentes
na região central das representações sociais. A fala do Professor 5 evidencia esse processo.

Minha mãe começou a participar da igreja, aí, eu fui, comecei a ir. Eu me


lembro que na igreja tinha aulas de música. Então, o pessoal dos senhores
que tocavam lá na igreja, no final de semana, davam aula. Então, eu ia
para fazer aula também, né? (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).

Outros relatos trazem essas referências partindo de uma aproximação com a música
através de incentivos da família:

A primeira vez que eu tive vontade de ter um instrumento musical, eu tinha


uns nove anos de idade. Assim, não tinha consciência, mas eu cheguei para
96

o meu pai e pedi um violão de plástico. Aliás, um violão. Pedi um violão e


ele comprou um de plástico. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Desde o início […], minha casa sempre foi muito musical, meu pai e minha
mãe sempre escutavam muita música, sempre. A família também, mas
assim, nós não tínhamos músicos nenhum, nenhum. Não existiam músicos
na nossa família. Eu lembro que quando eu tinha sete, oito anos eu ganhei
uma sanfona. Não, menos que isso, cinco ou seis anos. Uma sanfona de
120 baixos. Então, isso para mim foi um grande brinquedo, né? Para o
meu pai, foi uma grande frustração porque não viu o filho tocar sanfona.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Meu pai botava muita música para gente escutar. Mas meu pai nunca
tocou nada, “bicho”, só era de apoiar, entendeu? Então, em relação,
assim, a dificuldade quando eu quis ser músico, eu não tive problema por
causa disso. Porque meu pai sempre gostou de música e quis fazer.
(PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Analisando as falas dos Professores 2, 3, e 5 percebemos que as relações


estabelecidas entre a ludicidade (característico da infância) e a influência familiar na
construção de uma imagem simbólica do objeto música estavam presentes em suas
narrativas. Vale destacar, que as condições que permitiam se familiarizar com a música no
ambiente parental eram tidas como de caráter mais recreativo, desprendido de um olhar
sobre o fazer musical. Destacamos, então, que estas influências por parte da família
contribuíram diretamente para o fortalecimento das imagens simbólicas que estavam sendo
criadas do objeto música.
Outro ponto evidenciado pode ser percebido nas falas anteriores, através da ligação
entre a influência familiar exercida na infância com o desejo de aprender inerente à criança,
como destacado por Jovchelovicth (2011, p. 57), uma vez que a intensa ação criativa
presente no desenvolvimento da criança é construída por elementos lúdicos, exteriores a ela,
que assumem um aspecto simbólico e ganham sentido através das interações dos saberes
produzidos a partir das relações familiares e nas interações estabelecidas culturalmente com
os mais diversos atores sociais. Alinhando-se, a esta visão, compreendemos que estas
associações que envolvem o processo de vivência musical da criança, influenciada pelas
construções simbólicas estruturadas em seu contexto familiar, desenvolvem-se através de
seus processos de aprendizagem lúdico criativo, refletidos no contato eminente com os
atores sociais que os cercam.
Com isso, podemos perceber que as representações sociais de música têm seu
desenvolvimento a partir dos primeiros contatos com o objeto representado na infância.
Sendo assim, ao reconhecer as influências musicais constituídas na infância, através do
contato social com a família na consolidação das representações sociais, não podemos
97

dissociar este processo das questões emotivas e afetivas que estão envolvidas nestas
relações. (CAMPOS; ROUQUETTE, 2003, p.435; JOVCHELOVITCH, 2011, p.63).
Contudo, mesmo reconhecendo as influências afetivas e culturais que partem dos
primeiros contatos com a família como sendo a base para a representação social de música
dos professores, podemos encontrar, na fala do Professor 5, uma percepção contrária, uma
vez que ele não reconhece a influência familiar nas suas relações com a aprendizagem
musical, quando perguntado sobre a influência de família na sua vivência musical:

Rapaz, eu não digo assim que influenciou não. Na minha forma de


vivência musical hoje, entendeu? Apesar de que eu toco em banda de
forró, gosto muito, mas assim, eu não sinto que foi a influência daquilo,
entendeu? Que desde pequeno, porque na verdade minha formação foi
mais na igreja, eu comecei a estudar música, de fato, na igreja, então, eu
acho que a influência maior começou ali, entendeu? (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).

Porém, contraditoriamente ele destaca em outros momentos várias relações que


foram desconsideradas no discurso anterior:

A minha família, meu pai em casa era muito musical, né? […] Mas em
relação à formação, se deu principalmente na igreja. Quando [eu] tinha
oito, sete, oito anos, minha mãe entrou para igreja, para a igreja
evangélica. E aí, na igreja você tem esse contato com música direto,
“bicho”! Todo final de semana você vê o pessoal tocar. (PROFESSOR 5.
Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Entretanto, ao relatar a experiência com seus irmãos que, de certa forma, passaram a
influenciar as suas práticas musicais, ele passa a apresentar as relações familiares que
contribuíram para o seu envolvimento musical na infância.

[…] teve a questão da gente tocava porque meu irmão tocava também, né?
Então o que ele escutava, o que ele aprendia ele passar para gente, e aí a
gente ficava aprendendo, tal. Essa história também... então acho que essa
história da aprendizagem musical, dessa influência, eu acho que cada um
teve uma parcela, cada um tem um pouquinho, entendeu? Não tem como
dizer se isso foi mais, ou mais outro, tal. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29
jan. 2020).

Esta relação que envolve a influência familiar concebida como um aspecto que
contribui diretamente no processo de formação musical pode ser observado em Mateiro
(2007, p. 182), segundo o qual “a família foi apontada por 57,14% dos entrevistados como
98

um fator de influência na formação musical”. Mesmo reconhecendo que outros fatores como
igreja, amigos e escola, também foram influenciadores, a família passa a assumir um espaço
de maior relevância.
Um aspecto importante de ser observado nessas falas é o fato de que as
representações sociais acontecem pelas relações partilhadas pelo grupo social de forma a se
tornar comum, mas não indiferente ao objeto representado. (LEME, 1989; 1993). Podemos
perceber, com isso, que à medida que o Professor 5 não reconhece a influência dessas
experiências ocorridas no meio social familiar, fica mais evidente que o fenômeno social
que acontece e que tece suas representações, a partir das comunicações entre os sujeitos que
fazem parte do grupo ao qual ele pertence, consolida-se de maneira espontânea e, de certa
forma, inconsciente (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 74).

5.2 Música na adolescência

Ao analisar a narrativa dos professores de música sobre sua adolescência,


percebemos que esta foi a fase em que a consciência da aprendizagem começa a ser
desenvolvida. Nesse período, os professores passam a construir e sistematizar as suas ideias
de aprendizagem musical pautadas em suas vivências na família, nos contatos externos com
amigos, nas suas práticas desenvolvidas em ambientes de convívio coletivo, como a
socialização na escola, na igreja, em grupos musicais, bem como nas buscas por um
aprofundamento de suas práticas musicais. A Tabela 5 abaixo exemplifica algumas dessas
relações desenvolvidas durante a adolescência.
99

Tabela 5 – Falas relacionadas à música na adolescência


FALAS REFERENTES À VIVÊNCIA MUSICAL NA ADOLESCÊNCIA
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Com doze anos Um colega Estudei na escola de teclado; Cantava Tocar contrabaixo na igreja; Comecei a me
eu passei a ter meu tinha um Fui ter aula e terminei em grupos; Sabia tocar notas do violão; destacar;
aulas; violão; virando professor; Fui para o Comecei a estudar; Estudar na
Pegava tudo A gente se Primeira experiência como seminário; Procurar professor, me escola de
lento; reunia; professor de música; Aprender a interessar, procurar na música;
Eu tinha Fiquei louco Aprender para poder questão internet, procurar vídeo- Mudança de
paciência; pelo violão; ensinar; acadêmica; aula; instrumento;
A gente ia nas Meu colega Conheço um pessoal e fundo Aprender a Meus amigos, queriam tocar; Tocar nas
bancas de me ensinou a banda; educação Queria trocar o instrumento; bandas de
revistas; os primeiros Contato com um outro formal; Queria tocar na igreja, lá na forró;
Tinha bastante acordes; instrumento; Trabalhar frente; Dar aula de
roda de violão; Através do Escutava rock americano na igreja; Músicas do grupo X todo música;
O meu colega sem saber; mundo escutava; Assumi a
primeiro cachê comecei a Não ouvia mais música Ficava prestando atenção; regência
foi com quinze aprender; brasileira; A banda, era modinha; banda;
anos Levava o Aprendi com o metal; Tocava porque meu irmão
Aos dezessete violão; Com a galera do metal tocava;
anos eu fui No intervalo aprendi o que é ser excluído; Fui a escola de música;
tirar minha eu ia Começo aprender partitura; Comecei as aulas de teoria
carteira da tocando; O preconceito que eu vivia; musical;
Ordem dos Não tinha Escutava o que tocava em Uma chuva de música
Músicos; violão; rádio; erudita;
As músicas Meu colega A experiência do Comecei estudar no
eram muito que me conservatório foi desastrosa; conservatório;
ecléticas; emprestava; A gente tinha várias tribos; Comecei a dar aula na
Ouvia de rock cidade;
a bossa-nova; Comecei a estudar harmonia
no conservatório;
Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Ao analisarmos os recortes das narrativas dos professores expostos na Tabela 5,


percebemos que, por mais distintos que sejam seus envolvimentos com a música na fase da
adolescência, há traços que permitem identificar elementos comuns recorrentes em suas falas,
uma vez que diferentes grupos podem idealizar o objeto música em uma estrutura de
representação simbólica. Um exemplo dessa visão partilhada coletivamente pode ser identificada
quando observamos que, neste momento de vida, há uma busca por processos que levem a uma
aprendizagem musical pautada em questões técnicas, que compactuem com a ideia de
aprimoramento de suas práticas musicais. Neste sentido, salvo o Professor 2, os demais relataram
que, para as suas práticas e aprendizagens musicais, passam a buscar escolas especializadas de
música. As falas dos Professores 1, 3 e 4 exemplificam este direcionamento:

Aí, eu fui para uma casa de música da cidade. Para aprender a ler música,
a escrever música. Daí começou a minha formação na música erudita, a
ler e escrever música. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
Estudei na escola de teclado, mas não conseguia levar muito longe porque era
muito caro. Era uma coisa feita para a elite, né? Era uma música de elite. Eu
não [tinha] condições. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
100

Eu senti o desejo, digo: “não, vou transformar isso”. É que eu vou para
seminário para poder fazer mais consciente, né? Aprender a educação
formal. Aprender como é. Eu sei fazer, mas na prática. Eu não sabia a
teoria. Então, surgiu o desejo de [aprender] a teoria. (PROFESSOR 4.
Entrevista 1, 02 out. 2019).

Estas falas revelam uma busca por aprendizagens pautadas em práticas musicais com
características mais formais, desenvolvidas em escolas especializadas, estruturadas a partir
de uma construção simbólica do ambiente de ensino/aprendizagem musical que passa a ser
percebido através de uma ampliação dos grupos sociais com que os professores constroem e
interagem durante o período da adolescência. Entretanto, esse novo olhar que os professores
desenvolveram sobre essas novas práticas musicais passa a abrir espaço para que pudessem
ser moldadas outras estruturas simbólicas capazes de configurar uma nova representação
sobre o objeto música, como relata o Professor 5.

Eu me lembro que tinha um cara lá onde eu morava que gostava muito de


estudar música. Ele fez: “rapaz, vamos estudar com o professor. Vamos
estudar com ele, porque ele estuda e vai aprender as coisas e vai trazer para a
gente”. […] Foi muito bom. Assim, ele abriu muito a mente, sabe? Assim,
trouxe muito material. Coisas diferentes que a gente não via estando só na
igreja. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Podemos perceber, nessa fala, que, ao ampliar seu grupo social, o indivíduo se abre
para a assimilação de novas representações, constituídas a partir de alterações nos elementos
que estavam centralizados em seu ambiente representacional. As experiências que se
acumulam colaboram para a criação ou a manutenção dos objetos simbólicos representados
tanto por um indivíduo quanto por seu grupo. É através destas mudanças que os indivíduos
passam a reconhecer outras realidades que, ao alterar, ou não, a sua estrutura central, são
capazes de criar conhecimentos e dialogar com outros.
Um outro exemplo que evidencia essa relação com as novas representações está
presente na fala do Professor 3, como podemos ver a seguir.

Quando eu comecei a ler partitura no terceiro período, aí eu disse: “não, daqui


para frente eu vou só”. Aí eu me torno autodidata. Quando começo a aprender
partitura, eu vou buscar os livros. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Essa fala marca uma recondução no modo de compreender a música como objeto
simbólico de representação. À medida que o sujeito reconhece que a sua perspectiva de
101

aprendizagem musical não se adapta aos moldes institucionais, presentes nos ambientes
formais, mas, mesmo assim, passa a reconhecer e internalizar a visão teórica da música
como modelo que deveria seguir em seu processo de aprendizagem musical, revela uma
recondução da sua percepção sobre música à medida que passou a incorporar novos
conhecimentos à sua vivência.
As transformações que acontecem na fase da adolescência – sejam elas físicas,
emocionais, intelectuais ou outras – possibilitam os contatos com novos grupos, o ingresso a
novas tribos, a construção de conexões que conduzem a diferentes formas de ver o mundo.
Estas mudanças que ocorrem nas estruturas sociais dos adolescentes nas quais se
manifestem os novos saberes reorganizam seus conhecimentos e reestruturam suas
representações. Desta forma, esses novos diálogos sociais que promovem diferentes olhares
sobre o objeto de representação social música são constituídos pelas trocas de experiências
entre os membros do grupo. A partir dessa fase, percebemos que algumas concepções de
música passam a se consolidar, tornando-se mais estáveis, uma vez que passam a fazer parte
da vida dos sujeitos. Essas representações sociais de música são revigoradas através de
diversos aspectos que passam a ganhar uma maior consistência para os indivíduos e seu
grupo, como quando passa a ser compreendida como objeto de profissionalização, como
podemos verificar na fala do Professor 1, quando ele apresenta a sua visão de
profissionalização ao ganhar seu primeiro cachê com músico: “O meu primeiro cachê foi
com quinze anos. Aos dezessete anos eu fui tirar minha carteira da Ordem dos Músicos”
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 01 set. 2019), que atua como legitimação de sua prática, já o
Professor 3 relata que, ao buscar desenvolver seus estudos, passou a dar aulas: “Fui buscar
[a escola de música] para ter aula e terminei virando professor. Aí, nisso daí, foi minha
primeira experiência como professor de música, especificamente de instrumento musical,
né?” (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Ou a música pode ser, ainda,
representada como um elemento de socialização, como relatado pelo Professor 2:

A questão da música, além da inteligência, também é muito importante no


âmbito social, né? De você fazer amizades. Onde uma pessoa chegar, se
souberem que ela toca violão, aonde ela chegar com violão, mesmo que
ela não conheça ninguém, se ela chegar em um lugar, alguém vai chegar
ali e dizer: “cara, vem para cá, a gente está fazendo um luau ali, pô”.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).54

54
Esta fala foi reorganizada pelo autor para dar um sentido mais direto ao que foi expresso pelo professor.
102

Entretanto, da mesma forma que a música pode ser percebida com um elemento de
socialização por um lado, por outro ela é vista como um elemento de identificação e
isolamento de determinados grupos, que desenvolvem um olhar simbólico diferente dos
demais, como podemos ver na fala do Professor 3.

Na adolescência, eu aprendi com o metal, convivendo com a galera de


metal, o que é ser excluído. O que é se ter uma visão diferente da pessoa,
que necessariamente não é. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).

Ou, ainda, como elemento de desenvolvimento de autoestima, como podemos


identificar na fala do Professor 5, quando ele destaca o interesse de estar se apresentando
diante de seu grupo social.

A gente ia nessa onda aí, que todo mundo ia aprender para tocar lá na
igreja, obviamente, né? Todo mundo queria tocar na igreja lá na frente,
tal. A igreja era grande, então, todo mundo queria estar lá na frente se
apresentando. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020);

Outros aspectos também surgiram, como foi o caso da construção de novos


conhecimentos, como podemos perceber nas falas do professor 3: “[…] eu escutava tudo que era
tipo de rock americano, sem saber […]” (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019); e do
Professor 5: “[...] então ouvi o pessoal tocando piano lá no conservatório. Então, assim, foi uma
chuva de música, principalmente erudita, que eu não tinha visto ainda” (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020). Ou ainda a música como elemento identificação e de prazer, como
podemos perceber na fala do Professor 6: “o regente tinha as bandas de forró, ele já começou a
me colocar desde lá do interior. Quando eu fui tocar a primeira vez, eu disse: ‘não, é isso, é isso
mesmo que eu vou fazer, é isso que eu quero’” (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019); e do
Professor 3: “quando eu toquei em um, que […] eu escutei o som, aquele som bem espacial, é
indescritível, assim. Eu não sei lhe explicar a sensação qual é, mas é uma coisa que toma conta
inexplicavelmente” (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019); bem como de emoção que se
estabelecem pela ligação afetiva: o violão foi uma coisa que eu me apaixonei (PROFESSOR 2.
Entrevista 1, 27 set. 2019). Surgem também novas formas de ver o mundo e de se relacionar com
o outro através da música, como também o distanciamento de outros grupos pelas preferências
musicais ou pela aquisição de determinados repertórios, como podemos perceber na fala do
Professor 1. “As músicas eram muito ecléticas, ouvia de rock a bossa-nova” (PROFESSOR 1.
Entrevista 1, 1º set. 2019).
103

Ao discutir as transformações da adolescência, Quiroga e Vitalle (2013, p. 866)


reconhecem que com todas as mudanças hormonais, cognitivas, afetivas e sociais que ocorrem
durante o período da adolescência, as suas representações de mundo também sofrem alterações;
sendo assim, quanto à música não seria diferente. Este processo de reconstrução do mundo pelo
adolescente não parte do vazio, ele se liga diretamente a uma relação simbólica que se ancora nas
suas antigas representações que dão consistência para a consolidação das que podem surgir, como
discutido anteriormente por Sawaia (1993, p. 73) e Moscovici, (2015, p. 63). Entretanto, outras
representações ganham espaço e se consolidam diante da construção de novos objetos simbólicos
que passam a ser criados ou percebidos e internalizados. Desta forma, podemos perceber que
muitos dos elementos que se tonam passíveis de representação se organizam próximo a uma
região que dialoga com estas mudanças.
O Gráfico 9, nuvem de palavras, organizado a partir de uma análise que traçou os
elementos que indicaram uma relevância na narrativa dos professores de música sobre sua
vivência musical na adolescência apresenta, de forma visual, uma reestruturação de como os
professores passavam a internalizar a música a partir do aprofundamento do que eles
buscavam na infância:

Gráfico 9 – Indicação de centralidade referentes às vivências musicais na adolescência – Nuvem de


palavras (IRAMUTEQ).

Fonte: Dados da pesquisa (2020)


104

Podemos observar, no gráfico nuvem de palavras acima (Gráfico 9), alguns


elementos recorrentes que indicam a centralidade da relação que os professores tinham com
a música na adolescência e, com isso, as principais interações que se fizeram presentes em
suas vivências musicais nesta fase. O gráfico nuvem de palavras apresenta o termo
“estudar” como sendo o elemento mais destacado nas narrativas, uma vez que outras
relações que giram em torno do ato de estudar – como buscar novas experiências, ampliar os
conhecimentos musicais, adquirir novos repertórios, entre outros – contribuem diretamente
para as mais diversas práticas que estes sujeitos passaram a desenvolver com a música. O
ato de estudar, identificado como elemento central da narrativa dos professores, quando
relacionado ao envolvimento deles com a música na adolescência, aparece cercado por
elementos periféricos que reforçam os direcionamentos que são dados aos processos que
envolvem o estudar, como “aula” e “aprender”. Estes elementos podem, portanto, ser
compreendidos como parte contínua de processo, como indicado no gráfico 10.

Gráfico 10 – Relação da continuidade dos elementos periféricos da centralidade de estudar


“Aula” e “Aprender” a partir da centralidade do “Estudar”

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Outros elementos mais destacados que estão presentes na região periférica – como
“conservatório”, “instrumento”, “aula”, “igreja”, “banda” – também atuam como mantedores
do elemento central por terem uma relação direta o termo “estudar”, passando a dar a ele um
sentido mais amplo. Podemos perceber o ato de estudar como elemento central no
envolvimento musical dos professores em sua adolescência, ao analisarmos as narrativas que
destacam como estas ligações aconteciam:

Eu estava lá na banda e eu comecei a me destacar dos outros e o regente


da banda, o maestro na época, disse: “por que você não vai estudar? Aqui
a gente já deu a você o que tinha que dar. Você quer tocar, você vai ter que
estudar fora”. Aí, ele disse: “vá”. Eu fui no conservatório...
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019)

Também as narrativas do professor 5 revelam como conduz seu direcionamento musical


para o ato de estudar, como perspectiva de um caminho a ser seguido. Desta forma, evidencia-se
105

como os elementos periféricos da representação estabelecem uma continuidade e um


fortalecimento do núcleo.

Eu comecei a estudar contrabaixo mesmo, passava horas e horas tocando


no instrumento para aprender as músicas da igreja, tocar. E aí, logo,
assim, foi uma coisa natural, né? Comecei a tocar na igreja,
acompanhando o pessoal.
Eu disse: “mãe, eu quero estudar em... eu quero aprender mais, tal”. E fui,
isso eu tinha uns 13, 14, 15 anos no máximo. Aí, ela fez: “então, se você
quer estudar, vamos embora”. Aí, fui embora estudar no conservatório.
(PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

O ato de estudar passa a ser significante nas relações que os professores


desenvolveram com a música na adolescência, a partir das mudanças simbólicas que eles
atribuíram ao objeto música. À medida que seus laços com a música se aprofundavam e
ganhavam novas dimensões, as suas relações passavam a exigir novas práticas. Podemos ver
um exemplo dessas distintas interações com a música na fala do Professor 2, quando ele
apresenta que há uma diferença entre a perspectivas de aprender música como um hobby ou
como um profissional.

Eu me lembro que eu fui na casa do meu tio, antes de eu nem pensar que
eu iria estudar. Quando eu olhei para o violão, eu disse: “cara, esse
negócio deve ser muito difícil!” Eu já tinha certa consciência de que não
era uma coisa tão fácil, né? Apesar que isso é relativo, porque quando
você usa a música apenas como hobby é uma coisa, mas quando você diz
assim: “não, eu quero ser um profissional da música”, claro que as
exigências são outras, né? (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Podemos observar que essas diversas relações estabelecidas com a música na


adolescência partem de uma busca por ampliar seus conhecimentos musicais e suas
experiências com seu grupo. O Gráfico 11 abaixo demonstra algumas destas conexões.
106

Gráfico 11 – Ligações dos termos relacionados à vivência musical na adolescência - Análise


de similitude (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Se observarmos o Gráfico 11 de análise de similitude, percebemos que essas conexões


que acontecem envolvem o desejo por estudar pela perspectiva da ampliação dos seus
conhecimentos musicais para que sejam atingidos outros objetivos relacionados à música.
Configuram-se uma forma de acrescentar novas experiências à sua prática para atuar em um
nível técnico mais elevado, ou como meio de estabelecer um diálogo com o contexto no qual
está inserido, com seus novos grupos, com suas novas tribos. Estas conexões podem ser
percebidas de forma direta, ao verificarmos os cruzamentos que são estabelecidos no Gráfico
11, como: “começar/estudar/violão”, “estudar/aula/música”, “estudar/instrumento”,
“professor/instrumento”, “estudar/aula/conservatório”, “começar/tocar/banda”, entre outras.
Estas interligações entre os termos relevantes que apareceram com recorrência nas
narrativas dos professores indicaram que há uma construção simbólica voltada para uma visão
prática da música. Desta forma, compreendemos que a busca por ampliar os estudos musicais
107

na adolescência estava ligada a um desenvolvimento mais técnico da música, mas não se


limitando a isso. Essas conexões indicam uma idealização simbólica da música centralizada
em uma prática instrumental, que visa atingir um determinado nível de desenvolvimento
técnico, que por ser partilhado pelo grupo, passa a ser associado com um modelo a ser
seguido.
A representação social do estudo nesses espaços de aprendizagem musical formal é
estabelecida como uma forma consolidada do reconhecimento do ensino de música, que se
pauta em uma questão técnica. Isto pode ser percebido nas falas dos professores 1 e 3,
apresentadas no início desse capítulo, e do Professor 4, a seguir:

Quando eu fiquei jovem, então, eu tive vontade e fui para o seminário. Aí,
eu fui para aprender esta questão mais acadêmica, né? […] Me formei
com especialização em regência coral, porque a minha intenção era
trabalhar em igreja. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).

O relato que segue, do Professor 5, revela que o grupo no qual ele estava inserido
compartilhava das mesmas representações sociais sobre os aspectos musicais ligados às
práticas dos conservatórios55. Percebe-se que estas visões estão consolidadas
simbolicamente como um modelo de bom desempenho musical e que ganhava cada vez
mais consistência dentro do grupo. Esta representação está estruturada de tal maneira que
ela não se limita apenas a reconhecer a visão do estudo de música como um processo
formativo formal, mas como algo que está enraizado e legitimado como “o conhecimento
musical” a ser seguidos:

Meu primeiro contato pedagógico, assim, da aula, didático, foi nessa época
que eu estava no conservatório. […] Eu acho que foi uma das primeiras
pessoas a estudar música em conservatório da [minha]. Era uma cidade
pequena, tinha 16 mil habitantes. Então, o pessoal sabia que eu estudava
música, aí começou a me procurar para estudar. Eu me lembro que eu tinha
13, 14, 15 anos, bicho, nessa época, mas eu tinha um monte de alunos
particulares que vinham estudar. E aí, eu dava aula de partitura, dava aula
de instrumento, passava as coisas que eu ia aprendendo, entendeu? Do jeito
que aprendia lá, eu passava para eles. […] E eu dava aula de instrumento,
teoria, eu tocava [um] pouquinho de teclado, tocava violão. E tudo porque
eu estava lá no conservatório. Então, o pessoal tinha essa visão: “então, se

55
A visão de conservatório apresentada neste trabalho não corresponde diretamente às perspectivas relacionadas
a uma estrutura curricular centrada na formação musical eurocêntrica, como visto nas discussões de Pereira M.
V. M. (2014) sobre habitus conservatorial. Por outro lado, elas se alinham ao trabalho desse autor quando
reconhecem o conservatório como um ambiente institucionalizado capaz de promover um “conhecimento
legítimo”. (PEREIRA, M. V. M. 2014, p. 95)
108

ele está estudando [no conservatório]56, olha, o cara tem as ideias aí”.
Então, fui, fiquei estudando no conservatório e dando aula, tocando na
igreja. Essa foi a formação. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

A fala apresentada acima aponta para um alinhamento das novas vivências musicais do
sujeito com as ideias partilhadas pelo grupo, que passam a ser compreendida como o modelo
pelo qual a prática da aprendizagem musical é reconhecida e valorizada. A ação simbólica que
o grupo desenvolve sobre o objeto estudar música se estrutura a partir de uma construção
histórica e socialmente constituída e partilhada. A familiaridade com que esta prática se
ancora facilita a consolidação e a manutenção de suas representações sociais de música, sobre
um modelo fortalecido simbolicamente pelas articulações que conduzem para novas
informações que se incorporam e se acomodam para manter a solidez do objeto representado.
(LEME, 1993; MOSCOVICI, 2015; RAUSKI, 2015a; SAWAIA, 1993). Dessa forma,
podemos compreender que o ato de estudar música a partir dos moldes conservatoriais
passava a ser percebido pelo grupo como um elemento capaz de promover transformações, de
mudar visões, de experimentar novas experiências, mas que não fugiam das simbologias
preestabelecidas que configuravam suas representações sociais do objeto estudar música.
Entretanto, mesmo reconhecendo que a prática da aprendizagem musical, ligada aos
modelos tradicionais do conhecimento musical, aparece de forma significativa nos discursos
de cinco dos seis sujeitos pesquisados, podemos perceber que outras práticas de
aprendizagens também estão relacionadas ao processo de desenvolvimento musical com
essas características mais formais. É o caso do Professor 3.

Eu vou entrar no curso de eletrônica, eu vou aprender fazer caixa,


amplificador e pedal, ou seja, sempre foi orientado para música, mas
sempre dentro do viés técnico, consegue perceber? Que é sempre, teoria
musical, técnica de eletrônica, sintetizadores. É sempre um mundo muito
técnico. Eu não tive esse contato por exemplo, com a música popular.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

O interessante desta fala é que, mesmo tendo relatado anteriormente que a sua
experiência com o conservatório foi desastrosa, o professor apresenta uma relação muito
forte com o processo de desenvolvimento musical vinculado às práticas dos conservatórios.
Assim, ele evidencia que a visão simbólica que se constrói deste modelo pode ser
compreendida como uma construção da representação social de música nesta fase da vida.

56
Trecho alterado para não indicar a cidade em que o professor desenvolveu seus estudos musicais, mantendo
assim o anonimato do entrevistado.
109

Para esses entrevistados, à medida que o objeto estudar música é visto como o caminho para
um “melhor” desempenho musical, outros espaços e práticas de aprendizagem passam a ser
vistos como uma esfera de socialização e potenciais meios de ampliação de conhecimento
musical, que, muitas vezes, estão relacionados a outras experiências de vida que cercam os
indivíduos inseridos no grupo. Estas outras relações podem ser percebidas na adolescência,
como amizades, interações sociais, participação de grupos, questões amorosas, entre outras,
uma vez que os interesses presentes nestas novas conexões são realinhados e ressignificados
como novos elementos simbólicos de representações sociais (SANTOS; ACIOLI NETO,
SOUZA, 2011, p. 111). Com isso, podemos reconhecer, também, que tanto as práticas
formais quanto as informais vão se desenvolvendo a partir dessas mudanças que ocorrem na
fase da adolescência, dos seus novos desejos e de suas novas perspectivas de
desenvolvimento musical. Isto é exemplificado na fala do Professor 1:

Na época não tinha internet e a gente ia nas bancas de revistas, quando


tinha alguma música que a gente não gostava, tocava por causa das notas.
[Foi assim que aprendi] as tablaturas, as cifras, para aprender violão, que
foi meu primeiro instrumento musical. Nele associei o que eu tinha
aprendido, os exercícios de dedilhado, [fui seguindo as instruções] e fui
aperfeiçoando aquilo. [No período da]57 escola, tinha bastante roda de
violão e foi quando eu fui aprimorar mesmo. (PROFESSOR 1. Entrevista
1, 1º set. 2019).

Muitas mudanças envolveram a fase da adolescência dos professores, em um


processo de ebulição de sentimentos, de construções e desconstruções barreiras. Isto pode
ser percebido nas mudanças de representações apresentadas pelo Professor 3, uma vez que,
em sua narrativa, vários aspectos foram se sobrepondo e ganhando novos significados,
novas dimensões que passaram a redirecionar as suas representações do objeto música.

Escutava o que tocava em rádio, anos 80, transmissão dos anos 90. Até que
eu chego na escola e vi um amigo meu com a camisa do Guns n’ Roses58. Eu
disse: “detesto essa banda”. “Como, se você nunca ouviu”? “Música de
maconheiro. Quero ouvir não!” Passa o clipe de Axl, cantando,“rapaz, essa
menina canta demais”. Para você ver que até o visual eu não conhecia. Não
tinha acesso ao visual. Quando eu escutei, que eu soube qual era a banda, aí
pronto. Aí eu caí de cabeça. Era Guns n’ Rose e tudo que era relacionado a

57
Estes trechos apresentaram uma falha no áudio, por isso estão entre colchetes, pois indicam as palavras que
mais se assemelhavam com o que era ouvido e com o contexto do que estava sendo narrado.
58
Guns N’ Roses é uma banda de hard rock norte-americana, formada em Los Angeles, Califórnia em 1984. A
banda, liderada pelo vocalista e co-fundador Axl Rose, passou por várias mudanças de alinhamento e
controvérsias desde a sua criação. (LETRAS, 2020).
110

este estilo. Já tinha facilidade de não ter preconceito contra a língua, porque
escutava tudo que minha família, minhas tias já ouviam. Então, eu já tive
essa facilidade. Em compensação, eu comecei a não ouvir mais música
brasileira. A música brasileira da rádio. Porque é quando começa É O
Tchan59, o axé, o pagode. Quando começa isso daí, eu já roqueiro convicto,
né? Eu disse: “eu não escuto isso”. E o choque com a música brasileira que
eu tenho conhecimento, [que eu tinha] contato para trás, era muito grande.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

À medida que ele passa a dialogar com as diversas referências musicais que o
envolvem, começa a dar novos sentidos a elas. O que era estranho, por falta de um
conhecimento prévio, tornou-se familiar, como podemos perceber quando ele relata que não
ouvia rock por que era “música de maconheiro”, mas que, quando passou a ter uma
referência da música a partir do que já vivenciava com a sua família, passou a internalizar o
gênero musical de tal forma que passou a se considerar roqueiro convicto. Estes aspectos
simbólicos que são construídos com as mudanças de envolvimento com a música passam
contribuir para a construção de novas representações sociais sobre música. Desta forma,
podemos compreender que esses processos levam a uma condução de novos
comportamentos, e que estes estão ligados à manutenção ou mudança das relações
simbólicas afetas a um determinado objeto passível de ser representado.
Podemos compreender que as mudanças de representações vão acontecendo à
medida que as experiências vão se transformando e que os contatos com outros grupos vão
se aprofundando ao ponto de fazer com que o que parecia estranho se tornasse familiar
(MOSCOVICI, 2015, p. 63). Podemos observar isso de uma forma mais explícita, mais uma
vez, na fala do Professor 3:

Toda uma linguagem do rock eu aprendi no contrabaixo, por causa do


metal. Nos teclados, a swingueira60 me traz a tecnologia. Muita gente não
tem noção do que precisa saber de tecnologia para tocar aquele troço, tem
muita coisa, principalmente ligada aos sintetizadores, pré-produção,
aquela coisa toda. […] Convivendo com o metal a gente tinha várias
tribos. Aí, na swingueira, eu aprendi com os meninos que música é além.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

59
Grupo de axé e samba criado no início dos anos 1980, em Salvador, por um grupo de amigos que se reunia
toda sexta-feira para tocar e batucar. O grupo, liderado pelos músicos Compadre Washington e Beto Jamaica,
inicialmente tinha o nome de Gera Samba (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN, 2020).
60
Pagodão ou pagode baiano é um estilo musical muito popular na Bahia, principalmente na capital Salvador,
surgiu em meados dos anos 1990. O ritmo, por vezes também chamado swingueira ou quebradeira, é uma
variante do pagode criada na Bahia. (CALVIN, 2016; DICIONÁRIO INFORMAL, 2014)
111

No relato acima, pode-se perceber uma capacidade em construir novas


representações a partir das trocas de experiências que são vivenciadas por grupos distintos,
fazendo com que estas construções simbólicas, que antes eram antagônicas, passem a ser
compreendidas como passíveis de aproximação. Esta mudança de comportamento está
diretamente relacionada com a função da representação social na adolescência. Podemos
destacar que estas novas reações socioculturais estabelecidas promovem transformações que
passam a ser respaldadas pela consolidação de uma legitimidade anterior, direcionada pelos
diversos agentes, como família, escola, mídia, amigos, entre outras interações culturais
envolvida nas suas vivências em sociedade (QUIROGA; VITALLE, 2013, p. 867). Desta
forma, mesmo reconhecendo que a adolescência é um período cercado de conflitos e
instabilidades, ele também se destaca como um período de consolidação e de estabilidades a
partir dos novos laços simbólicos que vão sendo concretizados e caracterizados por
elementos que apresentam similaridades. Podemos ver estas consolidações na fala do
Professor 1: o que eu toco ainda vem muito da questão da adolescência (PROFESSOR 1.
Entrevista 1, 1º set. 2019). Aqui, percebemos que a construção das representações sociais
foi forjada a partir de um conjunto de eventos que estão ligados às diversas experiências
acumuladas ao longo da vida, sobretudo na adolescência.

5.3 Os motivos dos professores para aprender música

Um dos pontos importantes para a compreensão das representações sociais de


música, que puderam ser percebidos nas narrativas dos professores, foram alguns elementos
que evidenciaram às influências iniciais em relação ao desejo de aprender música e para quê
aprender música. A Tabela 6, abaixo, apresenta algumas falas recorrentes que exprimem
estas intenções.
112

Tabela 6 – Falas dos professores relacionadas às motivações para aprender músicas


FALAS RELEVANTES SOBRE OS MOTIVOS DE APRENDER MÚSICA APRESENTADO
POR PROFESSORES ENQUANTO ALUNOS
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Tocar notas; Instrumento Aprender Canto coral; Relação com Música popular
Aprender violão; musical; instrumento; Afinação; instrumento; Improvisação
Violão popular; Tocar violão; Querer Profissionalizar Desejo de tocar; Querer tocar
Ler música; Curso de instrumento; Aprender Tocar na banda; Banda musical;
Escrever música; violão; Aprimorar Instrumento; Aprender as músicas; Tocava clarinete
Teoria musical; Aprender: técnica; Aprender Aula do instrumento; Escola de música
Musicalidade; acordes e Utilizar teoria; Tocar contrabaixo; Aula de: teoria e
Aprender um notas; Sintetizadores; Teoria musical Aprender acordes; harmonia;
repertório; Compor; Queria tocar; Regência coral; Aulas de partitura; Saxofone;
Aprimorar a Fazer letra; Tocar bem; Percepção Ler as notas; Tocar
técnica; Adquirir: Tocar em alto musical; Músicas da igreja; instrumento;
Brincadeira; Conhecimento; nível; Dividir vozes; Aprender sozinho; Fazendo arranjo;
Dedilhado; Vocabulário; Contato com Prática de Aprender: violão; teclado Instrumento de
Aprender: Filosofia; instrumento; audição; e contrabaixo; sopro;
acordes; notas; Adquirir Formal; Aprender: notas; teoria e Fazia solfejo;
tablaturas; cifras experiência; Conhecimento harmonia; Solfejava notas;
e exercícios; Aprendizado; acadêmico; Abrir a mente; Aprender a ler;
Tocar Partitura; Novas possibilidades;
Instrumento; Tocar bem;
Tocar na igreja;
Maior visibilidade;

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

O cruzamento das respostas mostra que a construção da realidade que envolve o


aprendizado da música está carregada de uma narrativa pautada na construção simbólica
deste objeto. O direcionamento para esta compreensão pode ser encontrado nas
contribuições de Jovchelovitch (2011, p. 37), quando discorre sobre a análise do sentido
como mencionado anteriormente no Capítulo 2. Para esta autora, podemos compreender que
as representações são construídas a partir dos significados que os indivíduos ou
comunidades dão a um determinado objeto. Neste direcionamento, o sentido atribuído à
música é o que passa a direcionar as intenções que estes professores apresentam em seus
contatos iniciais. É através destas representações que podemos compreender a forma com
que estes professores percebem o universo que envolve a música diante do contexto social
em que suas práticas musicais estão situadas.
A Tabela 6 destaca alguns dos termos recorrentes sobre os motivos para aprender
música apresentados pelos professores, quando alunos. O termo “tocar” está presente nas
narrativas de cinco dos seis sujeitos envolvidos como sendo um fator determinante. Já a
menção a algum instrumento musical está presente nas narrativas de todos os sujeitos. Um
outro termo que também aparece em destaque é a ligação com o violão. Desta forma,
113

podemos ver que a centralidade de suas representações está diretamente ligada a uma visão
que busca a prática instrumental.
Ao relacionar os termos citados à quantidade das suas recorrências nas narrativas,
podemos constatar que há uma relação hierárquica dos principais motivos presentes de
forma espontânea nas narrativas, como indicado no Gráfico 12 abaixo, estruturado no
formato de nuvem de palavras:

Gráfico 12 – Indicação de centralidade das motivações que levaram os professores a aprenderem


música –Nuvem de palavras (IRAMUTEQ).

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

O Gráfico12, Nuvem de palavras, permite visualizar os elementos das falas dos


professores relacionados aos fatores motivacionais que os incentivaram no processo de
aprendizagem musical, desde seus primeiros contatos com a música, na infância ou
adolescência. Nele, podemos observar que as palavras “tocar”, “instrumento” e “violão” se
apresentam em destaque como objetos marcadores de representação social presentes de
forma espontânea nas suas narrativas. Outras palavras que aparecem com um destaque,
mesmo que em menor evidência, são “aprender”, “igreja”, “conhecimento” e “teoria”. Elas
são como elementos que, mesmo não estando nos mesmos níveis das anteriores, têm certa
importância nos motivos dos professores aprenderem música, uma vez que, de forma direta,
se relacionam com as três primeiras mencionadas.
114

Estas relações podem ser observadas em algumas falas, como quando o Professor 5
relata que o ato de aprender estava voltado para a execução musical nos grupos da igreja: As
músicas que a gente aprendia eram as músicas que eram para tocar, era uma coisa bem
funcional, era para tocar, para aprender as músicas para tocar na igreja. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).
Um outro exemplo que apresenta estas construções simbólicas da música vinculadas à
execução instrumental, está presente na fala do Professor 3, quando ele destaca que, mesmo sem
compreender o que sentia em relação à música, tinha seu interesse voltado para o ato de tocar o
instrumento: Rapaz, o que ela significava naquele momento eu não sabia dizer. Eu queria
aprender o instrumento. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019). Por outro lado,
podemos encontrar uma outra percepção na fala do Professor 1, que não indicava pretensões
de uma prática instrumental, como veremos: Na primeira infância eu não me lembro de ser
uma criança musical, essas coisas (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). Porém, o fato
de não se considerar uma criança musical indica uma visão contrária ao modo como revela suas
práticas na infância:

Eu, quando criança, ficava prestando atenção naqueles artistas. [Mesmo


criança, tentava fazer] a segunda voz. Combinava, e às vezes eu conseguia
fazer, e voltava para a voz principal. Essa coisa de criança é muito clara, de
andar e fazer as coisas de acordo com o ritmo que eu estava escutando.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Ao relacionar estas falas, percebemos que a sua visão de criança musical está ligada à
construção simbólica do objeto música atrelada ao instrumento musical, uma vez que as
outras práticas musicais associadas às brincadeiras, às escutas, ao canto e aos movimentos
ritmados como sendo uma base para a sua musicalidade assumiam um caráter desprendido das
visões musicais. Nesta mesma perspectiva, ele segue destacando que seu contato direto com o
violão era inicialmente uma brincadeira, voltada para a imitação dos artistas que vivenciava
através das influências da família e dos meios de comunicação da época: rádio e TV. Vale
destacar que a construção simbólica da música relacionada ao ato de tocar estava presente nos
gestos infantis, uma vez que mesmo não executando o instrumento musical da forma
convencional esta ação era realizada em brincadeiras conduzidas pela referência simbólica da
representação da prática musical:
115

Eu ganhei um violão da minha mãe. Ela perguntou se eu queria uma


bicicleta ou um violão, eu optei pelo violão. [Eu não sabia tocar nada]
ficava só mexendo assim, não sabia nenhuma nota, ficava só brincando
[fazendo gestos de tocar as cordas do violão]. Como um brinquedo mesmo.
Hoje, depois de todo esse tempo, eu entendo que tudo isso fez parte, do
violão ter sido brinquedo, fez parte da minha formação. (PROFESSOR 1.
Entrevista 1, 1º set. 2019).

A recorrência da palavra “tocar”, reiterada várias vezes nas narrativas dos


professores de música, evidencia a centralidade desta prática, que estrutura as
representações sociais de música diante dos interesses iniciais presentes em um processo de
aprendizagem musical. A ênfase no ato de tocar indica o quanto estas representações sociais
de música estão relacionadas a uma prática performática que, de forma direta, liga-se a um
instrumento musical. De modo geral, podemos perceber que vários termos que surgem nas
narrativas dividem uma mesma percepção do objeto aprender música, fazendo com que o
que seria uma narrativa individual se tornasse uma visão coletiva passível de ser
compreendida como uma representação social. Com isso, observamos que estas relações
estão diretamente interligadas através de uma coletividade inconsciente que estabelece
significados comuns a todos os professores envolvidos na pesquisa sobre o objeto
representado (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 63). Desta forma, o ato de tocar pode ser
considerado como o núcleo central de suas representações, no que tange o principal objetivo
de sua busca por aprender música. Essa centralidade da representação social é evidenciada à
medida que vários dos elementos periféricos que a cercam mantêm, de forma direta, a
solidez do núcleo, reforçando a sua centralidade.
Estas relações podem ser compreendidas de uma forma mais clara ao observarmos
que estas recorrências, presentes nas narrativas, estão interligadas por distintas ações que
partem do elemento central “tocar”. O Gráfico 13 que expõe uma análise de similitude
mostra de forma visual como estas relações acontecem e como estes termos se cruzam e se
interligam, a partir do núcleo central das representações sociais dos professores.
116

Gráfico 13 – Ligações dos termos relacionados aos motivos iniciais de aprender músicas –
Análise de similitude (IRAMUTEQ).

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

No Gráfico 13, observamos que o desejo de tocar cria diversas ramificações, que se
inter-relacionam e indicam vários outros direcionamentos, que consolidam a representação
social dos motivos apresentados para aprender música. Estas ligações podem ser observadas
ao verificarmos que os termos interligados que se destacam no gráfico de similitude indicam
alguns dos que foram destacados na Tabela 6, exposta anteriormente, como:
“tocar/instrumento”; “tocar/bem”, “tocar/violão”, “aprender/violão”, “aprender/notas”.
Também criam relações de mesmo sentido, como as que acontecem entre os termos
“aprender/partitura”, “aprender/teoria” e “aprender/ler”, entre outros. Outras relações entre
estes termos podem ser observadas diretamente em suas narrativas, como nas falas a seguir,
dos Professores 1, 2 e 3.
117

Com doze anos eu passei a ter aulas […] aquela coisa de exercício, botar os
primeiros acordes, ré, sol, dó, e dedilhado. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 01
set. 2019);
Eu comecei a ficar louco pelo violão, para aprender. E eu disse: “cara, eu
quero aprender isso”. Para você ter uma ideia, foi uma coisa tão marcante
na minha vida que teve um momento que eu estava com vergonha de pedir
o violão emprestado, e eu vi um pedaço de pau na cozinha, e eu peguei e
disse: “cara, vou desenhar as cordas”. Aí, fiz uns traços, nesse pedaço de
pau, fiz os trastes e os traços representando as cordas, e botei uma
revistinha de música e fiquei tocando nesse pau sem corda, sem nada, só
pela vontade de querer fazer as notas. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27
set. 2019);
Quando eu vi aquele negócio todo colorido eu disse: “bem”, com as
teclas, né? Um piano. “Eu quero tocar piano”. Não sabia que era
sintetizador ainda. “Quero tocar piano”. E isso foi três anos de agonia no
ouvido da minha mãe. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019);

Essas falas reforçam que o desejo por um instrumento musical é um direcionamento


bastante frequente na importância que os professores dão à aprendizagem musical a partir
da prática instrumental. Assim, podemos compreender que o desejo inicial por tocar se
estabelece como núcleo central das suas representações sociais de música, no que se refere à
aprendizagem musical nos seus primeiros contatos com a música, e que esse núcleo se
mantém consolidado a partir das contenções reforçadas por seus elementos periféricos.
Ao reconhecer que as práticas estão relacionadas às múltiplas formas de dialogar
com a música, a partir de visões estabelecidas socialmente pelos mais distintos grupos, a
fala do Professor 4 destaca-se por ter no ato de cantar um contato com as práticas ativas
musicais que estavam relacionadas com o seu grupo como um desenvolvimento mais sólido:

Eu comecei a ir para a igreja, então minha vivência toda era na igreja


mesmo. Eu cantava em grupos de criança, depois adolescentes. […] Aí
então, na igreja a gente cantava muito, adolescente, adulto. Quando eu
cheguei na juventude, o que é que eu fazia? Eu e meus amigos, a gente
dividia as vozes. A gente tinha uma percepção muito boa. Então, a gente
ouvia os grupos corais, a gente não tinha ninguém que tinha uma formação
formal, né? Que tenha aprendido isso em escola. Aí então, o que é que a
gente fazia? A gente escutava os grupos. Os meninos escutavam o tenor, por
exemplo. As meninas iam para o lado do contralto, tentando ouvir a
segunda voz, a voz do contralto, as meninas iam, e a gente se juntava..., a
gente ouvia e aí passava para o grupo grande. Então, a nossa vivência era
assim, né? Muito boa, muito bom. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez.
2019).

A fala acima revela como a convivência cotidiana desenvolvida pelos membros de


um determinado grupo – que pertencem a um mesmo contexto social e que compartilham
118

das mesmas práticas – consolidam os olhares simbólicos sobre os aspectos dinâmicos que
envolvem as práticas de execução musical. Um outro fator que também podemos observar
nos relatos dos Professores 5 e 6, adiante, refere-se à maneira como tais relações iniciais se
desenvolvem com a ideia de tocar um instrumento, haja vista que elas têm, na prática da
execução musical, o objeto central de suas representações sociais de música. E, ainda como
os processos de socialização que envolvem aspectos que interiorizam a emotividade, o
prazer, a coletividade, entre outros, estão relacionados a esta visão simbólica do objeto de
aprendizagem musical.

A gente aprendia a tocar umas músicas no violão, coisa e tal. Aí, depois,
quando eu tinha uns 11, 12 anos mais ou menos, foi que apareceu a
oportunidade de tocar contrabaixo na igreja. Aí eu já sabia tocar notas do
violão. Aí o menino do mesmo jeito, não teve nada de teoria. “Olha bicho,
você vai tocar aqui, toca, toca aqui, toca aqui, bota a mão aqui, aí
pronto”. Foi uma coisa bem prática. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19
nov. 2019).

A fala do Professor 6 reforça a construção simbólica da prática musical voltada para


a prática performática musical, construída a partir das referências solidificadas pelos
aspectos afetivos que estão envolvidos na vivência em família, mas também na forma como
ele percebia os elementos externos que faziam parte do seu contexto, e que se consolidavam
como elementos familiares ao objeto simbólico musical idealizado por ele:

Eu morava perto da igreja matriz, e a banda musical, quando tem as


procissões, ela sempre passa na frente, passava na frente da minha casa. E
eu já moleque, corria atrás da banda. Ali eu queria ver, fiquei depois
insistindo de querer aprender música. [...] Desde os 9, 10 anos, eu comecei
nas aulas, eu sei que um ano depois eu já estava tocando na banda.
(PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019).

Neste caso, a banda passava a ser o catalisador de seus desejos, promovendo um


encantamento com base na imagem representacional criada e internalizada pelo sujeito
(LOIOLA, 2015a, p38).
Um outro fator importante que deve ser observado a partir das falas dos professores
está no fato de que a estrutura histórica e sociocultural que envolve uma visão coletiva
sobre o objeto simbólico música remete a uma perspectiva de desenvolvimento almejada
desde os seus primeiros contatos com a música. Com isso, podemos destacar que esta
relação simbolicamente construída, que consolida o processo de aprendizagem musical
119

apresentada pelos professores enquanto alunos, está carregada de aspectos motivacionais


que dialogam com os seus desejos e seus elementos afetivos e emocionais, que conduzem
para a busca de prática musical ativa e pautada no processo de execução musical (LOIOLA,
2015a, p. 77).

5.4 Os processos de formação musical e a docência em música

Ao analisar as representações sociais que envolvem os processos de formação


musical para a docência em música, passamos a olhar para estas vertentes a partir desses
dois direcionamentos que se complementam, a formação docente e a prática docente.
Entretanto, as relações que envolvem estas duas óticas dividem um espaço simbólico
demarcado por um processo de identificação com o objeto música e uma relação que nem
sempre é harmoniosa com a visão atribuída à prática docente. Diante disso, dividimos este
tópico em dois subtópicos, de modo a contemplar esta problemática.

5.4.1 Formação acadêmica

Ao destacar a perspectiva da formação musical visando à docência em música,


percebemos que as construções simbólicas que envolvem este processo estão pautadas pelos
diferentes olhares que permearam as ações de ingresso em um curso de música, seja a
Licenciatura em Educação Artística/Habilitação em Música ou a Licenciatura em Música.
Na análise das narrativas, traçamos um direcionamento que possibilitou a identificação de
cinco eixos que indicaram as diferentes representações sociais que estavam presentes nos
discursos dos sujeitos pesquisados. Isso nos possibilitou o reconhecimento das suas
concepções a respeito da formação acadêmica em música. Esses direcionamentos podem ser
observados na Tabela 7, através da organização das falas dos sujeitos pesquisados.
120

Tabela 7 – Falas dos professores relacionadas à formação docente em música


FALAS REFERENTES À FORMAÇÃO MUSICAL
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Eu pensei em me […] queria A universidade, o que Me deu aquela Eu não sabia o Melhorou muito a
transformar em uma fazer um ela me trouxe muito vontade de aprender que era minha percepção e a
pessoa dos palcos; curso que foi o contato; mais, fiz vestibular e licenciatura nem minha forma de ver
Uma quebra, assim tivesse a Eu acho que essa fui para a bacharelado; a educação;
digamos, a questão ver com formação que a gente universidade; Eu achava que ia Como músico [a
da área da educação; música; tem, tanto na Eu só fui mesmo, para estudar universidade]
Um título de Quando eu universidade, quanto aquela coisa de ir instrumento, melhorou bastante;
licenciatura acabou fiz a que a gente traz, às para pegar o coisa e tal. Aí, A universidade eu
sendo mais Educação vezes, ela se choca; diploma; quando chegou não esperava que
substancial; Artística Eu cheguei na Eu acho que é aquele monte de fosse uma coisa
Na graduação, eu eu, não universidade, eu não importante o disciplina; puxado, mais para o
resolvi experimentar tinha essa conseguia ver aquela acadêmico; Na minha mente lado da Educação
outros instrumentos vontade de coisa que me motiva; a gente precisa do... a licenciatura de não;
musicais; dar aula; Era tudo muito raso, como é que eu posso tanto a Eu pensava que ia
eu considero que era tudo muito básico. falar, do acadêmico licenciatura, ser para ser músico,
minha formação […] em relação ao para poder embasar como o né?
como professor de que eu já vinha seu trabalho bacharelado, os Quando eu fiz
música é setenta por estudando. O ensino seminário dois não impedem vestibular eu não
cento, sessenta por Os conteúdos não não deixou nada a de você tocar entendia essa coisa
cento da atendiam aos meus desejar, no ensino de bem; de licenciatura e
musicalidade que eu anseios; universidade; Comecei a bacharelado, não.
aprendi ao longo da A percepção que eu Eu não tive nenhuma entender essa Eu fui, passei, e fui.
vida; tenho da universidade dificuldade na questão da Aí, me decepcionou;
Quando você entra é essa, procura aí universidade; educação, que a […] comecei a
para uma nesse monte de coisa eu já tinha toda a licenciatura era observar as pessoas,
universidade de que você tem que você base do bacharelado para ensinar, e um jeito novo de dar
música, você chega acha”; que eu tinha feito no coisa e tal; aula, prática nova;
pronto Estou aqui, que eu seminário
quero fazer música
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao analisar a Tabela 7, percebemos que as narrativas dos professores entrevistados


apresentaram aspectos relacionados a cinco eixos. O primeiro estava relacionado a uma
concepção que via a graduação como uma ampliação da “formação como músico”, uma vez
que identificamos nas falas dos sujeitos um olhar voltado para a perspectiva de ampliação da
prática musical, como podemos verificar nas falas dos Professores 3, 5 e 6 expostas na Tabela 7,
segundo as quais eles queriam fazer um curso direcionado para a formação do músico. O
segundo eixo apresenta justamente um olhar voltado para a “decepção em relação à
expectativa” gerada sobre o processo de formação em um curso de música, como identificado
na fala do Professor 5: Teve essa parte da formação pedagógica, foi muito chato também
(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020). O terceiro, traz para a discussão as narrativas que
apresentam diferentes visões sobre a “importância da formação” acadêmica. Nessas falas,
identificamos distintas percepções nos discursos dos professores, quando o Professor 6 destaca:
Como músico, a universidade melhorou bastante. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
O quarto eixo apresenta uma visão da universidade como um espaço de formação que promove
121

a construção de “novos conhecimentos” musicais em diferentes perspectivas, como apresenta o


Professor 1: Na graduação eu resolvi experimentar outros instrumentos musicais
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). O quinto e último eixo destacou as relações que
foram estabelecidas entre o processo de formação acadêmica e os “conhecimentos anteriores”,
como na fala Professor 3: Era tudo muito raso, era tudo muito básico. […] em relação ao que
eu já vinha estudando (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Diante do que foi percebido no processo inicial nessa análise, reconhecemos que as
falas apresentadas na Tabela 7 indicam que o desejo por estudar música que vinha se
construindo desde a infância e adolescência chega ao ápice em uma perspectiva de formação
superior, que é vista como uma forma de fortalecer suas representações sociais e firmar-se
como músico. Esta visão, que envolvia a perspectiva do desenvolvimento de uma “formação
como músico”, passa a assumir um posicionamento central nas representações sociais desses
sujeitos sobre o processo de formação musical acadêmica. Podemos verificar no Gráfico 14 a
organização que destaca essa centralidade.

Gráfico 14 – Indicação de centralidade sobre a formação acadêmica em música – Nuvem de palavras


(IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

A análise do Gráfico 14 “Nuvem de palavras” nos deu um panorama acerca de como


os cinco eixos identificados se organizam hierarquicamente na construção da imagem
122

simbólica lançada sobre o processo de formação acadêmica dos entrevistados. Percebemos


que a ideia de buscar uma formação superior em música tinha como principal foco o desejo
por um aprofundamento da “formação como músico”. Essa visão se destaca como o principal
anseio dos professores ao buscar uma formação acadêmica em música, assumindo, assim, o
núcleo central das suas representações sociais de seu processo de formação superior. Podemos
identificar que os elementos periféricos – que envolvem a busca por “novos conhecimentos”,
a “importância da formação” para o campo profissional, a “decepção sobre a expectativa”
gerada de uma formação acadêmica musical, isso tudo relacionado aos seus “conhecimentos
anteriores” – que embasam as suas concepções, passaram a dar sustentação a essas relações
com o objeto música e reforçam a consistência do núcleo central de suas representações
sociais sobre a formação musical.
Para melhor compreender estas relações, destacamos algumas falas apresentadas pelos
professores que destacam essas visões e trazem para a luz do debate as concepções que os
sujeitos tinham sobre um curso de música e a adesão à licenciatura. Ao observarmos a fala do
Professor 2, percebemos que ele ressalta a busca por um curso que tivesse uma ligação direta
com a música. Aí eu pensei, “cara eu queria fazer um curso que tivesse a ver com música,
que fosse fácil de entrar, e que fosse em outra cidade”. Aí eu pensei... eu disse: “cara um
curso que tem a ver com música e é fácil de entrar é Educação Artística [...]” (PROFESSOR
2. Entrevista 1, 27 set. 2019). Essa escolha por uma formação pautada em uma articulação
entre a formação acadêmica e a prática artística musical era algo que permeava a fala dos
demais professores, como na fala do Professor 1:

Eu sempre quis ser artista, eu sempre quis ser artista. Aí, eu fui fazer Arte.
Escolhi a música, a licenciatura. [Durante o curso] tinham as ações
artísticas e foi quando eu pensei em me transformar em uma pessoa dos
palcos, e eu estaria dentro da música. Mas quando eu [cheguei] lá, eu vi que
não era tão simples assim. Lembro que assim que a gente entrou [tinha uma
visão, mas acontece] uma quebra, assim digamos, a questão da área da
educação. Inclusive a Educação Artística era mais focado na educação
mesmo do que especificamente em música. Até pelo nível de formação dos
professores, a maioria dos professores entraram por notório saber, enquanto
na área da educação já era uma coisa mais solidificada em termos
acadêmicos. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

No trecho acima, percebemos três pontos interessantes expostos na fala do professor.


O primeiro se apresenta como reflexo das influências dos processos de formação musical
desencadeados pelas representações que se estruturaram pela imagem simbólica presente em
123

sua memória afetiva, ao destacar que “sempre quis ser artista”. Em segundo lugar,
identificamos a expectativa em desenvolver-se como artista, a partir da perspectiva que o
curso lhe deu para o desenvolvimento dessa investida. O terceiro apresenta uma decepção em
relação às suas expectativas musicais, uma vez que, ao estar diante da real estrutura do curso,
passa a reconhecer que a sua estrutura curricular estava mais voltada para perspectivas
educacionais.
Podemos salientar que a ideia de uma formação musical que estivesse voltada para
uma prática artística musical passava a ganhar um reforço quando observadas as
representações que os professores apresentaram sobre a prática pedagógica. Podemos
identificar estas incompatibilidades nas falas dos Professores 2 e 3 (na sequência), ao
reconhecer que havia um prévio distanciamento com a docência, seja pela representação
social que se tem da profissão, ao se destacar a sua desvalorização, ou pela representação
simbolicamente construída da realidade que encontrariam após formados.

Quando eu fiz a Educação Artística, eu não tinha essa vontade de dar aula,
né? De ser professor, por vários fatores. Um dos fatores seria a questão do
salário. O segundo fator seria o próprio sistema educacional, a realidade
que a gente se encontra hoje. A gente vive com alunos [que] têm muitos
problemas, a ausência dos pais, principalmente. Na educação desses alunos,
eu acho que isso pesa muito. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Em sua narrativa, o Professor 2 apresenta uma falta de identificação inicial com as


questões pedagógicas que envolvem a perspectiva educacional da área de arte e música.
Outros aspectos que indicam um desestímulo com a prática educativa podem ser relacionados
às suas representações sociais sobre a participação do estudante e a desvalorização do
professor. De certa forma, essas representações sociais construíram uma barreira que impediu
uma aproximação inicial mais harmoniosa com o processo educativo, diante das expectativas
geradas sobre a sua formação como músico.
A fala do Professor 3 também destaca uma negação da perspectiva de atuação
pedagógica, uma vez que estava centrada na ideia de atuação como músico, o que levou a um
conflito com o currículo do curso e um distanciamento inicial da possibilidade da atuação
docente.

Os conteúdos [do curso] não atendiam os meus anseios. Claro, eu me via


naquela situação, “isso não me serve, né?” Mas não era isso, né? Eu tinha
que me adaptar ao que estava lá. Quando eu ia para a parte das disciplinas
pedagógicas, eu dizia: “eu não quero ser professor, eu não vou ser
124

professor”. […] inclusive eu disse para um professor meu. Professor que


avaliou a última disciplina, “eu não vou ser professor, eu não quero ser
professor, estou aqui porque gosto de música, estou aqui porque eu quero
fazer música”. Terminei virando professor. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27
set. 2019).

Essa fala do Professor 3 revela, justamente, o conflito existente entre suas expectativas
sobre formação acadêmica em música e a estrutura da Licenciatura em Educação
Artística/Habilitação em Música. Com isso, compreendemos que os anseios gerados
funcionaram como combustível para a frustração dessas expectativas. As falas dos Professores
5 e 6 mostram como suas concepções de uma formação musical superior estavam voltadas
para a uma ampliação das suas práticas performáticas musicais.

Eu não sabia o que era licenciatura nem bacharelado, “bicho”, eu não tinha
nem ideia […]. Eu achava que ia estudar instrumento, coisa e tal. Aí,
quando chegou aquele monte de disciplina, metodologia do ensino, um
monte, as disciplinas do curso de pedagogia, né? Sociologia da educação,
não sei o que, eu falei: “meu irmão, esse negócio está errado demais,
velho”. Aí, achei… comecei a achar esquisito, assim, estranho, eu estava
viajando. Só que, como eu estava no curso de música, eu disse: “não, estou
fazendo música”. Mas tinha aquele monte de disciplinas pedagógicas, que
eu não entendia direito. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
Não, a universidade eu não esperava que fosse uma coisa puxado, mais para
o lado da Educação não. Na verdade, quando eu disse: “ah, eu quero fazer
música”. Eu estava… eu não imaginava, é tanto que eu dizia assim: “vou
fazer faculdade de música”. Na região. Eu nem sabia o que era faculdade de
música. Aí, eu pensava que ia ser para ser músico, né? Para trabalhar como
músico. Eu cheguei lá, me decepcionei, que era para ser professor de
música. E tinha que pagar as disciplinas de educação, tal. E eu não
entendia. Quando eu fiz vestibular, eu não entendia essa coisa de
licenciatura e bacharelado, não. Eu fui, passei e fui. Aí, me decepcionou.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

O fato de os professores, ao ingressarem na graduação, não conhecerem a estrutura da


licenciatura também esteve presente no trabalho de Vasconcelos e Costa (2018). Assim,
reconhecemos que as concepções de música dos sujeitos estão associadas aos aspectos
imagéticos que compõem as suas representações sociais sobre o objeto simbólico formação
musical, em uma perspectiva do desenvolvimento como músico. Esta relação também foi
percebida no trabalho de Mateiro (2007) quando, em sua pesquisa com alunos da licenciatura
da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), ela concluiu que a busca pela
licenciatura era inicialmente por tocar. Essa visão que os professores tinham da graduação
levou a um estranhamento e um distanciamento inicial do currículo da formação docente em
125

música. Diante do exposto, notamos que a estrutura do curso de licenciatura provocou uma
decepção em relação às expectativas que esses professores tinham da formação superior em
um curso de música, como revela a fala do Professor 6. Entretanto, esses novos
conhecimentos, adquiridos no processo formativo, possibilitaram um olhar que favoreceu as
relações com outras realidades musicais, construindo, assim, novas estruturas simbólicas
capazes de transformar estes conhecimentos em novas representações sociais, como podemos
perceber a partir da concepção harmoniosa e integradora apresentada pelo Professor 5:

E aí fui fazendo o curso assim, […] os primeiros semestres, viajando na


maionese, né? Sem entender direito o que é que estava acontecendo. Mas aí,
comecei a entender essa questão da educação, que a licenciatura era para
ensinar, e coisa e tal. Aí comecei a gostar, né, da área, […] eu achei que esse
é o caminho mesmo, até porque, na minha mente, […] tanto a licenciatura,
como o bacharelado, os dois não impedem de você tocar bem.
(PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Podemos encontrar, na fala do Professor 5, a construção de um novo olhar sobre o


processo de formação musical, estabelecido pelas experiências vivenciadas durante a
graduação em um curso de licenciatura. Essa nova construção simbólica passou a ampliar a
sua visão sobre a formação docente musical, levando a uma harmonização entre as
concepções que ele tinha desses processos e a que passou a ter. Esta visão corrobora o
trabalho de Sugahara (2013, p.149), quando destaca que os estudantes, ao entrarem na
licenciatura, têm um olhar direcionado para uma relação com a prática da execução
instrumental, enquanto os licenciandos, em um estágio mais avançado do curso, apresentam
uma visão mais abrangente, reconhecendo que a formação está pautada em um processo de
formação voltado para os processos de musicalização e de uma crítica musical direcionada
pela prática docente.
Outro elemento periférico que surgiu nas narrativas e que passa a dar sustentação ao
núcleo central das representações sociais sobre o processo de formação musical dos
professores está relacionado ao conhecimento musical prévio que estes professores já traziam
ao entrar na universidade:

Eu acho que isso é em todo o curso de música, velho. Quando você entra
para uma universidade de música, você chega pronto, você entra na
instituição para aprender um repertório de um determinado compositor, de
períodos, aprimorar sua técnica, mas você já chega como músico. Então eu
vejo isso, com músicos populares na licenciatura, eles chegam dessa forma.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
126

Nessa fala, o Professor 1 traz os conhecimentos prévios para a discussão, ao ressaltar


que, para a realização de uma formação acadêmica em música, o discente “chega pronto”.
Dessa maneira, sua percepção sobre o processo formativo musical é reforçada pela fala do
Professor 4, que destaca que foi para a universidade apenas para pegar o diploma, como
assinalado na Tabela 7. Já o Professor 3 ressalta o choque entre os seus conhecimentos
musicais e aqueles que estavam sendo adquiridos na graduação.

Eu acho que essa formação que a gente tem, tanto na universidade, quanto
que a gente traz, às vezes, ela se choca. Tem gente que parece que foi feito
um para o outro. No meu caso não foi. Eu tive um choque muito grande de
realidade, do meu universo, para o universo acadêmico, e para o universo
escolar. Esses três mundos aí, para eu dialogar, tive dificuldade, tive muita
dificuldade. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Ao destacar o choque de realidades entre os diversos universos que estão relacionados


à sua formação (conhecimentos pessoais – conhecimentos acadêmicos – prática docente), o
Professor 3 revela que as suas representações sociais sobre música e formação musical
estavam menos suscetíveis à mudança. Entretanto, vale destacar que, mesmo com algumas
resistências sobre o processo de formação musical estabelecido na graduação, o Professor 3
reconhece que as novas experiências vivenciadas a partir da universidade foram importantes
para o seu processo de formação musical:

Assim, a universidade, o que ela me trouxe muito foi o contato. Isso foi
válido demais. Com essas várias formas de pensar, não é? Essa diversidade
de pensamento. E isso [é o que] vale mais para mim. Eu convivi com gente
de gospel, com pessoal do metal, pessoal do rap, os bacharéis em música,
convivi com todo mundo que hoje faz parte da minha corrente de amigos, de
amizade, que realmente eu consigo trocar com eles. […] E com o
amadurecimento do tempo, né? Você vai amadurecendo, você vai
começando a aproveitar um pouquinho de cada um. Caem algumas coisas,
reforçam-se outras. E foi muito assim. […] O que eu tirei realmente de
proveitoso da universidade foi essa pluralidade... de visões musicais
diferentes. […] Tinha gente extremamente profissional, tinha gente que não
sabia dar uma nota. Então, como o curso não exigia [prova de ingresso]61,
né? A Licenciatura [em Educação Artística] não exigia. Então eu tive
contato com tudo isso. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019)

61
O curso de Licenciatura em Educação Artística não exigia prova específica para ingresso, como os cursos de
Bacharelado em Música e, atualmente, a Licenciatura em Música. Esse fator possibilitava a realização de uma
graduação ligada à música sem que, necessariamente, os estudantes tivessem uma formação musical centrada
em uma estrutura ligada aos padrões formais da música.
127

A construção de novos conhecimentos a partir das experiências vivenciadas na


universidade também está presente na narrativa do Professor 1:

[…] eu aprendi a tocar flauta doce, […] eu gostei muito do instrumento,


depois comprei uma flauta transversa e aprendi intuitivamente. E com os
conteúdos que [o professor] me dava, os feedbacks que ele me dava.
[Durante o período que estava] na universidade, eu aprendi um pouco de
contrabaixo e toquei em várias bandas, um pouco MPB, axé, um pouco de
forró, rock, pagode. Eu queria trabalhar com música de alguma forma, e
isso foi uma experiência interessante, tocar em trio elétrico, viajar.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Essa fala do Professor 1 mostra que essas experiências vivenciadas durante o período
da formação acadêmica contribuíram para estabelecer um diálogo entre a sua prática artística
musical com a sua prática docente.
Outro aspecto relevante nas narrativas dos professores foi a importância dada por eles
quanto ao ingresso na universidade. As relações que surgiram no discurso evidenciaram que,
mesmo a formação não tendo as características que eles esperavam, foi fundamental para a
sua atuação profissional atual, como músico e docente. Podemos reconhecer essas relações na
fala do Professor 1:

Hoje eu vejo que a questão de ter um título de licenciatura acabou sendo


mais substancial do que [as outras coisas]. Oh, nossa, eu sou um músico
que passou pela universidade, sabe? O que eu toco ainda vem muito da
questão da adolescência, as músicas que eu faço, os shows, o que eu toco na
sala de aula, foram as coisas que eu ouvia na adolescência, sabe? A
academia me deu, assim, método, técnica, mas a musicalidade se deu antes.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Um fator interessante na fala do Professor 1 está na relação que ele estabelece entre o
conhecimento musical prévio e o seu desenvolvimento a partir do processo de formação
docente. “E eu considero que minha formação, como professor de música, é setenta por
cento, sessenta por cento da musicalidade que eu aprendi ao longo da vida e uns trinta, trinta
e cinco por cento que a academia me proporcionou” (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set.
2019). Dessa forma, ao reconhecer que a formação acadêmica foi substancial e lhe
proporcionou técnicas e métodos, ele demonstra a relevância dada ao processo de formação
musical para a docência. Uma outra fala que apresenta esta importância dada ao processo de
formação acadêmica musical pode ser percebida no discurso do Professor 4:
128

Você tem um profissional percussionista, por exemplo, [que] toca muito bem,
de ouvido mesmo, e que não tenha conhecimento acadêmico. Mas eu tenho
certeza que, no fundo, no fundo, ele gostaria de ter tido, ou gostaria, se
pudesse correr atrás do acadêmico, sabe? [...] Eu acho que é importante o
acadêmico, por esse motivo, sabe? Para dar esse... nem que seja para não
usar... não vou usar nada disso, mas eu sei”. (PROFESSOR 4. Entrevista 1,
02 out. 2019).

Nesse trecho, o Professor 4 mostra como a ideia de formação acadêmica assume um


papel importante em suas representações sociais sobre a formação musical. Ao indicar que
um músico gostaria de ter uma formação acadêmica para garantir o reconhecimento dos seus
conhecimentos e firmar-se como músico, ele evidencia como as suas concepções sobre a
formação musical superestimam o processo formativo musical em nível superior. Dessa
forma, ao discutir as questões que envolvem os aspectos profissionais, bem como uma
formação musical pautada no desenvolvimento musical, podemos identificar que as
representações sociais de música estão diretamente ligadas a um processo de reconhecimento
a partir do status social que uma formação acadêmica pode proporcionar.
Diante dos relatos dos professores, percebemos que há uma relação hierárquica que
coloca a perspectiva de “formação como músico” no centro das representações sociais dos
professores, quando observado o processo de formação acadêmica às diversas associações que
se apresentaram em suas falas. Para o aprofundamento da análise e uma melhor compreensão
de como estas representações sociais são construídas e consolidadas dentro do grupo,
traremos o Gráfico 15 – Gráfico de análise de similitude – como forma de reconhecer, a partir
de elementos visuais, essas conexões que são estabelecidas e que reforçam a estabilidade do
núcleo central.
129

Gráfico 15 – Ligações dos termos relacionados à formação acadêmica em música – Análise de


similitude (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao analisar o Gráfico 15, de análise de similitude, percebemos que a concepção da


“formação como músico” passa a estabelecer diversas conexões com os elementos periféricos
que a cercam, contribuindo para que o olhar sobre a formação superior não estivesse
inicialmente ligados à prática docente, pelas relações entre as perspectivas de “formação como
músico/não quero ser professor”; “formação como músico/não quero dar aula”; “formação
como músico/não conhecia a licenciatura”; “formação como músico/vontade de aprender mais”;
“formação como músico/achava que ia estudar instrumento”; “formação como músico/sempre
quis ser artista”; entre outras. Essas conexões também foram percebidas quando foram
correlacionadas a aspectos como: “formação como músico/importância da formação”;
“formação como músico/conhecimentos anteriores/novos conhecimentos”; “formação como
músico/decepção sobre a expectativa”; “formação como músico/me decepcionou/não me
motivava”. Essas associações mostram como os elementos periféricos promovem um reforço da
130

“formação como músico” na centralidade das representações sociais sobre a formação


acadêmica.
Podemos encontrar, na fala do Professor 4, algumas correlações entre esses elementos
que estruturavam essas representações sociais sobre a formação musical dos professores:

Comecei a trabalhar como ministro de música na igreja, mas sentia a


necessidade, então, de pensar no meu lado profissional também. Eu
não estaria sempre com a igreja. Então, me deu aquela vontade de
aprender mais, fiz vestibular e fui para a universidade, [...] e aí, foi
muito bom, porque eu já tinha toda a base do bacharelado que eu
tinha feito no seminário62. Apesar de ser um ensino superior e ter toda
formação, inclusive, eu não tive nenhuma dificuldade na
universidade. “Agora vou entrar na área profissional. Vou procurar
uma universidade em benefício próprio”. […] A gente, a gente precisa
do... como é que eu posso falar, do acadêmico para poder embasar
seu trabalho, mesmo que você não se arrisque, você aprendeu. A
gente sabe que, quando chega na prática, a gente sai muito daquilo
ali. Mas a gente sabe que aquilo foi importante para dar o
embasamento para o seu conhecimento atual, sua prática atual, né?
(PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).

Nessa fala, percebemos que formação acadêmica é consolidada pelo reconhecimento


que se atribui à universidade como instituição formadora. Deste modo, as representações
sociais, a respeito do processo formativo, têm, na universidade, um espaço simbólico de
consolidação desse conhecimento almejado, à medida que a ampliação dos seus
conhecimentos como músico é associada à importância da formação superior. Outro aspecto
que percebemos está no destaque dado aos seus conhecimentos musicais anteriores como
facilitadores de seu processo de formação superior. Entretanto, esta percepção indica que a
sua formação anterior seria musicalmente suficiente, uma vez que ele destaca que o foco da
sua formação acadêmica era a obtenção do diploma, como vemos a seguir:

Eu só fui mesmo, para aquela coisa de ir para pegar o diploma, digamos


assim. Porque realmente toda a minha vivência foi muito boa, não… o
ensino do seminário não deixou nada a desejar, no ensino de universidade.
Inclusive os professores das universidades, eles comentavam muito isso. Eles
comentavam que alunos que eram evangélicos se destacavam, [...] não
tinham dificuldade com isso. Quanto na parte musical também, né? Porque
a gente já tinha tido essa vivência, e vivia isso já na igreja. Então, já era
uma prática. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).

62
Ao falar da formação musical, o professor destacou que o currículo do seminário era equivalente a um curso
de bacharelado em música, apesar de não ser reconhecido na época pelo MEC.
131

O Professor 5 também apresenta, em seu relato, aspectos que estabelecem essas conexões
com elementos considerados importantes no processo de formação docente. Ele destaca que
passou a ter um novo olhar sobre a docência durante o curso, revelando assim a importância das
orientações recebidas para esta nova forma de dialogar com a formação musical.

[…] a gente fica aqui só estudando esse negócio de... educação, e coisa e
tal. Mas eu tinha, desde essa época, essa visão de... “rapaz para ser músico
não é somente nessa parte mais técnica, você pode ter orientação do
professor, mas depende mais de você, entendeu? Assim, do seu esforço. […]
esse conteúdo mais teórico de metodologias, aí sim a gente precisa de
orientação do professor. Então, tinha muita essa visão na licenciatura, a
música depende de mim, é então que eu estudava, bicho. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).

Diante das influências que esta nova formação passava a exercer, as mudanças foram
acontecendo e desencadeando novas formas de ver e de se ver, em um processo de formação
musical diferente do que era esperado inicialmente, contribuindo para a criação de novas
representações sobre formação musical. A fala do Professor 6 mostra como estas relações se
consolidam a partir das novas perspectivas que foram sendo estabelecidas pelo processo de
formação docente.

Como músico [a universidade], melhorou bastante as perspectivas. Aí veio


para aquela coisa que eu queria, música popular, da improvisação, que eu
gosto muito da improvisação. E como professor também, porque eu comecei
a observar as pessoas, um jeito novo de dar aula, prática nova, pessoas que
eu vi até mais comprometidas com a educação que antes, que eu não via. E
aquilo, você vivendo aquilo, tendo naquela experiência empiricamente ali.
Você... te dá um gás, né? É legal você trabalhar desse jeito. Então inspira. E
melhorou muito a minha percepção e a minha forma de ver a educação.
Mas, quando a gente cai na realidade é diferente, quando sai da
universidade é outra coisa. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Nessa fala, o Professor 6 apresenta algumas associações que indicam um olhar sobre o
processo de formação, no qual ele destaca tanto a importância dada à formação docente,
quanto a um distanciamento que esta tem da atuação prática pedagógica musical no mercado
de trabalho. Um contraste em relação à fala do Professor 6 pode ser percebido na narrativa do
Professor 3, quando declara que a universidade não lhe deu nada.

A percepção que eu tenho da universidade é essa. “Procura aí nesse monte


de coisa que você tem que você acha”. Então, a universidade para mim... eu
não fui buscar nada que a universidade me deu. Nada, sabe o que é nada.
132

Eu posso até fazer alguma coisa inconsciente por ter vivido aquilo. Mas
nada, nada que eu vivi na universidade eu levo para sala de aula. Nada!
(PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).

Essa fala do Professor 3 destaca uma percepção da universidade como um espaço


institucional que pouco contribui para a formação profissional do músico professor. Esta visão
está relacionada diretamente à perspectiva de que o processo de formação como músico já foi
consolidado antes mesmo do ingresso na universidade, corroborando assim as falas dos
Professores 1 e 4, citadas anteriormente. Deste modo, esta formação institucionalizada é
almejada como uma forma de consagração ou até mesmo de status de músico graduado, uma
vez que, ao passar por este ambiente, as suas credenciais como profissional estariam
garantidas. Estas conexões identificadas em nossa análise também foram observadas em
Mateiro (2007, p. 184) quando passa a apontar alguns aspectos ligados ao interesse por fazer
um curso de licenciatura. Com isso, passamos a reconhecer que as concepções que cercam a
formação acadêmica dos professores de música envolvem questões que podem ser melhor
esclarecidas para os discentes que visam ingressar no curso de licenciatura, para que tenham
expectativas mais adequadas. Com base nas discussões, compreendemos que as
representações sociais dos professores – mesmo formados em uma licenciatura –
direcionavam as concepções de formação musical dos sujeitos para a expectativa da formação
como músico, e não como professor de música. Essa busca por se ver como músico acaba
influenciando, de certa forma, o seu olhar para a prática docente, uma vez que os sujeitos não
se dissociam de suas convicções, do seu olhar para o mundo e para os objetos que nele estão
inseridos. Assim, a sua perspectiva de prática docente em música está condicionada por suas
representações sociais sobre o objeto idealizado.

5.4.2 As concepções sobre a docência em música

Na busca por compreender as representações sociais de professores de música, a partir


de suas concepções sobre a atuação docente na educação básica, buscamos identificar em suas
narrativas elementos que indicassem quais as suas percepções sobre os diversos aspectos que
envolvem esta prática. Como forma de organizar e categorizar as narrativas sobre a visão da
prática docente dos professores entrevistados, criamos a Tabela 8, com falas sobre as questões
que envolvem a prática pedagógica musical na educação básica no contexto pesquisado.
133

Tabela 8 – Falas dos professores relacionadas à docência em música na educação básica

FALAS REFERENTES À CONDIÇÃO DE DOCENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA


P1 P2 P3 P4 P5 P6
Ser artista […] no início eu Na escola Para mim, está Nunca tinha entrado em Você cai por
profissional e ser sofri muito como pública, aí eu sendo satisfatório sala de aula para dar terra quando
professor, tem [me] professor e não é tenho esse choque demais; aula; vai ver a
desgastado muito; fácil; de realidade; Foi que um […] os meninos, uma realidade;
Para ser professor O mais difícil A universidade choque […] de bagunça, [...] sem Não foi o que
tem que ter técnica; hoje na sala de não me preparou atitudes, de querer saber de nada; eu esperava
Eu também sou aula é isso, os para este comportamento; não tinha noção do que não;
professor; alunos; momento; […] muita gente era ensinado na Cheguei aqui,
Falta esclarecimento Pensei até em Você troca o que nem gosta de Educação Básica; “não professor,
sobre o que é um desistir quando salário pela música, mas é Não conseguia fazer você vai dar
professor de música eu encarei a estabilidade; imposto; nada do que [eu] tinha aula de artes”;
na escola pública; realidade da Não vou dizer a Prática, eu não pensado; Se você é
Quando eu decidi ser escola; você que eu entrei tinha nenhuma; Os meninos não são professor de
professor, eu não Sem ter amando a […] gosto de muito dispostos; arte, vai
imaginava que fosse experiência, eu profissão; abrir, de buscar É uma clientela meio trabalhar tudo;
tão difícil; sabia que não ia Você dá de cara novas formas de complicada.; Tentei assim,
Sou professor de ser uma coisa tão com um currículo ensinar; Optei por dar aulas como arte, dar
Educação Básica II, e fácil; A gente não que o nome é Gosto de estar na mais para o Infantil e aula de música
hoje [...] tenho que tem um livro; Arte; sala de aula; Fundamental I, porque do jeito que a
dar [aulas] do pré II Eu não desisti Não consigo Eu gosto de estar eu consigo fazer uma gente tem as
ao EJA; porque... eu não imaginar que um com aluno; coisa mais prática; aulas de
A necessidade da tinha a situação aluno meu, [...] Veio uma ordem Eu optei por trabalhar oficinas na
escola me tornou um financeira.; não vai saber de lá da com os livros; universidade;
professor polivalente “bicho, o que tu quem foi Vivaldi; secretaria que Os livros têm conteúdos Quando eu fui
em sala de aula; tem é isso, então O professor que quem assumiu misturados de tudo, de para lá, eu
Sou um profissional vai ter que era para dar aula para música, dança, de teatro, de comecei como
de Artes e não posso aguentar”; de música, ele também artes visuais professor de
falar só de música; Não dou aula só vira um assumiria Artes; Se você é professor de arte;
de música; Polivalente em arte, vai trabalhar tudo;
Arte;
Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Ao analisar a Tabela 8, percebemos que as falas relacionadas às percepções dos


professores apresentam diversos aspectos que indicam suas representações sociais sobre a
música na educação básica. Neste processo, verificamos que duas dimensões se destacaram
como elementos centrais das representações, por estarem presentes nas narrativas de todos os
sujeitos pesquisados. Estes estavam relacionados com a “dificuldade na docência” – que além
de se apresentar de forma direta nas narrativas, também estão presentes em diversas
correlações que levam à indicação dessa dificuldade – e com a visão de ser “professor
polivalente”63 – que se destaca como uma prática comum no trabalho dos professores. O
elemento central dessa dificuldade, que se apresenta nas narrativas dos professores
entrevistados, pode ser percebido diretamente na fala do Professor 2: […] no início eu sofri
muito como professor, e não é fácil. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). A relação
com a polivalência destaca-se de forma muito intensa nas falas dos sujeitos, como a fala do

63
Na área de arte, o professor polivalente trabalha com as diferentes linguagens artísticas.
134

Professor 6 exemplifica: Quando eu fui para lá, eu comecei como professor de arte
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Além desses dois aspectos apresentarem uma constância nas narrativas, outros foram
identificados nas falas dos sujeitos, assumindo um posicionamento periféricos nas suas
representações sociais. Os elementos periféricos surgiram como forma de “identificação com
a docência”, como na fala do Professor 4: […] eu gosto muito, eu gosto de dar [aula]
(PROFESSOR 4. Entrevista 1, 02 out. 2019); ou em relação à “estabilidade financeira”, como
destacado na fala do Professor 2: […] eu passei pelos momentos mais difíceis da minha vida
justamente [em] uma crise existencial somada a uma depressão, justamente pelo medo de
viver de música. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019); ao “reconhecimento
profissional” e de “ser artista e professor”, presentes na fala do Professor 1: Eu acho que eu
sou professor também, eu também sou professor, eu também tenho um conteúdo a passar, eu
também tenho meus recursos de avaliação. (PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019); Essa
questão de juntar, de ser artista profissional e ser professor, tem [me desgastado muito]
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
Esta visão hierárquica que permite a compreensão dos elementos centrais e elementos
periféricos das representações sociais dos professores entrevistados – envolvendo a docência
na educação básica – podem ser percebidas de forma mais eficaz através da análise da nuvem
de palavras exposta no Gráfico 16.
135

Gráfico 16 – Indicação de centralidade das concepções sobre a docência em música na educação


básica – Nuvem de palavras (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Ao analisar o Gráfico 16, verificamos que as percepções sobre a “dificuldade na


docência” e ser “professor polivalente” assumem o núcleo central das representações sociais
dos professores sobre a docência em música na educação básica. Vale destacar que a
concepção de dificuldade é percebida nas falas de todos os professores através de menções
diretas ou indiretas que se apresentam em suas narrativas. Para conduzir a análise, resolvemos
compilar as informações que correspondiam a uma mesma temática. Com isso, percebemos
que a concepção de dificuldade estava relacionada diretamente a três elementos periféricos:
“falta de experiência”; “choque de realidade” e questões que envolvem o “comportamento”,
como podemos observar no Gráfico 17 e 18 que seguem.
136

Gráfico 17 – Compilação dos elementos periféricos que indicam o elemento central dificuldade

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Gráfico 18 – Indicação dos elementos periféricos que envolvem o elemento central dificuldade

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Podemos constatar, nas falas dos professores, essas relações que se destacaram nos
Gráficos 17 e 18. As indicações diretas sobre as dificuldades estiveram presentes nas falas dos
Professores 1 e 2.
137

Mas, eu já tenho planos de não [continuar por muito tempo], de não passar
mais dez anos como professor de escola pública no ensino regular. Porque é
muito puxado. Quando eu decidi ser professor, eu não imaginava que fosse tão
difícil. Que fosse tão difícil, tão puxado, tão distinto. E tem vezes que eu penso
que não é uma questão pessoal, [porque] eu vejo em alguns colegas, [algo
assim], em mais e mais professores. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set.
2019).
O que eu acho mais difícil hoje, na sala de aula, é isso, os alunos. […] olha só,
eu cansei de estar dando aula, cara, e perder meia hora de aula por [ter] no
mínimo dez alunos ali, levando a sério a aula, querendo estudar. E por causa
desses maus alunos, sabe? Eu perder meia hora de aula, prejudicando quem
quer. […] a gente está numa situação hoje que às vezes o próprio diretor tem
medo de tomar [uma] atitude. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

As dificuldades apresentadas pelos Professores 1 e 2 indicam que, apesar de dividirem o


mesmo espaço de representação, suas percepções possuem olhares diferentes para o mesmo
objeto simbólico: o Professor 1 salienta que a docência na educação básica é algo “puxado” e
“distinto”, enquanto o Professor 2 destaca a dificuldade em relação a problemas comportamentais.
Esta visão que identifica a dificuldade reforçada por aspectos comportamentais também pode ser
percebida na fala do Professor 4:

Quando eu digo que foi que um choque, foi mais em questão, assim, de atitudes,
de comportamento, comportamental, não é? Como eu te disse, eu vivia com o
meu público, eu sempre fui evangélico, no distrito de criança, é então o
linguajar diferente, mas as atitudes são diferentes e as reações a algumas
atitudes são diferentes. Coisas simples como palavrão, por exemplo, né?
(PROFESSOR 4. Entrevista 1, 02 out. 2019).

Nessa fala, o Professor 4 apresenta uma percepção de dificuldade para o exercício da


prática docente em música vinculada à ideia de “choque de realidade” associada a questões que se
conectam aos aspectos comportamentais. Outra fala que discute esta mesma perspectiva foi
identificada na narrativa do Professor 5:

[…] Meu irmão, quando eu cheguei para dar aula, que eu vi 40 alunos numa
sala, os meninos uma bagunça, barulho da “bexiga”, sem querer saber de
nada, “visse”, foi aquele choque, bicho. Então assim, o primeiro ano que eu
passei na Educação Básica, bicho, foi um choque muito grande. […] Então, eu
vinha com aquelas ideias. Não, vou trabalhar os métodos ativos, tal. E vou fazer
isso, e vou usar isso e aquilo. Meu amigo, quando eu cheguei, eu não consigo
fazer nada, bicho, do que tinha pensado […].“Ah, vou trazer, usar esse método
aqui”, quando chegou, “ôxe”, não dava certo não, bicho. Os meninos não
queriam saber de nada. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
138

A fala do Professor 3 revela um conflito com as suas representações sociais de música e as


concepções que estão associadas a este novo contexto em que ele passava a se inserir: E quando
eu chego na escola pública, aí eu tenho esse choque de realidade. Como aplicar todo esse
“Know-how” que eu tenho, em uma escola pública? (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Essa fala do Professor 3 indica o reconhecimento de que a escola pública não correspondia às suas
concepções de ensino/aprendizagem musical. O choque de realidade também pode ser percebido
na fala do Professor 6, através da quebra de expectativa que ele tinha sobre a aplicabilidade das
aulas de música na educação básica.

[…] você vem com aquela expectativa. Não, agora eu vou trabalhar com
música. Aí, você cai por terra quando vai ver a realidade. Aí, teve um choque,
sim. […] Eu vim para cá, aí disse, “não, agora eu vou trabalhar com música”.
Acabou que não era isso. Não era. Isso foi frustrante, está sendo frustrante.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Essa fala do Professor 6 indica o aspecto dificuldade a partir do sentimento de decepção,


uma vez que, mesmo realizando o concurso público direcionado para o cargo de Professor de
Música da Educação Básica II, teve que assumir a disciplina de Arte – que tem em seu currículo
um direcionamento para as outras áreas além da música, como dança, teatro, artes visuais – o que,
de certa forma, não correspondeu às suas expectativas.
A percepção de choque de realidade presente na fala dos professores, quando relacionadas
às suas expectativas, indica que os elementos periféricos de oposição presentes na zona de
contraste passaram a incidir de forma direta sobre a forma como eles idealizavam a música no
conteúdo curricular de Arte.
Outro aspecto relacionado à percepção de dificuldade é a falta de experiência, presente no
discurso de três dos professores seis professores.

O primeiro choque foi no primeiro dia, né? Aqui estão as suas turmas, amanhã
você começa. Eu disse: “bem beleza né? Vamos lá”. Aí vem a primeira coisa: a
universidade não me preparou para este momento. Ali, já caiu na minha
cabeça: “espera aí, que a universidade não me deixou pronto”. Ela me deu um
monte de coisa e disse assim: “olha, procura aí que tu acha”. (PROFESSOR 3.
Entrevista 2, 14 out. 2019).

Essa fala do Professor 3 lançou um olhar de fragilidade sobre o processo de sua formação
acadêmica. A falta de experiência é também reforçada pelo destaque na fala do Professor 5, que
139

indicou que as disciplinas de estágio realizadas durante a graduação não foram reconhecidas por
ele como um momento de experiência docente.

Em relação à escola, bicho, o que aconteceu. Como eu tinha vindo da


graduação, né? Depois o mestrado, eu nunca tinha entrado em sala de aula
para dar aula. Porque eu tinha entrado, mas era aquelas experiências que eram
os estágios, né? [...] Aí, o que aconteceu... quando eu cheguei nas escolas,
bicho, eu tinha experiência só do estágio supervisionado cara, que é aquela que
você passa, dá 10 aulas. […] Eu não tinha noção do que era ensinado na
educação básica, não. De [lidar] com um monte de gente que não quer saber de
nada, e você ter que “se virar nos 30” para eles aprenderem, entendeu?
(PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

A percepção de fragilidade apresentada sobre o processo de formação acadêmica em


música, identificada nas falas dos Professores 3 e 5, revela uma visão compartilhada por parte do
grupo quanto ao distanciamento existente entre o que os professores esperavam como formação
musical; o que a universidade estabelece como ideal para a formação em uma licenciatura em
música; e o que eles encontram no mercado de trabalho. A fala do professor 2 também destaca a
falta de experiência como um dos indicadores de dificuldade para a prática docente em música.
Entretanto, outros aspectos – como as questões de baixa remuneração e a ausência de livro
didático – ganham espaço em sua narrativa.

Eu, na verdade, eu nunca quis ser professor, por questão de salário e alguma
coisa dentro de mim mesmo. Sem ter experiência, eu sabia que não ia ser uma
coisa tão fácil. Porque a gente não tem um livro, né? Como o professor de
matemática, de geografia que é muito, veja só que doideira, né? Para eles a
coisa mais fácil do mundo é aula de artes, mas não é, porque eles têm um livro
de matemática tem um livro de História, chega lá é só seguir o livro[...]. Minha
grande dificuldade foi essa, não tinha livro nenhum de música que fosse
adequado. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).

O segundo elemento que divide a centralidade das representações sociais sobre a docência
em música na educação básica é a concepção de “professor polivalente”. Este elemento
identificado nas narrativas de todos os sujeitos entrevistados assume dois direcionamentos
importantes nos discursos dos professores. 1 – Está relacionado às exigências que são feitas pelas
gestões das escolas e/ou equipe da Secretaria de Educação Municipal64, de modo que os
professores concursados para a área específica de música, ao assumir a disciplina de Arte, passam
a trabalhar também com as demais linguagens. 2 – Está ligado à visão de que os professores têm

64
A Secretaria de Educação e Cultura Municipal de João Pessoa (SEDEC-JP) atua através da Gestão Curricular
(DGC) nos direcionamentos sobre as questões que envolvem os currículos, projetos e programas da educação
pública municipal.
140

sobre sua própria prática docente e o currículo de Arte, uma vez que se reconhecem como os
responsáveis pela disciplina de Arte. No primeiro caso, identificamos a estranheza de ter que lidar
com os novos conhecimentos da grade curricular que são definidos por órgãos administrativos
superiores. No segundo, percebemos uma cobrança individual dos professores por assumirem que
há uma necessidade de seus alunos terem o direito ou necessidade de vivenciar todas as
linguagens da arte.
Após a análise, constatamos nas falas de quatro dos seis professores a visão do
desenvolvimento da polivalência na disciplina de Arte a partir de direcionamentos da Secretaria
de Educação e, consequentemente, dos gestores escolares. A seguir, um dos exemplos na fala do
Professor 3:

Exigem da gente que a gente seja polivalente e que a gente vire ornamentadores
de escola. Essa é a visão se tem do professor de Arte, né? Porque quando
chegam para fazer música, ele escolhe ou cede para contemplar o currículo. Ou
vira o seu currículo todo para música, e ainda é arriscado em levar aquele
puxão de orelha do gestor. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Os professores ressaltaram a pressão sofrida para que passassem a explorar, em aula, as


outras formas de arte, além da música. Este direcionamento por uma atuação polivalente em Arte
muitas vezes entra em confronto com as expectativas que os professores tinham em relação à sua
atuação docente ao prestar um concurso público realizado para a área específica da música –
como evidenciado na fala do Professor 6:

[…] eu fiz o [concurso] daqui. E, bom, para professor de música. Aí eu disse:


“puxa, para professor de música, ainda bem”. Fiquei todo contente. Aí, quando
eu cheguei aqui, “não professor, você vai dar aula de artes”, “está bom, mas
não tem parte de música, não?” “Aí você pode escolher as aulas de música,
mas é Arte”. “Não tem música específica?” “Não, você é professor de Arte”.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Quanto à fala do Professor 4, apesar de também evidenciar o direcionamento recebido


para o desenvolvimento do currículo de Arte, aponta para a tentativa de adaptar-se ao desafio de
ministrar aulas sobre conteúdos que não fizeram parte de sua formação:

[…] veio uma ordem de lá da secretaria que quem assumiu para música,
também assumiria Artes. […] aí, o que é que eu faço, eu tenho duas aulas, em
uma eu dou música, na outra aula eu dou Artes. Foi difícil porque eu tinha que
pesquisar, tinha que correr atrás de coisas que eu não tinha formação nessa
área. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).
141

A maioria dos professores apontam que há uma certa pressão por parte dos dirigentes das
escolas para que as aulas sejam desenvolvidas a partir da inserção de conteúdos das diversas áreas
de Arte, conduzindo as práticas para uma perspectiva polivalente. Entretanto, percebemos,
também, que há professores que decidem pela polivalência de uma forma mais espontânea, o que
conduz para o segundo direcionamento mencionado anteriormente. Esta segunda forma de lidar
com a polivalência em Arte apresenta uma reflexão por parte dos professores sobre o papel que
eles têm em uma atuação docente no currículo de Arte, mesmo sendo graduados em música. Este
direcionamento está presente nas falas dos Professores 1, 2, e 3.

Eu entendo que eu sou um profissional de Artes e não posso falar só de música.


É mais fácil falar só de música, mas, numa turma de trinta e cinco alunos, por
exemplo, é uma turma [normal], vai ter gente que gosta da aula de música e vai
ter uns que nem tanto, vai ter gente louca por teatro […] e lá vem eu com minha
formação em Educação Artística, com habilitação em música, para dar nó em
pingo de água. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
E como eu sou formado em música, em arte cênica e pré-consciente artes
visuais, então, eu tenho um certo conhecimento das áreas gerais, porque eu
gosto. […] É como eu lhe digo, sou professor de música, mas eu posso
trabalhar na literatura uma música, uma letra […] eu me vi na necessidade de
passar um pouco disso [das outras áreas de arte] para eles. Então, assim, eu
não dou aula só de música, está entendendo? […] eu acho assim, que isso não
deve ser uma imposição não. Isso deve ser uma coisa natural do professor.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Quando eu entro no currículo com nome Arte, eu não consigo imaginar que um
aluno meu, por exemplo, não venha a saber quem foi Vivaldi, Vivaldi não, Da
Vinci, quem foi Da Vinci, ele não sabe nada sobre o teatro grego, sobre um
esquete. Então, termina que o professor que era para dar aula de música, ele
vira um Polivalente em Arte. É outra dificuldade que a gente tem. E isso é
exigido das escolas. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Ao fazer a análise das falas desses três professores, percebemos que eles se reconhecem
no papel de professores de música e também de promotores de uma formação em Arte mais
abrangente e democrática, com base nas diversas vivências que os alunos podem e devem
desenvolver nas aulas de Arte, em seu processo educativo. Este processo pode ser identificado na
fala do Professor 1 quando ele declara que é o profissional de Arte da escola. A fala do Professor 2
apresenta um elemento bem interessante, uma vez que ele destaca uma possível adaptação à
polivalência, não apenas por se reconhecer como o profissional responsável pelo currículo de Arte
na escola, mas por ter habilitação também em outra área da Arte. Um ponto interessante está
presente na fala do Professor 3, que revela sua inquietação sobre a nomenclatura da disciplina em
142

relação ao concurso realizado, mas não consegue ver seu aluno seguindo um currículo com o
nome de Arte sem ter acesso a outros conhecimentos artísticos que considera importantes.
Um relato capaz de sintetizar a forma como os professores se enxergam no processo
educativo musical ao assumirem a disciplina de Arte pode ser percebido nessa segunda fala do
Professor 1, quando traz para si a responsabilidade de transmitir os conteúdos relacionados às
diversas linguagens artísticas.

A gente que está na escola pública tem muitíssimas, muitíssimas, muitíssimas


inquietações. [...] porque sou professor de Educação Básica II, e hoje eu lido, e
tenho que dar [aulas] do Pré II ao EJA. E sou polivalente, a necessidade da
escola me tornou um professor polivalente em sala de aula. Eu tento falar de
teatro, tento falar de dança sem saber dançar. Eu tenho que falar de dança
porque eu entendo que a arte é plural. [Mas] eu sou músico, sou formado em
música e sempre vou puxar por conta disso. Eu sou o artista dentro da escola e
a pessoa que tem formação para aquilo. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set.
2019).

Diante do material analisado, identificamos que há uma visão coletiva por parte dos
professores sobre a utilização de outras linguagens artísticas – além da música – no currículo de
Arte. Desta forma, a concepção do “professor polivalente” acaba sendo algo internalizado pelos
indivíduos e compartilhado pelo grupo. Esta concepção que permeia a polivalência no currículo
de Arte se apresenta e se estabiliza sob uma ótica coletiva que tem, nos documentos legais, um
reforço para o estabelecimento dos discursos que compartilham dos mesmos elementos
representacionais. Isto leva à construção de uma estrutura simbolicamente aceitável da
polivalência e a centralidade das representações sociais que os professores de música têm da sua
prática docente na disciplina de Arte.
Outros aspectos relevantes que constatamos ao analisar as narrativas foram os elementos
periféricos – “identificação com a docência”, “estabilidade profissional” e “reconhecimento
profissional” –, que surgiram nos discursos dos professores. As falas dos Professores 4 e 5 trazem
a ideia de identificação com a prática docente:

[…] eu gosto de abrir, de buscar novas formas de ensinar, descomplicar, [fazer]


o pessoal ver que não é complicado. Então, eu me descobri gostando dela [da
licenciatura], não era o que eu queria antes, mas eu [me] descobri. […] Eu
gosto de estar na sala de aula, eu gosto de estar com aluno, eu gosto de ajudar,
eu gosto de ficar assim. (PROFESSOR 4. Entrevista 1, 02 out. 2019).
[…] eu optei por dar aulas mais para o Infantil e Fundamental I, porque eu
consigo fazer uma coisa mais prática, bicho. Então, por exemplo, de trabalhar
músicas, de aprender a trabalhar a questão de ritmo, essas coisas mais
143

práticas, o Fundamental 1 eu acho mais tranquilo de trabalhar, né?


(PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Nesses trechos, os professores revelam uma identificação com a docência. O Professor 4


traz essa visão para o debate, ao associar a busca pelo crescimento de seus conhecimentos e a
descoberta pela docência como uma satisfação. Por outro lado, a fala do Professor 5 aponta para o
processo de identificação a partir de uma adaptação das aulas de música para as turmas do Ensino
Fundamental I, uma vez que os alunos dos anos iniciais são mais abertos para participar de
práticas musicais.
A associação da prática docente associado à “estabilidade profissional” pôde ser percebida
nas falas dos Professores 2 e 3, quando destacam que a questão da estabilidade da carreira na rede
pública foi relevante para a permanência na docência.

Eu estava sem emprego, tocando em barzinho uma vez ou outra. Enfim, eu


estava ferrado! Ferrado mesmo. Aí, eu disse assim: “Cara, é o seguinte, o que
você tem é isso [a estabilidade no concurso público], você tem certeza que você
quer abandonar?” A minha família não iria aceitar. […] não está fácil na vida
de hoje, principalmente na nossa profissão de músico. […] Então o que
aconteceu? “Bicho, o que tu tens é isso, então vai ter que aguentar”.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Eu acho que todo mundo na universidade sabia que eu não queria ser professor.
Fiz o concurso, passei, aí aquela história, né? Você troca o salário pela
estabilidade, foi esta troca que eu fiz. Não vou dizer a você que eu entrei
amando a profissão e queria ser professor. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14
out. 2019).

Nestas duas falas, os professores deixaram claro que a estabilidade profissional, ligada
diretamente a questões financeiras, foram substanciais para o seu ingresso na educação básica. O
contexto social de instabilidade do mercado de trabalho para o músico, já apresentado por
diferentes estudos (SEGNINI, 2011) dimensiona as opções para se viver de música. Desta forma,
as condições materiais de vida influem sobre as representações sociais da profissão, relacionadas
às produções artístico-musical e à docência na escola básica.
As relações estabelecidas entre os elementos que estão no núcleo central – “dificuldade na
docência” e “professor polivalente” – com os demais que assumem um posicionamento periférico
– “reconhecimento profissional”, “necessidade financeira”, e a “identificação com a área” –
podem ser percebidos nas associações que acontecem nas narrativas, como podemos identificar
no Gráfico 19.
144

Gráfico 19 – Ligações dos termos relacionados às concepções sobre a docência em música na educação
básica - análise de similitude (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

O Gráfico 19 apresenta algumas conexões que foram estabelecidas e que nos ajudaram a
identificar as associações presentes nos discursos dos professores para a estabilização dos
aspectos identificados como elementos centrais das representações sociais dos professores sobre a
música na educação básica. Estas centralidades puderam ser percebidas através das interligações
estabelecidas entre: “dificuldade na docência/choque de realidade”; “dificuldade na
docência/clientela meio complicada”; “dificuldade na docência reconhecimento profissional”;
“dificuldade na docência/não tinha experiência”; “não tinha experiência/A universidade não me
preparou”; “choque de realidade/ reconhecimento profissional”; entre outras. Ou através das
conexões entre “professor polivalente/identificação com a docência”; “professor
polivalente/pressão pela polivalência”; “professor polivalente/professor de Arte vai trabalhar
tudo”; “professor polivalente/estabilidade financeira”; “sou polivalente/sou profissional de artes”;
entre outras.
145

Podemos constatar como estas conexões – que indicam as representações sociais sobre a
docência em música na educação básica – acontecem e se estabilizam, ao observar os elementos
que estão presentes nas narrativas dos professores, como na fala do Professor 1, quando aponta
aspectos que envolvem uma perspectiva técnica, remuneração salarial e, de certa forma, falta de
experiência.

Eu fico observando que, para ser professor, tem que ter técnica. Não adianta
dizer que [é] porque gosta de criança [que] vai fazer pedagogia, ou porque é
artista vai ser professor de arte, de música. Mas isso ocorre, pois é o que
ocorre. No nosso campo mal remunerado, a pessoa pensa “ah, vou ser
professor”. […] Eu tenho trinta e seis anos, [fiz um curso superior], e ainda
busco técnica. Muitas coisas eu não aprendi na universidade. Não aprendi
como controlar uma turma de quarenta alunos, quando vem do intervalo, de
uma aula de educação física. Não se aprende isso na universidade, você tem
que aprender a lidar, tem que ter paciência. Eu acho que todo profissional, que
não aprendeu o suficiente na formação [inicial] ele vai aprender na marra.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Na fala que segue, podemos identificar a concepção de dificuldade associada aos conflitos
envolvendo os alunos e ao estresse decorrente. Entretanto, ele destaca a perspectiva de
reconhecimento profissional, à medida que percebe o interesse dos alunos.

[…] no início, eu sofri muito como professor, e não é fácil. Mas quando você
pega uma turma que você percebe que [se] identifica com a sua forma de
ensinar e que gosta das suas aulas, e que está querendo realmente, que valoriza
você, é uma maravilha, cara. Eu não acharia ruim não, entendeu? De trabalhar
com esse tipo de, com esse nível, sabe, dos alunos, mas infelizmente […], eu
sofro por esse lado. Não é fácil; tem muito estresse [com] esses alunos.
Principalmente, como eu falei, a escola não tem uma política de resolução [de
problemas] que precisa ter. Não pode continuar do jeito que está. Achar normal
o que está acontecendo é achar que não tem uma forma de resolver isso aí, é um
grande erro tanto de secretaria, quanto do Ministério Público, seja lá de quem
for... (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 10 out. 2019).

Vale destacar que a perspectiva de reconhecimento profissional também está presente na


fala do Professor 1. Em sua narrativa, este professor apresenta uma discussão sobre o
reconhecimento do papel do professor de música na escola e quais competências serão
desenvolvidas nos alunos.

Existe ainda uma [confusão] entre alunos e colegas, que não têm muito claro o
que é o professor de música na escola. Ele vai tocar? Ele vai ensinar a tocar?
Ele vai só cantar? Qual é o seu plano com uma sala com trinta e cinco alunos?
Não tem muita clareza ainda na cabeça do aluno. O que é que você vai fazer?
146

Acho que falta a ele um esclarecimento, claro, [sobre] o que é um professor de


música na escola pública. “Ah, o senhor vai tocar? O senhor vai ensinar a
cantar. Professor quando é que a gente vai aprender a tocar?”. Isso foi uma
coisa que...é uma coisa que... é um choque. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º
set. 2019).

Na fala do Professor 5, identificamos um direcionamento que traz para a discussão o


desconhecimento por parte da equipe da escola da função específica do professor de música na
educação básica. Este fator interliga a visão da polivalência à falta de reconhecimento profissional
sentida pelo professor de música.

Ainda tem essa visão de aula de arte, né? Mesmo você sabendo que é música.
Não, é aula de arte! Então, ele acha que você trabalha todas as linguagens,
trabalha o desenho, trabalha a pintura, apesar de que eu também trabalho com
pintura, mesmo puxando para música. Mas eles têm essa visão assim. Eu, em
todas as escolas que trabalhei, em nenhuma, teve assim uma visão que... “eita,
professor de música, ele vai fazer um coral, vai fazer isso aqui, não”, entendeu?
Geralmente, eles têm uma visão mais geral de arte, vai trabalhar todas as
linguagens. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).

Em outra perspectiva, o Professor 3 apresentou algumas relações entre os elementos


centrais e os periféricos, ao destacar as dificuldades que estão relacionadas à perspectiva de ensino
do currículo de Arte polivalente.

O choque da disciplina foi... primeiro foi a nomenclatura, né? Como Arte, eu


não vi o direito do meu aluno não conhecer, como eu já disse [anteriormente],
um Da Vinci da vida, um Rodin. Aí, já entra o segundo problema. Eu tinha que
pegar minha formação, que é deficitária, e ter que compensar ela fora. Então, a
chegada na escola, me faz ter que estudar tudo aquilo que eu não estudei na
universidade e ainda ter a cobrança de resultado que vem da prefeitura.
(PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).

Nesse trecho, o Professor 3 explicita as ligações entre elementos que indicam a


dificuldade da docência. Podemos observar que estas indicações estão presentes em alguns pontos
como: a decepção gerada pelo conflito existente entre as expectativas que ele tinha ao realizar o
concurso a nomenclatura da disciplina de Arte que passou a assumir; a percepção de fragilidade
da formação acadêmica; e a aquisição de novos conhecimentos para suprir a necessidade de se
adaptar aos novos desafios gerados pela polivalência exigida no currículo de Arte. Vale salientar a
fixação do discurso, uma vez que ele trouxe elementos já narrados na primeira entrevista como
forma de reforço das suas representações sobre como ele concebe a sua formação diante da
polivalência presente no currículo de arte.
147

As falas que seguem, dos Professores 2 e 4, apresentam relações distintas sobre a


perspectiva da prática docente. Enquanto o Professor 2 apresenta as correlações entre as
dificuldades em exercer a prática docente pela questão da desmotivação e a estabilidade
financeira, o Professor 4 ressalta que, após as dificuldades iniciais, passa a se identificar com essa
experiência.

Quando eu entrei no primeiro ano sala de aula, me deu uma revolta muito
grande. Eu pensei até em desistir quando eu encarei a realidade da escola. A
forma como a escola hoje está. As condições que os alunos se encontram. Aí, eu
penso em desistir. Eu não desisti porque... Porque eu não tinha a situação
financeira... Eu não desisti no primeiro ano que eu entrei, porque eu estava
numa situação muito pior, entendeu? (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out.
2019).
Eu consegui dar conta, né? [...] Amei a experiência. No primeiro ano sofri, mas
como eu sempre gostei de estudar, de pesquisar, então, eu não tinha... Eu não
vejo muita dificuldade quando, você tem boa vontade, né? Então, eu
pesquisava, eu ia. E eu consegui dar conta. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13
dez. 2019).

A análise das narrativas e dos elementos presentes nos Gráficos 16, 17, 18 e 19 permitiu
traçar um panorama amplo de como as estruturas simbolicamente constituídas organizam e
consolidam as representações sociais sobre a docência na educação básica dos sujeitos
pesquisados. A organização das informações expostas nestes Gráficos possibilitou a identificação
dos níveis que cada elemento passa a assumir na construção dessas representações, por mais
distintos que sejam.
Dessa forma, foi possível verificar que a análise dos gráficos mencionados permitiu o
reconhecimento da ordem hierárquica que estabelece os níveis de importância dos elementos
presentes nos discursos dos professores, bem como as associações que podem ser estabelecidas
entre eles. Assim, conseguimos, de forma mais consistente, identificar os elementos que fazem
parte do núcleo central das representações sociais desses professores.
Nesse direcionamento, compreender a importância que cada elemento tem ao se destacar
no discurso – a partir de como ele apresenta sua natureza simbólica e se constitui coletivamente em
um grupo social – nos dá um panorama de sua relevância para a consolidação das representações
sociais que os envolvem. Assim, a identificação de elementos simbólicos relacionados às
dificuldades enfrentadas durante a prática docente e a estrutura organizacional do currículo pautado
sob a ótica polivalência em Arte, permite perceber que estes elementos que compõem o núcleo
central das representações – e as outras estruturas às quais eles se conectam – passam a
fundamentar a visão que os professores têm sobre a docência em música na educação básica.
148

6 A MÚSICA NA VISÃO DOS PROFESSORES

Sabemos que a concepção de música não é algo fácil de se estabelecer, uma vez que
ela pode variar de acordo com a visão cultural estabelecida em cada sociedade, bem como
através das transformações que se desenvolvem histórica e culturalmente ao longo do
tempo. Nesta perspectiva, buscamos reconhecer as diferentes relações estabelecidas entre os
professores de música participantes da pesquisa com o objeto música e, com isso,
compreender quais as representações sociais que estruturam as suas diferentes visões de
música. Neste item, discutimos as relações que os professores têm com a música a partir das
percepções e concepções atribuídas à música, passando por aspectos que discutem a relação
com a aprendizagem musical relativos às visões de dom, talento, técnica, afetividade,
vivacidade, entre outros. Desta forma, buscamos compreender as suas representações sobre
música, nas mais diversas perspectivas, como música de qualidade, música de má qualidade,
música como técnica, vida, afeto, dom.

6.1 Concepções de música dos professores

Buscando compreender as concepções de música dos professores, analisamos suas


narrativas na perspectiva de encontrar elementos simbólicos capazes de apresentar quais
bases constituíam e configuravam as suas visões de música. Desta forma, identificar como
os professores convivem e se relacionam com a música, a partir das suas percepções do
objeto música, configura uma dimensão importante dos elementos que estão presentes nos
julgamentos que alicerçam suas representações sociais sobre a concepção de música. Este
olhar permite a identificação dos elementos simbólicos que compõem as suas visões
subjetivas construídas ao longo de suas histórias de vida. A Tabela 9 abaixo apresenta
algumas dessas concepções que foram percebidas nas recorrências de suas falas e que
contribuem para um melhor entendimento destas concepções.
149

Tabela 9 –Falas dos professores relacionadas às suas concepções de música


FALAS REFERENTES À CONCEPÇÃO DE MÚSICA
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Uma coisa mágica; Uma coisa extraordinária; Fazer técnico Não tenho Meu amor; Música como
Todo mundo é capaz de Além do homem; de música; nem como [Fui] pegando toda arte;
aprender música; Não via lógica no Habilidades; explicar; um amor por É essencial;
Quando é que amolece o surgimento de uma Vem a partir Matemática essa praia [da Eu não consigo
coração se apaixona; música; do com magia; música]; viver sem o
\Acho que todo mundo é Eu achava uma coisa conhecimento Amo teoria Aí eu fui som e os
apaixonado por música; mágica técnico; musical; pegando o instrumentos e
Quem vai tocar mesmo é Uma partitura, ali está Dominar o amor; a música.
aquele que realmente se matemática; fazer musical; Música é um É o alimento.
apaixona; Trabalha também com o som; É vida;
A questão afetiva é mais lado emocional; Intenção de
forte; Música tem essa fazer música;
Questão genética Importância no Qualquer tipo
mesmo; desenvolvimento humano de som
A questão da afinidade; A música para mim, um é organizado
A questão de estímulo; casamento;
Minha vida; A arte é um reflexo do que
Meu ganha pão; você é;
Música, uma coisa Divina
A música é uma dádiva
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao analisarmos a Tabela 9, podemos identificar que ela apresenta algumas frases que
indicam diversos elementos subjetivos que reforçam a construção simbólica do objeto de
representação música que se estabilizam nas narrativas dos professores. Estas frases revelam um
nível pessoal e subjetivo que passam a envolver os traços imagéticos dos receptores com as
mensagens compartilhadas no nível coletivo. Ao buscarmos reconhecer suas concepções de
música, identificamos vários termos indicativos de que as suas idealizações estão carregadas de
componentes simbólicos que transitam por um campo subliminar da mensagem. Como
podemos observar, as falas apresentam termos que fazem parte de uma concepção imaginária e
subjetiva da música, que partem de um componente abstrato direcionando à composição de suas
representações. Por apresentar uma variação de termos carregados de imaterialidade que
pertencem e estruturam os elementos de representação simbólica internalizada pelos
professores, estes termos dialogam com as construções culturais normativas que remetem a
visões figurativas da música integrantes da representação social de música dos professores.
Estas relações dialogam com o desenvolvimento das representações sociais a partir de um
processo de objetivação, como evidenciado por diversos autores (DUARTE, 2002, p. 127;
LEME, 1993, p. 49; MOSCOVICI, p. 71; SAWAIA, 1993, p. 76), como vimos no capítulo 2.
Com isso, podemos reconhecer como estas relações estão presentes nas falas dos Professores 1,
2 e 4, através dos termos “mágico”, “extraordinário” e “divino”, bem como nos termos “amor”,
“paixão”, “dádiva” e “vida”, presentes nas falas dos Professores 1, 2, 4, 5 e 6.
150

Ao analisarmos a perspectiva de relacionar a música a uma coisa mágica, descrita pelo


Professor 1 (Entrevista 1, 1º set. 2019), ou como uma coisa extraordinária, como descreveu o
Professor 2 (Entrevista 1, 27 set. 2019), percebemos que as concepções que compartilham desta
ótica colocam a música em uma estrutura de fascínio, estabelecendo sobre ela um olhar
sentimentalista, revelando que as suas representações sociais de música transitam em um estado
de subjetividade. Outras relações que envolvem as concepções de música são estabelecidas
pelas idealizações de símbolos representacionais da música, através de elementos que catalisam
o objeto música em expressões emotivas e afetivas, como os termos “paixão”, “casamento” e
“amor”, presentes nas falas dos Professores 1, 2, 4 e 5. Um exemplo é a fala do Professor 2,
quando ele define: a música, para mim, [é] um casamento (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set.
2019). Aqui, podemos notar que essas relações afetivas que permeiam as concepções de música
ancoram-se em percepções sólidas envolvidas em sentimentos, atribuindo, assim, um sentido de
união estável com o objeto de representação da música.
Outro aspecto importante de suas concepções de música é tomá-la como algo vital, que
funciona como suplemento da sua própria existência, fator encontrado também no trabalho de
Duarte e Mazzotti (2006a, p. 62). Podemos reconhecer estas relações ao identificarmos os
termos “vida” e “alimento”, presentes nas falas dos professores 1 e 6. Ao tomarmos como
exemplo as falas desses professores ao trazerem a ideia de que música é vida, como discorre o
Professor 6, percebemos que as suas representações sociais sobre música são construídas por
aspectos simbólicos ligados a sua representação como algo substancial. Ao visualizar a Tabela
9, acima, percebemos a construção de representações simbólicas que tornam os elementos
imagéticos, internalizados pelo grupo, em substâncias estruturantes da própria realidade. Uma
vez que estas relações sensoriais passam a fazer parte de uma organização representacional que
transitam entre as visões individuais e se estruturam nas relações compartilhadas socialmente,
por meio dos processos legitimados coletivamente como reais, elas passam a configurar as
representações sociais a partir de um processo de ancoragem (MOSCOVICI, 2015, p. 61),
fazendo com que estes elementos intangíveis, figurativos, passem a ser percebidos como críveis,
assumindo um sentido afetivo tangível ao objeto música.
Estas relações possibilitam a compreensão da representação social de música atreladas
às questões transcendentais, que ganham força à medida que as relações que os professores
estabelecem com a música perpassam por aspectos repletos de abstração e com fortes cargas
emocionais e afetivas, construídas ao longo de suas relações sociais e culturais com a música.
Entretanto, também estavam presentes em suas falas concepções de música ligadas a aspectos
151

racionais, correlacionadas às construções de suas representações sociais a partir de questões


ligadas a habilidades musicais que fazem parte de uma construção simbólica estruturada com
base nos contextos sociais estabelecidos historicamente pelos grupos aos quais os professores
estão inseridos (LOIOLA, 2015, p. 38). Podemos notar este direcionamento ao identificar os
termos “técnica”, “matemática” e “som”, presentes nas falas dos Professores 2, 3, 4, 5 e 6. Ao
analisarmos a fala do Professor 5, quando ele indica que música é qualquer tipo de som
organizado (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020), podemos notar que relaciona o
objeto de representação música a questões relativamente objetivas, alinhadas a uma visão
simbólica da racionalização da música.
Como forma de visualizar os diversos elementos presentes nas narrativas, ligados às
concepções de música dos professores em uma perspectiva hierárquica, utilizamos o Gráfico
20, no formato nuvem de palavras, como forma de reconhecer e compreender como essas
diferentes visões de música dialogam, se adaptam e se consolidam como um elemento capaz
de elaborar e sustentar suas representações sociais de música.

Gráfico 20 – Indicação de centralidade das concepções de música pelos professores - Gráfico


Nuvem de palavras (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao analisar a disposição do Gráfico 20, verificamos que as concepções assumem


diferentes simbologias e dividem um espaço de representação social de música entre si. Ao
152

traçarmos um olhar para estas relações, compreendemos que as concepções de música,


envolvidas em elementos simbólicos, transitam por diferentes dimensões estabelecidas pelas
interações consolidadas histórica e socioculturalmente. Este processo nos levou à
compreensão de que a música passa a assumir uma representação ligada a elementos vitais,
emocionais, afetivos e transcendentais, bem como elementos mais estáveis, ligados a uma
estrutura racionalmente compreendida pelo grupo. Percebemos que o termo “vida” aparece
mais centralizado nas concepções de música desses professores. Entretanto, outros – como
“amor”, “técnica” e “dom” – assumem uma relação hierárquica muito próxima que podem
ser compreendidos não apenas como base para a manutenção das visões simbólicas que
envolvem as concepções de música, mas como elementos estruturantes que configuram,
juntos, a centralidade das representações sociais das concepções de música.
Estas perspectivas imagéticas que se apresentam como elementos constituintes das
representações sociais dos professores – por serem internalizadas e estabelecidas através de
suas experiências socioculturais e históricas – passam a ser produto de uma realidade
palpável que envolve a música. Desta forma, os sujeitos trazem para suas concepções
elementos que envolvem emotividade, transcendentalidade, substancialidade, tecnicidade,
bem como outros de ordens místicas e transcendentais que passam a ser compreendidos
como elementos reais, mesmo sendo intangíveis, que se configuram como elementos
periféricos mantedores do núcleo central das representações. Podemos perceber que estas
relações foram observadas em Duarte e Mazzotti (2006a, p. 63), quando indicam que os
professores acabam por colocar a música como algo ligado a forças criadoras do universo,
de modo a defini-la como algo transcendental, mítico, místico, sobrenatural, bem como um
perfeito elemento, abstrato e divino, essencial à vida humana.

6.1.1 A concepção de música como vida

Ao destacar o termo “vida” como um dos elementos que fazem parte da centralidade
das representações sociais da concepção de música dos sujeitos pesquisados, podemos
perceber que há uma relação que passa a se consolidar, à medida que o objeto simbólico
música ganha materialidade ao associar elementos concretos – que fazem parte da realidade
do professor – a outros intangíveis que passam a ser reconhecidos como tendo importância
imprescindível para a sua existência, como nas relações cotidianas e profissionais. Esta
relação corrobora os trabalhos de Duarte e Mazzotti (2006a, p. 62), obra citada anteriormente,
153

ao discutir a música como elemento de vida para os professores, ou ainda com a pesquisa
realizada por Loiola (2015. p. 102), que identificou na fala dos professores a música como
elemento vital. Podemos identificar esta proximidade na narrativa do Professor 1:

A música me deu tudo. Me dá tudo, né? É meu ganha pão. Eu sou músico
profissional. Dou aula, dupla jornada de trabalho tocando. A música é
fundamental para mim. É tudo na minha vida. […] A música, para mim, é
minha vida, é meu ganha pão e, como todo trabalho, tem seus casos.
(PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Ao construir uma visão simbólica da música como elemento fundamental, indicando


que ela é sua vida, o Professor 1 estabelece uma ligação sólida que traz para o campo da
realidade uma estruturação imagética a partir de uma busca constante de dar sentido ao
objeto representado. Essa concepção de música é, então, indicada com base em um processo
de ancoragem que se solidifica a partir de questões que podem ser reconhecidas pelo grupo,
como é o caso de indicar a relação com o trabalho.
A concepção de vida atribuída à música estruturada a partir de uma visão simbólica –
que coloca a arte como elemento indispensável para a própria subsistência – está carregada de
elementos afetivos construídos desde os seus primeiros encantamentos na infância, que foram se
consolidando ao longo de todo seu desenvolvimento musical nas suas relações socioculturais, o
que passa a gerar um equilíbrio emocional que funciona como manutenção da condição estável
da própria vida. Podemos notar essas relações na fala do Professor 6, quando ele descreve seu
encantamento com a banda e a alegria que ele sentia ao ver a banda passar:

O que chamava a atenção era o fato das pessoas estarem ali tocando
aqueles instrumentos e a alegria que aquilo passava para as pessoas,
principalmente ali, no caso do contato que eu tinha em casa. Mas também
achava bonito em outros casos, como por exemplo a banda, quando
passava na frente da minha casa. Eu gostava, achava bonito e segui a
banda. E eu lembro que eu achava impressionante aquela quantidade de
botão que tinha no saxofone, não sabia como era que eles conseguiram fazer
aquilo. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Esta relação emocional que é construída a partir do encantamento com a banda e


com os diversos elementos nela presentes, bem como a alegria dos músicos, a sua e a das
outras pessoas que observavam, passaram a estruturar as suas concepções de música. Estes
contatos iniciais trazem uma simbologia para o objeto música, que dão sentido às suas
concepções na fase adulta, uma vez que este convívio promove uma sensação complementar
154

para a condição de vida. Esta visão pode ser percebida em outros trabalhos, como Westrupp
(2012, p. 60), que, em sua pesquisa, traz uma discussão que compartilha de percepções
semelhantes. O relato que segue, do Professor 6, mostra esta internalização da música como
um elemento de essencialidade, necessária à sua condição de vida.

Música, como toda arte. Para mim, é essencial. Mas é como arroz e feijão, eu não
consigo viver sem o som e os instrumentos e a música. É o alimento. É alimento
desde a juventude, eu acho que até o final da vida. É como aquela coisa que eu
tenho todo dia, tem que colocar para dentro. É vida, é alimento. (PROFESSOR 6.
Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Uma outra relação que apresenta esta perspectiva de elemento vital pode ser
identificada na fala do Professor 2, quando ele estabelece a concepção de música como
objeto de representação simbólica que ampara a própria condição de vida, de bem-estar, de
socialização e de equilíbrio emocional, que tem o “poder” de contribuir fundamentalmente
para uma melhor condição de existência:

Então, você está dando oportunidade dessa pessoa conhecer outras


pessoas. Isso pode até ajudar, também, na questão do suicídio que a gente
vive, né? Porque o suicídio são pessoas que vivem isoladas, né? Que além
dos problemas pessoais, vivem isoladas. Então, eu acho que a arte, a
música tem essa importância no desenvolvimento humano, né? Na
qualidade do desenvolvimento humano. Eu acho fundamental.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Ao trazer a música como um elemento que previne o suicídio em sua narrativa, o


professor apresenta sua visão com uma concepção simbólica capaz de promover transformações
que estão além de suas estruturas básicas, agregando a ela um caráter subliminar.
De modo geral, ao discutirmos a concepção de vida, presente nas representações
sociais dos professores, percebemos que esta visão simbólica constrói uma realidade que se
estabelece pelas inter-relações que acontecem entre suas abstrações, ligadas ao fabuloso e
ao imaginário, e suas estruturas concretas, relacionadas às suas experiências acumuladas no
decorrer de suas interações com o seu grupo social.

6.1.2 A concepção de música como sentimento

Ao traçarmos a análise, buscamos compreender quais elementos simbólicos estão


associados às dimensões afetivas e emocionais das representações sociais. A estruturação de
155

elementos emocionais circundados de sentimentos sobre o objeto música apresenta-se de


forma consistente nas narrativas dos professores respondentes. O termo “amor” aparece
como uma representação simbólica que traz consigo estruturas sólidas, ao estar diretamente
relacionado a outros termos com uma similaridade, como paixão, coração, casamento, entre
outros, que revelam uma visão simbólica construída com base em aspectos afetivos que
consolidam a centralidade das representações sociais. Essa relação que envolve o amor e a
música pode ser percebida nos trabalhos de alguns autores que trouxeram, em suas
pesquisas, diferentes óticas sobre esta questão, como o amor na/pela docência (LOIOLA,
2015, p. 66; WESSTRUP, 2012, p. 56), ou sobre temas que envolvem a representação do
amor nas escutas musicais (SUGAHARA, 2013; 2014).
Ao analisar essas concepções de música, podemos verificar que a estabilidade dos
aspectos sentimentais se relaciona com as questões afetivas que se apresentam alinhadas ao
termo “amor”. Na fala que segue, o Professor 5 associa a sua relação afetiva com o
instrumento, no início de sua aprendizagem musical.

O meu negócio era o contrabaixo, guitarra, instrumento assim que eu via na


banda Catedral os caras tocando, ou bateria. […] Comecei a estudar teclado
por causa disso, porque não dava, e passei um tempo estudando teclado. Me
lembro... uns seis meses tocando ainda, aprendi a fazer os acordes. Lá ele dava
aulas de partitura. Aprendi a ler as notinhas lá, básicas lá. Mas nunca foi o meu
amor assim. Então, deixei logo depois que... eu toquei uns seis meses, eu deixei
de lado. (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Nesta fala, ele apresenta um processo de aprendizagem musical que não atende de
forma favorável aos seus desejos musicais. Contudo, ao não ter uma relação afetiva de
“amor” como o instrumento teclado, ele apresenta um desinteresse pela aprendizagem
musical relacionada a este instrumento. A relação afetiva (ou a falta dela), com um
instrumento, um gênero musical, uma cultura, pode modificar de forma significativa as
representações sociais de um indivíduo ou de um grupo social sobre o objeto representado.
Outro aspecto simbólico que envolve as concepções de música relacionadas ao amor,
pode ser percebido na fala do Professor 1, quando destaca uma visão generalizada da paixão
pela música. Desta forma, podemos compreender que essa relação afetiva não acontece por
acaso: ela é fundamentada pelas percepções de fascínio que o sujeito internaliza do objeto
música a partir do seu meio sociocultural.
156

Eu não me considerava uma criança tão musical. Mas, mesmo... eu não


pensava nisso, eu hoje me lembrando da minha infância... Mas o gosto por
música independente disso, não só para mim, mas para qualquer pessoa,
independente disso, né? Quando aquilo bate, né? Igual aquela música do
Bob Marley, quando é que amolece o coração, se apaixona. Acho que todo
mundo é apaixonado por música, né? […] Nem sempre aquele que tem
mais ouvido, aquele que demonstra ter mais facilidade é o que vai ser um
músico profissional. Eu vejo que… quem vai tocar mesmo é aquele que
realmente se apaixona... Que aquilo ali passa a fazer parte da vida dele
mesmo. Que ele não consegue passar mais um dia sem tocar o
instrumento. (PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Na fala anterior, podemos observar uma consolidação da concepção de música na


representação social do sujeito, à medida que ele destaca que esta relação com o amor se
torna o motivo do seu desenvolvimento musical. Nesta visão, a relação afetiva amorosa,
manifestada pelo uso do termo apaixonado, apresenta-se como condicionante das estruturas
que consolidam suas representações. É a paixão, o amor, que funciona como elo que liga o
interesse pela aprendizagem, pelo desenvolvimento musical e pela prática ativa da música
em sua vida.

6.1.3 A concepção de música como técnica

Por ser compreendida como elemento importante na concepção de música dos


professores investigados, a técnica se apresenta como um dos elementos que também se
configuram como significativos no núcleo central das representações sociais de música dos
sujeitos pesquisados, uma vez que esta concepção técnica não se afasta em momento algum
das relações emocionais e afetivas que estão presentes de forma muito sólida em suas
narrativas. Porém, de forma direta, a técnica aparece como um elemento centralizado das
representações sociais de música dos professores, ao estar associado às questões que
envolvem o desenvolvimento das suas práticas musicais:

Eu não consigo me desvincular desse fazer técnico de música. Aí, às vezes


eu tenho dificuldade quando encontro, por exemplo, as pessoas, como é
que eu posso dizer, assim? Mais espontâneas. Que não têm tanta formação
teórica e tanta formação técnica, e fazem com espontaneidade. Eu tenho
dificuldade de interagir com essas pessoas. Tenho muita dificuldade,
porque o meu pensamento é cartesiano, né? Quando eu penso em música,
eu penso de forma cartesiana. “Aqui eu posso usar esse timbre aqui, esse
timbre vai ficar nessa faixa de frequência aqui, porque não vai cruzar com
baixo, não vai cruzar com a guitarra, está faltando harmônicos, eu dou
harmônicos aqui, nessa aqui eu vou usar onda quadrada, porque tem mais
harmônico, e aí vai. Entendesse? E termino pensando música assim.
157

Aquele lado da emoção, do sentimento, da expressão, ele vem a partir do


conhecimento técnico que eu tenho, aí, se deu dessa forma. (PROFESSOR
3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Nesta fala, do Professor 3, observamos que mesmo ao apresentar uma concepção de


música ligada a elementos técnicos e a um pensamento cartesiano, ele não desvincula os
processos emotivos de suas concepções de música. Essa, porém, passa a condicioná-los às
questões mais técnicas, quando ele destaca que suas emoções e seus sentimentos partem do
conhecimento técnico.
Outra relação com as questões de materialidade técnica, pode ser encontrada na
concepção de música como um produto artístico:

Música é um som, bicho. Organizado, sendo feito com a intenção de fazer


música. Então tem muita a gente que briga, né? O pessoal que está
comigo, “ôxe, isso lá é música?” Eu digo, “rapaz, infelizmente é música,
mas você não gosta, entendeu?” Porque a música é exatamente essa
junção de som e de silêncio organizado com uma intenção de fazer a
música, bicho. Eu acho que esta intenção de se fazer a música é o que faz
ela ser a música. Mas tem muita gente que pode dizer: “Ah! Isso lá é
música? Isso não presta”. Mas é música, bicho. Tem os elementos da
música. Pode ser que você não goste, mas é, é música. Eu tenho essa
mesma visão, entendeu? Então, por exemplo, qualquer tipo de som
organizado, sendo feito, na minha concepção é música, funk, o que for, o
que for de som aí, entendeu? (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).

Ao considerar que música é um som organizado, o Professor 5 a traz para o campo


da lógica, da objetividade, e a concebe como um objeto fruto da racionalidade que se
estabelece pela construção lógica das coisas, ampliando, assim, o espaço simbólico que ela
tem em suas representações, possibilitando um olhar que vai além de aspectos estéticos,
emocionais e afetivos, uma vez que ele abrange sua concepção para além dos elementos
imagéticos que são sensíveis a outros estímulos sensoriais que envolvem a subjetividade da
vida. Esta fala torna-se interessante, uma vez que o mesmo professor apresentou aspectos
afetivos ao tratar de seu desenvolvimento musical como citado no subtópico anterior. Com
isso, podemos perceber que os aspectos subjetivos e os objetivos podem ocupar uma região
de centralidade na sua concepção de música.
A concepção de música como técnica também pode ser percebida na narrativa do Professor
2, quando traz para a sua construção simbólica do objeto música uma correlação com padrões
matemáticos. Ao indicar a música como matemática, ele indica que as suas concepções passam a
158

estar interligadas a diferentes planos imagéticos que buscam uma ancoragem em estruturas mais
sólidas que podem ser compreendidas e compartilhadas pelo grupo.

Eu não entendo por que a gente supervaloriza tanto a matemática,


sabendo que a própria música, uma partitura, ali está a matemática. A
gente vê fração, progressões geométricas, e a gente vê as quatro
operações. Tudo isso está na partitura. E não é só isso, porque, além da
matemática que há na partitura, música trabalha também com o lado
emocional. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Na fala acima, o professor revela que a sua relação com a música passa por
diferentes níveis de subjetividade. Ao idealizar a música como matemática, ele relaciona
uma disciplina considerada objetiva a uma partitura. Com isso, passa a figurar a música
como uma estrutura técnica, porém relacionada aos aspectos afetivos. Esta visão é
reafirmada quando o Professor 2 destaca que o processo de criação musical está relacionado
aos conhecimentos técnicos, mas associado à organização de seus elementos, seus
conhecimentos e suas experiências: A música para mim... quando eu pego o violão, é como
se eu tivesse... eu imagino um cientista no laboratório, onde fica experimentando.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Podemos perceber que a concepção de música ligada à técnica está presente nos
relatos de todos os professores entrevistados, mesmo que apresentem uma maior intensidade
em algumas de suas falas. Vale destacar que, na análise das narrativas, ficou claro que as
concepções voltadas para as questões técnicas da música passam a ganhar um maior
destaque à medida que é ampliada a formação musical direcionada pelos processos formais
eurocêntricos da música. Essa ligação com as questões técnicas podem ser observadas nas
pesquisas de Loiola (2015) e Andrade (2016a; 2016b), que mostram que a questão do
desenvolvimento técnico aparece como um pilar de sustentação para a formação dos
professores e dos alunos respectivamente.

6.1.4 A concepção de música como dom ou vocação

A concepção de música relacionada a algo transcendental, interligada à visão de


“dom”, também aparece em algumas das narrativas dos professores participantes da
pesquisa. Contudo, podemos destacar que a visão que se tem sobre o termo dom pode ser
mais complexa do que as outras concepções vistas anteriormente. Para tentar reduzir os
159

conflitos relativos à utilização deste termo, buscamos compreender a sua etimologia para, a
partir daí, utilizá-lo de forma mais clara.
A palavra dom tem sua origem no latim, donum, que significa “oferenda aos deuses”
(DICIO, 2020). Em sua definição, encontramos a palavra dom atribuída a “qualidade
especial ou habilidade inata para fazer algo; aptidão, habilidade, talento”, quando
observamos a condição de uma habilidade natural para algo, bem como, “Aquilo que foi
objeto de doação; dádiva, donativo, presente”. Ao ser utilizada como sentido figurado
vemos o termo dom como “benefício, benesse ou dádiva concedida pela natureza; bem,
bênção, graça” ou ainda um “bem espiritual que se considera como oferecido por Deus;
bênção, graça, mercê” (MICHAELIS, 2020a). Como podemos constatar, estas definições da
palavra dom direcionam para um olhar relacionado a uma visão imaginária e divina, que se
liga a algo subliminar.
Ao reconhecermos as relações que estão associadas ao termo dom, podemos
identificar que a ideia de vocação dele se aproxima pelos vínculos que ambos os termos têm
com as questões inatas. Se considerarmos a matriz etimológica do termo vocação,
verificamos que sua origem vem do latim vocationis, que significa “chamado” (LATDICT,
2020). Também podemos compreender vocação como “qualquer disposição natural do
espírito; pendor, talento”; ou “inclinação para qualquer atividade, ofício, profissão”, bem
como quando relacionamos o termo às questões divinas, ao ser definido como “inclinação
para o sacerdócio ou para a vida religiosa” (MICHAELIS, 2020b). Dessa forma, estas
percepções passam a dividir espaço nas concepções de música dos professores. Este
direcionamento pode ser encontrado em trabalhos que discutem a concepção de música
como uma produção artística na visão de músicos, como no trabalho de Adenot (2010), que
mostra que a concepção de música está relacionada às questões de vocação como sendo
estruturas artísticas inatas atribuídas a um certo fascínio por parte dos músicos. Porém, se
observarmos esta relação de forma empírica, percebemos que este discurso pode se fazer
presente em diversos outros contextos. Neste sentido, Loiola (2015. p. 97) destaca que a
visão de dom associado à crença pessoal pode estabelecer um processo de seleção dos que
manifestam aptidão.
A partir destas definições, percebemos que esta estrutura simbólica que dialoga com
os elementos idealizados, como algo além da capacidade humana, passa a ser construída
pelas diversas relações que foram ganhando significados sólidos nas representações sociais
dos sujeitos, a partir dos esquemas imagéticos que envolvem o objeto de representação
160

música. Nessa visão, percebemos que a imagem que se cria da música está relacionada a um
estado de sublimação, fascínio e espiritualidade, gerados pelos aspectos emotivos e afetivos
consolidados pelas distintas relações com um elemento extraordinário, divino e religioso
que, ao ser partilhado pelo grupo, ganha um sentido, um status de axioma. A utilização do
termo dom, que, de certa forma, preenche um espaço de centralidade nas representações
sociais das concepções de música, é reforçado por outros termos como “mágica”, “dádiva”,
“extraordinário”, entre outros.
Um fator interessante que observamos ao analisar as narrativas, foram as diferentes
relações com os aspectos que envolvem a concepção de música como um dom. Percebemos que
esta visão não é facilmente manifestada, porém podemos notar que há uma aproximação das
concepções dos professores com os elementos que estariam ligados a algo sobre-humano.

Mesmo antes de ser músico, eu já refletia sobre o processo de composição, por


exemplo, né? Eu não sabia como é que surgia uma música. Eu achava uma
coisa extraordinária, uma coisa que estava além do homem, porque eu não via
lógica no surgimento de uma música. Uma vez eu refleti sobre isso, aí eu disse:
“cara, como será que surge uma música?” Isso é uma coisa eu não via lógica,
que eu achava uma coisa mágica. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).
[…] [eu] já tinha consciência de que era uma coisa extraordinária, eu não
via lógica de como ela surgia, porque eu não tinha conhecimentos prévios
sobre música para ter essa consciência, né? Coisa que eu [só] fui adquirir
quando me tornei [músico], comecei a estudar violão. (PROFESSOR 2.
Entrevista 2, 16 out. 2019).

Em sua narrativa, o Professor 5 apresenta uma representação de música interligada a


aspectos transcendentais, ao descrevê-la como algo “extraordinário”, “além do homem” e
“uma coisa mágica”. Porém, mesmo não utilizando o termo dom, podemos destacar que estas
relações apresentam uma determinada similaridade. Entretanto, vale destacar que a concepção
de algo sobre-humano atribuída à música tem sua consolidação através das construções
simbólicas que passam a dar sentido a ela, e que foram sendo idealizadas a partir das relações
socioculturais e históricas percebidas pelo sujeito e seu grupo ao longo de seu
desenvolvimento. Porém, ao observarmos a fala abaixo, destacamos que, à medida em que o
sujeito amplia seus conhecimentos musicais e agrega outras visões simbólicas de mundo, ele
passa a mudar sua compressão sobre a música. Com isso, as suas representações sociais
passam a sofrer transformações a partir do seu próprio desenvolvimento musical, como
podemos constatar ao relacionar a fala abaixo com a anterior.
161

Como é que surge uma música? Aí, eu entendi que, no meu caso, foi a
questão do violão que me ajudou. Tem a questão também da sensibilidade
da pessoa, né? Que a arte é um reflexo do que você é, né? Do que você
pensa, do que você sente, do que você viveu. Então, eu percebo que foi um
conjunto de fatores e que não foi pronto. Só para ter uma ideia de que não
é essa coisa mágica, eu comecei a tocar violão com 15 anos, eu vim
engatilhar nesse processo de composição 12 anos depois, só para você ver
como não é essa questão de... que se fosse dom, no primeiro ano que eu
comecei a tocar violão... já era compositor. Onde é que está esse dom?
Porque não é dom. É claro que as pessoas confundem vocação com dom,
vocação é diferente de dom, vocação é quando você se identifica com algo
e diz: “cara, eu gosto muito disso, eu quero isso”. Você se dedica àquilo.
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Um fator que nos chama atenção nesta fala é a busca por desvincular a sua concepção
de música utilizando o termo vocação. Uma vez que se formos tomar como base a matriz
etimológica da palavra, como visto anteriormente, a ideia de vocação não se dissocia
completamente do termo dom. Vale destacar que, nesta fala, o Professor 2 deixa claro como as
suas representações sofrem mudanças à medida que há um aprofundamento de suas práticas
musicais. Este direcionamento apresenta elementos que indicam a formação de uma nova
representação de música, configurada a partir do seu próprio desenvolvimento musical.
Assim, à medida em que suas experiências musicais avançam, vão sendo criadas novas
compreensões de música, e estas passam a atribuir novos sentidos ao objeto. Através destas
novas experiências o sujeito passa a tentar trazer suas concepções para uma construção
racional, tentando retirar toda a carga imagética e mítica de suas visões factuais da música.
Podemos verificar, porém, que seu núcleo apresenta um arcabouço que dialoga com uma
representação que se sustenta inconscientemente, uma vez que os fenômenos psíquicos que
apoiam as representações são consolidados por suas relações involuntárias e exteriores a
consciência do indivíduo, como discutido no Capítulo 2. Com isso, podemos referenciar uma
relação ambígua entre a concepção de dom e a sua negação:

Eu acho que eu ter existido na vida sem a presença do violão seria um erro.
Como diz Nietzsche: “A vida sem música seria um erro”. […] Eu posso
dizer que a minha melhor alma gêmea que aconteceu na vida foi o violão.
O violão e, claro que eu não posso também ser tão cego e egoísta de achar
que essa essência que existe em mim seja uma coisa até divina, porque a
música é uma coisa divina, né? A música é uma coisa divina, uma dádiva,
seja você religioso ou não, mas é uma coisa extraordinária, né? É uma
forma de você... tem até um pensamento que dizia: “a arte é uma forma de
buscar alcançar o céu sem precisar de reza”. Porque, quer queira, quer
não, quando você faz aquilo, você mergulha dentro de si mesmo, né?
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019)
162

Nessa fala, há elemento contraditório no discurso, pois o professor identifica a


música como uma dádiva divina, mas não se reconhece como um músico que possa obter
esta dádiva. Concebe a música como algo extraordinário, porém acredita que sua relação
com ela seja pautada em uma estrutura técnica que tem por base seus processos formativos,
mesmo falando em essência. Desta forma, mesmo apresentando esta dicotomia que pode
parecer contraditória, o discurso traz certa centralidade para suas representações de música:
uma pautada em técnica idealizada em um processo que foi se estabelecendo com a
formação e a outra firmada nas suas vivências iniciais que marcam as representações sociais
na visão do dom, mesmo que haja uma rejeição a ela. À medida que reconhece a música
como ligada ao fascínio, a aspectos íntimos da alma humana, liga-se à perspectiva
“religiosa” do dom.
Esta relação, muitas vezes conflituosa, entre o consciente e o inconsciente na construção
das representações, evidenciam que as estruturas simbólicas são reorganizadas a partir das
mudanças que passamos a ter nas nossas relações socialmente partilhadas. A mudança de grupo,
de espaço, de formação gera novas estruturas representacionais que, à medida que vão sendo
partilhadas, configuram-se como sociais. No trecho abaixo, voltamos ao relato do Professor 2, que
expressa um esforço constante de trazer suas representações de música para o ambiente racional:

Essa questão do dom é uma coisa muito perversa, porque as pessoas tiram
o mérito do seu trabalho de estudar, né? As pessoas falam que você tem um
dom como se você fosse o iluminado, se estivesse sentado na posição de
flor de lótus, e Deus, puff, fosse descarregar tudo e você fosse a pomba
gira ou sei lá o que for. Um transe, qualquer tipo de coisa mística, né?
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019)

A narrativa acima revela, de forma mais explícita, a consolidação da aquisição de


uma nova representação, ao observarmos o esforço para desqualificar a atribuição do dom
em suas práticas. Com isso, passa a enfocá-lo como um demérito para o desenvolvimento do
músico, uma vez que passa a reconhecer a questão racional técnica como sendo substancial
para a sua formação sobressaindo-se em relação à imagética. Desta forma, ele passa a
conduzir suas representações para a valorização dos conhecimentos edificados pela sua
formação musical, mas, mesmo assim, não se desprende das concepções solidificadas pelas
ações inconscientes da natureza de suas representações sociais anteriores.
Podemos encontrar esta relação da música com uma perspectiva metafísica, também
na fala do Professor 1, quando ele destaca o aprendizado de um novo instrumento musical:
163

Quando eu fui para a universidade, eu não cantava ainda, eu admirava os


cantores, e decidi começar a cantar. Depois da universidade, eu aprendi a
tocar acordeon sozinho, e hoje eu faço shows tocando violão e acordeon.
Em outro momento [uma] professora [...] me apresentou o charango. Eu
sou descendente de boliviano e, quando ela me deu o instrumento,
imediatamente eu toquei, foi uma coisa mágica, né? (PROFESSOR 1.
Entrevista 1, 1º set. 2019).

Esta fala é interessante, à medida que ele integra elementos extrassensoriais como
parte de suas representações, ao relacionar a aprendizagem sem dificuldades de um novo
instrumento musical – o charango – como sendo “uma coisa mágica”. Ao declarar esta
percepção, o professor traz para o seu discurso uma representação social da concepção de
música ligada aos símbolos internalizados e partilhados socialmente. A internalização desses
elementos imagéticos atribuídos à música dá sentido ao objeto simbólico que orientam sua
compreensão de mundo e consolida suas representações (DUARTE; MAZZOTTI, 2006b;
JOVCHELOVITCH, 2011). Desta forma, podemos encontrar estas concepções de música
relacionadas às questões de fascínio, que trazem o termo dom compartilhado dentro de uma
centralidade simbólica, consolidadas como núcleo central das representações sociais nas
falas de três dentre os seis professores entrevistados.
Ao analisarmos estas concepções de música, percebemos que elas transitam em
diferentes campos conceituais e simbólicos. Mesmo apresentando elementos que possam
parecer antagônicos, mantêm correlações entre suas construções simbólicas que passam a
interligar as visões mais objetivas às concepções carregadas de subjetividade, e vice-versa.
Isto fica claro no Gráfico 21, abaixo:
164

Gráfico 21 - Ligações dos termos relacionados às concepções de música dos professores – Análise
de similitude (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Podemos observar, no Gráfico 21, a relação de elementos que fazem parte da


centralidade das representações sociais da concepção de música dos professores, que é
composta por diferentes estruturas que dividem os espaços simbólicos consolidando suas
imagens representacionais. Vale destacar que, mesmo esses dados sendo específicos desta
pesquisa, eles corroboram com outros trabalhos (DUARTE; MAZZOTTI 2006A; 2006B;
OLIVEIRA, A. S. 2008; ADENOT, 2010; LOIOLA, 2015) o que indica que essas
concepções estão muito associadas às representações sociais que marcam a cultura brasileira
como um todo.
Neste processo, podemos destacar as concepções de música como sentido de vida,
desenvolvimento técnico, relação de amor e dom como sendo as estruturas mais sólidas que
se ligam ao centro das representações. Estas concepções encontram essa proximidade nos
elementos periféricos – que permeiam as narrativas dos professores –, tanto ao apresentar uma
165

relação com questões mais racionais e objetivas, quanto ao estabelecer suas concepções mais
alinhadas às questões de ordem afetiva, emocionais e místicas.
As ligações apresentadas visualmente no Gráfico 21, de similitude, revelam as
conexões que se desenvolvem e mantêm as representações consolidadas a partir destas inter-
relações. Podemos identificar que as conectividades entre os termos nos mostram que elas
estabilizam estas representações ao passarem a proporcionar uma sinestesia capaz de construir
diferentes interpretações sobre um objeto simbólico e novos conceitos atribuídos a ele, como
podemos qualificar nas similitudes que se apresentam a partir da junção dos termos: música é
arte; arte é vida; música é técnica; técnica com mágica; música é som; arte é emoção e dom; é
uma habilidade dádiva; técnica com afetividade; música é vida e paixão; entre outras. Estas
similitudes trazem as conexões com elementos periféricos que reforçam as representações
sociais das concepções de músicas dos sujeitos participantes desta pesquisa. Elas mantêm seu
núcleo central consolidado sobre quatro aspectos: sentido de vida; sentimentos; técnica e
transcendentalidade, esta concebida sob a perspectiva de dom, mesmo que haja um esforço
por parte dos professores para não utilizar este termo. O Gráfico 22 apresenta essas relações
na estruturação do núcleo central das representações.

Gráfico 22 – Núcleo central das representações das concepções de música

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Estas interligações transparecem nas falas dos professores de forma espontânea,


mesmo quando eles não estão, aparentemente, relacionando suas falas a essas concepções.
Isto pode ser observado na fala do Professor 1, quando interliga a técnica às questões que
envolvem a facilidade inata a uma determinada prática musical: [Eu defendo que] todo
mundo consegue aprender música. Todo mundo é capaz de aprender música, não é só quem
tem uma facilidade. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). Neste caso, ao defender
166

que todos têm a capacidade de aprender música, o professor está relacionando suas
concepções às questões técnicas, porém, quando ele relata que pode haver uma facilidade
inata, aponta para um aspecto que passa a funcionar como um elemento periférico do dom.
Podemos perceber estas correlações na fala do Professor 4, quando ele destaca a
música como sendo um objeto racional, ligado a aspectos de fascínio, imagéticos e
transcendentais, definindo-a como sendo matemática com magia, que eu não tenho nem
como explicar (PROFESSOR 4. Entrevista 1, 02 out. 2019). Nessa fala, ele evidencia que a
representação social sobre música está ligada às questões subliminares, corroborando,
assim, com os estudos de alguns autores como mencionado anteriormente. Este fato mostra
que, mesmo tendo passado por diversos processos formativos, reconhecendo os diferentes
perfis de estudantes e os demais atores envolvidos neste trajeto de formação, o seu olhar
sobre o que é música não se dissocia de uma visão supranatual, que ao reconhecer os
aspectos técnicos, culturais, históricos e sociais que envolvem a música, traz, também, o
místico, o divino, o mágico, em sua fala como núcleo central de sua representação social.
Outra interligação pode ser percebida na fala do Professor 5, quando destaca que, com o
estudo da prática musical, ele foi “pegando amor”. A ligação da técnica com a afetividade
pode ser percebida de forma mais sólida quando ele evidencia que interrompeu a
aprendizagem de um instrumento por não sentir amor, como destacado nas discussões
anteriores. Assim como o Professor 2 que destaca: Eu traduziria persistência por paixão,
está entendendo? É como eu lhe disse, é como se fosse uma coisa que fizesse parte de você.
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Essa fala coloca mais uma vez a ideia da
afetividade relacionada à questão técnica.
Podemos identificar outras conexões na fala do Professor 6, quando apresenta uma
visão que liga a música a um desenvolvimento cotidiano, que se estabelece de forma mais
sólida através de uma vivência habitual:

Acredito que música é mais vivência do que qualquer outra coisa. Não sei se
você tem esse pensamento, mas se você vê aquele músico que tem mais
vivência, […] ele tem uma percepção melhor da música como [um] todo,
como arte, do que aquele que saiu do banco da escola e ainda está no banco
da universidade. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Nesta relação, podemos perceber que a sua concepção de música encontra seus laços
em uma articulação com diferentes visões, em uma perspectiva técnica, evidenciada pela
ideia de melhor percepção de música, como uma ação da vida cotidiana, ao apontar que a
167

música é estruturada pela vivência, e como estas relações passam a aprofundar e ampliar a
percepção da arte.
Com estas conexões, podemos compreender que as concepções não se estruturam
sobre uma única base de representação social: elas são construídas pelas distintas trocas de
experiências acumuladas ao longo de suas vidas sociais, que interagem nos mais diversos
espaços de convivência cotidiana e organizações formativas. A multiplicidade de fatores que
se interligam possibilita a compreensão das diferentes situações e formas de compreender o
objeto música. As representações sociais de música como vida, dom, técnica e sentimentos
trazem, para o objeto simbólico música, elementos que dialogam entre si, estabelecendo
uma representação social de música que tem seu núcleo central estruturado por distintos
elementos que se consolidam e se complementam.

6.2 As representações de música de boa e má qualidade

Ao abordar as representações sociais de músicas dos professores, buscamos


compreender, através de uma observação ampla – pautadas em estruturas simbólicas que
norteiam suas narrativas, à medida que revelam elementos inseridos no discurso, mesmo que
não estejam explícitos – como suas concepções de música de boa e de má qualidade são
consolidadas. Elas baseiam-se em aspectos envolvidos em suas vivências musicais, como os
gêneros musicais, grupos, intérpretes, compositores, estilos preferidos entre outros, que fazem
parte de seus gostos pessoais, bem como as indicações de sentimentos e identificação
presentes em suas relações com a música.
Nessa perspectiva, mesmo não apresentando, em alguns casos, uma indicação direta de
suas concepções de música de boa ou má “qualidade” – uma vez que a construção destas
visões estão carregadas de subjetividade estruturadas pelas relações simbólicas que são
estabelecidas pelos sujeitos através de suas familiaridades com o objeto representado –
podemos identificar estas concepções através de indicadores de qualidade que aparecem,
relativos a suas preferências e vivências musicais nas diversas fases da vida, bem como pelos
aspectos musicais que as acompanham. Nesse processo, foram observadas, também, as
relações opostas como uma forma de reconhecer as representações sociais que indicam estas
concepções, uma vez que o reconhecimento do que está próximo possibilita o reconhecimento
e a classificação do que está distante, vice-versa. (MOSCOVICI, 2015. p. 62).
168

6.2.1 As representações de música de boa qualidade

Tendo por base as falas que expressam uma afinidade direta ou um distanciamento
com os elementos que consolidaram suas visões de música de boa ou de má qualidade,
trouxemos a Tabela 10, com as narrativas que apresentam concepções de música de boa
qualidade, e a Tabela 11, que indica concepções de má qualidade presentes nas narrativas dos
professores.
A Tabela 10 apresenta recortes das narrativas que indicam exemplos de diferentes
aspectos relacionados às vivências musicais dos sujeitos. Seus relatos contribuíram para um
processo analítico que, a partir de um olhar interpretativo, possibilitou a compreensão das
suas concepções de música de boa qualidade.

Tabela 10 – Falas professores relacionadas às concepções de música de boa qualidade


CONCEPÇÕES SOBRE MÚSICA DE QUALIDADE
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Existem músicas Tem um certo o Que faz crescer; Eu gosto Música evangélica; Gosto muito da
sinceras feitas de senso crítico; Eu queria fazer de cantar As músicas que eu improvisação;
coração; Ter consciência de música não só pelo música escutava muito eram da Eu queria música
A música folclórica valores, de ética; som, pelo som, letra, evangélic igreja popular;
[que] estão aí, bem A primeira contexto; a sim; Em relação à qualidade Daquela que a
vivas; influência foi a Eu acredito muito na Uma mesmo... instrumental, gente que é
[Para mim, tudo] é música Regional; técnica; música de musical harmônica; músico gosta, é
música, qualidade Tenho essa Na swingueira eu qualidade, Eu via os caras tocando um choro, é uma
seria isso; preocupação com aprendi que música é […] um violão erudito, bicho eu improvisação,
[...] MPB, axé, um a mensagem; além; Chico achei a coisa mais linda uma Bossa;
pouco de forró, Eu procuro unir Eu venho da escola Buarque; do mundo; Prefiro aquelas
rock, pagode, eu uma boa melodia do rock, da escola do Não é só Eu não tento fazer que têm um
queria trabalhar com uma boa pop, do eletrônico; balançar, comparação, “essa tratamento
com música de letra, com bom Música que tenha não é só música é ruim, essa daqui melhor;
alguma forma; conteúdo; variação rítmica, dançar; é que é boa, entendeu?;
Ouvia de rock a Fui entrando um variação harmônica, Trabalha a realidade
bossa-nova; pouco para outros vários instrumentos; cultural;
Eu penso em ritmos variado, Que desperte um É uma música que teve
seguir algo com a tango, bolero, bem-estar; um impacto cultural;
música popular, jazz, blues, os Se a partir daquela Que traz histórias; Bossa
que foi o que me afros; letra ele consegue Nova, tropicalismo, do
formou como A questão da alguma coisa movimento da Jovem
professor; letra; melhor; Guarda;
Sou muito Eu tenho contato De vez em quando
criterioso com a com as bandas aparece também um forró
questão da sinfônicas europeias; bom;
estética
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Os recortes das falas presentes na Tabela 10 evidenciam que as concepções de boa


qualidade musical são estruturadas pelas inter-relações com diversos elementos que
apresentam uma determinada relevância na história de vida musical dos professores e, com
169

isso, tornam-se significativos ao se cruzarem nas narrativas. Nesta perspectiva, destacamos


que alguns dos entrevistados, como citado anteriormente, não expuseram, de forma direta,
suas concepções de música de boa qualidade pelas questões subjetivas que envolvem estas
percepções, como podemos perceber na fala do Professor 1, quando ele destaca: Para mim,
tudo é música, qualidade seria isso. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). Ou na fala
do Professor 5: eu não tento fazer comparação, “essa música é ruim, essa daqui é que é boa,
entendeu? (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019). Nesta perspectiva, as concepções de
boa qualidade musical podem estar ligadas às diversas questões que se estabilizam ou
desestabilizam através das relações histórico-culturais que possibilitam a transitoriedade das
suas representações sociais. Desta forma, as narrativas dos professores nos levaram a traçar
um olhar sobre os elementos que estão, de certa forma, implícitos, mas que se faziam
presentes em suas falas e, com isso, trouxemos para o processo de análise uma interpretação
associativa de algumas afinidades musicais apresentadas, seja com gêneros, artistas,
sentimentos, formas, conteúdos etc.
Vale destacar, portanto, que, ao abordarmos esta proposta de agrupamento associativo,
levamos em consideração os ritmos, intérpretes, grupos, bandas ou compositores citados para
fazer estas relações e inseri-los em um conjunto que pudesse classificá-los sem desconsiderar
suas principais características musicais. Para isso, abordamos cinco conjuntos de gêneros
musicais mais amplos, Música Popular Brasileira (MPB), Música Popular, Música Regional,
Música Erudita e Música Religiosa. Nesta perspectiva, vale destacar que, quando estes
diferentes termos foram citados nas narrativas, foram categorizados e associados ao gênero
musical predominante de suas obras musicais – como, por exemplo, Chico Buarque, Caetano,
Toquinho, Tom Jobim – que foram associados à Música Popular Brasileira (MPB). Ou quando
foram identificados gêneros diversos que fazem parte de um universo mais amplo, como tango,
bolero, funk, jazz, rock, pagode etc. Colocamo-nos em um conjunto relacionado à Música
Popular. Já os ritmos como frevo, maracatu, forró e seus derivados, que fazem parte de uma
relação culturalmente estabelecida pelas características mais regionalistas, principalmente no
Nordeste brasileiro, passamos a agrupá-los em um outro conjunto que foi relacionado a Música
Regional. A Música Erudita, que apareceu, em algumas falas, passamos a categorizá-la através
de elementos como o nome de compositores – Bach, Chopin, Mozart – mas também por termos
como sinfonia, banda sinfônica, orquestra etc. Neste caso, o termo “música sacra” foi
direcionado para o agrupamento da música erudita e não para o da música religiosa pela relação
que foi estabelecida com a música nos moldes europeus do período medieval e renascentista.
170

Desta forma, a Música Religiosa passa a agrupar termos como: música da igreja; gospel; louvor;
música evangélica etc. Após identificados os gêneros, organizamos o material levantado em
conjuntos mais amplos, como podemos observar na Tabela 11.

Tabela 11 – Agrupamentos musicais por associação


ORGANIZAÇÃO DOS GÊNEROS MUSICAIS POR ASSOCIAÇÃO
MPB Bossa-nova, Movimentos da Jovem Guarda, Tropicalismo, choro, samba
Música Popular Brasileira etc.
Tango, bolero, ritmos afros; jazz, blues, reggae, rock, pop, eletrônica,
Música Popular
funk, Axé, pagode etc.
Música Regional Forró, frevo, maracatu etc.
Música sacra, canto gregoriano, sinfonias, bandas sinfônicas, música de
Música Erudita
concerto etc.
Música Religiosa Música da igreja, música evangélica, grupo gospel etc.
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Podemos observar estas relações nas falas de alguns dos professores, à medida que
eles apresentam alguns indicadores destas concepções a partir das proximidades com
determinados gêneros musicais, como destacados na fala do Professor 1, que apresenta uma
perspectiva de ecletismo: as músicas eram muito ecléticas, a gente ouvia de rock a bossa-
nova (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). Ou a ideia de amplitude presente na fala
do Professor 2, quando ele destaca: fui entrando um pouco para outros ritmos variados,
tango, bolero, jazz, blues (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Uma outra
perspectiva pode ser observada na fala do Professor 3, quando destaca esta relação como
uma ligação formativa: eu venho da escola do rock, da escola do pop, do eletrônico
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Outras ligações que indicam de forma diretas a
relação do gênero musical como um exemplo de qualidade pode ser observada na fala do
Professor 6, quando fala sobre a Música Popular, referindo-se a esta forma como [aquela]
que a gente que é músico gosta, é um choro, é uma improvisação, uma bossa (PROFESSOR
6. Entrevista 1, 22 nov. 2019). Identificamos essas relações, ainda pelas menções a nomes
de intérpretes e compositores, como podemos observar na fala do Professor 4, quando ele
destaca que suas preferências estão ligadas a uma música de qualidade, […] um Chico
Buarque (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). Estas concepções também podem ser
observadas no trabalho de Duarte (2011, p. 66), quando ela aponta que as respostas
referentes à Música Popular que os professores identificam como “música de qualidade”
estão ligadas às obras de compositores consagrados. Já a representação da concepção de boa
música relacionada à letra, à mensagem ou ao conteúdo está presente nas falas de alguns
171

entrevistados, como percebemos nas falas dos Professores 2 e 3, quando destacam a letra
como um elemento importante para o reconhecimento de uma música de boa qualidade.
Podemos exemplificar essas relações quando o Professor 2 destaca eu procuro unir uma boa
melodia com uma boa letra, com bom conteúdo (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out.
2019); ou na fala do Professor 3, quando ele relata que se a partir daquela letra ele
consegue alguma coisa melhor (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).
Outros fatores também funcionaram como indicadores de qualidade musical, como as
questões que envolvem a temporalidade, a autenticidade e a importância cultural, como na
fala do Professor 1, quando faz uma relação com as músicas folclóricas que são canções que
você não sabe quem é o autor, mas estão aí, bem vivas (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set.
2019). Ou na fala do Professor 2, ao destacar que a sua primeira influência foi a música
Regional (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Ou ainda na fala do Professor 5,
quando relativiza uma música de qualidade como uma música que teve um impacto cultural
(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).
A percepção de música de boa qualidade também se revela por questões técnicas que
envolvem uma relação ligada a estruturas formais da música, como podemos verificar nas
falas dos Professores 2, 3, 5 e 6, quando destacam que: sou muito criterioso com a questão da
estética (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Eu acredito muito na técnica […].
Música que tenha variação rítmica, variação harmônica, vários instrumentos (PROFESSOR
3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Em relação à qualidade mesmo... instrumental, a música
harmônica (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019). Prefiro aquelas que têm um
tratamento melhor (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). A concepção de qualidade
relacionada a aspectos emotivos também esteve presente nas narrativas, como podemos
constatar na fala do Professor 3, ao reconhecer como uma boa música aquela que desperte um
bem-estar (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019); Também surgiram, nos discursos,
concepções que apontaram a Música Erudita como sendo uma representação de música de boa
qualidade, como podemos ver na fala do Professor 5. Eu via os caras tocando violão erudito,
bicho eu achei a coisa mais linda do mundo (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020),
bem como na do Professor 3, quando destaca: eu tenho contato com as bandas sinfônicas
europeias (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019), o que indica uma ligação com grupos
musicais que têm influência direta da Música Erudita. Mais uma vez, podemos encontrar
corroboração no trabalho de Duarte (2011, p. 67). Entretanto, destacamos que há uma
diferença entre as questões que envolvem a concepção de Música Erudita como música de
172

qualidade, uma vez que no trabalho desta autora esta forma de música ligada às tradições
europeias teve as maiores recorrências, ao passo que, em nossa pesquisa, esta forma musical
assume uma visão mais periférica de música de qualidade, ao levantarmos as recorrências. A
Música Religiosa esteve presente nas falas do Professor 4 e 5, quando relacionaram esta
forma de música às suas vivências pessoais, como podemos observar em suas falas. Eu gosto
de cantar música evangélica sim (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). As músicas
que eu escutava muito eram da igreja (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).
Diante do que apresenta a Tabela 10 e segundo a categorização da Tabela 11, podemos
observar que os termos que remetem à “Música Popular”, à “MPB”, e a uma “boa letra”
aparecem como elementos que indicam uma centralidade das representações sociais de
música de boa qualidade na visão dos professores entrevistados. Ao reconhecer que o discurso
que remete à Música Popular se faz presente nas vivências musicais da maioria dos sujeitos
entrevistados – seja pela identificação com a forma, o conteúdo, a mensagem apresentada,
pelas relações de afinidade construídas histórica e socialmente, ou pela estrutura sonora
musical, entre outros – podemos considerar que a Música Popular se configura como o núcleo
central de suas representações sociais de música de boa qualidade. O Gráfico 23, na estrutura
de nuvem de palavras, apresenta de forma visual esta centralidade e as estruturas periféricas
que a cercam e dão suporte para a sua manutenção.

Gráfico 23 – Relação das músicas de boa qualidade apresentadas pelos professores – Nuvem de
Palavras (IRAMUTEQ).

Fonte: Dados da pesquisa (2020).


173

Nessa estrutura, ao analisarmos o Gráfico 23, nuvem de palavra, observamos que as


concepções de boa qualidade musical apresentam uma relação que perpassa por diferentes
visões musicais que mantêm a música popular como núcleo central das representações
sociais de boa qualidade musical dos professores. Esta relação hierárquica que se estabelece
pode ser percebida à medida que ela é sustentada por diferentes estruturas periféricas que
lhe dão suporte e possibilitam a estabilidade do núcleo. Podemos notar, também, que as
estruturas periféricas, “boa letra” e “MPB”, posicionadas diretamente ao lado do núcleo
central, tornam-se os elementos que, mesmo assumindo características próprias, reforçam a
estabilidade do núcleo pelas relações de proximidade que exercem em suas estruturas. Um
outro fator não menos interessante, percebido na análise, está presente nas relações de
reforço e sustentação que os elementos periféricos passam a dar ao núcleo central a partir
das questões que envolvem uma identificação com determinados gêneros musicais, com
alguns intérpretes e compositores, com as letras das músicas e as mensagens que elas
transmitem, bem como com as relações de memória afetiva ligadas à temporalidade e à
importância cultural, aos aspectos emotivos e religiosos ou ainda pelas questões que
envolvem autenticidade e técnicas das músicas vivenciadas.
As ligações que alguns professores apresentam com determinados gêneros musicais
permitem perceber que as concepções de música de qualidade se configuram pelas diversas
relações musicais estabelecidas em suas práticas pessoais consolidadas pelas relações de
identificação, oposição e compartilhamentos estabelecidos com os grupos nos quais cada
um deles está inserido. Diante da importância que essas relações passam a ter em um
processo de formação de significados e construção de conhecimentos, as estruturas
simbólicas passam a ser reconhecidas e partilhadas pelo grupo. Nesta ótica, a assimilação de
gêneros que fazem parte dos gostos musicais pessoais dos professores os direcionam para a
identificação do que seria música de qualidade. Podemos observar estas relações também na
fala do Professor 3, quando destaca: eu venho da escola do rock, da escola do pop, do
eletrônico, que é uma coisa que a gente não tem essa realidade aqui. E quando tem, é muito
pouco. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Ou ainda na fala do Professor 1:

Durante o período que [eu] estava na universidade eu aprendi um pouco


de contrabaixo e toquei em várias bandas, um pouco MPB, axé, um pouco
de forró, rock, pagode. Eu queria trabalhar com música de alguma forma,
e isso foi uma experiência interessante, tocar em trio elétrico, viajar. […]
174

As músicas eram muito ecléticas. A gente ouvia de rock a bossa-nova.


(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
As falas dos Professores 1 e 2, apresentadas acima, contribuem para uma
compreensão da música popular sob uma perspectiva de música de boa qualidade na visão
destes sujeitos, uma vez que as ligações que existem entre esses gêneros e suas vivências
musicais nos indicam tais relações de proximidade.
Um outro fator presente nas narrativas que nos conduziram para a identificação das
concepções de música de boa qualidade foi a citação de diversos artistas nos discursos dos
entrevistados, o que indica certa relevância, uma vez que essas menções aconteceram de
forma espontânea e em diversos pontos da narrativa, como nas falas do Professor 2, que traz
em sua narrativa nomes como Cazuza, Paulinho Moska, Caetano Veloso, Zé Ramalho, Raul
Seixas, Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Ele destaca por exemplo: é como Paulinho Moska
comenta, né? Ele disse assim: “uma coisa é a arte comercial, outra coisa é o comércio da
arte, são duas coisas diferentes”. Ou quando aponta uma citação de Cazuza: se você analisar
a letra das minhas músicas tudo [é] baseado em fatos, não tiro conclusões baseadas em
ideologias não, está entendendo? Como disse Cazuza: “suas ideias não correspondem aos
fatos”. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019). Vale destacar que, nestas falas,
podemos reconhecer elementos que ligam as suas concepções de música de boa qualidade a
uma relação de proximidade com a MPB, além dos elementos que apontam para a letra e as
relações com as músicas e a mídia. Desta forma, se concebidas como um reflexo do que o
professor traz para seu ambiente, seu convívio, as citações destes intérpretes e compositores
revelam uma indicação de suas representações sociais de música de boa qualidade. Outro
ponto em que podemos observar esta relação está nas falas do Professor 1, citadas
anteriormente no item 5.1.1, quando discutimos as representações sociais construídas na
infância, em que este professor destaca os vários tipos de música que ouvia quando criança,
trazendo com isso, uma referência musical do seu contato com a MPB através das músicas
vivenciadas pela mãe. Nestas falas do Professor 1, podemos reforçar a ideia de que as
concepções de músicas que surgem nas suas narrativas são, de certa forma, um reflexo de
representações sociais de música construídas desde a infância.
Ao observarmos os relatos do Professor 5, quando ele destaca que de vez em quando
aparece também um forró bom, ou quando aborda como tema de trabalho compositores e
intérpretes renomados, como Elis Regina e Vinícius de Moraes (PROFESSOR 5. Entrevista
2, 29 jan. 2020), passamos a reconhecer que essas falas indicam um processo de qualificação
que revela suas representações sociais de músicas de boa qualidade. Nestas falas, podemos
175

identificar elementos que fazem parte de uma centralidade com os termos que se relacionam
com a música popular, bem como com os elementos periféricos que passam a compartilhar os
espaços de representação, como a MPB e música regional.
Outras concepções de qualidade musical que surgiram nas narrativas estiveram
ligadas ao conteúdo musical e às mensagens que são transmitidas em uma música através da
letra. Vale destacar que estas relações são reforçadas nas falas dos Professores 2, 5 e 6.

Eu acho que a qualidade, primeiro, surge de dentro de nós, né?


Independente de ser música, independente do que seja. […] É você. É uma
música que tem, digamos... valores universais, está entendendo? […] E que
vê nesses valores65 uma coisa importante para melhoria de todos, [uma
música] que pensa nisso, que se preocupa com isso. […] Uma composição,
ela trabalha com subtemas o tempo inteiro, principalmente na letra da
música. Mas a arte em geral fala sobre isso. Mas, principalmente, a letra da
música, ela é mais direta, né? (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Nessa fala do Professor 2, identificamos a letra das músicas como um elemento que se
associa à qualidade de uma música, à medida que ela passa a ser reconhecida como um
recurso estruturante que é capaz de transmitir as suas ideias de valores estabilizadas pelas suas
relações socialmente construídas. Uma visão bem próxima desta pode ser identificada nos
discursos dos Professores 5 e 6.

[…] as músicas de qualidade, não sei é complicado dizer […]. É uma


música que teve um impacto cultural na época que foi feita, e que é uma
música que vai durar anos e anos, e anos, ali. E traz histórias, […]. Então,
na música de qualidade, eu me referi nesse sentido, não a qualidade
musical. Às vezes essas músicas que tem hoje, têm mais instrumento, são
mais bem elaboradas, mas não têm o impacto cultural, bicho, entendeu? A
letra, o sentido que foi feito, foi para nada. (PROFESSOR 5. Entrevista 2,
29 jan. 2020).

Esta fala é interessante, uma vez que o Professor 5 revela que a sua concepção de boa
qualidade musical pode estar relacionada a diferentes fatores associados à música. Ao destacar
que sua visão de boa qualidade não está restrita à “qualidade musical” que envolve as
estruturas técnicas instrumentais, ele amplia seu olhar para além dessas questões e passa a
incorporar outros elementos ligados à música, como as questões culturais que podem fazer
com que uma determinada obra passe a ter um papel significativo em um determinado

65
Vale destacar que a ideia de valores, nos dias atuais, está muito ligada às questões que envolvem alguns
dogmas conservadores que são compartilhados por uma parcela da sociedade e que muitas vezes estão ligadas
às questões morais e religiosas.
176

contexto com o passar do tempo, bem como a importância dada às mensagens que são
transmitidas pela letra. Podemos perceber isto também na fala do Professor 6:

Seria aquela música que é feita por qualquer um, qualquer pessoa, que
colocasse poucos elementos ou que colocasse qualquer elemento que a música
pode dar, dentro daquela música, ou todo o universo musical que poderia
para levar de ferramenta para construir aquela música, ou aquela música
mais simples, desde que não levasse, de mensagem, coisas ruins. Isso para
mim, não levando coisas ruins, pensamentos ruins, mensagens ruins, eu já
considero uma boa música. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Podemos perceber que esta relação de boa qualidade, estabelecida a partir da identificação
com a letra de uma música, também está presente na fala do Professor 6, quando ressalta a “boa
mensagem” em oposição a “mensagem ruins” como elemento de qualidade. Com isso, assim
como os Professores 2 e 5, ao reconhecer a letra como elemento que indica uma qualidade
musical, ele retira o foco das questões voltadas às técnicas que envolvem a música.
Destacamos que outros elementos presentes nas narrativas indicaram as
representações sociais da concepção de música de boa qualidade dos professores
relacionando-as às questões que envolvem aspectos como: temporalidade; autenticidade e
importância cultural. Identificamos o reforço destas relações na fala do Professor 5, quando
aborda a questão da temporalidade:

Se a gente for pegar historicamente, né? Você vai ver que tinha época que
a música, “visse”... essa música daqui ninguém pode escutar não. Hoje em
dia é clássico, entendeu? Então assim, é complicado de julgar. […] E
também vai ter músicas de períodos anteriores que também têm qualidade
harmônica, [mesmo com] duas ou três notas, entendeu? Então assim, é
muito difícil comparar, sabe? […] Eu me lembro que na época eu escutava
Mastruz com Leite, eu ficava, “meu irmão, que música feia, poucos
acordes”. Quando eu comparo com as de hoje, “rapaz, aquilo era música,
bicho”. Olha o arranjo, tudo certinho, a entoação, a afinação […].
(PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Este exemplo evidencia que uma representação social não é algo estático,
consolidado a partir de elementos fixos e estáticos, muito pelo contrário, uma representação
social é construída a partir das relações que são estabelecidas com os processos transitórios
que a cercam (MOSCOVICI, 2015. p. 136). Essa fala do Professor 5 apresenta, alguns
elementos que se ligam à música popular que se relaciona à música regional, mas traz
consigo entre outras abordagens, justamente, uma mudança de representação social pautada
na temporalidade. Isto aconteceu também na fala que segue do Professor 1:
177

[Eu] fiz umas comparações com comida. Quando você está de dieta, você
vai encontrar facilmente uma coxinha e Coca-cola. Normalmente, a Coca-
cola é mais barata que o suco. O sanduíche natural, você roda para achar.
Existe comida ruim e existe comida boa. Existem músicas boas e músicas
ruins. Existem músicas boas que ficaram ruins ao longo do tempo, existem
músicas ruins que ficaram boas ao longo do tempo. O que era brega no
passado hoje é cool. É muito rico, sabe, é como a língua, é muito vivo.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Ao trazem a ideia do paladar para exemplificar a sua narrativa, o Professor 1 faz uso do
processo de associação análoga como uma forma de dar sentido às construções simbólicas sobre
um determinado objeto, fator esse também percebido por Duarte (2011, p. 65).
Nas falas que seguem, os professores apresentam suas visões de qualidade, destacando
as influências culturais regionais. Entretanto, vale destacar que estas concepções não se
dissociam das outras relações que fazem parte das construções de suas representações, como
observado na fala do Professor 2, quando vincula as suas concepções de música de qualidade
às características do seu trabalho artístico.

É um baião com letras coloquiais, matutas, linguagem bem popular, bem do


povão mesmo. Falando de comidas típicas, de lendas, de palavreado do
Povo nordestino. Aí, eu comecei a ver que eu comecei a me destacar melhor
com essas composições, a música regional foi o primeiro reconhecimento
que eu tive. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019)

Ao falar das características que estão presentes em suas criações musicais, podemos
encontrar, além da letra, os elementos regionais que influenciam diretamente as
representações sociais que conduzem às suas concepções de música de boa qualidade.
Vale destacar que a importância cultural, outro fator relevante que surgiu na
compreensão das representações sociais de boa qualidade musical dos sujeitos pesquisados,
assim como as suas relações com a temporalidade, estiveram presentes nas narrativas de
alguns sujeitos, como na fala do Professor 5:

Rapaz, é muito difícil falar, por exemplo, música de qualidade, porque o que
é de referência de qualidade para mim [não] é o de qualidade para você,
né? Então, por exemplo, não tem como, bicho! Às vezes a gente usa esse
termo aí, qualidade, mas a gente está se referindo a outro tipo de coisa, por
exemplo, uma música que tem uma importância cultural, por exemplo, Asa
Branca, Asa Branca para mim é uma música que ela teve importância na
trajetória musical, no gênero musical, então isso é uma música importante.
Apesar que ela só tem três acordes, cinco notinhas, entendeu? Aí, você tem
também, por exemplo, uma música como Aquarela do Brasil, já tem um
178

monte de acorde, já teve outra importância cultural, entendeu?


(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020)

Nessa fala, o Professor 5 evita delimitar a visão de música de qualidade a um formato


musical específico, preservando-se para não emitir uma concepção restrita. Nessa ótica, ele
apresenta uma concepção de música de qualidade apontada sobre a perspectiva da
importância cultural, mostrando, com isso, que os diferentes aspectos que englobam estas
representações dialogam diretamente com as culturas que vão se consolidando ao longo do
tempo e das interações sociais que acontecem nos mais diversos grupos. Dessa forma,
podemos compreender que as representações sociais de música de boa qualidade percorrem
diferentes caminhos e estabelecem proximidades com distintas formas musicais que passam a
fazer parte de uma relação que transita pela música regional e que traz a perspectiva de uma
estrutura que se consolida pela importância cultural.
Um outro ponto interessante que encontramos nas narrativas e que conduz o nosso
olhar para o reconhecimento das concepções de música de boa qualidade dos professores, são
as relações com a música popular que possuem estruturas mais técnicas, como na fala do
Professor 2:

Depois do amor a primeira influência foi a música Regional. […] depois do


regional, aí, fui entrando um pouco para outros ritmos variados, ritmos dos
outros locais do mundo, né? Como tango, como bolero, como do jazz, o
blues, influenciou os afros, enfim, ritmos variados, e também a questão da
letra. […] Eu tenho uma influência que vai do regional ao world music,
sabe. As músicas [dos] ritmos latinos, ritmos africanos, brasileiros.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019)

Essa fala do Professor 2 traz uma série de elementos que apresenta como as
representações sociais de música abrangem diferentes espaços, formas, culturas e
sentimentos, envolvendo, com isso, aspectos ligados ao sentimento de “amor”, ao
“regionalismo”, a “letra”, bem como a “música popular” com características mais técnicas,
como observamos quando ele se refere ao tango, jazz, blues, bolero etc.
As relações estabelecidas com a visão mais técnica da música conduzem para a
compreensão de que as concepções de música de boa qualidade são estruturadas sobre
questões que envolvem equilíbrio dos elementos, uma estética mais “rebuscada”, bem como
um “maior” cuidado na produção. Estas relações podem ser percebidas na fala do Professor
4, quando ele destaca: “eu tenho uma teoria [musical], eu tento manter um equilíbrio que eu
179

gosto. Eu gosto para poder trazer uma coisa de uma qualidade melhor, né? (PROFESSOR 4.
Entrevista 1, 02 out. 2019). Identificamos este ponto também na fala do Professor 2:

Eu sou muito criterioso com a questão da estética, por exemplo, a melodia


[deve] ser bonita, eu tenho muito cuidado com isso. […] Se não tem uma
melodia, eu já descarto. […] Eu tenho essa preocupação com a mensagem.
Então, eu procuro unir uma boa melodia com uma boa letra, com bom
conteúdo. Então, não é que não possa ter palavras rebuscadas, eu tenho
minha forma de poesia. As minhas músicas vão... do coloquial a essa coisa
mais povão, né? Com a música regional, como também a coisas mais
rebuscadas, que requerem conhecimentos mais específicos de história, de
filosofia, né? (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).

A concepção de boa qualidade musical do Professor 2 apresenta uma relação que se


liga às questões técnicas, porém não se restringe a ela. Além dos aspectos técnicos que
envolvem um olhar pautado nas perspectivas estéticas ligadas à melodia, como foi destacado
por ele, passamos a identificar outros elementos em sua narrativa que complementam as suas
concepções de qualidade musical; ela se consolida por diferentes pontos que se unificam ao
serem trazidas para a luz do debate, como a ideia da boa letra, da mensagem e da música
regional, que passam a ser mais uma vez reforçados.
Esta relação da técnica como elemento de reconhecimento de boa qualidade musical
pode ser percebida também nas falas que se referem à música erudita. As falas dos
Professores 3 e 5 trazem as associações com a música erudita a partir de seus avanços nas
suas formações musicais. [Eu] pegava as partituras, bicho, do violão e cantando bem, ficava
tentando tirar em casa […]. Mas eu tirava porque achava bonito e mais tirando um
trechinho, [um] chorinho (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).
Esta fala do Professor 5 destaca o encantamento que ele teve com a estrutura técnica
da música, estabelecendo, com isso, seus laços com a visão erudita ao chegar no
conservatório de música. Esta experiência revela que, à medida em que passou a ter aulas,
ele estabeleceu uma conexão com as músicas que eram desenvolvidas naquele espaço,
construindo, assim, novos conhecimentos que foram tecendo suas novas representações. Ao
conhecer a música erudita, seus materiais, bem como a suas estruturas formais e as técnicas
das músicas que se aproximavam dessas características – como é o caso do choro – o
Professor 5 passou a internalizar esses novos conhecimentos e concepções de música de
qualidade a partir das construções das novas representações que iam sendo tecidas.
180

Já o Professor 3 evidencia as ligações com a música erudita em suas concepções de


música de boa qualidade, a partir das novas referências que passavam a dialogar com seu
repertório musical ligado ao rock e ao heavy metal:

Começo a escutar Guns [N’ Rose], daí eu evoluo para Metallica, Black
Sabbath, e vou me formando dentro do metal. Quando chega em 1995/1996,
mais ou menos, eu tenho contato com as bandas sinfônicas europeias. Aí,
vem… eu tenho contato com Nightwish, Lacrimosa, Afla Nedlend, que é de
Israel, Blarg Garden, que é da Alemanha. Então, era outro universo musical
dentro do Metal, que já era completamente diferente daquele do início. Aí, o
que é que tinha? Orquestra. Que faz a ponte com o quê? Com a
Universidade. Que eu estava pegando os discos lá na biblioteca, eu pegava
aquelas coleções compositores como material de estudo. Estudar as
sinfonias, estudava Mahler, Bartók, estudava esse pessoal para aprender
sobre eles. Por que Beethoven, Vivaldi, Chopin, Tchaikovski, os de sempre,
eu já ouvia. Eu queria aprender mais. Era mais como exercício do que uma
apreciação. E nisso daí, eu começo a ver elementos dentro do metal. Aí
pronto. Aí, uni o útil ao agradável. O metal que eu gostava com a parte mais
sinfônica que eu também gostava. E vim escutando esse som desde sempre.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Podemos reconhecer que as relações com a música erudita presentes na fala do


Professor 3 são fortalecidas através das novas conexões que foram desenvolvidas e que
ampliaram as suas referências musicais. A identificação com o erudito – que se estabeleceu
pelas associações com as músicas de heavy metal e as bandas de metal sinfônico, que fazem
uso de instrumentos orquestrais – proporcionou uma proximidade com as músicas com as
quais ele já estava habituado. A familiaridade com as estruturas instrumentais, percebida
entre os gêneros, criou um elo capaz de fazer com que suas representações socais de música
de boa qualidade fossem ganhando solidez.
Outro elemento que surge nas concepções de música de boa qualidade está associado
aos aspectos emotivos. O envolvimento emocional com a música passa a ser um indicador
de qualidade, à medida que reforça as suas concepções, discutidas anteriormente, de música
como sentimento. Podemos observar esta relação na fala do Professor 1. Existe música
sinceras feitas de coração que estão no mercado. Mas, [não] essas músicas que estão
tocando muito no rádio, que copiam aquele modelo que fez sucesso. […] Por outro lado, a
música folclórica são canções que você não sabe quem é o autor, mas estão aí, [bem] vivas.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).
Vale destacar que, ao trazer aspectos que envolvem a emoção e a afetividade em sua
fala, o professor passa a evocar os elementos simbólicos que estão mais familiarizados com
181

a sua prática cotidiana e geram uma identificação direta com a música. Desta forma,
observamos que as relações emocionais que envolvem a música não estão isoladas, pois
interligam aos diversos aspectos citados anteriormente, como música popular, os aspectos
culturais regionais, música folclórica, entre outros. Outro fator relevante são as questões que
envolvem a temporalidade, uma vez que destaca, como traço de qualidade, a importância
cultural que a música folclórica tem pela sua permanência no tempo, podendo promover
memórias afetivas em contraposição às músicas que assumem um caráter mercadológico.
Nesta mesma perspectiva, a fala do Professor 6 traz mais um elemento que se relaciona com
os aspectos emocionais para a compreensão das concepções de música de boa qualidade: a
conexão que a música tem com as questões íntimas e intuitivas ligadas ao sujeito. Podemos
perceber esta associação quando ele faz uma comparação entre a música popular e a música
erudita, destacando: a música [popular] é muito mais intuitiva, vem de dentro, do que
aquela coisa quadradinha, por isso que eu não gostava muito do erudito. Eu acho que não
gostava não, não gosto ainda. (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Outro exemplo de sentimentos que envolvem as representações sociais de boa
qualidade musical pode ser encontrado na forma pela qual o Professor 3 descreve sua
relação com a música eletrônica, qual seja, através do contato com o instrumento
sintetizador, ainda na infância:

Eu tinha uns seis para sete anos. Rapaz, sabe como é que é tu ver aquele
brinquedo dos teus sonhos? Imagina, tu criança que gosta do espaço, e entra
em uma nave espacial. Pronto, era mais ou menos isso. Porque quando eu vi
um DX7, especificamente, o Kawaii, quando eu vi eu disse: “é isso aí que eu
quero tocar”. […] Quando eu toquei em um, […] que eu escutei o som, aquele
som bem espacial, é indescritível, assim. Eu não sei lhe explicar a sensação
qual é. Mas é uma coisa que toma conta inexplicavelmente, é uma sensação
que poucas vezes eu tive, [no] contato com o instrumento, de você bater a mão
assim, e dizer é isso. É isso que eu quero para mim, mesmo sem saber o que
era aquilo. E dizer que foi tomado de impacto assim. Toquei, escutei, olhei
para o tecladista, “como é o nome desse negócio”? Aí ele fez: “isso é um
sintetizador, isso é um Yamaha DX7”. Tanto é que há uns dois anos atrás, eu
enlouqueci atrás de um. Aí é… [minha esposa] fala muito que eu sou da
música do Roupa Nova. Eu compro o que a infância sonhou. Então, quando
eu tive condições, nem pestanejei, comprei um DX7. A primeira coisa. E hoje
eu sou lotado de sintetizadores. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Importa, portanto, compreender como os aspectos que se relacionam com as


concepções de qualidade musical são construídas a partir dos diversos contatos que o sujeito
estabelece com o mundo que o cerca, desde as primeiras interações sociais, e com o objeto
182

representado. Este relato traz, para a luz do debate, mais uma vez, a construção das
representações sociais a partir de um processo de ancoragem, que fica claro quando o
sujeito inicia sua fala descrevendo-se como uma criança que gosta do espaço sideral e se
sentiu em uma espaçonave ao ouvir o som do sintetizador. Como apontam Campos e
Rouquette (2003), o vínculo afetivo e emocional que o sujeito apresenta com a música
conduz para a construção de suas representações sociais de boa qualidade, que também
transitam pelas questões que envolvem o bem-estar, aspecto central de sua definição de
música de boa qualidade: [é uma música] que lhe cause algo bom, que você se sinta atraído
por aquilo. Se não tem isso, para mim é uma música de má qualidade. (PROFESSOR 3.
Entrevista 2, 14 out. 2019).
Para os Professores 4 e 5, as concepções de música de boa qualidade estão ligadas à
questão religiosa. Destacamos que as suas relações com a música evangélica estão
diretamente ligadas às suas representações sociais construídas através das interações que
ocorreram nos espaços das igrejas e em todos os contextos em que estas práticas estão
inseridas. O Professor 4 destaca: Pelas minhas atitudes eu tento mostrar, e tento fazer eles
verem que: eu não chamo palavrão, que eu gosto de cantar música evangélica, sim.
(PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). Essa fala evidencia que a sua concepção de boa
qualidade musical, que circula nesta esfera da música religiosa, estava relacionada às questões
que envolviam o seu cotidiano, bem como suas relações familiares que foram fundamentais
para a construção dos conhecimentos que configuraram as suas representações sociais desde a
infância, como vimos anteriormente no item 4.1.1.
Nessa mesma perspectiva, o Professor 5 apresenta a sua ligação com a música religiosa no
período da infância e adolescência, vinculada diretamente ao repertório musical da igreja:

Assim, as músicas que eu escutava muito eram da igreja, entendeu?


Porque eu tocava em bandas da igreja. Então, pegava [as músicas de]
Oficina G366, Catedral67, as músicas de louvor, tal. Eram mais essas
músicas, mas assim, sempre tive a mente aberta também para escutar
todos os tipos de música, entendeu? Nunca me prendi. (PROFESSOR 5.
Entrevista 1, 19 nov. 2019).

66
O Oficina G3 é um grupo musical que surgiu na década de 1990, que produz suas músicas com temas cristãos,
utilizando o ritmo do rock como principal influência musical. Disponível em: http://oficinag3.com.br/bio/
Acesso em: 04 julho 2020.
67
“Catedral é uma banda brasileira de pop rock/MPB rock formada no Rio de Janeiro em 1988. Iniciou sua
carreira no mercado gospel e se tornou um dos grupos mais famosos do segmento. É conhecida por possuir
uma mensagem cristã descomprometida, além de falar de temas como amor e política”. (LETRAS, 2020).
Disponível em: https://www.letras.com.br/catedral/biografia. Acesso em: 12 jul. 2020.
183

Em outro momento de sua fala, podemos compreender que a concepção de música


de boa qualidade transparece através da sua vivência musical relacionada ao gênero gospel,
reforçando, assim, as experiências socialmente partilhadas como um elemento responsável
por exercer influências na construção de suas representações sociais de música:

Eu acho que influenciou muito, bicho. As músicas de Catedral são simples


de tocar, então é fácil de aprender. […] Agora o baixista da banda, ele era
diferente, assim, fazia uns solos e coisas e tal. Então, quando eu comecei a
aprender ficar muito prestando atenção […] Foi quase nessa época que eu
também já estava estudando baixo, e tinha uns solos de baixo, tinha umas
entradas de baixo que eu achava interessantes. Eu acho que foi assim, que
influenciou a questão da banda, porque estava na época, então era modinha,
[…] eu me sentia mais à vontade no baixo, não sei [se era] porque eu
escutava exatamente muito a banda Catedral. (PROFESSOR 5. Entrevista
1, 19 nov. 2019).

Percebemos que o contexto religioso contribuiu de forma significativa para a


construção das representações sociais de música dos Professores 4 e 5. Partindo desta ótica
– que envolve a construção do objeto simbólico música, pautado em aspectos religiosos –
pudemos identificar elementos que foram fundamentais para o reconhecimento da música
religiosa como de boa qualidade. Dessa forma, destacamos a importância dos vários
elementos que estavam inseridos no contexto vivido, como familiares, amigos, contato
inicial com práticas musicais, entre outras, que foram aspectos relevantes para o
direcionamento de suas concepções de música de boa qualidade pautadas em suas
representações sociais e em suas preferências musicais.
Diante das análises realizadas, podemos compreender que as concepções de música
de boa qualidade transitaram por diferentes visões, campos e contextos nos quais foram
sendo estabelecidas pelas construções simbólicas sobre o objeto de representação música.
Desta forma, podemos reconhecer que as subjetividades envolvidas nestas concepções não
se dissociam dos elementos que consolidaram suas representações sociais de música. Estas
inter-relações que estruturam as diferentes visões de música de qualidade podem ser
observadas no Gráfico 24, que expõe as conexões que foram estabelecidas, nas narrativas
dos sujeitos pesquisados, para construir as concepções de boa qualidade musical.
184

Gráfico 24 – Ligações dos termos relacionados às concepções de música de boa qualidade – Análise
de similitude (IRAMUTEQ).

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

A partir da imagem do Gráfico 24, podemos compreender que a análise de similitude


apresentada estabelece as conexões com os diversos elementos periféricos que indicam a
centralidade das suas concepções de música de boa qualidade, a partir das suas
representações sociais construídas ao longo de suas vidas.
Nessa análise, podemos observar que o termo “música popular” é identificado como
núcleo central das representações, e que tem os termos “boa letra” e “MPB” como
elementos periféricos bastante próximos ao núcleo.
As similitudes apresentadas mostram que estas ligações com os elementos
periféricos é que dão sustentação ao núcleo à medida que eles funcionam como um reforço,
uma base de manutenção. As ligações do núcleo “música popular” aos termos “MPB”,
“importância cultural” e “que tem valores” revelam a sua sustentação. Podemos
compreender que a visão que os professores têm sobre o objeto de representação música de
185

boa qualidade está interligada a gêneros musicais que possam se associar a estes elementos
periféricos e às demais conexões que possam surgiu a partir deles, como: “música
popular/MPB/boa letra”, “música popular/MPB/senso crítico”, “música popular/que tem
valores/estética”, “música popular/que tem valores/variação rítmica”, “música popular/big
band/improvisação”, “música popular/que tem valores/importância cultural”, entre outros.
Assim, a centralidade das representações sociais de boa qualidade musical estabelece-se
através dos diálogos recorrentes que circundam o objeto simbólico música. Estas conexões
– e as demais que dela derivam – só reforçam a ideia de que a construção de uma
representação social não se dá de forma isolada: ela perpassa por diversos caminhos,
sentidos e significados que são associados a um objeto simbolicamente representado.
Muitas vezes, isto requer um esforço para assumir riscos e gerar mudanças, principalmente
quando construímos uma imagem negativa do outro. (MOSCOVICI, 2015. p. 64).
Encontramos um exemplo na fala do Professor 3:

Tive uma experiência, não posso dizer traumática, aprendi um bocado com
uma banda de pagode, por incrível que pareça. […] Claro que eu fui cheio
de preconceito. Fui por causa do dinheiro que iriam me pagar. Fui cheio de
preconceito? Fui. Mas me deu muita coisa que hoje eu aproveito. Primeiro,
o aprendizado rítmico. Que eu não tive na minha formação, que é o contato
com os instrumentos de percussão, tudo isso que eu não tinha. [...] É um
universo que eu não fazia parte. Então, tive esse contato que hoje eu uso na
escola. Isso realmente faz diferença para os meninos hoje. Tive os primeiros
contatos com as danças de swingueira. Que também, cheio de preconceito,
olhava aquilo atravessado, […] e lá eu começo efetivamente a utilizar os
sintetizadores ao máximo. Porque muita gente não percebe, mas dentro da
swingueira, do período de 2013, existe muita linha de sintetizadores e os
samples, que as pessoas às vezes não conseguem perceber, acham que é só
uma brincadeirinha, e não é. É coisa séria. E para fazer dá um trabalho
danado. Então assim, eu tive um contato pesado para sintetizadores que eu
nunca imaginei que eu fosse ter lá dentro da música. Eu realmente não
imaginava [isso] dentro da música brasileira, especificamente, dentro do
pagodão e da swingueira. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Essa fala é interessante, uma vez que apresenta uma mudança de representação
social a partir dos processos de objetivação e ancoragem (JOVCHELOVITCH, 2011;
LEME, 1993; MOSCOVICI, 1976, 2015; SAWAIA, 1993). Pudemos observar as relações
que estruturaram uma nova visão de qualidade musical pela objetivação, à medida que essas
novas vivências trouxeram para seu universo elementos da música popular ligadas aos
ritmos percussivos através do pagode. Por outro lado, pudemos identificar as construções
dessas novas representações através do processo de ancoragem, uma vez que ele passou a
186

construir novos olhares a partir do reconhecimento de estruturas sonoras ligadas à música


eletrônica, que lhe era familiar, na música da swingueira.
Essas construções simbólicas atribuídas a um determinado objeto conduzem às
concepções que reforçam a construção de suas representações sociais que se fortalecem
pelos processos de identificação, como podemos observar na fala do Professor 6, quando ele
destaca: a universidade tinha um rumo que leva muito para música erudita. Não era o que eu
queria, eu queria música popular. E chegou o pessoal de música popular, aí, eu disse:
“pronto, agora eu vou ficar”. Aí, eu continuei. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019).
Analisando esta fala, percebemos uma identificação direta com a música popular que
estabelece esta centralidade das suas representações.
Um fator interessante que podemos observar neste nosso trabalho é a sua distinção em
relação ao trabalho de Duarte (2011), uma vez que a pesquisa dessa autora destaca a música
erudita como sendo o termo mais recorrente entre as respostas dos sujeitos pesquisados. No
caso da nossa, desenvolvida no contexto de João Pessoa, a centralidade das recorrências
aconteceu justamente em uma visão que, para muitos, pode ser vista como uma oposição: a
música popular. Entretanto, vale destacar que, mesmo que as pesquisas possuíssem o objeto
de representação em comum, elas apresentavam contextos, público-alvo e períodos distintos.
Estas diferenças podem ter sido fundamentais para as diferenças entre as concepções de boa
qualidade entre as duas pesquisas. Desta forma, destacamos que, ao compreender a
centralidade das concepções de música de boa qualidade como música popular, identificamos
nela uma abrangência de formas, conteúdos e técnicas que garantem as conexões que
fortalecem as suas representações sociais.

6.2.2 As representações de música de má qualidade

Ao discutir as concepções de música de má qualidade apresentadas pelos professores,


criamos uma tabela que pudesse agrupar estas narrativas de forma sintética. Nesta ótica, o
desenvolvimento da Tabela 12 foi utilizado para indicar alguns recortes dessas falas que
apresentavam elementos relacionados às suas concepções de má qualidade musical.
187

Tabela 12 – Falas de professores relacionadas às suas concepções de música


CONCEPÇÕES SOBRE MÚSICA DE MÁ QUALIDADE
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Música de Banalidade; Música de má qualidade, Músicas nojentas; Letra com Batidão;
consumo; Questão sexual; é uma música que tenha Com letra de palavrões; Música com
Modelo de Dança do funk é pouca variação rítmica, duplo sentido; Música da mensagens ruins;
sucesso; deselegante; Pouca variação Eu corto. “aqui indústria cultural; Pensamentos
Letras que Música vulgar que faz harmônica, poucos funk não, pronto” Música para ruins;
falem de apologia ao sexo; instrumentos; Eu não canto vender;
cachaça, de O que eu crítico no Que não desperta bem- funk; Forró de plástico;
rapariga, de funk é o conteúdo; estar; Não é só balançar Não teve a função
droga; O funk hoje é uma Que não lhe cause algum cultural;
virose; bom;
Má qualidade para mim
funk proibidão, passinho;
Que envolve erotização;
Palavras de baixo calão;
Sarjeta social;
Simples;
Pobre de elemento;
Fonte: dados da pesquisa (2020).

Ao observar a Tabela 12, percebemos que ela apresenta alguns traços capazes de
conduzir para uma análise consistente sobre as concepções de músicas de má qualidade que
são apresentadas pelos sujeitos pesquisados. Nesse processo, percebemos seis eixos que
permeiam suas narrativas e apareceram como indicadores dessas concepções na visão dos
professores. Desta forma, podemos destacar que estas percepções não surgem a partir de um
olhar isolado, elas se ancoram em elementos simbólicos historicamente construídos e
culturalmente consolidados por suas relações sociais, através de aspectos que foram
coletivamente negativizados. Diante disso, podemos compreender que a edificação destas
concepções de má qualidade parte de relações opostas que antagonizam o que é identificado
como bom, como positivo pelos sujeitos, e, com isso, passam a estruturar seus espaços de
representação sobre aspectos que são compreendidos como negativos por estes professores.
Estes eixos estão relacionados a alguns aspectos que envolvem baixa técnica, mal-estar, letra
ruim (depreciativa), erotização (sexo), sem importância cultural e o gênero musical funk.
Um aspecto interessante que identificamos ao observar essa análise – através de uma
ótica que indica uma oposição ao que os professores mencionaram como de boa qualidade –
foram as citações que falaram da técnica, da letra, do bem-estar e da importância cultural,
como podemos perceber na fala do Professor 3, quando ele destaca a música de má qualidade
como sendo uma música que tenha pouca variação rítmica (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14
out. 2019). Outros aspectos mencionados foram os apresentados pelos Professores 1 e 5, que
indicaram a de má qualidade como sendo uma música de consumo, ou música da indústria
cultural, como definiu o Professor 3. As concepções ligadas ao mal-estar, a aspectos negativos
188

foram observados nas falas dos Professores 3 e 6, quando destacam música de má qualidade
como aquilo que traz mal-estar (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019); ou que traga
pensamentos ruins (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Um ponto que merece
destaque foi a menção de música de má qualidade associada à letra, uma vez que esta fez
parte do discurso de todos os sujeitos entrevistados, como podemos observar nas falas do
Professor 1 quando destaca as letras que falem de cachaça […] (PROFESSOR 1. Entrevista
2, 16 out. 2019) e o Professor 5 que aponta as letras que falem palavrões (PROFESSOR 5.
Entrevista 1, 19 nov. 2019). Outras duas concepções de má qualidade musical que foram
apontadas foram relacionadas ao sexo e ao funk. Vale destacar que o funk e seus derivados
foram os únicos gêneros musicais citados nas narrativas. A menção relacionada às músicas
que trazem temas sexuais foram apontadas nas falas dos Professores 1, 2, 3 e 4, como
podemos observar quando os professores reconhecem má qualidade musical em letras que
falem da questão sexual (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019), ou em músicas que
envolvem erotização (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019). Já o funk, citado nas falas
de quatro dos seis entrevistados, apresentou uma forte relevância nos discursos que destacam
uma concepção de má qualidade musical. Podemos observar isso nos exemplos expostos
pelas falas dos Professores 2 e 4 quando eles destacam: o funk para mim é uma virose
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019), ou eu não canto funk (PROFESSOR 4.
Entrevista 2, 13 dez. 2019). Estas falas, indicam de forma direta uma percepção negativa do
gênero musical funk que mantém uma conexão com os elementos que o compõe, como a letra
e a dança. Desta forma, a concepção de música de má qualidade apresenta uma associação de
fatores comuns em torno da estrutura musical do funk que coloca a indicação desse gênero,
associado a outros fatores, como sendo o núcleo central das representações sociais da música
de má qualidade apresentada pelos sujeitos entrevistados no contexto desta pesquisa. Como
podemos perceber na apresentação do Gráfico 25.
189

Gráfico 25 – Relação das músicas de boa qualidade apresentadas pelos professores – Nuvem de
palavras (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Diante da análise desenvolvida a partir das relações hierárquicas observadas no


Gráfico 25, Nuvem de Palavras, podemos compreender que a centralidade do funk, como
apontamento de música de má qualidade, se destaca pelas relações que esta música tem com
diversos outros elementos que fazem parte da sua manifestação artística cultural, como é o
caso das letras – que usualmente envolvem temas provocativos que apresentam relações com
a violência, o sexo e as drogas no caso do movimento chamado de “Proibidão”68 – e das
danças que envolvem a manifestação musical. Desta forma, podemos notar que os elementos
periféricos que apresentam uma maior proximidade com o núcleo, como é o caso das “letras
ruins”, a “questão sexual” e a “música midiática” revelam características que não se resumem
ao funk, contudo, não se dissociam deles nas concepções dos professores. Com isso, os
elementos periféricos reforçam esta centralidade e ganham novas dimensões simbólicas diante
de uma imagem negativa que as representações sociais dos professores construíram sobre o
gênero musical funk.
Uma das concepções que está presente nas narrativas dos professores e que destaca
como suas relações conduzem as suas representações sociais de má qualidade musical, está

68
Para Guedes (2007, p. 78) o Funk Proibidão é conhecido como “um subgênero do funk que faz apologia ao
narcotráfico com exaltação das façanhas criminosas e violentas, e expressa o ódio e a morte dos seus
inimigos: a polícia e as facções rivais”.
190

relacionada ao fato de uma música com “baixa” qualidade técnica, como podemos observar
na fala do Professor 3.

Música de má qualidade é porque eu vejo a música como um fazer social,


né? Se eu for analisar só tecnicamente, fica fácil. Para mim, o que é uma
música de má qualidade, é uma música que tenha pouca variação rítmica,
pouca variação harmônica, poucos instrumentos, Que não desperta em você
um… bem-estar (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).

Essas representações são reforçadas à medida que ele destaca em seu discurso uma
concepção de má qualidade associada à pobreza de elementos musicais, quando cita o
“Passinho”69, um gênero musical derivado do funk, em uma perspectiva de exposição crítica
reflexiva para os estudantes.

Esteticamente falando, aquilo, [o passinho], pode ser considerado pobre


dentro de um certo modelo se eu for comparar, por exemplo, com uma
orquestra. Aí, eu coloco a questão da crítica por que considera isso pobre,
mas eu não entro nessa questão eu só mostro que existe essa questão e o
porquê dela existir. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).

Nessa fala, o termo passinho, citado pelo Professor 3, vai além da compreensão desta
expressão como dança, onde ele o traz para o campo da música a partir dos ritmos ligados ao
funk, como o brega funk, que está tomando conta das periferias de todo Brasil, e o proibidão.
Desta forma, podemos destacar que ao considerar o passinho como sendo pobre, através esta
associação com a orquestra, o professor apresenta também uma concepção negativa do
passinho através da técnica musical aplicada. Porém, ao expor, de forma direta, as suas
concepções de má qualidade musical, este professor enfatiza: má qualidade para mim, funk
proibidão. Ele vai no popular do que os meninos estão vendo. Funk, proibidão, passinho.
(PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019). A explicitação dessa fala evidencia a sua visão
de má qualidade musical associada ao funk e às estruturas musicais que derivam deste ritmo.
Ao trazer a dança, associada ao funk, para o espaço das discussões que envolvem as
representações sociais de música de má qualidade, destacamos a fala do Professor 2, uma vez
que ele traz esta relação entre a música do funk e a sua dança em uma concepção negativa.

69
O passinho é uma forma de dança legítima que faz parte da expressão cultural do funk carioca contemporâneo
e que, segundo Nascimento (2017, p. 39), transita entre a aceitação e a negação por parte de grupos sociais.
Atualmente, associado a uma das variações do funk, o brega funk, o passinho rompeu as fronteiras dos morros
carioca e ganhou espaços nas periferias das regiões metropolitanas de todo o país. O passinho “ganhou grande
visibilidade na mídia nacional, foi considerado Patrimônio Cultural do Rio e chegou a ser apresentado na
abertura das Olimpíadas em 2016 e no show de Beyoncé durante o Rock In Rio de 2013”. (BENTO, 2019).
191

Realmente, isso me incomoda. Eu não vou mentir, a dança do funk, eu não acho
uma dança elegante, por exemplo. Eu não acho. Eu não acho. Pode dizer que
eu sou preconceituoso, que eu sou moralista. É uma questão pessoal, eu não
acho interessante. Não me atrai. Eu não me sinto atraído por esse tipo de
dança. Eu acho vulgar. É meu ponto de vista. As gesticulações deixam bastante
claro que é apologia apenas ao sexo. É o sexo posto da mesa, na maioria dos
casos. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Nessa fala, o Professor 2 destaca as suas concepções de má qualidade musical ao


abordar a dança que faz parte do movimento cultural do funk sob uma ótica restrita, uma vez
que ele traça sua percepção do gênero associada a questões sexuais. Esta relação é reafirmada
em outra fala na qual ele enfatiza esta associação da música com o sexo, como podemos
perceber fala que segue: […] a banalidade, você trata sempre essa questão sexual dentro do
ponto de vista de banalidade, né? As pessoas não são apenas sexo. (PROFESSOR 2.
Entrevista 1, 27 set. 2019). Desta forma, as suas concepções de má qualidade musical
associadas ao funk, são externadas a partir da construção simbólica que os sujeitos têm deste
gênero através de suas associações à banalidade sexual.
Vale ressaltar que esta visão negativa lançada sobre as danças que envolvem o funk,
incluindo o passinho citado anteriormente pelo Professor 3, também pode ser percebida no
trabalho de Nascimento (2017, p. 40-49), quando a autora apresenta que alguns dos usuários da
rede social Facebook reagiram à indicação de uma apresentação da dança do passinho no Teatro
Municipal de forma agressiva, pejorativa, depreciativa, preconceituosa, excludente, racista, etc.
Desta forma, ela destaca, ainda, que o passinho, assim como o funk, acaba sofrendo alguns
estigmas de segregação cultural por parte de grupos sociais, assim como ocorreu com o samba
décadas atrás.
Outras reações que apresentam o funk como núcleo central das representações sociais
de música de má qualidade podem ser vistas nas narrativas dos Professores 2 e 4, onde eles
apresentam uma negação direta ao ritmo trazendo expressões que remetem a uma doença ou a
situações de mal-estar. Podemos destacar que estas concepções se configuram como uma
centralidade no discurso, à medida que nenhum outro gênero musical foi citado com esta
visão negativizada. Em sua fala, o Professor 2 destaca que o que a galera está manifestando
hoje é um vírus. Né? É uma virose. Funk hoje é uma virose. (PROFESSOR 2. Entrevista 2,
16 out. 2019). Já o Professor 4, enfatiza a sua relação de distanciamento com a música do
funk ao destacar: eu não canto funk sim. […] Mas não imponho, mas também não… eu corto.
“Aqui funk não, pronto”. Ou essas músicas nojentas que estão aparecendo piores ainda.
192

(PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019). Estas duas falas que foram as mais explícitas,
estão diretamente interligadas a uma construção socialmente partilhada que é constantemente
difundida sobre o gênero musical funk como podemos observar em alguns trabalhos que
abordam este tema (RODRIGUEZ, 2011; SIQUEIRA; 2015; PONTES; RIBEIRO, 2016).
Vale destacar que a esta representação social que reconhece o funk como uma música
de má qualidade se fortalece na medida em que uma onda de conservadorismo avança no
cenário atual em que vive a sociedade brasileira.
Desta forma, essa visão do funk que se fortalece como uma música de má qualidade, faz
parte de uma construção social enraizada em suas representações sociais que podem ser vistas
em diversos contextos, não apenas entre educadores musicais, haja vista que, em uma pesquisa
rápida pela ferramenta Google, podemos verificar que o funk atualmente conta com diversas
petições públicas que juntas já coletavam 1.263 assinaturas eletrônicas, até o momento desta
pesquisa, pedindo a criminalização do funk70. Esta visão negativizada do funk, que é
socialmente partilhada por diferentes grupos, muitas vezes ligadas a esta visão conservadora,
passou a ganhar tanta força no atual cenário político e social brasileiro – que além de petições
públicas pedindo a sua criminalização – ainda contou com uma Ideia Legislativa, que por ter
tido mais de 20.000 assinaturas, foi transformada em Sugestão71 (BRASIL, 2017). Esta
Sugestão, que visava criminalizar o gênero musical funk “como crime de saúde pública à
criança aos adolescentes e à família”, durante o período que esteve sob análise tramitando no
senado contou com 52.858 assinaturas eletrônicas para transformá-la em Projeto de Lei (PL)72.
Desta forma, podemos afirmar que o funk é alvo de ataques por diversos segmentos sociais,
uma vez que esse gênero traz consigo uma série de aspectos históricos e sociais que apontam
que o preconceito que existe sobre ele vai além das suas músicas.
Outras visões que envolvem o funk e que contribuem para a construção de suas
representações sociais como uma música de má qualidade por parte dos entrevistados, estão
nas associações que são feitas e que envolvem suas letras, como podemos observar nas falas
dos Professores 2 e 3.

70
Petições públicas criadas na internet com o objetivo de coletar assinaturas para criminalizar o funk.
Disponíveis em: https://www.change.org/p/presidente-jair-messias-bolsonaro-pela-
criminaliza%C3%A7%C3%A3o-do-funk ; https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=100FUNK ;
https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR108754 ;
https://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/36260; Acesso em: 16 jul. 2020.
71
Sugestão n° 17, de 2017. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/129233 Acesso em: 19 jul. 2020.
72
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu e decidiu não transformar a sugestão em projeto de lei, visto
que a comissão entendeu ser a matéria contrária à cláusula pétrea da Constituição Federal (art. 60, §4º, IV, que
proíbe qualquer redução dos direitos e garantias individuais previstos no art. 5º). (BRASIL, 2017).
193

Eu não acho que o que tem de errado na música seja o ritmo. Não é o funk que
é... que tem algo de errado, não. O que a gente tem que fazer[é] uma análise ao
conteúdo que geralmente é colocado no funk, ou seja, a letra das músicas, né?
Então, a gente precisa refletir sobre isso. Porque isso é uma questão de...
quando você não respeita o outro... é complicado você querer receber respeito
se você não respeita o outro, né? […] A gente vê um país afundando com tanta
coisa ruim, tanto sofrimento, eu acho de um egoísmo muito grande de você
chegar, sabe? Fazer uma musicazinha para a galera pular, para dançar, bicho,
olha, sinceramente eu acho isso animalesco, eu acho isso bizarro, eu acho isso
de um egoísmo, sabe? São pessoas extremamente... essas pessoas não vão
mudar em nada nesse país, essas pessoas não vão contribuir com nada.
(PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Nessa fala do Professor 2, percebemos uma relação de oposição que passa a conduzir,
também, suas visões de música de má qualidade à medida que ele destaca termos que são
relevante para a discussão, como “musicazinha” e “animalesco”. Entretanto, um ponto
interessante presente nessa fala é o fato de esse professor declarar que o que ele identifica
como “errado” no funk não é o ritmo, mas os elementos que envolvem seus conteúdos. Desta
forma, o ritmo do funk ao ser reconhecido como objeto simbólico musical pode ser aceito,
porém, as mensagens presentes em suas letras que transmitem conteúdos que vão de encontro
aos aspectos morais vigentes na sociedade atual, é o que qualifica este gênero como sendo de
má qualidade na visão dos sujeitos entrevistados.
A fala do Professor 3 traz, para a luz do debate, que a sua percepção negativa sobre o
funk está muito mais relacionada às questões sociais que envolvem este gênero:

Social, é mais social, porque tecnicamente ele, na minha visão, ele vem
perdendo elementos. Está ficando cada vez mais simples e está ficando cada
vez mais pobre o contato dos meninos com os elementos musicais devido
essa música, mas o que pesa mais nesse fator é o social que envolve
erotização, letra, tudo isso. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).

Mesmo reconhecendo que as concepções afetas à má qualidade musical relacionadas


ao funk também perpassam por questões técnicas – como destaca o Professor 3 –, fica
evidente, nas falas dos Professores 2, 3 e 4 que outros fatores ganham um destaque negativo e
passam a incorporar as construções simbólicas que envolvem esta música às suas concepções
de música de má qualidade.
Um aspecto bastante interessante que surgiu nas narrativas foram as indicações que
apontam para o funk como sendo uma música de má qualidade na medida em que destacam
que algumas músicas deste gênero, dependendo de suas letras, são inapropriadas quando
194

observadas sob a ótica do contexto escolar. Nestas colocações, os Professores 5 e 6 destacam,


em suas falas, que as letras que fazem parte de algumas destas músicas apresentam elementos
tidos como inconcebíveis para serem ouvidas no ambiente interno da escola, como podemos
observar na fala do Professor 5.

Por exemplo, o cara trouxe um dia desse um brega funk, “professor bote aí
para a gente escutar”, aí eu botei, só botei no início. Aí eu disse: “Ei bicho,
essa música não dá não para a gente colocar em sala de aula não. Leia, recite
só a letra aí para gente”. Aí ele fez: “ah, professor não vou recitar não. Ôxe, é
muito palavrão, muita coisa”. [Eu disse:] “Oxente, mas escutar você
escuta?” É tipo assim, quando está com uma música a letra está de boa, mas
se eu for só falar o que é que a letra diz, “epa, aí para, eu estou chamando
palavrão”. Entendeu? (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Nessa fala, percebemos que a letra se configura como o principal elemento periférico
que dá sustentabilidade para que o funk possa permanecer como núcleo central das
representações sociais de música de má qualidade. O interessante nessa narrativa é que ela
aponta que a relação com a letra perpassa as visões individuais lançadas pelo professor, uma
vez que os próprios alunos não se sentem à vontade para expor a letra da música que eles
mesmos vivenciam. Como dito antes, a fala do Professor 6 também revela estas relações
quando ele apresenta uma reação contrária ao funk devido ao teor da mensagem transmitida.
Às vezes eu gosto também de pegar uma música e deixar a música tocar, deixar que eles
aproveitem. Porque o que eles trazem, às vezes, eu veto, é intocável. Não pode tocar no
aparelho de som, não dá para colocar na escola não. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov.
2019). Ao ser perguntado sobre um gênero, ou nome de algum artista, o entrevistado
destacou: Rapaz, como exemplo, tem os artistas daqui mesmo que agora não lembro, mas que
eles falam, [são] daqui de João Pessoa73. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019). Vale
destacar que mesmo não usando diretamente o termo funk em sua fala, pudemos reconhecer a
relação com este gênero por ele ter indicado que estava falando de artistas locais que
produzem suas músicas ligadas ao movimento funk, como o batidão ou brega funk.
Outras representações sociais que surgiram nas narrativas e que apresentaram
indicadores de música de má qualidade, porém um pouco mais afastadas do núcleo, foram as
músicas relacionadas à indústria cultural, como podemos observar nas falas dos Professores 1

73
Diante do fato de o Professor 6 não recordar nomes de artistas, mas ter apontado para artistas locais,
perguntamos pelo nome de Gil Bala, uma vez que este é um dos artistas locais – que produz músicas com
batidas fortes derivadas do funk, pancadão e brega funk – que teve sua música amplamente difundida nos
últimos anos, principalmente nas regiões periféricas.
195

e 5. Vale destacar que estes indicadores de má qualidade estiveram presentes ao


compreendermos suas relações opostas a partir da análise que envolveu as concepções de
música de boa qualidade associadas à temporalidade e importância cultural. Nesta ótica, as
falas anteriores do Professor 1 conduzem para este olhar que traz a música mercadológica,
ligada ao consumo midiático, como sendo de uma qualidade inferior às que agregam uma
importância cultural. Podemos observar isso em sua fala quando destaca que o sucesso do
carnaval que você sabia cantar em 2018 [em] 2019 você esqueceu completamente.
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019). Desta forma, reconhece-se que uma música que
não tem uma importância histórica e que foi criada como um produto a ser consumido e
depois deixado de lado, possa ser compreendida com música de má qualidade como podemos
observar nas falas do Professor 5.

A gente tem uma série de músicas que você sabe que é feita... que a gente
chama [de] música para a indústria cultural, entendeu? É uma música que...
não tem a intenção de… trabalhar a realidade cultural. É uma música para
vender, entendeu? […] 90% da música que está aí é para gente com essa
perspectiva. É uma música que é para vender. Então, não é uma música que
vai provavelmente... daqui a cinco anos ninguém vai nem lembrar. [Se]
perguntar a música de carnaval, de cinco anos atrás, acho que ninguém nem
lembra mais que passou. […] Então, por exemplo, eu vou comparar uma
música Asa Branca, com as músicas que tem hoje, tem música hoje de forró
de plástico bem elaborado, mas não teve a função cultural que teve [Asa
Branca], entendeu? Então, é mais nesse sentido aí. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).

A partir destas falas, destacamos que a concepção de música de má qualidade ligada à


música da indústria cultural, traz consigo as representações que se fortalecem pelas
perspectivas de manutenção de uma ordem já estabelecida pelas relações culturais
consolidadas ao longo das suas histórias de vida. Diante dessa ótica, compreendemos que as
representações sociais conduzem um olhar capaz de idealizar diferentes visões de mundo
através de elementos que se aproximem ou se distanciem de um determinado objeto
simbolicamente construído, esteja ele em seu campo pessoal ou nos espaços opostos.
(JOVCHELOVITCH, 2011; VALSINER, 2015).
De modo geral, ao reconhecer o gênero musical funk como núcleo central das
concepções de música de má qualidade presente nas representações sociais dos professores
entrevistados, destacamos que esta centralidade é reforçada pelos elementos periféricos que se
conectam ao núcleo e que lhe dão sustentação, como podemos observar no Gráfico 26.
196

Gráfico 26 – Ligações dos termos relacionados às concepções de música de má qualidade – Análise


de Similitude (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

Ao observar o Gráfico 26, análise de similitude, percebemos que as conexões que


são estabelecidas nos dão a visão de como o gênero musical “funk” se estabiliza como
núcleo central das concepções de música de má qualidade diretamente associado ao
elemento periférico “letra ruim”. As associações que estes dois elementos fazem com os
demais expõem de forma ampla as dimensões imagéticas e simbólicas em que eles se
ancoram e como estas estruturas periféricas fortalecem as construções das representações
sociais dos sujeitos pesquisados. A associação a outros elementos diretamente interligados –
como “erotização”, “baixa técnica” e “música da indústria cultural” – que se estabelecem
como periféricos foi fundamental para a manutenção do núcleo.
As conexões apresentadas pelas diversas similitudes expostas no gráfico nos
conduzem para um olhar que possibilita o reconhecimento dos diversos elementos que
constituem as representações sociais que dão sustentabilidade para as concepções de música
197

de má qualidade apresentadas pelos professores. Desta forma, podemos observar que as


associações existentes entre “funk/baixa técnica”, “funk/simples/obres de elementos”,
“funk/letra ruim”, “funk/questão sexual”, “funk/músicas nojentas”, “funk proibidão/música
erotizada/passinho”, “brega funk/sem impacto cultural”, “brega funk/duplo sentido”, “letra
ruim/música midiática”, “conteúdo do funk/letra ruim/apologia ao sexo”, “letra ruim/dança
deselegante/conteúdo banalizado”, “música midiática/forró de plástico/sem função
cultural”, entre outros. Com base nestas conexões, podemos observar que a composição do
funk como núcleo central das representações sociais de música de má qualidade não se
estabelece por razões “puramente musicais”, ela dialoga diretamente com questões que
transpassam componentes básicos da música, como ritmo, melodia, harmonia, timbre,
densidade, forma, entre outros, e passa a centrar-se nas construções culturalmente
dimensionadas pelas relações sociais que se estabelecem diante de uma imagem histórica e
simbolicamente partilhada por diferentes grupos.
As relações de similitude presentes nas narrativas externaram as associações que
colocam o funk e seus derivados como o gênero musical apontado como objeto de
representação simbólica presente na centralidade das concepções de música de má
qualidade dos sujeitos pesquisados. Ao observar os recortes das falas de alguns dos
professores, vemos que essas associações não acontecem de forma aleatória: elas são parte
de um constructo social que partilha suas concepções em um processo que envolve um
inconsciente coletivo processado pelas percepções individuais partilhadas socialmente.
(JOVCHELOVITCH, 2011). Neste sentido, Rodrigues (2011) aponta que a relação com o
funk e a violência74 já se associava desde as primeiras décadas em que este gênero passava a
incorporar os elementos característicos da música brasileira (RODRIGUEZ et al 2011;
SIQUEIRA, 2015;).
Diante destes apontamentos, podemos identificar, na fala do Professor 3, uma síntese
de como estas representações são concebidas e partilhadas em uma estrutura que se fortalece a
partir de uma dinâmica socialmente estruturada.

74
O debate sobre a associação entre funk e violência atravessa a década e, em 1995, foi criada a primeira
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a relação entre funk e tráfico de drogas, o que gerou
a proibição de diversos bailes. O funk passou a ser vinculado à Secretaria de Segurança Pública desde então.
Somente em 2009, a Lei Álvaro Lins (5.625/2008), que restringia a realização de bailes funks no Estado, foi
revogada, passando a vigorar a Lei 5.543/2009, que reconhece o funk como movimento cultural.
(RODRIGUES; SODRÉ; ARRUDA, 2011, p. 418).
198

Agora, se eu pego um “Proibidão” da vida, vou pegar uma criança, vou


erotizar aquela criança, vou introduzir nela vocabulários que não condiz
com o vocabulário aceitável, que vai transformar ela, vai jogar ela dentro
de uma realidade que vai pegar aquela criança e fazer ela frequentar os
locais onde aquilo é tocado e cada vez mais aquilo vai caindo na sarjeta
social, cada vez que isso acontece para mim isso é música de má qualidade.
Eu acho a diferença entre o social da música e a técnica da música. […] se
for analisar como fazer social, a música para mim, de qualidade, não
necessariamente é uma música que tecnicamente é boa, entendeu?
(PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019)

Essa fala apresentada pelo Professor 3 mostra-nos diferentes relações que compilam as
concepções que são lançadas sobre o objeto simbólico funk, como erotização, tipo de
vocabulário, degradação social, além da questão da técnica. Ela revela que as concepções
podem estar relacionadas às variadas condições que os sujeitos estabelecem sobre o objeto
representado. O que o sujeito pode considerar como música de boa qualidade pode ser
condicionado às relações sociais ligadas à música e à finalidade que se pretende atingir com
ela. Desta forma, podemos compreender que a construção de uma representação social nunca
nasce de um único ponto; ela se estabiliza através dos vários diálogos, vivências, processos
etc., que envolvem os sujeitos que estão incorporados em uma sociedade.
Reconhecer as concepções de música dos professores fez-nos perceber como essas
relações se estabeleceram ao longo da vida, através da identificação dos significados
atribuídos à música dentro de uma estrutura que estabelece determinados valores simbólicos a
um objeto. Diante da identificação dessas concepções, percebemos como foram sendo
inseridas e consolidadas através das interações que os professores tiveram com o objeto de
representação música ao longo de suas vidas. As concepções de música estabelecidas a partir
da construção simbólica do amor, do sentimento, da técnica e do dom, identificadas como
elementos centrais que dividem os espaços imagéticos das representações sociais dos sujeitos,
evidenciam que a música não tem um único significado, pois está entrelaçada nas diversas
estruturas simbólicas construídas socialmente pelos membros da sociedade que partilham de
visões distintas sobre o mesmo objeto, mas que conectam e correlacionam suas percepções
com as demais visões compartilhadas no mesmo espaço da sociedade.
A concepção de amor nos remete à ideia de proximidade, afinidade e de intimidade no
relacionamento que cada membro tem com a música e como ela está presente nas relações
pessoais que eles vivenciam e compartilham seus sentimentos. A concepção de música como
vida permite reconhecer que essa relação é amplificada ao ponto de atingir níveis simbólicos
associados à própria existência. Identificar a música como algo vital, relacionada ao alimento,
199

à energia, ao ar, ou a algo tão mais intenso como correlacionar a música com a sua própria
vida revela uma visão, de certa forma, “romantizada”, mas que nos apresenta o objeto música
dentro de um espaço íntimo que é compartilhado socialmente. Ver a música como algo
fundamental para a vida, fez-nos perceber que a construção do objeto música passa pela
organização de símbolos que se estabeleceram como algo substancial e existencial.
Outras duas concepções que surgiram dividindo espaço na centralidade das
representações sociais dos sujeitos pesquisados foram a visão de técnica e de dom. Mesmo
parecendo opostas por natureza, uma vez que a técnica é conhecida como algo que parte de
uma construção solidificada por questões que envolvem repetições, estudos, aplicação na
música, entre outros – que podem ser almejadas e atingidas por qualquer indivíduo que se
proponha a investir esforço e tempo na aquisição desses conhecimentos –; e o dom é
percebido como algo inato, divino, transcendental, mágico que faz parte de uma condição
“privilegiada” na construção desse conhecimento, como percebido por Loiola (2015, p. 91)
quando destaca, em sua pesquisa, que a visão do dom pode ser vista tanto pela capacidade
inata de aprender quanto de ensinar música. “Portanto, o dom e o talento [musical] são
representados como uma facilidade dos vocacionados para o ensino e para a aprendizagem
musical, mas, segundo os professores, necessitam ser desenvolvidos e aperfeiçoados pelo
estudo e dedicação” (LOIOLA, 2015, p. 92). Desta forma, compreendemos que as concepções
de técnica e dom passam a dividir os mesmos espaços sociais diante da representação
simbólica do objeto música, e que estas percepções distintas do mesmo objeto consolidam os
conhecimentos presentes nas representações sociais desses professores.
Diante dessas concepções sobre o objeto símbolo música, direcionamo-nos para
reconhecer as representações sociais que contribuíram para a atribuição de valor ao objeto
música sob a ótica de música de “boa” ou “má” qualidade. Diante disso, pudemos perceber
que essas concepções de valor dialogam diretamente com representações simbólicas
atribuídas ao objeto música dentro de um olhar relacionado com os grupos aos quais os
sujeitos estão inseridos. Na identificação dessas representações, podemos perceber que a
relação entre os opostos – boa ou má qualidade – é estabelecida a partir das representações
que os indivíduos têm de si e das representações que eles constroem do outro (MOSCOVICI,
2015). Dessa forma, os valores passam a ser atribuídos pelas relações de proximidade que
cada grupo tem como determinado objeto. O que pertence a um e não pertence ao outro passa
a possuir valores distintos em suas representações, como podemos observar em todos os
campos que envolvem as relações sociais.
200

Partindo dessas ótica, pudemos notar que a concepção música de boa qualidade, que
teve sua centralidade apresentada na música popular conectada à boa letra, estava associada a
valores considerados positivos pelo grupo, como a mensagem que essa música traz e suas
relações com os aspectos afetivos e emotivos, construídos em ambientes como família, igreja,
escola etc., ou relacionados a mensagens que envolvem os sentimentos, o olhar crítico e as
visões de mundo que essas músicas transmitem através de suas letras, bem como a
importância cultural e os elementos técnicos construídos a partir dos processos de informação
musical, entre outros. Por outro lado, a música de má qualidade revela suas características nas
visões opostas de mundo por membros da sociedade em diferentes grupos. Dessa forma, essas
construções simbólicas que imputam um valor negativo à música são percebidas através das
relações com as mensagens negativas atribuídas às suas letras, à indicação de baixo
desenvolvimento técnico, à baixa importância cultural pelas relações com o mercado, entre
outros. Diante disso, podemos compreender que as concepções de música de má qualidade
presente nas narrativas dos professores entrevistados direcionaram-se ao gênero musical funk,
sendo associadas à percepção de letra ruim como um elemento que caracterizou o núcleo
central de suas representações sociais. Sendo assim, podemos concluir que essas concepções
de música são conduzidas diante das construções simbólicas estruturadas pelos
conhecimentos acumulados ao longo da vida de cada sujeito. E é nessa relação entre figura e
significados (MOSCOVICI, 1979) que essas representações emergem, possibilitando, assim,
as formações de imagens, nomes e formas que são atribuídas ao objeto representado.
201

7 CONCEPÇÕES SOBRE A MÚSICA TRABALHADA NA ESCOLA E SEUS


ELEMENTOS CENTRAIS

Ao investigar as concepções de música na perspectiva de reconhecer os vários


elementos que estão presentes nas representações sociais de professores de música da rede
pública municipal, passamos a conduzir um olhar para a compreensão das suas percepções
sobre a música na escola. Desta forma, nesse capítulo, utilizamos a TRS para pautarmos as
discussões que envolvem os aspectos considerados importantes para o desenvolvimento das
aulas de música na educação básica. A partir das concepções estabelecidas pelas
representações sociais de música dos professores entrevistados, traçamos um caminho que nos
proporcionou um panorama de como as suas representações sociais estão presentes e
constroem uma imagem do que seria relevante para o desenvolvimento de uma prática
pedagógica musical ideal para a escola. Para reconhecer tais elementos, buscamos identificar
os diferentes olhares que revelam suas visões sobre as aulas de música. Nesse processo,
identificamos formas, ferramentas e elementos utilizados pelos professores, através da livre
narrativa de suas histórias de vida. Essas informações deram-nos uma dimensão de como
essas representações sociais foram influenciadas e influenciadoras para o desenvolvimento de
suas concepções das aulas de música neste contexto.
Para o desenvolvimento deste capítulo, procuramos organizar e categorizar quais
estruturas simbolicamente construídas estão presentes nos discursos de professores de música
atuantes nas escolas públicas de educação básica. Nesse processo, categorizamos seis
indicadores das concepções dos professores que identificaram diferentes aspectos que
apontaram para o que é reconhecido como fator importante para ministrar as aulas de música
na educação básica, a partir das representações sociais dos professores questionados. A
organização destes itens nos permitiu uma estruturação capaz de indicar os elementos centrais
e periféricos que dão suporte para a construção e reconstrução das suas representações sociais.
A escola, por ser um ambiente coletivo – que tem como uma das suas funções construir e
socializar os conhecimentos – é um local onde as representações sociais são partilhadas,
construídas e reconstruídas através dos contatos com as novas realidades que se apresentam
cotidianamente. Desta forma, para poder identificar como os professores concebem a música na
escola, buscamos compreender os aspectos musicais, considerados importantes, a partir do que
eles apresentaram em suas narrativas como exemplos das músicas que são e que devem ser
trabalhadas no desenvolvimento das suas aulas na educação básica. Para isso, criamos a Tabela
13, onde organizamos citações de relatos dos professores referentes a estes processos.
202

Tabela 13 – Falas dos professores relacionadas às músicas trabalhadas no ambiente escolar


AS MÚSICAS TRABALHADAS NO AMBIENTE ESCOLAR
P1 P2 P3 P4 P5 P6
Para trabalhar na Aulas de músicas de Eu acho que Música Música instrumental [...] Mais contato
escola vem a fato; posso pegar um secular e a música clássica, né? com uma música,
questão da letra, Ter aulas específicas; instrumento real;, música de Escutar outra coisa com instrumento
né?; Ter aula de violão, ou Contato com a igreja, diferente; musical;
Trabalhar com a de teclado, ou de educação formal certo?; Trabalhar as letras; Teria que ter um
cultura popular baixo; em música; Música Fazer uma paródia local específico
[…]; Valorizar mais o que Existe o conteúdo evangélica Trabalhar a questão de para a aula de
Um período o aluno está formal de música. [temática]; ritmo também, dos música;
clássico da querendo; […] isso deveria música elementos; Músicas que
música; Mostrar um funk aqui ser apresentado; evangélica de O que é que se propõe a digam alguma
Falar sobre o […] que fala de Ter um contato criança; letra, o que é que fala a coisa para eles;
regionalismo e a valores; maior com a Chico letra; a música mais
vivência dos a gente explora [...] a música através Buarque Trabalhar samba, clássica do
alunos; arte sacra, música da dança; numa versão trabalhar frevo, universo Popular
Mostrar outras sacra, a Idade O que eles de Carrossel; trabalhar forró; brasileiro;
coisas; Média; querem dançar é Trabalha um artista, aí o Também aquela
Tocar o que Valorização da o passinho; artista pode fazer samba, coisa do funk,
vivenciou na música local. Os Fazer uma funk, tal, entendeu?; das coisas dele;
família, ou as ritmos brasileiros; mostra cultural Atividade de música do Uso as músicas,
músicas do Expandir também, onde tenha várias mundo, assim, de tudo,
mundo; para outras músicas; formas de Músicas tradicionais de buscando sempre
Mostrar para o eu acho que é apresentação; cada região; a época;
aluno que não é só importante […] ver a Apesar de não Evito trabalhar músicas Partir para a
o que toca no questão da letra; gostar [...] que está na modinha; história da
rádio ou o que Música clássica, [...] gospel; Coisas que eles sozinhos música;
aparece no maioria dos desenhos Consegui unir os não iriam descobrir; a gente não tem
YouTube; animados [...] eram dois mundos; Trabalhar as músicas o espaço
Muito válida essa com música clássica; das igrejas com eles, específico para
questão de pensar Uma sala com isso;
a música popular; instrumentos
musicais, né?;
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao analisar a Tabela 13, observamos que as narrativas dos sujeitos pesquisados


revelam um olhar para as músicas que os professores utilizam nas aulas de música, a partir de
diversos pontos que dialogam entre si e que estão inter-relacionados com as suas concepções
de música de boa qualidade, presentes no subtópico 6.2.1. Estas relações são estabelecidas
através das dinâmicas que envolvem e interligam as concepções de músicas e a prática
docente na educação básica dos sujeitos pesquisados, destacando, assim, fatores como as
letras das músicas utilizadas, as dimensões técnicas e históricas que envolvem a música por
meio de aulas específicas de instrumentos e de conteúdos formais de música, as suas ligações
com os elementos culturais, com a música popular, bem como as músicas que fazem parte da
vivência dos alunos, a música religiosa, e a perspectiva de construção de novos repertórios.
Diante disso, podemos observar que as ligações que envolvem as concepções
de músicas que devem ser trabalhadas nas aulas relacionadas à letra, estão indicadas em
termos que se associam ao seu conteúdo, à sua mensagem, às visões que envolvem a
203

criticidade, entre outros, como nos exemplos das narrativas da maioria dos professores:
Mostrar um funk aqui […] que fala de valores (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019); O
que é que se propõe a letra […] (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020); Músicas que
digam alguma coisa para eles (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Vale lembrar que
esta relação com a letra se apresenta de forma intensa, uma vez que se manifestou também ao
abordarmos as concepções de música de boa qualidade. Outros aspectos que apareceram de
forma muito intensa nas falas dos professores foram os que envolvem as aulas específicas de
música. Estes tiveram suas associações com indicadores como o contato direto com
instrumentos musicais, aulas de instrumento, elementos musicais, história da música, entre
outros. Estas correlações podem ser verificadas nas falas da maioria dos professores, como
nos exemplos que seguem: aulas de músicas de fato (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set.
2019); Existe o conteúdo formal de música. […] isso deveria ser apresentado (PROFESSOR
3. Entrevista 1, 27 set. 2019); Trabalhar a questão de ritmo também, dos elementos
(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2019); Mais contato com uma música, com
instrumento musical (PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Outras conexões que são
explicitadas indicam uma ligação com a perspectiva do desenvolvimento de um trabalho
voltado para a música popular, através das menções aos ritmos, às danças, aos movimentos
culturais, entre outros. Estas ligações podem ser percebidas nas falas de cinco dos seis
professores, como podemos verificar na fala do Professor 1, quando destaca que é muito
válida essa questão de pensar a música popular (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019);
ou do Professor 2, quando aponta para a importância da valorização da música local. Os
ritmos brasileiros (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019); ou do Professor 3, quando
indica que os meninos poderiam a ter um contato maior com a música através da dança
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019); ou do Professor 5, que direciona para a
perspectiva de se trabalhar um artista, aí o artista pode fazer samba, funk, tal, entendeu?
(PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020). Ou ainda quando o Professor 6 destaca a
possibilidade de realizar trabalhos com a música mais clássica do universo popular brasileiro
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).
Outro aspecto que esteve presente nas narrativas foram as questões que envolvem as
vivências musicais dos alunos. Estas tiveram suas conexões com o tipo de música vivenciada
na família, com as expressões da dança, com as músicas que fazem parte das suas playlists
etc. Neste sentido, os professores destacam que o trabalho musical deve tocar o que vivenciou
na família (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019); ou valorizar mais o que o aluno está
204

querendo (PROFESSO 2); ou ainda que devem ser abordadas as relações com as músicas
ligadas às danças, como salienta o Professor 3, o que eles querem dançar é o passinho
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019); e também aquela coisa do funk, das coisas dele
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019). Um dos pontos significativos que foram
abordados, e que merece destaque nas narrativas, foi a perspectiva de trazer para o
desenvolvimento dos trabalhos musicais uma aproximação com os mundos musicais alheios
às vivências dos alunos. Esta busca por apresentar “músicas novas” está relacionada com a
perspectiva de introduzir novas escutas, que possam ir além das músicas vinculadas nos meios
midiáticos, como rádio, TV, YouTube, entre outras plataformas. Podemos constatar estas
relações nas falas dos Professores 1, 2, 3, e 5, à medida que destacam que o trabalho musical
deve mostrar para o aluno que não é só o que toca no rádio ou o que aparece no YouTube
(PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019); ou Expandir também, para outras músicas
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019), bem como apresentar Coisas que eles sozinhos
não iriam descobrir (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov. 2019). Ou ainda estabelecer laços
que consigam promover uma relação que unifique diferentes mundos musicais, como na fala
do Professor 3, quando destaca consegui unir os dois mundos (PROFESSOR 3. Entrevista 1,
27 set. 2019). Já a música religiosa – que associamos a termos como “sacra”, “gospel”,
“evangélica” e “da igreja” – também foi um dos pontos que recebeu destaque por quatro
dentre os seis professores entrevistados. Podemos verificar essas relações em falas como as do
Professor 2, quando refere que aborda em seu trabalho temas como arte sacra, música sacra,
a Idade Média (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019). Ou ainda na fala do Professor 4,
ao indicar que trabalha com música secular e música de igreja [...] (PROFESSOR 4.
Entrevista 2, 13 dez. 2019), bem como na fala do Professor 5, quando afirma o interesse em
trabalhar as músicas das igrejas com eles [os alunos] (PROFESSOR 5. Entrevista 1, 19 nov.
2019). A partir das indicações apresentadas na análise da Tabela 13, identificamos três
aspectos que mantêm uma relação de centralidade, presentes nas representações sociais das
concepções de música que os professores entrevistados consideram importantes para serem
trabalhadas no ambiente escolar. Os três aspectos que se destacaram, dividindo esta
centralidade, foram a “letra das músicas”, as “aulas específicas” e a “música popular”, como
podemos observar na distribuição hierárquica destas relações expostas na análise do Gráfico 27.
205

Gráfico 27 – Relação dos aspectos considerados importantes para serem trabalhados nas aulas de
música – Nuvem de palavras (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao analisar o Gráfico 27, Nuvem de Palavras, percebemos que o direcionamento pelas


“aulas específicas” divide um espaço hierárquico com as “letras de música” e a “música
popular”, na centralidade das representações sociais que apontaram para os aspectos
importantes para o desenvolvimento das aulas de música. Estas estruturas centrais destacam-
se nas falas dos professores, à medida que eles apresentam suas concepções sobre as aulas de
músicas pautadas em aspectos que se relacionam diretamente com as práticas pedagógicas.

7.1 Aulas específicas de música

Contrapondo-se à questão da polivalência e à atuação como professor de Arte, já


discutida no item 5.2.2 as concepções que envolvem as aulas específicas como um aspecto
importante a direcionar as aulas de música na educação básica estão presentes de forma
bastante explícita nas falas da maioria dos professores. Como podemos identificar,
manifestam-se pelas menções às práticas instrumentais ao analisarmos as falas dos
Professores 2, 3 e 6.

A gente precisaria de um fundamental I com aulas de músicas de fato, com


instrumentos musicais. Com instrumentos musicais e não só isso, eu acho
206

que a gente [deveria melhorar]75 o fundamental I com escola integral, onde


houvesse instrumentos musicais, onde os alunos tivessem contato com esses
instrumentos. […] Eu adoraria ser professor de música mesmo, dar aula de
música, dar aula de violão de teoria, da música de história da música,
história das Artes, no lugar onde as pessoas que vão para lá estão querendo
isso. Eu adoraria isso. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).
Aí, vem aquela visão que tem na Universidade e que tem na escola pública,
você tem que trabalhar música popular, você tem que trabalhar com
instrumentos artesanais. E eu, particularmente, acho que pode ser ao
contrário. Eu acho que posso pegar um instrumento real, mostrar o meu
aluno, ele não precisa necessariamente saber qual é a técnica, pelo nome,
mas ele conseguiu executar, que eu vou extrair o máximo dele.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
Na área de artes, [...] o dia a dia tira da gente aquele... aquela coisa de
querer fazer, fazer mais arte. A gente termina passando uma coisa mais
teórica, mas sabendo que quando o aluno está com a mão na massa ele
aprende mais arte do que vendo ou pensando. Tem que fazer, lógico que no
ato de fazer ele está pensando, ele está construindo uma história uma coisa
na cabeça dele, mas ele também está fazendo, né? A coisa na prática. Eu
lembro de uma coisa que Hermeto Pascoal dizia, que as escolas de música
tinham que ser o contrário, dava logo o instrumento ao menino depois que
ele tivesse tocando era que ia para o... para ensinar a leitura, a teoria. Que
é bem o que a banda de música acaba fazendo. E eu acredito nisso.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Essas falas evidenciam, diretamente, como as concepções das aulas de música na


educação básica, pautadas sobre a prática instrumental, estão presentes nas narrativas dos
Professores 2, 3 e 6. Vale destacar que as suas concepções estão relacionadas com os aspectos
que envolvem uma visão de música associada ao desenvolvimento técnico instrumental como
um direcionamento idealizado das aulas de música. Podemos observar isso, de forma enfática,
na fala do Professor 2 quando ele destaca o termo “música de fato”, defendendo, assim, a
proposição de um trabalho pautada diretamente sobre as perspectivas de tocar um
instrumento. A fala do Professor 3 apresenta um destaque interessante pelo fato de trazer, para
este discurso, as suas representações simbólicas construídas sobre os direcionamentos da
formação docente sobre as aulas de música na educação básica. Desta forma, além de
confrontar as perspectivas que envolvem os processos formativos dos professores, ele passa a
ter uma visão mais centrada na concepção de técnica musical, associada à música
instrumental, o que, de certa forma, dimensiona a aula de música à prática instrumental,
limitando, assim, a abrangência dessas aulas. Já na fala do Professor 6, percebemos que ele
aponta para uma perspectiva pautada na aula prática como um processo de construção de

75
Trecho adaptado pelo autor para poder adequar a estrutura da narrativa.
207

conhecimento mais significativo, direcionado pela ótica de que, através do contato direto com
o instrumento, o aluno passa a associar o conhecimento de forma mais consistente.
Outros aspectos que foram identificados estiveram presentes nas falas do Professor 3,
quando destaca suas concepções de técnica musical, da educação formal, como uma
perspectiva que deva ser abordada nas aulas de educação básica.

Quando [a gente] está na escola, a gente está no ambiente formal de


educação. Existe o conteúdo formal de música. Eu acho que isso
deveria ser apresentado. E isso é meio que renegado. […] Todos os
meus alunos, de toda a segunda fase, do 6º ao 9º ano, todos eles leem
as três claves, e todos eles conseguem dividir até as semicolcheias. Eu
não passo disso, e isso são exercícios simples, mas eles precisam ter
contato, saber que existe. Ver aquilo ali, todos eles. E eu não vejo
dificuldade com isso com os alunos. [...] Parece uma ONG a escola.
Eles querem que a gente sente no meio do chão, com os meninos no
barro, fazer os meninos vivenciar... Eu sou chato nesse ponto. Assim, se
Mozart, Beethoven, Tchaikovsky, Vivaldi, Chopin, Bach, ele tiveram,
pelo menos o mínimo, que a gente sabe que não foi o mínimo, mas
tiveram muito contato com a educação formal em música. Eu acho que
a gente pode promover isso com os meninos. Eu acho que pode, e eu
acho que deve. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Podemos compreender que essa fala não traz apenas as indicações de aspectos
considerados importantes para o desenvolvimento das aulas de música na educação básica.
Ela se ancora em uma relação direta com as estruturas formais de aprendizagem musical
percebidas como importantes na construção de suas próprias representações sociais de
música. Neste sentido, podemos compreender que estas concepções são pautadas em questões
que transitam por discursos simbólicos que foram estruturados e solidificados pelos diversos
processos formativos pautados em perspectivas técnicas que fizeram parte de sua formação
como músico e como professor de música. Diante disso, podemos notar que o olhar lançado
para o processo educativo musical passa a sofrer influências dessas estruturas mais tecnicistas,
historicamente idealizadas, sobre práticas musicais que envolvem habilidades específicas.

Na segunda fase é praticamente impossível fazer [música] com os meninos,


porque a demanda é muito grande das minhas atividades. Então, quase não
consigo fazer. Quando consigo é São João. Reúno um grupo de alunos,
promovo, toco com esses alunos, eles têm contato com o repertório que vão
tocar. Os outros, eu apresento o repertório, mas não fazendo música, não
experimentando música. Só [com] aqueles que já têm uma certa habilidade.
[…] A grande demanda que eu tenho de alunos com vocação musical,
vocação não, com habilidades naquele momento, estão no turno da manhã.
208

Eu tenho inúmeras meninas que cantam, [mas] que não conseguem se


apresentar. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Podemos identificar, na fala do Professor 3, a presença das suas representações sociais


de música ligadas à ideia de um aprendizado musical que se desenvolve a partir de uma
habilidade prévia, o que poderíamos relacionar com a visão de talento, de dom, apresentadas
anteriormente no subtópico 6.1.4, quando abordamos as concepções de música. Isto se
evidencia em sua fala ao apontar para atividades musicais com foco na realização de
apresentações em períodos festivos, desenvolvidas apenas com os alunos que já
apresentassem previamente alguma habilidade musical.
Outros aspectos relacionados diretamente às aulas específicas de música no contexto
da educação básica podem ser observados nas menções das falas dos Professores 2 e 6, ao
abordarem a visão de lugar específico para as aulas. Nessa perspectiva, o Professor 2 ressalta:

Eu acho que a gente, no Fundamental I, deveria ter mais aulas práticas de


instrumento. Uma sala com instrumentos musicais, né? Para que o aluno
aprendesse um [instrumento]. E isso fizesse parte do cronograma do
Fundamental I. Eu acho que era fundamental. E claro que, no Fundamental
II, poderia também haver uma continuidade. Eu sou contra essa... que a
nossa carga horária seja toda preenchida apenas em sala de aula, com
aulas teóricas, né? E a gente não ter um espaço para desenvolver aulas
práticas. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019)

Nesta fala, podemos observar claramente uma relação direta entre aulas práticas de
música e espaços específicos para o seu desenvolvimento, perspectiva também observada em
Westrupp (2012, p. 70). Diante disso, reconhecemos que as suas representações sobre a aula
de música são pautadas em uma construção simbólica pré-estabelecida e solidificada sob a
ótica música/instrumento, fazendo com que o professor mantenha uma visão distante da
aplicabilidade das aulas práticas de música na estrutura educacional da educação básica. Já o
Professor 6 tem sua fala sobre o local como um dos aspectos considerados importantes na
perspectiva do desenvolvimento das atividades em harmonia com outras disciplinas no
ambiente escolar:

A gente teria que ter um local específico para a aula de música. Se você não...
se não pudesse ter o instrumental, […] eu não acredito que esse instrumental
seria muito problema, o problema é o professor de música ter o seu local e ter
especificamente professor de música. […] mas quando eu falo de local, uma
sala, mas que seja um local afastado da sala de aula normal, ou pelo menos
tratada acusticamente, porque não vai atrapalhar as outras [aulas]. […] Eu
pegava os instrumentos da banda marcial, que ficava bem distante, mas o
209

pessoal ainda começou a reclamar: “professor, está muita zoada, não sei o
quê”. Tentei fazer percussão corporal, às vezes eles gostavam, mas depois
dizem: “professor, hoje não vai fazer isso, não. Por que o senhor não bota um
funk aí para a gente escutar?” Tentei botar um funk, mas depois foi
desestimulando. [...] Aí parei e disse: “olha, não dá, não tenho local, não tem os
instrumentos […]”. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019).

Nesse trecho, o Professor 6 destaca a importância do local como uma estrutura básica
para o desenvolvimento das aulas, uma vez que apresenta a ausência de um local específico
como algo que gera problemas na organização da instituição escolar. Assim como o Professor 2,
ele também apresenta uma relação entre o espaço e as práticas instrumentais sobre a perspectiva
do lugar “adequado”, à prática instrumental e à propagação do som no ambiente escolar.

7.2 As letras das músicas

A análise do núcleo central das representações sociais dos professores identificou


também as letras das músicas como um dos aspectos que dividem a centralidade e assumem
um papel de destaque na estrutura hierárquica destas concepções. Ao assumir um local de
centralidade ao lado das aulas específicas e da música popular, as letras mantiveram um
diálogo direto com estes dois aspectos na construção das representações. Podemos
compreender melhor essas proximidades ao analisar a fala do Professor 5:

Geralmente, a gente trabalha mais a questão da apreciação mesmo, escutar


de forma livre. Mas eu vejo a possibilidade de você pegar uma música dessa
e trabalhar letras, explorar para a questão da letra, o que é que trabalha,
né? Fazer uma... fazer uma paródia também em cima, a gente já fez, já. Não
em cima do brega funk, mas de outras músicas, né? De Jackson do Pandeiro
a gente fez, a questão da paródia, fez até umas gravações, coisa e tal. Mas é
uma possibilidade de você trabalhar com paródia, trabalhar a questão de
ritmo também, dos elementos que estão ali empregados, da estrutura da
música. A questão também da letra. O que é que se propõe a letra, o que é
que fala a letra, qual é o tema, entendeu? O que é que remete, é uma
possibilidade de se trabalhar. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).

Vale destacar que a abordagem do Professor 5 traz um olhar voltado para o trabalho
musical pensado para a educação básica associada, diretamente, às letras das músicas. A
indicação do uso de atividades musicais envolvendo a construção de paródias apresenta-nos
uma ligação entre o uso da letra e as estruturas musicais específicas. Outros olhares lançados
sobre as letras das músicas que podem ser compreendidos como aspectos importantes diante
das concepções dos professores podem estar conectados às representações sociais do próprio
210

ambiente escolar, seus acordos, suas normas, suas estruturas já consolidadas ao longo de sua
existência.

Eu acho, primeiro, existem as músicas e existem as canções, né? Quando a


gente escolhe uma canção para trabalhar na escola, vem a questão da letra,
né? Da poesia mesmo, do texto, da letra. A gente evita algumas músicas
para o contexto escolar, de letras que falam de cachaça, de rapariga76, de
droga, né? [risos] A gente entende, isso é um acordo total, assim, direção,
orientador, que algumas músicas são inapropriadas para a idade, para o
contexto, para o próprio ambiente escolar, para o trabalho que se quer
construir. Isso é o primeiro filtro da questão de música de qualidade. Não é
porque existem músicas melhores do que outras, [mas] eu acho que tem um
referencial, nesse caso, o referencial é a escola, a criança, os pais, aquele
contexto escolar. (PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Essa fala do Professor 1 é fundamental para a compreensão desta centralidade, pois


destaca a letra como um dos aspectos mais relevantes para o desenvolvimento do trabalho
musical, especialmente no contexto escolar da educação básica. Ao trazer a letra para a
discussão, percebemos que ela é constantemente associada a diversos outros fatores que
envolvem as questões familiares e sociais que dizem respeito aos alunos e à escola.

A gente opta por canções que não... que não têm esses temas, né? Mesmo
sabendo que alguns pais escutam música de cangaia77, de cachaça, de tudo.
E a música dele é essa. E não vai cantiga de roda nem a pau. Por exemplo,
dentro de casa, mas é o que a escola... a gente enquanto escola tenta fazer a
nossa parte, né? (PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Ao abordar temas ligados a “cachaça”, “rapariga” e “drogas” como algo inapropriado


para o ambiente escolar, o Professor 1 destaca a importância de estabelecer filtros para a
escolha das letras das músicas. Na mesma direção, o Professor 2 destaca a letra como um dos
aspectos ideais para serem trabalhados na escola, tendo como base a perspectiva da
mensagem transmitida:

Eu procuro chegar, quando eu vou trabalhar uma música, “Olha gente essa
música aqui, ela passa essa mensagem, o que é que vocês acham disso”? E
tem funcionado, tem aula que eu tenho dado, assim, falando sobre isso, que os

76
A palavra “rapariga”, que nos dicionários de língua portuguesa significa jovem do sexo feminino, moça,
menina, apresenta no contexto informal regional outro significado. Neste contexto, a utilização regionalizada
e pejorativa de “rapariga” significa prostituta.
77
O termo “cangaia” é uma expressão informal, usada no Nordeste brasileiro, derivado da palavra “cangalha”.
Entretanto, no contexto da narrativa, “cangaia” refere-se a uma outra expressão conhecida coletivamente pela
população local como indicação de traição conjugal. Exemplo: “levou uma cangaia”, ou seja, foi traído.
211

alunos chegaram batendo palma assim: “Professor, que massa, não sei o
quê”. Então, isso é muito importante, a gente ter essa consciência de valores,
de ética, assim. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Esta visão trazida pelo Professor 2 pauta as letras das músicas como um elemento de
reflexão, reconhecendo este aspecto como uma ferramenta importante para a promoção de um
olhar crítico sobre o objeto música. Desta forma, a relação com a mensagem através da letra
divide os espaços de representação social com as aulas específicas – que têm por base a
prática instrumental – como os aspectos considerados importantes em um trabalho musical na
escola. Mas vale ressaltar que essa abordagem que coloca a letra das canções como sendo um
dos aspectos relevantes também pode promover um distanciamento com a vivência musical dos
alunos e suas práticas musicais cotidianas, como podemos perceber na fala do Professor 4:

Depende do funk. Qual é o funk? “Não! Aqui a gente não canta” […]
Quando termina minha aula: [os alunos falam] “tio, bota aquela música”.
“Não, esse aqui é proibido, essa não toca não, só as outras, essa não
toca”. Não toco, não estimulo […]. Posso estar errado, mas botar, eu não
sei. Mas é a forma que eu trabalho, é como eu vejo. (PROFESSOR 4.
Entrevista 2, 13 dez. 2019).

Esta fala se interliga diretamente às concepções de música de má qualidade, que


colocam o funk como núcleo central dessas representações sociais, refletindo de forma muito
clara como estas concepções são incorporadas em suas práticas docentes. Um outro exemplo
desta relação é a fala do Professor 3, quando declarou que havia uma dificuldade em trabalhar
determinados tipos de música devido às suas letras:

Eu não consigo escutar por exemplo: o “Passinho”, por conta da letra.


Então eu vou no ritmo. Aí, eu tenho que achar soluções que eu não perco
esse meu aluno. Então vou tentar no ritmo, eu vou no ritmo, eu vou buscar,
eu vou mostrar os elementos africanos que estão embutidos ali. Aí
[apresentar] os outros elementos também e fazer a comparação [sobre
porque é] que muita gente diz que aquilo é pobre ou aquilo é rico.
(PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14 out. 2019).

Um ponto interessante que podemos observar nesta fala está destacado na aversão à
música do passinho. Entretanto, na sequência de sua fala, o Professor 3 informou que acabou
buscando elementos capazes de dialogar e possibilitar o trabalho com a música dos alunos
através de estruturas comuns às duas realidades. Este direcionamento, pauta-se em um
processo que busca conversar entre grupos opostos através de um processo de ancoragem que
212

identifique similaridades que possam quebrar o antagonismo entre as partes. Esta busca por
um diálogo entre a música do professor e as músicas dos alunos corroboram a perspectiva de
“sacrifício” (DUARTE, 2011), na medida em que o professor passa a buscar mecanismos e
estratégias para reduzir o seu distanciamento pessoal com as mensagens presentes nas letras
das músicas vivenciadas pelos alunos. Como podemos verificar na fala do Professor 6,
quando ele destaca que não dá para colocar [a música dos alunos] no repertório. Dá, se for
discutir porque que tem isso na música. Até já aconteceu de conversar isso, mas também não
é uma coisa recorrente. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019). Neste trecho, o
professor apresenta uma receptividade para poder usar as músicas dos alunos como uma
forma de trazer para uma discussão crítica reflexiva as temáticas que envolvem estas músicas.
Este ponto é interessante haja vista que, mesmo achando inapropriadas as músicas que os
alunos consomem, elas podem ser utilizadas como objeto de construção de conhecimentos
musicais articulados com os diversos acontecimentos que se cruzam em seu cotidiano.
Podemos encontrar, na fala do Professor 2, uma aproximação com o exposto
anteriormente, ao passo que ele busca por um alinhamento com a música vivenciada pelos
alunos, estabelecendo, com isso, possibilidades para um trabalho de educação musical na
escola em que sejam contempladas algumas de suas expectativas e as dos alunos.

É claro que tem muitos funks [que eu] sei que têm letras muito boas, como
por exemplo “eu só quero ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu
nasci” [cantando]. De você reafirmar a sua identidade. Então, isso é uma
coisa. Aí é que entra a nossa capacidade de chegar, “gente eu não sou
cantor de funk. Olha, vou mostrar um funk aqui para vocês que a gente pode
trabalhar em sala de aula, que fala de valores, que fala de identidade”. […]
Tem que ter um certo senso crítico, né? Então, eu acho isso. […] Você pode
pegar duas músicas, pegar um funk desse cujo conteúdo é a banalização do
outro, e você pegar um conteúdo poético e, simplesmente, você pode levar os
dois. Eu digo gente: “vamos trabalhar essas duas músicas, eu quero que
vocês falem sobre o ponto de vista de vocês. O que é que vocês acham sobre
esse tipo de música?” (PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Destacamos a importância desta fala nas discussões das representações sociais por ela
trazer, para o debate, o olhar sobre o gênero musical funk que foi identificado como núcleo
central das representações de má qualidade musical (subtópico 6.2.2 deste capítulo) e a sua
aplicabilidade em um processo de ensino/aprendizagem musical sob a perspectiva da letra.
Entretanto, vale destacar que, ao trazer este gênero como um indicador de material musical
que pode ser abordado em sala de aula, o professor não direciona para o funk que ele
identifica nas músicas vivenciadas pelos alunos atualmente.
213

Assim, o professor passa a manter um contato com a música dos alunos trazendo um
funk que possa contribuir com novos conhecimentos, que se apresente como algo novo, que
possa ampliar o horizonte musical através do funk crítico, do funk consciente78, como um
exemplo das músicas adequadas para o contexto escolar, uma vez que este formato de funk
traz, em seus temas, questões mais críticas da sociedade. Esta abordagem leva a uma
ancoragem que contribui diretamente para um processo de construção de novos
conhecimentos capazes de ser construídos de forma mais harmoniosa.

7.3 A música popular

A “música popular” foi o terceiro elemento que fez parte da centralidade e dividiu o
núcleo central das representações sociais dos professores sobre os aspectos que são
considerados importantes para trabalho de música na educação básica. Podemos compreender
que esta centralidade da música popular está associada diretamente com as representações
sociais de música de boa qualidade dos professores, uma vez que fazia parte do seu núcleo
central. Dessa forma, as representações sociais de música de boa qualidade se refletem
diretamente nos materiais que os professores consideram importantes para se trabalhar no
ambiente escolar.

Na minha opinião, eu acho muito válida esta questão de pensar a música


popular. Eu penso em seguir algo com a música popular que foi o que me
formou como professor, né? Alguma coisa neste sentido. Eu vejo que muitas
das músicas daquela época, que eu ouvia e tocava música, eu ainda utilizo.
Não sei se o meu principal repertório é o [didático] ou muito do [que eu ouvia
na época] de adolescente. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Esta fala é interessante, uma vez que revela claramente como as representações sociais
do professor direcionam a sua visão de música ideal para ser trabalhada na escola: ele passa a
trazer para as aulas o que concebe como música de boa qualidade. Esta visão é reforçada pela
fala do Professor 2, quando valoriza os ritmos brasileiros.

Na verdade, eu acho que deve ter a valorização da música local. Os ritmos


brasileiros, você valorizar isso, a história do Brasil, do lugar que você vive,
dos ritmos, artistas locais. E expandir também para [outras] músicas. Eu

78
“O funk consciente, também chamado de ‘neurótico’, se aproxima tematicamente do rap, com letras críticas,
dramáticas, engajadas, politizadas, ácidas, muitas vezes agressivas, fazendo uma crônica dura do cotidiano das
favelas e expressando reivindicações sociais”. (CYMROT, 2011, p. 120).
214

não tenho fronteiras com ensinamento, acho que todo ensinamento, ele é
bem-vindo. (PROFESSOR 2. Entrevista 2, out. 2019).

Podemos observar que as relações estabelecidas entre as suas concepções de música de


boa qualidade e as músicas utilizadas na escola se aproximam, pois o Professor 2 traz, para a
discussão, elementos que estão em sintonia com as suas próprias representações sociais de
música de qualidade. Assim, estão sintetizados, de forma bem sólida, os elementos que fazem
parte da centralidade dos aspectos considerados importantes para serem utilizados nas aulas
de música.
Porém, além desse aspecto, podemos encontrar outros que fazem parte da região
periférica: a aproximação com a música do aluno e a perspectiva de ampliação do universo
musical dos alunos. Neste sentido, o Professor 5 apresenta, em sua narrativa, elementos
ligados às estruturas da música popular:

Rapaz, geralmente quando eu vou fazer é por gênero, entendeu? Por


exemplo, ah, hoje a gente vai trabalhar samba, trabalhar frevo, trabalhar
forró. Então, geralmente eu tenho que trabalhar com gênero, né? Ou então,
artistas. O cara trabalha um artista, aí o artista pode fazer samba, funk, tal,
entendeu? Geralmente é esse critério, assim. Por exemplo, eu faço essa
atividade de música do mundo, aí eu tento pegar das regiões, músicas
tradicionais de cada região, né? Aí tem um negócio que eu falei com os
artistas. […] “vamos trabalhar hoje Elis Regina, vamos trabalhar Vinícius
de Moraes, vamos trabalhar não sei quem”, aí eu trago músicas deles,
entendeu? (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).

O Professor 5 também reconhece a música popular como um dos aspectos importantes


para trabalhar na sala de aula, na medida em que ele destaca seu trabalho musical pautado em
gêneros musicais e em nomes de artistas da MPB. Sua fala revela uma relação de proximidade
entre o material apresentado em seu trabalho musical, suas idealizações e as concepções de
música de boa qualidade presente em suas representações sociais. Essa ligação com os ritmos
populares, como o frevo, o forró, o samba, bem como com artistas reconhecidos como da
MPB, conduziu um olhar sobre os objetos de representação musical que são considerados
importantes nas aulas de música na escola.
O traço de reconhecimento da utilização da música popular como um indicador de
importâncias no trabalho de educação musical na educação básica também pode ser percebido
na fala do Professor 6, quando apresenta a ideia de atividades voltadas para os períodos
festivos:
215

Em algum período, por exemplo, no período depois do Carnaval, eu trabalho


muito escutando frevo, e a música junina esse trabalho, eu consigo trazer em
algum período, mas não trabalhar o tempo todo. Porque a música popular, além
desses dois temas que eu trabalho, […] Se a gente for fazer um teste, uma Bossa
Nova para mostrar uma vez ou duas, você até prende a atenção deles, dos
alunos, Mas se for para fazer um trabalho específico, eu nunca tentei, nem
tentei. (PROFESSOR 6. Entrevista 1, 22 nov. 2019).

O interessante desta fala é o Professor 6 trazer uma perspectiva de distanciamento


entre as suas representações sociais de música e a dos alunos, por acreditar na dificuldade que
teria em realizar atividades em que estas visões pudessem ser exploradas. Entretanto, em uma
fala mais à frente, ele apresenta elementos estratégicos que possibilitam trazer as músicas dos
alunos para o universo da sala de aula.

7.4 A utilização da música dos alunos

A perspectiva do ensino de música na educação básica também é marcada por alguns


conflitos apresentados nas narrativas dos professores, quando indicam que as aulas de música
deveriam estar pautadas também nos interesses dos alunos. Este ponto foi de fundamental
importância para as discussões, pois nos direcionou para uma análise mais profunda a respeito
de certo nível de conflito entre a música dos alunos e a utilização de suas vivências musicais
no ambiente escolar. O Professor 3 trouxe, em sua fala, um exemplo das relações conflituosas
que se apresentam a partir das representações sociais de música presentes no contexto escolar:

[A] música dentro da escola é pobre demais. Assim... se eu for falar de música
brasileira hoje, o que eles consomem [é] musicalmente pobre. Então, eles
trazem tudo aquilo que a música promove. Que é o quê? A partir da música,
você tem um estilo de se vestir, um estilo de falar, até o estilo de caminhar, os
tipos de dança, muito em função da música, que está relegada a segundo
plano na escola. [...] Os meninos poderiam ter um contato maior com a
música através da dança. A dança é proibida na escola lá. Pelo menos, nos
moldes que tem hoje. O que eles querem dançar é o passinho, então, a direção
da escola proíbe terminantemente. A gente tem que entrar num acordo para
tentar... como é a palavra? Tentar diminuir a questão da erotização. […] Aí
entra o quê? Os conflitos. Isso só reflete nos conflitos com os alunos. Porque a
gente tem que entender que, aqueles alunos, “sim senhor”, “sim senhor”,
“sim senhor”, acabou, né? Aquilo acabou. Hoje eu acho que muito reflexo
daquilo que eles vivem fora da escola é a questão [do] enfrentamento. Então o
enfrentamento é muito grande. Não tenho problema com o enfrentamento.
(PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).
216

Essa fala é interessante, pois traz alguns elementos a partir da visão do professor, de
como ele e a escola (na sua visão) percebem a música dos alunos. A relação conflituosa ocorre
na medida em que as representações sociais dos dois grupos se distanciam por questões
antagônicas que envolvem a construção simbólica do objeto de representação musical. A
concepção da música dos alunos como algo erotizado se vincula diretamente com as
concepções de música de má qualidade apresentadas pelos professores, no subtópico 6.2.2.
Esta fala do Professor 3 dialoga, também, com o que foi expresso pelo Professor 1 (em uma
de suas falas anterior), quando ele relatou um acordo entre os diferentes membros da escola
em relação à exibição de determinados tipos de músicas pelas suas associações com
determinados gêneros e pelas mensagens trazidas em suas letras. Porém, ao trazer, mais uma
vez, o relato do Professor 6, destacamos um olhar diferente que ele apresenta sobre a
possibilidade de promoção de um trabalho de educação musical na educação básica
envolvendo as músicas dos alunos.

Vou dar um exemplo, música popular brasileira. Eu sei que [para] muita
gente é fácil de trabalhar, por exemplo, Luiz Gonzaga, o pessoal do Bossa
Nova, a música mais clássica do universo popular brasileiro. Também uso,
mas também aquela coisa do funk, das coisas deles, [...] principalmente por
ser simples, poucas ferramentas e que não deixa de ser música, né? É
música. E para você colocar aquilo quando você precisa estar falando de
música. Por exemplo, que música é a organização dos sons, né? Ruído e
som, né? A diferença para se fazer músicas é organizar. Aquela coisa do
começo, né? Se a música organiza algumas células rítmicas, nada mais
simples e palpável para eles do que uma batida de funk. Então, eu uso isso
para dar [aula], “olha, isso aqui é um exemplo simples, de música simples,
feita de forma simples, com elemento... com poucos elementos. Então, você
não tem esse som, mas você tem esse aqui. Aí, eu boto uma coisa e outra.
(PROFESSOR 6. Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Podemos destacar que esta fala do Professor 6 lança um contraponto às discussões


apresentadas por ele (ver item 7.3) e por outros professores. Já o Professor 3, busca fazer estes
diálogos através de elementos que possam estar presentes nos dois mundos musicais: o seu e
o dos alunos.

Os meninos gostam muito rap. Eu não tenho intimidade com o estilo, com o
ritmo do rap, mas eu tenho intimidade com todo o equipamento que produz.
Então, o que é que eu faço? Eu promovo produções com eles. Sempre que
possível a gente está produzindo e fazendo isso. O que foi que eu fiz, um
festival aqui, não lembro quando foi o ano, que eu coloquei uma cantora
lírica e um menino fazendo um rap juntos. Então, eu consegui unir os dois
mundos, mas ainda há dificuldades [sobre] isso na escola, pelo menos na
217

minha, né? Essa abertura, nesse espaço, para esse tipo de produção, eu
acho muito complicado. (PROFESSOR 3. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Nesta fala, o professor também apresenta um exemplo de como tenta articular os


processos educativos musicais, pautando suas concepções com as músicas que fazem parte
das vivências dos alunos, observadas também na fala do Professor 1 quando ele ressalta que
tem que valorizar a vivência que o aluno já traz consigo.

Eu tenho uma flauta transversa que eu levei para a sala de aula e o menino
do nono ano disse: “ah, professor tem um menino lá de Louro Santos79 que
também toca com uma bicha dessa”. “Pois é, isso é uma flauta transversa,
não só o Louro Santos, mas também tem muitos artistas, muitas orquestras
que usam esse instrumento”. Isso já foi um mote, foi uma deixa incrível usar
o tema de Louro Santos para eu poder falar da flauta transversa, e dos
gêneros musicais, né? (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Neste trecho, o professor dá um exemplo de um acontecimento em aula em que as


músicas dos alunos puderam ser utilizadas para conduzir um trabalho na perspectiva de
apresentar novas músicas. Vale destacar que essas falas corroboram, diretamente, a visão de
Chaib (2015), segundo o qual o processo de ancoragem contribui para a construção de
conhecimentos mais harmoniosos, uma vez que os indivíduos passam a utilizar os elementos
que lhes são familiares para reconhecer e construir novos conhecimentos. Desta forma,
apontam que reconhecer as representações sociais dos alunos através de suas vivências,
familiaridade e afinidade com o objeto música podem direcionar caminhos mais confortáveis
e confiáveis para a construção de novos conhecimentos e de novas representações sociais.

7.5 O contato com novas músicas

Na busca por identificar outros aspectos considerados importantes para serem


utilizados nas aulas de música na educação básica, pudemos encontrar, nas narrativas dos
sujeitos pesquisados, o elemento periférico “mostrar novas músicas” para os alunos. Este fator

79
Louro Santos é um cantor e compositor pernambucano, com diversos trabalhos em bandas de “forró
eletrônico”, como Mastruz com Leite, Limão com Mel, Arretados do Forró, Chamego Arretado e Aveloz.
Porém recebeu destaque ao desenvolver um trabalho autoral, Louro Santos e Forró da Malagueta, com
músicas de forró ligadas às canções românticas brasileiras. Disponível em: https://www.letras.com.br/louro-
santos/biografia Acesso em: 26 set. 2020.
Ainda durante o período de realização desta pesquisa, o cantor e compositor Louro Santos morreu, aos 49
anos, vítima da Covid-19. Disponível em: https://revista.cifras.com.br/noticia/cantor-louro-santos-morte-covid
Acesso em: 14 de dez. 2020.
218

se revelou bastante interessante, pois também permeou os discursos da maioria dos


professores entrevistados.

Eu evito trabalhar músicas que estão na modinha, porque... não é por


discriminação, eu digo a eles. É porque isso é uma música que não tem
necessidade da gente estudar, porque eles já estão em contato direto. Então,
eu tento trazer coisas que eles sozinhos não iriam descobrir, eu digo a eles,
entendeu? Então, geralmente eu digo isso a eles. Mas, mesmo assim, rola
um Brega Funk, rola uma Marília Mendonça80, [risos]. (PROFESSOR 5.
Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Percebemos, a partir desta fala, que o Professor 5 lança um olhar crítico e seletivo
sobre o tipo de música usada ou não em uma aula de música. Porém, na perspectiva de
promover estratégias que pudessem trazer a música dos alunos para um processo de
aprendizagem musical pautado nas suas múltiplas vivências e possibilidades, este mesmo
professor destaca suas estratégias:

Rapaz, eu faço uma atividade com eles chamada de rádio. Eu digo: “Olha,
cada um vai escolher três músicas para botar aqui”. Aí, eu dou logo uma
olhada na letra, eu digo: “não, essa aqui dá para botar”. […] Aí, trago também
música instrumental, peço para eles escutarem, a música clássica, né? Quanto
menor a idade, mas ele consegue escutar música. Quando vai chegando no
quarto, quinto ano, ele “já está bom, professor, acabe, está bom, vou dormir”,
entendeu? Mas... mas eu acho importante, mesmo que eles escutem sem gostar,
para eles saberem que têm outras coisas, entendeu? […] Então, eu sempre
acabo forçando assim para eles escutarem música, levo o violão para tocar
também, entendeu? Aí, canto a música deles, [as que eles] indicam, aí, também
canto. Aí, “olha, vamos cantar, aprender uma música aqui, tal. Trabalhar o
ritmo, vamos cantar com a boca assim, com a boca assado81”. Aí, é sempre
nesse esquema aí. (PROFESSOR 5. Entrevista 2, 29 jan. 2020).

O interessante, nesta fala, é a indicação sobre o processo de negociação com as


músicas dos alunos. Esta interação abre espaços para os diálogos musicais que o professor
revela conduzir durante o processo educativo. Desta forma, podemos perceber que, através
deste jogo, o professor tenta levar os alunos para a construção de um novo olhar sobre música,
80
Marília Mendonça, é uma cantora, compositora e instrumentista da música popular. É uma das cantoras mais
famosas do gênero sertanejo universitário e também conhecida como a rainha da “sofrência”. Em 2019, foi a
ganhadora do Prêmio Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Sertaneja com o álbum Todos os Cantos,
que teve suas músicas gravadas a partir de shows ao vivo realizados em todas as capitais do país (PERILO,
2020). “Sofrência, é um neologismo da língua portuguesa, formado a partir da junção das palavras
‘sofrimento’ e ‘carência’, e possui um significado similar ao da expressão popular ‘dor de cotovelo’.”
(SIGNIFICADO.COM, SD).
81
“Assim ou assado”, pode ser compreendido como uma expressão idiomática que busca uma relação
comparativa entre dois eventos distintos. Ou ‘como desse jeito ou do outro’ (DICIONÁRIO INFORMAL,
2010).
219

através de materiais com os quais eles não estão familiarizados, proporcionando-lhes, assim,
conhecimentos que os levem a uma representação social pautada em processos de objetivação
(LEME, 1993; SAWAIA, 1993; MOSCOVICI, 2015).
Por sua vez, o Professor 1 destaca algo bastante relevante para esta discussão, ao
reconhecer que os ambientes de aprendizagem não são fechados sobre um único prisma e que
o processo de aprendizagem não parte do nada, de modo que não há construção de
conhecimentos que se desenvolva em um vazio.

Quando eu chego na sala de aula, [percebo que] os garotos, eles escutam


bastante música na internet, o que tem mais visualização, o que toca na
rádio. Eles vêm com suas coisas. E a gente vem para mostrar outras coisas,
tocar o que vivenciou na família, ou as músicas do mundo (world music)
[...]. E mostrar para o aluno que não é só o que toca no rádio ou o que
aparece no YouTube com milhões de visualizações. E nesta questão, rola
uma negociação na sala de aula em relação à música […]. Aí, a questão,
lógico que eu tenho um gosto musical, eu tenho [minha visão de qualidade],
mas eu digo “não, escuta essa música também”. É nesse sentido que a gente
discute. (PROFESSOR 1. Entrevista 1, 1º set. 2019).

Esta fala do Professor 1 permite compreender que as heterogeneidades presentes no


ambiente escolar precisam ser compreendidas e compartilhadas para que os diálogos
possam fluir de forma harmônica e constante. Reconhecer as músicas que os alunos trazem
consigo e decidir trazê-las para o diálogo no seu processo educativo pode conduzir para a
construção de novas representações. Ao seguir na narrativa, o Professor 1 reconhece seu
papel condutor do processo educativo como sendo o responsável por indicar, mediar e
direcionar os estudantes para a construção de novos conhecimentos:

[…] Tem a questão da gente como profissional conhecer de música, você


vai saber as músicas adequadas para serem usadas naquele seu tempo de
aula, você usa de técnicas e de artifícios para que eles gostem mais de
uma coisa, ensina primeiro o refrão, depois as estrofes de alguma música
que você quer fazer, né? A gente fica meio que um inquisidor, meio que um
juiz... entre eles e todo um universo de música, né? Ai, por um lado, eu
tento pensar diferente, eu penso: “não, eu sou uma ponte”, né? Porque
música por música, eles têm a ferramenta do Google que é fantástica, mas
eles não têm... eles não têm 500, nem mil anos para escutar tudo que o
Google tem. Então, a gente tem ser uma ponte. Eu vejo... eu vejo por aí. E
logicamente, que a gente, como músico, tem músicas que a gente não gosta
e que a gente gosta, e a gente tem que passar por cima disso. A gente tem
que passar por cima disso. A gente tem que pegar o que as crianças
entendem de música, para elas poderem escutar essa música [que] elas
gostam e outras músicas. (PROFESSOR 1. Entrevista 2, 16 out. 2019).
220

O Professo 1 se apresenta como uma ponte que pode interligar conhecimentos e


possibilitar aos alunos vivenciar novas experiências sonoras musicais no ambiente escolar.
Vale ressaltar, em sua fala, seu posicionamento de abertura para dialogar com diferentes
mundos musicais. Assim, ao reconhecer que, como professor, tem que passar por cima de
seus próprios gostos musicais, ele também traz a ideia de sacrifício incorporada à função
docente, já discutida em Duarte (2011. p.66), que destaca que a maioria dos sujeitos
entrevistados apontaram para esta visão pela resistência à música midiática e como uma
forma de valorizar os méritos da sua prática docente, através da pesquisa e da busca de
músicas alternativas às que são vinculadas pela mídia.

7.6 A música religiosa

O reconhecimento da música religiosa para ser utilizada nas aulas de música na


educação básica foi mais um dos elementos periféricos que esteve presente na maioria das
narrativas dos sujeitos pesquisados. Mesmo não surgindo de forma intensa nos discursos, a
música religiosa teve seu lugar de destaque, uma vez que este gênero musical se faz presente
na vida cotidiana de alguns dos sujeitos pesquisados, como podemos ver nas falas dos
Professores 2, 3, 4 e 5.

Nas minhas aulas, eu trabalho muito com essa questão da filosofia. E até a
questão bíblica, até me ajudou em sala de aula, né? Porque a gente pode
trabalhar com..., a gente explora, por exemplo, a arte sacra, música sacra, a
Idade Média. Então, se você está falando da Idade Média ali, da música do
canto gregoriano, você está falando de religião. (PROFESSOR 2.
Entrevista 1, 27 set. 2019).

O reconhecimento da música religiosa como um elemento importante a ser utilizado


nas aulas de música está associado à mensagem transmitida e aos aspectos históricos que
envolvem alguns conteúdos musicais específicos. A relação com a música religiosa também
pode ser constatada na fala o Professor 3, uma vez que ele indica esta forma de música como
uma música de qualidade e, desta forma, importante para o processo educativo musical na
educação básica:

Eu vou até botar como exemplo de música de qualidade, apesar de não


gostar do gospel. Mas ele termina juntando você, juntando pessoas que têm
uma certa ideia, que têm certos... é porque é pesado, né? Valores, valores
ditos como valores da família, junta você em um fazer diferente. Porque eu
particularmente não gosto de gospel, mas [ele] faz isso. Eu acho que é o
221

exemplo mais próximo que eu consigo ter. (PROFESSOR 3. Entrevista 2, 14


out. 2019).

Esta concepção presente na fala do Professor 3 revela uma relação direta a mensagem
que está presente nas letras dessas músicas, em função dos valores morais. Entretanto, é na
fala do Professor 4 que podemos identificar uma relação direta entre esta forma de música, a
história de vida do sujeito e o ensino de música na educação básica:

Olhe, para não ser tendencioso, e nem tampouco assim, gerar conflitos, né?
Eu trabalho com música secular e com música de igreja, certo? As de igreja,
o que é que eu faço, trabalho mais na formatura do primeiro ano. Aí, eu
coloco uma música secular e uma música evangélica, que tenha naquele
tema. Que envolva a turminha dos pequenininhos, até o primeiro ano, o que
é que eu faço? Eu trabalho, pego uma música evangélica de criança que eu
aprendi da minha época, né? Que são músicas que ajudam a levar a criança
a pensar, em respeito ao próximo. Então, eu procuro sempre colocar músicas
assim, e introduzo agora com esses maiores, por exemplo, quarto, quinto
ano. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13 dez. 2019).

Podemos observar, na fala do Professor 4, que as relações estabelecidas com a música


religiosa acontecem ligadas a um processo de negociação que contrabalança a música
religiosa e a música secular nas atividades musicais na escola. Ao indicar o uso desta forma
musical como um elemento importante para o desenvolvimento de atividades musicais na
educação, percebemos que a música evangélica, de acordo com que o professor defende,
contribui para construção de respeito ao próximo, o que nos faz perceber que o eixo desta
representação também é a letra. Um outro ponto que podemos destacar nesta fala é o fato de
que a utilização dessa música está bastante ligada às suas construções de suas representações
sociais de música na infância. Já o Professor 5 traz em sua fala uma visão sobre a música
religiosa associada à contemplação das realidades musicais dos alunos.

Eu gosto muito de trabalhar as músicas das igrejas com eles,


principalmente, porque tem muita gente evangélica, bicho, na sala de aula.
E engraçado que eles têm um respeito. Por exemplo, tem uma coisa
engraçada com uma turma do primeiro ano, que os meninos são agitados,
mas se eu colocar uma música de Aline Barros82, por exemplo, os meninos
ficam todos calmos, olhando, prestando atenção. E dizem: “aí, professor,
isso é música de Deus, né? Eu digo: “é”! É como se dissesse assim: “eu não
posso bagunçar não, porque é música de Deus, tenho que prestar atenção”,

82
Aline Barros é uma cantora de música gospel brasileira, que desenvolve sua carreira com músicas gospel para
os públicos adulto e infantil. Foi ganhadora do Prêmios Grammy Latino de Melhor álbum de música cristã de
Língua Portuguesa, nos anos de 2004, 2006, 2007, 2011 e 2014, com os álbuns Fruto de Amor, Aline Barros &
Cia, Caminho de Milagres, Extraordinário Amor de Deus e Graça. (alinebarros.com, 2020)
222

entendeu? E aí eu gosto de trabalhar com as músicas da igreja, mas assim,


eu tento explorar o máximo de possibilidades musicais. (PROFESSOR 5.
Entrevista 1, 19 nov. 2019).

Ao exemplificar a relação com as músicas religiosas (evangélica) nas aulas de música,


o Professor 5 traz a justificativa de serem utilizadas por fazerem parte da realidade dos alunos.
Entretanto, podemos destacar que as músicas religiosas estão presentes nestas ações, também,
por fazer parte de um processo, de certa forma “inconsciente”, presente nas representações
sociais de música do próprio professor. Lançamos esse olhar por perceber que a intenção de
trazer um material musical que se aproxime da vivência dos alunos foi centrado nas “músicas
da igreja”, não destacando, assim, a utilização de outras músicas – por exemplo, as ligadas aos
gêneros derivados do funk – que também fazem parte da vida de alguns alunos.
Porém, a percepção de que a música religiosa está presente de forma significativa nas
vivências musicais dos alunos pode ser observada também no trabalho de Rauski (2015a, p.
98), que identificou que a maioria dos alunos de sua pesquisa possuíam uma vivência
religiosa. Outro fator importante ressaltado pelo autor é a relação que a música gospel tem
com o mercado fonográfico na atualidade, chegando a ser produzida em padrões musicais
atraentes para os alunos e difundida por diversas mídias (RAUSKI, 2015a, p. 99).
Um elemento interessante revelado por essas narrativas é o reconhecimento de que
essas ligações com a música religiosa estão, na maioria dos casos, relacionadas às práticas
ativas que aconteceram em contextos consolidados da sociedade, como a igreja e a família.
Dessa forma, vale ressaltar que estas instituições contribuem diretamente para as construções
simbólicas desenvolvidas em torno do objeto música religiosa, que acabam desembocando
nas representações sociais de música que se fazem presentes nas salas de aula.
Diante das diversas visões apresentadas – envolvendo os aspectos considerados
importantes para serem abordados nas aulas de música na educação básica –, identificamos
que vários desses aspectos se cruzam a partir de processos que se correlacionaram diante das
diferentes perspectivas de ensino/aprendizagem que se mostraram presentes nas narrativas dos
sujeitos pesquisados. Dessa forma, para melhor identificar como os aspectos “aulas
específicas”, “letras das músicas” e “música popular”, que foram apontados como importantes
para as aulas de músicas na educação básica, configuraram-se como elementos centrais nas
representações sociais desses professores, procuramos reconhecer as associações
estabelecidas entre os diversos elementos narrados através das similitudes que se destacaram
no processo de análise. Podemos observar essas conexões através do Gráfico 28.
223

Gráfico 28 – Ligações dos termos relacionados aos aspectos importantes para as aulas de música –
Análise de Similitude (IRAMUTEQ)

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Ao observarmos o Gráfico 28, percebemos como os elementos “aulas específicas”,


“letras das músicas” e “música popular”, que se destacam por fazer parte do núcleo central
das representações sociais dos sujeitos pesquisados, mantêm uma relação direta com o aspecto
“música dos alunos”. As diversas conexões estabelecidas entre os elementos centrais e os
elementos periféricos que os cercam nos deram a ampla visão de como eles se destacaram
nestas relações: “letras das músicas/questão de valores”; “letras das músicas/história da
música”; “letras das músicas/música dos alunos”; ou “aulas específicas/instrumento musical”,
“aulas específicas/música de épocas festivas”, “aulas específicas/música dos alunos”; “música
popular/mostrar outras músicas”, “música popular/músicas do mundo”, “música
popular/música religiosa”, “música popular/música dos alunos”. Ou, ainda, as relações que
são estabelecidas a partir dos elementos periféricos, como “música do aluno/funk crítico”, e
224

“música do aluno/música religiosa”; “mostrar outras músicas/músicas tradicionais”; entre


outras. Essas diversas conexões traçam um panorama acerca de como as concepções que
envolvem os aspectos considerados importantes para as aulas de música se configuram nas
falas dos professores. Desta forma, identificar tais aspectos nos conduz para o reconhecimento
de estruturas simbólicas historicamente construídas que favorecem a análise das
representações sociais que envolvem as aulas de música na educação básica. Com isso,
podemos compreender que essas concepções perpassam por aspectos que correlacionam a
visão idealizada das aulas de música com as representações sociais dos professores.
A fala do Professor 2 apresenta essas similitudes, ao associar a visão da aula de música
na educação básica à aula específica com instrumentos musicais:

Por exemplo, eu poderia ter, sem sombra de dúvida... eu conseguiria no


mínimo 10 alunos na minha escola para ter aula de violão, ou de teclado, ou
de baixo. Então, eu precisaria de um horário específico. E dizer: “em vez de
eu pegar 10 turmas, vamos fazer o seguinte: eu vou pegar 7, fico com 14
horas, em sala de aula, e as outras 6 horas, vou me dedicar a esse projeto
para dar aulas de violão”. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019).

Outro direcionamento presente na fala desse professor, que apresenta essas conexões,
pode ser observado na busca por mediar conflitos e aproximar as relações entre as suas
concepções, sobre o que é importante para ser trabalhado nas aulas de música e o interesse
dos alunos. Diante disso, o Professor 2 declara: Eu adoraria estar na escola com turma,
turma específica dando aula de música. Eu acho que a escola deveria valorizar mais o que o
aluno está querendo. (PROFESSOR 2. Entrevista 1, 27 set. 2019). O interessante desta
abordagem é que, quando ele fala que as aulas deveriam estar alinhadas com os interesses dos
alunos, ele não expressa um olhar para todos os alunos, mas para um grupo específico, ou
seja, para aqueles que se alinham com as suas próprias representações sociais de música e
desejam ter aulas específicas. Esta relação que alinha a música dos alunos na sala de aula às
representações sociais do professor pôde ser percebida também na fala do Professor 5:

Rapaz, eu faço uma atividade com eles chamada de rádio. Eu digo: “Olha,
cada um vai escolher três músicas para botar aqui”. Aí, eu dou logo uma
olhada na letra, eu digo: “não, essa aqui dá para botar”. Quando eu vejo lá
no Spotify que tem um “Ezinho83” que está dizendo que é explícito, então há
alguma coisa errada ali. […] Eles escolhem esse tipo de música [Brega
Funk]. Qualquer atividade de tocar qualquer tipo de coisa, eles dizem; “não

83
Diminuitivo da letra “E”.
225

professor, bote para tocar aí”, entendeu? Então, eu digo: “não, rapaz,
vamos escutar outra coisa diferente. É mais nessa... nesse sentido assim,
entendeu? E trazem, bicho, no celular, os meninos que têm celular
geralmente botam para tocar, mas não assim, relacionado com a aula não,
bicho, como proposta da aula. [...] Então, eu falo muito para os meus
alunos, no sentido assim, “gente vamos escutar isso não, vocês já escutam
em casa. Vamos escutar o que você não tem oportunidade de escutar em
casa. Deixa isso aí para você escutar em casa. Mesmo que você não queira
escutar em casa, você escuta na rua. Então, [não] vamos escutar na escola
também não. Vamos escutar uma coisa diferente”. (PROFESSOR 5.
Entrevista 2, 29 jan. 2020).

Vale destacar que essa fala do Professor 5 reforça as suas representações sociais de
música, na medida em que, em uma fala anterior, ele correlacionou a utilização da música
evangélica à música dos alunos. Mas, quando abordado o brega funk, a percepção é a de que o
gênero não é utilizado, justamente por fazer parte da realidade dos alunos. Percebemos, assim,
que ele traz, como um dos critérios para o uso da música em aula, uma associação clara com o
conteúdo da letra.
Outros aspectos que também surgiram nas narrativas e assumiram posicionamentos
importantes, pois estabeleceram contribuições significativas para a manutenção dos elementos
que estão presentes no núcleo central através de suas associações, foram as próprias conexões
que estes elementos fizeram entre si e com os elementos periféricos. Como podemos observar
na fala do Professor 6.

Eu comecei a trabalhar aqui.. eu comecei a escolher uma música... eu


pensava mais na musicalização mesmo. E comecei com percussão
corporal, percepção, né? E pegava alguns instrumentos da banda, ia
fazendo giros de células rítmicas, essa coisa. Quando eu vou
trabalhar alguma música, eu costumo escolher algumas músicas que
digam alguma coisa para eles. Não especificamente, vou dar um
exemplo, música popular brasileira. Eu sei que muita gente é fácil de
trabalhar, por exemplo, Luiz Gonzaga, o pessoal do Bossa Nova, a
música mais clássica do universo Popular brasileiro. Também uso,
mas também aquela coisa do funk, das coisas deles, quando eu usei,
quando uso, principalmente por ser simples, poucas ferramentas...
que não deixa de ser música, né? É música. (PROFESSOR 6.
Entrevista 2, 17 dez. 2019).

Nessa fala, percebemos que as similitudes presentes no Gráfico 28 envolvendo os


elementos do núcleo, mantém uma associação direta com o elemento periférico “vivência dos
alunos”. Essa associação evidencia que esses elementos se fortalecem, à medida que dialogam
entre si.
226

Observamos, na análise de similitude, que as relações presentes nas narrativas


abordam os aspectos importantes relacionados à perspectiva de um trabalho musical focado
em processos de formação de repertório, conhecimento dos períodos históricos, compositores
renomados, artistas locais, música brasileira etc., que aproximam os elementos periféricos dos
que estão no núcleo, como podemos perceber na fala do Professor 2 quando ele faz uma
associação capaz de internalizar as aulas específicas, através da indicação de um trabalho com
a música “clássica” e com as letras das músicas.

[...] tem gente que tem preconceito, “ah, você está passando música
clássica?” Até porque a maioria dos desenhos animados que a gente via
eram [com] música clássica. Então, isso faz parte do universo deles. Então,
eu acho que é importante trabalhar essas músicas, ver a questão da letra, e
essas outras músicas é importante até para você fazer uma análise.
(PROFESSOR 2. Entrevista 2, 16 out. 2019).

Podemos observar, nessa fala, uma síntese das concepções que os professores
apresentam dos aspectos considerados importantes para serem trabalhados nas aulas de
música da educação básica. Diante da afirmação, percebemos como essas conexões
estruturam as visões que os professores têm acerca da prática pedagógica e as suas
representações sociais de música. Entretanto, observamos que, tanto nessa fala do Professor 2,
quanto na que segue do Professor 4, há uma busca por relacionar as suas representações
sociais de boa qualidade musical às vivências musicais dos alunos em situações cotidianas.

Mesmo porque a gente está aqui em uma escola, eu penso assim, se está
tendo uma música de qualidade, vamos trazer um Chico Buarque numa
versão de Carrossel que gravaram, né? A banda. [Os alunos falam:] “eita
tio, é de Carrossel?” “É, sabe quem cantou? Sabe quem fez”? Aí eu vou e
entro com Chico Buarque e eles vão… entendesse? Dessa forma, eu vou
introduzindo para que escutem um pouco de coisa de qualidade e vejam
que têm coisas boas sendo feitas por aí. (PROFESSOR 4. Entrevista 2, 13
dez. 2019).

A associação entre o que o professor considera importante, a sua música e a música


dos alunos, mostra, mais uma vez, as conexões que acontecem no direcionamento das músicas
idealizadas para o ambiente escolar.
As diversas relações encontradas nas narrativas no possibilitaram o reconhecimento de
elementos significativos que se fazem presentes nas concepções dos sujeitos pesquisados.
Diante da análise realizada através dos gráficos “nuvem de palavras” e de “análise de
227

similitude”, compreendemos que essas concepções sobre os aspectos considerados


importantes para o desenvolvimento das aulas de música no ambiente escolar, na visão desses
professores, são diretamente estruturadas pelas suas representações sociais. As representações
que envolvem o núcleo central dessas concepções são estabelecidas por uma relação de
equilíbrio hierárquico entre três aspectos distintos – “aulas específicas”, “música popular”, e
“letras das músicas” –, mas que dialogam entre si em uma constante relação de
compartilhamento de conhecimentos.
A perspectiva de centralidade a partir desses três elementos é reforçada pelas ligações
que se estabelecem com os elementos periféricos – como “mostrar outras músicas”, a gêneros
da “MPB” e “vivência dos alunos”, relacionada às suas músicas – que se mostraram próximos
aos do núcleo e os estabilizam por manter conexões diretas com eles. O destaque desses
elementos considerados importantes na construção dessas concepções mostra-nos que as suas
inter-relações mantêm uma construção imagética da aula de música no contexto da educação
básica correlacionada e reforçada pelas representações sociais de música desses professores.
Com isso, podemos identificar que essas concepções podem transitar por diferentes espaços,
sejam eles lugares físicos que se diferem por questões estruturais ou políticas, como a
escola, ou por espaços simbólicos sociais e culturais construídos historicamente pelas trocas
de experiências e pelas convenções partilhadas por diferentes grupos que fazem parte de
uma mesma estrutura e que possibilitam a construção de suas concepções à medida que
compartilham das mesmas representações sociais.
228

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta pesquisa mostraram que as representações sociais transitam por


diferentes estruturas sociais, culturais, históricas e simbólicas que contribuem
expressivamente tanto para a construção de novas representações, quanto para a afirmação
e/ou transformação das representações já existentes. Diante disso, os resultados da pesquisa
nos possibilitaram reconhecer quais são as representações sociais da música de professores
da rede pública municipal de João Pessoa e como elas foram se consolidando ao longo das
histórias de vida dos sujeitos pesquisados. Dessa forma, suas representações sociais refletiram
questões que envolvem as relações familiares, amigos, escola, igreja, grupos musicais etc.
bem como seus processos de formação acadêmica e suas visões sobre a prática docente na
escola de educação básica.
Respondendo a nossa questão/problema de pesquisa, pudemos notar que as
representações sociais dos professores não se limitaram a visões musicais isoladas, muito pelo
contrário, elas assumiram concepções que dialogavam com os diferentes contextos nos quais
eles construíram seus conhecimentos musicais ao longo de sua trajetória, tendo uma relação
direta com aspectos e perspectivas gerais sobre música na sociedade brasileira. Com isso,
reconhecemos que os objetivos propostos foram atingidos de forma satisfatória e que foram
substanciais para a estruturação de todo o desenho da pesquisa.
Ao discutir a TRS de Moscovici (1979; 2011; 2015), reconhecemos que ela tem muito
a contribuir para as discussões que envolvem a área de música e, sobretudo, da educação
musical, uma vez que traz, para o debate, o aprofundamento de elementos simbólicos
significativos que são compartilhados coletivamente e que estão presentes na história de vida
dos sujeitos e, consequentemente, estão envolvidos nos processos de aprendizagem musical e
dão sentido para as concepções que abrangem suas práticas pedagógicas na educação básica.
A utilização da Teoria do Núcleo Central de Abric (2001), por sua vez, possibilitou-nos
identificar os elementos centrais que balizam e estabilizam o núcleo das representações
sociais, permitindo, assim, o reconhecimento dos elementos periféricos que os sustentam ou
ameaçam a estabilidade do núcleo.
Um fator importante que podemos destacar para o reconhecimento das
representações sociais foi o uso da entrevista narrativa. Notamos que o uso desse instrumento
possibilitou um maior aprofundamento e subjetividade no detalhamento das informações que
algumas pesquisas de caráter quantitativo usadas na psicologia social para o estudo das
229

representações sociais. Outro aspecto que destacamos no uso das narrativas é a identificação
de uma estrutura sequencial da história de vida narrada, fator esse também encontrado nos
estudos de Liu (2015).
Uma contribuição interessante que percebemos através da análise das narrativas foi o
reconhecimento de que a construção das representações sociais de música dos professores vai
além das práticas e processos educativos musicais tradicionalmente valorizados e
consolidados pelas propostas pedagógicas europeias, pois são estruturadas pelos diversos
processos, práticas e contextos nos quais os sujeitos estiveram socioculturalmente inseridos ao
longo do tempo. À vista disso, passamos a compreender que as suas representações sociais
traziam elementos significativos das suas concepções de música que foram construídas e
enraizadas pelas relações estabelecidas através da influência familiar e dos ambientes sociais
que eles vivenciavam na infância, bem como pelas inter-relações com distintos grupos com os
quais tiveram contato durante a juventude, e ainda pelos processos formativos musicais na
vida acadêmica. Assim, percebemos que essas sucessivas experiências, ao longo do tempo,
construíram novas representações, além de potencializar ou modificar as já existentes.
Ao buscar compreender as concepções de música na infância e adolescência,
reconhecemos as relações que os professores tiveram desde os seus primeiros contatos com o
objeto de representação música. Ao lidar com o fenômeno musical a partir das concepções
que eram estabelecidas no contexto social e familiar e, posteriormente, nos demais grupos,
conseguimos traçar como o objeto simbólico de representação música passou a ser construído
nesta fase por meio de uma relação constante com a música. Podemos notar, também, que o
contato direto com outros familiares – que também desenvolvem práticas musicais – bem
como professores e amigos – reforça o processo de aprendizagem e conduz a forma com que
os indivíduos constroem sua história de vida musical e, consequentemente, suas
representações sociais sobre música. Da mesma forma, o contato com determinadas práticas
musicais conduz para caminhos onde compartilham experiências comuns, o que direciona
para que uma dada relação simbólica com a música seja internalizada por diferentes sujeitos e
grupos sociais.
Ao analisar os motivos pelos quais os professores de nossa pesquisa decidiram
aprender música, alguns exemplos evidenciaram como a estrutura instrumental se fez presente
na forma de se relacionarem com a música e, consequentemente, na construção de suas
representações sociais. Ao alinhar as narrativas dos professores sobre as suas conexões com a
música na infância e adolescência, verificamos que as suas representações sociais foram
230

estruturadas através das experiências partilhadas, que tornaram possíveis a estabilidade e as


transformações de suas representações ao longo deste período. Diante disso, ao discutir as
relações que os professores de música tiveram com o objeto simbólico música nessas etapas
de suas vidas, pudemos compreender que os aspectos afetivos, emocionais, técnicos e
performáticos constituíram um processo motivacional capaz de conduzi-los para a
aprendizagem musical.
Ao abordarmos os processos de formação musical e a docência em música,
identificamos que tanto os professores licenciados em Educação Artística, quanto os
licenciados em Música, apresentam uma imagem da formação acadêmica voltada para a
prática performática, de modo que alguns dos entrevistados afirmaram que, antes do ingresso
na graduação, desconheciam que o curso de licenciatura estava voltado para a formação
docente. Isto gerou, inicialmente, um processo conflitante, pois a estrutura do curso não
correspondia inicialmente a seus anseios voltados a uma formação técnica como profissional
da música, de modo que alguns deles não se identificavam com a prática docente na educação
básica. Após a análise dos dados, confirmamos que as representações sociais sobre a formação
acadêmica apresentaram, como núcleo central, a “formação como músico”. Esta centralidade
pôde ser percebida de forma mais eficaz quando a relacionamos aos elementos periféricos que
deram sustentação ao núcleo, como a importância da formação superior, aquisição de novos
conhecimentos musicais, a frustração com a licenciatura, entre outros.
Em ambos os grupos, verificamos que as expectativas que os professores tinham da
formação musical também influenciaram a construção de suas representações sociais sobre a
prática docente, uma vez que apresentaram uma visão inicial da docência marcada por
representações que distanciavam seus interesses por esta prática. As concepções que
envolviam a docência na educação básica tiveram como elementos centrais aspectos como
dificuldade e polivalência. A concepção de dificuldade manteve- se sobre três eixos: “choque
de realidade”, ao se depararem com a estrutura física e organizacional que envolvia a prática
docente; às “questões comportamentais”, associadas à visão que os professores tinham da
falta de interesse dos alunos, e à “falta de experiência” – à medida que os docentes não
identificaram, em sua formação, fatores que lhes garantissem uma experiência adequada para
o ingresso no mercado de trabalho. Este último eixo se mostra interessante quando trazemos
as distinções dos processos formativos dos sujeitos, uma vez que, mesmo os professores
graduados na Licenciatura em Música – que tiveram uma formação mais aprofundada tanto na
prática musical quanto na parte pedagógica, quando comparados aos graduados na
231

licenciatura em Educação Artística84 – apresentaram a falta de experiência como um dos


problemas encontrados ao ingressarem no magistério da educação básica. Percebemos que os
professores graduados na Licenciatura em Música, por apresentarem uma formação mais
densa, evidenciaram um maior reconhecimento da sua formação para a prática docente do que
os da Educação Artística; porém, ao se depararem com a realidade da educação básica, ambos
relataram as “mesmas” dificuldades. Esta percepção de distanciamento entre a formação
acadêmica e a prática docente também foi evidenciada no trabalho de Oliveira, O. (2018, p.
110); entretanto, no nosso caso, esta dificuldade se mostrou presente nos professores das duas
graduações.
As representações sobre a docência em música associadas à visão do professor de Arte
polivalente surgiram como um elemento que divide a centralidade do núcleo. Foi possível
perceber que a visão da polivalência no exercício da prática docente se estabilizava por dois
direcionamentos: o primeiro está relacionado a um processo autônomo dos professores, que
geraram uma autorreflexão sobre a sua prática docente diante da sua condição de graduado
em música que assumiu a disciplina de Arte. Constatamos que esta circunstância os levou a
assumir a polivalência em suas práticas pedagógicas por acreditarem que o currículo da
disciplina deveria contemplar as diversas modalidades da arte e, como na maioria dos casos
não há professores das diversas modalidades da Arte em uma mesma escola, eles sentiram-se
responsáveis por assumir este papel. Vale destacar que esta visão foi evidenciada
principalmente nas falas dos licenciados em Educação Artística/Música, o que indica que este
direcionamento pode ser um reflexo do contato que eles tiveram com as outras áreas durante o
curso, mesmo que em poucas disciplinas. O segundo está associado a uma relação de poder
que exigia o trabalho docente desenvolvido com base no currículo de Arte existente, buscando
contemplar as diversas modalidades através de uma pressão exercida pelas instâncias
superiores, como representantes da secretaria de educação e diretores escolares. Outros
aspectos que estão ligados à docência em música relacionam-se às questões que envolvem as
perspectivas de valorização ou a desvalorização profissional, bem como a visão de
estabilidade funcional e financeira.
Quanto à questão da atuação polivalente, diante de nossa experiência adquirida há
mais de uma década atuando na educação básica na área de Arte/Música e na gestão escolar,
84
Um dos exemplos das distinções na estrutura curricular da Educação Artística e da Licenciatura em Música
pode ser observada nas disciplinas de “Prática do ensino da música” e “Metodologia do ensino da música” que
na Educação Artística eram oferecidas em um único semestre, ao passo que, na Licenciatura em Música, a
estrutura curricular oferecia as disciplinas de “Estágio supervisionado I, II, III e IV” e “Metodologia do ensino
da música I, II, III e IV”.
232

podemos destacar que, de modo geral, as equipes gestoras das escolas têm uma visão
generalista da disciplina de Arte, e em vários casos não reconhecem as divisões por
modalidades como algo relevante para a disciplina. Todavia, esta pressão e/ou direcionamento
identificado nas falas de alguns dos professores não pode ser constatado como regra, mesmo
reconhecendo que isso acontece com certa frequência. Este direcionamento em relação à
polivalência, mesmo sendo bastante recorrente em nossa pesquisa, mostrou-se diferente no
trabalho de Oliveira (2018, p. 85), que observou a prática pedagógica de dois professores da
rede municipal concursados para música que atuavam apenas nesta área em suas escolas.
Estes fatores que envolvem a atuação polivalente trouxeram, para o debate, um
problema significativo para a área de educação musical, pois, à medida que os professores
participantes – que assumiram o encargo docente por meio de um concurso público para
Professor de Música da Educação Básica – passaram a exercer a polivalência em Arte,
deixando de trabalhar especificamente com a música, acabaram desvalorizando e mesmo
contrapondo-se às recentes conquistas que garantiram a efetiva participação da música na
educação básica.
Ao analisarmos as concepções de música que estão envolvidas nas representações
sociais dos professores, identificamos que a centralidade desta concepção é formada por
quatro aspectos que balizam estas representações: técnica; vida; amor e dom. Vale destacar
que estas concepções interligam-se e conectam-se ao ponto de estarem juntas no centro das
concepções de música presentes nas representações sociais dos professores entrevistados. A
concepção de música como vida está relacionada a aspectos que constroem e estruturam as
representações sociais sobre música como um elemento que faz parte da subsistência humana,
sendo simbolicamente identificado como um “alimento para a alma”, capaz de estabilizar e
promover bem-estar. Esta concepção também foi encontrada no trabalho de Duarte (2011, p.
65, 67), quando associa a música erudita à vida, e em Duarte e Mazzotti (2006, p. 62), que
utiliza esta simbologia para indicar a música como algo que faz parte da vida e que está
associado a emoções vitais.
Por sua vez, a ligação da música com os aspectos sentimentais destaca-se através de
estruturas simbólicas associadas ao termo “amor”, que aparecem nas representações sociais
dos entrevistados conectados com outros termos, como casamento, paixão, coração, entre
outros. Uma relação de amor pela música foi apresentada como um dos fatores que motivaram
o desejo de aprender um instrumento musical.
233

A concepção de música como técnica assumiu um espaço de representação simbólica


compartilhado por todos os sujeitos entrevistados. Ao analisar estas relações, percebemos que
as representações sociais que as envolvem foram se destacando à medida que foram surgindo,
nas narrativas, a perspectiva de um aprofundamento da prática musical.
A concepção de música como dom/vocação se estabeleceu pelas imagens simbólicas
ligadas ao extraordinário, ao transcendental, ao divino, enfim, a algo que estava além do
homem. Entretanto, ficou evidenciado que esta concepção mantém uma relação direta de
conflito com a técnica, ao dividirem os mesmos espaços de representação simbólica dos
professores. Este conflito é percebido quando os sujeitos tentam desconstruir a imagem do
dom, ao trazerem a discussão para um campo racional, evidenciando que o desenvolvimento
musical acontece mediante fatores que envolvem a dedicação à prática musical. Porém, esta
relação ambígua que envolve a construção das imagens simbólicas da concepção da música
como um dom volta a aparecer nas narrativas, quando destacam a música com uma dádiva ou
um acontecimento mágico. Desta forma, percebemos que este conflito entre as visões que
envolvem o dom e a técnica se evidencia como representações construídas em diferentes
momentos da vida de modo que permanecem ambas ativas, mesmo com concepções que se
confrontam. Podemos supor que isso acontece porque “começamos a desenvolver
representações musicais desde o primeiro momento em que estamos expostos à música em
nossa cultura. […] isso pode ocorrer antes de nascermos”. (HALLAN, 2010, p. 203)85. Para
esta autora “a cultura a que estamos expostos, molda, portanto, as estruturas musicais que
desenvolvemos e o modo como as representamos em nossas vidas” (HALLAN, 2010, p.
203)86. Nesta perspectiva, as narrativas evidenciam que as construções dos conhecimentos
musicais adquiridos ao longo da vida dão suporte para que os professores internalizem a
representação da música como um dom, mas reconheçam que, para que este “dom” se
desenvolva, é necessária a construção de conhecimentos musicais que vão consolidando a sua
formação.
Ao analisar as concepções de música na perspectiva de reconhecer as representações
sociais de música de boa qualidade, a “música popular” foi identificada como elemento
central. Essa centralidade se fortaleceu à medida que essa concepção se mostrou diretamente
ligada aos elementos periféricos “boa letra” e “MPB”, que davam sustentação ao núcleo. As

85
We begin to develop musical representations from the first moment that we are exposed to music within our
culture. [...] this can occour before we are born. (HALLAN, 2010, p. 203).
86
[…] The culture which we are exposed to, therefore, shapes the musical structures we develop, and the way we
that enact these in our lives (HALLAN, 2010, p. 203).
234

concepções de boa qualidade associadas à técnica, à música religiosa e à importância cultural,


que se conectam aos aspectos afetivos e emocionais, revelaram que estas representações
sociais transitam por todos os espaços de interação social e de compartilhamento dos
conhecimentos construídos coletivamente e transformados à medida que as aquisições de
novos saberes vão sendo estruturadas e reorganizadas simbolicamente.
A identificação da “música popular” como o núcleo central das representações sociais
de música de qualidade dos professores participantes foi algo interessante a ser observado,
pois difere dos resultados apresentados por Duarte (2011, p. 66), que identificou a música
erudita como objeto de representação social de música de boa qualidade pelos sujeitos
entrevistados em sua pesquisa, enquanto a música popular, que surgiu como um elemento
periférico em sua análise, estava relacionada aos modelos já “consagrados” no cenário
musical brasileiro. Estas diferenças nas representações sociais sobre música de qualidade são
capazes de instigar algumas reflexões importantes, uma vez que a música popular e a música
erudita, sob a ótica do senso comum, são tidas como antagônicas. Entretanto, de acordo com
Wisnki (2017), ao estudar relações que envolvem o popular e o erudito – através da
singularidade que se desenvolve o cenário cultural brasileiro –, essas duas estruturas musicais
passaram a se fundir desde Villa-Lobos. Para aquele autor, o espaço que a música moderna
brasileira ocupou no cotidiano e como se deu o seu processo de formação resultou
“frequentemente do contato entre o erudito e o popular, e dos saltos de um nível para outro”.
(WISNIK, 2007, 57). Nesta perspectiva, as relações que envolvem o erudito e o popular
podem estar dividindo alguns espaços de formação musical e, dependendo do contexto e das
suas influências, surgem diferentes representações sociais sobre um mesmo objeto.
A análise das narrativas, na perspectiva de reconhecer as representações sociais de
música de má qualidade, evidenciou que vários elementos que dão sustentação a esta
concepção – como temas sexuais, baixa variação rítmica, letras com palavrões, entre outros –
foram atribuídos ao gênero musical “funk” pelos professores entrevistados, colocando-o no
centro de suas representações sociais. Esta centralidade ganha reforço à medida que o
elemento periférico “letra ruim”, na visão dos sujeitos da pesquisa, mantém uma associação
direta com o funk e com outros gêneros musicais derivados. Outros elementos periféricos –
como “pobre de elementos”, “música midiática”, “questão sexual”, “sem função cultural” etc.
– também surgiram nas narrativas dos professores, dando sustentabilidade e estabilidade ao
núcleo das suas representações sociais de música de má qualidade.
235

Ao observarmos estas concepções de música de boa e de má qualidade, reconhecemos


que elas foram guiadas por caminhos que se conectaram à vida cotidiana e às diversas
estruturas que envolveram as suas práticas musicais no decorrer do processo de formação
pessoal e musical.
Ao discutirmos concepções sobre os aspectos considerados importantes para as aulas
de música na escola, identificamos que três elementos dividiram o núcleo central das
representações: a visão sobre as “aulas específicas”, as “letras das músicas”, que seriam
usadas em sala de aula, e as questões que envolvem a “música popular”. Outros fatores
presentes nas narrativas – como “a utilização da música dos alunos”, o “contato com novas
músicas”; a “música religiosa” – também foram vistos como importantes para um trabalho
musical no ambiente escolar e assumiram posições periféricas nas representações sociais dos
sujeitos.
A constatação de que as aulas específicas se encontravam no centro das representações
da música na escola de educação básica evidencia o quanto a visão que os professores
participantes têm da música neste espaço escolar está ligada às representações sociais
construídas a partir dos seus processos formativos acadêmicos. Porém, ao olhar para as
questões que estão integradas nos discursos, verificamos que a importância dada à aula
específica se contrapõe diretamente à visão do professor de Arte polivalente, que os
professores participantes relataram e assumiam na prática. No final, ao vincular as aulas
específicas ao ensino de instrumento – que reflete diretamente sua própria formação musical –
, podemos entender que sua concepção de aula de música específica é inadequada ao contexto
escolar da rede municipal, uma vez que este ambiente de ensino possui características
próprias e bem distintas das que são encontradas nas escolas especializadas de música
(PENNA, 2007, p. 51). Este choque entre considerar a aula específica de música como algo
importante e o posicionamento assumido como um professor polivalente, mesmo sem ter
formação para tal, evidencia uma lacuna que se fez – ou ainda se faz – presente no processo
formativo, uma vez que a graduação em uma licenciatura em música parece que não tem sido
capaz de promover um olhar sensível para as particularidades da educação básica. Neste
direcionamento Pereira, M.V. (2014, p. 91), estabelece uma crítica sobre estas inadequações
presentes no currículo das licenciaturas em música em relação aos processos que serão
vivenciados por professores que atuarão na educação básica. Para ele, o caráter performático
voltado para o processo de formação do professor de música estabelece uma relação entre
formação e prática musical, com base na compreensão de aspectos técnicos e estéticos que
236

internalizam e naturalizam uma visão formadora do professor de música. A falta – ou a falha –


em estabelecer este elo, bem como a influência das representações sociais sobre “a aula de
música” enraizadas ao longo de anos, conduz o olhar para a prática pedagógica visando a uma
aula de música concebida como ensino de instrumento. Podemos questionar, portanto, se
muitos educadores musicais continuam a pensar as aulas de música com base na experiência
em escolas especializadas, voltadas para um ensino técnico de música, sem realmente aceitar
e trabalhar com esse contexto dinâmico e heterogêneo da educação básica, com suas
especificidades e desafios.
A indicação das “letras das músicas” e da “música popular” – também pertencentes à
centralidade da representação social de música na escola – estão ligadas à perspectiva de
conduzir os estudantes a terem um “contato com novas músicas”, o que revela que a escola é
vista pelos professores como um espaço de transformação. Todavia, esta perspectiva de
direcionamento para a mudança apresentada pelos professores também revela a conexão que
os professores têm entre as aulas de música na escola e as suas concepções de música de boa
qualidade.
A “música dos alunos”, que surge nas narrativas e assume um posicionamento
periférico na construção dessas representações, destaca-se no processo de análise. Em
algumas falas, esta música foi vista como inapropriada ao ambiente escolar, justamente, por
estar relacionada ao gênero musical funk e seus derivados e à música midiática –
considerados, pelos professores, como música de má qualidade, por trazerem temas vistos por
eles como inapropriados para os alunos e para o ambiente escolar, e por desconsiderarem que
estas músicas tenham uma importância cultural. Entretanto, ao associarem a música dos
alunos à “música religiosa” – que também aparece como elemento periférico – estabelecem
uma relação diferente, uma vez que a música religiosa aparece como elemento periférico da
música de boa qualidade. Contudo, vale salientar que trabalhos como o de Chaib (2015)
indicam que a utilização de elementos ligados à vivência dos alunos podem contribuir para a
construção de novas representações sociais, uma vez que, ao buscar transmitir novos
conhecimentos a partir de outros já ancorados, este processo passa a ser mais significativo e
atraente para os alunos. Fica evidenciado, portanto, que as concepções que envolvem os
aspectos importantes para a aula de música na educação básica estão ancorados nas
representações que os professores trazem consigo sobre a aprendizagem musical, a música de
qualidade e a música de má qualidade.
237

Vale destacar que o encaminhamento das discussões na perspectiva de compreender os


diferentes processos e percursos que contribuíram para a internalização de padrões, conceitos
e práticas musicais responsáveis por indicar as representações sociais de música dos
professores conduziram-nos para os aspectos que estavam relacionados às vivências musicais
desde os primeiros contatos com o mundo social.
Diante de seus resultados, esperamos que essa pesquisa possa contribuir para o campo
científico, talvez até em áreas do conhecimento como psicologia, sociologia, psicologia
social, educação e, sobretudo, para as áreas de música e educação musical. Ressaltamos que,
entre os trabalhos que trazem como tema as representações sociais de música, poucos
discutem diretamente questões relacionadas às representações sociais dos professores que
cheguem a abarcar as suas vivências musicais e seu olhar para o ambiente escolar. Diante
disso, esperamos que esta pesquisa traga contribuições significativas para a área da educação
musical, pois, embora trazendo um olhar local, ela apresenta dimensões que podem se
aproximar de outras realidades existentes.
238

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251

APENDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO
252
253
254

APENDICE B – MODELO DE ROTEIRO PARA A SEGUNDA


ENTREVISTA
255

ANEXO A – CARTA DE ANUÊNCIA


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ANEXO B – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA


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