Curso Técnico Integrado Ao Ensino Médio em Instrumento Musical Do IFPB: Reflexões A Partir Dos Perfis Discente e Institucional
Curso Técnico Integrado Ao Ensino Médio em Instrumento Musical Do IFPB: Reflexões A Partir Dos Perfis Discente e Institucional
Curso Técnico Integrado Ao Ensino Médio em Instrumento Musical Do IFPB: Reflexões A Partir Dos Perfis Discente e Institucional
Italan Carneiro
João Pessoa, PB
Agosto/2017
Universidade Federal da Paraíba
Centro de Comunicações, Turismo e Artes
Programa de Pós-Graduação em Música
Italan Carneiro
João Pessoa, PB
Agosto/2017
Catalogação na Publicação
Seção de Catalogação e Classificação
Dedico este trabalho a todos aqueles que, assim como eu, enxergam o instrumento musical
como uma das mais apaixonantes construções humanas – capaz de realizar grandes sonhos e
alcançar grandes feitos, tais como transformações individuais e coletivas no ser humano – e
que, por isso, optaram pelo caminho da atuação profissional performática e/ou docente na área
da Música.
Agradecimentos
Agradeço a Izilda, funcionaria do PPGM, por toda a atenção e presteza ao longo dos
últimos anos.
Agradeço a minha família especialmente à minha mãe Fátima e meus tios Gracinha e
Bené por nunca terem medido esforços para contribuir com minha formação profissional e,
principalmente, humana.
Agradeço ainda ao meu orientador, Prof. Dr. Luis Ricardo pelo acolhimento e por
todos os ensinamentos dados ao longo dos últimos anos, durante a graduação e a pós
graduação.
Por fim, agradeço aos professores da banca examinadora por participarem do ritual de
defesa, e pelas significativas contribuições deixadas ao longo do texto.
GRÁFICO 11 – Pessoas e situações que contribuíram para o interesse pela música ........ 207
GRÁFICO 32 – Fatores que determinaram o grau de atendimento das expectativas ........ 276
GRÁFICO 33 – Abordagem no curso das músicas que fazem parte do gosto musical dos
estudantes ........................................................................................................................... 277
GRÁFICO 49 – Motivos que geraram interesse dos não aprovados pelo Curso em
Instrumento Musical .......................................................................................................... 311
GRÁFICO 51 – Candidatos não aprovados que já foram remunerados através da música 312
GRÁFICO 52 – Candidatos ingressantes que já foram remunerados através da música ... 312
Lista de Tabelas
TABELA 03 – Espaços não formais de educação musical em João Pessoa ...................... 244
Introdução ...............................................................................................................................17
Capítulo 1
Capítulo 2
2.4.1 Inserção das discussões acerca da Educação Politécnica no contexto brasileiro 103
Capítulo 3
Capítulo 4
4.3 Primeiras aproximações com os candidatos para ingresso na instituição ................ 304
4.3.1 Perfil socioeconômico dos candidatos .............................................................. 305
Capítulo 5
Considerações finais..............................................................................................................426
Referências bibliográficas....................................................................................................432
Apêndices...............................................................................................................................509
17
Introdução
A Educação Musical pode ser caracterizada como um campo vasto que abrange
questões, lugares, estratégias e processos diversos de formação humana. Nesse contexto, a
área ganhou em suas dimensões contemporâneas, além de uma abertura para espaços e
processos de formação pouco visíveis para os educadores musicais até a década de 1980,
problematizações vinculadas à ética, à responsabilidade social e à transformação humana.
Assim, a Educação Musical vem ampliando seu campo de atuação, preocupando-se cada vez
mais com as diferentes realidades que permeiam os espaços contemporâneos de aprendizagem
musical.
Dentro desse universo, o estudo relacionado à Educação Musical Profissional e a
representatividade desse modelo de formação para a área tem ganhado ressonância em
diferentes perspectivas. É nesse cenário que este estudo se insere: direcionando seu foco
especificamente para a formação musical técnica realizada de forma integrada ao Ensino
Médio, o presente trabalhocontempla a realidade do Curso Integrado em Instrumento Musical
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB, campus João
Pessoa1.
O curso foi implantado no ano de 2009, momento em que a Rede de Educação
Profissional e Tecnológica Brasileira, completando seu centenário, vivenciava um contexto
marcado pelo recente retorno da oferta do Currículo Integrado2 seguido de mais um processo
de transformação nas instituições da Rede (os Centros Federais de Educação Tecnológica –
CEFETs foram transformados em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia –
IFs). Podemos afirmar que o Curso Integrado em Instrumento Musical do IFPB nasce em um
contexto de crítica aos paradigmas estabelecidos historicamente pela educação
profissionalizante, favorável, portanto, ao questionamento do sedimentado modelo tecnicista
de ensino, que deixou deadequar-seà proposta educacional dos Institutos, tampouco à
proposta do Currículo Integrado. A crítica ao tecnicismo coloca-se em favor da construção de
1
Entendo como necessário explicitar minha vinculação com o universo da pesquisa, deixando claro que atuo
como docente da instituição e do curso pesquisado desde o ano de 2012, como professor do instrumento bateria e
de teoria musical. Partindo da compreensão que todo pesquisador é influenciado pelo seu meio e que portanto
nenhum conhecimento é totalmente desinteressado (como veremos a seguir), compreendo que o vínculo
estabelecido com o objeto influenciou alguns dos posicionamentos tomados ao longo da elaboração do trabalho.
Diante dessa informações, o leitor poderá compreender os condicionantes que interferiram na realização desta
pesquisa.
2
O currículo integrado constitui-se em uma “modalidade de ensino praticada nas Escolas Técnicas e CEFETs
desde 1942” (GARCIA; LIMA FILHO, 2004, p. 22) que foi extinta no ano de 1997 através do Decreto n.º 2.208
e teve o retorno de sua oferta efetivado no de 2004 por força do Decreto n.º 5.154.
18
3
A educação profissionalizante realizada na forma concomitante é “ofertada a quem ingressa no Ensino Médio
ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas distintas para cada curso, aproveitando oportunidades
educacionais disponíveis, seja em unidades de ensino da mesma instituição ou em distintas instituições de
ensino” (BRASIL, 2012d, p. 3). A forma subsequente, por sua vez, é “desenvolvida em cursos destinados
exclusivamente a quem já tenha concluído o Ensino Médio” (BRASIL, 2012d, p. 3). Destacamos que “dos
cursos tradicionais dos conservatórios ao ensino médio integrado dos Institutos Federais, muitas são as
possibilidades de atendimento na área. Contudo, lhes são apostos os mesmos desafios formalizados pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais e expressos nos cursos e perfis presentes do Eixo Tecnológico Produção
Cultural e Design, do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos” (COSTA, 2012c, p. 65).
19
4
A Instituição passou a ofertar a habilitação em música no ano de 2006 (ainda enquanto CEFET-PB) com o
Curso Técnico Subsequente em Música – ofertado até o ano de 2011 – e iniciou a oferta do currículo integrado
apenas em 2009, de modo que a turma pioneira concluiu o curso no início de 2013.
21
compreender o perfil dos jovens que realizaram a prova para ingresso no Curso Integrado em
Instrumento Musical da instituição, mas não obtiveram êxito no processo seletivo. Esta etapa
da pesquisa de campo teve como objetivo averiguara presença de jovens profissionais da
música inseridos na parcela dos que não obtiveram êxito no processo seletivo da instituição.
A quarta e última seção do capítulo, por sua vez, reflete acerca da dicotomia identificada entre
o perfil discente e o perfil institucional (ausência de ingressantes que desempenham atividade
profissional x profissionalização precoce).
Por fim, ao longo do Capítulo 5, refletimos acerca de possibilidades de integração
curricular entre os conhecimentos advindos das disciplinas de formação geral e os
conhecimentos relativos às disciplinas advindas do eixo profissional, de caráter
eminentemente musical, buscando elementos que pretendem colaborar na efetivação da
proposta de formação integrada. Partimos do entendimento que quando os conhecimentos são
ofertados numa perspectiva efetivamente integrada, sua contribuição para a desejada
formação integral dos sujeitos é substancialmente potencializada. Nesse sentido,
consideramos que as atividades musicais ofertadas ao longo do curso não podem restringir-se
na aquisição de habilidades exclusivamente técnicas, tampoucoos conhecimentos abordados
nas diversas disciplinas da Formação Geral podem adquirir uma formatação meramente
“enciclopédica”, dissociada da realidade social, cultural e política da nossa sociedade, visto
que ambas as possibilidades não se aproximam do sentido de formação omnilateral pretendido
pela atual proposta integrada. Nestes termos, entendemos que o efetivo domínio dos
conteúdos inerentes às áreas do conhecimento que atualmente compõem nosso currículo
escolar propedêutico, acrescido do trabalho e da pesquisa enquanto princípios educativos,
constitui-se enquanto uma ferramenta essencial para que os jovens egressos da Educação
Técnica Integrada, através da valorização da sua natureza enquanto sujeito trabalhador,
adquiriram melhores condições para um enfrentamento, mesmo que parcial, das condições de
exploração naturalizadas pela atual configuração do “mercado de trabalho”.
A partir do caminho delineado pelos capítulos acima expostos, que contemplou
odesenvolvimento sócio-histórico da Rede Federal de Educação Profissional Brasileira; a
compreensãodo perfil do corpo discente do Curso Integrado em Instrumento Musical do
IFPB, Campus João Pessoa; assim como reflexões acerca de possibilidades que contribuam
para a efetivação de uma formação técnica que contemple a formação omnilateral dos sujeitos
educandos, esperamos que o presente trabalho contribua para o entendimento e a
problematização da formação musical integrada ao Ensino Médio como sinônimo de
23
1. Revisão de Literatura
1
Disponível em: <http://www.periodicos.capes.gov.br/>. Acesso em: 06/09/2013.
2
Disponível em: <http://www.scielo.org/php/index.php>. Acesso em: 06/09/2013.
3
Disponível em: <https://scholar.google.com.br/>. Acesso em: 06/09/2013.
4
Disponíveis em: <http://abemeducacaomusical.com.br/>. Acesso em: 07/09/2013.
5
Disponível em: <http://tede.biblioteca.ufpb.br/?locale=pt_BR>. Acesso em: 07/09/2013.
6
Nomenclatura adotada pelo Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (BRASIL, 2012c) a partir de 2008 que
passou a englobar todos os cursos relacionados diretamente à prática instrumental como, por exemplo: Técnico
em Música, Técnico em Execução Musical, dentre outros.
7
A educação profissionalizante realizada na forma concomitante é “ofertada a quem ingressa no Ensino Médio
ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas distintas para cada curso, aproveitando oportunidades
educacionais disponíveis, seja em unidades de ensino da mesma instituição ou em distintas instituições de
ensino” (BRASIL, 2012d, p. 3). A forma subsequente, por sua vez, é “desenvolvida em cursos destinados
exclusivamente a quem já tenha concluído o Ensino Médio” (BRASIL, 2012d, p. 3).
25
8
Além dos cursos ofertados em IFs, encontramos a oferta da modalidade técnica na forma integrada no Colégio
Estadual Deputado Manoel Novaes (http://www.manoelnovaes.com.br/), localizado na cidade de Salvador – BA.
9
Além do exposto neste capítulo do trabalho, a discussão acerca da legislação educacional voltada para a
educação profissional e sua histórica subordinação às demandas do mercado de trabalho encontra-se situada no
Capítulo 2 deste trabalho.
26
10
A dissertação intitulada “Formação Profissional Técnica em Música: um estudo sobre a relação entre a
formação oportunizada e mundo do trabalho a partir da ótica dos estudantes” não foi localizada junto à
Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade Federal da Paraíba, de forma que as referências ao
trabalho foram realizadas a partir de dois artigos publicados em anais de congressos: Carmona (2012) e Carmona
e Ribas (2012).
11
A autora explicita que a pesquisa “partiu da consideração de que a Resolução nº 718/2005 e outros
documentos, a exemplo do Parecer nº 16/99, os quais subsidiaram reformas na Educação Profissional, estão
marcando a existência de um processo de efetivação de uma institucionalidade da Educação Profissional de nível
técnico para a área de música. A efetivação desta institucionalidade gerou a mudança curricular de 2005, levando
o Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli (CEMCPC) de Uberlândia a buscar uma nova
realidade na formação de nível técnico” (OLIVEIRA, 2012, p. 16). A Resolução nº 718/2005 encontra-se
27
Como uma característica marcante destes estudantes que buscam a formação musical
em nível técnico, Costa (2014, p. 145-146) afirmou que muitos “já trabalham com música,
mesmo antes de cursarem o nível técnico, havendo inserção precoce devido à demanda por
alguns instrumentos e a necessidades econômicas imediatas”. A pesquisadora destaca ainda,
corroborando com a análise de Oliveira (2012), que “todos os entrevistados [docentes,
coordenadores e gestores] sinalizaram que alunos e egressos geralmente principiam suas
carreiras profissionais por meio de aulas” (COSTA, 2014, p. 181). Acerca do contexto de
atuação deste profissional:
forma pontual”. Diante desse quadro, no intuito de promover uma inserção mais significativa
dos técnicos no mercado de trabalho, a pesquisadora apontoualgumas alternativas:a
aproximação dos espaços formativos com a Economia Criativa12, por entender “que a visão
diferenciada da Economia Criativa sobre as iniciativas deste espaço seja benéfica, abrindo
uma perspectiva de atualização real nos elos entre formação e trabalho” (COSTA, 2014, p.
215); ea presença da “flexibilidade”já durante o contexto de formação, sobre a qual comenta
que:
12
Podemos definir economia criativa como a economia voltada para as “dinâmicas culturais, sociais e
econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/fruição
de bens e serviços oriundos dos setores criativos” (BRASIL, 2011d, p. 23). Tais setores, por sua vez, são
caracterizados pela natureza de suas atividades produtivas e possuem “como processo principal um ato criativo
gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em
produção de riqueza cultural, econômica e social” (BRASIL, 2011d, p. 22). Para um maior aprofundamento
acerca da“música enquanto segmento criativo”, consultar Carneiro e Queiroz (2014).
13
Conforme Salazar (2015, p. 153), “o empreendedorismo ganhou corpo no Brasil a partir da década de [19]90.
Isto aconteceu devido à soma de quatro fatores: a) a reestruturação do Sebrae; b) o controle da inflação através
do Plano Real; c) a instituição do Simples (Lei 9.317/96), primeira versão do estatuto que concedia benefícios às
micro e pequenas empresas; d) a inserção da disciplina “empreendedorismo” no currículo dos cursos
universitários”. Sobre as políticas de fomento ao empreendedorismo, destacamos a análise Silva (2009, p. 3) que
indica que estas políticas “servem aos interesses do sistema econômico e como tal, seguem a trajetória de culto
ao individualismo, desviando o enfoque da totalidade histórica na análise dos fenômenos sociais”. Realizando
análise semelhante, Lima Júnior (2011, p. 11) argumenta que “é possível perceber nas propostas da educação
empreendedora os sinais da cilada do individualismo, presentes na cartilha do capitalismo neoliberal, capaz de
angariar os atores necessários à formação dos lucros, bem como as justificações às práticas educativas mais
gerais produzidas nos diversos espaços de formação, reforçando a prática do Você S.A., do você por você
mesmo”.
31
14
Referindo-se aos egressos do curso técnico em música do Conservatório Estadual de Música Lorenzo
Fernândez, na cidade de Montes Claros, Minas Gerais.
15
Conforme Grabowski (2006, p. 10), “as mudanças introduzidas no mundo do trabalho, impostas pela
globalização da economia e pela recente reestruturação produtiva, fizeram com que as antigas formas de
produção e organização tayloristas-fordistas deixassem de ser dominantes. Surgiu, em substituição ao modelo
anterior, um novo paradigma, com base no modelo japonês de organização e gestão do trabalho – o toyotismo –
onde a linha de montagem será substituída por células de produção, com equipes de trabalho, com a qualidade e
o trabalho controlados pelo próprio grupo, que assim realiza um autocontrole. Nesta nova organização do
trabalho, o universo é invadido por novos procedimentos de gerenciamento da produção, onde a qualidade e a
competitividade passam a ser as novas palavras de ordem e, conseqüentemente, um novo perfil de trabalhador é
exigido. Para formar este novo perfil de trabalhador, do trabalhador “flexível”, desencadeia-se a reforma da
educação básica e profissional”.
33
16
KUENZER, Acácia. Zeneida. Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São
Paulo: Cortez, 2000.
34
musical, Oliveira (2012, p. 35) ressalta que “na preparação destes profissionais, há de se
considerar a sociedade atual em contínua mudança, dada as transformações ocorridas com a
crescente industrialização e desenvolvimento tecnológico do país em um mundo globalizado”.
No entanto, as transformações decorrentes do processos de industrialização e globalização,
via de regra, não são analisadas a partir das demandasdos músicos profissionais. Até que
ponto tais transformações acarretaram em mudanças positivas nas condições de trabalho dos
músicos? Esses processos promoveramalguma melhoria nas condições materiais dos
profissionais da música? Ou, partindo de uma leitura mais ampliada do contexto
socioeconômico,tais transformações foram responsáveis por uma maior distribuição de renda
no país?
As reflexões encontradas nos trabalhos que discutem a formação profissional do
músico, via de regra, apresentaram discursos que naturalizam as características do mercado de
trabalho como uma realidade acabada, a ser aceita sem uma aprofundada compreensão, acerca
da qual não são realizadas problematizações e questionamentos.Desse modo, nãoforam
localizadostrabalhos querefletissem sobre a formação técnica em música a partir
deponderaçõesacerca das exigências impostaspelo referido mercado. As
discussõesencontradas acerca da adequação dos cursos técnicos à realidade desse mercado, a
partir da incorporação de características como a polivalência e a flexibilidade, nos remeteram,
em última análise, à precarização das condições de trabalho dos técnicos em instrumento
musical com vistas a uma maior adequação às condições impostas pelos contratantes e
empregadores.
Contrapondo-se a essa perspectiva “não-histórica” e “não-reflexiva” e argumentando
sobre a necessidade de um olhar problematizador sobre a realidade social, destacamos as
palavras de Muller (2004) acerca de uma formação musical que transcenda a mera
transmissão de habilidades técnicas:
trabalho deCarmona e Ribas (2012), quando as autoras destacam a fala dos egressos do Curso
Técnico de Instrumento Musical da EMUFRN acerca dos contextos de trabalho nos quais se
encontram inseridos:
17
KUENZER, Acácia Zeneida. Pedagogia da fábrica:as relações de produção e a educação do trabalhador. São
Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989.
36
18
SILVA, Tomaz Tadeu. O projeto educacional da nova direita e a retórica da qualidade total. In: SILVA, Tomaz
T.; GENTILI, Pablo (Org.). Escola S. A.:quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo.
2. ed. Brasília: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 1999. p. 167-188.
39
19
É importante destacar que neste subitem do trabalho serão elencados apenas os textos que discutem
diretamente a proposta do currículo integrado, ficando os demais textos que abordam questões relacionadas
(in)diretamente com a temática (referentes à formação profissional em outros contextos, formação humana,
condições dos postos de trabalho, etc.), por sua vez, diluídos ao longo do trabalho.
40
Nesse sentido, “o Ensino Médio deve ter uma relação direta com o que ocorre no
mundo do trabalho, entretanto essa relação não pode ser confundida com uma submissão ao
imediatismo preconizado pelo mercado de trabalho” (OLIVEIRA, 2009b, p. 54). Analisando
o posicionamento predominantena subárea da Educação Profissional acerca da questão, o
autor afirma que:
[...] deve haver e vem existindo uma contínua e ininterrupta preocupação por
parte daqueles que pesquisam na área de Trabalho e Educação e/ou Ensino
Médio de reafirmar o quanto o processo de formação profissional não pode
resumir-se apenas à apropriação de saberes práticos e úteis ao mercado de
trabalho. (OLIVEIRA, 2009b, p. 53)
Isto significa que é através do trabalho que a vida humana pode ser
reproduzida socialmente [...] (SILVA; BEZERRA, 2010, p. 2)
Deve-se ter claro, contudo, que o trabalho pode ser assumido como princípio
educativo na perspectiva do capital ou do trabalhador. Isso exige que se
compreenda primeiramente o trabalho humano em si, como meio pelo qual o
homem transforma a natureza e se relaciona com os outros homens para a
produção de sua própria existência; portanto, como categoria ontológica da
práxis humana que se manifesta de forma específica conforme o grau de
“desenvolvimento social atingido historicamente” pela humanidade em suas
relações sociais de produção. O trabalho assalariado, por sua vez, vem a ser
a referida forma específica da produção da existência humana sob o
capitalismo. Do ponto de vista do capital, a dimensão ontológica do trabalho
é subsumida à lógica da mercadoria. (RAMOS, 2008a, p. 7)
Portanto, o autor entende que “essa solução é transitória, pois é fundamental que se
avance na direção de construir uma sociedade na qual os jovens das classes populares possam
optar por uma profissão após os 18 anos de idade, ou seja, depois de concluir o ensino médio
politécnico”(MOURA, 2010 p. 4).Ancorados neste argumento, diversos autores como Garcia
e Lima Filho (2004), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2006), Ramos (2008a), Moura (2007, 2010,
2013), , Moura, Lima Filho e Silva (2012), Garcia (2013)entendem o currículo integrado
como uma espécie de “travessia” para o ensino estritamente politécnico.Ilustrando esta
43
20
Segundo Nosella (2015, p. 132), “a expressão ‘escola média multiforme’ apresenta semanticamente uma
vantagem e uma desvantagem: de um lado, ajuda a entender melhor o fenômeno escolar assim como existe; de
outro lado, pode camuflar a noção de sistema dual, reflexo da estrutura classista fundamental da sociedade. Com
efeito, o termo ‘multiforme’ evidencia de imediato a grande fragmentação de nosso ensino médio, que, além dos
44
dois principais tipos de escola, de cultura geral e técnico profissional, apresenta ainda variados tipos de escolas,
em prédios e horários deferentes, de centro e de periferia, particulares e públicas etc. Se existisse, de fato, um
processo da construção da unitariedade escolar, haveria progressivamente a diminuição de atalhos escolares
profissionalizantes e um incremento substantivo do ensino médio regular público, unitário. No Brasil ocorre o
processo oposto”.
45
ensino médio integrado entre os sujeitos”, tendo sido identificados docentes que“concebem o
ensino médio integrado como formação integral do ser humano, em que a formação
profissional é inseparável da formação geral”, assim como “há outros sujeitos que consideram
que o ensino médio deva ser instrumentalizado para atender o curso técnico, reduzindo o
conhecimento à sua viabilidade ou utilidade” (NESSRALLA, 2010, p. 168-169).
Acercada efetivação do processo de integração na instituição, Nessralla (2010, p. 146)
ressaltou que “a falta de formação docente adequada para se atuar no ensino médio integrado,
que possibilitaria ao docente dialogar com outros campos do conhecimento, foi citada por
cinco sujeitos como um fator que dificulta a integração”. Ainda sobre as dificuldades de
integração, a pesquisadora destacou que“para os sujeitos [pesquisados], a própria instituição
não fomenta uma discussão mais efetiva sobre a integração curricular, não promovendo
momentos para as discussões coletivas, para se conhecer o que o outro faz” (NESSRALLA,
2010, p. 142). Ainda nesse sentido, a pesquisadora indicou que:
A pesquisadora ressalta ainda que “dos 16 envolvidos nesse estudo, apenas 37,5%
afirmaram ter participado de alguma formação sobre a integração nos cursos do Ensino
Profissional” (COURA, 2012, p. 111). Caracterizando uma visão restrita e hierarquizadora da
integração entre conhecimentos da formação geral e da formação técnica presente na
instituição, Coura (2012) destacou:
Em relação ao PPC, foi possível constatar que este documento não orienta
no sentido da integração curricular, conforme afirmado pelos próprios
docentes durante a pesquisa empírica, pois não sinaliza nenhuma proposta
integradora do conhecimento, ao contrario disso, omite-se em relação à
integração entre as diversas áreas do conhecimento, principalmente sobre as
questões metodológicas para esse fim. (COURA, 2012, p. 129)
21
O decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004, revogando o Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997, possibilitou
o retorno da oferta da educação profissional em sua forma integrada ao Ensino Médio.
49
elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos integrados se deu em tempo insuficiente para
garantir o aprofundamento das discussões acerca dos fundamentos da proposta de EMI
[Ensino Médio Integrado]”. Como consequência desse processo realizado de forma
“aligeirada”, a pesquisadora destaca que “o EMI do IFPB/Campus João Pessoa contemplou
em seu projeto político-pedagógico fundamentos e princípios alinhados com a educação
politécnica, mas desconhecidos ou não suficientemente apropriados pela expressiva maioria
de professores” (PONTES, 2012, p. 232). Ainda nesse sentido, a pesquisadora reflete que:
22
O Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio em Instrumento Musical do campus João Pessoa foi implantado
através das Autorizações/Resoluções CD/CEFET-PB n.º 22, de 21 de novembro de 2008; e n.º 35, de 26 de
dezembro de 2008, simultaneamente à transformação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs)
em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), através da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de
2008.
50
23
Conforme indica o portal do Ministério da Educação, “a Rede Federal está vivenciando a maior expansão de
sua história. De 1909 a 2002, foram construídas 140 escolas técnicas no país. Entre 2003 e 2016, o Ministério da
Educação concretizou a construção de mais de 500 novas unidades referentes ao plano de expansão da educação
profissional, totalizando 644 campi em funcionamento. Disponível em: <http://redefederal.mec.gov.br/expansao-
da-rede-federal>. Acesso em: 20/04/2017.
51
pela oferta da Educação Técnica de Nível Médio na forma integrada, destacamos ainda o
trabalho de mestrado desenvolvido por Leite(2014), também realizado noInstituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB, Campus João Pessoa. A pesquisa foi
realizada com a participação de 21 docentes e teve como objetivo geral:
Ainda nesse sentido, Leite (2014, p. 90) comenta que “há uma busca contínua do
processo de integração curricular, com ênfase no processo metodológico, em detrimento dos
demais princípios dessa política”. Exemplificando a reflexão acima disposta, ressaltamosa
fala de um dos docentes abordados na pesquisa de Leite (2014), seguida da análise da
pesquisadora acerca do comentário:
analisados ao Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos24, a autora tece a seguinte reflexão:
Isso faz com que essas matrizes se tornem muito extensas e, ao mesmo
tempo, sobrecarreguem os docentes em suas atividades em sala de aula, além
de provocar uma sobrecarga de atividades para os estudantes que, nem
sempre, conseguem dar conta da complexidade imputada aos oriundos das
posições sociais desfavorecidas historicamente, que terminam sendo
excluídos dos diferentes projetos de sociedade apontados pela presente
pesquisa. (LEITE, 2014, p. 103, grifos nossos)
24
O Catálogo Nacional de Cursos Técnicos - CNCT é um instrumento criado pelo MEC para padronizar a oferta
de cursos técnicos de nível médio, padronizando as denominações e os perfis que devem ser por eles
desenvolvidos. Atualmente o CNCT classifica os cursos técnicos de nível médio em treze eixos tecnológicos,
estando o curso de Instrumento Musical inserido no eixo “Produção Cultural e Design”.
53
[...] chegamos à conclusão que, embora o Decreto 5154 tenha sido aprovado
em 2004, regulamentando a integração entre o Ensino Básico e a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, sua repercussão na prática ainda é
muito tímida, pois não alcançou ainda a superação das diferenças entre
as duas modalidades de ensino. (ESTIVALETE, 2014, p. 101, grifos
nossos)
foram encontradas experiências bem sucedidas nemno sentido mais restrito que a integração
pode adotar (numa perspectiva exclusivamente interdisciplinar entre as disciplinas de
formação geral e de formação técnica), tampouco no sentido amplo (ideal) que engloba ainda
o sentido omnilateral (integral) da formação, voltado à emancipação dos seres humanos.
Os trabalhos localizados evidenciaramo complexocontexto que caracteriza a realidade
das instituições da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, permeado por
distintas correlações de forças políticas, reflexo das disputas encontradas em instâncias
superiores,que ora apontam para a materialização (ou, pelo menos, tentativa) de propostas
como o currículo integrado, ora aponta para propostas completamente antagônicas, esvaziadas
do sentido de formação omnilateral, como a do Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego - PRONATEC (abordada a seguir no Capítulo2) que declaradamente tem
como objetivo “suprir mão-de-obra qualificada para o desenvolvimento do País e de
representar instrumento de inclusão social das camadas mais pobres da população” (BRASIL,
2011c, p. 3).
Partindo desse cenário político, evidencia-se a dificuldade que uma proposta
educacionalcujo objetivo não corresponde aos interesses das classes economicamente
dominantes,como a proposta do currículo integrado, tende a encontrar para conseguir uma
adequada materialização. Destaca-se ainda a “vocação institucional” das instituições
vinculadas à Rede Federal de Educação Profissional que, apontando para a oferta de uma
educação historicamentevinculada acorrentes educacionais como a “tecnicista”, distanciou-
seda oferta de uma formação humana em seu sentido mais amplo, o que vai demandar
portantoum significativo esforço de ordem político-institucional para atransformação radical
em sua proposta formativa prevista pela formação técnica integrada.
1
Sendo estas questões relacionadas aos objetivos específicos: 1. compreender a construção histórica da educação
profissional no Brasil, a partir de sua inserção em diferentes momentos da trajetória do país; 2. verificar como a
proposta do curso se insere no quadro historicamente consolidado da educação profissionalizante.
2 Não foram contemplados o Distrito Federal, atual cidade do Rio do Janeiro, que já dispunha do Instituto
Profissional Masculino, e o Rio Grande do Sul, onde funcionava o Instituto Parobé pois ambas tratavam-se de
instituições com organização e propósitos que já se adequavam aos determinados para as novas escolas.
3
As ideias exóticas a que se refere o fragmento referem-se, principalmente, ao ideário anarquista e socialista,
trazido pelos imigrantes estrangeiros. A esse respeito, consultar Lopreato (2003).
4
Nesse período, as mudanças coexistem com permanências estruturais e, apesar dos surtos de industrialização, a
agricultura ainda ocupa a maior parte da população economicamente ativa do país, representando mais de 70%
57
exclusão e marginalização daqueles que necessitam conciliar estudo e trabalho. Nesse sentido,
ainda conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível
Técnico,
Caracterizando a natureza das ações voltadas para a esfera educacional, que legitimam
argumentos como o acima ressaltado, apontamos o entendimento de Dourado (2010, p. 678)
ao refletir que a “relação entre Estado, educação e políticas educacionais é marcada por
processos e dinâmicas complexas, que traduzem a historicidade das relações sociais mais
amplas, suas prioridades e formas ideológicas”. Partindo desse entendimento, podemos
afirmar que “a dualidade estrutural que determinou duas redes diferenciadas ao longo da
história da educação brasileira tem suas raízes na forma de organização da sociedade, que
expressa as relações entre capital e trabalho” (KUENZER, 2000, p. 21). Nesse sentido,
refletindo acerca do contexto educacional da sociedade brasileira, Dourado (2010) indica que:
Desse modo, compreendemos que o ato de educar configura um ato político carregado
inevitavelmente das concepções de homem e de sociedade de quem o realiza. Não por acaso
as políticas educacionais, na qualidade de políticas públicas, revelam embates entre os
interesses das distintas classes sociais (trabalhadores x empregadores, por exemplo),
conforme veremos ao longo deste capítulo.
A análise empreendida neste texto parte do pressuposto de que a avaliação das
políticas públicas “é sempre resultante das condições objetivas em que ela é proposta e/ou
efetivada e, neste sentido, deve ser resultante do exercício acadêmico pautado pela razão
crítica presente nos embates e nas opções teóricas perante o conhecimento hodierno”
(DOURADO, 2010, p. 678). Desse modo, fazendo uso dos documentos oficiais e
58
2 Não foram contemplados o Distrito Federal, atual cidade do Rio do Janeiro, que já dispunha do Instituto
Profissional Masculino, e o Rio Grande do Sul, onde funcionava o Instituto Parobé pois ambas tratavam-se de
instituições com organização e propósitos que já se adequavam aos determinados para as novas escolas.
59
[…] não há dúvida de que aos objetivos das Escolas de Aprendizes Artífices
associavam-se à qualificação de mão de obra e o controle social de um
segmento em especial: os filhos das classes proletárias, jovens e em situação
de risco social, pessoas potencialmente mais sensíveis à aquisição de vícios e
hábitos “nocivos” à sociedade e à construção da nação. (BRASIL, 2010a, p.
10)
3
As ideias exóticas a que se refere o fragmento referem-se, principalmente, ao ideário anarquista e socialista,
trazido pelos imigrantes estrangeiros. A esse respeito, consultar Lopreato (2003).
60
Ainda sobre a natureza das EAAs, autores como Gomez (2003, p. 16) analisam “a
criação dessas escolas como uma estratégia política, pois sua localização não atendia às
demandas de mão-de-obra, mas sim aos redutos eleitorais”. Dessa forma, “as análises sobre o
processo de criação de escolas profissionalizantes passam obrigatoriamente pelas funções
exercidas pelo Estado no que tange à hegemonia e coerção, bem como sua relação com as
classes dominantes” (FERREIRA,1997, p. 69).
Podemos afirmar que, além de exercer controle social, as EAAs vão atender à
demanda, ainda que incipiente em alguns estados, das recentes indústrias brasileiras, pois é
importante lembrar que o país entrava em uma fase de crescimento econômico, havendo
demanda concreta de profissionais mais especializados. Nesse contexto, a educação escolar
passa a ser vista como uma ferramenta de impacto significativo na efetivação da transição da
economia nacional que pretende abandonar a condição de República dos Plantadores4, pois a
exigência de modernização nos métodos produtivos – a ser efetuada por meio da substituição
do trabalho escravo pelo assalariado, da incorporação da maquinaria e do investimento de
capitais europeus no Brasil – fundamenta a problemática da educação nacional que deveria se
adequar à nova ordem mundial.
As EAAs pretendiam formar operários e contramestres, ministrando o ensino prático e
os conhecimentos técnicos necessários aos menores, preferencialmente os desafortunados,
com idade mínima para ingresso de 10 anos e máxima de 13. Caracterizando a submissão da
“educação” ofertada nas instituições aos interesses dos empregadores, conforme o Decreto de
criação das escolas, a formação dos aprendizes seria realizada “havendo para isso até o
numero de cinco officinas de trabalho manual ou mecanico que forem mais convenientes e
necessarias no Estado em que funccionar a escola, consultadas, quanto possivel, as
especialidades das industrias locaes” (BRASIL, 1909a, p. 6975). Desse modo, o
funcionamento das escolas, conforme previsto pelo Decreto nº 7.566, estaria sujeito às
particularidades do mercado de trabalho local, de modo que, a escola de São Paulo, por
exemplo, “desde os primeiros anos de existência, era uma das poucas que ofereciam ensino de
4
Nesse período, as mudanças coexistem com permanências estruturais e, apesar dos surtos de industrialização, a
agricultura ainda ocupa a maior parte da população economicamente ativa do país, representando mais de 70%
dessa população (FRAGOSO, 1990, p. 178).
61
Podemos afirmar que este quadro esteve também presente em outros estados, de modo
que além das dificuldades financeiras acima mencionadas, as condições estruturais iniciais da
maioria das escolas era inadequada e tornava-se motivo de desânimo para os alunos,
conforme destaca Gomes (2003):
5
Instalada em 5 de janeiro de 1910, “funcionou inicialmente no Quartel do Batalhão da Polícia Militar do
Estado, depois se transferiu para o Edifício construído na Avenida João da Mata” (IFPB, 2010, p. 9).
62
1910, com apenas 33 alunos6. Caracterizando a inadequação presente nos primeiros anos de
funcionamento da escola, o histórico da instituição indica que,
Sobre a instalação das EAAs em contextos como o da cidade de João Pessoa, no qual
não havia uma demanda significativa para a formação de “mão de obra especializada”,
podemos realizar basicamente duas interpretações: a primeira, a partir de uma análise atrelada
à antecipação do processo de industrialização, entendendo que “as autoridades de então se
anteciparam ao surgimento das demandas de mão-de-obra qualificada” (OLIVEIRA JÚNIOR,
2008, p. 3); e a segunda que defende a escolha da localização como uma manobra política,
como apontam Gomez (2003, p. 16) e Pandini (2006):
6
Apesar da previsão do funcionamento sob o regime do externato, a EAA do Amazonas funcionou incialmente
como internato para crianças pobres oriundas do interior do Estado do Amazonas que constituíam boa parte dos
alunos (IFAM, 2013, p. 1).
63
7
Naquele momento, o café ainda configurava-se como o principal item de exportação para o país.
8
Corroborando com este entendimento, Baer (2002, p. 51) enuncia que “o aumento da produção serviu
principalmente para suprir a economia doméstica carente de importações, mas alguns produtos têxteis eram
exportados para a Argentina e África do Sul, e vários países latino-americanos receberam açúcar e carne
congelada”.
64
9
“A primeira na quinzena anterior ao anno e a Segunda na ultima quinzena do quinto mez desse anno”
(BRASIL, 1918b, p. 2).
10
Como veremos adiante, ainda não existe consenso relacionado à idade entendida como “adequada” para início
do contato dos jovens com os conteúdos profissionalizantes. A profissionalização formal dos jovens, realizada
nos dias atuais em média a partir dos 15 anos, continua associada às dificuldades socioeconômicas (materiais)
pelas quais ainda continua sujeita grande parte da população brasileira.
65
Retomando a análise do regulamento que passou a vigorar nas EAAs a partir do ano
de 1918, encontramos uma preocupação característica da época voltada à “disciplinarização”
das classes trabalhadoras que remete ao aspecto moral e disciplinar da instituição, de modo
que, conforme o art. 14 do regulamento, caberia aos professores e mestres de oficinas:
Realizando análise do funcionamento das escolas, Gomes (2003, p. 57) sinaliza que
“ficava clara a preocupação com a transmissão da Educação Cívica, demonstração da
necessidade da filosofia moral como definidora da educação técnica em seu anseio de formar
o trabalhador exemplar, consciente de sua nacionalidade”. Acerca da configuração daquele
contexto social e econômico, que apresenta as condições de vida dos trabalhadores da época,
destaca-se a exploração absoluta da mão-de-obra, caracterizada por baixos salários, precárias
condições de vida, grande frequência de doenças (fruto da desnutrição e da insalubridade),
elevada taxa de mortalidade e péssimas condições de moradia (MONTEIRO, 1990, p. 314).
Ainda contribuindo com o entendimento acerca deste contexto, a partir da ascensão do
movimento operário brasileiro11, Mendonça (1990) reflete:
11
A formação do movimento operário brasileiro ocorre a partir de uma significativa influência dos imigrantes
europeus fortemente influenciados pelos princípios anarquistas e comunistas, conforme destacam Cunha (2000b)
e Lopreato (2003). Na primeira década do século XX, o Brasil já contava um expressivo contingente operário,
estando a maior parte concentrada nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Destacaram-se nesse contexto as
reivindicações por melhores salários, jornada de trabalho reduzida e assistência social, de modo que “o
movimento operário brasileiro viveu anos de fortalecimento entre 1917 e 1920, quando as principais cidades
brasileiras foram sacudidas por greves. Uma das mais importantes foi a greve de 1917 em São Paulo, em que 70
mil trabalhadores cruzaram os braços exigindo melhores condições de trabalho e aumentos salariais. A greve
durou uma semana e foi duramente reprimida pelo governo paulista. Finalmente chegou-se a um acordo que
garantiu 20% de aumento para os trabalhadores” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2017, s/p).
66
forças repressivas do Estado, bem como pela disputa movida aos anarquistas
pelo recém-fundado Partido Comunista. (MENDONÇA, 1990, p. 321)
A partir das análises realizadas, podemos afirmar que as EAAs, em sua primeira
década de funcionamento, constituíram-se de fato em escolas de caráter moral-assistencialista,
cujos interesses estavam atrelados às classes dominantes, através do controle social das
camadas populares e sua “adequada inserção profissional”.
das aspirações tayloristas12. Acerca da incorporação desses princípios, Gomes (2004) reflete
que:
12
Podemos entender o taylorismo como um sistema de organização do trabalho baseado na divisão de tarefas,
cuja execução é previamente estudada e planejada em função do alcance da produtividade. Deriva da obra de
Frederick W. Taylor (1856-1915), considerado o precursor da Organização Científica do Trabalho (OCT). “As
normas, princípios e leis ‘científicas’ da administração do trabalho taylorista visaram, sobretudo, a exploração do
trabalho em seu limite máximo, daí o estudo minucioso do tempo e movimentos, sendo um dos pontos
fundamentais a separação entre os momentos de planejamento e execução do trabalho” (BATISTA, 2008, p. 5).
13
Para um maior aprofundamento, consultar Andreotti (2006) e Fausto (1999).
14
A figura de Getúlio Vargas é, certamente, uma das mais controvertidas da história do Brasil republicano. Para
um maior aprofundamento sobre a questão, consultar Diniz (1999, p. 21).
68
Francisco Montojos. Sobre aquele contexto, encontramos pertinente reflexão nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico (1999b):
15
Sobre o ensino normal, Cunha (1998, p. 66) afirma que, “embora as escolas normais jamais tenham sido
chamadas de escolas técnicas, devido, talvez, à ideologia professoral, carregada de conteúdo missionário e
carismático, elas ocupavam o mesmo lugar daquelas na arquitetura do sistema educacional, que separava o
ensino secundário dos ramos destinados à preparação de profissionais”.
16
Autores como Delaneze (2006) avaliam a centralização a partir do entendimento de que “a modernização
institucional implicava na diminuição da autonomia dos estados e municípios e no fortalecimento do poder
central. Para ele [Francisco Campos], o Estado liberal era sinônimo de Estado ‘dividido’ e ‘desarticulado’,
enquanto que o Estado nacional a que aspirava significava Estado hegemônico, integrado e monolítico”
(DELANEZE, 2006, p. 5422-5423).
17
A Reforma foi constituída dos seguintes documentos: Decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931, que criou o
Conselho Nacional de Educação; Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do
ensino superior, instituindo o Estatuto das Universidades Brasileiras; Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931,
que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro. Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931,
que estruturou o ensino secundário; Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino
comercial; Decreto nº 21.241, de 14 de abril de 1932, consolidando as disposições sobre a estruturação do ensino
secundário.
18
Fundado em 2 de dezembro de 1837, o Colégio Pedro II é uma das mais tradicionais instituições públicas de
ensino básico do Brasil. Foi o primeiro colégio de instrução secundária no país, criado com o objetivo de ser
referência para o ensino. Atualmente, encontra-se “equiparado aos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, o Colégio Pedro II [...] [e] conta com 14 campi, sendo 12 no município do Rio de Janeiro, um em
Niterói e um em Duque de Caxias, e uma unidade de educação infantil. Com quase 13 mil alunos, o Colégio
Pedro II oferece turmas desde a Educação Infantil até o Ensino Médio Regular e Integrado, além da Educação de
Jovens e Adultos (Proeja)” (COLÉGIO PEDRO II, 2017, s/d).
69
O ensino técnico comercial, por sua vez, passou a ser composto do “curso
propedêutico e dos seguintes cursos técnicos: de secretário, guarda-livros, administrador-
vendedor, atuário e de perito-contador e, ainda, de um curso superior de administração e
finanças e de um curso elementar de auxiliar do comércio” (BRASIL, 1931, p. 2625). Para
ingressar no curso propedêutico, o candidato precisaria submeter-se a exames de admissão19
ou possuir o certificado de aprovação na 1ª série do curso secundário e possuir a idade
mínima de 12 anos. O curso tinha duração de 3 anos. Já o ingresso nos cursos técnicos exigia
o certificado de conclusão do curso propedêutico, ou certificado de aprovação na 5ª série do
curso secundário. Os cursos duravam de 2 a 3 anos, dependendo da habilitação.
Para a matrícula no 1º ano do curso superior de administração e finanças era exigido o
diploma de perito-contador ou de atuário. “Essa era a única possibilidade de ingresso em
curso superior para os concludentes dos cursos técnicos” (PEREIRA; PASSOS, 2012, p. 80).
A duração do curso era de 3 anos. Acerca das proposições e do impacto causado pela
Reforma Francisco Campos, Zotti (2006) faz a seguinte análise:
[...] pela primeira vez, uma reforma atingiu os vários níveis de ensino
(secundário, comercial e superior) e foi imposta a todo território nacional.
Nesse sentido, foi instituído o sistema universitário no Brasil, através do
Estatuto das Universidades e organização da Universidade do Rio de
Janeiro; o ensino secundário foi reformado na lógica de uma formação
propedêutica para o ensino superior; dos cursos técnico-profissionais foi
organizado o ensino comercial, que não permitia o acesso dos alunos ao
ensino superior, privilégio exclusivo dos que concluíam o ensino secundário
19
Para ingressar no curso de auxiliar do comércio, o candidato se submeteria ao mesmo exame do curso
propedêutico.
70
20
Uma das exceções foi a escola da cidade de São Paulo, onde “as condições de crescimento da produção
industrial, aliadas à emulação do Liceu de Artes e Ofícios, levaram a um maior esforço de adaptação das oficinas
às exigências da produção fabril” (CUNHA, 2000b, p. 96).
21
A ideia de preservação da saúde do trabalhador passa a ser vista como possibilidade de ampliar sua
capacidade de produção, opondo-se à exploração absoluta da mão-de-obra, bastante presente no início do século.
72
No ano de 1937, a Lei n.º 378, de 13 de janeiro, “dá nova organização ao Ministério da
Educação e Saúde Pública” e promove transformação das EAAs em Liceus Profissionais,
conforme indica o art. 37:
22
Para um maior aprofundamento sobre o Canto Orfeônico e suas relações com a construção do nacionalismo na
Era Vargas, ver Penna (2012) e (2013).
23
Para um maior aprofundamento sobre o Estado Novo, consultar Pandolfi (1999) e Gomes (1999).
73
incorporava a experiência alemã da segunda metade do século XIX que foi assimilada pelos
países industrializados de forma mais ou menos espontânea” (CUNHA, 1981, p. 93).
Paralelamente, no campo socioeconômico, a legislação trabalhista e sindical que foi
sendo implantada ao longo da década de 1930 contribuiu para amenizar consideravelmente as
relações conflitantes entre empregadores (elite econômica) e trabalhadores, permitindo que o
crescimento industrial ocorresse sem maiores reivindicações sociais. E, a partir do novo
modelo econômico brasileiro, “o governo Vargas favoreceu o crescimento do setor produtivo
e de serviços nas áreas urbanas. Assim, indústria, bancos e seguros iriam crescer a partir de
1930 sob a proteção de um Estado intervencionista, regulador, nacionalista e
desenvolvimentista” 24 (LEOPOLDI, 1999, p. 118). Desse modo, fruto do conjunto de
medidas intervencionistas de caráter cumulativo, o crescimento industrial na década de 1930
foi de 125%, enquanto, no mesmo período, a agricultura cresceu 20% e, ao final da década, o
setor secundário já empregava 9,5% da mão-de obra economicamente ativa e respondia por
17,4% do valor adicionado total da economia brasileira (LEOPOLDI, 1999, p. 122).
A transformação das EAAs em Liceus não acarretou mudanças significativas para a
realidade das instituições. Assim, no curto período de existência dos Liceus (1937-1942),
destaca-se no ano de 1942 o Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de Janeiro, que instituiu a Lei
Orgânica do Ensino Industrial, “destinada a estabelecer os principios gerais normativos da
organização dos estabelecimentos de ensino industrial e do funcionamento dos cursos, das
diferentes categorias e modalidades, que os mesmos estabelecimentos possam ministrar”
(BRASIL, 1942b, p. 1).
O texto que expõe a justificativa do Decreto-Lei traz importantes considerações, nas
palavras do então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema25, sobre o contexto do
ensino profissional ofertado no período:
24
Sobre a gênese do “desenvolvimentismo” no Brasil, ver Fonseca (2004).
25
O Ministro Capanema agregou em torno de si uma linhagem de homens ilustres nos campos da educação, da
cultura e das arte. A formulação das políticas cultural e educacional para o Brasil “contou com a atuação nem
sempre simétrica, mas inequivocamente ativa, de intelectuais como Mário de Andrade, Carlos Drummond de
Andrade, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Rodrigo Mello Franco, Alceu Amoroso Lima (mais tarde Tristão de
Ataíde) e até Villa-Lobos, Jorge de Lima, Manoel Bandeira [...] Foi o ministério dos modernistas, dos Pioneiros
da Escola Nova, de músicos e poetas. Mas foi também o ministério que perseguiu os comunistas, que fechou a
Universidade do Distrito Federal (UDF), de vida ativa e curta, expressão dos setores liberais da intelectualidade
do Rio de Janeiro (1935-39)” (BOMENY, 1999, p. 137).
74
Desse modo, refletindo acerca das adequações necessárias frente às novas demandas
industriais do país, o ministro instaurou um conjunto de reformas educativas, as Leis
Orgânicas do Ensino26, que ficaram conhecidas como “Reforma Capanema”. A reforma
estruturou o ensino industrial, reformou o ensino comercial e criou o Serviço Nacional de
Aprendizagem dos Industriários (SENAI)27, dando início ao atual “Sistema S”, como também
trouxe mudanças no ensino secundário. Desse modo, a Lei Orgânica do Ensino Secundário,
Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942,
26
Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto-Lei n.º4.073/42); Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei
n.º 4.244/42); e Lei Orgânica do Ensino Comercial (Decreto-Lei n.º 6.141/43).
27
Em 1942, o Decreto-Lei nº 4.048, de 22 de Janeiro de 1942, “Cria o Serviço Nacional de Aprendizagem dos
Industriários (SENAI)” (BRASIL, 1942a, p. 1231); o Decreto-Lei nº 4.481, de 16 de julho, “Dispõe sobre a
aprendizagem dos industriários, estabelece deveres dos empregadores e dos aprendiz relativamente a essa
aprendizagem e dá outras providências” (BRASIL, 1942i, p. 11593); e o Decreto nº 10.009, de 16 de Julho de
1942, “Aprova o regimento do Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários” (BRASIL, 1942j, p. 1).
Inicialmente, o SENAI foi organizado e dirigido pela Confederação Nacional da Indústria. Para maiores
informações sobre o processo de regulamentação da instituição, consultar Cunha (1981).
75
Analisando esse contexto a partir de uma realidade distinta da referida pelo Decreto-
Lei nº 4.244/42, destacamos o relato de Chassot (2013):
Lembro que quando, em 1957, terminei o ginásio havia que se realizar uma
opção definida por uma futura escolha profissional: científico ou clássico.
Aquele, para os que depois de três anos desejassem cursar engenharia e
medicina (e profissões afins), e este, para direito e profissões correlatas. No
primeiro a ênfase era a matemática e as ciências da natureza, e no segundo,
latim e literatura. Isso então implicava, quase necessariamente, a deslocar-se
para a capital, pois na maioria das cidades do interior (do Rio Grande do
Sul) as alternativas de Ensino Médio eram duas opções profissionalizantes,
marcadas por uma segmentação de gênero: curso normal (magistério) para
mulheres e técnico em contabilidade para homens. (CHASSOT, 2013, p. 9)
28
“Deverá êste ensino tomar em consideração a natureza da personalidade feminina e a missão de mulher dentro
do lar. Decorrerão naturalmente dessa diferenciação uma diversa orientação dos programas e a separação das
classes, sempre que na mesma escola secundária houver alunos dos dois sexos. É claro, porém, que sob o ponto
de vista do valor da preparação intelectual, o ensino secundário feminino permanecerá identificado com o ensino
secundário masculino” (BRASIL, 1942f, p. 1).
76
29
Em 1946, a partir do Decreto-lei nº 8.680, alguns de seus artigos possuíram sua redação alterada (BRASIL,
1946c, p. 175).
77
30
Cada ordem de ensino foi desdobrada em seções, e estas em cursos. Os cursos do ensino industrial pertenciam
às seguintes modalidades: ordinários de formação profissional; extraordinários de qualificação, aperfeiçoamento
ou especialização profissional; e cursos avulsos de ilustração profissional.
31
“Os cursos de mestria mostraram-se infrutíferos, pois seus concluintes eram muito jovens (cerca de 18 anos) e
não tinham a experiência que permitisse e legitimasse sua posição dirigente relativamente aos operários,
geralmente de mais idade. A atividade artesanal era, já naquela época, marginal e pouco rentável, não
comportando, em termos de custos (sociais), a formação de profissionais. O ressurgimento do artesanato no
Brasil, já então artesanato de luxo, resultou de processos econômicos e sociais emergentes na segunda metade da
década de [19]60 e prescindiu, também, de escolas para a qualificação dos trabalhadores” (CUNHA, 1981, p.
103).
78
Assim, para o ingresso nos cursos industriais básicos, os candidatos deveriam ter a
idade mínima de 12 anos e máxima de 17. Para os cursos de mestria, deveriam ter concluído
curso industrial correspondente ao curso de mestria que pretendia fazer; para os cursos
técnicos, ter concluído o primeiro ciclo de qualquer ramo de ensino de segundo grau, assim
como possuir capacidade física e aptidão mental para os trabalhos escolares que deviam ser
realizados. Para o curso de didática do ensino industrial, ter concluído um dos seguintes
cursos: mestria, técnico, engenharia ou química industrial e ter trabalhado na indústria durante
no mínimo três anos. Além disso, para o ingresso em todos os cursos, o candidato precisaria
se submeter aos exames vestibulares. Sobre a natureza do ensino ofertado nos Liceus, Cunha
(1981) realiza a seguinte análise:
Desse modo, com apenas cinco anos de funcionamento, os Liceus Profissionais foram
transformados em Escolas Industriais e Técnicas, de acordo com a natureza da sua “vocação
institucional”.
79
Desse modo, podemos afirmar que a concepção ideológica presente nas Reformas
Francisco Campos e Capanema, “a partir da qual se definem tipos diferentes de escola,
segundo a origem de classe e o papel a elas destinado na divisão social e técnica e trabalho”
(KUENZER, 2002, p. 7), resultou na continuidade histórica do percurso de discriminação e
marginalização do ensino técnico-profissional.
estabelecimentos industriais federais” (BRASIL, 1942e, p. 2957). Segundo o Art. 8º, foram
instituídas as seguintes escolas técnicas federais32:
32
E ainda, segundo o “Art. 7º Fica instituida, anexa à Escola Nacional de Minas e Metalurgia, com sede na
cidade de Ouro Preto, uma escola técnica com a finalidade de ministrar o curso de mineração e o curso de
metalurgia” (BRASIL, 1942e, p. 2957).
82
33
Para um maior aprofundamento sobre a construção do Nacional-Desenvolvimentismo de Getúlio Vargas,
consultar Bastos (2006).
84
uma nova conjuntura político-econômica34. Sobre o impacto da nova ordem para o Brasil,
Amorim (2007) reflete que:
34
A divisão pós-guerra do mundo foi formalizada por duas alianças militares internacionais: o bloco capitalista,
liderado pelos Estados Unidos; e o bloco socialista, liderado pela antiga União Soviética. Para um maior
aprofundamento, consultar Neves (2002) e Lima (1996).
35
“O governo Dutra foi marcado […] por uma política econômica conduzida a partir de postulados liberais, pelo
rápido esgotamento das reservas cambiais acumuladas durante a guerra e por uma severa política de arrocho
salarial” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2012e, p. 1).
36
Para um maior aprofundamento sobre a CBAI, ver Falcão e Cunha (2009).
85
37
Nomenclatura que passou a ser adotada para o segundo ciclo do ensino secundário (cursos clássico e
científico).
38
A conclusão do curso colegial permitia acesso a todos os cursos superiores.
86
Naquele momento, era quebrada, ao menos em parte, a rigidez que separava os estudos
propedêuticos e profissionalizantes, consolidada desde a criação das EAAs, em 1909. Desse
modo, a pretendida “equivalência” entre os cursos do nível técnico e o curso colegial, seria
alcançada por intermédio da realização de exames e provas que comprovassem a suficiência
dos candidatos em relação aos conhecimentos necessários para ingresso no pretendido curso
superior.
No contexto sociopolítico, o Brasil vivenciava o segundo governo de Getúlio Vargas,
que retornara ao cargo de presidente através das eleições democráticas, realizadas em 1950, e
colhia os frutos do crescimento econômico, atingido nas décadas anteriores, nos setores da
indústria e do comércio. Contudo, não é possível afirmar que tais modificações tenham
proporcionado um desenvolvimento significativo no setor da educação.
87
39
“A gestão Café Filho, iniciada após a morte de Getúlio Vargas, caracterizou-se pela volta dos princípios
liberais e um aumento do alinhamento com o capital internacional” (CAPUTO, 2007 p. 35).
88
de realizar “50 anos de progresso em 5 anos de realizações, com pleno respeito às instituições
democráticas” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2012g, p. 1). Para tanto, foi formulado o
Plano de Metas40, consubstanciado inicialmente em 30 objetivos a serem alcançados nas áreas
de energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação. Posteriormente, foi
acrescido o trigésimo primeiro objetivo, conhecido como “meta-síntese”: a construção de
Brasília, transferindo a capital federal para o planalto central.
40
“Tanto o plano de governo mineiro quanto o Plano de Metas de Juscelino foram elaborados com base em
estudos e diagnósticos realizados desde o início da década de 1940 por diversas comissões e missões
econômicas”. Destacaram-se os estudos da Comissão Mista Brasileiro Americana de Estudos Econômicos
(Missão Abbink) e da Missão Cooke, assim como os do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE) e os da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) (FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS, 2012g, p. 1).
89
41
A Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) foi criada em 2 de fevereiro de 1945, no Governo
Getúlio Vargas, através do Decreto-Lei 7.293. “É criada, diretamente subordinada ao Ministro da Fazenda a
Superintendência da Moeda e do Crédito, com o objetivo imediato de exercer o contrôle do mercado monetário e
preparar a organização do Banco Central” (BRASIL, 1945a, p. 1892). Para maiores esclarecimentos a respeito
da Instrução 113, consultar Caputo (2007).
92
42
“Enquanto, externamente, JK era pressionado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), internamente, era
responsabilizado pela inflação crescente, decorrente dos gastos com Brasília, e pela entrada em massa do capital
estrangeiro no país. Além de enfrentar greves e manifestações organizadas por estudantes e trabalhadores
93
1960, o candidato Jânio Quadros – apoiado pela União Democrática Nacional (UDN),
oposição política ao governo de JK – obteve esmagadora vitória, juntamente com João
Goulart, eleito novamente vice-presidente da República43. Após 5 anos de governo, em 31 de
janeiro de 1961, JK passou a faixa Presidencial ao seu sucessor, Jânio Quadros, que governou
o país por apenas 7 meses, renunciando em 25 de agosto de 1961 e transferindo para João
Goulart a Presidência da República.
Em seu curto mandato, Jânio Quadros assinou o Decreto n.º 50.492 de 25 de abril de
1961, que complementou a regulamentação da Lei n.° 3.552, de 16 de fevereiro de 1959,
dispondo sobre a organização e funcionamento dos ginásios industriais. Segundo o
documento, em seu Art. 2º, o curso básico de ensino industrial, mantido o seu caráter de
educação geral, passaria a funcionar com os seguintes objetivos: “ampliar os fundamentos da
cultura, explorar as aptidões do educando e desenvolver suas capacidades, orientando-o com a
colaboração da família, na escolha de oportunidades de trabalho ou de estudos ulteriores”
(BRASIL, 1961a, p. 3844). Mantendo a tendência de progressiva aproximação entre o ensino
industrial e o ensino secundário (de caráter propedêutico), o documento determinou que:
Em 1961, o Presidente João Goulart assina a Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro, sendo
esta a primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional44. O documento
manifesta a articulação sem restrições entre os ensinos secundário e profissional por meio da
equivalência plena, formalizando, assim, um avanço na questão da dualidade estrutural de
ensino. Segundo Moura (2010, p. 878), “pela primeira vez, um regulamento envolve todos os
níveis e modalidades de ensino e dá plena equivalência entre os cursos acadêmicos e
profissionalizantes de mesmo nível, sem necessidade de adaptação, colocando fim,
urbanos e rurais, o governo sofreu fissuras na sua principal base de sustentação política” (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS, 2012h, p. 1).
43
Naquele contexto, as eleições para presidente e vice-presidente da República eram realizadas de forma
independente. “Para enfrentar a oposição, o PSD, apesar das dificuldades, retomou a aliança com o PTB e lançou
as candidaturas do marechal Henrique Teixeira Lott a presidente e de João Goulart, mais uma vez, a vice. Mas,
como Jango era um candidato forte, e como os votos para presidente e vice-presidente eram desvinculados, o
próprio Jânio passou a estimular em todo o país a criação de comitês Jan-Jan: Jânio para presidente e Jango para
vice. O movimento Jan-Jan ganhou as ruas, e Jânio e Jango ganharam as eleições” (FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS, 2012h, p. 1).
44
Sobre a tramitação da Lei, iniciada em 1948 e concluída apenas em 1961, consultar Montalvão (2011, p. 12).
94
45
A experiência brasileira, comparada a outras experiências autoritárias vivenciadas no mesmo período em
outros países da América Latina, alicerçou-se sob bases singulares. No âmbito da política, “tratava-se de um
regime tipicamente militar no sentido de que as Forças Armadas, enquanto instituição, passavam a dirigir o país
[...], [porém] manteve-se em funcionamento os mecanismos e os procedimentos de uma democracia
representativa: o Congresso e o Judiciário continuaram em funcionamento, a despeito de terem seus poderes
drasticamente reduzidos e de vários de seus membros serem expurgados; manteve-se a alternância na presidência
da República; permaneceram as eleições periódicas, embora mantidas sob controles de várias naturezas; e os
partidos políticos continuaram em funcionamento, apesar da atividade partidária ser drasticamente limitada”.
(KINZO, 2001, p. 4).
46
Destacando-se, dentre eles, o Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional
de São Paulo (CENAFOR); Centro de Educação Técnica da Amazônia (CETEAM); Centro de Educação
Técnica do Nordeste (CETENE); Centro de Educação Técnica da Guanabara (CETEG); Centro de Educação
Técnica de Brasília (CETEB); Centro de Educação Técnica da Universidade do Trabalho de Minas Gerais
(CET/UTRAMIG); Centro de Educação Técnica do Rio Grande do Sul (CETERGS); Centro de Educação
Técnica da Bahia (CETEBA) (CUNHA, 2005b, p. 128).
95
de alimentos (grãos, carnes e laticínios) (PEREIRA, 2003, p. 60). Assim, “o período dos
governos militares [...] é caracterizado pela modernização da estrutura produtiva ao alto custo
do endividamento externo” (BRASIL, 2010a, p. 11). Naquele contexto, conforme Moura
(2007, p. 11), a educação aparece como a “grande alavancadora do desenvolvimento, sendo
utilizada como meio de inculcação da ideologia do governo autoritário”.
Durante o final da década de 1960 e início dos anos 1970, uma série de experimentos
educacionais, orientados para a profissionalização de jovens, foi implantada no território
nacional sob influência norte-americana, tais como os Ginásios Orientados para o Trabalho
(GOT), os Ginásios Polivalentes, e o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino
(PREMEM) 47 . Sobre o caráter ideológico dessas iniciativas, mais especificamente o
PREMEM, Araújo afirma que tratou-se de:
47
Para um maior aprofundamento nestas iniciativas, consultar Ferreira Bittencourt Jr (2013) e Castro (2005).
96
Ainda no ano de 1971, durante o governo do general Emilio Garrastazu Médici, a LDB
de 1961, após uma década de sua promulgação, foi alterada pela Lei 5.692, de 11 de agosto,
que se dirigiu apenas ao ensino de 1º e 2º graus. Articulando-se à primeira LDB a partir da
alteração de várias de suas determinações, em seu Art. 1º, a referida Lei determinou que “o
ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação
necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,
qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania” (BRASIL,
1971, p. 6377). Assim, o currículo do 1º e 2º graus, além do conteúdo de educação geral já
existente, adquiriu o eixo de “formação especial”, que, segundo o Art. 5º do documento:
48
“Art. 26. Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do núcleo comum, fixado pelo
Conselho Federal de Educação, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular, e poderão, quando
realizadas para o exclusivo efeito de habilitação profissional de 2º grau, abranger somente o mínimo estabelecido
pelo mesmo Conselho” (BRASIL, 1971, p. 6377).
97
Entre outras, duas razões nortearam essa característica. Uma, mais imediata
e prática, era a preocupação governamental com a excessiva pressão às
portas das universidades pelos excedentes dos vestibulares. Outra razão,
derivada da política macro-econômica, era a necessidade de formação de
técnicos para o desenvolvimento econômico acelerado – era a teoria do
capital humano49 legalmente instituída. (CHIECO; CORDÃO, 1995, p. 158-
159)
49
Sobre a teoria do capital humano, consultar Oliveira (2001).
98
complexidade, uma vez que, dentre outros aspectos, não havia a base
científica que permitisse caminhar na direção de conhecimentos mais
complexos inerentes ao mundo do trabalho. E isto não ocorreu por acaso,
pois fazia parte da própria concepção de desenvolvimento do País e da
reforma educacional em questão. (MOURA, 2007, p. 13)
Diante desse quadro, observou-se um acentuado movimento dos filhos da classe média
das escolas públicas para as privadas a fim de garantir uma formação que lhes favorecesse a
continuação dos estudos no nível superior. Esse movimento de esvaziamento – de estudantes
e conteúdos – contribuiu significativamente para o processo de desvalorização da escola
pública estadual e municipal (BRASIL, 2007a, p. 15). Desse modo,
[…] tudo leva a crer que este período é marcado pela chegada crescente
nestas instituições de estudantes pertencentes à camada da sociedade sócio-
economicamente mais favorecida e que normalmente não buscavam nestas
instituições a formação técnica, mas uma boa escola pública. (PEREIRA,
2003, p. 66)
Corroborando com a teoria de Pereira (2003), os autores Cunha e Góes fazem análise
semelhante do contexto:
50
“O período 1968-1973 é conhecido como ‘milagre’ econômico brasileiro, em função das extraordinárias taxas
de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) então verificadas, de 11,1% ao ano (a.a.). Uma característica
notável do ‘milagre’ é que o rápido crescimento veio acompanhado de inflação declinante e relativamente baixa
para os padrões brasileiros, além de superávits no balanço de pagamentos” (VELOSO; VILLELA;
GIAMBIAGI, 2008, p. 222).
99
51
É importante salientar que essa condição é mantida até os dias atuais, como atestam os depoimentos dos
estudantes e candidatos ao ingresso no Curso (discutidos no Capítulo 4 deste trabalho) além da análise de autores
como Arruda (2013).
100
A partir da intensa pressão por parte de diversos setores da sociedade, em 1982, a Lei
n.º 7.044, de 18 de outubro, alterou os dispositivos da Lei nº 5.692/71 referentes a
profissionalização do ensino de 2º grau. O documento, em seu Art. 4º, parágrafo 2º,
determinou que “a preparação para o trabalho, no ensino de 2º grau, poderá ensejar
habilitação profissional, a critério do estabelecimento de ensino” (BRASIL, 1982, p. 19539).
A característica profissionalizante do 2º grau perdia o aspecto compulsório, passando então a
tornar-se apenas uma possibilidade. No contexto social, o país vivenciava um momento de
estagnação econômica, distanciando-se cada vez mais das altas taxas de crescimento,
vivenciadas durante o “milagre econômico” no início da década anterior, e lutava contra a
crescente inflação e a alta taxa de desemprego. Além disso, “o Governo Militar usara
amplamente o planejamento econômico como ferramenta e apesar da eficiência de algumas
delas, sob o ponto de vista meramente econômico, muito pouco se alcançou no sentido de
avanços no campo social” (PEREIRA, 2003, p. 61).
Naquele momento, o governo militar enfrentava frequentes manifestações populares a
favor da abertura política, de modo que, inserida em um longo e complexo processo de
redemocratização, “a crise financeira do início dos anos 1980 pôs um ponto final tanto no
regime militar como no crescimento forçado do país. O retorno do país à democracia em 1985
ocorreu sob uma pesada dívida externa e uma inflação em aceleração” (BACHA; BONELLI,
2005, p. 166).
O processo de redemocratização da sociedade brasileira, conforme Kinzo (2001, p. 4),
realizou-se de forma lenta e gradual, “em que se transcorreram 11 anos para que os civis
retomassem o poder e outros cinco anos para que o presidente da República fosse eleito por
voto popular”52. Instaurou-se, naquele momento, um movimento de reformas em instituições
e leis, que resultaram na Assembleia Nacional Constituinte53, cujos membros, deputados e
52
“Para propósito analítico, pode-se dividir este processo em três fases. A primeira, de 1974 a 1982, é o período
em que a dinâmica política da transição estava sob total controle dos militares, mais parecendo uma tentativa de
reforma do regime do que os primeiros passos de uma transição democrática de fato. A segunda fase, de 1982 a
1985, é também caracterizada pelo domínio militar, mas outros atores – civis – passam a ter um papel importante
no processo político. Na terceira fase, de 1985 a 1989, os militares deixam de deter o papel principal (apesar de
manterem algum poder de veto), sendo substituídos pelos políticos civis, havendo também a participação dos
setores organizados da sociedade civil” (KINZO, 2001, p. 4).
53
O Senado Federal disponibilizou uma versão digital dos Diários da Assembleia Nacional Constituinte, que
contêm a íntegra dos debates em Plenário, nas Comissões e Sub-Comissões Temáticas, além de obras e
101
senadores, foram eleitos em 1986, com a finalidade de elaborar uma Constituição democrática
para o país. Promulgada em 5 de outubro de 1988, a nova Constituição Federal trouxe
significativos ganhos aos direitos civis quando, pela primeira vez em nossa história
Constitucional, explicitou a declaração dos Direitos Sociais, onde destacou-se a educação.
Encontramos em seu Art. 208 o detalhamento sobre o direito à educação, onde o inciso II
determina a “progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio” 54
(BRASIL, 1988, p. 1).
A educação e sua vinculação ao trabalho aparecem explicitamente nos Art. 205, onde
determinou-se que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1988, p. 1). Também encontramos vínculo entre educação e trabalho no Art. 214
do documento:
56
É importante diferenciar o conceito de politecnia do conceito de polivalência (presente, por exemplo no
modelo de trabalho Japonês denominado Toyotismo), pois, apesar das semelhanças, os conceitos se diferem em
pontos importantes. “O trabalhador polivalente deve mobilizar toda a sua capacidade cognitiva e mesmo renovar
seus conhecimentos diariamente para melhor servir à produção em constante transformação, levando também à
necessidade de integração das capacidades e competências diversas. Entretanto, a polivalência ainda guarda a
cisão entre concepção e execução do trabalho, pois a amplitude da ação do operador tem como limite o
planejamento da atividade e o delineamento de seus objetivos principais” (CHIARIELLO; EID, 2010, p. 4). A
politecnia supera a separação entre concepção e execução do trabalho. Segundo Rubega (2004, p. 20), “o ensino
técnico dentro da visão da politecnia implica uma estrutura unitária da educação e currículos que possibilitem a
articulação dos conteúdos sobre três dimensões: os objetivos do trabalho humano; os instrumentos, máquinas e
mecanismos; e as relações da organização social e do trabalho”. Corroborando com este entendimento,
Rodrigues (2008, p. 172) destaca que “a concepção politécnica de educação propõe, através de sua dimensão
infraestrutural, a identificação de estratégias de formação humana, com base nos modernos processos de
trabalho, que apontem para uma reapropriação do domínio do trabalho”.
103
Sobre a complexa relação entre o mundo do trabalho – que por natureza é indissociável
do desenvolvimento científico – e a formação do trabalhador, Kuenzer (1989, p. 24) tece
reflexão na qual destaca a contradição que dissocia o “realizar” do “conceber”, reforçando a
necessidade do modelo educacional unitário, politécnico.
de suas ações, media, regula e controla sua ligação com o mundo natural, “transformando
dialeticamente, a partir desse processo, tanto as objetividades naturais quanto os indivíduos
que o realizam e a própria sociedade” (COSTA, 2012e, p. 37)).
As discussões relativas à educação politécnica encontram-se dispostas no terceiro
capítulo deste trabalho. Ao longo do Capítulo 3, discutimos ainda a vinculação entre
politecnia e a atual proposta do currículo integrado, elucidando as questões conceituais que se
caracterizam enquanto interseções, assim como aquelas que promovem o distanciamento
entre as duas perspectivas educacionais.
57
Algumas escolas já haviam sidos transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica antes da Lei
8.948/94: em 1978, através da Lei nº 6.545, de 30 de Junho, as Escolas Técnicas Federais do Paraná, Minas
Gerais e Celso Suckow da Fonseca, situada no Rio de Janeiro (regulamentadas pelo Decreto nº 87.310, de 21 de
Junho de 1982); em 1989, a Escola Técnica Federal do Maranhão, por sua vez, foi transformada pela Lei nº
7.863, de 31 de Outubro. E, em 1993, a Escola Técnica Federal da Bahia é transformada pela Lei nº 8.711, de 28
de Setembro.
58
O início da transição das Escolas Técnicas Federais e Escolas Agrotécnicas Federais em Centros Federais de
Educação Tecnológica somente veio a ocorrer no ano de 1999. A Escola Técnica Federal da Paraíba, por
exemplo, se tornou o Centro Federal de Educação Tecnológica da Paraíba em 1999 (IFPB, 2013, p. 1). O
processo de transformação das Escolas Agrotécnicas Federais, por sua vez, teve início no ano de 2001, com a
transformação da Escola Agrotécnica Federal de Petrolina em CEFET-Petrolina (PEREIRA, 2003, p. 77).
106
Desse modo, a análise histórica do contexto social no qual foi instituído o Sistema
Nacional de Educação Tecnológica corrobora com o argumento de Garcia e Lima Filho
(2004, p. 20), anteriormente mencionado, ao afirmar que a criação do referido Sistema visava
adequar a formação técnica aos interesses do mercado, através da flexibilização dos
currículos, moldando os profissionais a partir das demandas dos empregadores. Com essa
nova formatação, a oferta privada de educação profissional tornava-se ainda mais atrativa aos
investimentos empresariais, contribuindo simultaneamente para a redução do aporte de
recursos públicos voltados à educação profissional e consequentemente uma progressiva
retirada do comprometimento da União com a gestão dessa parcela do sistema educacional.
Confirma-se portanto que a referida reforma constituiu-se em uma iniciativa que corroborou
com o histórico distanciamento entre Educação Profissional e Educação Propedêutica,
caminhando portanto na direção da dualidade estrutural da educação brasileira.
Podemos afirmar ainda, partindo da análise de Frigotto e Ciavatta (2011, p. 624) acima
apontada, que no contexto dos anos de 1990 ganham evidência as dimensões do
individualismo e da competição, associadas diretamente à concepção de “empreendedorismo”
(abordado no Cap. 1). Conforme Salazar (2015, p. 153), o destaque dado ao
empreendedorismo naquele momento relaciona-se à reestruturação do Sebrae; as políticas
monetárias do Plano Real; a instituição do “Simples” (Lei 9.317/96); e a inserção da
disciplina empreendedorismo no currículo dos cursos universitários. Sobre as políticas de
fomento ao empreendedorismo, destacamos a análise de Silva (2009, p. 3) que indica que
estas políticas “servem aos interesses do sistema econômico e como tal, seguem a trajetória de
108
Ainda em seu Art. 1º, parágrafo 2º, a nova LDB vincula a educação à prática social e
reforça a ligação da educação escolar com o trabalho. Assim, reafirmando a concepção da
Constituição de 1988, a vinculação com o mundo do trabalho formalmente passa a ser um
eixo estruturante da educação nacional. O documento atribuiu uma nova identidade ao Ensino
Médio, dissociando-o da Educação Profissional, e determinou sua vinculação com a Educação
Básica, caracterizando-se como sua etapa final. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (2000a) trazem a seguinte consideração a respeito dessa nova configuração
dada ao Ensino Médio:
Acerca do impacto dessa nova configuração, concordamos com a análise realizada por
Nosella (2015) que aponta a medida como a retirada da “identidade conceitual própria” do
Ensino Médio, o que inevitavelmente compromete sua “significação pedagógica autônoma”.
Nesse sentido, o autor reflete que:
Por conta de sua natureza genérica, peculiar de instrumentos dessa natureza, a partir da
qual “alguns a consideram por isso flexível, outros, por vezes, ambígua” (CHRISTOPHE,
2005, p. 6), a nova LDB necessitou de sucessivos instrumentos legais complementares para
sua maior definição e implementação, dentre os quais destacou-se o Decreto n.º 2.208, de 17
de abril de 1997, que regulamentou os dispositivos referentes à Educação Profissional. Em
seu Art. 1º, o documento delimitou os objetivos da educação profissional nos seguintes
termos:
I - promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando
jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o
exercício de atividades produtivas;
II - proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades
específicas no trabalho, com escolaridade correspondente aos níveis médio,
superior e de pós-graduação;
III - especializar, aperfeiçoar e atualizar o trabalhador em seus conhecimento
tecnológicos;
111
O Decreto n.º 2.208/97 trouxe diretrizes curriculares somente para o nível técnico da
educação profissional, pois o nível básico trata-se de uma modalidade de educação não formal
e, portanto, não está sujeito à regulamentação curricular. O nível tecnológico, por sua vez,
está sujeito a regulamentação própria da Educação Superior. Conforme análise de Frigotto,
Ciavatta e Ramos (2006, p. 45), “trata-se de um decreto que expressava, de forma
emblemática, a regressão social e educacional sob a égide do ideário neoconservador ou
neoliberal e da afirmação e ampliação da desigualdade de classes e do dualismo na
educação”.
Como principal determinação do Decreto, destacou-se o Art. 5º ao instituir que “a
educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do
ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este” (BRASIL,
1997a, p. 7760). Deixava de ser possível, então, a oferta do curso técnico de nível médio na
forma integrada ao Ensino Médio. A partir desta determinação, o documento ganhou destaque
nacional e tornou-se alvo de exaustivas críticas realizadas pelos educadores envolvidos com a
temática da “Educação e Trabalho”. Segundo os autores Frigotto, Ciavatta e Ramos, o
decreto, assim como a Portaria MEC nº 646 de 14 de maio do mesmo ano59, tiveram como
objetivo:
59
Dentre outras providências, a Portaria regulamentou a implantação do disposto no Decreto Federal nº 2.208/97
(BRASIL, 1997b).
112
60
A Lei orgânica do ensino industrial determinou que: “Art. 5º Presidirão ao ensino industrial os seguintes
princípios fundamentais: […] 3. No currículo de toda formação profissional, incluir-se-ão disciplinas de cultura
geral e práticas educativas, que concorram para acentuar e elevar o valor humano do trabalhador” (BRASIL,
1942c, p. 1997).
113
Desse modo, ainda conforme Lima Filho (2002, p. 289), “em síntese, evidencia-se que
a reforma da educação profissional em curso se constitui em uma estratégia de utilização de
recursos públicos para a desestruturação, desescolarização e empresariamento da instituição
pública e para a promoção do mercado privado de educação profissional”. Interferências
dessa natureza são características marcantes das políticas neoliberais para a Educação, de
modo que, segundo Kuenzer (2000, p. 20), a “diminuição dos recursos públicos, que
permitiriam a formulação de políticas e projetos necessários à garantia dos direitos mínimos
de cidadania, não são distorções, mas a própria natureza do modelo [neoliberal]61”. Refletindo
61
Segundo Hill (2003, p. 28), “as desigualdades tanto entre Estados como dentro de cada Estado aumentaram
dramaticamente durante a era do neoliberalismo global. O capital global em sua presente forma neoliberal
degrada, desumaniza e leva a um aumento das desigualdades entre as classes sociais dentro dos Estados e
globalmente. Estes efeitos aumentam as desigualdades entre as classes sociais (influenciadas pela raça e o
114
nessa perspectiva e apontando os prejuízos causados para a área da Educação através das
práticas neoliberais, Medeiros, Leite e Pereira (2013) argumentam que:
gênero) dentro dos Estados, aumentando as desigualdades das classes sociais (influenciados pela raça e o gênero)
entre os Estados. A degradação e a capitalização da humanidade, inclusive a degradação ambiental, tem efeitos
relacionados especialmente às classes sociais. Aqueles que podem comprar água potável não morrem de sede ou
de diarréia”.
115
[…] [1] uma escola de ensino médio pode decidir, em sua proposta
pedagógica, constituir as competências básicas que são obrigatórias nas
áreas de ciências da natureza, relacionadas com as ciências da vida –
biologia, química orgânica etc. Com tal ênfase, essa escola média estará
avançando na preparação básica de seus alunos para o trabalho nas áreas da
116
Desse modo, não encontramos uma definição clara para a localização do ensino
profissional, visto que ele não faz parte da educação básica (que se encerra no Ensino Médio)
e também não pode ser situado no Ensino Superior. Esta indefinição reafirma o entendimento
que a educação profissional “não faz parte da estrutura da educação regular brasileira. É
considerada como algo que vem em paralelo ou como um apêndice” (BRASIL, 2007a, p. 17),
conforme discussões anteriores. Acerca da identidade da Educação Profissional, encontramos
no Parecer CNE/CEB Nº 16/99 a seguinte indicação:
Fica então a dúvida sobre qual concepção a palavra “privilegiado” pode adquirir num
contexto que, claramente, é caracterizado pelos interesses neoliberais. O Parecer, assim como
a própria LDB, enfatiza a articulação mas não define com clareza a relação da Educação
Profissional com as demais modalidades do ensino.
117
62
O Art. 18 da Resolução CNE/CEB nº 04/99 definiu que “a observância destas diretrizes será obrigatória a
partir de 2001, sendo facultativa no período de transição, compreendido entre a publicação desta Resolução e o
final do ano 2000” (BRASIL, 1999a, 5).
63
“Art. 16 - O MEC, conjuntamente com os demais órgãos federais das áreas pertinentes, ouvido o CNE,
organizará um sistema nacional de certificação profissional baseado em competências” (BRASIL, 1999a, p. 5).
119
Segundo a autora, o contexto do CEFET-PB não fugiu à regra das instituições acima
mencionadas, tendo sido marcado pela ausência de direcionamentos advindos do Ministério
da Educação, de modo que a subordinação dos conteúdos às competências a serem
desenvolvidas ocasionou dúvidas quanto ao papel das disciplinas nesta proposta curricular.
Nesse sentido, Queiroga (2006) ressalta que:
Todos que integramos o CEFET−PB sabemos que o corpo docente não teve
essa preparação para implementar a pedagogia das competências, uma vez
que não participou do processo de formulação da reforma, atuando apenas
como meros executores dessa política de governo. Apesar do esforço dos
dirigentes em trazer consultores do MEC, estes enfatizavam o discurso
oficial. Na indefinição em torno de concepções e de operacionalização,
impunham mais dúvidas do que certezas. (QUEIROGA, 2006, p. 20,
grifos nossos)
64
“Aquele que concluir um ou mais cursos de qualificação profissional, de forma independente ou como módulo
de curso técnico, fará jus apenas aos respectivos certificados de qualificação profissional, para fins de exercício
profissional e continuidade de estudos” (BRASIL, 1999, p. 592).
121
[…] a forma integrada não pode ser vista, de modo algum, como uma volta
saudosista e simplista à da revogada Lei nº 5.692/71. Para a nova forma
introduzida pelo Decreto nº 5.154/2004, é exigida uma nova e atual
concepção, que deverá partir do que prescreve o § 2º do Art. 4º do referido
Decreto. (BRASIL, 2004d, p. 403)
65
“O percurso político trilhado até a promulgação de um novo decreto foi atravessado por um denso debate”
(CÊA, 2006, p. 5). Naquele momento, havia um dissenso entre os autores que discutiam o Decreto n.º 2.208/97:
“eliminá-lo apenas e remeter à Lei maior, ou substituí-lo por outro instrumento legal, levando em conta que as
forças que o criaram também geraram adesão a seus objetivos e implementaram uma cultura adaptativa à
formação do cidadão produtivo acomodado à visão mercantil” (CIAVATTA; FRIGOTTO, 2002, p. 1). Sobre o
complexo processo de construção do Decreto n.º 5.154/2004, consultar Kuenzer (2003) e Frigotto, Ciavatta e
Ramos (2006).
122
66
“a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em
instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; ou c) em instituições
de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o
desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados” (BRASIL, 2004a, p. 18).
123
67
O curso com o mínimo de 3.000 horas refere-se aqueles cujas habilitações profissionais exigem o mínimo de 800 horas; o
mínimo de 3.100 horas para aquelas que exigem mínimo de 1.000 horas e o mínimo 3.200 horas para aquelas que exigem
mínimo de 1.200 horas. (BRASIL, 2005, p. 2)
124
No ano de 2008, a educação profissional técnica de nível médio ganhou uma seção na
LDB 9.394/96, através da Lei nº 11.741, de 16 de julho. O documento introduziu as
modificações previstas no corpo do Decreto 5.154/2004, de modo que o Capítulo II do Título
V da LDB passou a vigorar acrescido da Seção IV-A, denominada “Da Educação Profissional
Técnica de Nível Médio”. Desse modo, conforme Pereira e Passos (2011),
No final do ano de 2008, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, o Sistema Nacional de Educação Tecnológica foi transformado em Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica, através da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro,
e os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), por sua vez, foram transformados
125
68
Destaca-se que o MEC, apesar do amplo esforço de difusão da proposta e de articulação junto às instituições
federais de educação profissional e tecnológica, não impôs o novo modelo, de Instituto. Segundo Vidor et al.
(2011, p. 106-107), “durante o período de discussão sobre a implantação dos Institutos Federais, os Cefets do
Rio de Janeiro, Celso Suckow da Fonseca, e de Minas Gerais encontravam-se em processo eleitoral. Segundo o
relato dos dirigentes vencedores, as comunidades desses Centros optaram por não aderir à proposta de
transformação em Instituto Federal devido ao anseio de se tornarem universidades tecnológicas […] Devido a
suas opções, seguidas as atuais diretrizes, nessas instituições o processo de expansão se encerra. Isso porque esta
lei estabelece em seu artigo 15 que a ampliação da rede federal dar-se-á pelo modelo dos institutos”.
69
Incisos IV e V conforme Lei nº 12.677, de 25 de Junho de 2012 que altera a Lei Lei nº 11.892/2008
(BRASIL, 2012, p. 2).
126
70
Conforme mencionado no Capítulo 1, o Ministério da Educação indica que “a Rede Federal está vivenciando a
maior expansão de sua história. De 1909 a 2002, foram construídas 140 escolas técnicas no país. Entre 2003 e
2016, o Ministério da Educação concretizou a construção de mais de 500 novas unidades referentes ao plano de
expansão da educação profissional, totalizando 644 campi em funcionamento. Disponível em:
<http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal>. Acesso em: 20/04/2017.
127
71
“O termo ‘acreditar’ remete a competência desses institutos em dar crédito à capacidade de outra instituição
para intervir no âmbito da avaliação e certificação das competências laborais” (VIDOR et al., 2011, p. 70).
128
Tendo a concepção do ensino integrado como norteadora das ações de ensino, pesquisa
e extensão nos Institutos Federais, Pacheco (2011, p. 15) indica que “derrubar as barreiras
entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da
emancipação humana, é um dos objetivos basilares dos Institutos Federais”. Apesar de toda
uma vinculação legal que determina a atuação dos Institutos Federais numa perspectiva
voltada à formação integral dos sujeitos (politécnica), através das concepções encontradas no
currículo integrado, como percebemos a partir das discussões acima realizadas, o contexto
educacional brasileiro é caracterizado por embates advindos das correlações de força
presentes na sociedade. Nessa perspectiva, as distintas classes sociais lutam pela efetivação
dos projetos educacionais (via de regra, antagônicos) que possibilitem a materialização dos
72
A criação dos cursos de licenciatura nos Institutos relaciona-se com a carência de profissionais em
determinadas áreas para a atuação na educação básica, bem como na educação profissional e tecnológica. A
medida suscitou inúmeras discussões acerca da proposta das instituições, visto que “ao estender para toda a rede
a obrigatoriedade de implementação de licenciaturas, a política governamental não leva em conta as
especificidades das instituições de origem dos Institutos Federais” (OLIVEIRA; CARNEIRO, 2012, p. 13).
73
Acerca das obrigações relativas à oferta da educação profissional técnica de nível médio, realizada
prioritariamente na forma integrada e dos cursos de licenciatura, destacamos que apesar dos Institutos Federais
possuírem natureza jurídica de autarquia, sendo detentores de autonomia administrativa, patrimonial, financeira,
didático-pedagógica e disciplinar, “o limite da autonomia das autarquias é definido pelos fins para os quais elas
são criadas, a lei estabelece referenciais de atendimento em diferentes ofertas educativas, explicitando a atuação
mínima requerida nas diferentes faces do serviço público prestado pela instituição” (VIDOR et al., 2011, p. 91).
129
seus interesses. Desse modo, ainda nos dias atuais (2017), encontramos propostas que,
desconsiderando todo os avanços alcançados pela Educação Técnica-Profissionalizante desde
sua formalização no início do séc. XX, visam a precarização da formação voltada aos
trabalhadores, através de “processos educativos” que se resumem em “processos de
adestramento” voltados à realização de atividades necessárias aos setores produtivos.
Consideramos assim que o referido “processo de adestramento” pode ser compreendido como
uma formação que desumaniza, visto que, além de não contribuir para o desenvolvimento das
características do ser humano enquanto ser histórico, social, político, cultural, etc., colabora
para o seu “embrutecimento” ou “mecanização”, pois naturaliza o desenvolvimento do seu
trabalho físico (corporal) dissociado do seu trabalho mental (intelectual). Ilustrando as
iniciativas educacionais contemporâneas voltadas aos interesses dos detentores dos meios de
produção que almejam por “mão de obra barata” que promovem a perpetuação da histórica
“dualidade estrutural” da educação brasileira, destacamos o recém instituído “Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego”, abordado a seguir.
74
Sobre o regime de produção flexível, Kuenzer (2011, p. 47) afirma que “o que determina a inclusão na cadeia
não
é
a
presença
ou
a
ausência
de
qualificação,
mas
as
demandas
do
processo
produtivo que combinam
diferentes necessidades de ocupação da força de trabalho a partir da tarefa necessária à realização da mercadoria.
Daí
o
caráter
‘flexível’
da
força
de
trabalho;
importa
menos
a
qualificação
prévia
do que a adaptabilidade”.
130
75
Segundo a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, através da Bolsa-Formação, “a União financiará
a oferta – pela Rede Federal de EPCT, pelas redes estaduais e pelos Sistemas Nacionais de Aprendizagem – de
cursos presenciais de EPT a pessoas de diversos perfis. Mesmo sem prever transferências em espécie, o
programa permitirá que a União arque com todos os custos relacionados à oferta educacional, ao transporte, à
alimentação e até aos materiais escolares utilizados pelos beneficiários” (BRASIL, 2011e, p. 6).
131
Desse modo, podemos afirmar que o programa apresenta, em sua estrutura, espaços
onde se evidenciam relações entre a atuação pública e a privada para o atendimento de suas
metas, de modo que uma de suas características configura a transferência de recursos da
esfera pública para as instituições de ensino da rede privada. Corroborando com este
entendimento, Silva (2012b, p. 7) indica que “o primeiro aspecto que sobressai, da leitura da
lei [nº 12.513/2011, que instituiu o programa], é o financiamento das instituições particulares
de ensino, com verbas públicas”. Confirmando essa análise, Moura (2013b, p. 23) indica que
o Pronatec promove a “transferência de recursos públicos para a iniciativa privada na EP”.
Desse modo, conforme Santos e Rodrigues (2012, p. 2), foram criadas “zonas de sobreposição
entre o público e o privado de maneira a possibilitar a emergência das contradições em suas
concepções e práticas”. Argumentando nessa perspectiva, Silva (2012b) ressalta que:
Vale lembrar que este mesmo governo teceu severas críticas – em textos como o
Documento Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino
Médio (BRASIL, 2007a) – aos governos anteriores, que acentuaram a histórica dualidade
estrutural que permeia o sistema de ensino brasileiro. Refletindo acerca dos posicionamentos
explicitamente antagônicos, materializados em documentos e programas contraditórios do
atual governo, Moura (2013) argumenta que este,
76
É importante ressaltar que, desde o ano 2010, diversos educadores ligados à educação profissionalizante, além
de representantes de instituições e entidades, questionam a proposta das referidas diretrizes a partir do seu
Parecer e Resolução. Destacamos, nesse contexto, documentos como a “Carta encaminhada ao Presidente da
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação” que manifestou “discordância em relação ao
texto apresentado sobre a matéria [Parecer e Resolução], por compreender que ele expressa uma concepção
restrita de educação profissional e de sua relação com o ensino médio” (MOURA et al., 2012).
135
As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, por sua vez, partem
do entendimento que “o Ensino Médio, fundamentado na integração das dimensões do
trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, pode contribuir para explicitar o significado
da formação na etapa conclusiva da Educação Básica, uma vez que materializa a formação
humana integral” (BRASIL, 2013c, p. 190). Para ilustrar a proposta de formação integral
apresentada no documento, destacamos o trecho do item 5, “Pressupostos e fundamentos para
um Ensino Médio de qualidade social”, no qual são discutidos trabalho, ciência, tecnologia e
cultura como dimensões integrantes da formação humana (subitem 5.1):
Garcia (2013, p. 55) aponta ainda, como característica das novas DCNEM, a proposta
de “elaboração de currículos mais criativos e sintonizados com as demandas contemporâneas
e o fortalecimento do diálogo com as juventudes que estão dentro e fora de nossas escolas,
superando, portanto, o conceito de currículo por competências comportamentais”. Reforçando
o aspecto contraditório do atual cenário político-educacional, Moura (2013) enfatiza uma
importante questão, apontando o desequilíbrio que favorece aos interesses hegemônicos:
Acerca desse contexto de embate entre a formação politécnica, pretendida pela forma
integrada, e a proposta de programas de caráter tecnicista, como o Pronatec, nos remetemos à
pertinente reflexão de Kuenzer (1989):
136
77
Sobre o golpe parlamentar empreendido em 2016, consultar Guilherme (2017).
78
Cuja redação foi dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001.
79
“A Medida Provisória (MP) é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em
casos de relevância e urgência. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para
transformação definitiva em lei” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2017. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/medida-provisoria>. Acesso em: 28/08/2017).
137
80
Movimento composto pelas seguintes entidades: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd), Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), Fórum Nacional de Diretores das
Faculdades de Educação (FORUMDIR), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa, Associação Nacional de Política e
Administração da Educação (ANPAE), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Profissional Científica e Tecnológica (CONIF), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da
Educação (FINEDUCA) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
81
Nota pública da ABEM sobre a Medida Provisória Nº 746 que altera Ensino Médio. Disponível em:
<http://www.abemeducacaomusical.com.br/artsg.asp?id=138>. Acesso em: 07/10/2016.
138
proposta pelo Banco Mundial renasce na Lei nº 13.415/2017, autoritária tanto na forma
quanto no conteúdo, orientado pela flexibilização”. Desse modo, alterando de forma arbitrária
a LDB 9.394/1996), a Lei nº 13.415/2017 pretende “modernizar” a estrutura curricular do
Ensino Médio, flexibilizando-a por áreas de conhecimento, sob as justificativas de atender aos
distintos projetos de vida dos jovens, assim como melhorar os resultados do desempenho
escolar brasileiro.
As justificativas para a proposta da reforma curricular agrupam-se em torno
basicamente dos seguintes pontos: o baixo desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa
e Matemática, conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); a
estrutura curricular que, compreendendo 13 disciplinas, foi considerada excessiva e seria a
responsável pelo desinteresse e fraco desempenho; e a necessidade de modernização, no
sentido de flexibilizar o currículo por áreas de conhecimento, voltando-se para as aptidões dos
alunos e das unidades escolares. Defendendo os pontos destacados, o atual Ministro da
Educação, Mendonça Filho, compreende que “esse atual modelo, com 13 disciplinas
obrigatórias, expulsa os jovens do ensino médio no Brasil” (BRASIL, 2017d, s/p). O ministro
ainda destacou que “quase 2 milhões deles estão fora das escolas, e o Brasil não atinge a meta
do Ideb para o ensino médio desde 2011”. Analisando os referidos argumentos, Motta e
Frigotto (2017, p. 365) refletem que:
Em sua nova configuração, o currículo passa a ser dividido em duas partes, sendo
“composto pela Base Nacional Comum Curricular [BNCC – que é comum a todos os
estudantes]83 e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de
diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade
dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017a, p. 1). Nesse contexto, apenas matemática, língua
portuguesa e língua inglesa serão disciplinas obrigatórias nos três anos do currículo. Os
conteúdos e práticas relativos à educação física, arte, sociologia e filosofia, conforme o art.
35-A acrescido na LDB, estarão presentes na BNCC porém sem a obrigatoriedade de
configurarem disciplinas. A segunda parte do currículo apresenta-se como “flexível” porque
teoricamente caracteriza-se como aquela a ser escolhida pelos estudantes, tendo sido batizada
de “itinerários formativos”. O art. 4o da Lei Nº 13.415/2017, alterando o art. 36 da LDB
9.394/1996, elencou as seguintes possibilidades a serem escolhidas pelos estudantes:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas;
V - formação técnica e profissional.
Sobre as possibilidades indicadas, é necessário ressaltar, conforme Kuenzer (2017, p.
335), que “a oferta de quantos e quais itinerários formativos será definida pelos sistemas de
82
A autora utiliza a expressão “contrarreforma” indicando que “a análise desenvolvida defende que se trata de
uma contrarreforma, tal como defendido por Behring (2003), quando estudou o profundo retrocesso das políticas
sociais ocorrido na década de 1990. Naquela ocasião, a autora se recusou a vincular o conceito de reforma a
processos regressivos, pois esse conceito faz parte do debate do movimento operário, como uma estratégia
revolucionária” (FERREIRA, 2017, p. 294).
83
“A Base estabelece conteúdos e competências essenciais, isto é, o que todo estudante deve saber e ser capaz de
fazer na Educação Básica. Uma vez aprovada pelo CNE e homologada pelo ministro, será referência obrigatória
na elaboração dos currículos de escolas públicas e particulares, em todo o Brasil”. Em abril de 2017, o MEC
entregou a versão final da BNCC referente à Educação Infantil (creche e pré-escola) e ao Ensino Fundamental
(1º ao 9º ano) ao Conselho Nacional de Educação (CNE) que irá, por sua vez, elaborar parecer e projeto de
resolução que retornarão ao MEC. A BNCC referente ao Ensino Médio será entregue ainda em 2017, adaptada
às novas diretrizes do “Novo Ensino Médio”. “A partir da homologação da BNCC começa o processo de
formação e capacitação dos professores e o apoio aos sistemas de Educação estaduais e municipais para a
elaboração e adequação dos currículos escolares”. Informações disponibilizadas pelo MEC através do endereço:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em: 30/08/2017.
140
ensino, segundo suas condições concretas, o que levará à restrição das possibilidades de
escolha pelo aluno, ou seja, ao enrijecimento”. A partir desse argumento, compreendemos
como equivocada e mal-intencionada a fala do Ministro da Educação, Mendonça Filho, ao
afirmar que “o texto [da reforma] dá autonomia e protagonismo ao jovem como um
mecanismo para manter os estudantes na escola” (BRASIL, 2017d, s/p).
Ainda analisando os efeitos dos itinerários formativos, Kuenzer (2017, p. 335) aponta
que “todos os certificados habilitam à continuidade de estudos no ensino superior, contudo o
itinerário cursado reduz as possibilidades de sucesso em processos seletivos para áreas
diferentes da cursada, o que levará os alunos a frequentarem cursos preparatórios, que acabam
sendo incentivados pela nova proposta”. Refletindo acerca da natureza da flexibilização
imposta, a autora traça paralelo com relacionando-a com a “pedagogia da acumulação
flexível”:
Em resumo, o ensino médio na atual versão integra a pedagogia da
acumulação flexível e tem como finalidade a formação de trabalhadores
com subjetividades flexíveis, por meio de uma base de educação geral
complementada por itinerários formativos por área de conhecimento,
incluindo a educação técnica e profissional; a formação profissional é
disponibilizada de forma diferenciada por origem de classe, de modo a
levar os que vivem do trabalho a exercer, e aceitar, de forma natural, as
múltiplas tarefas no mercado flexibilizado. Ser multitarefa, neste caso,
implica exercer trabalhos disponibilizados pelo mercado, para os quais seja
suficiente um rápido treinamento, a partir de algum aporte de educação
geral, seja no nível básico, técnico ou superior. (KUENZER, 2017, p. 341,
grifos nossos)
contrarreforma destinada aos filhos da classe trabalhadora. Também uma confissão explícita
de que o MEC assume, de fato, uma divisão classista da educação”. Ainda nessa perspectiva,
os autores apontam:
Estagnando por 20 anos o investimento público na área social, “o governo reserva toda
a riqueza produzida para ganhos do capital, em especial mediante juros criminosos
acobertados por leis injustas. Leis e Justiça têm caminhado em sentido oposto aos interesses
da classe trabalhadora e de forma aberta” (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 366). Desse modo,
a PEC 55 caracteriza um pacote de austeridade efetivamente elaborado para o retrocesso
145
Sobre o aspecto que diferencia as relações desenvolvidas pelo homem das relações
que os demais animais estabelecem com a natureza, destaca-se que o ser humano foi o único
ser vivo que, ao invés de adaptar-se passivamente às condições e às transformações que
ocorrem em seu ambiente, deu início a um processo de modificação do seu habitat, a partir da
construção de um ambiente com características distintas daquelas ofertadas pela natureza.
Nesse sentido, Duarte (2008) ressalta que:
A transformação ativa e consciente das condições ofertadas pela natureza que cercam
o homem, responsável pela produção das suas condições de existência e consequente
transformação da sua interioridade, podemos denominar “trabalho”. Nestes termos, o trabalho
1
Esta análise corresponde ao objetivo específico de número 3 deste trabalho.
146
configura-se, portanto, como fundamento ontológico das relações não apenas econômicas,
mas culturais e sociais como um todo2. Sobre a natureza da referida práxis3, Marx (1996)
refletiu que,
2
É necessário ressaltar que não estamos nos referindo ao entendimento de senso comum que compreende
trabalho apenas como sinônimo de trabalho assalariado através da realização de um oficio (esta configura, na
verdade, a forma de apropriação capitalista da força de trabalho).
3
Conforme Costa (2012, p. 36), “no sentido marxiano, a práxis é resultado da relação dialética entre dois
momentos distintos: o da teleologia e o da causalidade. A teleologia é o planejamento ideal de um objetivo a ser
concretizado. Tal etapa é tida como um dos primeiros fenômenos a demarcar a separação entre o ser social e as
outras espécies menos desenvolvidas. [A causalidade, por sua vez, corresponde ao] processo através do qual ele
(o produto) é objetivado; tal objetivação de algo previamente idealizado corresponde ao momento da
causalidade. [...] A práxis, então, só ocorre quando os dois momentos estão unidos - do contrário, a teleologia
não-concretizada não pode ser mais do que especulação, enquanto que a causalidade não-planejada e
determinada unicamente por eventos objetivos passados constitui-se como a base da atividade irracional do
restante dos animais”.
147
4
O autor entende o processo de humanização, intencional e objetivamente realizado pelo próprio homem, como
a aquisição de uma “segunda natureza”. Para que a contribuição do trabalho educativo efetive-se nesse processo,
Saviani entende como necessária a assimilação de determinadas habilidades, como o letramento, por exemplo, e
faz referência ao conceito de “habitus”, elaborado por Bourdieu e Passeron. Segundo Saviani (2011, p. 19),
“adquirir um habitus significa criar uma situação irreversível. Para isso, porém, é preciso ter insistência e
persistência; faz-se mister repetir muitas vezes determinados atos até que eles se fixem”. De modo que, “só se
aprende, de fato, quando se adquire um habitus, isto é, uma disposição permanente, ou, dito de outra forma,
quando o objeto de aprendizagem se converte numa espécie de segunda natureza”.
5
Conforme Silva e Bezerra (2010, p .4), "a constituição do mundo da cultura ou dos homens é em-si e para-si
um processo pelo qual o homem foi desenvolvendo suas formas de apreender o mundo, formas historicamente
condicionadas de se educar".
6
Apesar de alguns autores utilizarem a expressão “mundo do trabalho”, de forma reducionista, como sinônimo
de “mercado de trabalho”, conforme discussão realizada na introdução de trabalho, compreendemos que o
mundo do trabalho abarca todo o contexto de desenvolvimento do ser humano, visto que o trabalho configura a
atividade fundante da cultura humana.
148
há, portanto, possibilidade de algum ser vivo que não o ser humano vir a
estabelecer relações universais com a natureza. (DUARTE, 2006, p. 611)
7
Caracterizando o processo de objetivação, Duarte (2008, p. 24) ressalta que “o ser humano produz uma
realidade objetiva que passa a ser portadora de características humanas, pois adquire características
socioculturais, acumulando a atividade de gerações de seres humanos”.
8
“O processo de apropriação surge, antes de tudo, na relação entre o homem e a natureza. O ser humano, pela
sua atividade transformadora, apropria-se da natureza incorporando-a à prática social” (DUARTE, 2008, p. 24).
149
Desse modo, podemos afirmar que o ser humano, ao longo de seu processo de
desenvolvimento, paralelamente às necessidades inerentes à sua natureza biológica, foi
construindo e adquirindo necessidades socialmente construídas. A partir do momento em que
foi garantida uma satisfatória adequação do meio, propiciada pelo desenvolvimento das
formas de trabalho, criou-se um contexto adequado para que os seres humanos pudessem criar
suas próprias necessidades (o mundo da cultura/trabalho, anteriormente mencionado).
Estando tais necessidades afastadas daquelas vitais básicas, inicia-se progressivamente então
o processo de complexificação do universo cultural do homem, característica fundamental do
processo entendido como humanização9. Desse modo, concordando com Rodrigues, (2001, p.
247-248), afirmamos que o mundo humano é um mundo diferenciado, construído social e
simbolicamente que, quanto mais complexo se torna, mais denuncia a distância entre a
natureza humana e toda a chamada realidade primeira ou natural. Desse modo,
9
Podemos destacar, por exemplo, o desenvolvimento da linguagem, fator que modifica completamente o
relacionamento do ser humano com o mundo exterior. A partir da transformação da experiência sensível em
experiência simbólica, conforme Rodrigues (2001, p. 247), o ser humano passa a interagir com um mundo que,
tendo surgido do plano da sua consciência individual, diferencia-se do “mundo natural”, pois passa a ser
caracterizado como o “mundo da cultura” construído socialmente.
150
O Homem não se define como tal no próprio ato de seu nascimento, pois
nasce apenas como criatura biológica que carece se transformar, se re-criar
como Ser Humano. Esse ser deverá incorporar uma natureza em tudo distinta
das outras criaturas. Ao nascer não se encontra equipado nem preparado para
orientar-se no processo de sua própria existência. (RODRIGUES, 2001, p.
240)
Concordamos com Saviani (2011, p. 13) quando este afirma que aquilo que não é
ofertado pela natureza precisa ser produzido socialmente pelos homens, o que inclui a própria
“natureza humana”, ou, em outras palavras, a própria condição efetivamente humana. Nesse
sentido, podemos afirmar “que a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele
produzida sobre a base da natureza biofísica”. Desse modo, conforme discussão anterior, as
necessidades humanas foram (e continuam sendo) construídas a partir do desenvolvimento
histórico da espécie, a partir da materialização das suas habilidades mentais, objetivadas
através da realização do seu trabalho. Este processo, a partir da transformação da sua
condição natural, seu “ser natural”, caracteriza propriamente o seu processo de
“autoconstrução”, ou seja, o processo pelo qual o ser humano dá forma à humanidade que
existe latente dentro de si.
Diferenciando-se dos demais seres vivos, nos quais a relação entre cada membro da
espécie e a espécie como um todo é essencialmente transmitida através da herança genética, a
relação entre os seres humanos enquanto espécie engloba, além da carga genética, a
apropriação das objetivações produzidas historicamente, ou seja, o desenvolvimento histórico
socialmente construído. Portanto, compreendemos que contribuir no processo de
humanização, caracteriza-se então como finalidade do processo educativo escolar, através da
transmissão dos conhecimentos “clássicos ou universais e localmente significativos”
(abordados a seguir). Apesar de compreendermos a importância, bem como as distintas
funções, da formação realizada fora do ambiente escolar (educação não-formal e informal)10,
concordamos com Duarte (2008, p. 33) que “o caráter mediatizado do processo de
apropriação da cultura assume características específicas na educação escolar, diferenciando-a
qualitativamente das apropriações que ocorrem na vida cotidiana”. Entendemos desse modo
que o processo escolar configura, de fato, uma atividade intencional norteada por objetivos
específicos que perpassam pela construção da humanidade produzida histórica e
coletivamente nos indivíduos. Portanto, conforme Saviani (2011),
10
Caracterizamos a diferença entre as três modalidades de educação – formal, não-formal e informal – a partir
dos critérios de: intencionalidade, sistematização e regulamentação. A educação formal é intencional,
sistematizada (em questões de metodologia, currículo e certificação) e possui regulamentação do Estado. A
educação não-formal, por sua vez, é intencional, pode ser sistematizada ou não, porém não possui
regulamentação. Já a educação informal não possui nenhuma das três características e realiza-se de forma
espontânea através das vivências individuais e coletivas, a partir dos distintos eventos do cotidiano (como a
simples convivência com outros seres humanos, através de filmes e livros não didáticos, etc.).
11
Saviani (2011, p. 121) utiliza a expressão “processo de mediação no seio da prática social global”.
152
12
O autor realiza ainda uma interessante analogia que explicita o caráter formador do processo educativo ao
refletir que “podemos comparar esse processo ao crescimento das plantas. Após escolher o que se quer plantar,
preparar o terreno e semear, deve-se cuidar de modo adequado para que a semente germine e se desenvolva na
forma da planta. Se não houver ações externas à semente, como adubá-las e regá-las, elas tendem a não
germinar. O esforço e a intervenção externa não garantem o nascimento e sua transformação em árvore. Isso só
ocorre se a semente, devidamente adubada e regada, acionar mecanismos internos e próprios que fazem
desabrochar os mecanismos que a levam a absorver a água da terra e o alimento que lhe são fornecidos para que
cresça em força e vigor. Não fazemos a planta crescer, apenas fornecemos-lhe os meios para que cresça”
(RODRIGUES, 2001, p. 242).
153
13
Conforme Mendes (2007b, p. 1), “a imagem da gaita-de-fole, assim como a do gaiteiro, é difundida como
símbolo nacional da Escócia desde a Idade Média, quando os generais ingleses classificaram o artefato como
instrumento de guerra, devido ao fato de o exército escocês usá-lo sempre durante a marcha e até mesmo em
pleno combate”.
154
14
Podemos afirmar que o padrão dos “intercâmbios culturais” entre diferentes países acontece de forma
desigual, a depender da sua influência no contexto econômico-político mundial. Nesse sentido, podemos apontar
os Estados Unidos como maior exportador de “produtos culturais”, sendo estes consumidos em todo o mundo,
tais quais o fast food, a música pop, canais de televisão como a MTV e a CNN, os filmes de Hollywood, etc.
155
15
É importante ressaltar que o caráter “não neutro” do conhecimento não impossibilita seu caráter objetivo.
Conforme Saviani (2011, p. 49-50), “importa, pois, compreender que a questão da neutralidade (ou não
neutralidade) é uma questão ideológica, isto é, diz respeito ao caráter interessado ou não do conhecimento,
enquanto a objetividade (ou não objetividade) é uma questão gnosiológica, isto é, diz respeito à correspondência
ou não do conhecimento com a realidade à qual se refere. Por aí se pode perceber que não existe conhecimento
desinteressado; portanto, a neutralidade é impossível. Entretanto, o caráter sempre interessado do conhecimento
não significa a impossibilidade da objetividade”. Desse modo, “para se saber quais são os interesses que
impedem e quais aqueles que exigem a objetividade, não há outra maneira senão abordar o problema em termos
históricos. Só no terreno da História, isto é, no âmbito do desenvolvimento de situações concretas, essa questão
pode ser dirimida” (SAVIANI, 2011, p. 8).
156
visto que o ato de educar nunca será indiferente à valores e neutro em relação à um projeto de
sociedade.
Sobre o processo de definição dos conhecimentos que serão elencados para a
formação das futuras gerações, Rodrigues (2001, p. 248) argumenta que “demarcar esse grau
de consciência permite que os seres humanos adquiram capacidade seletiva e noção de limites
que só podem ser estendidas nos meandros da intercomunicação cooperativa com outros
homens”. Portanto, a partir das reflexões acima dispostas, compreendemos que “tomar a ação
de ensinar como uma ação política reporta à idéia de que o conhecimento é o produto de um
trabalho social e sua construção é fruto de investigação e (re)elaboração com a cooperação
dos outros” (BRASIL, 2006a, p. 36). Ou seja, o aspecto social exerce influência determinante
nas delimitações do processo educativo, de modo que seu rumo depende do projeto de
sociedade que se almeja alcançar. Refletindo nesse sentido, Saviani (2011, p. 45) afirma que
“a prática do professor tem sempre um sentido político em si, independentemente de que esse
sentido exista para o professor, isto é, independentemente de que se tenha ou não consciência
do significado político da ação educativa”. Nesta mesma perspectiva Costa (2012) ressalta
que:
Desse modo, podemos afirmar que, na verdade, toda práxis promove algum impacto
social, causando alterações nas estruturas que compõem a sociedade, de modo que,
independente do nosso grau de conscientização, estaremos sempre reforçando e contribuindo
com a permanência (mesmo que a partir de alguma transformação) de determinadas
ideologias e estruturas, e, inevitavelmente, com a ruptura e superação de outras. Portanto,
entendemos como humanamente impossível a existência de uma postura eminentemente
apolítica, ahistórica, portanto neutra, em qualquer aspecto da vida social.
Diante do acima exposto, torna-se fundamental ressaltar que o processo de
escolarização não pode ser resumido à simples aquisição dos conhecimentos e habilidades
técnicas que atendem às demandas dos setores produtivos da economia e do mercado de
trabalho como um todo. Desse modo, ressaltamos, conforme Rodrigues (2001, p. 232), que “o
acesso a conhecimentos e habilidades constitui parte do processo de formação humana, mas
não deve ser confundido com a totalidade do processo”. Refletindo acerca da diferenciação
157
Podemos afirmar então que quanto maior o comprometimento com o aspecto ético das
relações sociais, maior o comprometimento com os atos conscientes e voluntários que afetam
outros indivíduos, grupos sociais ou a sociedade como um todo. Em outros termos, maior o
comprometimento do ser humano com o próprio ser humano – nos seus aspectos individual e
coletivo.
Outro aspecto essencial a ser considerado no papel do desenvolvimento ético do ser
humano, refere-se ao aspecto subjetivo que possui, por sua vez, características particulares
(apesar de influenciadas histórica e socialmente, podendo ser permeadas de conflitos e/ou
contradições). Refletindo acerca desse aspecto, Bueno (2009) analisa que:
Ainda refletindo sobre a “conduta ética”, na busca por entendimentos que, como
sugeriu Saviani (2011), transcendam os códigos socialmente vigentes e aproximem-se da
essência da natureza humana, apontamos como extremamente significativa, em muitos casos
determinante, a influência do contexto histórico e social. Em cada local e época, determinados
valores são socialmente assumidos como adequados (éticos) ou inadequados, sendo muitas
vezes precedidos por pouca ou nenhuma reflexão acerca do seu impacto social ou validade
universal. No nosso atual contexto, por exemplo, ações que promovam a depredação do meio
ambiente tratam-se claramente de posturas “não-éticas”, sendo socialmente condenadas,
inclusive com a legitimação do Estado e apoio da mídia. No entanto, nesse mesmo contexto, a
159
16
“At the center of all music making and musical experience lies a ‘we,’ a sense of collective identity that
powerfully influences individual identity” (BOWMAN, 2007, p. 109).
160
17
“[...] community is not merely part of the context within which musicking occurs, it is a creation of music, a
creation to whose nature and character we are ethically obliged as professionals to attend” (BOWMAN, 2007, p.
118).
18
“I think we need to learn to think of musics as fundamentally social phenomena;16 as actions and events that
are always and intimately and constitutively connected to the lives and identities of people. Our musical
exclusions, then, are always also exclusions of people” (BOWMAN, 2007, p. 118).
161
sua função quando contribui significativamente nesse processo de formação do ser humano
apropriando-o das sínteses e construções históricas relativas às práticas culturais ligadas ao
“som” que adquiriram relevância em caráter universal ou local, nos termos anteriormente
destacados. A intenção de promover o acesso aos conhecimentos que se mostraram histórica e
socialmente significativos, frutos de um efetivo engajamento humano, tem como o objetivo
último o desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo singular.
É necessário ressaltar que apesar do indivíduo caracterizar-se como a síntese de
múltiplas determinações este caracteriza-se enquanto um “ser singular”. Acreditamos que
quanto mais conectado com o conhecimento historicamente produzido ele estiver, maior serão
as possibilidades de ter sua individualidade profundamente desenvolvida. Em outros termos, é
a partir do acesso às objetivações que o ser humano desenvolve seu processo de subjetivação.
Sobre o natural processo de “individuação” 19 desenvolvido historicamente pelos seres
humanos, Bueno (2009) reflete que:
Cada repertório musical abordado, por exemplo, traz consigo um leque infinito de
interconexões que podem (e devem) ser realizadas, no entanto é necessário destacar que a
delimitação destas conexões não se caracteriza como uma tarefa fácil de ser executada pois,
conforme discussão anterior, esbarra em inúmeras questões relativas às vivências, crenças,
valores, significados, portanto individualidades e coletividades que permeiam a vida de todos
os grupos humanos.
Quando tratamos, por exemplo, do ensino da música popular brasileira, onde
encontramos gêneros como o samba, o baião, maracatu, o frevo, etc., é fundamental conhecer
com a maior profundidade possível (apesar das dificuldades ainda encontradas pela ausência
de fontes de pesquisa confiáveis e a consequente falta de materiais sistematizados) as suas
bases históricas, ou seja, os processos sociais que materializaram sua origem, bem como os
processos que promoveram suas transformações mais significativas. No nordeste do Brasil,
por exemplo, é comum nos depararmos com a expressão “autêntico forró” ou ainda
“verdadeiro forró” a partir de indivíduos que não admitem as transformações que tais gêneros
19
Podemos definir individuação enquanto “o processo de desenvolvimento de cada pessoa enquanto
personalidade socialmente efetivada” (LESSA, 2004, p. 150).
162
sofreram ao longo do tempo (especialmente nas últimas décadas a partir da incorporação dos
instrumentos eletrônicos). As questões que circundam a temática forró vão desde a própria
20
definição do gênero até as rupturas causadas pelas transformações musicais
contemporâneas21. Portanto, ao abordar os gêneros musicais que circundam a temática forró
(xote, forró eletrônico, baião, etc.) o educador musical esbarra em uma série de questões
essenciais para a problematização, tais como influência da mídia nos padrões estéticos
contemporâneos, alterações na instrumentação e construções rítmicas a partir das influências
de outros gêneros, temáticas recorrentes em letras, etc. (questões abordadas no Cap. 4). De
modo semelhante, o estudo de repertórios como o norte-americano, a partir de gêneros como
o jazz, o funk, o pop, dentre outros, esbarra em questões como o processo de globalização que
promove desde contatos extremamente salutares entre as diversas culturas até a
homogeneização de determinadas formas e padrões musicais norte americanos, o que
caracteriza em alguns casos o processo denominado por alguns autores de “imperialismo
cultural norte americano”22.
Portanto, ao educador musical cabe a difícil e fundamental tarefa de selecionar os
conteúdos a partir da sua percepção e entendimento de música, de sociedade, de ser humano e
de mundo não havendo receitas prontas que atendam adequadamente à questões do tipo: “o
que devo ensinar?” ou ainda “como devo ensinar?”. Desse modo, precisamos compreender,
conforme Bowman (2007) que:
20
O termo forró para alguns refere-se a um gênero musical, enquanto para outros refere-se à festa, como um
todo, composta por diversos gêneros (baião, xote, etc.). Sobre esta complexa questão, Dantas (2011, p. 117)
afirma que, “para muitos músicos, em particular os mais antigos, existe uma diferença e uma confusão acerca
dos termos baião – que seria um gênero – e o forró – que seria a festa, o ambiente. Contudo, até entre esses
artistas, mais antigos, há divergências no que diz respeito a esse assunto. Para uns, existe o baião, apenas
enquanto gênero; para outros, como por exemplo, o zabumbeiro Quartinha, o zabumbeiro Parafuso e o
compositor Antônio Barros, existe, além do gênero baião, o forró, enquanto gênero. Nesse caso, para estes
músicos, assim como outros, esse termo representaria tanto a festa, o ambiente, quanto um gênero mais
balançado, mais ‘remexido’ ” (DANTAS, 2011, p. 117).
21
Segundo Santos (2012, p. 77-78), ”nos anos 1980, Jorge de Altinho recodifica o forró, e essa recodificação –
somada à sensualidade do grupo Kaoma e da lambada como um todo – vai culminar com o forró pop dos anos
1990, que produzirá no Nordeste uma música consumida em várias regiões do Brasil, diversificando o mercado
local e otimizando a sua sustentabilidade. O revival étnico-nacionalista que culmina nos anos 2000 alimenta a
reação ao forró pop e reconfigura o campo. Atualmente, a diversidade é tão vasta que o uso dos rótulos ‘forró
tradicional’ e ‘forró eletrônico’ se mostra insuficiente e inócuo”.
22
Para um maior aprofundamento acerca do imperialismo cultural norte americano, consultar Sousa (2011).
163
23
“Our conceptions of instructional method and of musicianship are both culturally- and practicespecific, which
is to say that they favor and privilege method and musicianship of certain kinds, while excluding others. Both
instructional method and musicianship are typically conceived along lines specific to the musical practices that
have been the traditional focus of university music instruction. Those musical practices, as we know, are
typically the ones that originated in the European aristocracy several hundred years ago. But neither instructional
method nor musicianship is an absolute or a universal thing” (BOWMAN, 2007, p. 115).
164
A competência técnica é mediação, isto quer dizer que ela está entre, no
meio, no interior do compromisso político. Ela é mediação, ou seja, é
também (não somente) por seu intermédio que se realiza o compromisso
político. Ela é, pois, instrumento, ou seja, ela não se justifica por si mesma,
mas tem o seu sentido, a sua razão de ser no compromisso político. Portanto,
ela não explica o compromisso político, mas explica-se por ele, embora seja
uma das formas por meio das quais (sempre o conceito de mediação) se
explicita e se realiza o compromisso político. Em suma, a competência
técnica é um momento do compromisso político (com a condição de se
entender a palavra momento como uma categoria dialética). (SAVIANI,
2011, p. 31)
Desse modo, a competência técnica, pensada como mediação, precisa ter como
finalidade a passagem do compromisso político elaborado mentalmente como possibilidade
para o compromisso político assumido na prática profissional cotidiana. “A competência
165
técnica é, pois, necessária, embora não suficiente para efetivar na prática o compromisso
político assumido teoricamente” (SAVIANI, 2011, p. 31). Para tanto, os conhecimentos
técnicos precisam necessariamente de uma estreita vinculação às questões e discussões
históricas que permearam seu desenvolvimento bem como os processos de sua aplicação. O
processo de formação humana só obtêm êxito (mesmo que ainda relativo) quando a aquisição
do conhecimento contribui na ampliação da compreensão de mundo do sujeito em formação,
ou seja, quando aquele conhecimento relaciona-se com o maior número de aspectos possíveis
de sua vida. O mesmo ser humano que tem interesse em adquirir, por exemplo, um maior
domínio técnico de um instrumento musical num curso técnico, também é aquele que nasceu
e vive num determinado momento histórico com características particulares, estando inserido
e fazendo parte de uma comunidade regida por normas, leis, etc. que precisam ser
compreendidas. Este mesmo sujeito vive sob um determinado modo de produção com
características e particularidades que norteiam completamente as suas relações sociais e,
portanto, o desenvolvimento da sua vida.
Refletindo sobre o impacto dos processos escolares que, em oposição ao acima
exposto, atendem exclusivamente às demandas produtivas da sociedade, Costa (2012)
argumenta que:
Advinda das reflexões marxistas voltadas para a educação24, dentre as quais destaca-se
a concepção de politecnia (abordada no Capítulo 2), a formação técnica realizada na
perspectiva Integrada ao Ensino Médio passou a nortear o horizonte da formação ofertada
pela Rede Federal de Educação Profissional, apontando para uma proposta educacional que
remete-se à formação integral dos sujeitos, conforme indica a Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC):
24
É importante ressaltar, conforme indicam autores como Lombardi (2010), que Marx e Engels não realizaram
análise específica acerca da Educação, não tendo proposto assim uma teoria pedagógica. No entanto, as
observações feitas por estes teóricos sobre a formação, o ensino, a qualificação laboral, dente outras perspectivas
ligadas à Educação, são identificadas no conjunto de suas obras, permitindo assim sua compreensão acerca de
tais questões.
167
25
A Lei orgânica do ensino industrial determinou que: “Art. 5º Presidirão ao ensino industrial os seguintes
princípios fundamentais: […] 3. No currículo de toda formação profissional, incluir-se-ão disciplinas de cultura
geral e práticas educativas, que concorram para acentuar e elevar o valor humano do trabalhador” (BRASIL,
1942c, p. 1997).
168
portanto, “superar a aridez das abstrações científicas para dar vida ao conteúdo escolar,
relacionando-o com as experiências passadas e atuais vivenciadas pelos
estudantes/educadores, projetando uma ponte em direção ao seu futuro e ao da realidade
vivencial” (BARACHO et al., 2006, p. 105). Ainda acerca da contextualização dos conteúdos,
Machado (2006, p. 85) reflete que este procedimento “coloca o aluno em consonância com
seu tempo e o estimula a participar ativamente dos debates regionais e nacionais, permitindo-
lhe decifrar as oportunidades que dispõe de contribuir com a sociedade”. De modo que
contribui “com a sua formação integral, pois estes são desafiados a compreender as forças
societárias que afetam as relações interinstitucionais e interpessoais, o meio ambiente e o
contexto econômico, demográfico, físico-ecológico, tecnológico, político-legal e
sociocultural” (MACHADO, 2006, p. 85). Portanto, nas palavras da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC), a proposta do ensino integrado:
26
Destacam-se ainda autores como Arruda (2010, p. 12) que faz a leitura que “o ensino médio integrado que
emerge do Parecer do CNE se apresenta mais como uma camisa de força para o aluno. Ele continua obrigado a
cumprir duas cargas horárias distintas, mas sem a opção de abandonar um dos cursos, caso queira”.
27
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, estudo realizado pelo IBGE que “obtém informações anuais
sobre características demográficas e socioeconômicas da população, como sexo, idade, educação, trabalho e
rendimento, e características dos domicílios, e, com periodicidade variável, informações sobre migração,
fecundidade, nupcialidade, entre outras, tendo como unidade de coleta os domicílios. Temas específicos
abrangendo aspectos demográficos, sociais e econômicos também são investigados”. Informações disponíveis
em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pesquisa_resultados.php?id_pesquisa=40>. Acesso em:
12/01/2016.
171
idade o nível de ocupação foi de 1,8%, para pessoas de 14 ou 15 anos de idade foi de 11,4% e
para aqueles com 16 ou 17 anos de idade foi de 26,4%”28 (IBGE, 2014, p. 32).
Refletindo sobre o aspecto profissionalizante contido na atual proposta do currículo
integrado, Moura (2007) argumenta que:
28
“Outro aspecto relacionado ao trabalho de crianças está na dedicação destas aos afazeres domésticos. Assim,
para o grupo de 10 a 15 anos de idade, 37,6% dos meninos e 68,5% das meninas declararam cuidar de afazeres
domésticos na semana de referência” (IBGE, 2014, p. 32).
172
29
A expressão “culturalmente desinteressado”, nesse contexto, pode ser entendida como “mercadologicamente
desinteressado”. Acerca da expressão “destinado a preparar dirigentes”, o autor entende que a formação para ser
dirigente trata-se de um direito comum a todos os indivíduos. Abordando as duas ideias mencionadas acima (da
importância da não-profissionalização e da formação de dirigentes como direito um de todos), destacamos a
seguinte de reflexão de Nosella (2011, p. 1064): “um processo de indefinição profissional de 4/5 anos é natural;
custa, mas é indispensável, sobretudo quando se visa a formar um dirigente da sociedade, isto é, um cidadão
pleno”.
173
30
Mesmo, no caso do Brasil, tratando-se de um processo de formação permeado de dilemas e inadequações que
ainda não visa a formação plena do ser humano.
174
1
Questão prevista pelo objetivo específico 5: delinear o perfil dos estudantes a partir de suas inter-relações com
a música e a formação técnica-integrada.
177
2
A educação profissionalizante realizada na forma subsequente é “desenvolvida em cursos destinados
exclusivamente a quem já tenha concluído o Ensino Médio” (BRASIL, 2012a, p. 3).
178
Acerca das disciplinas que compõem o atual currículo, destacamos na tabela a seguir a
composição da matriz curricular em vigência no momento da pesquisa, apresentando as
disciplinas por ano letivo, seguidas das suas respectivas cargas horárias anuais6:
3
Conforme apontado no final do subitem 2.5, no ano de 2001, os CEFETs passaram a adotar o modelo
pedagógico das competências que previu a organização dos currículos em “formatos flexíveis”, abarcando
possibilidades como, por exemplo, as “saídas intermediárias e finais, sempre que possível” (BRASIL, 2001, p. 4).
Nestes termos, o currículo passou a ser organizado em módulos, concebidos como unidades pedagógicas
autônomas, constituídas de conteúdos estabelecidos de acordo com o perfil profissional.
4
“Ao final de cada bimestre deverão ser realizados estudos e avaliações de recuperação, destinadas aos discentes
que não atingirem a média bimestral 70 (setenta)” (IFPB, 2013. p. 38).
5
Segundo a Resolução CNE/CEB Nº 2/2012, “atendida a formação geral, incluindo a preparação básica para o
trabalho, o Ensino Médio pode preparar para o exercício de profissões técnicas, por integração com a Educação
Profissional e Tecnológica, observadas as Diretrizes específicas, com as cargas horárias mínimas de: a) 3.200
(três mil e duzentas) horas, no Ensino Médio regular integrado com a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio” (BRASIL, 2012a, p. 5).
6
As cargas horárias obedecem às seguintes correspondências: 33h/a = 2 créditos, 67 h/a = 4 créditos, 100 h/a = 6
créditos, etc., sendo cada crédito equivalente a 1h de aula semanal.
179
1O ANO 2O ANO
Disciplina CH Disciplina CH
BIOLOGIA I 67 BIOLOGIA II 67
EDUCAÇÃO FÍSICA I 100 EDUCAÇÃO FÍSICA II 100
FILOSOFIA 33 ESPANHOL INSTRUMENTAL I 67
FÍSICA I 100 FILOSOFIA II 33
GEOGRAFIA - I 67 FÍSICA II 67
HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DA PARAÍBA I 67 GEOGRAFIA II 67
MATEMÁTICA I 100 HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DA PARAÍBA II 67
PORTUGUES E LITERATURA BRASILEIRA I 100 MATEMÁTICA II 67
QUIMICA I 67 PORTUGUES E LITERATURA BRASILEIRA II 100
SOCIOLOGIA I 33 QUIMICA II 67
INFORMÁTICA BÁSICA I 67 SOCIOLOGIA II 33
HISTORIA DA ARTE E DA MUSICA 67 HISTORIA DA MUSICA BRASILEIRA E PARAIBANA 67
INSTRUMENTO I 67 INSTRUMENTO II 67
PERCEPÇÃO I 67 PERCEPÇÃO II 67
PRÁTICA PROFISSIONAL I 67 PRÁTICA PROFISSIONAL II 67
TEORIA MUSICAL I 67 TEORIA MUSICAL II 67
3O ANO 4O ANO
Disciplina CH Disciplina CH
BIOLOGIA III 67 ARTES 67
EDUCAÇÃO FÍSICA III 100 FILOSOFIA IV 33
ESPANHOL INSTRUMENTAL II 67 MATEMÁTICA IV 67
FILOSOFIA III 33 PORTUGUES E LITERATURA BRASILEIRA IV 67
FÍSICA III 67 SOCIOLOGIA IV 33
HISTÓRIA GERAL, DO BRASIL E DA PARAÍBA III 67 EDUCAÇÃO E TRABALHO 67
INGLES INSTRUMENTAL I 67 EMPREENDEDORISMO 67
MATEMÁTICA III 67 ESTÁGIO SUPERVISIONADO 300
PORTUGUES E LITERATURA BRASILEIRA III 67 TCC 67
QUIMICA III 67 ELABORAÇÃO DE PROJETOS CULTURAIS 67
SOCIOLOGIA III 33 INSTRUMENTO IV 67
INSTRUMENTO III 67 PERCEPÇÃO IV 67
PERCEPÇÃO III 67 PRÁTICA PROFISSIONAL IV 67
PRÁTICA PROFISSIONAL III 67 PREPARAÇÃO PARA PALCO/PERFORMANCE 67
TEORIA MUSICAL III 67 TEORIA MUSICAL IV 67
7
O Q-Acadêmico configura a plataforma on-line onde são lançadas as aulas dadas, listas de frequência, notas de
provas, etc., utilizada pelos Institutos Federais.
180
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, cabendo às coordenação de cada curso apenas
realizar a sua distribuição entre os anos letivos, de acordo com suas necessidades.
O eixo de preparação básica para o trabalho refere-se às disciplinas que são entendidas
como “interfaces integradoras do currículo”, configurando assim “pontes” entre os conteúdos
da formação geral e aqueles advindos da formação profissional específica. Explicitando este
entendimento, o Parecer CNE/CEB Nº 16/99 indica que “a preparação básica para o trabalho,
no ensino médio, deve incluir as competências que darão suporte para a educação profissional
específica” (BRASIL, 1999b p. 15). É importante ressaltar que este eixo encontra-se presente
em todas as formas de realização do Ensino Médio, não restringindo-se à forma integrada
com a Educação Profissional. Ilustrando o desenvolvimento dos conteúdos presentes nesse
eixo, o Parecer CNE/CEB Nº 16/99 exemplifica sua articulação com o currículo específico da
educação profissional de nível técnico a partir de três situações que poderiam ser vivenciadas
em escolas não profissionalizantes:
Para dar apenas três exemplos: uma escola de ensino médio pode decidir, em
sua proposta pedagógica, constituir as competências básicas que são
obrigatórias nas áreas de ciências da natureza, relacionadas com as
ciências da vida – biologia, química orgânica etc. Com tal ênfase, essa
escola média estará avançando na preparação básica de seus alunos para o
trabalho nas áreas da saúde ou da química, sem introduzir disciplinas
estritamente profissionalizantes. Uma outra escola média poderá decidir
acentuar as áreas de linguagens e convivência social, enfatizando mais
línguas estrangeiras, história e geografia da região, artes e sociologia,
avançando assim na preparação básica de seus alunos para o trabalho nas
áreas de turismo, lazer, artes ou comunicação. Outra escola média, ainda,
pode incluir o desenvolvimento de projeto de estudo da gestão pública de
sua cidade, que poderá vir a ser aproveitado num curso técnico da área de
gestão. (BRASIL, 1999b, p. 15-16, grifos nossos)
determina uma carga horária mínima de 800horas/aula para o currículo referente ao Curso de
Instrumento Musical. Determinando o perfil do estudante egresso, e consequentemente o
percurso formativo realizado durante o curso, o documento prevê o perfil profissional do
Técnico em Instrumento Musical como aquele que:
O trecho acima destacado caracteriza-se como a proposta formativa que deve ser
comum a todos os Cursos Técnicos de Nível Médio em Instrumento Musical do país, em
todas as suas formas de realização (integrada, subsequente e concomitante). Além do “Perfil
profissional de conclusão”, o catálogo ainda aponta, de forma extremamente resumida, a
“Infraestrutura mínima requerida”8 para o desenvolvimento do curso, o “Campo de atuação”9,
as “Normas associadas ao exercício profissional” 10 , as “Possibilidades de certificação
11
intermediária em cursos de qualificação profissional no itinerário formativo” , as
“Possibilidades de formação continuada em cursos de especialização técnica no itinerário
formativo”12, bem como as “Possibilidades de verticalização para cursos de graduação no
itinerário formativo”13. É importante ressaltar que o Catálogo apresenta descrições resumidas
e tecnicistas acerca do desenvolvimento da habilitação técnica em Instrumento Musical, não
explicitando portanto a proposta de formação almejada pelo currículo integrado.
Acerca do caráter superficial das informações contidas no Catálogo, que configura
uma descrição em linhas gerais para todos os cursos integrados em Instrumento Musical do
Brasil, entendemos que essa medida pode contribuir para a autonomia dos diversos cursos
desenvolvidos no país, pois apresenta “brechas” para que sejam materializadas as adaptações
necessárias às distintas realidades sociais e culturais dos diversos contextos, levando em
8
“Biblioteca e videoteca com acervo específico e atualizado. Salas para estudos individuais e coletivos, ensaios
e apresentações. Instrumentos correspondentes à formação” (BRASIL, 2016, p. 189).
9
“Bandas. Orquestras. Conjuntos de música popular. Grupos de câmara. Bandas Militares. Estúdios de gravação.
Rádio, televisão e espaços alternativos de interação social, lazer e cultura” (BRASIL, 2016, p. 189).
10
“Lei nº 3.857/1960” (BRASIL, 2016, p. 189).
11
“Confeccionador de Instrumentos de Corda. Confeccionador de Instrumentos de Percussão. Confeccionador
de Instrumentos de Sopro” (BRASIL, 2016, p. 189).
12
“Especialização técnica em percepção musical. Especialização técnica em manutenção de instrumentos
musicais. Especialização técnica em composição e arranjo. Especialização técnica em regência. Especialização
técnica em fabricação de instrumentos musicais” (BRASIL, 2016, p. 189).
13
“Curso superior de tecnologia em produção fonográfica. Bacharelado em instrumento musical. Bacharelado
em música. Licenciatura em música” (BRASIL, 2016, p. 189).
182
14
Destacamos que os demais cursos da instituição não adotam a prática profissional como disciplina, o curso de
Eletrotécnica, por exemplo, oferta apenas uma disciplina “Iniciação à prática profissional” (com 2 créditos), o de
curso Contabilidade, por sua vez, utiliza a nomenclatura “prática profissional” para referir-se ao estágio
supervisionado, e os demais cursos remetem-se apenas ao estágio, não acrescentando a prática profissional ao
currículo. Informações disponíveis em: <http://editor.ifpb.edu.br/campi/joao-pessoa/cursos/cursos-tecnicos-
integrados>. Acesso em: 26/07/2016.
183
trabalho com caráter público ou privado” (IFPB, 2013. p. 41). Sobre o desenvolvimento do
estágio, o PPC estabelece que:
Ainda conforme o PPC do curso, os estudantes poderão optar entre realizar o estágio
em instituições externas, como as citadas acima, ou internamente no próprio campus João
Pessoa, visto que a instituição dispõe de diversos grupos musicais (no momento da pesquisa,
a instituição contava com as seguintes formações: camerata de violões, camerata de violinos,
grupo de saxofone, grupo de percussão e quinteto de metais).
Sobre os conteúdos voltados à História da Música, estes são ofertados em duas
disciplinas, conforme apresentou a Tabela 1, sendo estas: História da Arte e da Música
(abordando os aspectos gerais, normalmente associada à Música Erudita) e História da
Música Brasileira e Paraibana.
Ao final do curso, durante o último ano letivo, será desenvolvido o “Trabalho de
Conclusão de Curso” (TCC) que pode ser realizado em dois formatos: monografia ou recital,
ambos desenvolvidos sob orientação docente, com defesa pública e avaliação de banca
examinadora. Os critérios detalhados acerca do desenvolvimento das duas possibilidades de
TCC encontram-se listados nos documentos do curso.
Por fim, destacamos a proposta de formação do curso, apresentada pelo PPC do curso
nos seguintes termos:
Para compreender o perfil dos estudantes que optaram pelo ingresso no Curso Técnico
em Instrumento Musical, ofertado pelo campus João Pessoa do IFPB na forma integrada ao
Ensino Médio, optamos pela realização de um survey (levantamento) cujo universo foi
constituído pela totalidade do corpo discente do curso, constituindo assim um estudo do tipo
censo. Conforme Carvalho (2008, p. 5), o censo pode ser compreendido como o estudo
estatístico que resulta da observação de todos os indivíduos de uma determinada população
relativamente a diferentes atributos pré-definidos. Para o desenvolvimento do estudo,
constituindo o instrumento de coleta de dados, fizemos uso do questionário, construído a
185
15
Delinear e refletir acerca do perfil dos estudantes a partir das perspectivas apontadas.
16
Referente à segunda semana de fevereiro de 2012.
186
17
Referente à primeira semana de maio de 2013.
18
Fizeram parte da aplicação-piloto: 2 alunos do 1o ano, 2 alunos do 2o ano, 2 alunos do 3o ano e 1 aluno do 4o
ano.
19
Para tanto, optamos pela assessoria de um designer gráfico.
187
foram destacadas, verbalmente e por escrito, no próprio questionário, em três das cinco
turmas. Como resultado, os 100 questionários aplicados obtiveram um índice muito pequeno
de questões que foram deixadas “sem resposta” (em branco), tanto na categoria das perguntas
fechadas quanto das abertas. Além dos procedimentos mencionados anteriormente, um
terceiro fator contribuiu para esse resultado: o tempo reservado dentro do planejamento de
aulas para a aplicação do questionário, equivalente a uma hora-aula (50 min), o que permitiu a
leitura prévia do questionário para cada turma, momento em que os estudantes poderiam
esclarecer suas dúvidas em relação às questões. O tempo reservado permitiu ainda que o
preenchimento por parte dos alunos pudesse ser realizado sem pressa.
A análise dos questionários foi realizada através de tratamento estatístico, realizado
por profissional competente da área20, dando origem aos gráficos que apresentam o aspecto
quantitativo e censitário da pesquisa. Discutindo questões mais específicas, os depoimentos
coletados nas questões abertas ilustraram e trouxeram significativos aprofundamentos para o
aspecto qualitativo do trabalho, como veremos adiante.
Durante a realização da análise, os questionários foram numerados aleatoriamente,
seguindo apenas o padrão de separação por turma. Desse modo, os questionários da turma
ingressante na instituição (1o ano1) iniciam sua numeração pelo número 0 (ex.:
QUESTIONÁRIO [Q]21 001); os questionários da turma do 1o ano, abordada no final do ano
letivo (1o ano2) são iniciados com pelo número 1 (ex.: Q 101); a turma do 2o ano pelo número
2 (ex.: Q 201); o 3o ano com o número 3 (ex.: Q 301) e os questionários da turma do 4o ano
iniciam-se pelo número 4 (ex.: Q 401).
Ao longo da análise, estabelecemos relações entre os resultados encontrados e outros
estudos já realizados que abordaram o mesmo tema, buscando-se localizar e compreender os
pontos em que estes se aproximam ou se diferenciam, partindo fundamentalmente da
articulação entre teoria e dados empíricos. Assim, a partir da quantificação das questões
fechadas e da análise e categorização das questões abertas, discutiremos o perfil do corpo
discente do curso, abordando inicialmente o perfil socioeconômico – embora tenha sido o
eixo disposto no final do questionário –, pois sua discussão possibilita a construção de um
panorama geral sobre os estudantes, com o intuito de obter uma melhor compreensão do
contexto onde o curso se encontra inserido, visto que:
20
Os dados foram registrados na forma de banco de dados do programa de informática SPSS Statistics.
21
O termo questionário, quando utilizado referindo-se a algum questionário especificamente, será abreviado pela
letra Q.
188
[...] está muito bem estabelecido que o sucesso da escola como instituição é
fortemente influenciado por fatores que lhe são externos. Isto porque o
sucesso escolar dos estudantes está associado a características inatas a estes
e, principalmente, às oportunidades que lhes são oferecidas pela família e
pela sociedade em geral, antes e durante o seu período de escolarização.
(SOARES; COLLARES, 2006, p. 616)
Ainda acerca das inter-relações entre os aspectos socais e as práticas musicais, Green
(1997) realiza pertinente reflexão:
Portanto, entendemos que toda música carrega algum significado decorrente do seu
contexto histórico, social, cultural, econômico e político de produção e também a partir dos
seus contextos de distribuição e recepção, de modo que “nenhuma música jamais pode ser
percebida como música em um vácuo social” 22 (GREEN, 2006, p. 102). Referindo-se aos
conceitos e conotações “não sonoros”, portanto “extramusicais”, que a música carrega, isto é,
suas associações sociais, culturais, religiosas, políticas ou outras, a autora Lucy Green (1988)
estabeleceu o termo “significados delineados” da música, que se configuram então como o
foco do presente trabalho. Referindo-se às construções realizadas com os materiais que são
inerentes à música – disposição de sons e silêncios, instrumentação, forma musical, etc. –
organizados em relação a eles mesmos, o que pode ser entendido como uma sintaxe musical,
a autora elabora a definição de “significados inerentes” da música. São inerentes porque estão
contidos no material sonoro, e possuem significados uma vez que são relacionados entre si.
Nesse sentido, Green (1997, p. 28) argumenta que “enquanto os materiais sonoros integram
22
“No music can ever be perceived as music in a social vacuum” (GREEN, 2006, p. 102).
189
Média de idade
18,0
17,1 17,2
15,9
15,2
23
Um fator que, destacadamente, contribui, para o baixo índice de reprovações no curso, e que vem sendo
discutido e (re)avaliado dentro do Instituto, é o procedimento da “progressão parcial”. O discente que, após ter se
submetido às avaliações finais e ao conselho de classe final, permaneceu em situação de reprovação em até duas
disciplinas de áreas distintas “será conduzido à etapa seguinte, podendo vivenciar, na(s) disciplina(s)
190
detectada uma alta taxa de evasão (discutida a seguir), de modo que, não encontramos o
problema da defasagem escolar que gera a inadequação idade-série, conforme percebemos no
gráfico 124. Em relação à diferença de idade que existe entre as turmas do 1o ano, faz-se
necessário recordar que a turma 1 respondeu ao questionário no início do ano letivo, enquanto
a turma 2, por sua vez, respondeu no final do ano letivo25, momento em que a grande maioria
dos estudantes já havia completado aniversário, e possuía, portanto, a idade correspondente ao
ingresso na série seguinte.
Acerca do gênero, o corpo discente apresentou um equilíbrio entre o número de
estudantes do sexo masculino, sendo estes 49%, e do sexo feminino, que correspondem, por
sua vez, a 51%. Contudo, essa proporção apresenta variações nas turmas do curso, conforme
podemos constatar no Gráfico 2.1:
mulheres homens
17
homens mulheres 12 12 11 12 11
49% 51%
8 7
5 5
GRÁFICO 2 – Gênero dos estudantes GRÁFICO 2.1 – Composição das turmas em relação ao gênero
pendente(s), novas atividades com cronograma próprio elaborado pelo professor sob a forma de Programa de
Estudo com os conteúdos necessários à construção dos conhecimentos não apreendidos, sem obrigatoriedade de
frequência” (IFPB, 2011, p. 12-13).
24
Ao contrário da defasagem escolar, encontramos um adiantamento nas turmas do 3 o e 4o que encontravam-se
com a média de idade abaixo das demais turmas em 1 ano. Sobre essa questão, a coordenação do curso,
composta atualmente por professores que ingressaram após esse período, não dispõe de maiores esclarecimentos.
25
No ano letivo de 2012, devido à paralisação sindical que durou mais de 3 meses, a instituição teve suas
atividades suspensas, de modo que o final do ano letivo só veio a ocorrer no ano seguinte, em 2013.
26
Diversos estudos estabelecem relações, por exemplo, entre gênero e o sucesso ou fracasso escolar. Para um
maior aprofundamento sobre o tema, consultar Carvalho (2003) e Rodrigues; Mazzotti (2013).
191
violino 80
20
28,6
contrabaixo 71,4
teclado 66,6
33,4
33,4
bateria 66,6
violão 50
50
Valores em %
A partir dos dados apontados, podemos afirmar que no curso do IFPB, instrumentos
como o violino, por exemplo - tratando-se de um instrumento de pequeno porte e timbre
agudo –, obtiveram uma procura significativamente maior por parte do gênero feminino,
27
“One aspect of this differentiation has been the gender-stereotyping of the musical activities that are perceived
as appropriate for males and females and, in parallel with this, the gender-stereotyping of particular instruments.
The latter may depend on a range of factors, including the shape or size of the instrument, its pitch, quality of
sound or the need for particular characteristics in order to play it, for instance, physical endurance” (HALLAM;
ROGERS; CREECH, 2008, p. 7).
28
“[...] girls typically preferring to play smaller, higher-pitched instruments” (HALLAM; ROGERS; CREECH,
2008, p. 7-8).
29
Os demais instrumentos foram omitidos por possuírem uma média de apenas 2 estudantes, tornando inviável a
associação de sua escolha com o gênero dos estudantes.
192
30
Para ingressar em qualquer um dos cursos técnicos integrados ofertados pelo IFPB, os candidatos precisam
submeter-se ao Processo Seletivo dos Cursos Técnicos – PSCT, exame aplicado pela instituição que contempla
os conhecimentos de Língua Portuguesa, Matemática, Geografia e História em nível de Ensino Fundamental.
31
Por “ampla concorrência” pode-se entender “egressos das escolas particulares”.
193
16
13 13
10 10 10
9 9
7
Deve-se destacar que esta pesquisa, por não se tratar de um estudo com caráter
longitudinal32, possui um alcance restrito para discutir tal questão, visto que apenas através de
um acompanhamento sistemático das turmas, durante um período de tempo razoável, seria
possível discutir com maior propriedade os possíveis fatores que contribuem para a exclusão
dos estudantes oriundos das escolas públicas, como o quadro acima revela. Não obstante,
podemos apontar duas perspectivas desse panorama: as limitadas condições materiais dos
egressos do sistema público de ensino dificultariam sua permanência na instituição – seja por
falta de recursos para o deslocamento até a escola, seja pela necessidade do ingresso precoce
no mercado de trabalho. A segunda questão refere-se à dificuldade encontrada por estes em
acompanhar o ritmo de ensino das disciplinas do Ensino Médio – onde destacam-se a
matemática, física e química – que, no âmbito da instituição, requerem uma base consistente
proveniente do Ensino Fundamental. A condição de boa parte dos egressos de escola pública
pode ser exemplificado pelas palavras de uma aluna do 1o ano, ao afirmar que: “no meu
colégio antigo eu era uma das mais inteligentes da sala, aqui no IF eu sou uma das mais
burras” (Q 013, 1o ano1, fem., 15 anos).
Uma questão pertinente a ser destacada acerca da permanência dos egressos da escola
pública foi levantada por Dantas (2015) em estudo que investigou os efeitos da “Lei das
cotas” (Lei 12.711/2012) e seus efeitos nos cursos da Educação Profissional Técnica de Nível
Médio do IFPB, campus João Pessoa. Segundo a autora, “no IFPB-JP o grupo cotista não é
32
Estudos dessa natureza realizam um acompanhamento dos sujeitos pesquisados por um determinado período,
onde “dados são coletados em tempos diferentes, e relatam-se mudanças de descrições e de explicações”
(BABBIE, 1999, p. 101).
194
33
Equivalentes aos atuais cursos técnicos subsequentes.
34
Optamos pela omissão dos dados referentes à presença ou ausência de irmãos com a intenção de facilitar a
leitura do gráfico de composição familiar, visto que, neste trabalho entendemos como foco da composição
familiar a caracterização dos responsáveis pelos discentes.
195
Composição familiar
pai e mãe 59
mãe 18
mãe e padrasto 4
mãe e avó(ô) 3
mãe e tias 1
pai 2
pai e madrasta 1
pai e avós 1
avó 2
avó e tios 1
bisavó 1
35
Entendido como “um casal heterossexual, unido pelo casamento e criando filhos biológicos” (FONSECA,
2004, p. 2).
36
Para um maior aprofundamento do tema, consultar: Biasoli-Alves (1997), Féres-Carneiro (2005), Pratta;
Santos (2007).
37
“School music, in particular, poses an array of added expenses that could contribute to unequal access and
achievement. Families may not be able to afford musical instruments and accessories, instrument repair and
maintenance, performance attire, private lessons, or transportation to and from special events” (BATES, 2012, p.
34).
197
adequação acústica de um espaço para a realização da prática individual e coletiva 38, visto que
a exposição cotidiana a determinados níveis de intensidade sonora, pode causar prejuízo
auditivo permanente. Segundo Mendes e Morata (2007),
A perda auditiva induzida pela música não tem cura; logo, há a necessidade
de implementação de programas para prevenção de perdas auditivas entre os
músicos. Entre as medidas sugeridas na literatura estão o acompanhamento
audiológico dos músicos, por meio da audiometria tonal, tratamento
acústico de salas de ensaio, uso de protetores auditivos especiais de
atenuação uniforme, além do uso de substâncias antioxidantes. (MENDES;
MORATA, 2007, p. 68, grifos nossos)
38
Dois bons exemplos são os instrumentos percussivos, onde destaca-se, por exemplo, a bateria e os
instrumentos da família dos metais, como o trompete e o trombone.
198
Em branco 2
"Não sei informar" 10
Acima de R$5.600 (8 salários) 7
Entre R$4.901 e RS5.600 (7 a 8 salários) 2
Entre R$4.201 e R$4.900 (6 a 7 salários) 0
Entre R$3.501 e R$4.200 (5 a 6 salários) 7
Entre R$2.801 e R$3.500 (4 a 5 salários) 9
Entre R$2.101 e R$.2800 (3 a 4 salários) 7
Entre R$1.401 e R$2.100 (2 a 3 salários) 19
Entre R$701 e R$1.400 (1 a 2 salários) 22
até R$700 (1 salário) 15
Valores em %
Acima de R$1400,00 7
Entre R$1090,91 e RS1400,00 2
Entre R$875,01 e R$1090,90 7
Entre R$784,32 e R$875,00 9
Entre R$539,85 e R$784,31 7
Entre R$342,30 e R$539,84 19
Entre R$205,89 e R$342,29 22
até R$205,88 15
Valores em %
39
O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 é uma plataforma de consulta ao Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) com mais de 180 indicadores de população, educação, habitação,
saúde, trabalho, renda e vulnerabilidade, a partir dos dados extraídos nos Censos Demográficos de 1991, 2000 e
2010. São responsáveis pela sua realização: o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); e a Fundação João Pinheiro (FJP). A plataforma encontra-se
disponível em: <http://atlasbrasil.org.br/2013/consulta/>. Acesso em: 07/09/2013.
40
Dado referente ao Censo Demográfico realizado em 2010.
41
Atualmente, além do Curso Técnico em Instrumento Musical, o IFPB oferece, na forma integrada ao Ensino
Médio, cursos em outras seis áreas. A instituição oferta ainda diversos cursos técnicos na forma subsequente e
cursos na modalidade Tecnológica.
200
Com base no Mapa 1, podemos afirmar que o curso abrange uma parcela significativa
da cidade de João Pessoa. A maior parte dos estudantes, 41%, está concentrada na zona sul da
cidade, 22% residem na zona leste, 12% na zona norte e 16% no zona oeste 43, onde está
localizado o Instituto. Para compreendermos a relação entre o local de moradia dos estudantes
e sua condição socioeconômica, fizemos uso do Mapa da Exclusão/Inclusão Social, elaborado
pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de João Pessoa (PMJP, 2009). Embora
42
Mapa editado pelo autor a partir da base do aplicativo Jampa em Mapas, disponibilizado pela Secretaria de
Planejamento da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Disponível em:
<http://geo.joaopessoa.pb.gov.br/digeoc/htmls/jampaemmapas.html>. Acesso em: 01/09/2013.
43
Classificação de zonas segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de
João Pessoa (PMJP, 2009, p. 40).
201
o termo inclusão, assim como o termo exclusão, tenha uma ampla gama de significados, para
a construção do mapa utilizou-se os indicadores (também chamados de utopias) empregados
pelo IBGE nos dados censitários 44 , sendo estes: autonomia, desenvolvimento humano,
qualidade de vida e equidade45. Estes indicadores foram analisados levando em consideração
26 variáveis46.
44
Os dados são referentes ao Censo realizado no ano de 2000.
45
Autonomia: “a análise do tema foi realizada a partir de 8 variáveis que analisam o rendimento dos chefes de
família por domicílio em intervalos de classe”. Desenvolvimento humano: as variáveis de análise “consideraram
os anos de estudo dos chefes de família”. Qualidade de vida: quantificou “variáveis que permitissem avaliar a
infraestrutrura disponível em cada bairro da cidade de João Pessoa, bem como a variação da densidade
populacional entre os domicílios”. Equidade: foram analisadas as situações de mulheres responsáveis pelo
domicílio, a partir da taxa de alfabetização e renda (PMJP, 2009, p. 56-73). A tabela do Índice de
Exclusão/Inclusão Social dos bairros de João Pessoa, decomposto nos referidos indicadores, encontra-se
disponível nos Anexos da tese.
46
Dentre elas, o rendimento dos responsáveis pelo domicílio e seu grau de instrução; a faixa etária da população;
o acesso à rede de água e esgoto; acesso à coleta de lixo; densidade domiciliar media; domicílios não próprios;
domicílios precários; domicílios subnormais (PMJP, 2009, p. 20).
47
“O PBI é uma forma de simbolizar, no campo quantitativo, uma condição considerada como desejável num
dado momento histórico e numa dada realidade como representativa do ponto de partida da inclusão” (PMJP,
2009, p. 23).
202
MAPA 2 – Índice de exclusão/inclusão social por bairros e regiões orçamentárias de João Pessoa49
48
A cidade possui 65 unidades territoriais com as quais se identifica a população local. Definidas, por lei
municipal, em 59 bairros e 6 regiões especiais (PMJP, 2009, p. 36). Para a construção do mapa “não foram
consideradas as áreas especiais para além dos 59 bairros, exceção feita a Gramame” (PMJP, 2009, p. 16).
“Atualmente, ainda que o município tenha um caráter predominantemente urbano, persistem setores com
características rurais ou não ocupadas por atividades urbanas, em especial na região sul do município como, por
exemplo, em bairros como Gramame, Barra de Gramame e Mussuré” (RAFAEL, et al., 2013, p. 3).
49
Mapa editado pelo autor a partir do mapa e dados disponíveis no livro Topografia Social da Cidade de João
Pessoa, utilizando a divisão nos bairros e das 14 regiões orçamentárias da cidade de João Pessoa (PMJP, 2009, p.
36). Relação de a1unos por bairro (quant. alunos/bairro/IEX): 1 Padre Zé -0,82; 1 Jardim Veneza -0,71; 1 Penha
-0,68; 1 Gramame -0,67; 1 Oitizeiro -0,63; 1 Muçumagro -0,60; 1 Cidade dos Colibris -0,55; 1 Paratibe -0,53; 1
Varjão -0,48; 1 Jose Américo -0,46; 5 Funcionários -0,45; 2 Mandacaru -0,40; 4 Cristo Redentor -0,39; 4 Cruz
203
De acordo com o Mapa 2, apenas 32% dos estudantes residem em localidades que
apresentam uma condição favorável a sua inclusão nos indicadores do desenvolvimento
social, apresentados anteriormente. Este dado confirma o resultado do cálculo da renda per
capita média que indicou que apenas 25% dos estudantes possuem a renda per capita média
igual ou superior à renda per capita média da cidade de João Pessoa.
Os demais estudantes do curso, equivalentes a 68% do total, residem em áreas que
estão abaixo do ponto de partida da condição mínima de inclusão, ou seja, que possuem o IEX
com valor negativo. Essa parcela dos estudantes pode ainda ser dividida em 2 grupos: o
primeiro, equivalente a 24%, reside em localidades cujo IEX varia entre -0,01 e -0,25,
aproximando-se da condição mínima de inclusão. O segundo grupo, formado pelos demais
44% dos estudantes, possui um IEX abaixo dos -0,25 e encontra-se em condições materiais
significativamente mais distantes de alcançar o almejado padrão básico de inclusão (PBI).
Entendemos que existe uma relação direta entre a influência das interações realizadas
com o meio, a partir de suas possibilidades e restrições, e as percepções que nortearão práticas
e escolhas musicais (e não-musicais). Especialmente na faixa etária dos estudantes do curso
do IFPB, a percepção da música, conforme discussão a ser realizada no próximo subitem,
encontra-se bastante atrelada às influências do meio. Corroborando com nosso entendimento
sobre as interações provenientes destes espaços, destacamos a reflexão de Souza (2004):
das Armas -0,38; 1 Ernani Satiro -0,35; 2 Valentina -0,32; 16 Mangabeira -0,28; 11 Bancários -0,24; 3 Altiplano
Cabo Branco -0,17; 2 Castelo Branco -0,15; 1 Miramar -0,13; 1 Bairro dos Ipês -0,08; 5 Ernesto Geisel -0,06; 1
Treze de Maio -0,02; 1 Tambiá 0,29; 2 Jardim Cidade Universitária 0,30; 1 Bessa 0,33; 2 Expedicionários 0,33;
6 Jaguaribe 0,45; 4 Água Fria 0,54; 2 Manaíra 0,63; 1 Bairro dos Estados 0,64; 1 Tambauzinho 0,69; 1 Brisamar
0,74; 2 Centro 0,76.
204
Ainda nesse sentido, Corti (2013, p. 215) ressalta que “a escolaridade do pai e da mãe é
considerada um dado importante na análise do perfil socioeconômico em função da forte
relação, no nosso país, entre pobreza e exclusão escolar”.
Refletindo acerca da influência dos pais no grau de escolaridade dos filhos, Ferreira e
Veloso (2003, p. 482) afirmam que “o grau de mobilidade intergeracional de educação no
Brasil é menor do que o observado nos países desenvolvidos e nos países em
desenvolvimento para os quais existem dados disponíveis, com exceção da Colômbia”. Os
autores Ramos e Reis (2008, p. 23), por sua vez, destacam um outro aspecto da complexa
relação entre a escolaridade dos pais e seu impacto na vida dos filhos, quando afirmam que
“além da pouca mobilidade educacional, outra forma de contribuir para a persistência de
rendimentos via escolaridade é a diferença de retornos da educação segundo a escolaridade
dos pais 50 , onde “um ano adicional de estudo pode ter um impacto diferente sobre os
rendimentos do indivíduo dependendo do nível de escolaridade dos seus pais” (REIS;
RAMOS, 2011, p. 182).
No contexto das cinco turmas pesquisadas, os dados encontrados acerca da
escolaridade dos pais foram os seguintes:
4
"não sei informar" 6
mestrado ou doutorado 10
8
superior completo 18
12
10
superior incompleto 10
40
ensino médio 48
ensino fundamental 18
14
0
sem escolaridade 2
Valores em %
50
Segundo Ramos e Reis (2008, p. 19), “quando comparados dois indivíduos com a mesma escolaridade, para
cada ano adicional de estudo o diferencial de rendimentos tende a aumentar se os pais desses trabalhadores
alcançaram níveis melhores de escolaridade, o que significa dizer que os retornos da educação crescem de
acordo com a escolaridade dos pais”. Concluindo seu argumento, os autores afirmam que “essas diferenças nos
retornos da escolaridade conforme a educação dos pais têm um papel potencialmente importante no processo de
transmissão da desigualdade de rendimentos entre as gerações” (RAMOS; REIS, 2008, p. 24).
205
A partir do gráfico 8, percebemos que apenas 28% das mães e 20% dos pais dos
estudantes possuem ensino superior completo. A grande maioria possui escolaridade de nível
médio (completo ou incompleto), sendo este exatamente o nível de escolaridade em que seus
filhos encontravam-se durante a pesquisa. Na intenção de verificar a presença do processo de
mobilidade educacional intergeracional dentro do curso, isolamos os índices de escolaridade
dos pais dos alunos da turma do 4o ano, turma concluinte, no gráfico abaixo:
Mãe Pai
0
"não sei informar" 1 (8,3%)
2 (16,6%)
mestrado ou doutorado 1 (8,3%)
5 (41,6%)
ensino superior completo 2 (16,6%)
0
ensino superior incompleto 2 (16,6%)
5 (41,6%)
ensino médio 6 (50%)
5
4 4 4
3
2 2
0 0
51
Sendo estes: Auxílio Alimentação (Almoço e/ou Jantar); Auxílio Transporte (João Pessoa e Região
Metropolitana); Auxílio Moradia; Programa de Iniciação ao Trabalho; e Empréstimo de Material de Desenho
Técnico (IFPB, 2013b, p. 1).
207
modo que ainda é grande o percentual de estudantes que não são contemplados pelos
programas sociais da política de assistência estudantil52.
Pai 36
Mãe 27
Igreja 27
Família (não especificada) 24
Amigos 22
Aulas de música 13
Irmãos 12
Professor de música 10
Tios 9
Avós 8
Aula de musicalização (flauta doce) 7
Músicos 7
"Não tive influência nenhuma" 6
Primos 6
Professor 5
Cantores e bandas favoritas 4
Banda marcial 4
Músicos famosos 4
52
Para um maior aprofundamento acerca do impacto dos programas sociais voltados para a assistência estudantil
no IFPB, campus João Pessoa, consultar Dantas (2015) que realizou estudo que analisou a contribuição dos
referidos programas no desempenho acadêmico dos estudantes contemplados com auxílios.
208
53
Foram mencionados ainda: shows 3%, maestro/regente 2%, aula de dança 2%, prática coral 2%, colégios
anteriores 2%, aula de teatro 2%, concerto 2%, namorado 1%, amigos dos pais 1%, Deus 1%, pastor 1%, aula de
musicalização 1%, jogos eletrônicos 1%, banda da cidade 1%, espaço cultural 1%, dificuldades de execução
instrumental 1%, livro 1%, ter ganhado instrumento 1%, trabalho em ONG 1%, compositor de música erudita
1%, influência do produtor 1%.
54
Refere-se aos que indicaram a família sem explicitar quem, especificamente, exerceu a influência musical.
55
“[...] se puede afirmar que son numerosas las motivaciones que hacen que un niño quiera comenzar a estudiar
música o un instrumento musical, si bien las más comunes son el propio deseo vocacional, acompañado de una
influencia e instigación familiar y de su entorno desde la más tierna infancia” (CÁRDENAS; TORRES, 2013, p.
278).
56
“Music education research to date has provided much compelling evidence that parental involvement in the
early years of instrumental learning is indeed linked to musical achievement”.
209
(2013), Travassos (1999, p. 132) afirma que “um grupo numericamente expressivo de
estudantes [do curso de Música da Unirio] teve iniciação musical nas igrejas protestantes e
encontra nessas igrejas o principal estímulo aos estudos”. Assim, concluímos que do mesmo
modo que a música “converte” jovens para ingresso nas instituições religiosas, jovens são
“convertidos” pelas instituições religiosas para ingresso nas práticas musicais. Confirmando a
grande aproximação que as igrejas estabeleceram com a música, Martinoff (2010, p. 72)
destaca “que há um grande número de alunos não apenas em cursos superiores de música,
mas em toda a educação básica, que são protestantes atuantes em suas igrejas na área
musical”.
Ilustrando a relação da igreja com a música, destacamos as palavras do estudante de
contrabaixo do 1o ano que, sobre o início de seu interesse pela música, afirmou que este
ocorreu: “através dos hinos entoados na Igreja, foi lá onde a música começou a fazer parte de
mim” (Q 006, 1o ano1, masc., 16 anos). Na mesma turma, podemos destacar ainda as palavras
de outro aluno que também demonstrou uma forte influência da instituição religiosa na sua
relação com a música, quando afirmou que: “há parcialmente dois anos, iniciei minha jornada
musical no ministério de louvor PIBJE59 onde toco ainda hoje alguns instrumentos, a partir
daí fui me interessando mais em me aperfeiçoar para louvar o Senhor” (Q 016, 1 o ano1,
masc., 16 anos, baterista).
Caracterizando a influência religiosa nas práticas musicais, destacamos as palavras de
Travassos (2002, p.16) quando esta afirma que “o músico de congregação religiosa está
convicto de que Deus está na origem tanto de sua escolha individual como da própria música.
A descoberta da vocação é o reconhecimento de um talento dado por Deus, que deve ser
retribuído com trabalho e estudo”. Ilustrando esta afirmação, destacamos as palavras de um
aluno do 1o ano que afirmou ter escolhido a música: “porque tenho um chamado, um dom, a
qual Deus me escolheu” (Q 006, 1o ano1, masc., 16 anos, contrabaixista).
Depois da família e da igreja, a categoria mais destacada pelos estudantes foi a
influência dos amigos, mencionada por 22% destes. Em pesquisa que abordou o impacto das
variáveis sociais no desenvolvimento da musicalidade de crianças, Macdonald e Miell (2000)
encontraram influência significativa da interação com amigos na sua realização musical e
destacaram que “aparece a partir deste estudo que os fatores sociais, tais como a amizade, são
variáveis-chave que influenciam a natureza das interações das crianças – em ambos os
59
Primeira Igreja Batista do Jardim Ester (bairro da cidade de João Pessoa).
211
O “professor de música” também recebeu destaque ao ser mencionado por 10% dos
estudantes, tendo sido menos apontado apenas menos do que família (nas categorias pai, mãe,
família e irmãos), da igreja, dos amigos e da aula de música. Refletindo sobre a importância
deste professor, Condessa (2011) sinaliza que:
60
“[...] it appears from this study that social factors such as friendship are key variables that influence the nature
of children’s interactions - in both the verbal and musical domains” (MACDONALD; MIELL, 2000, p. 62).
61
“[...] adolescent friends are suggested to be similar in musical preferences because they select friends with
similar music preferences and adopt their friends’ music preferences, respectively” (SELFHOUT, 2009, p. 46).
212
Outra estudante do 1o ano, por sua vez, destacou como um fator significativo na
relação com seu instrumento, o violino, o impacto de um livro que tratava sobre a cultura da
Irlanda e, por vir acompanhado de um CD, possibilitou seu contato com as músicas
tradicionais do país. A aluna afirmou que: “o meu interesse por violino atingiu o auge quando
eu li um livro sobre a cultura e as músicas irlandesas. A cada final de capítulo havia uma
música popular de lá para violino” (Q 020, 1o ano1, fem., 15 anos).
Encontramos ainda uma parcela dos estudantes que merece destaque: os que não
reconhecem a presença de influências externas em seu interesse pela música. Composto por
6% do corpo discente, o grupo afirmou não ter recebido influências de outras pessoas, como
apontou a aluna do 1o ano, ao afirmar que, “na verdade, foi um interesse próprio. Sem
influências, foi uma coisa minha” (Q 026, 1o ano1, fem., 15 anos). Outro aluno do 1o ano, não
reconhecendo a influência do contexto social, mencionou que sua busca foi norteada apenas
por situações: “nenhuma pessoa [me influenciou]. Situações em que eu precisei fazer
apresentações musicais e não possuía conhecimento musical para superar algumas
dificuldades que surgiram. E também situações em que eu quis tocar certas músicas e não tive
capacidade” (Q 018, 1o ano1, masc., 15 anos, tecladista).
Destacou-se, ainda, a presença de alunos que relataram não possuir contato anterior
com a música62 e, portanto, iniciaram seu contato com a música a partir da inscrição para a
prova da instituição. Foi o caso da aluna do 3o ano que, respondendo a questão aberta 01
(“como surgiu seu interesse pela música?”), destacou: “sempre tive vontade de aprender
música, desde pequena gostava do violão e queria aprender a tocá-lo, mas não tinha
proximidade com ninguém do ramo da música” (Q 312, 3o ano, fem., 17 anos, violonista). A
aluna afirmou ainda que “ninguém se opôs a minha escolha mais também não apoiou
totalmente, fiz minha escolha sozinha”. Contexto semelhante foi destacado pelo estudante de
violino do 2o ano que afirmou que seu interesse surgiu motivado em “passar no CEFET” e,
sobre quem teria influenciado essa decisão, afirmou: “eu mesmo” (Q 211, 2o ano, masc., 16
anos). Situação parecida encontramos no discurso de outro aluna do 2o ano, quando esta
afirmou que seu interesse pela música surgiu “ao me inscrever para a prova do IFPB”. E
62
O ingresso de estudantes que chegam no curso sem vivência musical prévia é possibilitado pela ausência de
uma prova específica com conteúdos musicais.
213
sobre quem teria exercido influência nesse interesse, o mesmo responde que “antes de entrar
no IFPB, ninguém. Depois que eu entrei, a minha professora de violino” (Q 208, 2o ano, fem.,
17 anos, violinista). Destacamos ainda o caso da estudante de teclado do 3o ano que afirmou:
“na verdade, minha intenção não era cursar música, mas eu gosto de ouvir música” (Q 301, 3 o
ano, fem., 17 anos).
Podemos classificar como recorrente a presença de estudantes que ingressam no curso
ainda bastante confusos e cheios de dúvidas. Apesar de entendermos que a adolescência é, por
natureza, um momento permeado de conflitos, destacam-se dois motivos que potencializam
esse quadro: a pouca divulgação de informações sobre o curso, inclusive as informações
básicas, fazendo com que diversos alunos cheguem no curso achando que vão construir
instrumentos musicais, que vão aprender a tocar todos os instrumentos ou ainda, buscando
instrumentos não disponibilizados pela instituição 63 . A outra questão refere-se às demais
opções de cursos ofertados pela instituição no formato integrado ao Ensino Médio voltadas
basicamente para a área Tecnológica64, o que torna o curso de Instrumento Musical a única
opção da instituição para os jovens que se identificam com as áreas das ciências humanas e
sociais. É importante ressaltar, conforme veremos adiante/, que uma parcela significativa do
corpo discente aproxima-se da instituição atraída inicialmente pela gratuidade e boa qualidade
da formação da geral ofertada, não possuindo, de fato, um maior interesse na “formação
técnica”, visto que não pretende ingressar no mercado de trabalho antes da conclusão do
Ensino Superior. Essa questão vincula-se diretamente com a discussão realizada no Cap. 2
acerca da transformação da identidade das então Escolas Técnicas, em meados dos anos de
1960 e 1970, que gerou modificações substanciais no perfil dos jovens que se interessavam
pelo ingresso nas instituições. O ingresso na Rede Federal de Educação Profissional de uma
parcela significativa de jovens cujos interesses não se encontravam vinculados ao mundo do
trabalho, conforme discussão anterior realizada no Cap. 2, ficou conhecido como “dualidade
invertida” e caracterizou-se, resumidamente, como a apropriação das Escolas Técnicas pelas
classe média.
63
A lista dos instrumentos ofertados pelo curso foi publicada pela primeira vez no edital de seleção para o PSCT
2014. Discutiremos as expectativas prévias ao ingresso dos estudantes na instituição no subitem intitulado
“Inter-relações com a instituição e com o curso”.
64
Atualmente, as demais opções ofertadas pelo IFPB na forma integrada ao Ensino Médio são os cursos de
Edificações, Eletrotécnica, Mecânica, Controle Ambiental, Eletrônica e Contabilidade.
214
aproximação dos jovens com a música e com as atividades musicais, de modo que o contexto
familiar representou para a maioria dos jovens o primeiro espaço de aprendizagem musical. A
instituição religiosa foi destacada como segundo contexto de maior influência musical, a
partir da participação em corais e ministérios de louvor. O terceiro fator mencionado com
maior recorrência entre os estudantes tratou-se da influência de amigos. Destacamos ainda,
conforme discussão anteriormente realizada, que a adolescência configura-se como um
momento em que o interesse pela música, bem como a escolha de repertórios e do
instrumento, sofre significativa influência da rede social de amigos.
A presença da música e sua influência na vida dos adolescentes, sob as mais diversas
perspectivas, é tema recorrente na literatura da Educação Musical, e em outras subáreas da
música, como a Etnomusicologia, bem como nas áreas da Psicologia, Sociologia e Educação.
Segundo Schäfer e Sedlmeier (2009, p. 489), “especialmente para os adolescentes, a música
serve como um meio para definir sua identidade e expressá-la. E constitui ainda um meio para
lidar com as dificuldades diárias e os problemas que muitas vezes são refletidos e
possivelmente resolvidos na própria música” 66. Segundo Águila, Barriga e Hidalgo (2006, p.
45), “na realidade dos adolescentes, a ação de escutar música ocupa um lugar importante na
distribuição do seu tempo livre” 67. Reforçando este entendimento, destacamos que 91% dos
estudantes do curso relataram que escutam música diariamente68 e apontaram as atividades
listadas abaixo como sendo as que mais gostam realizar enquanto ouvem música:
65
“Music is ubiquitous. It is present in public places such as supermarkets or in social gatherings such as
weddings, and it is in the focus of many activities such as visiting concerts or discotheques, and it is one of the
most frequent leisure time activities, especially among adolescentes” (SCHÄFER, 2008, p. 1).
66
“Especially for adolescents, music serves as a means for defining their identity and expressing it outwards.
And music is a means to cope with one’s daily hassles and problems that are often mirrored and possibly solved
in the music” (SCHÄFER; SEDLMEIER, 2009, p. 489).
67
“En la realidad de los adolescentes la acción de escuchar música ocupa un lugar importante dentro de la
distribución de su tiempo libre” (ÁGUILA, BARRIGA E HIDALGO, 2006, p. 45).
68
Acerca dos 9% restantes: 4% afirmaram que escutam 3 vezes por semana, 3% afirmaram escutar 4 vezes por
semana e 2% afirmaram que escutam música 2 vezes durante a semana.
215
atividades domésticas 44
exercícios físicos 39
atividades escolares 21
tomar banho 15
utilizar o computador 12
fazer refeições 12
ir dormir 11
ler 8
andar de ônibus 7
Valores em %
GRÁFICO 12 – Atividades que os estudantes gostam de realizar enquanto escutam música
69
Martins e Duarte (1997) e Nascimento e Souza (2013) realizaram estudo sobre os efeitos da música na
atividade física e constataram uma relação significativamente positiva no desempenho do pesquisado quando na
presença das suas músicas favoritas.
70
Sendo estas: todas as atividades que realizo 7%; quase todas as atividades que realizo 6%; tudo que posso
realizar ouvindo música 5%; descansar 5%; dirigir 4%; desenhar 3%; escrever 3%; viajar 3%; esperar 2%; jogar
2%; lavar o carro 1%; sexo 1%; chorar 1%; ocupar o tempo livre 1%; ver o mar 1%.
71
“Até o início do século XX, a projeção da performance se dava no mesmo patamar das transmissões de
conhecimento da cultura oral da Idade Média em que para se conhecer algo era necessário estar presente, estar
diante do fato ou da obra de arte, cujo único registro que se mantinha após sua apreciação era o da memória”
(IAZZETA, 2001a, p. 202).
216
Portanto, apenas há pouco mais de 100 anos, o advento da fonografia permitiu que se
instaurasse uma nova possibilidade de escuta, totalmente diversa daquela realizada até então,
na qual nossa atenção e memória eram inevitavelmente exigidas à todo momento pelo caráter
efêmero da música. Até a invenção do fonógrafo, não possuíamos os botões de pause ( || ) e
rewind ( « ) ao nosso alcance. Sobre este percurso no qual a música, especialmente a música
popular, ganhou circulação praticamente irrestrita, Arroyo (2013, p. 23) destaca que a música
popular “se firma nos centros urbanos de fins do século XIX e ganha paulatinamente alcance
mundial com as novas mídias e indústria cultural já nas primeiras décadas do século XX –
fonógrafo e indústria fonográfica, rádio, cinema, televisão – e, principalmente, após a
Segunda Guerra Mundial”.
Contrariando a tendência contemporânea de realizar grande parte das atividades
cotidianas ao som da música favorita72, apenas dois estudantes do curso afirmaram que não
gostam de realizar nenhuma atividade enquanto escutam música. Um deles afirmou que “não
gosto pois não consigo conciliar os 2 ao mesmo tempo” (Q 016, 1o ano1, masc., 16 anos,
baterista), enquanto o outro destacou que: “pra mim, ouvir música requer atenção,
concentração” (Q 214, 2o ano, masc., 16 anos, baterista).
Apresentamos no gráfico a seguir um maior detalhamento sobre a escuta musical dos
estudantes, no qual está indicada a frequência semanal com que os mesmos afirmaram
reservar um momento apenas para a realização da apreciação musical (questões 673 e 6.1):
diariamente 59
outra 9
em branco 2
Valores em %
GRÁFICO 13 – Frequência de momentos semanais destinados exclusivamente à apreciação musical
72
Refletindo sobre a inserção da música nas atividades cotidianas, Gohn (2007, p. 17) indica que “o rádio, por
exemplo, disponibilizou a música como pano de fundo para atividades domésticas, não exigindo a total
concentração do ouvinte e acostumando-o a deixá-la em segundo plano”.
73
98% dos estudantes do curso responderam “sim” à questão 06: “você gosta de parar apenas para escutar
música?”.
217
O gráfico anterior destacou a parcela dos estudantes que afirmam ter em sua rotina
semanal momentos destinados apenas à apreciação musical, ou seja, aqueles que, além de
escutar música durante a realização de outras atividades, listadas no Gráfico 12, destinam uma
parcela do seu tempo exclusivamente para ouvir música. Destacamos a importância dessa
atividade a partir das palavras de França e Swanwick (2002, p. 12) quando argumentam que
“a apreciação é uma forma legítima e imprescindível de engajamento com a música. Através
dela podemos expandir nossos horizontes musicais e nossa compreensão”.
O próximo gráfico destaca, nas cinco turmas pesquisadas, o percentual dos alunos que
afirmaram realizar diariamente a apreciação musical, onde foi encontrado um valor
relativamente constante em quatro das cinco turmas:
16,5
Valores em %
GRÁFICO 14 – Alunos que diariamente destinam uma parcela de tempo exclusivamente para a
apreciação musical nas 5 turmas
74
“[...] pero basta con relacionar los distintos estilos musicales con las culturas urbanas juveniles para sostener
que la música que los adolescentes escuchan es más que un simple accidente en su desarrollo” (ÁGUILA,
BARRIGA E HIDALGO, 2006, p. 46).
75
“Adolescence is a period of transition between childhood and adulthood, but beyond that a personality
development stage characterized by the active construction of identity and otherness. Psychological
modifications occur during this period brought on by a real crisis of psychological and social identity. [...] The
process of identifying with peers rather than with parents is an essential part of affirming adolescents’ proper
identity” (BADAOUI; LEBRUN; BOUCHET, 2012, p. 569).
219
favorita expressada pelo grupo” 76. Sobre os formatos que essa influência da música pode
adquirir nos adolescentes, Herrera, Cremades e Lorenzo (2010) refletem:
[...] adotando aspectos, tais como a forma de vestir e o corte de cabelo dos
artistas mais representativos dos estilos cuja difusão é realizada pela mídia
de massa, baixando suas melodias para os celulares e outros meios de
reprodução musical ou imitando comportamentos e papéis sociais
característicos dos protagonistas musicais desses estilos. 77 (HERRERA;
CREMADES; LORENZO, 2010, p. 38)
76
“[...] an adolescent who wants to be a member of a certain group of people, may adopt the expressed favorite
music of this group” (SCHÄFER, 2008, p. 15).
77
“[...] adoptando aspectos como la forma de vestir y el corte de pelo de los artistas más representativos de
estilos de difusión mediática masiva, descargando sus melodías en los teléfonos móviles y otros medios de
reproducción musical o imitando comportamientos y roles sociales característicos de los protagonistas musicales
de estos estilos” (HERRERA; CREMADES; LORENZO, 2010, p. 38).
78
“[...] musical preferences can intervene in the clothing styles identification processes when certain styles are
supported by a musical trend” (BADAOUI; LEBRUN; BOUCHET, 2012, p. 571).
79
“[...] music listeners gravitate to particular kinds of music because they have particular personality
characteristics, issues, and/or needs that are either reflected in the music they choose or that the music satisfies”
(SCHWARTZ; FOUTS, 2003, p. 206).
220
80
“No es posible seguir construyendo el cuerpo conceptual y práctico de la educación musical formal sólo desde
presupuestos anclados en un pasado que encuentra su valor en la oficialidad de los libros de texto, pero que no
guarda relación con esa escuela paralela ajena a las estructuras formales de la educación musical y en la que el
alumnado dibuja a diario su verdadero mapa de preferencias musicales” (HERRERA; CREMADES;
LORENZO, 2010, p. 48).
81
Sendo a referida questão de natureza “aberta”, as categorias apresentadas representam fielmente os gêneros
indicados pelos estudantes.
221
Valores em %
GRÁFICO 15 – Gêneros musicais favoritos
222
Como indicou o Gráfico 15, o rock foi apontado como gênero musical favorito pela
maioria dos estudantes pesquisados, tendo sido mencionado por 49% destes. Do mesmo
modo, estudos realizados por Arroyo (2005), Quadros Júnior (2005), Chaves (2006), Mateiro
(2007a), Pimentel e Donnelly (2008), Sebben (2009) e Lima; Oliveira (2012) destacaram o
rock como o gênero mais apontado pelos adolescentes e jovens pesquisados. Podemos
82
“Assessing preferences from genres is also problematic because it assumes that participants are sufficiently
knowledgeable about every music genre that they can provide fully informed reports of their preferences”
(RENTFROW; GOLDBERG; LEVITIN, 2011, p. 1141).
223
relacionar essa significativa aproximação dos jovens ao gênero musical Rock a partir de
algumas questões, dentre as quais destacamos a influência cultural norte americana, vinculada
sobretudo pela grande mídia. Refletindo nessa perspectiva, Boron (2007) avalia que:
Os estudantes apontaram ainda outras nove categorias que são classificadas como
subgêneros do rock, sendo estas: rock alternativo, hard rock, indie rock, punk rock, rock 60’s
70’s, rock clássico, rock progressivo83. É interessante destacar que estes subgêneros possuem
uma circulação restrita pelo foco da cultura midiática, o que aponta um interesse mais
específico dos jovens pelos referidos subgêneros. Somando o gênero principal e seus
subgêneros, podemos afirmar que 66% dos estudantes indicam o rock, em suas diversas
vertentes, como um de seus estilos musicais favoritos.
Refletindo sobre as possibilidades de diálogo entre as preferências musicais dos
estudantes e o currículo escolar, Mateiro (2007a, p. 150) tece o seguinte questionamento: “por
que não oferecer, então, mais disciplinas específicas para o estudo da música brasileira e
latino-americana nos programas curriculares de formação docente? Ou disciplinas sobre rock,
já que este foi o estilo mais apontado pelo grupo de estudantes?”. Apesar do discurso da
autora estar inserido no contexto do Ensino Superior, seria pertinente levantarmos o mesmo
questionamento para o curso do IFPB, visto que:
83
Encontramos no trabalho de Santos (2002) uma interessante trajetória percorrida pelo rock da década de 1960
até o início dos anos de 1990, na qual o autor perpassa por grande parte dos subgêneros mencionados pelos
estudantes.
224
O gênero metal, derivado do rock e intitulado muitas vezes pelo senso comum de
“rock pesado”, também obteve destaque nos seus subgêneros que não circulam pelo foco da
cultura midiática, sendo estes: heavy metal, metal core, metal sinfônico e thrash metal.
Segundo Azevedo (2007, p. 1):
84
O termo forró para alguns refere-se a um gênero musical, enquanto para outros refere-se à festa, como um
todo, composta por diversos gêneros (baião, xote, etc.). Sobre esta complexa questão, Dantas (2011, p. 117)
afirma que, “para muitos músicos, em particular os mais antigos, existe uma diferença e uma confusão acerca
dos termos baião – que seria um gênero – e o forró – que seria a festa, o ambiente. Contudo, até entre esses
artistas, mais antigos, há divergências no que diz respeito a esse assunto. Para uns, existe o baião, apenas
enquanto gênero; para outros, como por exemplo, o zabumbeiro Quartinha, o zabumbeiro Parafuso e o
compositor Antônio Barros, existe, além do gênero baião, o forró, enquanto gênero. Nessa caso, para estes
músicos, assim como outros, esse termo representaria tanto a festa, o ambiente, quanto um gênero mais
balançado, mais ‘remexido’ ” (DANTAS, 2011, p. 117).
225
real”, utilizada pelo estudante, pode ser traduzida como forró “verdadeiro” ou “legítimo” e
remete-se ao embate apontado por Trotta (2009, p. 133) quando o autor afirma que “no
cenário atual do forró no Nordeste, é possível perceber uma cisão entre aqueles se identificam
e frequentam o chamado ‘pé-de-serra’ e outros que adotam sua vertente ‘eletrônica’”.
Questões dessa natureza, constituem um riquíssimo material para ser abordado em sala
de aula a partir de diversos aspectos, como os inerentemente musicais: modificações da
instrumentação utilizada pelos grupos, transformações das células rítmicas que
caracterizariam os gêneros musicais, tendência de aceleração dos andamentos, mudanças
realizadas nas estruturas harmônicas, fusões com outros estilos (gêneros como o vanerão 86 e o
sertanejo universitário87 são bons exemplos desse aspecto), entres diversas outras. Há ainda,
por outro lado, os aspectos delineados, que passam pelas mudanças de temáticas abordadas
nas letras das composições, bem como por toda uma série de questões – como cultura de
massa, funções sociais dos eventos festivos, pirataria, consumo de álcool, questões ligadas à
sexualidade, dentre diversas outras88 – que podem problematizar todo um contexto local no
qual os alunos encontram-se diretamente inseridos e, inclusive, perpassar facilmente por
diversos dos temas transversais89. Nesse sentido,
85
Segundo Santos (2012, p. 77-78), ”nos anos 1980, Jorge de Altinho recodifica o forró, e essa recodificação –
somada à sensualidade do grupo Kaoma e da lambada como um todo – vai culminar com o forró pop dos anos
1990, que produzirá no Nordeste uma música consumida em várias regiões do Brasil, diversificando o mercado
local e otimizando a sua sustentabilidade. O revival étnico-nacionalista que culmina nos anos 2000 alimenta a
reação ao forró pop e reconfigura o campo. Atualmente, a diversidade é tão vasta que o uso dos rótulos ‘forró
tradicional’ e ‘forró eletrônico’ se mostra insuficiente e inócuo”.
86
“Gênero muito popular do Rio Grande do Sul (RS), sendo o cantor Gaúcho da Fronteira um representante de
renome nacional. No Nordeste teve certa adaptação com o forró eletrônico nos anos 1990, principalmente a
partir de bandas como, por exemplo, Canários do Reino” (COSTA, 2012a, p. 170). “Ao ser adaptado para o forró
eletrônico, o gênero gaúcho recebeu a forte marca da caixa da bateria e o baixo tornou-se mais evidente,
mantendo, contudo, o andamento acelerado do vanerão. O ritmo tornou-se mais acelerado do que o forró tocado
até então no Ceará, o que desagradou os grupos mais tradicionalistas” (BRAGA, 2011, p. 10).
87
“As principais características do estilo se evidenciam pela mistura de ritmos variados tais como o Pop e o
Rock, porém, não deixa de utilizar elementos específicos do estilo Sertanejo, tais como a performance em duplas
com primeira e segunda vozes” (SANTOS, 2010a, p. 335).
88
Para um maior aprofundamento sobre a “cultura do forró eletrônico”, consultar Costa (2012a).
89
“Por tratarem de questões sociais, os Temas Transversais têm natureza diferente das áreas convencionais. Sua
complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficiente para abordá-los. Ao contrário, a
problemática dos Temas Transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento” (BRASIL, 1997d, p.
29).
226
Questões relativas aos aspectos delineados da música podem ser abordadas para além
do seu campo específico, visto que se encontram na fronteira com outras disciplinas – como,
filosofia, sociologia, história, língua portuguesa, etc. – configurando-se como excelentes
oportunidades de proporcionar a almejada integração do currículo, discussão que será
abordada adiante. Nesta perspectiva, destacamos o entendimento de Green (1997, p. 35) ao
afirmar que seria “benéfico aos professores estarem cônscios da trama complexa dos
significados musicais com os quais lidamos, e os relacionamentos intrínsecos entre alunos,
grupos sociais, suas práticas musicais, e a abrangência de suas práticas musicais”. Trilhando
este caminho, “menos provavelmente rotularemos nossos alunos de não-musicais, sem
primeiro considerarmos as profundas influências dos fatores sociais na aparência superficial
de sua musicalidade” (GREEN, 1997, p. 35). Uma ampla discussão acerca da integração entre
os conteúdos musicais e os conhecimentos provenientes das áreas que compõem o eixo de
“formação geral”, ofertado pela instituição, encontra-se realizada no Cap. 5 deste trabalho.
A MPB, segundo gênero de maior aceitação pelos estudantes, tendo sido mencionada
por 41% destes, também compartilha de algumas das questões destacadas acima. Acerca da
complexa delimitação de suas fronteiras, Ulhôa (2001) reflete:
90
“Enquanto prática musical, a MPB emergiu do samba urbano carioca das décadas de 30 e 40, agregou outros
ritmos regionais, como o baião, nos anos 1950, passou pela bossa nova, tropicalismo e festivais da canção nos
anos 1960, para consolidar-se enquanto categoria na década de 70. […] É quando a vanguarda tropicalista
assume posturas de autocrítica e abre espaços para “novas misturas e novas hierarquias”; depois do tropicalismo
vale tudo (samba, rock, reggae etc.) na MPB” (ULHÔA, 2001, p. 52).
227
Q 104: “Eu tinha um gosto muito preso e único e hoje tenho a visão de quanta música boa
existe por aí e deve ser ouvida. Isso é ser músico, escutar tudo” (1o ano2, masc., 17 anos,
guitarrista);
Q 107: “Passei a gostar mais de música erudita e outros estilos” (1o ano2, masc., 16 anos,
violinista);
Q 208: “Eu preciso ouvir os áudios de algumas partituras para ter uma noção de interpretação
e logo vou descobrindo peças mais bonitas” (2o ano, fem., 17 anos, violinista);
Q 209: “Antes não costumava escutar música erudita, apesar de sempre ter achado ‘chique’.
Hoje em dia não vivo sem” (2o ano, masc., 17 anos, violista);
Q 308: “Entender como se toca os violinos me alimenta em conhecer mais a música erudita”
(3o ano, masc., 18 anos, acordeom);
Q 313: “Passei a gostar mais de música clássica e brasileira” (3o ano, fem., 17 anos,
violinista).
228
Salientamos ainda que a inclusão desse repertório nas preferências dos estudantes
ocorreu, aparentemente, de forma bastante natural e não conflituosa com seus repertórios
anteriores ao ingresso no curso. Como exemplo, destacamos o depoimento de um aluno de
teclado do 1o ano que afirmou que o curso havia exercido influência no seu gosto musical:
“aumentando o meu leque de opções e aumentando meu interesse por música” e destacou
como gêneros favoritos, além da música clássica: “rock, eletrônica, metal, brega, forró pé de
serra” (Q 113, 1o ano2, masc., 16 anos). A ausência de “conflitos” entre o gosto pela música
erudita e os diversos gêneros “populares”, destacada nas palavras do aluno do 1o ano (Q 113),
também foi encontrada nas preferências de diversos outros estudantes:
Encontramos ainda diversos alunos que, mesmo não apontando a música erudita como
um dos gêneros favoritos, indicaram que o curso havia influenciado seu gosto musical
gerando uma maior aproximação com o repertório erudito. Ilustrando esse grupo, destacamos
uma aluna de violino do 1o ano, que tendo citado como gêneros favoritos rock, pop,
swingueira, forró e sertanejo universitário, afirmou, sobre a influência do curso, que: “antes
eu não gostava de jeito nenhum de música clássica, agora estou gostando mais porque eu toco
esse estilo” (Q 102, 1o ano2, fem., 16 anos). Através do depoimento da aluna,
compreendemos a importância da oportunidade dada pelo currículo escolar para que os jovens
entrem em contato com conhecimentos (das diversas naturezas, incluindo os repertórios
musicais) que muitas vezes encontram-se extremamente distantes da sua realidade cotidiana.
Nessa perspectiva, a partir do relevante contato proporcionado pela prática instrumental, a
estudante progressivamente adquiriu identificação com um repertório pelo qual ela não
demonstrava afinidade. Tal fato confirma nossa perspectiva de que o ser humano configura-se
como um ser construído socialmente, o que nos leva a afirmar que o processo de humanização
constitui-se, dentre outros fatores, a partir do contato com o conhecimento historicamente
produzido pela humanidade.
229
91
“Las industrias culturales han dirigido principalmente la música pop al público juvenil, haciendo una gran
difusión en la radio, “antros”, canales musicales, conciertos, sin dejar de mencionar la venta de discos compactos
en tiendas de discos establecidas, en sitios de internet y la piratería: el pop está por todas partes”.
92
Para maiores informações sobre o avivalismo norte americano, consultar Campos (2005).
230
musicais favoritos: “Gospel: Pop rock93, Pentecostal e Adoração” (Q 005, 1o ano1, masc., 20
anos, cantor) e, de modo semelhante, outro aluno da mesma turma que destacou como
preferências: “Gospel, Gospel e Gospel” (Q 006, 1o ano1, masc., 16 anos, contrabaixo). O
segundo grupo, composto pelos demais 11 estudantes, refere-se àqueles que, além de citar o
gospel como um dos seus gêneros favoritos, indicaram também preferência por outros
gêneros musicais, onde destacaram-se a presença do pop e do pop rock, conforme trechos
abaixo:
Sobre os demais 14 estudantes que indicaram a influência religiosa mas não citaram o
gospel como gênero favorito, encontramos uma grande diversidade de gêneros, e
evidenciamos, como exemplos, o aluno de bateria do 4o ano que apontou os gêneros “reggae,
funk e samba” (Q 403, 4o ano, masc., 17 anos), assim como o aluno de bateria do 2o ano que
mencionou: “pop rock, funk, vanerão” (Q 214, 2o ano, masc., 16 anos), sendo que ambos
atuam como músicos instrumentistas em suas Igrejas. Como citado anteriormente, a
influência religiosa pode adquirir diversas configurações, não estando restrita à simples
presença de determinado gênero no repertório favorito dos envolvidos, como indicaram os 14
estudantes que não listaram o gospel entre suas preferências musicais.
93
Sobre o rock gospel brasileiro, destacamos o trabalho de Jungblut (2007), no qual o autor realiza uma
pertinente discussão sobre o encontro desses dois universos culturais aparentemente distintos, apresentando
algumas das questões que permeiam a cultura “rock and roll”, como o consumo de drogas e a rebeldia, refletindo
ainda sobre os problemas identitários que surgem nesse processo entre os jovens evangélicos.
94
Refletindo sobre a crescente presença da pluralidade na sala de aula, a partir do ponto de vista do
“multiculturalismo”, Penna (2005) traz relevantes reflexões acerca do reconhecimento, acolhimento e trabalho
com a pluralidade cultural no processo pedagógico.
231
95
Uma interessante discussão a respeito da classificação do gênero Mangue Beat, envolvendo convergências e
divergências advindas da indústria fonográfica, pode ser encontrada em Lima (2008).
96
“O setor TIC pode ser considerado como a combinação de atividades industriais, comerciais e de serviços,
que capturam eletronicamente, transmitem e disseminam dados e informação e comercializam equipamentos e
produtos intrinsecamente vinculados a esse processo” (IBGE, 2009, p. 12).
232
São estabelecidas nesse contexto novas possibilidades de interação entre os pares que
podem exercer significativa influência sobre suas preferências musicais. Sobre estas novas
possibilidades, estabelecidas em relação à circulação do produto musical, Gohn (2008 p. 115)
afirma que, “se antes recebíamos recomendações de novas músicas de nossos professores,
parentes e amigos, na atualidade podemos seguir indicações de pessoas que nunca vimos, que
falam outro idioma, que vivem em países distantes”. Acerca das novas configurações da
cadeia produtiva da indústria musical, através do processo de digitalização da música e o
crescente uso das redes sociais, concordamos com Costa (2013), quando este afirma que:
Se é possível pensar em uma cena indie rock em Maceió, com suas bandas,
público, crítica especializada, circuito de apresentações ao vivo, também é
possível pensar em outras cenas usando uma visão macro, como uma cena
brasileira indie rock e uma cena mundial indie interconectadas, pois, as
fronteiras da cena são reconfiguradas constantemente devido ao
desenvolvimento das tecnologias de comunicação e aos fluxos contínuos de
informação. (JANOTTI JR.; PIRES, 2011 p. 15)
Portanto, concordamos com Costa (2013, p. 77) quando este afirma que “a
digitalização da música e a Internet proporcionaram uma redefinição na produção,
distribuição e consumo, modificando papéis, influenciando tendências e apontando novos
caminhos para a indústria fonográfica” 97 . Abaixo, destacamos as preferências de alguns
estudantes que ilustram os gêneros que classificados como “fora do foco da cultura
midiática”:
97
Segundo o relatório anual da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD, 2013, p. 3), “apesar da
redução de 10,04% nas vendas de CDs, DVDs e Blu-Rays do atacado ao varejo musical em relação ao ano
anterior, o aumento de 83,12% nas receitas da área digital em 2012 foi mais do que suficiente para compensar e,
de fato, ultrapassar esta oscilação do mercado físico, pela primeira vez no Brasil, o que foi determinante para o
mercado de música gravada no Brasil apresentar crescimento pelo segundo ano consecutivo.” A movimentação
finaceneira de 2012 movimentou R$ 111.435.842. “Este total se refere a receitas advindas de downloads de
músicas avulsas, álbuns completos, toques de celular, subscrição de serviços de streaming e das modalidades
digitais remuneradas por publicidade, tanto na Internet como na Telefonia Móvel” (ABPD, 2013, p. 4).
233
Q 109: “Indie98, Indie Rock, Folk99” (1o ano2, masc., 15 anos, contrabaixo);
Q 203: “Metal, clássica, folk europeu” (2o ano, masc., 18 anos, teclado);
Q 208: “Erudita, Salsa e Tango” (2o ano, fem., 17 anos, violino);
Q 304: “Erudita, Reggae, Celta100” (3o ano, fem., 17 anos, violino);
Q 405: “Maracatu, música experimental e Rock” (4o ano, masc., 18 anos, contrabaixo).
Não obstante, ao constatar que metade dos estudantes do curso apontam o rock como
um de seus gêneros favoritos, por exemplo, podemos fazer uso desse dado em diversos
contextos, com diversas abordagens, com diferentes finalidades e, principalmente, em
diferentes disciplinas, contribuindo para a efetiva integração do currículo 102 . Afinal,
concordamos com o entendimento de Napolitano (2002, p. 110-111) que “a estética e o gosto
dos consumidores musicais não pairam soltos no ar das idéias, mas remetem a questões
históricas, sociológicas, lingüísticas, comunicacionais”.
98
Segundo Hesmondhalgh (1999, p. 35, tradução nossa), indie é um gênero de música popular que na década de
1990 teve um crescimento considerável do seu público original, sobretudo entre os alunos e jovens de classe
média. “Era em primeiro lugar um fenômeno britânico, e muitas vezes é subsumido sob a categoria 'rock
alternativo' nos Estados Unidos e em outros lugares”.
99
Em sua manifestação contemporânea, a música folk se expandiu para incluir diversas formas tradicionais e
estilos populares como o grunge, o alternativo e o rap. Caracterizado por letras fortes, grande produção nas
gravações e performances intimistas, possui instrumentação simples e acústica (LITTETON, 1994, tradução
nossa). Segundo Santos (2002, p. 29), “o nome mais forte da corrente folk certamente é o de Bob Dylan.
Verdadeiro menestrel, influenciado por outro ícone da country music, Woody Guthrie, Dylan iniciou o estrelato
a partir de 1962, com o lançamento do seu primeiro disco, homônimo”.
100
Para maiores informações sobre a música Celta, consultar Porter (1998).
101
“Even teachers who include up-to-date popular music cannot reasonably change their curriculum materials at
a speed that reflects pupils’ changing allegiances. So music that carries positive delineations for pupils inside the
classroom is hard to come by, and even harder to sustain as part of a curriculum” (GREEN, 2006, p. 105).
102
Um bom exemplo pode ser apreciado em Santos (2013): “Rock na sala de aula: a música como instrumento
metodológico nas aulas de história”.
234
A partir das questões discutidas nesse subitem, apontamos que a apreciação musical
permeia expressivamente o cotidiano dos estudantes, de modo que, além de estar presente ao
longo das principais atividades diárias, também caracteriza, para mais da metade dos jovens
pesquisados, uma atividade que demanda um momento diário dedicado exclusivamente sua
realização. Desse modo, ressaltamos que o diálogo com os elementos culturais apontados
como significativos para os estudantes, além de configurar-se como prática permanente,
precisa transversalizar as práticas cotidianas de todo o corpo docente, de modo que o curso,
especialmente a partir das disciplinas do “eixo técnico”, não se configure apenas como mais
uma das iniciativas que adquiriram a função de emitir “certificações vazias” (KUENZER,
2002a), mas contribuam para o desenvolvimento de uma formação musical e humanística
significativa.
A grande maioria dos jovens, 78% destes, afirmou que realiza ou havia realizado
alguma atividade musical antes de ingressar na instituição. No entanto, dos 22 estudantes que
indicaram não ter vínculo algum com as práticas musicais, 4 alunas, não reconhecendo suas
práticas anteriores como atividades musicais, afirmaram na questão 07 não ter realizado
nenhuma atividade musical antes do ingresso no curso, contudo, em momento posterior do
questionário demonstraram envolvimento prévio com atividades indiscutivelmente musicais.
Este foi o caso de uma aluna de violino do 1o ano que afirmou cantar “na igreja quase todos
os anos umas duas vezes por ano. Foi prazeroso, cantei com algumas pessoas em eventos” (Q
004, 1o ano1, fem., 15 anos). Do mesmo modo, uma aluna de teclado do 2o ano que fazia parte
do coral da sua igreja, afirmou não ter realizado atividade musical prévia ao ingresso ao curso
(Q 220, 2o ano, fem. 17 anos). Apontamos ainda a aluna de bateria do 1o ano que afirmou não
ter realizado atividade musical anterior ao curso, mesmo tendo estudado o instrumento por 3
meses com um amigo. A estudante indicou que: “estudei bateria com um amigo. Não era algo
muito aprofundado, mas me ajudou um pouco. Eu estudava 3 vezes por semana” (Q 023, 1 o
ano1, fem., 15 anos). Podemos imaginar que provavelmente, por conta do aspecto “informal”
das atividades relatadas ou talvez por falta de um maior engajamento pessoal, as estudantes
não reconheceram em tais atividades o devido “aspecto musical”.
Inserida em outro contexto, evidenciamos a aluna de bateria do 4o ano que estudou por
quase 6 meses em uma escola de música, mas não reconheceu tal atividade como musical.
Podemos estabelecer um vínculo entre tal (des)associação e sua indicação de que, na referida
235
escola, “primeiro se aprendia teoria, só depois que ia para o instrumento” (Q 407, 4o ano,
fem., 20 anos). Acreditamos que por ter se afastado da escola um pouco antes da conclusão
dessa etapa teórica, portanto antes do seu primeiro contato com o instrumento musical, a
estudante não fez uma leitura daquela experiência de estudo como uma atividade musical.
A falta de contato com o instrumento durante a fase inicial do estudo, que dura em
média 6 meses, é uma característica marcante da metodologia tradicional convencionalmente
utilizada pelos conservatórios musicais. Essa etapa inicial tem a finalidade de proporcionar a
aquisição dos conhecimentos e habilidades entendidos, nesse modelo de ensino, como
necessários para o início da prática instrumental. Salienta-se que, via de regra, a referida etapa
desenvolve-se a partir de disciplinas essencialmente teóricas, onde os rudimentos musicais
são apresentados de forma abstrata e, muitas vezes, sem maiores contextualizações musicais
ou, na melhor das hipóteses, contextualizados através de um repertório erudito que, via de
regra, encontra-se dissociado do universo cultural dos estudantes, o que dificulta
consideravelmente a efetiva apropriação dos conteúdos trabalhados. Acerca dessa dissociação
inicial entre prática instrumental e teoria musical, Vieira (2000) reflete que:
A discussão sobre este modelo de ensino será realizada mais adiante, quando serão
apresentados e discutidos o estudo musical anterior ao ingresso no curso, destacado pelos
estudantes.
Por entendermos que as 4 estudantes acima destacadas estavam envolvidas com
atividades musicais antes do ingresso no IFPB, fizemos sua inclusão na categoria dos que
“realizavam atividade musical anterior ao ingresso”. Desse modo, podemos afirmar que 82%
do corpo discente já encontrava-se envolvido com alguma atividade musical antes de
ingressar no curso, como apresenta o gráfico abaixo:
236
Não
18%
Sim
82%
tocava instrumento 30
tocava em banda 7
coral 6
tocava em orquestra 2
seguida, remete sua prática instrumental a uma atividade essencialmente realizada em sua
casa, com o auxílio de cifras musicais103.
Outra parcela dos estudantes, composta por 30% destes, afirmou que sua prática
musical consistia na execução de um instrumento, ou do canto, no contexto de uma instituição
religiosa. Conforme ressaltaram diversos jovens, o espaço religioso proporcionou-lhes a
oportunidade da prática em conjunto e a experiência da apresentação pública. Nesse sentido,
um aluno de violão do 1o ano1 indicou que: “há 1 ano me apresento semanalmente [na igreja].
Aprendo muito tocando” (Q 002, 1o ano1, masc., 15 anos). Outro aluno da mesma turma
afirma: “cantei na igreja boa parte da minha vida. É maravilhoso” (Q 005, 1o ano1, masc., 20
anos, cantor). Corroborando com a importância do tipo de aprendizagem acima destacada
pelo aluno Q 002 do 1o ano1, realizada em contextos informais, nos reportamos ao
entendimento de Lacorte (2006, p. 38) que “os músicos aprendem, na verdade, o tempo todo,
mesmo quando pensam que estão se divertindo. A aprendizagem ocorre durante a apreciação
de videoclipes, shows, apresentações informais entre amigos, através da audição de CDs, LPs,
entre outros”.
A terceira atividade destacada pelos estudantes foi a experiência de tocar em bandas
de diversos estilos, apontada por 7% destes. Contextualizando esta atividade, trazemos as
palavras do aluno de bateria do 1o ano que afirmou: “toco em bares porque eu toco em 1
grupo de pagode que toca todos os finais de semana” (Q 022, 1o ano1, masc., 16 anos). O
aluno afirma ainda que seu grupo, caracterizando um vínculo de natureza profissional com a
música, recebe cachê ao final de todas as apresentações. É importante ressaltar que o
estudante Q 022 foi o único estudante da turma ingressante (1o ano1) que apontou um vínculo
profissional regular com alguma prática musical, tendo sido ainda um dos poucos estudantes
do atual corpo discente que ingressou na instituição possuindo esse tipo de vínculo com a
música. A discussão acerca da ausência de músicos profissionais (ou com pretensão de
profissionalização) no curso encontra-se localizada no subitem 4.2.7 deste capítulo.
Uma parcela de 6% dos estudantes eram integrantes de bandas marciais ou fanfarras
quando ingressaram no curso. Destacamos as palavras do aluno de trombone do 1o ano que
toca em banda marcial há 4 anos e, sobre a experiência de tocar em desfiles e Copas de
Bandas Marciais, afirmou: “é massa sentir o povo vibrando, achando muito show o que a
gente fazia” (Q 028, 1o ano1, masc., 16 anos). Com um discurso semelhante, um aluno de
103
As cifras são notações criadas para representar os acordes musicais de uma maneira mais “prática” (ou
simplificada) do que a partitura. A cifra é composta de letras, números e sinais, configurando-se como a notação
predominante empregada na transmissão da música popular.
238
trompete da mesma turma, que toca há 2 anos em bandas marciais, afirmou que “as copas de
bandas são portas que se abrem porque tem muitos olheiros de bandas sinfônicas 104” (Q 008,
1o ano1, masc., 14 anos). Acerca do atual panorama das bandas marciais no contexto
brasileiro, Almeida (2010) tece o seguinte comentário:
104
“A banda sinfônica possui os mesmos instrumentos da banda de concerto, porém com acréscimo de mais
integrantes e de instrumentos de palhetas duplas (oboé, fagote) e outros instrumentos característicos das
orquestras sinfônicas (trompa, tímpano, e contrabaixo acústico). O repertório das bandas sinfônicas é composto
por sinfonias, fantasias, divertimentos, temas de cinema, entre outros. Os instrumentos encontrados nestes
grupos possuem um custo financeiro muito elevado, impossibilitando, assim, as bandas das cidades pequenas de
tê-las em seu meio” (ALMEIDA, 2010, p 46).
239
Nas demais atividades apresentadas no Gráfico 17, encontramos, citada por 5% dos
estudantes, a prática do canto coral e, ainda, a prática em orquestras, realizada por 2% dos
adolescentes antes do ingresso no curso do IFPB. Destaca-se ainda um único estudante que
não mencionou como atividade prévia a performance instrumental ou vocal, mas sua
experiência com a dança (hip hop), o que explicita, nesse caso, um ampliado entendimento
acerca da atividade musical.
Podemos traçar um paralelo entre as atividades mencionadas pelos alunos e a pesquisa
desenvolvida por Queiroz e colaboradores, durante o ano de 2005, que realizou um
levantamento das principais práticas musicais urbanas da cidade de João Pessoa, agrupando-
as em quatro categorias:
105
“Atualmente, a Paraíba possui 100 bandas marciais, que mobilizam 6.850 estudantes. Para participar das
Bandas Marciais Escolares da Rede Estadual de Ensino, o aluno deve estar matriculado em alguma escola da
rede no Ensino Fundamental II ou Ensino Médio”. (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2016a, s/p)
240
Segundo os autores, nas declarações destes músicos fica evidente que o “tocar junto” e
o “compartilhar ideias musicais” são as principais formas de aprender música, não fazendo
parte, portanto, da cultura destes grupos a busca pelo aperfeiçoamento técnico, nem tampouco
a certificação emitida pelos espaços formais de ensino106.
Nas atividades listadas pelos alunos, destacou-se como significativa a presença das
práticas musicais apoiadas pela cultura midiática, através de bandas de pagode e bandas de
rock – categoria 2, segundo a classificação de Queiroz et. al (2006) acima mencionada – e,
como principal palco de realizações musicais anteriores ao curso, as instituições religiosas
(igrejas evangélicas e católicas), apontadas na categoria 4, mencionadas por 30% dos
adolescentes, conforme indicou o Gráfico 17.
106
Classificação utilizada por Queiroz (2007a) que, de maneira geral, apresenta os espaços de educação musical
em: “espaços formais, que abrangem escolas especializadas da área e outras instituições de ensino
regulamentadas pela legislação educacional vigente no país; espaços não-formais, constituídos por ONGs,
projetos sociais, associações comunitárias, espaços diversos que oferecem cursos livres de música, etc.; e
espaços informais, que abarcam manifestações da cultura popular em geral, expressões musicais urbanas, etc.”
(QUEIROZ, 2007a, p. 2, grifos do autor).
241
Não
Não 25,7%
18%
Sim
Sim 74,3%
82%
Confirmando essa multiplicidade, a partir dos dados obtidos na questão aberta 08.1,
apresentamos no gráfico abaixo a listagem dos espaços de aprendizagem indicados pelos
estudantes que afirmaram ter realizado estudo musical anterior ao ingresso no IFPB:
242
escola especializada 17
igreja 13
professor particular 12
escola regular 11
em casa / por conta própria 8
projeto social 4
extensão universitária 2
amigo 1
pai 1
tio 1
namorado 1
Acerca dos espaços mencionados pelos estudantes, podemos traçar um paralelo com a
pesquisa realizada por Queiroz e Medeiros (2009) que, partindo do objetivo de compreender
as diferentes realidades de ensino e aprendizagem da música no município de João Pessoa,
durante os anos de 2007 e 2008 realizaram um significativo mapeamento desses espaços. Os
autores apontam que “a pesquisa realizada nos revelou uma realidade importante, qual seja,
mesmo com o grande crescimento dos contextos não-formais de ensino da música eles ainda
representam, nesse município, uma quantidade significativamente inferior em relação aos
espaços formais” (QUEIROZ; MEDEIROS, 2009, p. 71), conforme indica o gráfico abaixo:
Formais
31%
Não-Formais
69%
GRÁFICO 21 – Espaços apontados pelos estudantes do IFPB que possuíam estudo de música antes de
ingressar no curso
107
No ano de 2006, o Conselho Municipal de Educação de João Pessoa aprovou a Resolução nº 009 (JOÃO
PESSOA, 2006) que teve como objetivo a implantação do ensino de artes em todas as séries e modalidades nos
níveis infantil e fundamental do município. Destacamos ainda que, em nível nacional, somente a partir da
aprovação da Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, a música passou a ser conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo, da educação básica (BRASIL, 2008c).
108
Dos 17 estudantes que citaram a escola especializada, 11 referiram-se aos conservatórios e 6 às escolas
particulares.
244
109
“Independentemente das denominações (espaços, centro, etc.), as escolas de música livres são escolas que se
caracterizam por serem escolas de ensino privado e sem vínculo com redes ou sistemas de ensino público. Os
professores, em muitos casos, são profissionais autônomos com atuação em diversas escolas, tendo, muitas
vezes, atuação concomitante à de músicos intérpretes e compositores” (CUNHA, 2009, p. 9). Alguns autores.
como Silva (1996) e Requião (2002), utilizam para esses espaços a terminologia "escola alternativa de música".
246
110
“A visão de música, de músico e, por conseguinte, de ensino musical forjados no conservatório pode ser
caracterizada como hegemônica na medida em que, quando experimentados como práticas, são tidos como a
versão natural do possível, como realidade, como verdade” (PEREIRA, 2012, p. 121).
247
111
O curso de MPB & Jazz do Conservatório de Tatuí “é um dos mais concorridos da instituição. [...] Em
princípio, o curso de MPB & Jazz seguiu como modelo a ‘Berkeley School’ e, a partir de 1994, passou a ter
como prioridade a construção de uma escola de música brasileira popular, o que se tornou o diferencial da área,
desenvolvendo também um importante departamento de choro que, em 2009, passou a funcionar como uma área
independente. [...] A área de MPB & Jazz compreende os seguintes cursos: bateria, baixo acústico, baixo elétrico,
canto, clarinete, flauta transversal, guitarra, piano, saxofone, trompete, trombone, percussão e violão. Os cursos
de instrumento e canto têm fixo na grade as disciplinas: Instrumento ou Canto; teoria e percepção, harmonia
popular, história da música popular e arranjo; prática de conjunto. São previstas ainda as seguintes disciplinas
eletivas: maracatu, ritmos brasileiros, piano ou violão complementar, percussão complementar, prática de big
band” (CONSERVATÓRIO DE TATUÍ, 2017, s/p).
248
Portanto, apesar de ter adquirido uma “nova configuração” no que diz respeito à sua
função profissionalizante, o modelo conservatorial continuou sedimentado como base de
formação para os estudantes dessas instituições. Concordamos com Silva (2012) que, de fato,
112
“O ensino da música no Rio de Janeiro era feito, até meados do século XIX, em cursos particulares de alguns
professores. O mais famoso e eficiente desses cursos foi aquele mantido, em sua residência, pelo Padre José
Maurício Nunes Garcia (1767-1830), Mestre da Capela Imperial e mais importante compositor brasileiro de seu
tempo” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, 2013).
249
“não se poderia esperar mudanças curriculares e pedagógicas que fossem diferentes, levando
em consideração que o próprio modelo conservatorial se encontrava em sintonia com a
concepção de ensino profissionalizante da Lei 5.692/1971113”.
Apenas em meados da década de 1980, com a inserção da discussão a respeito da
educação politécnica, e posteriormente com a efetivação da sua proposta através do currículo
integrado, a Rede Federal de Educação Profissional avançou, em termos de concepção, na
superação do modelo tecnicista, e vem progressivamente caminhando na tentativa de
efetivamente materializar tal proposta nas suas instituições. De modo semelhante, os
conservatórios, por sua vez, indicam sinais de mudança através da inserção do ensino da
música popular. Apontando nessa direção, indicamos o trabalho de Arroyo (2000) que
investigou a dinâmica de ensino e aprendizagem do Conservatório de Música de Uberlândia,
concluindo que:
Reforçando o caráter de transição pelo qual a instituição vem passando, Arroyo (2001,
p. 62) enfatiza que, “se, tradicionalmente, essa escola era frequentada pelos filhos da elite da
cidade, de origem europeia, nos últimos anos seus estudantes procedem de diferentes classes
sociais, incluindo uma significativa parcela de afro-brasileiros”. Podemos afirmar, portanto,
que os dois espaços (Conservatórios e Institutos Federais) vêm, progressivamente, mostrando-
se capazes de (re)definir caminhos epistêmicos e metodológicos, interagindo através de um
formato mais contextualizado com uma dinâmica voltada para a formação dos sujeitos.
113
A discussão sobre a concepção de ensino profissionalizante da Lei n.º 5.692/1971 encontra-se presente do
subitem 1.5 do capítulo 1.
114
Alguns autores como Silva (1996) e Requião (2002) utilizam a terminologia “escola de música alternativa”,
outros, como Higa (2007) preferem “escola alternativa de música”; encontramos ainda autores como Mateiro
(2007a, 2007b) e Goss (2009) que utilizam “escola livre de música”. O ensino realizado nestes espaços está
vinculado à educação profissional de nível básico, sendo “destinado à qualificação, requalificação e
reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia” (BRASIL, 1997, p. 7760). Por
estarem inseridas na categoria de “educação não formal”, as escolas particulares de música não estão sujeitas a
nenhum tipo de regulamentação curricular.
250
Requião (2002), ao refletir sobre a significativa busca dos estudantes por escolas
particulares, assim como por professores particulares, afirma que:
Podemos afirmar que o ensino ofertado nas escolas particulares aproxima-se bastante
da prática realizada pelos professores particulares. Como exemplo da atuação encontrada
nesses espaços, destacamos o relato de um aluno de violão do 1o ano que afirmou que “o
professor ‘X’ fortaleceu meu interesse pela música” (Q 114, 1o ano2, masc., 15 anos). Com
um discurso semelhante, uma aluna de violino do 1o ano afirmou ter estudado “num curso de
violão, com o professor ‘Y’, era muito bom!” (Q 021, 1o ano1, fem., 15 anos). A fala dos
estudantes reforça o entendimento, anteriormente mencionado, que esses espaços estão
voltados prioritariamente para o interesse dos alunos.
Q 119: “[estudei] durante 6 meses, na igreja, num curso com o maestro da igreja, onde era
voltado pra teoria. Eu tinha 9 anos” (1o ano2, fem., 16 anos, violão);
Q 213: “na igreja Presbiteriana comecei as aulas de violão, mas não estudava a parte teórica”
(2o ano, fem., 17 anos, teclado) [2 anos de estudo];
Q 215: “[estudei em minha igreja] com um rapaz que dava aula porém não era licenciado.
Esse estudo era mais por meio da criação de arranjos, composição, tocar ao vivo, gravações,
tocar teclado a base de partituras” (2o ano, masc., 17 anos, teclado);
Q 216: “em uma igreja. Só teoria musical” (2o ano, masc., 17 anos, violão) [2 anos de estudo].
Q 402: “numa escolinha em uma igreja na cidade X. Lá tive iniciação em teoria musical, tive
contatos com flauta doce, estudei técnica vocal e comecei a aprender a ler partitura” (4 o ano,
masc., 18 anos, violão) [5 anos de estudo].
A escola regular aparece como quarto espaço de formação musical mais destacado,
tendo sido apontada por 11 estudantes. Destes, 5 fizeram menção à aulas voltadas para a
musicalização, nas quais frequentemente tinham contato com a flauta doce, conforme indicou
um aluno de violoncelo do 2o ano: “[estudei música] com o professor na escola municipal. Ele
dava aula de teoria e ensinava flauta doce e era professor e regente da banda marcial” (Q 201,
2o ano, masc., 18 anos). Não encontramos nos questionários destes estudantes maiores
detalhes sobre os processos de musicalização desenvolvidos nestes espaços.
Os demais estudantes que se referiram à escola regular, em número de 6, indicaram
um estudo vinculado diretamente à sua participação na banda marcial da escola. Ilustrando as
práticas desse formato, a aluna de violino do 2o ano ressaltou que teve aulas de música por 2
anos “na escola onde estudava, com o regente da banda marcial, era um estudo bem básico de
teoria musical, apenas para melhorar nosso desempenho com o trompete” (Q 210, 2o ano,
fem., 17 anos). De modo semelhante, um estudante de viola do 2o ano afirmou ter tido aulas,
por um período de 2 anos, “na escola, com o regente da banda marcial. Era tudo realmente
MUITO básico, era um estudo para que pudéssemos apenas ler as partituras, basicão
MESMO” (Q 209, 2o ano, masc., 17 anos, destaques do estudante). Confirmando o papel de
professor atribuído ao regente da banda, Almeida (2010, p. 12) ressalta que “na banda de
música, é geralmente o maestro que possui a função de ensinar todos os instrumentos que a
compõem, bem como os aspectos relacionados à teoria, leitura e escrita musical”. Sobre a
importância das bandas marciais, Almeida (2010, p. 7) afirma que, “além de seu papel de
levar a cultura musical às camadas mais populares, as bandas assumiram, ao longo do tempo,
a função e responsabilidade educativo-musical junto a uma grande parte dos jovens que
dificilmente teriam acesso a escolas formais de música”. O autor conclui seu raciocínio
252
afirmando ainda que “o natural é encontrarmos bandas que mantêm em seus locais de ensaio,
paralelamente, aulas para a iniciação de crianças, adolescentes e até mesmo adultos na prática
de um instrumento de sopro” (ALMEIDA, 2010, p. 7).
O quinto local de estudo apontado pelos estudantes refere-se às atividades musicais
realizadas em casa, por “conta própria”, onde se evidenciou o contato com familiares e sua
respectiva influência (abordada no subitem 4.1.2). Nesse sentido, evidenciamos como
significativamente positivo o reconhecimento dado por essa parcela dos estudantes às suas
práticas não-formais, classificando-as como estudo – é necessário ressaltar que muitos
sujeitos, inclusive educadores musicais, ainda não consolidaram esse entendimento – apesar
da ênfase dada ao aspecto prático do fazer musical (característica comum às práticas
realizadas nesse contexto), conforme explicita um aluno de bateria do 2o ano que afirmou ter
estudado, antes de ingressar na instituição, por 3 anos, “em casa, com o meu pai, estudávamos
apenas a parte prática” (Q 204, 2o ano, masc., 17 anos).
No contexto do estudo realizado em casa, destacou-se ainda a significativa utilização
dos recursos tecnológicos, gerando condições bastante favoráveis para um efetivo
desenvolvimento musical, a partir da contribuição das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs). Há algum tempo, a tecnologia vem sendo empregada como recurso na
autoaprendizagem musical115, através de recursos como o disco de vinil, as fitas magnéticas
(cassete e VHS), o CD e, mais recentemente, os CD-ROMs e DVDs. Nesse sentido, Paiva e
Alexandre (2010, p, 18) assinalam que “tocar junto com gravações, tendo como um modelo o
estilo de grandes músicos, é uma prática musical e de aprendizagem que ainda é muito
utilizada, inclusive pelas novas gerações”. Sobre estes recursos, é importante salientar que,
por se tratarem de ferramentas unidirecionais, não possibilitam interação em via de mão de
dupla entre o produtor/emissor e o receptor, de modo que sua utilização configura portanto
um processo unilateral.
A videoaula aparece como recurso bastante mencionado pelos estudantes em seu
processo de autoaprendizagem prévio ao ingresso no curso. Conforme Gohn (2003, p. 18), “o
uso de vídeo-aulas para o aprendizado da música popularizou-se em meados da década de
[19]80, quando empresas norte-americanas [...] disponibilizaram produções em que
instrutores lecionavam defronte à câmera”. Sobre a maior inserção desses materiais no
115
“As expressões auto-aprendizagem, auto-instrução, ou autoformação se confundem e variam de acordo com a
publicação e área de estudo” (CORRÊA, 1999, p. 1). Portanto, neste trabalho, explicito o processo de auto-
aprendizagem como aquele onde é reconhecida a centralidade do sujeito em seu processo formativo. Ou seja, o
processo no qual o sujeito gerencia, faz escolhas e apropria-se da sua própria formação e das múltiplas
aprendizagens que realiza.
253
contexto brasileiro, Paiva e Alexandre (2010), referindo-se aos materiais didáticos elaborados
para o instrumento bateria, em raciocínio que pode ser estendido para os demais instrumentos
populares, afirmam que:
A partir dos anos 2000, com o maior acesso à tecnologia, uma grande
quantidade de materiais didáticos surgiu no mercado brasileiro, pelas mais
variadas formas de mídia, tais como: livros, livros que acompanham CDs ou
DVDs, CD-ROMs, vídeos-aula e sites da internet. Ou seja, uma verdadeira
revolução aconteceu para o professor e o estudante de música devido às
novas alternativas tecnológicas. (PAIVA; ALEXANDRE, 2010, p. 18)
116
Segundo Haguenauer e Cordeiro Filho (2009, p. 11), “a colaboração, a autoria, a interatividade, a
conectividade e a existência do consumidor-produtor são características marcantes da era das comunidades
virtuais. O surgimento destas reflete não somente características humanas como a necessidade de agremiação e o
espírito de grupo, que as pessoas já experimentam no mundo real, mas também o desejo das pessoas de se
libertarem do modelo de passividade reforçado pelo rádio e pela televisão”.
254
Confirmando essa tendência, um aluno de violino do 1o ano afirma que há alguns anos
já estudava “em casa, via internet, escutando vários outros guitarristas, sempre fui buscando
novas técnicas” (Q 112, 1o ano2, masc., 17 anos). Encontramos no estudo apontado por um
aluno de teclado do 1o ano, a combinação da internet com ferramentas tradicionais, como o
livro. O aluno menciona ter estudado em casa, durante 1 ano, “com livro e internet. Eu assistia
vídeos e algumas apostilas de música” (Q 018, 1o ano1, masc., 15 anos). Nesse sentido,
reportamo-nos novamente à reflexão de Gadotti (2000, p. 7) na qual o autor indica que “além
da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos”.
O contato com novos repertórios, que usualmente se realizava a partir da aquisição de
um suporte físico, tal como o vinil ou o CD, passou a ser viabilizado pelas redes digitais,
desvinculando-se, portanto, da presença de um suporte físico (que ficou restrito ao aparelho
de execução). Explicitando um pouco do funcionamento dos meios digitais, Costa (2013)
afirma que:
Desse modo, a transmissão de dados, dos quais a música passou a configurar uma
possibilidade, adquiriu uma fluidez que Gohn (2008) compara àquela proporcionada pelo
rádio, mas com diferenciais importantes, pois “enquanto no rádio a escuta é única e efêmera,
nas redes digitais uma obra pode ser escutada repetidamente e infinitas cópias podem ser
produzidas, sempre mantendo a mesma qualidade do original” (GOHN, 2008, p. 114).
Como apontado anteriormente, as mídias atuais vêm delineando novos caminhos para
a aprendizagem musical, de modo que, para nos mantermos “sintonizados” com nosso próprio
tempo, tornou-se necessário o domínio, ainda que básico, dos processos mediados pela
tecnologia. Sobre a vinculação da música popular com os recursos tecnológicos, Dunbar-Hall
e Wemyss (2000, p. 28) argumentam que “de forma causal ou sintomática, a música popular
há muito tempo tem sido alinhada com as tecnologias musicais do seu tempo, e o seu
desenvolvimento musical não pode ser estudado sem a devida referência ao aspecto
tecnológico nele contido” 117. Portanto, concordamos com Gohn (2007) quando este afirma
que a necessidade de adaptação à novas possibilidades não é um fenômeno recente,
encontrando-se há longa data no cotidiano dos músicos, visto que,
117
“Whether causal or symptomatic, popular music has long been aligned with the musical technologies of its
time, and its musical development cannot be studied without due reference to the part of technology in it”
(DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000, p. 28).
118
Para um maior aprofundamento sobre o conceito de “aprendizagem autêntica” (authentic learning), consultar:
Herrington, Oliver e Reeves (2003); Karet e Hubbell (2003); e NDTWT (2003).
256
É importante destacar que o estudo realizado em casa, por conta própria, foi apontado
apenas por 8% dos estudantes, porém este dado não indica, de modo algum, que os demais
estudantes, frequentadores de algum espaço de estudo, seja formal ou não-formal, não façam
uso dessas ferramentas como complementação do seu estudo. Na verdade, existe um tráfego
constante de pessoas e informações entre todos os espaços anteriormente mencionados,
conforme indicou Gohn (2008) e como ilustrou a aluna de violão do 3o ano que, tendo
estudado música durante 2 anos antes de ingressar no curso, afirmou que estudou “de inicio
com meu tio, em casa. Mas fiquei mais interessada e procurei um professor [com quem
estudou por 1 ano] e depois fiquei estudando sozinha” (Q 310, 3o ano, fem., 17 anos).
Partindo do entendimento de que todo estudante se configura como um “indivíduo com
interesses próprios, que anseia por saberes que nem sempre são apresentados em um
programa curricular”, Marques (2006, p. 2) realizou pesquisa na qual buscou verificar a
trajetória, os recursos, os contextos e as estratégias utilizadas por três estudantes de música
em suas pesquisas extraclasse, com o intuito de compreender suas práticas para reinterpretar
as atuais relações entre o sujeito educacional e sua escola. Segundo a autora,
Esse aluno que se cria sujeito do conhecimento, que cresce, confirmo ser
observável nos alunos que, em seus “escapes intencionais” da escola, se
reorganizam, por meios não-formais, em atividades auto-educativas,
verdadeiramente dirigidas por e aos seus interesses. Esses que se tornaram
autônomos continuam aprendendo de um jeito ou de outro, demarcando uma
nova jurisprudência e jurisdição de aprendizagem, contando ou não com a
escola à qual são vinculados. (MARQUES, 2006, p. 91)
Neste trabalho, a discussão acerca das experiências musicais prévias dos estudantes foi
realizada de forma intencionalmente fragmentada, porém faz-se importante refletir que essas
características, preferências e experiências – discutidas isoladamente – não se encontram
dispostas dessa maneira em sala de aula, de modo que o professor consiga compreendê-las
com tamanha clareza. Nas salas de aula do Curso Integrado em Instrumento Musical, por
exemplo, compostas inicialmente em média por 40 alunos, todas essas características e suas
respectivas demandas, encontram-se demasiadamente amalgamadas e precisam ser
119
“For teachers to extract the most from what technology is available, it is important to not use it within
traditional teaching and learning contexts. Technology needs to be used in a contemporary way using authentic
learning contexts to enhance the subject and allow students the opportunity to develop skills necessary in the
contemporary practice of music and society” (CRAWFORD, 2009, p. 486).
257
Violão 24
Violino 20
Teclado / Piano 15
Bateria 14
Contrabaixo acústico / elétrico 7
Violoncelo 3
Trompete 3
Guitarra 3
Viola 2
Trombone 2
Saxofone 2
Clarinete 2
Acordeon 1
Canto 1
Ainda não definiu 1
Valores em %
Destacamos que a presença da categoria “ainda não definiu” deve-se a uma aluna do
1o ano1, turma recém chegada à instituição que, ainda encontrando-se no período de
ambientação (onde é possível transitar entre os instrumentos até realizar uma escolha), não
havia definido o seu instrumento de estudo dentro das opções disponíveis. Acerca dos demais
estudantes, evidenciamos que dos 82% que já realizavam atividade musical antes de ingressar
no curso, conforme apontou o Gráfico 16, 50% destes, o que equivale a 41 alunos,
permaneceram engajados na mesma atividade (instrumento) após o ingresso no curso. Sobre a
outra metade dos estudantes, deduzimos que, em 36,5% dos casos (15 estudantes), a mudança
foi realizada por iniciativa própria, pois havia a possibilidade de permanência na mesma
atividade, visto que os instrumentos eram ofertados pela instituição e dispunham de vagas.
Ilustrando esse grupo, uma estudante do 2o ano afirmou que “estudava violão porque foi o que
tive contato primeiro, mas sempre tive vontade de tocar violino e o IF me proporcionou isso”
(Q 206, 2o ano, fem., 16 anos). Os demais estudantes que migraram de instrumento (26 alunos
equivalente a 63,5%) estavam envolvidos com instrumentos não ofertados pela instituição ou
que no momento de ingresso no curso não dispunham de vagas, como o caso da turma do 1o
ano1, que não encontrou vagas disponíveis para realizar a habilitação no instrumento violão.
259
Nessa turma, 9 estudantes que já possuíam contato prévio com o instrumento foram
remanejados para outros instrumentos.
Em situação semelhante, os alunos que realizavam atividades ligadas ao canto antes de
ingressar no curso, como o canto coral, só passaram a contar com a oportunidade de
transformá-lo em sua atividade de estudo a partir do ano de 2013, momento em que a
instituição veio a disponibilizar tal habilitação. Destacamos que diversos estudantes também
relataram um contato (afinidade) anterior com a flauta transversal e/ou flauta doce, mas estas
habilitações ainda não se encontram disponibilizadas pela instituição. Assim, a partir da
impossibilidade de continuidade da sua atividade, tais estudantes fizeram a escolha por um
novo instrumento. Refletindo sobre a influência da escolha do instrumento no processo de
realização musical, evidenciamos a reflexão de Cárdenas e Torres (2013):
120
“Si un alumno se ve ‘obligado’ a comenzar sus estudios musicales con un instrument que no conoce, o peor
aún, con el que no tiene afinidad, el riesgo de aparición del abandono y fracaso escolar será mucho mayor que el
del alumno que sí ha podido escoger desde el principio el instrumento que prefería” (CÁRDENAS; TORRES,
2013, p. 278).
260
Não
26% 38
Sim
74%
GRAFICO 23 – Alunos que possuem GRAFICO 23.1 – Distribuição nas turmas pesquisadas
instrumento próprio
Não Não
45%
26% Sim
55%
A partir do gráfico acima, percebemos que dos 26 estudantes que ainda não haviam
adquirido seu instrumento, 45% (o que equivale a 11 estudantes) também não tinham previsão
de aquisição. Essa parcela dos estudantes era composta por 6 alunos de bateria 121 , 2 de
contrabaixo, 1 de trombone, 1 de teclado e 1 estudante de violão. Mapeamentos dessa
natureza podem indicar caminhos para uma maior adequação estrutural e pedagógica do curso
a partir de dados concretos do seu corpo discente. Assim, tomando como base a discussão do
subitem 4.1.2 concordamos com Bates (2012, p. 33) quando este reflete que, “tratando-se de
um nível muito básico [de ensino], é realmente injusto que os custos adicionais da escola de
música inibam a plena participação do estudante” 122. Buscando um maior aprofundamento
das condições da prática instrumental dos estudantes, apresentamos no gráfico 25 os locais
onde estes costumam estudar seu instrumento:
121
O que equivale a 43% dos estudantes de bateria matriculados no curso.
“At a very basic level, it really is unfair that the added costs of school music inhibit full participation”
122
Local de estudo
Em casa 76
No IFPB 75
Na Igreja 10
Na casa de amigos 6
Em Banda Marcial 2
Em ensaios 1
No Espaço Cultural 1
Valores em %
GRAFICO 25 – Local de estudo
É importante ressaltar que dos 76 estudantes que afirmaram realizar o estudo em casa,
podemos deduzir, a partir do dados discutidos no subitem 4.1.2 que boa parte o faz sem as
condições adequadas, como o estudante de bateria que afirmou estudar “no meu quarto, em
casa, no colchão” (Q 016, 1o ano1, masc., 16 anos). Essa prática torna-se possível para o
aluno de bateria, visto que alguns aspectos técnicos do seu instrumento fundamentam-se em
exercícios voltados para o domínio mecânico de baquetas e possibilitam sua realização fora
do instrumento, em superfícies como a destacada pelo estudante. Evidenciamos, porém, que o
estudo técnico realizado nestas condições não é passível de realização para a maior parte dos
instrumentos musicais, o que torna necessária a busca de alternativas, como a encontrada pela
instituição, através da CAEST, para os estudantes que fazem uso de material específico para
as disciplinas de desenho técnico123. Conforme explicita o Edital Nº 001/2013, previamente
citado, a instituição prevê como um dos programas sociais da política de assistência estudantil
o “Empréstimo de Material de Desenho Técnico”. Segundo o documento, o programa “visa
assegurar, aos estudantes em vulnerabilidade social, o acesso ao material de desenho
indispensável para suas atividades acadêmicas, durante o ano ou semestre letivo, a título de
empréstimo” (IFPB, 2013b, p. 1). Entendendo que o Curso Técnico Integrado em Instrumento
Musical possui uma quantidade significativa de estudantes enquadrados na condição de
vulnerabilidade social – conforme indicaram o Gráfico 7 e o Mapa 2 – e que estes necessitam,
123
O desenho técnico configura-se em uma modalidade de desenho realizada com auxílio de instrumentos
específicos, tais como esquadros, compasso, escalímetro, etc., ofertada pela instituição nos cursos de Edificações
e Mecânica.
263
É evidente que qualquer aluno, ao iniciar seu curso, mostra-se ansioso por
ver os primeiros resultados; quando, ao fim de certo tempo, não logra
progresso, desanima, chegando em alguns casos a desistir. No entanto, se
esse aluno tivesse o material adequado e aprendesse a usá-lo corretamente,
ele poderia, bem orientado, tornar-se um bom desenhista [ou músico].
(OBERG, 1979, p. 1)
Sim
82%
O Gráfico 26.1 aponta que a maior parte dos estudantes ingressa na instituição com
alguma vivência musical de apresentações em público e que este percentual tende a crescer
até o final do curso. Muitos desses alunos referem-se à experiência de se apresentar em
público como algo bastante prazeroso e que gerou um sentimento de realização, como
afirmou uma estudante de violão do 3o ano: “foi uma experiência maravilhosa, poder se
dedicar tanto por uma coisa e ver seus resultados” (Q 310, 3o ano, fem., 17 anos).
Caracterizando a dedicação acima referida pela estudante sobre o processo de preparação para
a performance, apontamos a reflexão de Aquino (2003, p. 104) ao enfatizar que “podemos
afirmar que já existe um certo consenso de que a produção artística, como atividade
intelectual, é resultado de intenso estudo e reflexão prévia”. Concluindo seu raciocínio, o
autor argumenta que:
124
“Professional musicians usually start learning music at a very young age […]” (WERNER, 2007, p. 7).
266
discussão sobre os quais a subárea da Educação Musical não apresenta consenso. Nessa
perspectiva, Fernandes, Ó, e Paz (2009, p. 35) afirmam que “um dos temas que suscita a
atenção dos responsáveis pelo ensino da Música é o da precocidade”.
Sobre a parcela do corpo discente que indicou a realização de alguma atividade
musical remunerada, apontamos no gráfico abaixo o percentual de estudantes que indicou ter
recebido dinheiro através dessa atividade:
52
44
Sim
39% 30
Não 20
61%
GRAFICO 27 – Alunos que ganharam GRAFICO 27.1 – Distribuição nas turmas pesquisadas
dinheiro com música
125
É necessário ressaltar que duas estudantes indicaram a remuneração recebida pela Orquestra Sinfônica Jovem
da Paraíba na forma de bolsa como atividade remunerada, no entanto por não se configurar enquanto uma
267
Q 022: “Eu ganho [dinheiro] em todo término de tocadas” (1o ano1, masc., 16 anos, baterista);
Q 113: “Casamentos e eventos” (1o ano2, masc., 16 anos, tecladista);
Q 209: “Somente depois de entrar no IFPB, em vários lugares (casas de show,
principalmente)” (2o ano, masc., 17 anos, violista);
Q 210: “Casamento, jantar... Desde 2011” (2o ano, fem., 17 anos, violinista);
Q 308: “Em bandas que toco profissionalmente desde 2010 até hoje (2013)” (3o ano, masc.,
18 anos, acordeom);
Q 311: “Toco quase todos os fins de semana. Recebo [cachê] na maioria das vezes que me
apresento” (3o ano, masc., 17 anos, trombonista);
Q 316: “Em casamentos, depois que entrei aqui no IFPB” (Q 316, 3o ano, fem., 17 anos,
violinista);
Q 313: “Em casamentos e formaturas. Quase todo mês” (3o ano, fem., 17 anos, violinista);
Q 411: “Nos últimos dois anos. Em casamentos, festas, programações culturais e na OSJPB
[Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba]” (4o ano, masc., 20 anos, violinista).
atividade de natureza profissional, entendemos que o vínculo atende apenas parcialmente à condição de
“atividade musical remunerada” (Q 110, 1o ano2, fem., 16 anos, violinista; e Q 117, 1o ano2, fem., 16 anos,
violinista).
126
Em alguns casos, o caráter esporádico das atividades musicais foi detectado a partir das respostas dadas em
outras questões que não as específicas acerca da atividade remunerada (questões 08 e 09). Destacamos ainda que
dois estudantes que indicaram já terem realizado alguma atividade remunerada não detalharam a natureza de tais
atividades em nenhum momento do questionário.
268
Q 201: “No carnaval [tocando saxofone], tocando frevo com meu professor” (2o ano, masc.,
18 anos, violoncelista);
Q 204: “Algumas vezes em casamentos e festas” (Q 204, 2o ano, masc., 17 anos, baterista);
Q 207: “Em 2011, a ocasião foi o Circuito das Praças, que vinculado à Prefeitura [de João
Pessoa]” (2o ano, masc., 17 anos, violonista);
Q 208: “Em um aniversário de 50 anos” (2o ano, fem., 17 anos, violinista);
Q 214: “Em um projeto do IF[PB]. Já faz um tempinho” (2o ano, masc., 16 anos, baterista);
Q 215: “Em uma cantata de natal. Foi quando fui chamado para fazer o arranjo, composição e
gravação das músicas para o coral” (2o ano, masc., 17 anos, tecladista);
Q 217: “Um casamento, festa sacramental. Trabalhei mais com harmonização que tocando”
(2o ano, fem., 16 anos, violino);
Q 218: “Em casamentos no ano passado” (2o ano, masc., 17 anos, violonista);
Q 221: “No IFPB num projeto chamado CERTIFIC em 2012” (2o ano, fem., 18 anos,
violoncelista);
Q 304: “Em casamentos durante o ano passado” (3o ano, fem., 17 anos, violino);
Q 306: “Vendi uma música minha para Yuri Rocha, músico e produtor musical lá de São
Paulo” (3o ano, masc., 18 anos, guitarrista);
Q 310: “Ensinando violão a alguém, ano passado” (3o ano, fem., 17 anos, violonista);
Q 401: “Nos três últimos carnavais [com uma orquestra de frevo] e no final do passado [em
um casamento com colegas de curso]” (4o ano, fem., 18 anos, saxofonista);
Q 404: “Em casamentos, no ano de 2012” (4o ano, fem., 18 anos, guitarrista);
Q 405: “Com a Banda Uns em várias de nossas apresentações” (4o ano, masc., 18 anos,
contrabaixista);
Q 406: “Em casamentos, durante o curso” (4o ano, masc., 17 anos, violonista/guitarrista);
Q 408: “Em alguns casamentos que toquei. O último foi ano passado” (4o ano, fem. 17 anos,
violinista);
Q 409: “Apenas uma vez, cantando em casamento” (4o ano, fem., 17 anos, violonista).
A partir das palavras dos estudantes percebemos que de fato a maioria das atividades
musicais remuneradas desenvolvidas pelo corpo discente pode ser caracterizada como
trabalhos temporários, popularmente conhecidos como “bicos”. Destaca-se ainda que, como
esperado, o percentual de estudantes que desenvolvem atividades musicais remuneradas
cresce ao longo das turmas.
269
Questionados acerca dos motivos que levaram ao ingresso na instituição, 71% dos
estudantes apontou a possibilidade de realizar a “associação entre formação geral e ensino
técnico”. O segundo fator mais destacado, mencionado por 65% destes, foi a “boa qualidade
da formação geral”, seguido da “gratuidade da instituição” que foi indicada por 43%. A “boa
qualidade da formação técnica” aparece como quarto fator de maior relevância e foi ressaltada
por 35% dos estudantes. No gráfico a seguir, encontram-se listados os demais aspectos
indicados como responsáveis pela escolha do Instituto Federal da Paraíba:
Escolha do IFPB
Valores em %
GRAFICO 28 – Motivos da escolha do IFPB
ingresso no mundo do trabalho para um momento posterior, passa a ocupar uma parcela
significativa das vagas disponíveis nestes espaços. Refletindo acerca deste panorama,
destacamos novamente as palavras de Kuenzer (2011):
127
Dos 70 estudantes que afirmaram ter a intenção de “adquirir conhecimentos musicais”, 60, equivalente à
85,7% destes, realizava atividade musical anterior ao ingresso no curso. As práticas musicais anteriores ao
ingresso no curso foram abordadas no subitem 4.1.5.
273
Valores em %
GRÁFICO 29 – Motivos da escolha do curso em instrumento musical
semelhante, destacamos ainda a estudante de violão do 3o ano que também iniciou seu contato
com o instrumento musical na instituição e indicou a escolha do curso porque “não gostou das
outras opções de curso” e que “na verdade, eu queria cursar apenas o Ensino Médio” mas
também porque “queria aprender a tocar um instrumento” e “queria adquirir conhecimentos
musicais”.
Acerca da parcela de 7% dos estudantes que, de fato, não indicou interesse pelos
conhecimentos e práticas musicais no momento de ingresso no curso, destacamos a estudante
de violino do 2o ano que, apesar de já cantar no coral da igreja, destacou que a escolha da
instituição, na verdade foi uma “escolha dos pais” motivados pela “boa qualidade da
formação geral”. Como motivo da escolha por instrumento musical, a estudante apontou que
“tinha mais chances de passar” e que “não gostou das outras opções de curso”. Assinalou
ainda que “na verdade, gostaria de cursar apenas o Ensino Médio”. Acerca de suas
expectativas prévias ao ingresso no curso ressaltou que “não tinha expectativas pois não sabia
como ia ser o curso, não tive quase nenhuma informação”. Destacamos ainda a estudante de
teclado do 3o ano (Q 301, 3o ano, fem., 17 anos) que iniciou seu contato com o instrumento
após o ingresso na instituição e apontou que a escolha do curso se deu por “outros motivos”,
ressaltando que “meu pai fez minha inscrição” (questão 24). A estudante indicou ainda que
“na verdade, minha intenção não era cursar música” (questão 01).
Acerca do momento anterior ao ingresso na instituição, o corpo discente indicou as
seguintes expectativas em relação ao curso – coletadas a partir da questão aberta 25:
Valores em %
GRAFICO 30 – Expectativas em relação ao curso
275
2%
5%
15%
45% Em grande parte
Pouco
Muito pouco
33% Totalmente
Não respondeu
Valores em %
GRAFICO 31 – Atendimento das expectativas em relação ao curso
23. O gráfico a seguir aponta o que cada parcela dos estudantes indicou como justificativa
para seu nível de satisfação:
Valores em %
GRÁFICO 32 – Fatores que determinaram o grau de atendimento das expectativas
Referente aos aspectos que diminuem o atendimento das expectativas discentes, foram
destacadas por todos os grupos acima mencionados a estrutura física do curso (questão
anteriormente abordada); as questões relativas a substituição de professores; e o aspecto
estrutural do curso, relativo às questões curriculares. Os dados encontrados a partir da
categorização da questão aberta 26.1 confirmam as análises anteriores que apontam para uma
série de dificuldades estruturais ainda presentes no contexto do Curso Integrado em
Instrumento Musical que podem ser relacionadas, dentre outras questões, com o atual
processo de expansão pelo qual a Rede Federal de Educação Tecnológica vem passando ao
longo dos últimos anos. Conforme mencionado anteriormente, a acelerada expansão da Rede
acarretou (e ainda vem acarretando), dentre outras dificuldades, num grande percentual de
estudantes que não são contemplados pelos programas sociais da política de assistência
estudantil, visto que inevitavelmente os recursos financeiros voltados para os Institutos
Federais acabam sendo demasiadamente “pulverizados”. Para um maior aprofundamento
acerca do processo de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, consultar Moura
(2013b).
277
Às vezes 54
Raramente 21
Sempre 17
Nunca 6
Não… 2
Valores em %
GRAFICO 33 – Abordagem no curso das músicas que fazem parte do gosto musical dos estudantes
Aproximação com a 5
música brasileira
Valores em %
estudante de violino do 1o ano1: “[o estudo da teoria é importante] pra entender a música,
fazer arranjos” (Q 017, 1o ano1, masc., 16 anos). Outra fator apontado como justificativa para
o estudo de teoria foi a possibilidade de atuação em orquestras (Q 019, 1o ano1, masc., 16
anos, trompetista).
Destacou-se ainda a presença de uma parcela significativa de estudantes que, partindo
de uma concepção “tradicional” ou “conservadora” (referindo-nos ao modelo de ensino
conservatorial abordado anteriormente no subitem 4.1.5), apontou o aspecto teórico como
centro da prática musical, conforme afirmou um estudante de violão do 1 o ano1 ao sinalizar
que “a teoria musical pode ser considerada a base de tudo” (Q 002, 1o ano1, masc., 15 anos).
Ilustrando esta perspectiva, destacamos abaixo alguns trechos das respostas obtidas na
questão aberta 17.1:
Q 016: “Sem teoria eu seria apenas mais um músico” (1o ano1, masc., 16 anos, baterista);
Q 018: “A teoria musical é a base de conhecimento que qualquer músico deve ter para
executar uma música. Um médico não deve fazer uma cirurgia sem saber como o corpo
funciona” (1o ano1, masc., 15 anos, tecladista);
Q 113: “Não adianta tocar bem e não saber o nome do que está tocando” (1o ano2, masc., 16
anos, tecladista);
Q 118: “Sem teoria não temos base para tocar o instrumento” (1o ano2, fem., 17 anos,
violinista);
Q 119: “É o princípio de tudo!” (1o ano2, fem., 16 anos, violonista);
Q 202: “Antes de tudo é necessário a teoria” (2o ano, fem., 18 anos, violinista);
Q 206: “É essencial para um bom músico saber a parte teórica” (2o ano, fem., 16 anos,
violinista);
Q 209: “Acho que um músico sem teoria não é um MÚSICO” (2o ano, masc., 17 anos,
violista, destaque do estudante);
Q 215: “A teoria para mim é a base de tudo” (2o ano, masc., 17 anos, tecladista);
Q 216: “É essencial para um músico” (2o ano, masc., 17 anos, violonista);
Q 218: “Não tem uma função estudar só o instrumento” (2o ano, masc., 17 anos, violonista);
Q 219: “A teoria é a base de uma prática profissional” (2o ano, fem., 19 anos, pianista);
Q 309: “Sem a teoria não teremos uma boa prática” (3o ano, fem., 17 anos, violinista);
Q 311: “É a base para ser um bom músico” (3o ano, masc., 17 anos, trombonista);
Q 314: “Precisa da teoria pra fazer ou entender a prática” (3o ano, fem., 18 anos, violinista).
280
129
Acerca da presença do Modelo Conservatorial no contexto de ensino musical brasileiro, consultar Pereira
(2012). Em sua pesquisa, o autor analisa projetos pedagógicos de quatro diferentes cursos de Licenciatura em
Música do Brasil, constatando uma significativa influência do referido modelo.
281
sim
85%
Valores em %
Ainda refletindo acerca das inter-relações entre o corpo discente e o curso, através das
respostas obtidas na questão aberta 20, calculamos a quantidade média de horas de
permanência diária dos estudantes na instituição. O gráfico a seguir apresenta os resultados
agrupados por turma pesquisada:
8,38 8,47
8,31
7,46
7,12
130
Informação disponível em: <http://www.ifpb.edu.br/campi/joao-pessoa/cursos/cursos-tecnicos-
integrados/instrumento-musical/?searchterm=instrumento%20musical>. Acesso em: 06/07/2015.
283
Valores em %
GRÁFICO 37 – Atividades musicais realizadas em outros espaços
284
Valores em %
não sim
52% 48%
Com base no gráfico, percebemos que praticamente metade dos estudantes que
atualmente compõem o corpo discente já cogitaram a possibilidade abandonar o curso antes
de sua conclusão. A partir da questão aberta 29.1, os estudantes apontaram quais as causas
que contribuíram para o surgimento desta possibilidade, conforme apresenta o gráfico a
seguir:
Valores em %
GRÁFICO 40 – Motivos que influenciaram a possibilidade de desistência do curso
Corroborando com a análise da questão 20, que apontou uma elevada carga horária em
todas as séries do curso, através do gráfico acima percebemos que essa informação encontra-
se diretamente relacionada com as principais causas de possível abandono do curso. Este dado
confirma a reflexão de Leite (2014), apontada no Cap. 1, indicando um “excesso de
componentes curriculares das matrizes dos cursos da EPTIEM [Educação Profissional
Técnica Integrada ao Ensino Médio]” que inevitavelmente acarreta em “uma sobrecarga de
atividades para os estudantes que, nem sempre, conseguem dar conta da complexidade
imputada aos oriundos das posições sociais desfavorecidas historicamente” (LEITE, 2014, p.
103). Caracterizando a parcela que apontou o “estresse, sobrecarga ou falta de tempo para
estudar” destacamos os seguintes fragmentos obtidos nas repostas da questão aberta 29.1:
286
Q 102, 1o ano2, fem., 16 anos, violinista: “é muito cansativo a carga horaria daqui. É muito
longe da minha casa, eu tenho que acordar muito cedo e as matérias normais são bem
puxadas”;
Q 117, 1o ano2, fem., 16 anos, violinista: “a carga horaria do IFPB é muito grande e me deixa
exausta”;
Q 201, 2o ano, masc., 18 anos, violoncelista: “como a carga horária do ensino médio é muito
grande não temos muito tempo de estudar o instrumento”;
Q 203, 2o ano, masc., 18 anos, tecladista: “distância e cansaço”;
Q 209, 2o ano, masc., 17 anos, violista: “carga horária, não conciliação das matérias
acarretando em notas baixa e medo de reprovar”;
Q 208, 2o ano, fem., 17 anos, violinista: “por falta de estrutura [do curso], uma carga horária
muito puxada e medo de não dar conta de todas as disciplinas”;
Q 210, 2o ano, fem., 17 anos, violinista: “por causa da carga horária”;
Q 309, 3o ano, fem., 17 anos, violonista: “pelo fato de estar sobrecarregada e não ter tempo
para estudo”;
Q 313, 3o ano, fem., 17 anos, violinista: “[pensei em desistir] no primeiro ano pois era muito
cansativo e eu não gostava do colégio”;
Q 411, 4o ano, masc., 20 anos, violinista: “pela carga horaria, pelo estresse, etc.”.
A ocorrência de greves foi o segundo fator destacado com maior recorrência pelos
estudantes, seguida da parcela de estudantes que apontou as mudanças de professores,
(caracterizadas também pelos períodos de ausência de professores ocorridos em algumas
transições). A inadequação da estrutura física, questão recorrente ao longo do trabalho,
também destacou-se como causa de possível abandono do curso, conforme destacou a
estudante de piano do 3o ano que indicou ter pensado em desistir do curso “por falta de
condições oferecidas aos alunos” (Q 220, 3o ano, fem., 17 anos). A falta de identificação com
o curso foi indicada por alguns estudantes, conforme apontam os fragmentos abaixo:
Q 203, 2o ano, masc., 18 anos, tecladista: “não é realmente o que vou seguir”;
Q 215, 2o ano, masc., 17 anos, tecladista: “ao sair daqui não serei músico”;
Q 303, 3o ano, fem., 18 anos, tecladista: “porque não é isso que eu quero. Não quero me
formar em musica”;
Q 315, 3o ano, fem., 17 anos, violonista: “não tenho interesse em atuar em música”.
287
131
“Nos termos da Portaria MEC nº 10, de 20 de maio de 2012 e da Portaria INEP nº 179, de 28 de abril de
2014, o participante do Enem interessado em obter o certificado de conclusão do Ensino Médio ou a declaração
parcial de proficiência deverá atender aos seguintes requisitos: indicar a pretensão de utilizar os resultados de
desempenho no exame para fins de certificação de conclusão do Ensino Médio, no ato da inscrição, bem como a
Instituição Certificadora; possuir no mínimo 18 (dezoito) anos completos na data da primeira prova de cada
edição do exame; atingir o mínimo de 450 (quatrocentos e cinquenta) pontos em cada uma das áreas de
conhecimento do exame; atingir o mínimo de 500 (quinhentos) pontos na redação. Atendidos os requisitos
necessários à obtenção do certificado de conclusão do Ensino Médio ou da declaração parcial de proficiência, as
instituições certificadoras são as responsáveis pela emissão desses documentos aos participantes do Enem que a
tenham indicado no momento da inscrição. As instituições habilitadas a participar do processo de certificação
com base nos resultados de desempenho no Enem são as Secretarias de Estado de Educação e os Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, mediante assinatura do Termo de Adesão” (INEP, 2015, s/p).
288
A partir dessa panorama, concordamos com Serrao (2014, p. 188) que se tornou
necessário investir em processos de meta-avaliação “para produzir evidências sobre o que, de
fato, está sendo medido e/ou avaliado por esses exames [Encceja e Enem], explorando assim a
adequação desses instrumentos de avaliação existentes em relação às finalidades esperadas”.
Desse modo, compreendendo a complexidade da questão frente às limitações do presente
trabalhos, para um maior aprofundamento da discussão, recomendamos a leitura de Corti
(2013).
Os dados obtidos a partir da questão aberta 29.1 corroboram com a pesquisa
desenvolvida por Leite (2014), conforme ressaltado no Cap. 1, que aponta que os cursos
integrados ofertados pelo IFPB atualmente caracterizam-se por um significativo excesso de
componentes em suas matrizes curriculares, o que necessariamente acarreta uma sobrecarga
de atividades para os estudantes (LEITE, 2014, p. 103). É importante ressaltar que esta
realidade de excesso de componentes curriculares e a consequente sobrecarga de atividades
para os estudantes (e docentes) vem sendo identificada em outros contextos de realização do
currículo integrado, como também indicou Estivalete (2014). Caracteriza-se assim o
complexo contexto de efetivação da proposta integrada ainda marcado por muitas incertezas e
dificuldades (conceituais e práticas) encontradas nas instituições que, conforme discussão
realizada no Cap. 1, atuam, via de regra, sem o adequado suporte material e teórico-
metodológico.
que pretendem continuar seus estudos na área da Música, bem como nas outras áreas do
conhecimento, e sinaliza ainda o percentual daqueles que ainda não haviam definido sua área
de atuação futura:
Pretensões de Ensino Distribuição ao longo das turmas
Superior Música Outra área
1%
Ainda não decidiu Em branco
20% 12
34% 11 11
10
8 8
7 7
45% 6 6
5
4 4
Acerca da parcela de 34% dos estudantes que indicou a pretensão de ingressar no curso
superior de Música, 76% destes (equivalente a 26 estudantes) apontaram como significativa a
influência do curso em tal decisão, conforme sinaliza o gráfico a seguir:
Não
24% 4 (67%) 4 (80%)
3 (75%)
Sim
76%
Cursos apontados pelos estudantes que indicaram interesse em ingresso no curso superior de
outras áreas do conhecimento
GRÁFICO 43 – Cursos apontados pelos estudantes que indicaram interesse em ingresso no curso
superior de outras áreas do conhecimento
sim
não
em branco
95%
A partir da questão aberta 32.1, foi possível obter uma compreensão um pouco mais
aprofundada acerca da inserção dos conhecimentos adquiridos ao longo do curso na vida dos
estudantes, incluindo aqueles que não pretendem seguir para a formação superior na área da
Música. Ilustrando a parcela de estudantes que ao término do curso prosseguirão seus estudos
em outras áreas do conhecimento, destacamos as palavras do estudante de piano do 1o ano1
que, apesar de apontar a intenção de ingressar no curso de Biologia, afirmou que pretende
“continuar tocando piano em vários locais” e ressaltou que os conhecimentos adquiridos ao
longo do curso “contribuirão para a minha vida como ouvinte e tocador, músico, no geral” (Q
013, 1o ano1, masc., 14 anos, pianista). Apontando um entendimento semelhante, o estudante
de teclado do 1o ano1 que pretende cursar Medicina afirmou que a “música sempre vai fazer
parte da minha vida, seja profissionalmente ou não” (Q 018, 1o ano1, masc., 15 anos,
tecladista) e que, portanto, pretende continuar realizando atividades musicais “em algum
grupo, em casa, fazendo apresentações”.
Partindo de uma percepção mais ampliada do fazer musical, a estudante de viola do 1o
ano1 que pretende ingressar no curso de Psicologia indicou: “poderei associar [os
conhecimentos adquiridos no curso] com a minha profissão” (Q 029, 1o ano1, fem., 14 anos,
violista). A estudante também salientou que pretende continuar “tocando com os amigos,
família e para mim”. Nessa mesma perspectiva, uma estudante de teclado do 3o ano que
também pretende ingressar no curso de Psicologia, apesar de ressaltar que não pretende
realizar atividade musical após a conclusão do curso técnico, fez uma associação semelhante à
estudante acima destacada e indicou que “talvez possa usá-los [os conhecimentos adquiridos
293
Q 110, 1o ano2, fem., 16 anos, violinista: “[o curso contribui na] formação de repertório
violinístico antes de entrar na graduação e conhecimentos gerais da música”;
Q 116, 1o ano2, masc., 15 anos, baterista: “já que vou ser músico, irei utilizá-los”;
Q 211, 2o ano, masc., 16 anos, violinista: “é um curso técnico e eu vou seguir [na carreira
musical] assim o que eu aprender aqui vou usar lá fora”;
Q 218, 2o ano, masc., 17 anos, violonista: “serve como uma pré-universidade”;
Q 221, 2o ano, fem., 18 anos, violoncelista: “para fazer vestibular precisarei ter
conhecimentos porque além da prova do vestibular [ENEM] serão realizadas outras provas
abordando conhecimentos [específicos] sobre música”;
Q 316, 3o ano, fem., 17 anos, violinista: “já que vou fazer vestibular para música,
conhecimento musical nunca é demais”;
Q 405, 4o ano, masc., 18 anos, contrabaixista: “tendo facilidade nas matérias da
universidade”.
9%
sim
não
em branco
88%
não sabe
Orquestra 11
Aulas 8
Banda 6
Grupos de música 4
Apresentação em público 3
Igreja 2
Atividade beneficente 1
Concurso 1
Produção musical 1
Carreira solo 1
Coral 1
GRÁFICO 46 – Atividades musicais destacadas pelos estudantes que pretendem cursar a graduação
em Música
A prática em orquestras aparece destacada como atividade mais elencada pela parcela
de estudantes que pretende cursar o Ensino Superior em Música, questão que se relaciona
com a quantidade de estudantes de instrumentos como o violino que demonstraram interesse
no ingresso do Curso Superior em Música.
Podemos destacar que o trabalho que tem sido desenvolvido na área de cordas,
especificamente através do instrumento violino, conforme relatos dos estudantes introduzidos
ao longo deste capítulo (dentre os quais destacamos, por exemplo, a mencionada aproximação
com a música erudita), vem obtendo significativos resultados das mais diversas naturezas e
pode ser atribuída diretamente às iniciativas individuais provenientes dos docentes do
instrumento (conforme relatos discentes), o que reforça a importância do papel individual
mesmo quando inserido em grandes contextos institucionais.
A segunda atividade destacada pelos estudantes que pretendem cursar a graduação em
Música diz respeito à intenção de atuar enquanto professor de instrumento musical.
296
Confirmando a inserção dos técnicos nos contextos não formais de educação musical, como
por exemplo os cursos livres de música132, Costa (2014, p. 181) aponta que “dar aulas: [é] o
principal mercado [de trabalho dos Técnicos em Instrumento Musical]”. Nesse sentido, após
realizar pesquisa na Escola de Música de Brasília (CEP-EMB)133 a autora indicou que “todos
os entrevistados [professores de instrumento, coordenadores, gestores e empregadores]
sinalizaram que alunos e egressos geralmente principiam suas carreiras profissionais por meio
de aulas”.
Acerca das atividades musicais apontadas pelos estudantes que ainda não definiram se
irão cursar a graduação em Música, a partir do gráfico a seguir, percebemos a significativa
influência da instituição religiosa, bem como o interesse pela realização da prática
instrumental em orquestras:
Igreja 6
Orquestra 5
Banda 4
Hobby 3
Continuar estudos musicais 3
Ministrar aulas 3
Apresentação em público 2
Grupos de música 2
Carreira solo 1
GRÁFICO 47 – Atividades musicais destacadas pelos estudantes que ainda não definiram se irão
cursar a graduação em Música
A parcela de estudantes que indicou ainda possuir dúvida quanto o ingresso no Ensino
Superior em Música apresenta uma lista de atividades próximas daqueles que pretendem
132
Conforme mencionado anteriormente, “independentemente das denominações (espaços, centro, etc.), as
escolas de música livres são escolas que se caracterizam por serem escolas de ensino privado e sem vínculo com
redes ou sistemas de ensino público. Os professores, em muitos casos, são profissionais autônomos com atuação
em diversas escolas, tendo, muitas vezes, atuação concomitante à de músicos intérpretes e compositores”
(CUNHA, 2009, p. 9). O ensino realizado nestes espaços está vinculado à educação profissional de nível básico,
sendo “destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de
escolaridade prévia” (BRASIL, 1997, p. 7760). Por estarem inseridas na categoria de “educação não formal”, as
escolas particulares de música não estão sujeitas a nenhum tipo de regulamentação curricular. Alguns autores
como Silva (1996) e Requião (2002) utilizam a terminologia “escola de música alternativa”, outros, como Higa
(2007) preferem “escola alternativa de música”; encontramos ainda autores como Mateiro (2007a, 2007b) e Goss
(2009) que utilizam “escola livre de música”.
133
Maiores informações sobre o Centro de Educação Profissional Escola de Música de Brasília encontram-se
disponíveis em: <http://www.emb.se.df.gov.br/>. Acesso em: 13/04/2017.
297
Hobby 8
Igreja 5
Ministrar aulas 3
Grupos de música 3
Orquestra 3
Produção musical 2
Apresentação em público 2
Continuar estudos musicais 2
Banda sinfônica 1
Banda 1
GRÁFICO 48 – Atividades musicais destacadas pelos estudantes que não pretendem cursar a
graduação em Música
anos) e pretende atuar “tocando como técnico em instrumento musical na igreja”. Na mesma
perspectiva, a estudante de violino do 1o ano1 que não tem intenção de ingressar no curso
superior de Música mas ainda não definiu qual será sua formação superior afirmou que
“pretendo tocar em alguma orquestra e ser reconhecida ao ponto de ser chamada pra tocar em
outros lugares” (Q 004, 1o ano1, fem., 15 anos). De modo semelhante, a violinista do 1o ano2
que pretende cursar Medicina ou CFO indicou que pretende continuar fazendo parte da
Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba, afirmando que: “eu amo musica e só porque escolhi
outra profissão não significa que vou abandonar o instrumento” (Q 118, 1o ano2, fem., 17
anos). Apontamos ainda o estudante de bateria do 2o ano que mesmo não pretendendo cursar a
Universidade em Música, e ainda não tendo definido a área da sua formação superior,
informou que pretende dar aulas de música ao concluir o curso técnico integrado (Q 214, 2o
ano, masc., 16 anos). Na mesma turma (2o ano) encontramos a estudante de teclado que
pretende ingressar no curso superior de fonoaudiologia e paralelamente ministrar aulas de
instrumento (Q 213, 2o ano, fem., 17 anos). Por fim, apontamos o estudante de guitarra do 4o
ano que objetiva cursar a faculdade de Direito mas também pretende “continuar cantando em
casamentos e na igreja além de me apresentar com a camerata de violões [do IFPB]” (Q 404,
4o ano, fem., 18 anos).
ingresso garantida pelo atual sistema de cotas. No entanto, a permanência da parcela egressa
da escola pública ainda não foi assegurada visto que identificamos uma tendência de declínio
na quantidade destes estudantes ao longo das turmas do curso, situação anteriormente
detectada por Queiroga (2006) no âmbito da instituição como um todo.
Acerca do contexto familiar do corpo discente, a maior parcela dos estudantes, 64%
destes, conta com a presença de pai e mãe em seus núcleos familiares, que são compostos em
média por 4 integrantes. É importante destacar que apenas 28% das mães e 20% dos pais dos
jovens pesquisados possuem formação superior completa. A maior parte dos estudantes (75%)
vive com uma renda per capita abaixo da média da cidade de João Pessoa, informação
confirmada pela localização das residências de 68% dos estudantes, que se situam em áreas
abaixo do ponto de partida da condição mínima de inclusão, conforme o Mapa da
Exclusão/Inclusão Social, elaborado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de
João Pessoa (PMJP, 2009). Salienta-se ainda, a condição de 9% dos estudantes que
encontram-se inseridos na categoria dos “vulneráveis à pobreza”. Desse modo, a partir dos
dados obtidos, podemos concluir que a instituição, através do curso de instrumento musical,
vem exercendo uma importante função social ao atender uma clientela composta por jovens
em condições materiais relativamente desfavorecidas dentro do contexto municipal.
Sobre as influências anteriores ao ingresso no curso que contribuíram para o
surgimento do interesse pela música, o contexto familiar aparece em destaque como principal
fator responsável pela aproximação dos estudantes com algum instrumento ou prática
musical, confirmando as pesquisas da área de Educação Musical. A instituição religiosa
também destacou-se como um fator extremamente presente e influente em diversos aspectos
das práticas musicais realizadas pelos estudantes, tendo sido o segundo fator de maior
influência no surgimento do interesse pela música. O terceiro fator mencionado com maior
recorrência entre os estudantes tratou-se da influência de amigos, visto que, conforme
discussão anteriormente realizada, a adolescência configura-se como um momento em que o
interesse pela música, bem como a escolha de repertório e do instrumento, sofre significativa
influência da rede social de contatos.
É importante destacar ainda que a expressiva maioria do corpo discente indicou uma
significativa presença da música em seu cotidiano, contando inclusive com momentos
reservados exclusivamente para a apreciação musical. Foi identificada uma significativa
diversidade de gêneros musicais apontados como favoritos pelos estudantes do curso, de
modo que, apesar dos gêneros de maior circulação midiática, como o rock e a MPB,
concentrarem a preferência da maior parcela dos estudantes, na lista dos gêneros musicais
300
ofertados pelo IFPB”. É importante ressaltar que uma parcela que engloba praticamente a
metade do corpo discente (46% dos estudantes) apontou a escolha do curso de instrumento
musical indicando pelo menos uma dessas alternativas: “não gostei das outras opções de
curso”; “achei que tinha mais chances de passar”; “achei que era o mais fácil de cursar” ou
“na verdade, eu queria cursar apenas o Ensino Médio”. Não obstante, dos 46 estudantes acima
apontados, 39 apresentaram interesse por conhecimentos e práticas musicais, visto que
também indicaram pelo menos uma das opções: “queria aprender a tocar um instrumento”;
“para melhorar o desempenho no meu instrumento”; ou “para adquirir conhecimentos
musicais”. Desse modo, podemos afirmar que os estudantes que ingressaram no curso, via de
regra, encontravam-se motivados pela boa qualidade da formação geral e possuíam algum
vínculo – significativo ou não – com a música, realizando alguma atividade musical informal,
caraterizada como hobby. Portanto, não se tratam de estudantes que estavam vinculados ao
mercado de trabalho da Música ou possuíam previamente a intenção de ingressar
profissionalmente na carreira e almejavam uma adequada formação profissional para o
exercício da profissão (sendo este o perfil almejado pelo formato da atual proposta integrada).
O ingresso desta parcela da população na instituição caracteriza o fenômeno da “dualidade
invertida”, apontada por autores como Kuenzer (2011), configurando-se como o oposto da
histórica “dualidade estrutural” característica histórica da educação profissionalizante
brasileira, ambas anteriormente discutidas.
No que diz respeito às expectativas prévias ao ingresso no curso, praticamente a
totalidade dos estudantes chegou à Instituição com pouquíssimas ou nenhuma informação
adquirida sobre o curso, de modo que possuía expectativas bastante vagas, equivocadas ou
não possuía expectativa alguma. Sobre o nível em que as expectativas vêm sendo atendidas,
caracterizando o grau de satisfação dos jovens em relação ao curso, 50% destes afirmou ter
suas expectativas em relação à instituição atendidas: “totalmente” (5%) ou “em grande parte”
(45%). A outra metade do corpo discente (48%) indicou ter suas expectativas: “pouco
atendidas” (33%) ou “muito pouco atendidas” (15%). A qualidade dos professores foi
ressaltada como principal motivo de satisfação com o curso enquanto a estrutura física
destacou-se como motivo de maior insatisfação. Caracterizando a realização de um trabalho
musicalmente significativo junto aos estudantes, 62% destes indicaram que o curso vem
influenciando seu gosto musical, principalmente a partir da aproximação com o repertório
erudito e com a música brasileira.
Destacou-se ainda a presença de uma parcela significativa de estudantes que,
demonstrou uma concepção extremamente “tradicional” do aspecto teórico da formação
302
Podemos afirmar que, apesar de ser marcado por uma significativa heterogeneidade, o
corpo discente encontrava-se formado em sua maior parte por estudantes que possuem uma
condição material limitada, tomando a renda média da cidade de João Pessoa como
parâmetro, e aproximaram-se da instituição motivados pela gratuidade e pela reconhecida
formação de qualidade (especialmente na área de formação geral). Podemos afirmar ainda que
para a maioria dos estudantes, a escolha pelo Curso em Instrumento Musical apesar de estar
relacionada com práticas musicais informais anteriores, não reflete a intenção de atuar
profissionalmente tampouco de prosseguir seus estudos em nível superior. É necessário
destacar ainda que praticamente metade do corpo discente (46%) fez a opção pelo curso de
instrumento indicando que “não havia gostado das outras opções de curso”; ou “achou que
tinha mais chances de passar”; ou “pensou que era o mais fácil de cursar” ou “na verdade,
gostaria apenas de ter estar cursando o Ensino Médio”. No entanto, mesmo aqueles que ao
303
final do curso não optaram pela carreira musical, profissional e/ou acadêmica, em sua grande
maioria, apontam um significativo processo de formação vivenciado ao longo do curso, bem
como a aproximação significativa com alguma prática musical que, mesmo caracterizada
como hobby, permanecerá incluída em suas rotinas, seja nas práticas religiosas ou nos
encontros familiares ou ainda na prática instrumental individual ou em grupos de amigos.
Portanto, concluímos que o curso além de conseguir dialogar com o universo cultural (através
do repertório musical) discente, vem contribuindo significativamente na formação humana
dos estudantes.
A partir do perfil discente delineado ao longo deste capítulo, no qual, via de regra, não
foi identificada a presença de jovens que atuavam profissionalmente com música antes do
ingresso no curso ou que possuíam necessidades imediatas de ingresso no mercado de
trabalho após o ingresso no curso, alguns questionamentos e as seguintes hipóteses foram
levantadas:
134
Acerca do perfil dos candidatos, investigamos sua condição socioeconômica, suas atividades e influências
musicais, as pesquisas que realizaram sobre o curso, os motivos de escolha da instituição e do curso em
Instrumento Musical, bem como suas perspectivas de futuro.
135
A lista de inscritos divulgada pela instituição encontra-se disponível em:
<http://www.ifpb.edu.br/ingresso/processo-seletivo/Cursos-tecnicos/psct-
2015/documentos/resultados/Lista%20de%20Inscritos%20PSCT%202015%20Presencial.pdf>. Acesso em:
12/12/2014.
136
A pesquisa do tipo censo pode ser entendida como o estudo estatístico que resulta da observação de todos os
indivíduos da população relativamente a diferentes atributos pré-definidos (CARVALHO; CAMPOS, 2008, p. 5).
137
O questionário encontra-se disponível em:
<https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/viewform>.
Acesso em 26/04/2016.
138
O processo seletivo foi realizado no dia 16 de novembro de 2014 e a divulgação dos resultados ocorreu em 23
de dezembro de 2014.
305
A faixa etária média dos inscritos no PSCT foi 15,5 anos, contando com uma variação
de 13 até 19 anos de idade. Entre os aprovados a média foi de 15,1 anos, e entre os não
aprovados o valor encontrado foi 15,8 anos. É importante destacar que estes valores médios
encontram-se em consonância com a idade estabelecida pelo MEC (15 anos) como ideal para
ingresso no Ensino Médio (BRASIL, 2009b, p. 12). Em relação ao gênero, 38 dos
pesquisados, equivalente a 61,3% destes, correspondia ao sexo feminino, enquanto 24
(38,7%) correspondiam a candidatos do sexo masculino. Ainda acerca das características dos
candidatos, destacamos a escolaridade dos seus pais, indicando que a grande maioria dos
inscritos possui pais com escolaridade de nível médio ou abaixo (71% destes). Apenas 23,4%
dos candidatos indicou possuir pais com Ensino Superior completo ou incompleto. Acerca da
renda familiar média dos candidatos, destacou-se a presença de famílias com renda de até 2
salários mínimos 139 , sendo estas equivalentes a 66% do total de famílias pesquisadas.
Detalhando a questão da renda mensal, solicitamos ainda a indicação da quantidade de
pessoas sustentadas pelo valor informado, o que tornou possível o cálculo aproximado do
valor da renda per capita média dos candidatos, estimada em R$339. Segundo o Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, a cidade de João Pessoa possui uma renda per
capita média de R$ 964.82140, valor atingido apenas por dois candidatos. Portanto, podemos
constatar que praticamente a totalidade (96,8% destes) dos candidatos do processo seletivo do
ano de 2015 encontra-se abaixo da média municipal. Salienta-se ainda, a condição de três
candidatos que se encontram inseridos na categoria dos “vulneráveis à pobreza” por
possuírem uma renda abaixo de R$ 158.62 mensais (valor estipulado pelo Atlas).
139
O valor do salário mínimo em vigência no momento da pesquisa era de R$ 788,00.
140
Dado referente ao Censo Demográfico realizado em 2010.
306
Uma parcela de 74,2% dos candidatos afirmou ter realizado algum tipo de pesquisa
com o objetivo de obter informações sobre o curso antes de realizar a inscrição no processo
seletivo da instituição. Sobre a natureza da pesquisa realizada, a maioria dos candidatos
indicou ter buscado informações nos sites de busca da internet (Google, por exemplo), no site
da instituição, e com amigos que estudam ou estudaram no Instituto. No entanto, apesar de
74,2% dos jovens ter indicado a realização de alguma pesquisa sobre o curso, destaca-se que
apenas metade (50%) dos candidatos realizou sua inscrição no PSCT com o conhecimento de
quais eram os instrumentos musicais ofertados pela instituição, conforme respostas obtidas na
questão fechada 16141. É importante ressaltar que a lista de instrumentos ofertados pelo curso
é explicitada no Edital de abertura do processo seletivo para os cursos técnicos presenciais da
instituição (PSCT)142, de modo que para a seleção de 2015, o Edital nº 325/2014, indicou a
oferta dos seguintes instrumentos: bateria, canto, clarinete, contrabaixo (acústico e elétrico),
piano, saxofone, trompete, viola, violão e violino. Questionados acerca de qual instrumento
musical pretendiam estudar durante a realização do curso (questão aberta 18 143 ), nove
candidatos indicaram a pretensão de estudar instrumentos que não são ofertados pela
instituição, sendo estes: guitarra, flauta transversal, percussão, trombone e tuba. Destacaram-
se ainda oito candidatos que indicaram a expectativa de realizar a habilitação em dois
instrumentos, um candidato que pretendia cursar três instrumentos e ainda dois candidatos
que pretendiam cursar todos os instrumentos musicais.
É importante ressaltar que dentre os candidatos acima mencionados, cinco destes
obtiveram êxito no processo seletivo para ingresso na instituição. Devido a sua falta de
atenção (assim como de seus responsáveis) no momento da inscrição para o processo seletivo,
tais candidatos ingressarão no curso com expectativas equivocadas, o que pode acarretar em
frustração pela ausência do pretendido instrumento de estudo, bem como uma possível falta
de identificação com os demais instrumentos musicais ofertados pela instituição.
Ainda refletindo acerca das informações obtidas pelos jovens sobre o curso integrado
em instrumento musical, destacamos seu conhecimento prévio acerca dos objetivos de
formação do curso, constatando uma expressiva recorrência de equívocos por parte dos
candidatos. Apontamos, por exemplo, a expectativa indicada por 14,5% dos candidatos de
141
Questão fechada 16: “Você sabe quais são os instrumentos disponíveis para estudar no curso?”.
142
É importante ressaltar que a definição do instrumento de estudo não ocorre no ato da inscrição, pois nesse
momento os candidatos têm acesso apenas à lista de instrumentos ofertados.
143
Questão aberta 18: “Qual instrumento você pretende estudar no IFPB?”.
307
É importante enfatizar que o perfil acima destacado, conforme discussão anterior, por
se tratar de uma descrição em linhas gerais para todos os cursos integrados em Instrumento
Musical do país, possui natureza genérica e não determina em detalhes o perfil do egresso,
tampouco a proposta de formação desenvolvida ao longo do curso. Entendemos que essa
medida pode contribuir para a autonomia dos diversos cursos desenvolvidos no país, pois
permite que sejam materializadas as adaptações necessárias às distintas realidades sociais e
culturais dos diversos contextos, levando em consideração suas singularidades. Desse modo,
compreendemos que cabe às instituições o papel de explicitar publicamente suas respectivas
particularidades, complementando assim a descrição disposta no Catálogo, acima
mencionada. Entendemos que tais informações configuram-se como essenciais para os
candidatos à ingresso nos cursos, necessitando portanto, além de estarem dispostas em
documentos como o PPC (que também caracteriza um documento de acesso fundamental para
os candidatos), de uma adequada divulgação através de meios como o portal (site) do curso
e/ou da instituição.
Faz-se necessário ressaltar que atualmente o IFPB não disponibiliza tais informações
no sentido de promover um maior aprofundamento sobre o trabalho realizado no curso. Na
308
144
Disponível em: <http://www.ifpb.edu.br/campi/joao-pessoa/cursos/cursos-tecnicos-integrados/instrumento-
musical>. Acesso em 18/04/2016.
145
Carga Horária Total: 4016h; Prazo de Integralização: 4 anos; Número de vagas anuais: 30; Turno de
funcionamento: manhã; Autorizado pela Resolução CD/CEFET-PB nº 22, de 21/11/2008 e no 35, de 26/12/2008;
Diplomação; Perfil profissional (idêntico ao encontrado no catálogo dos cursos técnicos); Contato da
coordenação; Dados sobre a infraestrutura; Editais.
146
Situação recorrente nos demais cursos do IFPB, com exceção dos cursos de contabilidade e eletrônica que
possuem seus PPCs disponíveis para consulta no site da instituição.
147
“Como você conheceu o IFPB?”.
148
Utilizamos a sigla CNA como abreviatura de “candidato não aprovado” e CI de “candidato ingressante”,
seguida do número gerado pela plataforma Google Docs para cada questionário gerado a partir da ordem de
preenchimento (o primeiro candidato a preencher o questionário recebeu o algarismo 1, o segundo 2, e assim por
diante), do gênero do candidato e da sua idade.
309
CNA 17, masc., 15 anos: “Através do meu pai que foi estudante da escola técnica de
Pernambuco (IFPE) e sabe a qualidade do ensino médio e técnico dessas escolas”;
CNA 37, masc., 15 anos: “Conheci porque muita gente estava se inscrevendo e vi que lá era
um ótimo lugar para ter um futuro brilhante, me inscrevi porque queria muito estudar lá e me
formar”.
Candidatos Ingressantes
CI 02, fem., 15 anos: “Quando eu era muito mais nova, minha mãe estudou no IFPB (Cefet) e
o local já me despertou interesse. Alguns anos mais tarde, meu irmão foi aprovado para lá. E
após isso, fui pesquisando e conhecendo o local e cada vez mais me interessando pelo IFPB”;
CI 06, fem., 15 anos: “Eu conheci através de amigos, e descobri que a escola era uma das
melhores então fiquei com muita vontade de estudar lá”;
CI 10, fem., 15 anos: “Através de colegas que passaram no IFPB, e disseram que a Instituição
é uma das melhores para ensino médio e cursos técnicos em João Pessoa”.
Sobre os motivos que despertaram o interesse pela instituição, a maior parcela dos
candidatos destacou a qualidade da formação geral (80,6%), seguida da qualidade da
formação técnica (59,7%). Ilustrando essa informação, destacamos as palavras da candidata
que afirmou que vinculou sua aproximação com a instituição com as seguintes palavras: “para
ter um futuro melhor e conseguir realizar meu sonho de me formar!” (CI 12, fem., 15 anos).
Nesta mesma perspectiva, um candidato mencionou: “me indicaram e me falaram que era o
melhor ensino do Estado” (CI 11, masc., 17 anos).
CNA 28, fem., 15 anos: “Descobri pelo meu professor de música. Esse curso é o que mais me
chamou atenção pelo fato de estudar música há alguns anos e ter o desejo de viver da
música”.
CNA 19, masc., 19 anos: “Através do professor Draylton Siqueira [professor de saxofone no
curso do IFPB] que tem um projeto com o tema ‘Música para todos’. Ele se apresenta em
escolas municipais, ai ele foi fazer uma apresentação na escola que eu estudava. Além de se
apresentar ele divulga o curso de música da instituição, que muitos nem imaginavam ter,
como eu também não sabia”.
CNA 28, fem., 15 anos: “Fui pesquisar, porque queria estudar algo na área de música pois
toco em banda marcial”.
CNA 29, fem., 14 anos: “Por meio do meu interesse musical, estou aprendendo a tocar violão
e sou cantora. Não sou profissional mas canto na igreja”.
CNA 35, masc., 17 anos: “Na hora de fazer a inscrição eu escolhi o curso de musica. Eu toco
tuba por isso eu escolhi o curso de musica”.
CNA 37, masc., 15 anos: “Eu estava olhando a lista de cursos e vi que tinha instrumento
musical. Já toco bateria e um pouco de violão, além de já ter participado de uma banda, e vi
que me encaixava neste curso”.
Candidatos Ingressantes
CI 02, fem., 15 anos: “Dentre os cursos disponíveis, o que eu mais me identifiquei foi esse.
Apesar de não ‘combinar’ com a faculdade escolhida, é um curso que vai me dar
conhecimento sobre uma determinada área a qual eu gosto muito”.
CI 13, fem., 14 anos: “Quando fui fazer a inscrição”.
CI 17, fem., 13 anos: “Olhando na lista de cursos oferecidos no site do IFPB”.
Por que escolheu o curso técnico em instrumento musical ao invés dos outros cursos do IFPB?
Não aprovados
Gráfico 49 – Motivos que geraram interesse dos não aprovados pelo Curso em Instrumento Musical
Ingressantes
Gráfico 50 – Motivos que geraram interesse dos ingressantes pelo Curso em Instrumento Musical
A partir dos gráficos acima, percebemos que a parcela de candidatos que indicou
algum vínculo profissional com a música não obteve êxito no processo seletivo para ingresso
no curso. Este dado também é confirmado através da questão fechada 27 (“Já ganhou algum
dinheiro com música?”), abordada no próximo subitem deste capítulo, na qual nenhum dos
ingressantes afirmou já ter realizado atividade musical remunerada.
Sobre a parcela de candidatos que indicou ter realizado atividade musical profissional,
podemos afirmar que se tratam de jovens que conciliam seu tempo de estudo com uma
atividade musical relevante, o que pode acarretar uma diminuição da jornada de estudo,
promovendo uma concorrência desigual com aqueles que dedicam integralmente seu tempo
aos livros. Destacamos ainda que os jovens que se envolvem com maior profundidade com as
práticas musicais, mesmo aqueles que não realizam atividade profissional/remunerada,
transferem uma parte significativa do seu tempo para o desenvolvimento das suas habilidades
musicais, o que normalmente acarreta em um menor rendimento em relação ao seu
desenvolvimento nos conteúdos das demais áreas do conhecimento. De modo que quanto
maior o envolvimento com as atividades musicais, via de regra, menor a disponibilidade de
312
tempo para as demais disciplinas como matemática, física, química, etc. Partindo do acima
exposto, refletiremos acerca da ausência dos conteúdos musicais no processo seletivo para
ingresso no curso no subitem 4.2.5 intitulado “Presença de conteúdos musicais no PSCT”.
A grande maioria dos inscritos no processo seletivo, 71% destes, afirmou que
realizava, ou já havia realizado em momento anterior, alguma atividade musical. Os demais
29% pretendiam dar início às suas atividades musicais após ingressar na instituição. Acerca
do fazer musical dos candidatos envolvidos em alguma prática musical, 75% destes
mencionou que realiza ou já realizou atividade musical para algum público, prevalecendo as
práticas musicais de caráter informal, visto que apenas 9 entrevistados (31%) destacou que
atualmente é ou já foi remunerado através de alguma atividade musical. Um dado relevante
acerca dessa parcela de candidatos que possui ou já possuiu vínculo profissional com a
música refere-se ao fato que nenhum deles obteve êxito no processo seletivo, conforme
apresentam os gráficos a seguir:
Ingressantes
A maioria dos candidatos, 64,5% destes, indicou através da questão 19150 que caso o
processo seletivo contemplasse conteúdos musicais (teoria musical ou prova prática de
habilidade específica) acredita que teria obtido um melhor resultado. Através da questão
aberta 20 151 os candidatos puderam indicar os motivos pelos quais acreditam que seu
resultado no processo seletivo seria mais satisfatório caso fossem incluídos os conteúdos
musicais:
Candidatos não aprovados
CNA 02, masc., 15 anos: “Porque eu vou terminar o curso de musica [no conservatório] esse
semestre, e vivo muito com a musica”.
CNA 12, masc., 14 anos: “Porque já estudo musica há muito tempo”.
CNA 19, masc., 19 anos: “Por estudar muito musica, tanto teoria como a parte pratica”.
CNA 20, masc., 16 anos: “Porque eu estudo música há 7 anos e desde pequeno era meu sonho
me tornar musico. Eu vou correr atrás para ser um grande musico e fazer minha família feliz”.
CNA 39, fem., 17 anos: “Porque tenho um conhecimento maior na música do que em outras
matérias”.
CNA 40, masc., 18 anos: “Porque a prova de seleção deveria ser pra quem realmente quer
música mas as disciplinas da prova são apenas didáticas e não tem nenhuma relação com a
música. E porque eu gosto mais, pois meu foco é a música!”.
Candidatos ingressantes
CI 02, fem., 15 anos: “Porque, quando decidi que faria o curso de Instrumento Musical,
dediquei pelo menos 3 meses pra estudar brevemente a teoria musical, e, se houvesse a prova
com conteúdos de teoria musical, muitas pessoas que fizeram a prova pra esse curso porque é,
supostamente, o mais fácil de passar, teriam escolhido outro curso, deixando apenas pessoas
que sabem sobre musica e aumentando a pontuação de quem estudou a respeito”.
149
“Por que escolheu o curso técnico em instrumento musical ao invés dos outros cursos do IFPB?”.
150
̃ , você
“Se houvesse uma prova específica de instrumento musical ou conteúdos de música na prova de seleçao
acredita que obteria um resultado melhor?”.
151
“Por que seu resultado seria melhor?”.
314
Partindo dos relatos acima apontados, entendemos que a ausência de questões relativas
aos conteúdos musicais no processo seletivo pode contribuir para o não ingresso dos
estudantes que possuem vínculo musical profissional ou aqueles que mesmo ainda não
exercendo atividade musical remunerada possuem um vínculo significativo com alguma
prática musical. Refletindo sobre o impacto da exclusão dos conteúdos musicais em processos
seletivos para ingresso nos cursos da área da Música, destacamos a constatação de Cerqueira
(2015) que avaliou a ausência do “teste de habilidades específicas musicais” em dois
processos seletivos para ingresso no Curso Superior da Universidade Federal do Maranhão
(UFAM), nos seguintes termos:
Acerca dos inscritos no PSCT 2015, foi identificada uma média de idade em
consonância com aquela indicada pelo MEC para ingresso no Ensino Médio (15 anos). Em
sua maioria tratam-se de jovens que advêm de famílias com baixa renda, visto que a média
per capita calculada encontra-se abaixo da média municipal. Esse dado pode ser relacionado,
dentre outros fatores, com a baixa escolaridade dos pais, visto que foi identificada uma
significativa predominância de pais egressos do Ensino Médio e Fundamental, de modo que
apenas 23,4% dos candidatos indicou possuir pais com formação em nível Superior completa
ou incompleta. O atendimento aos jovens inseridos em tais condições sociais revela uma
importante função social desempenhada pela instituição. Ainda acerca da influência familiar,
é importante ressaltar que a maioria dos candidatos indicou que conheceu e aproximou-se da
316
instituição a partir da indicação dos pais, irmãos, primos, etc. Via de regra, essas indicações
foram realizadas por causa do reconhecimento social da boa qualidade da formação geral
ofertada pela instituição.
Apesar de ter indicado a realização de alguma pesquisa sobre a instituição e o curso
antes da inscrição no processo seletivo, uma parcela significativa dos candidatos realizou o
processo de seleção sem a obtenção de informações essenciais como, por exemplo, a lista de
instrumentos ofertados e os objetivos de formação do curso. A ausência dessas informações
básicas152 sobre o desenvolvimento do curso integrado em instrumento musical pode acarretar
em problemas futuros como a não identificação com o instrumento de estudo ou até mesmo a
não identificação com o curso, visto que uma quantidade significativa de inscritos possuía
expectativas relacionadas, por exemplo, ao estudo de instrumentos não ofertados pelo curso,
assim como o desenvolvimento de habilidades em vários instrumentos ou todos os
instrumentos musicais, ou ainda o desenvolvimento de habilidades na construção e
manutenção de instrumentos (luteria), etc. Podemos afirmar que estas questões, ao lado de
problemas relativos a uma formação deficiente obtida no Ensino Fundamental pelos egressos
do sistema público de ensino, assim como as dificuldades familiares de ordem material
(socioeconômica), associadas ainda à uma elevada carga horária institucional, podem ser
entendidas como os principais motivos que acarretam no alto índice de evasão encontrado
atualmente no curso.
Ao analisarmos os motivos de escolha do curso pelos candidatos, evidenciaram-se
diferenças entre os perfis dos que não foram aprovados na seleção e dos que ingressaram no
curso. Sobre o motivo de escolha do curso entre os aprovados no processo seletivo, a razão
destacada com maior recorrência foi a pretensão de atuação musical caracterizada como
hobbie, apontada por 45% dos ingressantes na instituição. Destaca-se ainda que nenhum dos
candidatos aprovados indicou que atuava (ou já havia atuado) profissionalmente com música.
Entre os candidatos não aprovados, no entanto, foi identificado um percentual de 26% que
atuavam (ou atuaram) profissionalmente na área. Confirmando esse dado, o motivo destacado
com maior recorrência entre os candidatos não aprovados foi a intenção de trabalhar
profissionalmente com música, apontada por 66,7% destes.
Por conta do baixo índice de retorno obtido, conforme mencionado anteriormente, a
pesquisa não configurou uma amostra probabilística representativa da totalidade dos
152
Utilizamos a expressão “informações básicas” sobre do curso visto que estamos nos referindo apenas à
questões como os instrumentos de estudos, o perfil do egresso, etc., de modo que não investigamos os
conhecimentos prévios dos candidatos acerca das questões referentes à formação técnica quando realizada na
forma integrada.
317
candidatos inscritos no processo seletivo para ingresso no ano de 2015, de modo que, antes de
caracterizar-se como um estudo “conclusivo” acerca do perfil dos candidatos ao ingresso no
curso de Instrumento Musical do IFPB, o trabalho apontou um panorama que demanda a
realização de novos estudos. No entanto, entendemos que os dados apresentam relevância,
levantando possibilidades importantes sobre o perfil dos candidatos que não obtêm êxito no
processo seletivo para ingresso no curso. Um dado relevante encontrado pela pesquisa aponta
na direção da existência de jovens inseridos no mercado de trabalho musical da cidade de
João Pessoa (ou possuem necessidades de ingresso imediato) e não têm êxito no processo
seletivo153. Desse modo, a partir dos dados encontrados e tomando como base o contexto da
cidade de João Pessoa, no próximo subitem, refletimos acerca da ausência dos jovens que
poderiam ser entendidos como “público ideal” definido pela atual proposta integrada154.
4.4 Perfil discente e perfil institucional: reflexões acerca da ausência de ingressantes com
atuação profissional a partir das inter-relações com o contexto sócio musical da cidade
de João Pessoa
Apesar da maioria dos estudantes matriculados no curso ter indicado que possuía
vínculo com alguma prática musical previamente ao ingresso na instituição, salvo
exceções155, não foi identificada junto ao corpo discente a presença de jovens que atuavam
profissionalmente com música antes do ingresso no curso, do mesmo modo, não foram
identificadas necessidades imediatas de ingresso no mercado de trabalho após a entrada na
instituição. Os casos de inserção profissional identificados durante a pesquisa ocorreram ao
longo do curso e foram localizados com maior frequência a partir do 3o ano letivo (metade do
curso). É importante ressaltar que os jovens que iniciaram seu vínculo profissional com a
Música após o ingresso no curso não o fizeram por uma demanda material relacionada à sua
subsistência imediata ou de seus familiares. Desse modo, tratam-se de jovens que não estão
submetidos à longas jornadas de trabalho, visto que a maioria realiza atividade musical
remunerada de forma esporádica. Diante desse contexto, percebemos que estes jovens não
caracterizam uma parcela de trabalhadores musicais condicionada a conciliar estudo e
153
Conforme dados apontados anteriormente, nove candidatos, equivalente a 31% dos jovens pesquisados no
PSCT 2015, indicaram possuir algum vínculo profissional com a Música, no entanto, nenhum desses candidatos
foi aprovado no processo seletivo para ingresso na instituição.
154
O referido público “ideal” pode ser definido como jovens que devido à sua limitada condição material
precisam ingressar precocemente no mercado do trabalho (ainda durante a realização do Ensino Médio),
condição normalmente encontrada nos egressos da Rede Pública de Ensino Fundamental.
155
Como o estudante de bateria do 1o ano (Q 022, 1o ano1, masc., 16 anos).
318
trabalho por conta da sua limitada condição material (parcela da população entendida como
prioritária no acesso ao Curso Integrado). Esta constatação vai de encontro à principal
justificativa para a manutenção do aspecto profissionalizante contido na atual proposta
integrada. Conforme discussão realizada no Capítulo 3, o currículo integrado pretende
contribuir na formação humana e profissional de uma parcela da população brasileira cuja
realidade socioeconômica obriga sua inserção precoce no mercado de trabalho. Desse modo,
entendendo que a inserção laboral de uma quantidade significativa de jovens brasileiros faz-se
necessária, a atual proposta integrada pretende ofertar um adequado contexto de formação que
contemple as condições necessárias para o exercício de uma profissão e proporcione ainda
uma adequada formação humana.
Entendemos que a compreensão do perfil discente caracteriza-se enquanto condição
necessária para uma efetiva adequação e desenvolvimento de toda e qualquer proposta
educativa. No contexto dos Cursos Integrados, as questões voltadas às demandas de inserção
laboral configuram um ponto nevrálgico visto que, conforme Kuenzer (2000, p. 38), a
profissionalização a ser desenvolvida ainda na adolescência justifica-se apenas quando “os
jovens, pela sua origem de classe, precisem desenvolver competências laborais para assegurar
sua sobrevivência e a sua permanência na escola”. Desse modo, a configuração formativa do
Ensino Médio precisa ser desenvolvida “em face das condições concretas de cada região, de
cada localidade, de cada escola, de cada clientela” (KUENZER, 2000, p. 38).
No entanto, antes de concluirmos como adequada a extinção dos aspectos
profissionalizantes do currículo, visto que a demanda por inserção profissional configura a
exceção no contexto do curso, entendemos como necessário o desenvolvimento de reflexões
que contemplem de forma mais ampla o contexto no qual o curso encontra-se inserido. Desse
modo, apesar da não obtenção de êxito referente à pesquisa de campo abordando os
candidatos inscritos no processo seletivo – que possibilitaria um entendimento mais
aprofundado acerca do contexto social do curso, inclusive a compreensão acerca das hipóteses
levantadas anteriormente156 –, um dado relevante obtido pela pesquisa apontou a presença de
nove candidatos, equivalente a 31% dos jovens pesquisados, que possuíam algum vínculo
profissional com a Música e não obtiveram êxito no processo seletivo para ingresso na
instituição.
156
1. Na cidade de João pessoa não existe a demanda profissional para a formação de técnicos em instrumento
musical nessa faixa etária ou; 2. A demanda de formação existe mas os jovens que possuem tal perfil não
possuem conhecimento acerca do curso ofertado pela instituição ou; 3. A demanda existe, os jovens que
possuem o referido perfil realizam o processo seletivo para ingresso na instituição mas não obtêm êxito.
319
157
Conforme Queiroz (2010, p. 121), a cidade “congrega variadas manifestações musicais, espalhadas por
múltiplos espaços de seu contexto musical urbano. Desde 1938, com os registros da Missão de Pesquisas
Folclóricas, enviada por Mário de Andrade, encontramos referências à João Pessoa como sendo um universo rico
de práticas musicais populares”.
158
Segundo Queiroz (2010, p. 121), “expressões dessa natureza, caracterizadas no contexto citadino pessoense,
incorporam elementos diversos da Música Popular Brasileira, o gênero MPB, de expressões da cultura popular
presentes no município, e de diversas outras práticas musicais do município, constituindo, assim, manifestações
diversificadas nos diferentes mundos musicais dessa localidade”.
159
“Atualmente, a Paraíba possui 100 bandas marciais, que mobilizam 6.850 estudantes. Para participar das
Bandas Marciais Escolares da Rede Estadual de Ensino, o aluno deve estar matriculado em alguma escola da
rede no Ensino Fundamental II ou Ensino Médio” (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2016a, s/p).
320
Sistema”, na Venezuela, e o Neojiba, na Bahia160. Atualmente, o projeto conta com seis polos
na grande João Pessoa (três em João Pessoa, um em Bayeux, um em Cabedelo e um em Santa
Rita 161 ). Ainda como iniciativa voltada para os jovens músicos da cidade, o Governo do
Estado mantém a Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba que renova seu quadro anualmente,
ofertando 70 vagas e concedendo bolsas para os jovens instrumentistas162.
Na esfera municipal, a cidade de João Pessoa conta ainda com projetos semelhantes
aos ofertados pelo governo do Estado, de modo que a Secretaria de Educação e Cultura
(SEDEC) desenvolve o projeto de Bandas Marciais e Fanfarras 163. Conforme informações
disponibilizadas pela Prefeitura Municipal da cidade, “ao todo, são 92 bandas marciais na
Rede Municipal de Ensino de João Pessoa atualmente” e “cada banda marcial é formada em
média por 70 estudantes” (PMJP, 2016a, s/p), o que resulta num quantitativo de
aproximadamente 6.440 jovens vinculados às bandas marciais do município. Outra ação
voltada para a musicalização dos jovens da cidade de João Pessoa refere-se ao projeto “Ação
Social pela Música no Brasil” - ASMB164, recentemente abraçado pela Prefeitura Municipal
através de sua Fundação Cultural (Funjope), acerca do qual não tivemos acesso ao
quantitativo de jovens atendidos.
Além das iniciativas desenvolvidas pelo Governo do Estado e pela Prefeitura
Municipal acima apontadas, a cidade de João Pessoa conta com uma extensa gama de
expressões musicais, tais quais Bandas Sinfônicas, Orquestras de Frevo, Orquestras Baile,
160
“O PRIMA é inspirado no Sistema de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela, criado nos anos 70 pelo
maestro José Antônio Abreu. Atende a jovens estudantes da rede pública de ensino e funciona em parceria com
os municípios e prefeitura do estado. Está distribuído em polos de ensino localizados em áreas carentes e que
funcionam em escolas públicas, associações e prédios históricos” (PRIMA, 2017, s/p)
161
Conforme informações disponibilizadas no site do projeto: “no início, começamos com cerca de 20 alunos na
cidade de Cabedelo. Poucos meses depois, expandimos para outros polos. Hoje, estamos em 9 cidades da Paraíba,
atuando em 11 polos e servindo a mais de 1.000 jovens e crianças. Nosso foco é a rede pública de ensino”
(PRIMA, 2017, s/p).
162
Conforme o site do Governo do Estado, “anualmente, as 70 bolsas da OSJPB são disponibilizadas para novos
alunos por meio de seleção pública, bem como seis oportunidades para músicos interessados em atuar como
solistas da temporada. O valor mensal da bolsa é de R$ 700. Já o cachê de solista é de R$ 1.000” (GOVERNO
DO ESTADO DA PARAÍBA, 2016b, s/p).
163
Conforme matéria veiculada pela Prefeitura de João Pessoa, “além dos desfiles cívicos, a Coordenação de
Música e Dança [da SEDEC] desenvolve diversos projetos de fomento a música com os alunos da Rede
Municipal de Ensino. São festivais de danças populares, Copa Municipal de Bandas, Concurso Jovem Solista,
Concerto Didático com Banda Sinfônica e Marcial, Programa de Formação Continuada, além de atendimento
com bandas em palestras e congressos” (PMJP, 2017b, s/p). Um interessante vídeo sobre a cultura das bandas
marciais na cidade de João Pessoa pode ser acessado em: <http://g1.globo.com/pb/paraiba/paraiba-
comunidade/videos/v/conheca-a-historia-de-bandas-marciais-de-escolas-publicas-de-joao-pessoa/4446582/>.
Acesso em: 15/02/2017.
164
Conforme informações disponibilizadas pela Prefeitura da cidade de João Pessoa, a Ação Social pela Música
no Brasil foi “fundada em 1994 pelo maestro David Machado. A Ação Social pela Música no Brasil (ASMB)
nasceu do desafio proposto pelo regente José Antônio Abreu de trazer e adaptar ao Brasil um projeto moldado no
bem-sucedido projeto venezuelano El Sistema. O El Sistema foi responsável pela formação musical de milhares
de jovens e dezenas de orquestras, com unidades espalhadas pelo mundo. Com a morte prematura de Machado, o
projeto ficou nas mãos da sua viúva, a violoncelista e produtora cultural Fiorella Solares” (PMJP, 2017, s/p).
321
também coordenado pelo prof. Draylton e consiste na realização de concertos didáticos, cujo
repertório aborda essencialmente a música regional e brasileira realizadas na forma
instrumental. Os concertos são voltados para a comunidade em geral, os demais Campi da
instituição e a Rede Pública de Ensino Fundamental. Conforme informações disponibilizadas
pelo site da instituição, o projeto Música para Todos tem a “finalidade de proporcionar a
apreciação da música instrumental pela comunidade, rede municipal de ensino e outros Campi
do IFPB, além de divulgar o Curso de Instrumento Musical da Instituição” 165 . Ainda
conforme as informações vinculadas no site, “o professor Draylton Siqueira, coordenador do
grupo de Sax, explica que, para realizar as apresentações, opta por escolas que tenham o
ensino fundamental II, onde há o 9º ano, pois estes alunos são candidatos em potencial para
fazer a seleção do PSCT do IFPB e possivelmente ingressar no Curso Técnico Integrado em
Instrumento Musical’”166.
Confirmando a relevância de iniciativas como a acima apontada, destacamos as
palavras de um dos candidatos que realizou o processo seletivo para ingresso na instituição,
abordado no segundo momento de coleta de dados, ao indicar na questão “Como descobriu o
Curso Técnico em Instrumento Musical?” (questão aberta 8) ter tomado conhecimento do
Curso “através do professor Draylton Siqueira que tem um projeto com o tema ‘Música para
todos’. Ele se apresenta em escolas municipais, aí ele foi fazer uma apresentação na escola
que eu estudava. Além de se apresentar ele divulga o curso de música da instituição, que
muitos nem imaginavam ter, como eu também não sabia” (CNA 19, masc., 19 anos).
Desse modo, entendemos que caracteriza-se como obrigação institucional promover a
aproximação entre escola e comunidade, através da divulgação das iniciativas ofertadas pela
Instituição. contribuindo assim no acesso da população aos cursos e atividades desenvolvidas
em todos os níveis (extensão, técnico, graduação, pós-graduação, além de eventos
esporádicos).
A segunda questão que ganha destaque referente ao não ingresso dos jovens que já
possuem algum envolvimento profissional com a música diz respeito ao formato do atual
processo seletivo para ingresso na instituição (PSCT). Conforme destaques anteriores, o atual
165
Informação disponível em: <http://editor.ifpb.edu.br/campi/joao-pessoa/noticias/2014/10/grupo-de-sax-do-
ifpb-tem-agenda-movimentada-este-
mes/?searchterm=%22PROJETO%20M%C3%9ASICA%20PARA%20TODOS%22>. Acesso em: 17/02/2017.
166
Informação disponível em: <http://editor.ifpb.edu.br/campi/joao-pessoa/noticias/2014/08/grupo-de-sax-do-
ifpb-fara-mais-uma-apresentacao-dentro-do-projeto-201cmusica-para-
todos201d/?searchterm=%22PROJETO%20M%C3%9ASICA%20PARA%20TODOS%22 Acesso em:
17/02/2017.
323
167
“Professional musicians usually start learning music at a very young age […]” (WERNER, 2007, p. 7).
324
168
A Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada - Rede CERTIFIC é uma
política pública de inclusão social, instituída através da articulação entre o Ministério da Educação - MEC e
Ministério do Trabalho e Emprego - MTE. Sua implantação atendeu ao previsto no Art. 41 da Lei No 9.394/96,
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Parecer CNE/CEB 16/99 do Conselho Nacional de
Educação, o Parecer n. 40/2004 do Conselho Nacional de Educação o § 2º do Art. 2º da Lei no 11.892 de 28 de
dezembro de 2008 e a Portaria Interministerial n° 1.082 de 20 de novembro de 2009.
325
169
Ministério do Trabalho e Emprego.
326
***
2
O aspecto profissionalizante foi inserido na atual proposta integrada sob a justificativa da necessidade de
inserção precoce de uma significativa parcela da juventude brasileira no mercado de trabalho, conforme
discussões realizadas ao longo do trabalho.
329
perspectiva, Pontes (2012), após analisar documentos e abordar 40 docentes e três pedagogas
do referido campus, concluiu que, “em sua vivência, a proposta do EMI [Ensino Médio
Integrado] se restringiu a mudanças na organização da matriz curricular, concebida em termos
estreitos de ajustes de cargas horárias e direcionamentos das disciplinas de Formação Geral
para a profissionalização, que não lograram êxito” (PONTES, 2012, p. 237). Sintetizando o
panorama encontrado na instituição, a pesquisadora reflete que:
O ideal seria que a gente tivesse para o integrado, reuniões de áreas, no meu
caso participaria das reuniões de Artes, Música e a geral com outros
professores, a gente ter um contato semanal para a gente fazer um
planejamento interligado [...] é trabalhoso porque nem todo mundo quer sair
do seu feijão com arroz, né, complicado. Por ex. na aula de acordeon e
teclado a gente passa muito tempo sentado, a questão postural tem que ser
fortalecida [...] Já conversei com os professores de Educação Física para
direcionarem a musculação, que é muito importante [...] meu contato é feito
nos corredores, mas ainda não consegui o apoio, engajamento desses
professores (DOCENTE A). (LEITE, 2014, p. 91)
abordados ao longo do curso. Nesse sentido, compreendemos que o conhecimento visto numa
perspectiva integrada pode contribuir para que os estudantes situem sua produção musical
como estritamente conectada ao seu contexto histórico, social, cultural, político, etc. Desse
modo, cria-se um contexto propício para a elaboração de reflexões acerca do impacto da
Música no atual panorama da nossa sociedade, ampliando significativamente a percepção de
mundo dos estudantes, contribuindo para que os mesmos sejam formados numa perspectiva
que caminhe em direção à omnilateralidade.
É necessário ressaltar que o sentido de integração pretendido pela atual proposta
integrada, além da efetiva vinculação entre os diversos conhecimentos produzidos pelo
homem (visando uma construção não-fragmentada do conhecimento), objetiva a formação
omnilateral dos sujeitos, promovendo assim sua formação humana através da apropriação das
objetivações que foram historicamente construídas e preservadas pelas gerações anteriores,
conforme discussões realizadas no Cap. 3.
A partir do entendimento do trabalho enquanto processo histórico e ontológico de
produção da existência humana, a perspectiva integrada compreende-o como um princípio
educativo básico para o pleno desenvolvimento humano, cuja efetivação não se confunde com
o processo de profissionalização característico das instituições profissionalizantes brasileiras
(profissionalização que foi inserida na atual proposta integrada sob a justificativa da
necessidade de inserção precoce de uma significativa parcela da juventude brasileira no
mercado de trabalho). Corroborando com esta perspectiva, destacamos a reflexão de Moura
(2007):
Assim, é fundamental atentar para o fato de que o trabalho como princípio
educativo não se restringe ao “aprender trabalhando” ou ao “trabalhar
aprendendo”. Está relacionado, principalmente, com a intencionalidade de
que através da ação educativa os indivíduos/coletivos compreendam,
enquanto vivenciam e constroem a própria formação, o fato de que é
socialmente justo que todos trabalhem, porque é um direito subjetivo de
todos os cidadãos, mas também é uma obrigação coletiva porque a partir da
produção de todos se produz e se transforma a existência humana e, nesse
sentido, não é justo que muitos trabalhem para que poucos enriqueçam cada
vez mais, enquanto outros se tornam cada vez mais pobres e se
marginalizam – no sentido de viver à margem da sociedade. (MOURA,
2007, p. 22)
tendo a pesquisa como eixo nucleador da prática pedagógica” (BRASIL, 2013f, p. 230),
realizamos a seguir algumas propostas de articulação entre os conteúdos musicais e os
conteúdos “específicos” das disciplinas presentes no eixo de formação geral. Tais articulações
estruturam-se a partir de perspectivas epistemológicas que apontam eixos de intersecções
entre as áreas, utilizando algum aspecto da música como conteúdo específico, como fonte
documental ou ainda como estratégia metodológica (meio) para promover a efetivação do
processo de ensino e aprendizagem de conhecimentos.
Ressaltamos que a discussão acerca do currículo do Ensino Médio, a partir de suas
interfaces com as distintas áreas, incluindo Filosofia, Sociologia, Educação Física, Artes, etc.,
que diversificam e contribuem no sentido omnilateral característico do atual currículo
integrado e defendido neste trabalho como referência para as demais modalidades de
Educação, torna-se extremamente relevante no contexto atual, onde ações como Lei nº
13.415/2017 (discutida no Cap. 2) configuram a tentativa de construção da base para o
desenvolvimento de um projeto de educação tipicamente tecnicista e de caráter neoliberal
(que vai totalmente de encontro à proposta de formação pretendida pelo atual currículo
integrado, defendida neste trabalho).
É necessário enfatizar que o presente trabalho não pretende, de modo algum, esgotar as
possibilidades de associação, aproximação e integração entre os conteúdos musicais e os
conteúdos das demais áreas do conhecimento presentes no atual currículo previsto para o
Ensino Médio (não sendo portanto a solução definitiva para a materialização da proposta
integrada). Nosso objetivo caracteriza-se na apresentação de intersecções entre conteúdos
musicais e conteúdos advindos das disciplinas caraterizadas como Formação Geral já
vivenciadas por autores das referidas áreas. Desse modo, esperamos contribuir para que novas
possibilidades de integração, assim como o aprofundamento das que serão apontadas a seguir,
sejam vislumbradas pelos docentes das diversas disciplinas que compõem o Currículo
Técnico Integrado ao Ensino Médio em Instrumento Musical, tanto aqueles que ministram
disciplinas da formação geral, quanto aqueles que atuam em disciplinas especificamente
musicais.
3
“Vivemos em um mundo culturalmente organizado por múltiplos sistemas semióticos – linguagens verbal e
não verbal –, resultado de trabalho humano que foi sedimentado numa relação de convencionalidade. Além das
línguas naturais (português, francês, inglês, alemão, etc.), há outros tantos sistemas semióticos construídos pelos
homens para responder a demandas da sociedade. Para ilustrar, considerem-se os sistemas numéricos (romano,
arábico, decimal, etc.); as notas musicais; os mapas, com suas legendas; os sistemas de marcar tempo e
temperatura – relógio, termômetro; a escrita alfabética, a cirílica; os ideogramas (japonês e chinês); o braile; a
libras; o código Morse; e, por fim, os sinais de trânsito. Cada um desses sistemas organiza-se por uma
combinação (interna) de regras, as quais conferem a cada um de seus elementos (signo/símbolo) um valor/uma
333
função. Entender como um sistema semiótico funciona é conhecer, a um só tempo, a função que seus elementos
desempenham e como eles se articulam entre si”. (BRASIL, 2006a, p. 25).
334
São muitas as canções que podem ser utilizadas na aula de forma que o
aluno possa apreciar o ritmo, interpretar as letras, refletir as sensações
provocadas, observar como se organizam os elementos da linguagem
musical e/ou poética, perceber a mensagem produzida, qual o estilo musical
da canção que foi trabalhada, que tipo de linguagem constitui o poema, quais
semelhanças e diferenças entre os dois gêneros. (DONATO, 2015, p. 95)
Explorando outro aspecto da intersecção entre música e linguagem que pode ser
desenvolvido no cotidiano escolar, Silva (2015a, p. 10) indica que “muitas das músicas atuais
não obedecem as normas da língua padrão-culta e são uma fonte de pesquisa que contribuirá
fortemente para o ensino de linguagem formal e não formal dentro do ensino de Língua
Portuguesa”.
Em trabalho que investigou a presença da Música em livros didáticos de Português,
Martins e colaboradores (2009, p. 81) identificaram materiais que propunham a abordagem
das letras musicais a partir da “interpretação textual da música, trabalhando, também, a
‘invocação’ e figuras de linguagem, como algumas metáforas”. Ainda refletindo sobre a
presença da música em materiais didáticos, Oliveira e colaboradores (2002, p. 82) afirmam
que “foi possível constatar que desde seu aparecimento em livros didáticos, na década de
1980, a música tornou-se uma constante nesses materiais”. Indicando possibilidades para o
trabalho docente, os autores refletem ressaltando a importância que “o professor a use não
somente para trabalhar gramática, mas em outras áreas da língua como produção de texto,
interpretação crítica, promover discussões sobre os temas presentes nas letras ou mesmo
descontração” (OLIVEIRA et al., 2002, p. 75).
Em estudo que discutiu a referência à utilização da canção nos Parâmetros Curriculares
Nacionais referentes ao ensino da Língua Portuguesa, Costa (2003) concluiu que:
dos contornos icônicos e expressivos presentes nos textos musicais, os quais informam o
estudante sobre a norma gramatical, a riqueza lexical e a importância da escolha das palavras
na produção textual” (SIMÕES, 2005, p. 1272). Referindo-se à abordagem semiótica que trata
da iconicidade, Simões indica que:
Apesar de concordarmos com Martins e Saraiva (2012, p. 18) no sentido que ainda
“existem poucos livros em língua portuguesa, que se proponham a discutir a questão da
utilização da música na escola tradicional como subsídio para o aprendizado escolar de
disciplinas diversas”, identificamos no campo do ensino da língua portuguesa o significativo
trabalho da Profa. Dra. Darcilia Simões, autora mencionada anteriormente, e seu grupo de
pesquisa intitulado “Português se aprende cantando” (SIMÕES; KAROL; SALOMÃO,
2007)4, voltado para os docentes que pretendem fazer uso da música na sua sala de aula.
Caracterizando-se como um material de apoio didático-pedagógico que busca auxiliar o
planejamento de ensino da Língua Portuguesa, o livro tem seus objetivos descritos como “a
construção de estratégias didáticas de base semiótico-estilística destinadas à implementação
de um ensino do idioma a partir da exploração de letras de música brasileira” (SIMÕES;
KAROL; SALOMÃO, 2007, p. 22). A partir da estrutura indicada pelos autores, na qual o
material encontra-se dividido em duas seções, compreendemos de forma resumida a natureza
dos trabalhos a serem desenvolvidos na interface de integração entre música e língua
portuguesa:
4
A pesquisa “A música e o ensino de língua portuguesa” foi desenvolvida entre os anos de 2004 e 2007, estando
nos dois últimos anos inserida no Programa de Iniciação Científica UERJ/FAPERJ. Segundo os pesquisadores,
“inicialmente, o projeto A música e o ensino de língua portuguesa pretendia deixar como legado um livro
didático para o Ensino Básico. Contudo, a equipe de pesquisa de Iniciação Científica entrou a preparar um
material com uma qualidade que não se ajustava àquele nível de ensino. Assim sendo, ao invés de propor uma
filtragem na discussão gramatical das letras corpus, optamos por redefinir a meta do material em elaboração,
destinando-o não mais aos discentes, mas aos docentes, com vistas a oferecer-lhes estudos gramaticais em textos
do gênero letra-de-música” (SIMÕES; KAROL; SALOMÃO, 2007, p. 9).
336
A segunda seção do livro, por sua vez, apresenta estudos avançados com letras de
música que, conforme as autoras, “podem servir de sugestão para trabalhos de conclusão de
curso ou mesmo como paradigmas para planejamento de aulas no terceiro grau [cursos de
graduação e pós-graduação]”.
Referindo-se à atual produção musical brasileira como fonte propícia para a escolha de
músicas a serem trabalhadas com os estudantes, Simões, Karol e Salomão (2007, p. 22)
identificam que “o mercado fonográfico nacional coetâneo é abundante; e, do ponto de vista
da documentação de usos linguísticos variados, pode-se considerá-lo relevante recurso
didático”. Sobre o processo de seleção das músicas abordadas no livro, os autores indicam
que estas foram selecionadas a partir do critério de representação da sua “variedade
linguística”. Acerca da significativa diversidade das análises realizadas, reforçando a extensa
gama de possibilidades na interface de integração entre a música e os conteúdos do ensino da
língua portuguesa mencionadas anteriormente, os autores indicam ainda que:
Destacamos ainda, conforme reflexão dos autores, que o trabalho realizado com as
letras de música a partir da sua estruturação linguística, intitulado “Português se aprende
cantando” e transformado em material didático, caracterizou-se como uma “estratégia de alta
produtividade em nossas experiências diretas com alunos” (SIMÕES; KAROL; SALOMÃO,
2007, p. 20).
As experiências de integração entre as área da música e da língua portuguesa
identificadas na literatura foram realizadas basicamente apenas através do aspecto literário
das canções, o que se justifica por conta das especificidades do estudo da linguagem escrita. É
337
importante ressaltar que cada uma das áreas do conhecimento abordadas a seguir possui
singularidades que de fato determinarão suas possibilidades e caminhos de integração com a
Música, não havendo portanto uma única área que se correlacione diretamente à todos os
aspectos do fenômeno musical. Nesse sentido, destaca-se como de fundamental importância
que o sentido de integração esteja contido em todas as disciplinas do currículo, visto que
apenas desse modo, a Música poderá ser contemplada integralmente em todas as suas
perspectivas e que caracterizam suas relações com os distintos conhecimentos presentes no
cotidiano individual e social contemporâneo.
Faz-se necessário ainda ressaltar, e isto será bastante enfatizado ao longo dos próximos
subitens, que entendemos o processo de integração como sendo uma via de mão dupla, de
modo que a construções das pontes integradoras entre as diversas áreas e disciplinas do
currículo caracteriza-se como tarefa a ser realizada pelos professores que atuam nos três eixos
que caracterizam a atual matriz curricular integrada: Formação geral; Preparação básica para
o trabalho e; Formação profissional.
conhecimentos musicais e matemáticos, Rodrigues (1999, p. 17) aponta que “na História da
civilização europeia, desde a antiguidade clássica até ao século das luzes, os aspectos eruditos
da música foram sempre considerados uma das disciplinas das matemáticas aplicadas”.
Conforme mencionado, os primeiros estudos documentados referem-se às
investigações do filósofo e matemático grego Pitágoras5 que abordaram as relações entre os
comprimentos de cordas vibrantes, utilizando razões de números inteiros, e as respectivas
alturas musicais produzidas. Os estudos Pitagóricos inicialmente foram realizados através do
“monocórdio”, instrumento composto por uma única corda estendida entre dois cavaletes
fixos sobre uma prancha ou mesa e que dispõe ainda de um cavalete móvel colocado sob a
corda para dividi-la em duas partes. A partir do seu experimento, Pitágoras, conforme destaca
Abdounur (1999, p. 13), “observou que pressionando um ponto situado a 3/4 do comprimento
da corda em relação a sua extremidade – o que equivale a reduzi-la a 3/4 do seu tamanho
original – e tocando-a a seguir, ouvia-se [o intervalo de] uma quarta acima do tom emitido
pela corda inteira”. O autor conclui seu raciocínio indicando que, “analogamente, exercida a
pressão a 2/3 do tamanho original da corda, ouvia-se [o intervalo de] uma quinta acima e 1/2
obtinha-se [o intervalo de] a oitava do som original” (ABDOUNUR, 1999, p. 13). Desse
modo, a partir do experimento de Pitágoras, que demonstra as relações matemáticas entre o
comprimento da corda e as alturas das notas musicais, podemos afirmar que caso a corda
inteira (1) soasse a nota Dó, 3/4 da corda soaria um Fá (4J), 2/3 soaria a nota Sol (5J) e 1/2
soaria novamente a nota Dó (porém uma oitava acima).
Partindo dos conceitos desenvolvidos por Pitágoras, Kluth, Savanachi e Cardeira
(2015, p. 14) propuseram a realização de “uma oficina pedagógica que teve como objetivo
ressaltar as noções de razão e proporção intrínsecas à música, amplamente estudadas por
Pitágoras, para auxiliar no ensino dos referidos conceitos matemáticos”. Para tanto, entre
outras atividades, os autores realizaram a construção de um monocórdio com o objetivo de
proporcionar uma vivência prática acerca do conteúdo. Kluth, Savanachi e Cardeira (2015, p.
14) destacam que “o intuito educacional norteador é mostrar que a matemática está inserida
5
Conforme Gomes (2010, p. 2), “sobre a vida de Pitágoras, pouco se tem registros, sendo difícil separar o que é
verdade e o que é lenda. Conjectura-se que tenha nascido por volta do século VI a.C. (vivendo aprox.de 570 a.C.
até 500 a.C.), em Samos, uma das ilhas do litoral grego (perto de Mileto). Devido à expansão do império Persa,
que dominou as colônias gregas da Jônia, Pitágoras deixou a ilha e viajou pelo Egito e pela Babilônia, chegando
talvez, até a Índia, de onde recebeu as influências destes povos, absorvendo informações matemáticas,
astronômicas e religiosas. [...] Por volta de 540 a.C. Pitágoras fundou, na cidade de Crotona (sul da península
italiana), a Escola Pitagórica, também conhecida como Irmandade Pitagórica, que reuniu muitos discípulos
interessados no estudo da aritmética (no sentido da Teoria dos Números), da Geometria, da Astronomia e da
Música, que eram um grupo de matérias da Escola e que posteriormente foi chamado de quadrivium”.
339
na cultura e na arte, de forma que o aluno possa ter uma visão humana e cultural dessa
ciência”. Nessa perspectiva, Campos (2009, p. 16) enfatiza que as aproximações entre
conhecimentos musicais e matemáticos possibilitam que o estudo da matemática adquira um
sentido mais prático, mais prazeroso e mais lúdico, assim como contribuem no processo de
ensino e aprendizagem de conceitos musicais que só são plenamente definidos através de
conceitos matemáticos.
Destacando a importância de atividades práticas que promovam vivências
significativas para os estudantes, bem como a aproximação das diversas áreas que possuam
conteúdos comuns, como configura-se a relação entre matemática e música, Monteiro Jr.
(2010) tece a seguinte reflexão:
encontram na representação dos tempos das notas musicais, conforme a figura seguinte” 6,
postando em seguida uma figura que apresentava a nomenclatura das figuras rítmicas, sua
respectiva representação gráfica e sua indicação numérica (representada na forma
fracionária). Em seguida a definição de compasso foi realizada nos seguintes termos: “um
compasso é uma unidade musical composta por determinada quantidade de notas musicais em
que a soma das durações coincide com a fração indicada como fórmula do compasso”. A
questão ainda traz o seguinte exemplo: “se a fórmula de compasso for 1/2, poderia ter um
compasso ou com duas semínimas ou uma mínima ou quatro colcheias, sendo possível a
combinação de diferentes figuras”. Por fim, é realizado o seguinte questionamento: “um
trecho musical de oito compassos, cuja fórmula é 3/4, poderia ser preenchido com”? As
alternativas dadas foram: “a) 24 fusas. b) 3 semínimas. c) 8 semínimas. d) 24 colcheias e 12
semínimas [alternativa correta]. e) 16 semínimas e 8 semicolcheias”. Apesar das nossas
ressalvas em relação à formulação da questão, entendendo que ela poderia ter sido elaborada
com maior clareza e precisão musical7, trata-se de um bom exemplo no qual o conhecimento
matemático pode ser aplicado diretamente na estruturação musical, de modo que a questão
poderia ser solucionada por músicos através dos conhecimentos musicais ou por não músicos
através dos raciocínio lógico-matemático através de cálculos matemáticos. Outra
possibilidade de desenvolvimento do trabalho de equivalência entre frações e figuras rítmicas
refere-se à utilização de representações geométricas, como sugere Fernandes (2014):
[...] as relações estabelecidas entre ritmos musicais e frações por estes alunos
transitaram entre a representação geométrica do tempo através de um
segmento de reta, que ao ser dividido em partes iguais aproxima-se do
conceito de fração, e a interpretação da duração de diferentes intervalos de
tempo através das frações, pela relação parte do todo. (FERNANDES, 2014,
p. 82)
6
A questão pode ser acessada através do endereço: <http://educacao.globo.com/provas/enem-
2009/questoes/144.html>. Acesso em: 31/08/2016.
7
A resolução da questão, realizada pela via matemática da multiplicação de frações, pode ser visualizada no
endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=9VEdZrLqBGM>. Acesso em 31/08/2016.
342
[...] a maioria dos sons musicais formam estruturas definidas por ondas e
descritas por funções matemáticas (chamadas de “função seno” ou
“senóide”), por meio de um osciloscópio8, podemos “ler” a matemática que
há por trás da uma música ou qualquer tipo de som, além disso podemos
verificar que cada instrumento produz uma modalidade matemática
diferente, ou seja, cada tipo de instrumento musical tem uma espécie de
“assinatura”. Essa assinatura é um conjunto de características sonoras
associadas que têm uma descrição matemática extremamente precisa,
embora possam parecer subjetivas. (PRADO, 2013, p. 90)
8
Conforme Alves (1998, p. 7), “o osciloscópio é um instrumento (de medição) que permite visualizar
graficamente sinais eléctricos. Na maioria das aplicações, o osciloscópio mostra como é que um sinal eléctrico
varia no tempo. Neste caso, o eixo vertical (YY) representa a amplitude do sinal (tensão) e o eixo horizontal
(XX) representa o tempo. A intensidade (ou brilho) do écran é por vezes chamada de eixo dos ZZ. [...] O
osciloscópio tem um aspecto que se assemelha a um televisor, exceptuando a grelha inscrita no écran e a grande
quantidade de comandos. O painel frontal do osciloscópio tem os comandos divididos em grupos, organizados
segundo a sua funcionalidade. Existe um grupo de comandos para o controlo do eixo vertical (amplitude do
sinal), outro para o controlo do eixo horizontal (tempo) e outro ainda para controlar os parâmetros do écran
(intensidade, focagem, etc.)”.
343
Acerca do trabalho com a função seno, Monteiro Jr. (2010, p. 612) destaca a
possibilidade de aproximação com o conceito de série harmônica, de modo que “podemos
levar os alunos a produzirem suas próprias séries harmônicas. Podemos iniciar com parciais
formados apenas por funções de seno com fase inicial nula, da forma: f (t) = bn .sen(wn t) f (t)
bn.sen(2πft)”. Outra atividade experimental que pode ser desenvolvida no âmbito do estudo
das funções trigonométricas relacionadas com a música é a representação matemática dos
batimentos sonoros. Conforme Monteiro Jr. (2010, p. 617) “batimento é a composição de
duas vibrações superpostas. No caso de ondas sonoras, o batimento é particularmente notável,
pois a flutuação da amplitude do som resultante pode ser facilmente percebida pela audição”.
Destacamos ainda o trabalho de Depizoli (2015) que apresenta o desenvolvimento de
uma série de atividades desenvolvidas em forma de oficinas que relacionaram música e
funções trigonométricas. Segundo o autor, “as oficinas são interdisciplinares e utilizam
recursos computacionais como o GeoGebra. Ao final de cada oficina, organiza-se uma lista de
exercícios aplicados” (DEPIZOLI, 2015, p. 66). É importante ressaltar que o trabalho
344
da Matemática e parece ter adquirido relevância dentro da área da Educação Química por
conta dos resultados que vêm sido apontados pelos docentes através da literatura da área.
Trata-se da utilização da música enquanto recurso didático para a transmissão dos conteúdos
de Química. Ilustrando essa perspectiva, Francisco Jr. e Lauthartte (2012, p. 2) entendem que
a música “pode ser um elemento motivador e facilitador do processo de ensino aprendizagem
de conceitos científicos, também pelo seu caráter lúdico”. Nessa perspectiva, segundo
Coutinho (2014),
de 2013, lançou os “Desafios Química Nova Interativa (Desafios QNInt)”, premiando jovens
que gostam de Música, Vídeo e Química. A 1ª Edição dos Desafios QNInt contemplou o
trabalho com música a partir das seguintes possibilidades:
QNint Videos: para quem sabe fazer vídeos e animações. Quimúsica: para
quem sabe cantar ou tocar um instrumento, sozinho ou num grupo, com
composição própria, em qualquer gênero musical. Karaoquímica: para
quem não sabe tocar, mas gosta de cantar e é bom de letra, criando paródias
de músicas existentes. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 2013,
s/p, grifos nossos)
Apesar de ser uma estratégia muito utilizada por professores para provocar a
atenção dos alunos, é momentânea. Além dos mais, essas canções
apresentam letras que atuam no sentido de reforçar a visão
compartimentalizada do conhecimento químico, resumindo-se apenas como
uma das formas de memorizar determinados nomes ou conceitos.
(SILVEIRA; KIOURANIS, 2008, p. 30)
9
Configurando-se como única exceção localizada, destacaremos o trabalho de Rui e Steffani (2005) no final
deste subitem, ao propor, de fato, a integração entre os conhecimentos de Biologia e Música a partir do estudo da
audição humana.
350
Nessa perspectiva, Silva e Nascimento Jr. (2014, p. 101), refletem que “é possível
estimular o pensamento crítico e reflexivo dos alunos, através da análise da música,
permitindo que eles busquem compreender ideias que são trazidas pelos versos da música,
relacionando-as ao conteúdo da disciplina que está sendo tratada”.
Ressaltando a importância da música na transmissão dos conteúdos de biologia,
apontando-a como uma ferramenta que possibilita o desenvolvimento de aulas mais
dinâmicas, Leite, Farias e Nascimento (2015, p. 47) apresentam composições que, através de
elementos característicos da cultura nordestina, servem de fonte para o trabalho com diversos
conteúdos de biologia. Destacamos abaixo, as músicas escolhidas e os respectivos conteúdos
de trabalhados em sala de aula:
Partindo de entendimento semelhante, no qual a música pode ser utilizada como uma
ferramenta capaz de contextualizar os conteúdos e desse modo facilitar a aquisição dos
saberes biológicos pelos alunos, Brandão e Barros (2016, p. 2) apresentam proposta para a
utilização da canção “Aqui no mar”10 como uma alternativa para o ensino de Ciências e
Biologia em sala de aula. Os autores propõem, dentre outras possibilidades, a abordagem das
formas existentes de dispersão de frutos na natureza por animais, as características dos peixes,
os benefícios de sua ingestão para a saúde humana, etc. Brandão e Barros (2016) elaboram
ainda um significativo trabalho de revisão de literatura que apresenta uma rica lista com
músicas e suas possibilidades de trabalho nas salas de aula das diversas áreas do
conhecimento.
Indicando a possibilidade de trabalhar as questões de gênero na Educação Sexual
através de letras de músicas, Rocha, Paranhos e Moraes (2010, p. 262), apontaram que “a
identificação e reflexão das relações de gênero foram feitas por meio da análise das letras
musicais e das ideologias expressas nas músicas”. Os autores indicaram que optaram por
trabalhar as relações de gênero com música, pois as canções estão presentes no cotidiano dos
estudantes e refletem ideologias assim como aspectos socioculturais de determinada realidade
social. Conforme Rocha, Paranhos e Moraes (2010, p. 261-262), a proposta do trabalho em
sala de aula objetivou “repensar e discutir as relações de gênero e da ideologia amorosa
apresentada nas músicas que os estudantes preferem em seu cotidiano”. Sobre os resultados
obtidos, os autores afirmam que “além de propiciar um ambiente lúdico para a aprendizagem,
a música motivou os estudantes a refletirem sobre as relações de gênero na realidade
brasileira, a (re)pensarem essas relações e a ideologia amorosa apresentadas nas suas músicas
preferidas” (ROCHA; PARANHOS; MORAES, 2010, p. 265).
Refletindo sobre a utilização de músicas populares como recurso didático para
articular diferentes saberes com temas ambientais, Oliveira, Rocha e Francisco (2008)
propõem a sensibilização para as questões ambientais, dentre as quais podemos destacar a
legislação ambiental, os crimes ambientais, a exploração dos recursos naturais e a
biopirataria. Ilustrando a proposta de trabalho, os autores ressaltam que:
10
Originalmente intitulada “Under the sea” a música foi composta por Howard Ashman e Alan Menken e fez
parte da trilha Sonora do filme “A Pequena Sereia”, lançado em 1989. No ano de 2010, o intérprete brasileiro
Diogo Nogueira regravou a canção em estilo samba para a coletânea “Disney Adventures in Samba”.
352
11
Segundo os autores, “a musicalização de conteúdos através de paródias funciona como estratégia mnemônica,
quando permite que o aluno consiga fazer assimilação do conteúdo e compreender termos e conceitos complexos
353
Conforme Silva, Pereira e Melo (2015, p. 5), “o uso da paródia serve para facilitar
processo de ensino aprendizagem, além de tornar a aprendizagem mais atrativa para os
alunos. Constituindo uma forma de sintetizar os conteúdos trabalhados, favorecendo a
assimilação dos conteúdos”. Após a utilização da paródia como estratégia de ensino e
aprendizagem para o estudo da temática “zoologia de invertebrados”, Ferreira, Lima e Jesus
(2013, p. 8) apontam que “o uso de paródias como estratégia de aprendizagem em Biologia é
relevante como mecanismo de promoção do conhecimento, como também de desenvolver
práticas para educação em saúde”. Conforme Menezes et al. (2015, p. 13), “as paródias
podem versar sobre temas estruturantes e transversais, como preconiza os PCNs [...],
ampliando sua possibilidade de utilização”. Segundo os autores, “essa ferramenta proporciona
relação entre o conhecimento técnico-cientifico com uma linguagem informal, inserido na
realidade dos alunos, o que contribui para um ensino contextualizado” (MENEZES et al.,
2015, p. 13).
Refletindo sobre o trabalho realizado a partir da elaboração de paródias na aula de
Biologia, Pessoa e colaboradores (2013, p. 1) consideram a atividade como um importante
recurso didático e destacam que “a fixação de definições de termos relativos à estrutura
celular foi favorecida com a estratégia empregada”, referindo-se aos conteúdos relativos à
célula vegetal e às angiospermas (flor e fruto). Desse modo, conforme os autores, “a
consolidação da aprendizagem de temas da Biologia se deu através da elaboração das
paródias, que exigiu muito mais estudo e compreensão das definições nelas incluídas”
(PESSOA et al., 2013, p. 1).
Conforme destacado no início do subitem, apenas um trabalho foi localizado propondo
a integração entre conteúdos específicos da Música e da Biologia, tendo sido desenvolvido
por Rui e Steffani (2005). Os autores realizaram a construção de um recurso didático para ser
explorado em Ciências, Física, Biologia e Música, tratando-se de “um painel sobre audição
humana, focalizando os fenômenos físicos que ocorrem ao longo do aparelho auditivo
à assimilação. A estratégia mnemônica faz o cérebro encontrar o caminho para a informação requerida. Não é
decorar o conteúdo, mas traçar o caminho para que a informação não se perca no cérebro” (BORGES;
ALMEIDA, 2015, p. 32-33).
354
(ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno) no processo da audição” (RUI; STEFFANI,
2005, p. 79). Refletindo sobre a forma com a qual os estudos acerca da audição humana são
comumente realizados, na qual via de regra os conhecimentos não são desenvolvidos de
forma integrada, os autores indicam que,
Por sua vez, o estudo do ouvido humano nas aulas de biologia quase sempre
tem um caráter mais informativo, restringindo-se, via de regra, à
identificação das partes que compõe o ouvido com as descrições de suas
funções básicas. Freqüentemente o professor de Física, quando questionado
sobre a utilidade ou aplicação do tema tratado em sala de aula, recorre ao
enfoque matemático ou à aplicação tecnológica para o assunto. Mas porque
não aplicar as leis da Física para explicar o “funcionamento” do próprio
corpo ou dos seres vivos em geral? (RUI; STEFFANI, 2005, p. 79)
12
A reforma empreendida pela Lei nº. 5.692/71 nos ensinos de 1º. grau e de 2º grau (atuais ensino fundamental e
ensino médio), reestruturou o currículo com base na divisão entre “núcleo comum” e “parte diversificada”. O
núcleo comum era composto pelas disciplinas obrigatórias a todas as instituições de ensino do país, a parte
diversificada, por sua vez, ficou a cargo dos estados, os quais deveriam fazer as suas escolhas de acordo com
suas necessidades. Conforme Alves (2014, p. 54-55), “nesta reforma a filosofia foi relegada para a parte
diversificada, não figurando mais dentre as disciplinas do ‘núcleo comum obrigatório’. A filosofia passou a
figurar como uma das opções de disciplinas de ‘educação geral’ previstas na legislação. Assim, ao contrário do
que se pensa, a filosofia não foi ‘excluída’ do currículo e sim foram criados mecanismos que inviabilizavam a
sua inclusão, mas formalmente não havia impedimento legal algum para a sua inclusão como disciplina. Um
destes mecanismos foi a criação de outras disciplinas como obrigatórias supostamente equivalentes ao conteúdo
filosófico de forma que não havia razão para incluir a filosofia e sobrecarregar o currículo com disciplinas
equivalentes. Trata-se das disciplinas: E.M.C. (Educação Moral e Cívica), O.S.P.B. (Organização Social e
Política Brasileira), e no ensino superior foi criada a E.P.B. (Estudo de Problemas Brasileiros). Registre-se, de
passagem, que ocorreu a mesma coisa com a Sociologia para também impedir a sua inclusão como disciplina”.
356
Tomás (2005, p. 7), “desde o princípio, na História da Música e na História da Filosofia (c.
século VI a.C) pode-se observar uma proximidade entre estas áreas, a qual se estende até os
dias atuais”. Os primeiros registros históricos que apresentam reflexões filosóficas acerca da
Música foram localizados na Grécia antiga, o berço da filosofia ocidental. Nessa perspectiva,
Oestreich (2016, p. 403) aponta que “a perspectiva grega de formação do homem foi a
primeira a tratar da educação da música como uma parte essencial da educação”. Sobre aquele
contexto, Tomás (2005, p. 13) indica que “a música na sociedade grega exercia um papel de
importância capital, pois suas conexões com outros campos do saber ultrapassam em muito o
sentido comum do que [atualmente] se entende por música”, visto que “ela possuía vínculos
diretos com a medicina, a psicologia, a ética, a religião, a filosofia e a vida social” (TOMÁS,
2005, p. 13). A autora destaca que esta integração “pode ser confirmada em textos que vão
desde os Pré-socráticos até autores mais recentes, sendo possível assim elencar um
contingente de músicos teóricos e/ou práticos e filósofos que teceram longas ou breves
discussões sobre esta intersecção” (TOMÁS, 2009, p. 169).
Caracterizando a relevância da Música naquele contexto, inclusive em relação às
demais expressões artísticas, Neves (2013, p. 575) indica que “em Platão, como na filosofia
grega de modo geral, a música ocupa uma posição de liderança em relação às outras artes”.
Ressaltando a importância da Música no pensamento de Platão, Rocha Jr. (2007, p. 42) indica
que “a música ocupa uma posição estratégica no âmbito do pensamento platônico. Ela estava
diretamente ligada à concepção platônica de filosofia e desempenhava um papel central
dentro dos projetos políticos, pedagógicos e psicagógicos do pensador ateniense”. Ilustrando a
perspectiva do pensamento Platônico em relação à Música, o que, de certa forma, também
ilustra a importância social dada à Música naquele momento, Menezes, Costa e Fernandes
(2009, p. 186) refletem que,
Estado e de seus cidadãos; além disso, ele concorda com Platão ao julgar que a música é parte
principal da Paidéia”. Corroborando com este entendimento, Oestreich (2016, p. 403) assinala
que “os gregos estavam convictos de que a música de suas cidades eram um reflexo direto de
seus hábitos, e tanto Platão quanto Aristóteles pensavam que a corrupção da boa música
poderia levar à imediata corrupção da boa constituição moral da comunidade”. Apresentando
o pensamento Aristotélico acerca da Música e da Poesia, Santoro (2007, p. 2) afirma que:
Sobre a função catártica das músicas, Santoro (2007, p. 9) indica que esta “opera na
transformação das emoções humanas, tais como o terror, a compaixão, e outras que tais”.
Nessa perspectiva, o autor enfatiza que “Aristóteles percebe que a provocação e a
transformação das emoções humanas nas obras poéticas é algo tanto ou até mais importante
que a expressão de valores e conteúdos morais” (SANTORO, 2007, p. 9).
É importante destacar que a cultura da Grécia antiga, em especial a Filosofia originada
no período, influencia significativamente o pensamento ocidental até os dias atuais, de modo
que, conforme Santoro (2006, p. 77), “muitas das clivagens, dos valores, das categorias e dos
princípios das teorias estéticas modernas e contemporâneas têm origem nas especulações de
Aristóteles sobre a poesia épica, sobre a música e sobre a poesia dramática”. Confirmando
esta influência do pensamento Aristotélico, bem como a aproximação entre música e filosofia,
359
[...] ele alia a música à filosofia por acreditar que esta expressa, em uma
linguagem grandiosa, a essência interior do mundo - a vontade - por meio
dos tons, enquanto que a filosofia expressa e repete a essência deste mundo
por meio de conceitos gerais, já que são estes que favorecem o pensamento.
(SILVEIRA; RIBEIRO, 2012, p. 15)
Moreira (2009, p. 149) ressalta que as diferenças entre música concreta e abstrata
seriam caracterizadas pelos “seus modos de fazer, onde a primeira seria um tipo de música
com a qual se pode relacionar e inferir através da experiência, a posteriori, e a segunda seria
uma música a priori, que sequer precisaria acontecer no tempo para ser verificada a sua
condição de verdade”. Tratando da relação entre o som e o espectador, portanto do processo
de escuta musical, o autor reflete que:
13
Conforme Melo (2007, p. 1), “a música concreta surgiu da idéia de extrapolar o material sonoro usado na
composição musical e se efetivou como um procedimento composicional próprio, mediante a possibilidade de
gravação e reprodução sonora. Este procedimento parte do questionamento do sistema musical tradicional e da
reformulação das bases teóricas já consolidadas. Em 1952, Schaefer propõe um vocabulário próprio e esboça um
solfejo específico para a música concreta. Em 1953, ele tenta agrupar tendências musicais que surgiram mais ou
menos na mesma época em que a sua. Em 1957, a música concreta se configura como um “método de pesquisa”.
Seus trabalhos de pesquisa culminaram no solfejo dos objetos musicais”.
14
“O Traité des objets musicaux de Pierre Schaeffer (1966) pode ser considerado um dos livros fundamentais de
reflexão sobre música no século XX. Além de sua classificação de quatro tipos de escuta, do conceito de objeto
sonoro, da escuta reduzida (acusmática) e de sua tipo-morfologia, Schaeffer dá ao solfejo dos objetos sonoros
uma importância capital. Seu solfejo, além de ser um dos pontos chave em seu livro, parece sugerir uma
sequência de passos que parte da escuta dos objetos sonoros e nos leva à composição musical” (ZAMPRONHA,
2011, p. 67). Ainda sobre o Traité des objets musicaux (1966), consultar Melo (2007).
362
15
Claude Debussy (1862-1918), Igor Stravinsky (1882-1971), Luigi Russolo (1885-1947), Edgar Varèse (1883-
1965), Anton von Webern (1883-1945), Arnold Schoenberg (1874-1951), Olivier Messiaen (1908-1992),
Karlheinz Stockhausen (1928-2007), Pierre Schaeffer (1910-1995), John Cage (1912-1992), Giacinto Scelsi
(1905-1988), Iánnis Xenákis (1922-2001), György Ligeti (1923-2006), Karlheinz Stockhausen (1928-2007).
363
Brasileiro por um período 37 anos, visto que ambas foram excluídas do currículo no ano de
197116 e voltaram a ser ofertadas apenas em 2008. A Lei nº 11.684 de 2 de junho de 2008, ao
alterar o art. 36 da LDB 9.394/96, instituiu que “serão incluídas a Filosofia e a Sociologia
como disciplinas obrigatórias em todas as séries do Ensino Médio” (BRASIL, 2008, p. 1).
Levando em consideração o pouco tempo de retorno da disciplina ao currículo do Ensino
Médio, muitos autores ainda se questionam acerca dos direcionamentos a serem instituídos
quanto ao desenvolvimento da disciplina, tais quais conteúdos, objetivos a serem alcançados,
metodologias, etc. Corroborando com esta perspectiva, as Orientações Curriculares para o
Ensino Médio indicam que a disciplina Sociologia:
16
Conforme discussão realizada no subitem 5.5 Filosofia e Música.
17
Segundo Reis (2007, p. 44), é arriscado apontar com precisão o momento em que nasce a sociologia da
música mas “tudo indica que apareceu apenas na segunda metade do século XX”. O autor indica que naquele
contexto histórico, “filósofos e historiadores tinham ganho vantagem sobre a análise destes temas e as suas
visões eram as que prevaleciam, por isso, não é de estranhar que a sociologia da música seja uma confluência de
distintas sensibilidades” (REIS, 2007, p. 44).
364
Podemos afirmar portanto, que em suas letras as canções retratam elementos sociais,
destacando aspectos que caracterizam a socialização e a história vivida, de modo que “cabe ao
professor explorar dessa maneira o que a letra está apontando, não colocando como pano de
fundo, mas referenciando como fonte para se estudar e aprender” (PAIVA, 2016, p. 35).
Desenvolvendo atividade na disciplina Sociologia em turmas do Ensino Médio, Diogo
e Araújo (2013) propuseram a realização de uma oficina com o objetivo de “produzir um
365
programa de rádio no qual os alunos fariam um mapeamento dos sons que ouvem em seu
bairro”. Conforme os autores,
Os autores apontam que o objetivo principal da oficina foi incitar a reflexão dos alunos
acerca da presença da indústria cultural na vida cotidiana, “de modo que eles conseguissem
compreender como se dá a dinâmica do sistema capitalista na produção de bens de consumo
relacionada à produção cultural (cinema, música, teatro, imprensa, etc.) que tanto influencia
os gostos e sugere comportamentos” (DIOGO; ARAÚJO, 2013, p. 4). Desse modo, a partir de
questões referentes à presença da música no cotidiano dos estudantes, os autores abordaram as
seguintes questões sociológicas:
produção de juízos de valor relativos à estética artística, devendo, na verdade, aceitar que o
trabalho artístico existe e “tentar compreender como e porque é que as pessoas orientam as
suas condutas em relação a tais artefactos”. Nesse sentido, Campos (2007) aponta que:
O autor reflete ainda acerca das possibilidades de análise sociológica das letras de
músicas produzidas no passado, apontando basicamente duas propostas de trabalho para a sala
de aula: “i) para compreender a realidade social temporalmente e espacialmente situado na
época da composição; ii) promover a percepção, ao longo de um tempo, das mudanças e
permanências sociais, sejam elas estruturais ou não” (BODART, 2012, p. 18). O autor
enfatiza que é fundamental, por parte do docente, uma clareza de procedimentos e
fundamentação teórica do trabalho a ser realizado em sala de aula pois entende que a análise
368
de letras de músicas escritas no passado traz consigo o risco de conduzir a aula a análises
estritamente históricas em detrimento de análises sociológicas. Portanto, nesse sentido,
Muitas vezes é quase uma transcrição indevida dessas teorias, mas que
nunca ocorre com a paciência e a especificidade próprias das Ciências
Sociais, uma vez que o que está em causa é preservar a linguagem, a
metodologia e o objeto peculiar dessas ciências (História e Geografia). O
fenômeno social ocorre, por certo, num tempo e num espaço, mas não se
reduz a essas dimensões, pois suas características são definidas por leis
próprias, específicas das relações sociais. (BRASIL, 2006, p. 112)
369
Nessa perspectiva, o documento ressalva que “ao se tomar um fenômeno como objeto
de pesquisa ou de ensino, podem-se reconhecer tanto os limites como as possibilidades que
cada ciência tem para tentar compreendê-lo” (BRASIL, 2006, p. 112). A Orientações
Curriculares enfatizam ainda que esses objetos não pertencem exclusivamente a uma
determinada ciência, por isso torna-se necessário atentar para as diferenças de tratamento
características de cada área, percebendo ainda “até que ponto uma ciência aprofunda tal
objeto, ou ainda tem um conhecimento precário acerca dele” (BRASIL, 2006, p. 112).
Ainda refletindo acerca do adequado desenvolvimento das discussões realizadas na
aula de Sociologia, Bodart (2012) alerta para o perigo da reflexão em nível de “senso
comum”. Conforme o autor, “o perigo da aula de Sociologia se transformar em uma discussão
de senso comum é sem dúvida a situação mais ameaçadora” (BODART, 2012, p. 21). Nessa
perspectiva, muitas vezes a discussão realizada em sala de aula não supera os
posicionamentos fundamentados nas experiências diárias percebidas sob o senso comum.
Bodart (2012, p. 21) reflete que “é comum e aceitável que os alunos utilizem seu senso
comum para participar ativamente da aula, porém cabe ao professor conduzir a discussão para
uma reflexão sociológica. Existe uma diferença importante na metodologia de análise do
senso comum e da Sociologia”. Portanto, ao fazer a opção de utilizar letras de canções em
sala de aula, cabe ao professor de Sociologia evitar ater-se apenas ao contexto histórico
factual da produção da música, devendo buscar elementos que apontem para as estruturas
sociais da época, os fenômenos e ações sociais, bem como identificar de que maneira questões
individuais estão interligadas às questões coletivas (BODART, 2012, p. 24).
Nessa perspectiva, o professor pode (e deve) utilizar-se das questões cotidianas
abordadas nas músicas que compõem o repertório dos estudantes, mas necessita lembrar que
embora o objeto de discussão faça parte do dia-a-dia dos jovens, as discussões devem
fundamentar-se ao método sociológico de análise. Trabalhando nessa perspectiva, o docente
estará contribuindo para que os estudantes ampliem seu entendimento acerca das práticas
musicais, compreendendo-as como fenômenos essencialmente coletivos e sociais que
influenciam e são influenciadas por todos os aspectos do cotidiano humano.
É com o corpo que somos capazes de ver, ouvir, falar, perceber e sentir as
coisas. O relacionamento com a vida e com outros corpos dá-se pela
comunicação e pela linguagem que o corpo é e possui. Essa é a nossa
existência, na qual temos consciência do eu no tempo e no espaço. O corpo,
ao expressar seu caráter sensível, torna-se veículo e meio de comunicação.
(BRASIL, 2000aII, p. 38)
É importante ressaltar ainda que a interação física dos seres humanos com o mundo é
realizada a partir do seu movimento, visto que “quando o corpo se move, os sentidos captam
informações. As terminações neurais enviam informações para os córtices sensoriais da visão,
371
18
Conforme apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais em Educação Física, “os professores de Educação
Física, tiveram na sua formação, experiências e uma bagagem de conhecimentos, alicerçadas, majoritariamente,
nos conhecimentos de ordem técnica (disciplinas esportivas). Esse fato se deu, entre muitas causas, pela
confusão do ambiente esportivo-competitivo com o escolar-educacional fruto de um contexto histórico que quis
elevar o País à categoria de nação desenvolvida às custas de seus sucessos no campo dos esportes. Portanto,
como é de se esperar, o que predomina no Ensino Médio é a idéia de que a aula de Educação Física é um espaço
para treinamento e aperfeiçoamento das habilidades desportivas” (BRASIL, 2000aII, p. 37).
372
19
As aulas de Step constituem uma modalidade de treino aeróbico praticado com o auxílio de um degrau (uma
espécie de pequena caixa) no qual normalmente os praticantes realizam coreografias sincronizadas com uma
trilha sonora.
375
Nesse sentido, ainda conforme Almeida (2013, p. 16), “faz-se necessário, o acesso ao
universo da música e a desmitificação de sua imagem apenas como
elemento/espetáculo/festivo, normalmente de caráter contemplativo”. De modo que a música
possa ser entendida também na perspectiva de um “conhecimento significativo para as nossas
ações corpóreas, que podem ser exploradas pelo universo cultural, nos âmbitos escolares,
públicos e sociais” (ALMEIDA, 2013, p. 16).
Destacamos ainda a relevância da realização do trabalho corporal com a utilização de
música porém sem a ênfase em seu aspecto rítmico. Nesses casos, fica caracterizado um
trabalho musical de natureza “assincrônica” (mencionada anteriormente), visto que é
realizado “sem que os movimentos repetitivos (passadas, etc.) possam estar diretamente
ligados ao ritmo ou batida por minuto [da música]” (SOUZA; SILVA, 2010, p. 38).
Ilustrando esta possibilidade, podemos destacar músicas associadas a eventos de superação,
eventos esportivos, filmes, etc. Souza e Silva (2010) exemplificam esta possibilidade citando,
por exemplo, a canção “Eyes of Tiger”21, trilha sonora do filme “Rocky III”, diretamente
20
WISNIK, José. Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. A obra pode ser acessada
em: <http://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Wisnik-O_Som_e_o_Sentido.pdf>. Acesso em: 09/10/2016.
21
A canção Eye of the Tiger, lançada no ano de 1982, é de autoria da banda americana Survivor.
376
22
É o terceiro filme da série americana “Rocky” que possui direção, roteiro e atuação de Sylvester Stallone.
23
Conforme Delgado (2004, p. 12), o teste de esforço submáximo é aquele no qual o indivíduo é levado a atingir
um nível de esforço pré-estabelecido para a determinação de algumas variáveis (como, por exemplo, o valor do
VO2max) obtido através de um previsor sem, portanto impor um stress orgânico intenso durante a realização do
teste.
24
Szabo, A; Small, A.; Leigh, M. The effects of slow and fastrhythm classical music on progressive cycling to
voluntary physical exhaustion. Journal of sports medicine and physical fitness. v. 39, n. 3, p. 220-225, 1999.
Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10573664>. Acesso em: 09/10/2016.
25
Conforme Delgado (2004, p. 12), o teste de esforço máximo caracteriza-se como sendo aquele no qual o
indivíduo é levado a sua exaustão voluntária e tende a levar o avaliado ao máximo de sua captação de oxigênio.
26
Karageorghis, C; Terry, P, C. Psycophisical Effects of Music and Sport and Exercise: A Review, Journal of
Sports Behavior, v. 20, p. 54-68, 1995.
377
27
GFELLER, Kate. Musical components and styles preferred by young adults, for aerobic fitness activities.
Journal of Music Therapy. Lawrence: v.25, n. 1, 1988. Disponível em:
<http://jmt.oxfordjournals.org/content/25/1/28.abstract>. Acesso em: 09/10/2016.
378
Por fim, apresentamos uma proposta trabalho advinda da área da Educação Musical
que aborda a relação entre corpo e música numa perspectiva que, apesar de assemelhar-se
conceitualmente às anteriormente apresentadas neste subitem, não é voltada para a realização
de atividades físicas. Caracteriza-se na verdade como uma proposta de ensino e aprendizagem
musical, mas que também pode configurar uma possibilidade de trabalho significativa no
contexto da Educação Física, ilustrando a “via de mão dupla” que precisa caracterizar as
inter-relações entre os conhecimentos das distintas áreas.
Trata-se do método de musicalização intitulado “O Passo”, desenvolvido pelo
educador musical Lucas Ciavatta no ano de 1996. Diferentemente dos trabalhos abordados
neste subitem, que sugerem o desenvolvimento do movimento corporal a partir de um ritmo
(pulso) musical, Ciavatta propõe exatamente o inverso: o trabalho musical a partir de um
movimento corporal. Conforme o autor, “mover-se ao tocar é inevitável, até porque o corpo é
o único instrumento do qual não podemos prescindir para fazer música. Qualquer produção
sonora que venha de um ser humano passa necessariamente por algum movimento corporal
seu” (CIAVATTA, 2011, p. 23). Partindo do entendimento que o corpo participa de toda e
qualquer prática musical, Ciavatta (2011) estabelece uma relação direta entre movimento
corporal e prática musical, defendendo que qualquer movimento corporal, independente do
seu grau de consciência, influencia e determina nossas realizações musicais. Neste sentido, o
autor reflete que,
[...] o mesmo indivíduo que com seu corpo inicia uma exploração do tempo
e do espaço, necessariamente o faz dentro de uma rítmica (por mais irregular
que seja seu movimento, há sempre uma rítmica), e quanto mais este
indivíduo conhece o que ritmicamente está sendo realizado, quanto mais
conhece os movimentos musicais que estão sendo sugeridos, o espaço
musical que está sendo percorrido, mais o conhecimento deste indivíduo
sobre seu corpo, e sobre seu corpo no espaço e no tempo, se amplia.
Tudo o que até agora foi exposto sobre o corpo indica sua marcante presença
para o desenvolvimento dos campos perceptivo e cognitivo de um indivíduo.
(CIAVATTA, 2011, p. 25, grifos nossos)
28
Conforme Miletto et al. (2004, p. 9), “o padrão MIDI usa tecnologia digital, codificando eventos musicais em
dados binários (bits) que são transferidos por meio de uma linha física (cabo MIDI) de um equipamento para
outro. [...] É importante frisar que as informações MIDI transferidas de um equipamento (mestre) para outros
(escravos) não carregam consigo nenhum sinal de áudio (som). Essas informações são mensagens que codificam
as ações do músico, tais como o ato de pressionar uma tecla, ou o de soltar uma tecla. O som (áudio)
conseqüente do ato de pressionar uma tecla não é transferido via MIDI, mas sim gerado em cada um dos
instrumentos da cadeia. Dessa forma, quando um instrumento ‘mestre’ comanda outro via MIDI, basicamente
ele ‘diz’ ao outro quais as notas que devem ser tocadas, mas o som (áudio) do segundo instrumento será
determinado pelo próprio ‘escravo’”.
382
Ilustrando a primeira via apontada por Pereira (2013) destacamos a reflexão de Araújo
(2009b, p. 73) ao afirmar que “o uso de tecnologias como o uso de softwares de editoração
musical, que reproduzam o ritmo da música, mas com alturas (notas musicais) fielmente
corretas pode ser de grande valia no processo de aprendizagem”. Apontando outra inovação
tecnológica que pode contribuir no processo de ensino e aprendizagem musical, Pereira
(2013, p. 157) indica que “a Internet apresenta-se como um poderoso auxiliar para o professor
de música, pois muitos materiais, como músicas prontas, arranjos dos mais variados tipos e
ferramentas pedagógicas podem ser encontrados na rede”. Exemplificando outras
contribuições identificadas a partir do uso do computador no trabalho de educação musical, o
autor reflete que,
29
Plataforma on-line disponível em: <http://edumusical.org.br/>. Acesso em: 23/10/2016.
384
30
De forma semelhante aos populares “teclados arranjadores” (arranger workstation keyboards).
31
Plataforma on-line disponível em: <http://teoria.com/>. Acesso em: 23/10/2016.
385
32
Conforme Silva Netto (2004, p. 26), “o software freeware é indiscutivelmente gratuito quanto a sua licença
de uso, cópia e distribuição, desde que seja disponibilizado da mesma forma que fora anteriormente e com as
mesmas condições impostas. Mesmo sendo um programa gratuito, o freeware não autoriza a alteração, nem
tampouco obriga o desenvolvedor a exibir o código fonte”. Acerca do shareware, Silva Netto (2004, p. 26-27)
indica que o software “pode ser usado, copiado e distribuído livremente. Contudo seu uso é temporário e
estabelecido pelo desenvolvedor. O usuário tem a opção de permanecer utilizando o software até a data
estipulada pelo programador, ou simplesmente deixar de usá-lo desinstalando-o de seu computador. Esta é uma
forma que o usuário tem de testar na prática as qualidades do software. Caso o usuário pretenda adquiri-lo em
definitivo, ele deverá fazer o pagamento da licença de uso”. Sobre o software livre (ou free software), Silva
Netto (2004, p. 27-28) aponta quatro princípios básicos para que um programa esteja inserido nesta categoria:
“[1] Executar o software, para qualquer uso; [2] Estudar o funcionamento de um programa e de adaptá-lo às suas
necessidades; [3] Redistribuir cópias; [4] Melhorar o programa e tornar as modificações públicas de modo que a
comunidade inteira se beneficie da melhoria. O acesso ao código fonte é um pré-requisito para esta liberdade”.
Sobre o software comercial, Silva Netto (2004, p. 29) afirma que caracteriza-se como “aquele que tem uma
finalidade de retorno financeiro, podendo ser desenvolvido a partir da solicitação de um contratante, ou ainda,
almejar um público-alvo coletivo qualquer, sendo desenvolvido a partir da iniciativa própria do programador, ou
por encomenda”. Definindo adware, Damatto e Rall (2011, p. 96) indicam que trata-se de um software que
contém a inserção de publicidades, configurando “um tipo de programa que exibe anúncios e o seu objetivo é
fornecer anúncios em massa de uma maneira ou em um contexto que possa ser inesperado ou indesejado por
parte dos usuários”. Por sua vez, “o software de demonstração, ou demo, é também facilmente confundido com
freeware e principalmente com shareware, devido a sua distribuição gratuita e a possíveis limitações temporais
ao uso. Porém, a característica mais marcante nos demos é a ausência de algumas funcionalidades que o software
completo teria. Isto pode ser sentido com a não realização de algumas tarefas, devido ao não acionamento de
alguns botões que executam processamentos no software completo. O demo pode ser distribuído com a mesma
interface do software completo, sendo desativados ou retirados alguns desses botões, ou ainda com apenas parte
dele, sem acesso a outras janelas” (SILVA NETTO, 2004, p. 29).
386
33
Maiores informações sobre o software Ear Master encontram-se disponíveis em:
<https://www.earmaster.com/>. Acesso em:17/10/2016.
387
34
O Sound Forge trata-se de editor de áudio profissional. Maiores informações sobre o software encontram-se
disponíveis em: <http://www.magix-audio.com/us/sound-
forge/?utm_source=sonycreativesoftware&utm_medium=referral&utm_campaign=redirect&lang=en&prdt=sou
ndforgesoftware>. Acesso em:17/10/2016.
35
Por tratar-se de um software livre, o Audacity pode ser baixado e utilizado gratuitamente. O download pode
ser realizado em: <http://www.audacityteam.org/>. Acesso em: 09/12/2016. Destacamos ainda que um
quantidade significativa de trabalhos educativos desenvolvidos a partir do software, pode ser acessada a partir
dos sites de busca tais quais o Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/).
36
Algumas opções interessantes de softwares simuladores do osciloscópio encontram-se disponíveis em:
<http://blog.novaeletronica.com.br/como-usar-seu-pc-como-um-osciloscopio/>. Acesso em: 18/10/2016.
388
37
Maiores informações acerca do software Sibelius encontram-se disponíveis em:
<http://www.avid.com/sibelius>. Acesso em:17/10/2016.
38
Maiores informações sobre o software Finale encontram-se disponíveis em: <http://www.finalemusic.com/>.
Acesso em:17/10/2016.
389
[...] podemos verificar que num software como o Finale é possível compor
música com o mínimo de informações sobre o próprio funcionamento do
programa ou sobre teoria musical (conceitos musicais). É possível, também,
inserir aleatoriamente notas musicais na partitura (sons graves, médios ou
agudos) com as mais distintas variações rítmicas (sons longos ou curtos). O
resultado pode ser de uma simplicidade ou de uma complexidade inusitadas.
O software, por sua vez, reproduzirá a música criada. Não há por parte do
programa o julgamento relativo ao estilo da composição, nem se ela está
adequada ou afastada dos parâmetros mais usuais de composição musical.
Seu compositor, por outro lado, mesmo que nunca antes tenha estudado
música, lido ou manuscrito partituras, poderá degustar por esse meio
eletrônico a primeira audição mundial de sua criação, de sua composição, de
sua obra musical. (ARAÚJO, 2009b, p. 23)
Acerca do contexto dos programas de edição de partituras, que tem como seus maiores
expoentes os softwares comerciais acima mencionados, Sibelius e Finale, faz-se importante
ressaltar a existência de alternativas gratuitas de qualidade, como o software livre
Musescore39. Conforme Soares (2014, p. 416), “encontramos no Musescore a maioria das
funcionalidades básicas disponíveis em softwares similares de licenças proprietárias como
Finale e Sibelius”. Uma das funcionalidades que traz destaque ao software trata-se do
compartilhamento de partituras online através de uma comunidade virtual40. Após realizar
gratuitamente sua inscrição na rede social do Musescore, os usuários podem fazer uploads das
suas partituras e downloads de partituras diretamente dos perfis dos demais usuários. Também
é possível escutar o áudio das partituras diretamente do site, sem necessariamente realizar o
download do arquivo. O software também encontra-se disponível para smartphones, tablets,
etc. Refletindo sobre as características e funcionalidades do Musescore, Soares (2014, p. 416-
417) aponta que:
39
O software encontra-se disponível para download em: <https://musescore.org/pt-br>. Acesso em: 10/12/2016.
40
O acesso à comunidade virtual do Musecore pode ser realizado através do endereço:
<https://musescore.com/sheetmusic>. Acesso em: 10/12/2016.
390
41
Maiores informações sobre o pacote MS Office podem ser encontradas em:
<www.microsoftstore.com/BR/Office>. Acesso em: 10/12/2016.
391
A partir das reflexões tecidas ao longo deste subitem, entendemos que a aproximação
entre a disciplina de informática básica e as diversas disciplinas que compõem o eixo
profissional/musical do currículo, pode trazer ganhos significativos para a construção do
393
conhecimento e formação dos discentes. Apropriando-se dos recursos trazidos pelos softwares
apontados, os professores de música, desde os que lecionam disciplinas teóricas até aqueles
voltados à prática do instrumento musical, adquirem ferramentas extremamente valiosas para
o desenvolvimento de inúmeros conteúdos relacionados à teoria e percepção musical, história
da música, estética musical, interpretação, performance, improvisação, etc.
A partir dessa integração, o ensino da música é enriquecido com uma extensa gama de
novas ferramentas e possibilidades que proporcionam o contato concreto com timbres,
sonoridades, texturas, gêneros, formas, além de adquirir condições de, mesmo estando
sozinho, realizar performances “em grupo” através dos acompanhamentos que podem ser
elaborados em diversos softwares. Ainda torna-se possível que os estudantes gravem suas
performances para posteriores análises, o que proporciona um indubitável crescimento e
amadurecimento na formação musical. Portanto, ao associar o ensino e aprendizagem da
música às ferramentas tecnológicas atualmente disponíveis, podemos, além de proporcionar
contato com conteúdos tecnológicos, promover ricas vivências musicais.
O documento ressalta como responsabilidade que precisa ser assumida pelas Ciências
Humanas, frente à sociedade brasileira e aos estudantes do Ensino Médio, “a necessária
superação dos ‘anos de chumbo’ da história recente do País, com todas as suas conseqüências
nefastas para o convívio social e, em especial, para a educação” (BRASIL, 2000aIV, p. 8).
Partindo deste entendimento, destacamos como necessária a reflexão por parte dos docentes
acerca de ações como a já referida Lei nº 13.415/2017. Conforme discutido, o documento
configura explicitamente uma proposta que objetiva “flexibilizar” o currículo do Ensino
Médio, indo na direção contrária ao discurso dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio quando estes enunciam que “o momento, hoje, porém, é o de se estruturar um
currículo em que o estudo das ciências e o das humanidades sejam complementares e não
excludentes. Busca-se, com isso, uma síntese entre humanismo, ciência e tecnologia, que
implique a superação do paradigma positivista” (BRASIL, 2000aIV, p. 7).
Nesse sentido – e ainda fazendo referência à discussão realizada no Cap. 3, acerca da
importância do aspecto sócio-histórico inerente ao conhecimento produzido pelo ser humano,
onde nos apoiamos no conceito de “historicização” evidenciado por Saviani (2011) –
entendemos que a disciplina História caracteriza-se como estritamente essencial à formação
das próximas gerações. Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
ressaltam que:
42
Conforme Napolitano (2007, p. 155), “a música popular é fruto de um cruzamento da música ligeira com as
músicas tradicionais, das danças de salão com as danças folclóricas. Até aí nenhuma novidade, não fosse o
momento histórico que propiciou este encontro, marcado pela expansão da industrialização da cultura e pelo
surgimento das sociedades de massa. Portanto, não se trata de um cruzamento simples, de descendência direta,
mas de uma filha bastarda, um ‘logro’ recalcado da experiência cultural moderna como escreveu José Miguel
Wisnik”.
43
Moraes (2007, p. 8) destaca que “Gilberto Freyre é exceção no quadro historiográfico brasileiro. Infelizmente
o esboço, ainda que rarefeito, das relações entre música e trabalho historiográfico proposto por ele teve
continuidade muito dispersa e limitada entre os historiadores de ofício”.
396
44
Blomberg (2011) refere-se à obra “História da Música no Brasil”, cuja primeira edição data de 1981.
Conforme a autora, a “obra História da Música no Brasil recebeu sua sétima reedição recentemente em 2009 e é,
junto do livro de [Bruno] Kiefer, [intitulado História da Música Brasileira (1977),] a bibliografia utilizada como
referência nos cursos de nível superior de música pelo país (BLOMBERG, 2011, p. 419). Ainda segundo
Blomberg (2011, p. 425-426), a obra de Mariz, “é a uma ordenação de gerações de compositores à que ele
recorre ao organizar seus capítulos cronologicamente. Narra suas biografias dividindo-as em ‘fases de evolução’,
ou seja, elegendo e organizando as produções de acordo com o ‘amadurecimento do autor’. Paralelamente às
biografias identificou os períodos políticos: colônia, império até chegar à república, para então passar a combiná-
las com estilos: romantismo, nacionalismo, entreato dodecafônico, pós-nacionalismo, e um capítulo intitulado
‘outros valores’”.
397
45
Conforme Blomberg (2011, p. 418), Guilherme de Melo (1867-1932) publicou a primeira história da música
do Brasil, no ano de 1908, intitulada “A música no Brasil: desde os tempos coloniais até o primeiro decênio da
República”.
46
Renato Almeida (1895-1981) foi o autor do segundo livro abordando a história da música no Brasil, tendo
publicado em 1926 a obra “A História da Música Brasileira” (BLOMBERG, 2011, p. 418).
47
O periódico “Revista de História” é uma publicação do Departamento de História da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP e destaca-se como uma das revistas
especializadas em História mais antigas do Brasil, fundada no ano de 1950. O periódico pode ser acessado em:
<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/index>. Sobre a escassa publicação de artigos relacionados à Música na
Revista, conforme Moraes (2007, p. 9), “o número de artigos publicados relacionados ao tema [música e
história] ao longo dos seus cinqüenta anos não soma os doze sons da escala cromática: foram somente onze
textos, sendo oito deles de autoria de apenas três autores”.
398
Claro que esse relativo silêncio revela também a rarefação das investigações
em torno da música e as dificuldades em desenvolver pesquisas na oficina da
História até pelo menos a década de 1990. Essa situação repleta de
obstáculos é perfeitamente visível na trajetória docente e de pesquisador do
professor Arnaldo Contier. Em depoimento exclusivo para a Revista de
História ele apresenta e comenta as dificuldades enfrentadas pelo historiador
de ofício em tratar com o objeto sonoro. Durante anos ele foi uma espécie de
solista na formação de pesquisadores e na evolução deste novo campo de
pesquisa. (MORAES, 2007, p. 9)
Ainda sobre aquele contexto, especificamente o final dos anos 1980, momento em que
uma historiografia renovada da música começa a adquirir forma nos programas de pós-
graduação brasileiros, Napolitano (2007) assinala que:
[...] o contexto era marcado por um legado forte da área de letras (busca da
forma e do sentido poético das canções), sociologia (crítica aos padrões de
mercado, normalmente com base adorniana) e por uma história da música
popular que buscava as origens, o momento mais autêntico da tradição. Do
ponto de vista metodológico, pautava-se por uma mistura de narrativa linear
e tradicional (sucessão de obras, autores, gêneros e movimentos) e por um
marxismo mais ou menos mecanicista. (NAPOLITANO, 2007, p. 159)
História e na da Música, Moraes (2000, p. 206) indica que “alguns autores já há certo tempo
têm pregado a necessidade de compreender a história da arte integrada aos movimentos
sociais e históricos”. Nesse sentido, Pieroli (2007, p. 7) reflete que “parece ter sido bastante
comum nos últimos anos, a utilização da canção como fonte de pesquisa histórica e como
recurso didático em sala de aula, auxiliando o aluno na construção de seu conhecimento
histórico, a música permite a compreensão da nossa identidade e da história do nosso país”.
Nesta perspectiva, Chaves (2006, p. 94) salienta que “a música, seus compositores e
interpretes possibilitam uma construção do tempo que revela parte de nossa memória e da
História, elementos da cultura primeira que a escola, portadora e transmissora de um saber
elaborado, tem como tarefa reelaborar e sistematizar”. Caminhando em direção semelhante,
Abud (2005, p. 312) aponta que as letras de músicas populares configuram-se como
evidências de fatos históricos, entendendo que “elas são representações, não se constituem
num discurso neutro, mas identificam o modo como, em diferentes lugares e em diferentes
tempos, uma determinada realidade social é pensada e construída”. A autora ainda acrescenta
que as letras evidenciam “por meio de múltiplas configurações intelectuais como os diferentes
grupos constroem, contraditoriamente, a realidade social” (ABUD, 2005, p. 312). Refletindo
sobre o trabalho que pode ser desenvolvido nas aulas de História, Abud (2005) sinaliza que:
A música popular não deve ser compreendida apenas como texto, fato muito
comum em alguns trabalhos historiográficos que se arriscam por essa área.
As análises devem ultrapassar os limites restritos exclusivamente à poética
400
48
Sobre o impacto do processo de gravação (registro fonográfico) para o resultado final da obra musical,
Napolitano (2007, p. 156) indica que “uma canção veiculada pelo mercado fonográfico mobiliza um aparato
tecnológico imenso de execução e registro, um conjunto de profissionais que muitas vezes interferem
estruturalmente no resultado da canção, uma série de estratégias de veiculação em circuitos massivos”.
402
Ainda nesse sentido, o autor acrescenta que para o historiador o desafio consiste em
superar os temas já consagrados, tais como, compositores canônicos de MPB, a vanguarda e o
movimento tropicalista ou os aspectos histórico-sociais do samba. Napolitano (2007, p. 170)
compreende que outras temáticas histórico-musicais demandam pesquisas urgentes e aponta,
por exemplo, “os diversos gêneros pop que marcaram a cena musical brasileira [...], tampouco
as músicas populares não canônicas ou legitimadas (brega, axé, bolero etc.)”. O autor
acrescenta à lista de temáticas que ainda não foram contempladas com pesquisas acadêmicas
as seguintes possibilidades:
Quase nada se sabe sobre temas importantes, tais como: práticas de dança de
salão ao longo do século XX, a formação e ensino musical, a relação entre
televisão, cinema e música popular, os padrões de arranjo instrumental da
música brasileira, a crítica musical, o vídeo clip como linguagem audiovisual
e musical, o mercado de partituras e dos livretos de cancioneiros.
(NAPOLITANO, 2007, p. 170-171)
Concordamos com Napolitano (2007) quando este afirma que o Brasil caracteriza-se
como um dos países mais ricos em diversidade sonora do mundo, assim como um lugar
privilegiado na história da música popular do século XX, portanto, também fazemos nossas as
suas palavras ao afirmar que “dedicar-se à história da música, pensada em diálogo com a
história intelectual, social, política e cultural, é dar um passo a mais na compreensão da
própria sociedade e suas formas de auto-representação. E ainda há muito por fazer”
(NAPOLITANO, 2007, p. 171).
É de extrema importância ressaltar que as reflexões acima realizadas relacionam-se à
integração entre os conhecimentos musicais e históricos a serem trabalhados tanto nas aulas
da disciplina História, vinculada ao eixo de formação geral, quanto nas aulas de Música,
vinculadas ao eixo de formação profissional. Problematizando o contexto da disciplina
História da Música vinculada aos cursos de Música do Brasil, Blomberg (2011) afirma que:
O som é talvez um dos temas mais fascinantes tanto por sua diversidade
quanto por sua complexidade. A produção, a propagação e a percepção do
som envolvem conceitos físicos, biológicos, artísticos e psíquicos que
perpassam todas as áreas do conhecimento humano. Afinal, o que diferencia,
fisicamente, o barulho e o som musical? Quantas e quais sensações são
despertadas por uma seqüência de notas musicais em diferentes pessoas? Por
sua vez, no contexto da Física, o estudo da produção, propagação e
percepção do som introduz uma gama enorme de conceitos físicos: vibração,
freqüência, período, velocidade, comprimento de onda, energia, pressão,
ressonância, etc. Já no contexto artístico, conceitos como ritmo, harmonia,
tom, melodia e outros parecem em nada se relacionarem com os conceitos
físicos mencionados. Ademais, o estudo da audição humana nas aulas de
biologia quase sempre tem caráter essencialmente informativo, restringindo-
se, via de regra, à identificação das partes que compõem o ouvido e
descrições de suas funções básicas. Já é tempo de romper com este modelo
de ensino fragmentado e desarticulado. (RUI; STEFFANI, 2007, p. 2)
49
Conforme Cavalcante e colaboradores (2012, p. 103), “o tubofone é executado através da percussão na boca
do tubo. Os tubos abertos, como esses do tubofone, são capazes de ressoar em algumas frequências bem
definidas que dependem do seu comprimento”. Os autores indicam que para a construção do instrumento “serão
necessários os seguintes materiais: Canos de PVC; Conexões para canos de PVC; Cola para canos de PVC; Tinta
acrílica para a pintura do instrumento; Armação de MDF para suportar o instrumento” (CAVALCANTE et al.,
2012, p. 104).
406
[...] o som que escutamos quando batemos, com raquetes de tênis de mesa,
em uma das extremidades do cano é provocado pelas vibrações das colunas
de ar no interior do tubo. Essas vibrações podem ser estudadas como ondas
estacionárias resultantes da interferência do som enviado numa extremidade
com o som refletido na outra. Em uma extremidade aberta o som reflete-se
em fase, formando um ventre (ou antinó) e constituindo o que chamamos de
interferência construtiva. (CAVALCANTE et al., 2012, p. 105)
50
Conforme Gomes et al. (2010, p. 4), “para fazer uma flauta de Pã com sucata vamos precisar de um
compensado já serrado, mangueira, de preferência bem fina, 11 ponteiras de plástico, régua, serrinha, lixa,
pistola de silicone, e fitas coloridas azul, amarelo e vermelho”.
407
com tubos sonoros”51 na busca da caracterização de sons e abordagem dos princípios físicos
envolvidos nos fenômenos acústicos. Conforme as autoras, sua proposta de trabalho:
Refletindo sobre os aspectos físicos do violino que estão relacionados aos conteúdos
da Física, Donoso e colaboradores (2008, p. 10) analisam a construção do cavalete 52 e
apontam que sua principal função consiste em “transformar o movimento da vibração das
51
Conforme Coelho e Machado (2015, p. 211), “a escolha do móbile justifica-se por sua similaridade ao
carrilhão, instrumento musical utilizado nas orquestras sinfônicas e que, portanto, tem uma aplicação no
universo artístico-cultural e não se restringe ao plano especificamente científico. É um dispositivo de fácil
acesso, construído com material de baixo custo, presente no quotidiano”.
52
O cavalete caracteriza-se como uma peça de importância crucial para o funcionamento do instrumento pois
realiza o acoplamento entre as cordas e o corpo do instrumento, sendo portanto o único ponto de contato entre as
cordas e o tampo superior do instrumento.
408
cordas – paralela ao tampo superior – em forças aplicadas a cada um dos dois pés, as quais
atuam perpendiculares ao tampo superior do instrumento”. Ou seja, “sua função é ‘girar’ a
força transversal da corda vibrante em forças normais aplicadas ao corpo do instrumento”
(DONOSO et al. 2008, p. 10). Sobre a construção do cavalete, os autores assinalam que:
Sobre a “alma do violino” 54, os autores ressaltam que as pesquisas desenvolvidas pelo
físico francês Félix Savart no século XIX mostraram que sua função não se limitava a
transmitir as vibrações do tampo superior para o inferior. Conforme Donoso e colaboradores
(2008),
53
Conforme os autores, "enquanto as ressonâncias em 3000 Hz e 4500 Hz reforçam o som do instrumento
nessas frequências, a depressão entre as duas ressonâncias reduz o tom nasal indesejável na região entre elas”
(DONOSO et al. 2008, p. 11).
54
A alma do violino caracteriza-se como “um palito cilíndrico como um lápis que é colocado entre os dois
tampos logo abaixo da perna esquerda do cavalete” (DONOSO et al. 2008, p. 6).
55
As cravelhas estão localizadas no final do braço do violino e constituem uma peça metálica ou de madeira que
permite controlar a tensão aplicada a cada corda, retesando-a ou afrouxando-a, possibilitando que seja atingida a
afinação desejada. No Brasil, também é denominada de “tarraxa”.
409
Analisando a resposta acústica do violino, a partir dos modos de vibração dos tampos
do violino, Donoso e colaboradores (2008, p. 7) indicam que estes “precisam se comportar
como verdadeiras tábuas harmônicas, com modos normais de vibração cujas frequências
formam uma sequência harmônica (ou seja, que as frequências dos sobretons sejam múltiplos
inteiros de uma frequência fundamental)”. Sobre a natureza dos dois orifícios em forma de “f”
localizados no tampo superior, Donoso e colaboradores (2008, p. 8) indicam que estes
“permitem - em primeira aproximação56 - considerar a caixa do violino como um ressoador de
Helmholtz”. Os autores apontam ainda que:
Refletindo sobre a ação realizada pelo violinista de friccionar o arco nas cordas do
instrumento, movimento conhecido como “arcada”, e ainda sobre a influência da utilização do
breu57 no arco, os autores analisam as características físicas inerentes ao ângulo de inclinação
do arco e os coeficientes de atrito que caracterizam o movimento, ilustrando possibilidades de
trabalho a serem desenvolvidos nas aulas de Física:
56
“Com relação à aproximação de considerar-se a caixa do violino como um ressoador de Helmholtz, Bissinger
discutiu recentemente a correção na frequência deste modo por causa da compliância das paredes (análogo
acústico da capacitância no oscilador elétrico, e do inverso da constante da mola num oscilador mecânico). Esta
compliância é provocada pela pressão que atua contra as paredes (não mais consideradas rígidas) reduzindo o
amortecimento do sistema compreendido pela cavidade e as paredes da cavidade” (DONOSO et al. 2008, p. 8).
57
“Usa-se uma resina comumente designada de breu (não confundir com o breu de hulha extraído do carvão
mineral) para aumentar a capacidade de fricção entre a crina do arco de instrumentos de cordas. Formalmente
chamado de colofone, é uma forma sólida da resina obtida de pinheiros e de outras plantas coníferas. O produto
final é um sólido quebradiço, semitransparente, de cor amarelo escuro” (DONOSO et al. 2008, p. 15).
410
O som musical emitido por uma corda vibrante é determinado pelo tom
fundamental e seus parciais, ou harmônicos. A quantidade e a intensidade
dos harmônicos presentes na vibração da corda dependem da forma como
ela for excitada. A vibração da corda friccionada por um arco é diferente da
vibração de uma corda tangida, ou seja, puxada e depois solta. Ao beliscar
uma corda os parciais produzidos são ligeiramente inarmônicos, mas quando
a corda é friccionada a oscilação é auto-sustentada e a relação entre o tom
fundamental e seus parciais praticamente harmônica. Por este motivo seus
timbres também são diferentes. A forma da onda da corda excitada pelo arco
pode ser descrita por uma onda “dente-de-serra” modificada. Esta forma de
onda, muito encontrada em eletrônica, pode ser representada como uma série
de Fourier de ondas senoidais e tem como característica um espectro de som
rico em harmônicos. (DONOSO et al. 2008, p. 15)
58
O termo pizzicato caracteriza um modo de tocar os instrumentos de corda sem a utilizar o recurso do arco,
pinçando (“beliscando”) as cordas com os dedos.
411
[...] como uma maneira de dar concretude aos conceitos associados com a
acústica faremos uso da música através de instrumentos musicais, em
especial o cavaquinho, o que possibilita abordar este conhecimento por meio
de uma linguagem acessível para professores e estudantes do ensino médio,
com o intuito de aprofundar o ensino e a aprendizagem. (SILVA Jr.;
MILTÃO, 2015, p. 1)
Física, Jaime e Ponczek (2015) a partir de estudo que realizou análise 59 dos livros indicados
pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM)60 do ano de 2009
apontam que “um dos fatores que dificulta a visualização da relação entre Física e Música
pela sociedade em sua amplitude é a insuficiente discussão apresentada nos livros a favor
deste vínculo” (JAIME; PONCZEK, 2015, p. 8). Ainda apontando a ausência da música nos
materiais de Física, a partir da análise de livros didáticos voltados para a 8ª série do Ensino
Fundamental e para o 2º ano do Ensino Médio, Monteiro Jr. e Medeiros (1998) detectaram a
presença de distorções conceituais na apresentação dos conceitos relativos aos “atributos
psicofísicos do som” (conceitos de altura, intensidade fisiológica e timbre)61 e apontam que:
59
Para o desenvolvimento da sua pesquisa, Jaime e Ponczek (2015) propuseram a análise dos livros didáticos a
partir das categorias: Abordagem Epistemológica (AE), Abordagem Histórica (AH), Relação com o Cotidiano
(RC), Exercícios Propostos (EP), Poluição Sonora (PS) e Relação Física e Música (RFM).
60
Conforme Monteiro Jr. e Carvalho (2011, 141), “a partir de 2006, os livros didáticos de física do Ensino
Médio [público] passaram a ser avaliados pelo “Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE”
[...]. Tal avaliação é realizada por meio do programa nacionalmente conhecido como Plano Nacional do Livro
Didático do Ensino Médio – PNLEM. Tais livros passaram a ser aqueles recomendados pelo MEC para serem
adotados nas escolas. O processo de avaliação e recomendação inicia-se com as inscrições das editoras, as quais
apresentam suas obras para serem avaliadas [...]. Os livros que se enquadram no padrão de qualidade física são
então enviados para a Secretaria de Educação Básica do MEC, onde é feita a avaliação pedagógica por
especialistas [...]. Finalmente, os livros selecionados passam a compor o catálogo do PNLEM daquela disciplina,
onde podemos encontrar a resenha de cada livro, bem como o modelo do questionário guia. Os professores e
diretores de cada escola da rede pública fazem a escolha dentre os livros aprovados para cada disciplina. Tais
textos escolhidos são então adquiridos pelo MEC e enviados para a escola”.
61
Para efetuar a seleção dos livros didáticos a serem analisados, Monteiro Jr. e Medeiros (1998, p. 2) realizaram
“um levantamento entre os professores de ciências (8º ano do ensino fundamental) e física (2º ano do ensino
médio) dos títulos mais utilizados nas escolas do Recife”.
413
Ainda segundo Panitz (2012, p. 3), “as primeiras considerações que ligam a Geografia
moderna à expressão musical podem ser atribuídas à Friedrich Ratzel e seu discípulo Leo
Frobenius, etnólogo e arqueólogo africanista”. Nesse sentido, o autor assinala que:
62
“Estabelecendo áreas culturais a partir de uma espacialidade dos instrumentos musicais na África, Leo
Frobenius pode ser considerado o primeiro sistematizador do estudo entre espaço geográfico e música, que irá
influenciar toda uma geração de etnólogos e musicologistas” (PANITZ, 2012, p. 3).
416
63
Conforme o autor, no Brasil, as pesquisas que abordaram a interface da geografia com a música “demonstram
uma heterogeneidade de abordagens, usando a música para trabalhos de caráter humanista e abordagens culturais
renovadas, ou de enfoque econômico-social, ou como ferramenta para sala de aula. Em termos conceituais,
também, encontramos diversidade nas abordagens, ora focando-se na paisagem, ora no espaço geográfico, ora na
região, ora no território” (PANITZ, 2012, p. 14).
417
das pessoas” (BRASIL, 2006c, p. 53) – no qual ela é produzida e/ou tem sua performance
realizada. Sobre a importância dessa determinação ou influência geográfica exercida pelo
lugar, nos remetemos a Torres (2010, p. 54) quando este afirma que “pensar o lugar remete a
pensar em sua localização e em sua(s) história(s), assim como nas paisagens que este
comporta. O lugar comporta objetos e valores através dos símbolos, signos e significados. É
no lugar que as relações sociais ocorrem, e através delas os valores são compartilhados”.
Nesse sentido, conforme Furlanetto (2014, p. 13), “os sons marcam diferentes tempos e
lugares: vozes, sotaques, ruídos e músicas de determinados lugares fazem parte das sensações
ali experimentadas, das percepções ali adquiridas. Mediante a música e a linguagem a
comunicação se estabelece, os valores culturais são construídos e repassados. Portanto, a
paisagem sonora é cultural”.
Refletindo acerca do desenvolvimento e da expansão da “Geografia da Música” nas
últimas décadas, Panitz (2012), apoiado em Nash e Carney (1996)64, apresenta sete temas que
adquiriram relevância dentro da área:
64
NASH, Peter; CARNEY, George. The seven themes of musicgeography. Canadian Geographer, v. 40, n. 1,
p. 69-74, 1996. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1541-
0064.1996.tb00433.x/abstract>. Acesso em: 30/11/2016.
65
Exemplos: “áreas da cultura musical global; zonas musicais; áreas de polifonias naturais; influxos musicais na
Ásia e Europa desde a pré-história; trovadores dos séculos 12 e 13 e zonas de influência de notação neumática;
centros musicais da Idade Média; centros religiosos influentes na difusão da música ocidental na Idade Média
através do século 18; centros de difusão da polifonia ocidental nos séculos 15 e 16; viagens de Mozart, Handel e
Bach; centros de atividades musicais dentro e fora da Europa ocidental; localização de órgãos nas principais
igrejas da Europa” (PANITZ, 2012, p. 5).
66
A importância da eletrificação destaca-se especialmente “para a universalização da música popular, como o
jazz, o rock-and-roll, gospel, folk e tantas outras formas que não poderiam ser acessadas sem os meios de
comunicação como o rádio e a televisão, nem sem a eletrificação dos instrumentos” (PANITZ, 2012, p. 6).
420
67
CARNEY, George O. Geography of Music: inventory and prospect. Journal of Cultural Geography, v. 10,
n. 2, p. 35-48, 1990. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08873639009478446>.
Acesso em: 30/11/2016.
68
Segundo Panitz (2012, p. 4), “considera-se que Joaõ Baptista Ferreira de Mello tenha sido o precursor do tema
na geografia brasileira, com sua dissertaçao ̃ defendida na UFRJ em 1991. É a partir de autores como David
Seamons, David Ley, Antoine Bailly e Douglas Pocock, que Mello se inspira para interpretar a cidade do Rio de
Janeiro sob a ótica de seus compositores, no período de 1928 a 1991, trabalhando na perspectiva da canção como
uma ‘literatura musicada’”.
69
CASTRO, Daniel de. Heitor Villa-Lobos: a espacialidade na alma brasileira. 2009. 121f. Dissertação
(Mestrado em Geografia), Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio De Janeiro,
Rio De Janeiro, 2009.
421
Mesmo não tendo abarcado ainda todo o espectro da produção musical brasileira,
restringindo-se ainda basicamente à música popular, conforme destacou Panitz (2012), o autor
indica que “a diversidade de interesses apresentada pela geografia brasileira, e a indiscutível
riqueza musical do país, fazem deste campo de estudo um lugar fecundo para explorar o
espaço geográfico em suas mais diversas abordagens e já tem oferecido, sem dúvidas, novos
olhares para as relações entre espaço e cultura”. (PANITZ, 2010, p. 73).
Apresentando parte da produção brasileira que se caracteriza como riquíssimo material
para ser abordado em sala de aula pelos professores de Geografia e de Música, destacamos o
trabalho de Campos (2006) que traça um panorama dos climas da região Nordeste do país,
com destaque para o clima tropical semi-árido do interior da região. Em seu artigo, Campos
explica as características deste clima e algumas das manifestações musicais ligadas a ele. O
autor destaca ainda algumas letras da Música Popular Brasileira (MPB) que podem contribuir
em análises geográficas da área para os ensinos Fundamental e Médio. Por fim, aborda alguns
aspectos da região baiana denominada “Raso da Catarina”, na qual o clima se aproxima do
árido (CAMPOS, 2006).
Outra produção que propõe a integração entre Geografia e Música trata-se do trabalho
de Cardoso (2009) que realizou a análise das canções do compositor Itamar Assumpção70
buscando suas inter-relações com a Geografia, especialmente com a geografia que trata do
espaço urbano da cidade de São Paulo. Conforme Cardoso (2009, p. 34), “de forma poética e
carregada de simbolismos a poesia de Itamar Assumpção abarca questões trabalhadas pela
Geografia em suas distintas correntes e temáticas”. O autor ressalta que “a cidade de São
Paulo é recorrente na obra de Itamar Assumpção. A musicalidade e a poesia refletem uma
leitura e uma interpretação do urbano, na geografia da cidade e no cotidiano das pessoas”
(CARDOSO, 2009, p. 36). Corroborando com a compreensão das práticas musicais como
construções que refletem diversos aspectos da natureza humana, destacamos o argumento de
Panitz (2010, p. 76-77) ao indicar que “por fenômeno musical entende-se um conjunto e uma
interação de relações criativas, interpessoais, sociais, culturais, econômicas, espaciais e
históricas que se expressam no fazer musical”.
70
Conforme Cardoso (2009, p. 31), “Itamar foi um dos expoentes do momento da produção cultural paulistana
do início dos anos de 1980, cujas características de busca de novas linguagens e alternativa aos circuitos da
indústria cultural levou a crítica a lançar a expressão ‘vanguarda paulista’ para o conjunto de músicos,
compositores e instrumentistas que se lançavam naquele momento. Sua música atravessa os anos 90 e início dos
anos 2000, com uma vasta produção até sua morte em 2003”.
422
Essa aproximação entre Música e Espaço pode, pois, ser explicada do ponto
de vista da Nova Geografia Cultural por possibilitar a análise do Espaço por
meio da paisagem cultural dos lugares, perceptível tanto na Arquitetura, mas
também em produções simbólicas como a Literatura, as Artes Plásticas, o
Cinema, a Música, entre outros. É nesse sentido que lugares como a favela
podem, então, ser analisados no entrecruzamento com a canção popular
brasileira, à luz de letras de samba urbano carioca. (MACHADO, 2013, p.
58-59)
Outra produção que reflete acerca do contexto social brasileiro, especificamente sobre
a questão do “êxodo rural brasileiro”, ocorrido no início da segunda metade do século XX,
trata-se da pesquisa de Faustino (2007) que analisa as letras das músicas sertanejas (caipiras)
da época. O autor aponta o objetivo de compreender as transformações que ocorriam nas
estruturas sociais e nos valores tradicionais da população rural e define o repertório que
abordou como “músicas que eram compostas, interpretadas e, sobretudo, ouvidas pelas
pessoas que vivenciavam este êxodo rural e que também as cantavam concreta ou
424
A partir dos autores e discussões levantadas nesse subitem, entendemos que as áreas, e
consequentemente as disciplinas, da Geografia e da Música partilham de muitas questões que
podem ser analisadas e trabalhadas nas salas de aula dos docentes de ambas as áreas. É
importante ressaltar ainda que muitas das questões acima abordadas por autores da Geografia
também encontram-se recorrentemente presentes nas discussões da área da Música
especialmente em subáreas como a Etnomusicologia que dão atenção especial às relações
entre música, cultura e sociedade, caracterizando-se portanto como uma significativa fonte de
pesquisa para os docentes ligados à disciplina Geografia.
A partir das aproximações realizadas, esperamos contribuir para que a disciplina
Geografia ministrada no contexto da Educação Técnica Integrada em Instrumento Musical
proporcione uma ampliação significativa da percepção de mundo dos estudantes, situando sua
produção musical como estritamente conectada ao seu contexto social. Desse modo, cria-se
um contexto propício para a elaboração de reflexões acerca do impacto social das suas
práticas musicais bem como dos fatores sociais, culturais econômicos, etc., que de forma
direta ou indireta influenciam (ou determinam) suas vivências musicais.
426
Considerações Finais
obtiveram êxito no processo seletivo para ingresso no curso. Constatamos que a maior parcela
dos estudantes se aproximou da instituição motivada pela reconhecida qualidade da formação,
especialmente aquela de caráter propedêutico (formação geral). Podemos afirmar ainda que
para a grande maioria dos estudantes a escolha pelo Curso em Instrumento Musical, apesar de
estar relacionada com práticas musicais informais anteriores, não refletiu a intenção de
ingressar no mercado profissional tampouco prosseguir seus estudos musicais em nível
superior. No entanto, mesmo aqueles que indicaram que ao final do curso não optarão pela
carreira musical (profissional e/ou acadêmica), em sua grande maioria, apontam como
significativo o processo de formação vivenciado ao longo do curso. Esses ainda reconhecem
que a aproximação com alguma prática musical, mesmo que caracterizada como hobby,
permanecerá incluída em suas práticas cotidianas, seja junto às atividades religiosas, nos
encontros familiares ou ainda na prática instrumental individual ou realizada em grupos de
amigos.
Vale destacar ainda que, apesar de garantir vagas para egressos do sistema público de
ensino e vagas para portadores de necessidades especiais, por meio do sistema de cotas, o
atual processo seletivo para ingresso na instituição não apresenta mecanismos que garantam
ou contribuam para o ingresso daqueles candidatos que já possuem algum vínculo profissional
com a área na qual pretendem ingressar. Desse modo, podemos afirmar que o atual formato
do processo seletivo, por não contemplar conhecimentos musicais práticos e/ou teóricos, não
favorece o ingresso desses jovens (que precisam dividir o tempo de estudo voltado aos
conteúdos das disciplinas de formação geral com a realização de alguma atividade musical
profissional) o que de certo modo, contribui para a perpetuação da “dualidade invertida”. O
aprofundamento acerca desta questão demanda a realização de novas pesquisas que
compreendam efetivamente o perfil dos candidatos que não obtêm êxito no processo seletivo
para ingresso no curso.
Ainda refletindo acerca da relação entre a quase total ausência de jovens profissionais
no corpo discente e o processo seletivo para ingresso na instituição, apontamos que a partir do
momento que a Rede Federal de Educação Profissional indicou as bases contidas na atual
proposta integrada como eixo norteador das suas ações institucionais – justificando assim a
permanência das práticas profissionalizantes a partir da realidade socioeconômica brasileira –,
torna-se necessária a realização de uma série de adequações no interior das suas instituições,
dentre as quais destaca-se a reestruturação do processo seletivo para ingresso na rede visando
contribuir para uma menor incidência de fenômenos como a exclusão da classe trabalhadora
(dualidade invertida). Portanto, a presença de mecanismos que contemplem os conhecimentos
429
dos candidatos que possuem vínculo profissional com a área na qual pretendem ingressar
caracteriza-se como uma estratégia de fundamental importância para uma maior adequação do
IFPB frente ao seu papel político e social, visto que se trata de uma Instituição concebida
prioritariamente para a formação dos jovens trabalhadores, ou seja, da parcela da população
que precocemente necessita conciliar estudo e trabalho.
Acerca da formação ofertada pelos Institutos Federais (em seus múltiplos aspectos:
humana, musical, profissional), partimos do entendimento que quando os conhecimentos são
ofertados numa perspectiva efetivamente integrada, sua contribuição para a desejada
formação omnilateral dos sujeitos é substancialmente potencializada. Torna-se fundamental
ressaltar que a referida integração não pode ser compreendida restritamente como sinônimo
de “interdisciplinaridade”, pois não se limitando ao referido aspecto, a perspectiva integrada
contempla a função social do conhecimento no sentido de declaradamente objetivar a
transformação da realidade vigente sobretudo no que diz respeito às condições de vida da
classe trabalhadora. Nesse sentido, consideramos que as atividades musicais ofertadas ao
longo do curso não podem restringir-se na aquisição de habilidades exclusivamente técnicas,
tampouco os conhecimentos abordados nas diversas disciplinas da Formação Geral podem
adquirir uma formatação meramente “enciclopédica”, dissociada da realidade social, cultural
e política da nossa sociedade, visto que ambas as possibilidades não se aproximam do sentido
de formação pretendido pela atual proposta integrada que considera o trabalho como práxis
essencial no processo de humanização. Compreendemos desse modo que a efetiva integração
curricular amplia os sentidos e possiblidades dos conhecimentos adquiridos, contribuindo
para que a compreensão de mundo dos estudantes seja significativamente ampliada e
aprofundada. Nesse sentido, é necessário investir nas possibilidades de integração curricular
entre os conhecimentos advindos das disciplinas de formação geral e os conhecimentos
relativos às disciplinas presentes no eixo profissional, de caráter eminentemente musical,
tecendo reflexões que possibilitem uma ampla e profunda compreensão acerca das
interconexões que permeiam as questões históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas
presentes na nossa sociedade e no desenvolvimento da espécie humana como um todo.
Nessa perspectiva, entendemos que a Educação Profissional adquire seu real sentido
quando, desvinculando-se do seu historicamente sedimentado caráter tecnicista, colabora
efetivamente e substancialmente no desenvolvimento humano dos sujeitos a partir de uma
perspectiva omnilateral, promovendo a efetiva compreensão e apropriação dos conhecimentos
advindos da cultura geral e do mundo do trabalho.
430
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509
Apêndices
Prezado aluno,
Esse questionário faz parte do processo de reformulação do projeto do Curso Técnico Integrado ao
Ensino Médio em Instrumento Musical do IFPB. Neste momento, gostaríamos de conhecer melhor
nossos estudantes, por isso, sua participação é imprescindível!
João Pessoa, PB
Fevereiro/2013
Como surgiu seu interesse pela música? (questão) 01
03 Com que frequência você escuta música? Cite os três estilos musicais que você mais gosta:
Você estudou 08 Não 08.1 Onde? Com quem? Conte como era esse estudo.
música antes de
entrar no IFPB? Sim
Em quais dias você costuma tocar esse instrumento? Em que locais você toca esse instrumento?
(Ex: em casa, na igreja, na casa de amigos, no IFPB etc.)
12
Segunda Quarta Sexta
Domingo 13
Terça Quinta Sábado
14
Você tem seu Não
Tem previsão de comprá-lo?
14.1 Sim 14.1.1
Quando?
próprio
Há quanto tempo?
instrumento? Sim Não
14.2
Em quais dias você costuma estudar esse instrumento? Em que locais você estuda instrumento?
(Ex: em casa, na igreja, na casa de amigos, no IFPB etc.)
Segunda Quarta Sexta
15
Domingo 16
Terça Quinta Sábado
17 Sim 17.1
Você acha importante Por quê?
aprender teoria musical?
Não
18.1
De que
18 forma?
Você consegue aplicar Sim
os conhecimentos
de teoria musical
no seu instrumento? Não 18.2
Por quê?
19 Como foi sua forma de entrada aqui no IFPB?
Concorrência sem cotas Com renda menor PPI - Preto, pardo ou indígena
que 1,5 salário mínimo
Cota para aluno de escola pública Não declarei-me PPI
Com renda maior
PPI - Preto, pardo ou indígena
Cota para PNE - Portador de que 1,5 salário mínimo
Necessidades Especiais Não declarei-me PPI
Não
Atualmente, você realiza alguma Quais atividades? 22.2
atividade musical fora do IFPB? Onde?
22 Sim
Por que você escolheu estudar aqui no IFPB? Por que escolheu o curso técnico em instrumento musical?
23 (Pode marcar mais de uma opção) 24 (Pode marcar mais de uma opção)
Porque associa o ensino médio à formação técnica Para adquirir conhecimentos musicais
29 29.1
Você pensou
em algum momento
em desistir do curso? Por quê?
Não Sim
Por que
esse curso?
Sem escolaridade
37 Sem escolaridade
38 39
Até R$ 700
Ensino Fundamental Ensino Fundamental Entre R$ 700 e R$ 1.400
Ensino Médio Ensino Médio Entre R$ 1.400 e R$ 2.100
Ensino Superior incompleto Ensino Superior incompleto Entre R$ 2.100 e R$ 2.800
Curso: Curso:
Ensino Superior Completo Ensino Superior Completo Entre R$ 2.800 e R$ 3.500
Curso: Curso: Entre R$ 3.500 e R$ 4.200
Mestrado ou doutorado Mestrado ou doutorado
Entre R$ 4.200 a R$ 4.900
Não sei informar Não sei informar
Entre R$ 4.900 a R$ 5.600
Acima de R$ 5.600
Qual a profissão do seu pai? Qual a profissão da sua mãe?
Não sei informar
37.1 38.1
40 Quem mora com você? Quantas pessoas são sustentadas por essa renda?
39.1
1 pessoa 4 pessoas
2 pessoas 5 pessoas
3 pessoas Mais de 5 pessoas
41 Você tem alguma sugestão para melhorar o Curso Técnico em Instrumento Musical?
Obrigado
pela participação!
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso
Técnico em Instrumento Musical
Prezado candidato,
Esse questionário faz parte da pesquisa de Doutorado em Educação Musical desenvolvida pelo
estudante Italan Carneiro no Programa de Pós Graduação em Música da UFPB. O objetivo deste estudo
é conhecer os estudantes que se interessaram pelo curso integrado em Instrumento Musical do IFPB,
por isso, sua participação é imprescindível! Você vai precisar apenas de 20min para respondêlo,
aproximadamente.
Desde já, agradeço pela sua colaboração e desejo boa sorte na realização do processo seletivo!
*Obrigatório
Estilos musicais e artistas favoritos
1. Quais os três estilos musicais que você mais
gosta? Cite um artista ou banda para cada
estilo. *
Estilo 1
2. *
Artista favorito do estilo 1
3. Estilo 2 *
4. *
Artista favorito do estilo 2
5. Estilo 3 *
6. *
Artista favorito do estilo 3
Por que fez a prova do IFPB?
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 1/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
7. Como você conheceu o IFPB? *
8. Como descobriu o Curso Técnico em Instrumento Musical? *
9. Por que você quer estudar no IFPB? *
(pode marcar mais de uma opção)
Marque todas que se aplicam.
Porque é gratuito
A formação geral é de boa qualidade
É próximo da minha casa
Porque muita gente diz que é uma boa escola
A formação técnica é de boa qualidade
Tem uma boa preparação para o vestibular de música
Tem uma boa preparação para o vestibular sem ser de música
Foi indicação de colegas que já estudavam na instituição
Na verdade, eu nem queria ter feito a prova de seleção, queria estudar em outra escola...
Outro:
10. Pesquisou alguma informação sobre o curso técnico em Instrumento Musical antes de fazer a
inscrição? *
Marcar apenas uma oval.
Sim
Não Ir para a pergunta 12.
11. Quais informações pesquisou? Onde pesquisou? *
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 2/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
12. Caso não seja aprovado na seleção, você vai tentar a prova outra vez? *
Marcar apenas uma oval.
Sim
Não Ir para a pergunta 14.
13. Vai manter a escolha pelo curso de Instrumento Musical ou vai tentar outro curso? *
Marcar apenas uma oval.
Vou tentar Instrumento Musical outra vez!
Dessa vez, vou escolher outro curso...
Por que Técnico em Instrumento Musical?
14. Por que escolheu o curso técnico em instrumento musical ao invés dos outros cursos do
IFPB? *
(pode marcar mais de uma opção)
Marque todas que se aplicam.
Já atuo profissionalmente com música
Na verdade, eu queria cursar apenas o ensino médio (formação geral) mas não tinha essa
opção
Achei que era o curso que tinha mais chances de passar
Pretendo atuar como músico por hobbie
Achei que era o mais fácil de cursar
Pretendo, no futuro, trabalhar profissionalmente com música
Instrumento Musical era a opção "menos ruim" da lista dos cursos...
Pretendo fazer o vestibular para música
Outro:
Sobre o curso...
15. Quais você acredita que são os objetivos de formação do curso de Instrumento Musical? *
(pode marcar mais de uma opção)
Marque todas que se aplicam.
Não faço a menor idéia...
Ensinar a tocar todos os instrumentos
Formar maestros
Ensinar a tocar vários instrumentos
Ensinar a construir e consertar instrumentos
Ensinar a tocar apenas um instrumento
Formar músicos para atuar no mercado profissional
Preparar para o vestibular de música
Ensinar teoria musical
Outro:
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 3/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
16. Você sabe quais são os instrumentos disponíveis para estudar no curso? *
Marcar apenas uma oval.
Sim
Não Ir para a pergunta 18.
17. Onde descobriu quais eram os instrumentos disponíveis? *
18. Qual instrumento você pretende estudar no
IFPB? *
Sobre o exame do PSCT....
19. Se houvesse uma prova específica de instrumento musical ou conteúdos de música na prova
de seleção, você acredita que obteria um resultado melhor? *
Marcar apenas uma oval.
Sim
Não Ir para a pergunta 21.
20. Por que seu resultado seria melhor? *
Atividades musicais
21. Você já toca algum instrumento ou fez alguma atividade musical? *
Marcar apenas uma oval.
Sim, atualmente toco ou faço alguma atividade musical!
Sim, já toquei ou fiz alguma atividade musical mas atualmente estou afastado dessa
atividade...
Não, nunca fiz nenhuma atividade musical. Ir para a pergunta 29.
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 4/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
22. Qual instrumento você toca (ou tocou) ou qual atividade musical você realizou? *
23. *
Durante quanto você realizou essa atividade? Com que idade começou?
24. Por que você escolheu esse instrumento ou essa atividade musical? *
Como você se aproximou? Alguém influenciou? Quem?
25. Você já se apresentou em público fazendo música? *
Marcar apenas uma oval.
Sim
Não Ir para a pergunta 27.
26. Onde você se apresentou? Quando? Comente um pouco. *
27. Já ganhou algum dinheiro com música? *
Marcar apenas uma oval.
Sim, atualmente ganho!
Sim, ganhei mas atualmente não ganho mais...
Não Ir para a pergunta 29.
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 5/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
28. Onde ganhou dinheiro com música? Quando? Comente um pouco. *
29. Você já estudou música? *
Marcar apenas uma oval.
Sim
Não Ir para a pergunta 32.
30. Onde você estudou música? Com quem? *
Com professor? Na escola regular? Sozinho? Conte um pouco como era esse estudo...
31. Durante quanto tempo? *
32. Possui instrumento(s) próprio(s)? *
Marcar apenas uma oval.
Sim
Não Ir para a pergunta 34.
33. Que instrumento(s) você possui? *
Estamos terminando, fale agora um pouco sobre você!
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 6/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
34. Qual a sua idade? *
35. Qual seu sexo? *
Marcar apenas uma oval.
Masculino
Feminino
36. Onde você mora? *
Cidade
37. *
Bairro
38. Qual a escolaridade do seu pai? *
Marcar apenas uma oval.
Sem escolaridade
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Ensino Superior incompleto
Ensino Superior completo
Mestrado
Doutorado
Não sei informar
39. Qual a escolaridade da sua mãe? *
Marcar apenas uma oval.
Sem escolaridade
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Ensino Superior incompleto
Ensino Superior completo
Mestrado
Doutorado
Não sei informar
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 7/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
40. Qual a renda mensal da sua família? *
Marcar apenas uma oval.
Menos do que R$ 788 (salário mínimo)
R$ 788 (salário mínimo)
Entre R$ 788 e R$ 1.576
Entre R$ 1.576 e R$ 2.364
Entre R$ 2.364 e R$ 3.152
Entre R$ 3.152 e R$ 3.940
Entre R$ 3.940 e R$ 4.728
Entre R$ 4.728 e R$ 5.516
Entre R$ 5.516 e R$ 6.304
Entre R$ 6.304 e R$ 7.092
Entre R$ 7.092 e R$ 7.880
Acima de R$7.880
Não sei informar
41. Quantas pessoas são sustentadas por essa renda? *
Marcar apenas uma oval.
1 pessoa
2 pessoas
3 pessoas
4 pessoas
5 pessoas
6 pessoas
7 pessoas
8 pessoas
9 pessoas
10 pessoas
Mais de 10 pessoas
42. Quem mora com você? *
(Exemplo: Pai, Tio, Avó, Mãe, 2 irmãos, etc.)
Muito obrigado por responder esse questionário! Suas
informações são muito valiosas para a pesquisa!
https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 8/9
4/17/2017 Pesquisa com os inscritos no PSCT 2015 para o Curso Técnico em Instrumento Musical
43. Caso esteja disponível para participar das etapas posteriores da pesquisa, digite abaixo seu nome
completo, telefone para contato e email.
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https://docs.google.com/forms/d/1rBlA2xaoWL9cVZ9ZRyKh8rTfAoc3Dh25SvI1lBMZCgE/edit 9/9