A Rapariga No Espelho Rose Carlyle Full Chapter Free

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A rapariga no espelho Rose Carlyle

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Título: A rapariga no espelho

Autor: Rose Carlyle

Publicação: Barcarena: Marcador, 2021

Assunto: Literatura neozelandesa. - Thrillers

Paginação: 278 páginas numeradas em rodapé

Digitalização: João Vila Verde

Revisão: Ana Colares

Edição digital da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo

www.biblioteca.cm-viana-castelo.pt

E-mail: [email protected]

Tel.: 258809340

Por força do código dos direitos de autor e dos direitos conexos, esta obra destina-
se unicamente a pessoas com necessidades específicas e não tem fins comerciais.

Capa:

Bestseller internacional

Rose Carlyle

A rapariga no espelho

Duas irmãs. Idênticas por fora, perigosamente diferentes por dentro.


Contracapa:

As gémeas íris e Summer são lindas e surpreendentemente parecidas. No entanto,


para lá do que os olhos veem, existe uma escuridão que as diferencia. Cínica e
insegura, íris inveja há muito a boa sorte aparentemente interminável de Summer,
incluindo o seu marido perfeito, Adam.

Convocada para a Tailândia a fim de ajudar a navegar o iate da família até às


Seychelles, íris alimenta as suas próprias esperanças secretas em relação ao que
pode acontecer na viagem. Mas quando se encontra inesperadamente sozinha no
meio do Índico, tudo muda.

[Agora é a sua oportunidade de ficar com a vida idílica que (sempre cobiçou. Mas
até onde irá para conseguir atingir o seu objetivo? E como vai certificar-se de que
ninguém descobre a verdade?

«Imperdível. Um romance como um triatlo: parte thriller, parte policial, parte


drama familiar. Se juntarmos Knives Out: Todos São Suspeitos e Pagos a Dobrar
no liquidificador e acrescentarmos um pouco de Calma de Morte, obtemos um
cocktail como A Rapariga no Espelho: fresco, saboroso e inebriante.»

Badana da capa:

As gémeas Iris e Summer são quase idênticas, mas Iris inveja há muito a
fantástica vida de Summer. Quando esta pede a Iris que vá à Tailândia para ajudá-
la a levar o Iate da família até às Seychelles, Iris alimenta esperanças secretas
sobre o que pode acontecer na viagem.
Porém, depois de um incidente perturbador no meio do Índico, tudo muda e Iris
tem a possibilidade de levar a vida com que sempre sonhou – e de se aproximar
da herança de cem milhões de dólares deixada pelo seu pai manipulador. Só
precisa de garantir que é a primeira dos sete filhos a cumprir as estranhas
condições do seu testamento. Entretanto, descobre que Summer guardava mais
do que um segredo, e a sua vida começa a oscilar entre o sonho e o pesadelo.
Numa família em que o vencedor fica com tudo, em quem pode ela confiar? E até
onde irá para conseguir a vida que sempre quis?

Um thriller viciante sobre ganância, luxúria, segredos e mentiras mortais.

Badana da contracapa:

Rose Carlyle é «advogada e uma aventureira entusiasta. Fez parte da tripulação de


expedições científicas marítimas às ilhas suhantár-licas e, durante um ano, viveu a
bordo do seu próprio veleiro no oceano Índico, navegando entre a Tailândia e a
Africa do Sul, via Seychelles. Fm 2020, foi residente no Michael King Writers
Centre. Vive em Auckland com os três filhos. A Rapariga no Espelho é o seu
primeiro romance.

ROSE CARLYLE

A RAPARIGA NO ESPELHO

Tradução de Carmo Vasconcelos Romão

MARCADOR
[email protected]

www.pmenca.pt/collections/marcador Facebook .com/marcadores i


tora instagram.com/marcador editora

© 2021

Todos os direitos relativos à chancela Marcador encontram-se


reservados para a Editorial Presença, S. A.

Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena

The GirI in the Mirror - © 2020 por Rose Carlyle

Edição portuguesa publicada por acordo com Allen & Unwin Pty Ltd
através de Internacional Editors' Co.

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em


qualquer forma sem permissão por escrito do proprietário legal.

Título original: Te GirI in the Mirror Autora: Rose Carlyle Tradução


Carmo Vasconcelos Romão

Revisão: Inês Guerreiro/Editorial Presença

Capa: Vera Braga/Marcador Imagens da capa. Shuttcrstock

Pré-impresso, impressão e acabamento Multitipo - Artes Gráficas,


Lda.

Depósito legal n.º e 480 137/21

1ª edição, Lisboa, abril, 2021


memória do meu irmão, David Carlyle

PRÓLOGO

Durante os primeiros doze dias das nossas vidas, fomos apenas uma
pessoa. A inteligência do nosso pai e a beleza da nossa mãe,
enredadas num embrião abençoado, o único herdeiro da fortuna dos
Carmichael.

No décimo terceiro dia separámo-nos. Quase demasiado tarde. Mais


um dia e a separação teria sido incompleta. Eu e Summer teríamos
sido gémeas siamesas, talvez partilhando órgãos essenciais,
enfrentado a decisão entre vivermos ligadas e uma separação
cirúrgica que poderia deixar-nos mutiladas.

Como tal, a nossa rutura foi imperfeita. Talvez pareçamos idênticas,


mais do que a maioria das gémeas, mas somos gémeas--espelho,
imagens de espelho uma da outra. As mínimas assimetrias do rosto
da minha irmã — a sua face direita mais cheia e o meu malar mais
elevado — são reproduzidas do lado esquerdo do meu rosto. As
outras pessoas não se apercebem das diferenças, mas, quando me
olho ao espelho, não me vejo a mim, vejo Summer.

Quando tínhamos 6 anos, o nosso pai tirou uma licença sabática da


Carmichael Brothers, e a família subiu de barco a costa leste da
Austrália até ao Sudeste Asiático. Wakefield, a nossa cidade natal, é
o último sítio onde se pode nadar antes de entrarmos no território
dos crocodilos, de modo que eu, Summer e Ben, o nosso irmão mais
novo, passámos grande parte do tempo da travessia a brincar dentro
do barco.
9

Eu gostava de tudo no Bathsheba. Era uma chalupa feita por


encomenda, com um casco esguio de alumínio, equipado com as
melhores madeiras — convés de teca, móveis de carvalho —, mas
aquilo que mais apreciava era o original espelho duplo da casa de
banho. O construtor colocara dois espelhos num canto, em ângulos
certos e com tal cuidado que eu mal discernia a linha de interseção.
Quando olhava a direito para qualquer desses espelhos, via a
Summer, como de costume. Mas, quando olhava entre eles, depois
dessa linha, em direçâo ao canto, via uma imagem não invertida. Via
o meu verdadeiro eu.

— Quando for grande, vou pôr um destes espelhos em minha casa


— anunciei a Summer, observando a solene menina loura do espelho
pronunciar as palavras em uníssono com a minha voz.

Summer pôs uma mãozinha no meu peito.

— Mas, íris, pensei que gostasses de fingir ser a da direita, a outra...


o oposto — disse.

— Os espelhos não alteram o que está dentro de nós — empurrei-


lhe a mão. — Além disso, o meu coração está do lado direito.

Éramos o caso mais extremo de gémeos-espelho que os médicos


haviam visto. Não eram as diferenças faciais, que mal se detetavam
sem um compasso. Quando era bebé, tinham feito ecografias ao
meu abdómen, e o meu fígado, pâncreas, baço e todos os órgãos
estavam do lado contrário do corpo. Foi assim que os médicos se
aperceberam de que nos tínhamos separado tão tarde. Quando, em
repouso, observava o meu peito nu, era o lado direito que subia e
descia numa palpitação rítmica, prova de que o meu coração não
estava no lugar certo.
Porém, dentro de Summer, tudo se encontrava como devia ser.
Summer era perfeita.

10

PARTE I - IRIS

1. O ESPELHO

Acordo na cama da minha irmã gémea. Tenho a cara amassada


entre as almofadas fofas cobertas de algodão branco. Sinto-me de
novo criança, a trocar de lugar com ela. Porém, tudo mudou, já
somos adultas, e esta é também a cama de Adam.

Dou meia-volta e examino o quarto de casal. É tudo


desproporcionado e exuberante; as cores são cremosas e etéreas,
mas o tapete é cor de pêssego maduro. Há algo ilícito em estar ali,
embora Summer e Adam se encontrem a muitos quilómetros de
distância e já nem sequer na Austrália. Alguém deve ter mudado os
lençóis desde o dia em que partiram, mas ainda sinto o cheiro dela.
O aroma a coisas inocentes: a bronzeador, a maçãs e a praia.

Aquele quarto tem o cheiro de Summer, por isso é chocante que não
tenha sido ela a escolher o mobiliário. Adam era o dono da casa
quando Summer casou com ele, pouco tempo depois da sua
primeira mulher, Helen, ter morrido. O quarto parece exatamente
igual ao dia do casamento, no ano passado. Era como se a minha
irmã se tivesse moldado na vida que a outra mulher deixou atrás de
si.
Summer é extremamente despreocupada.

A cama enorme está aninhada numa janela saliente com uma vista
extraordinária para Wakefield Beach. Sento-me com dificuldade — a
cama é demasiado fofa — e encosto-me à cabeceira de mogno
banhando o rosto na luz do sol nascente. O azul-turquesa

13

do mar de Coral mistura-se com os fragmentos dourados dos raios


de sol. Apetecia-me estar dentro de água neste preciso momento, a
nadar dentro daquelas cores. Há algumas coisas que preciso de
lavar.

Daqui empoleirada na beira do rochedo, virada numa determinada


direção, vejo o rio Wakefield, a norte da cidade, atravessando a terra
como uma ferida. Summer sempre adorou este rio, embora, como
local de criação de crocodilos de água salgada, não seja próprio para
nadar. Gosta de olhar para ele em segurança, da ponte que o nosso
pai construiu para o atravessarmos e que foi o seu primeiro projeto.

Noutra direção, uma praia imaculada estende-se de norte a sul,


selvagem e aberta às ondas do oceano. A meio, voltada para ela,
uma mansão em falso estilo vitoriano com um toque bizantino,
parece reduzir a dimensão das outras casas à beira-mar. Foi nessa
casa que crescemos; foi pelo menos onde vivemos até o nosso pai
morrer.

A minha mãe, Annabeth, ainda deve estar a dormir no quarto de


hóspedes, de maneira que é a oportunidade certa para ir espreitar
os despojos de Summer. Se estivesse a tomar conta de uma casa,
não iria ficar confinada ao quarto de hóspedes, mas Annabeth adora
mostrar-se sem pretensões. Tentou impedir-me de vir dormir para
aqui, quando cheguei ontem, já tarde, mas não consegui resistir.
Saio com dificuldade da cama alta e esfrego os pés descalços no
tapete espesso. Março ainda é o pino do verão em Wakefield, e,
enquanto ando pelo quarto, o ar quente beija o meu corpo nu.
Ontem, por esta hora, estava nas montanhas da Nova Zelândia,
onde o inverno já gelava o ar da manhã.

Uma parede do closet está coberta com os vestidos de Summer, um


arco-íris de seda e renda. Surpreende-me que ainda tenha as
gavetas cheias de lingerie, apesar de ela e Adam estarem a planear
ficar fora um ano inteiro. A lingerie é típica da minha irmã, inundada
de rosas, de estilo modesto, mais apropriada a uma pré--
adolescente do que a uma mulher casada de 23 anos. a quantidade
é imensa; certamente não repararia se metade desaparecesse —
não que sonhasse sequer roubá-la. Creio que não conseguiria enfiar
toda a roupa no veleiro.

14

O veleiro. Bathsheba. Eis o cerne da questão. É por isso que me


sinto como se eu e Summer tivéssemos trocado de lugares. Porque
Summer está no Bathsheba. E o Bathsheba não é meu, nunca foi,
nunca será, mas sinto que deveria ser. Sinto-me como se ela
estivesse a dormir na minha cama, no meu veleiro.

Summer nunca gostou do Bathsheba, mas agora o Bathsheba é-a


casa dela. Ela e Adam compraram o veleiro. Compraram-no
legalmente, da herança do nosso pai, e agora são os seus
proprietários, tal como da casa onde agora me encontro.

E eu? O que tenho? Uma conta bancária a encolher, uma aliança que
já não quero, alguns móveis que deixei na Nova Zelândia. Um piano
em que nunca mais tocarei. De qualquer forma, foi um instrumento
barato. Summer e Adam têm um melhor.
Pego num conjunto de sutiã e calcinhas, tão inocente que quase
parece pornográfico. Algodão amarelo, tresanda a colégio interno, a
sticks de hóquei e a banhos frios. O sutiã é um 38, e eu uso o 36,
mas creio que me serve. Visto as calcinhas, quero ver como a
Summer fica com elas.

Enquanto aperto o sutiã, o telefone toca numa parte longínqua da


casa. Annabeth vai acordar. Creio que terei de a enfrentar, a ela e às
suas perguntas acerca das razões que me trouxeram aqui. Ontem à
noite fingi estar muito cansada.

Mal tenho tempo de pensar antes que Annabeth chegue ao pé de


mim.

— Aqui está ela — diz a minha mãe para o auscultador, enquanto se


pavoneia pelo quarto numa camisa de dormir desleixada, o cabelo
frisado e fios grisalhos. Está numa idade em que precisa de
maquilhagem e produtos capilares para conseguir a beleza com que
dantes acordava; agora não está no seu melhor. — Não, não, já está
acordada. Adoro o sutiã de algodão, íris. A Summer tem um igual. —
Olha--me, sonolenta, com os seus olhos míopes. Põe o auscultador
mesmo diante da cara, como se eu só conseguisse vê-lo debaixo do
nariz.

Agarro no telefone e enxoto Annabeth do quarto.

— Fecha a porta quando saíres — peço.

Quem me ligaria? Quem saberia que estou de volta à Austrália e,


ainda por cima, em casa da minha irmã?

15

— Estou? — A minha voz parecia acobardada, como se tivesse sido


apanhada onde não devesse estar.
— íris! Graças a Deus estás aí. É a Summer — tinha a voz
entrecortada por soluços. — Tens de me ajudar. Estamos metidos
em sarilhos. Só tu nos podes ajudar.

Não consigo concentrar-me porque fiquei a pensar se o comentário


de Annabeth acerca do sutiã não me teria denunciado. Por vezes,
Summer é extremamente ciosa das suas roupas, mas a minha irmã
não parece ter ouvido. Está a dizer qualquer coisa acerca de Adam e
de que ele precisa de mim, de que Adam precisa de mim. Adam
quer que ela diga que a ideia foi dele e reza para que eu aceite.

Olho para o varão das camisas brancas de Adam. Cada uma contêm
a forma dele, como se uma fila de Adams invisíveis as tivesse
vestido aqui no guarda-fato, ao pé de mim. As camisas são grandes
no peito e têm as mangas muito compridas. Aproximo uma do rosto.
Cheira a cravinho. Consigo ver Adam de camisa branca, impecável, a
sua pele mais escura a brilhar.

— Coitadinho. Tem a pilinha inchada e vermelha, e está a verter


qualquer coisa. É horrível. O prepúcio está muito esticado. E está
sempre a chorar.

Mas que diz ela? Sinto-me impaciente. Somos gémeas, mas não
temos esse tipo de relação. Nunca ouvi Summer descrever um pénis,
muito menos o do marido. Que raio se passará com ele?

— O pior é quando tem uma ereção. É atroz. Os bebés têm ereções,


sabias? Não é nada sexual.

Os bebés?

— Espera — digo eu. — Estás a falar do Tarquin}

— De quem haveria de estar a falar?

Silêncio.
Tarquin, a outra coisa de que Summer se apropriou quando Helen
morreu, juntamente com a casa de Helen e o marido de Helen. O
bebé.

Agora Summer é mãe de Tarquin. Adam e Summer concordaram que


Tarquin merecia uma família normal, de modo que o menino chama
«mamã» a Summer ou pelo menos chamará quando aprender a
falar.

16

— Summer, eu sei que os bebés do sexo masculino têm ereções

— digo. — Temos um irmão mais novo, sabes? Já vi essas coisas.

Summer conclui sempre que eu não sei nada acerca de crianças

e explica-me que precisam de um banho diário, de uma hora de


deitar certa ou de algo igualmente fascinante, como se eu fosse
idiota. A última coisa em que quero pensar é na pilinha do Tar-quin,
principalmente se estiver a deitar líquido.

— Podes crer que nunca viste nada assim — diz Summer.

— Está a tornar-se perigoso. A infeção pode espalhar-se. Os médicos


disseram que pode perder o pénis. Que pode morrer. — Esta palavra
vem com um soluço. — Precisa de uma cirurgia. De uma circuncisão
de emergência. Não podem mandá-lo de avião para casa. A cirurgia
vai ser aqui mesmo, em Phuket. Estamos num hospital internacional.

Summer fala em voz rápida e trémula. Tenta alcançar um equilíbrio


entre gritos histéricos e um mar de lágrimas. A minha gémea
normalmente é segura e graciosa, ao passo que eu sou nervosa e
desajeitada, mas, quando a situação é desesperada, sou eu que a
acalmo.
Assumo imediatamente o meu papel. Penduro de novo a camisa de
Adam e aliso-a para que não se possa dizer que alguém lhe tocou.

— Um hospital internacional parece-me bem-digo.

— Sim — diz ela. — Têm sido muito simpáticos connosco.

— Ainda bem, e ainda bem que ligaste — respondo. Digo «bem»


como um mantra, para acalmar Summer. — Claro que te posso
ajudar. Ainda não disseste à Annabeth?

— Não consegui... — A voz de Summer estremece de novo.

— Posso dizer-lhe. Ela pode ir hoje de avião para Phuket. Não me


importo de tomar conta da casa por uns dias.

Não houve resposta.

— Durante o tempo que tu e o Adam precisarem — acrescento,


generosa.

— Não, não, íris, precisamos de ti, não da mãe.

Sinto a cabeça a zumbir. Summer precisa de mim. Adam precisa de


mim. Mas porquê? Não tenho jeito para bebés. Tarquin tem

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pais. Seja como for, os únicos pais que conhece. Para que precisam
de mim?

Imagino-me na Tailândia, a pavonear-me pela Marina Real de Phuket


com a sua fiotilha de superveleiros, a beber cocktails. Dos fortes,
não dos cocktails sem álcool que o meu pai nos comprava quando
éramos miúdos. Certamente nem todos os donos dos iates querem
namoradas tailandesas. Alguns devem preferir as louras.
Mas em que estou a pensar? Tarquin está doente. Parece que tem o
pénis a apodrecer. Não vai haver tempo para beber ou para
namoriscar. De certeza.

— Estamos numa grande alhada, íris, e não podemos contar a


qualquer pessoa. Apenas a alguém em quem confiemos a cem por
cento. — Summer faz uma pausa.

— Bem, claro que me podes contar tudo — digo.

— Claro — concorda Summer. — Só estou a dizer que tens de


guardar segredo. O problema é que a nossa licença de permanência
do Bathsheba já expirou. Já o declarámos fora da Tailândia.
Estávamos prontos para partir, mas as praias aqui são tão
maravilhosas. Pensámos passar cá mais uma ou duas semanas, num
ancoradouro calmo, e ninguém saberia. Nunca imaginámos que o
Tarquin adoecesse. Se a alfândega descobre que o Bathsheba ainda
está na Tailândia, apreende-o. As pessoas são maravilhosas, mas há
muita corrupção.

Summer fala de corrupção como se fosse uma doença, como a


malária, de que os pobres tailandeses sofrem sem ter culpa. Mas
estou mais interessada em saber o que se passa do que em
argumentar com ela.

— Que queres então que faça?

— Oh, maninha, nem sei como te pedir este enorme favor. O Adam
é bom marinheiro, mas praticamente nunca navegou sem ter a costa
à vista. Sabes como é difícil no mar alto. É uma distância grande até
às Seychelles, pelo menos duas semanas, e aproxima-se o fim da
estação. Os tufões começam em abril, mas, de qualquer forma, não
podemos esperar até lá. Precisamos de retirar já o Bathsheba da
Tailândia. E sempre foste uma excelente marinheira, íris. Pagamos-te
a passagem de avião, claro, e o Adam diz que podes fazer só os
quartos de vigia que quiseres.
18

Enquanto Summer fala, volto ao quarto dela e aproximo-me da


janela. A água cintila ao longe, rodopiando em volta das rochas
branqueadas pelo sol. Nem consigo acreditar nas palavras da minha
irmã. É demasiado bom para ser verdade. Dissolvo-me no vidro e
sinto-me voar sobre o oceano transformado num alegre tom de água
marinha.

Agora é Adam que fala lá ao fundo. Terá estado a ouvir o tempo


inteiro?

— Diz-lhe que faço as vigias noturnas — diz naquela voz profunda,


salpicada com a cadência das Seychelles. A voz dele agora é mais
baixa. Aproximo o telefone um pouco mais do ouvido e fecho os
olhos, esforçando-me por escutar.

— Podes não acreditar, mas a íris gosta de navegar de noite — diz


Summer. Quando fala com Adam, a voz dele torna-se brincalhona,
suave, líquida. Não admira que quase não suporte estar na mesma
divisão que ela e o marido.

Mas parece que não terei de passar muito tempo com os dois.
Aparentemente, o plano parece ser a Summer ficar em Phuket com
o Tarquin e as suas partes genitais supurantes, enquanto eu
abandono o meu emprego falhado, o meu casamento falhado e a
minha vida falhada para navegar pelo oceano Índico no veleiro que
adoro desde a minha infância. E quem me acompanhará? O meu
cunhado, o rico, belo e carismático Adam Romain.

Imagino-me a navegar pelas Seychelles, uma região de sonho, de


coqueiros e praias tranquilas, mas não como mera turista ou porque
o meu marido é de lá, por isso será de certo modo um regresso a
casa.
Bem, neste caso, não será o meu marido. Cunhado. Mesmo assim...

— Claro que quero ajudar-te — digo. — Mas tenho uma série de


entrevistas programadas. — Não é verdade; ainda nem sequer
comecei a procurar. Tenho tentado imaginar como explicar aos meus
eventuais empregadores as razões para ter deixado o meu último
emprego. — E muitas contas para pagar.

A voz de Summer regressa num tom mais baixo.

— Cobrimos tudo — diz. — Passagens de avião, dívidas que tenhas,


tudo aquilo de que precises. Desculpa, íris, sei que as coisas

19

têm sido difíceis para ti, com a partida do Noah. Sei que não é justo
estar a pedir. Se não estivesse desesperada. Se não estivéssemos
desesperados...

É raro Summer precisar do que quer que seja. Toda a vida se


contentou com o que tinha, com a sua sorte. Como qualquer pessoa
se contentaria se tivesse tido a sorte de Summer. Mas não posso
esticar-me mais. A minha irmã parece verdadeiramente infeliz — e
dali a instantes poderá pensar em pedir a outra pessoa.

— Está bem-digo. — Faço isso por ti, maninha.

Summer solta um pequeno guincho ao telefone.

Fazem-se os planos em poucos minutos. Adam descobre um voo


direto através do smartphone. Saio de Wakefield nessa manhã.
Tenho uma hora para fazer a mala e para informar a minha mãe,
antes de partir para o aeroporto. Estarei em Phuket ao fim da tarde.
Estarei no Bathsheba.
Adam participa na chamada para falar comigo.

— Qual é a tua data de nascimento? Oh, que estupidez, claro que


sei. E o teu segundo nome? É o mesmo da Summer?

— Não tenho segundo nome.

— Sério? Só íris? OK. É simples. Curto e bonito. Espera aí, queri...


íris... o site está a confirmar a marcação.

Será que quase me chamou querida? A ideia exerce um efeito


profundo sobre mim. Sinto-o no corpo. Coro de vergonha; na
verdade, devia despir a roupa interior que pertence a Summer.

Mas Adam despede-se. Lá ao fundo, Summer pergunta pelas vacinas


de Tarquin, mas Adam não sabe responder-lhe. É sempre tão vago
que faz com que me pergunte como diabo consegue administrar
uma agência de viagens. Summer tem de se encarregar da
organização da vida de ambos. Ele entrega-lhe o telefone, e

ela pede-me que lhe mande o boletim de vacinas de Tarquin por e-


mail. Depois desliga.

É fácil encontrar o boletim. Summer tem-no arquivado no guarda-


fato. Fico espantada com a sua organização extrema. Encontro aqui
toda a vida dela por escrito, há até uma pasta com uma etiqueta a
dizer «Adam: Refeições preferidas». Quando a retiro da

20

prateleira, cai um manual de sexo. 0 Kama Sutra do Milénio. Parece


muito usado.

Poderia ficar a folheá-lo o dia inteiro, mas tenho de me apressar.


Tenho de me vestir, de comer qualquer coisa, de falar do plano a
Annabeth. A minha mãe mal deu pelo meu súbito aparecimento, e já
estou prestes a desaparecer. Ficará também assustada com a
história de Tarquin. Trata o miúdo como se fosse o seu verdadeiro
neto.

Primeiro entro na casa de banho para ver Summer na sua modesta


lingerie de algodão. E é então que me apercebo da única coisa que
ela alterou nesta casa.

Os dois painéis de espelho devem ter custado um balúrdio, e foi


provavelmente uma operação complicada instalá-los ali. Parecem
maiores do que a porta. Foram colocados com grande cuidado. O
ângulo é exato, a união quase invisível. Ainda melhor do que o do
veleiro.

Não me incomodaria, não me consumiria as entranhas, se Summer


tivesse desejado genuinamente um espelho duplo. Somos gémeas;
não a posso censurar por desejar as mesmas coisas que eu. Mas
nunca se importou com quem vê no espelho. Nunca se interessou
pela história dos «gémeos-espelho». Percebo que mandou instalar o
espelho porque fica bem. Adapta-se maravilhosamente ao espaço e,
com a porta do quarto aberta, reflete a janela saliente e o mar, lá
fora.

Summer é sempre a primeira a conseguir as coisas, mesmo aquelas


que não são importantes para ela.

Olho na diagonal para o espelho duplo. A mulher no espelho olha


para mim. Traz vestida a lingerie amarela de Summer, mas não é a
minha irmã. A sua face esquerda é mais cheia, o malar esquerdo
mais alto.

A mulher no espelho sou eu.

21
2 O TESTAMENTO

Summer foi filha única por um momento. Annabeth tinha uma veia
boémia, por isso recusou fazer uma ecografia durante a gravidez,
embora o meu pai estivesse desesperado por saber o sexo do bebé.
E não tinha uma barriga muito grande. Não havia qualquer pista que
indicasse tratar-se de dois bebés.

E era uma menina. A minha mãe pegou no bebé rosado e louro e


deu-lhe o nome que toda a vida guardara: Summer Rose.

Depois aperceberam-se de que eu ia nascer. O meu pai terá decerto


sentido renovarem-se as suas esperanças desfeitas — uma segunda
oportunidade de ter um rapaz. Annabeth teve apenas esperança de
que não fossemos gémeas idênticas.

Ficaram ambos desiludidos. O meu pai, sempre racional, sugeriu


Summer e Rose para as duas, mas Annabeth não podia retirar o
nome com que já abençoara a minha irmã.

Mais tarde, nesse mesmo dia, alguém levou à minha mãe um ramo
de íris, e algo naquelas flores espinhosas e sem cheiro os deve ter
atraído, porque foi esse o nome que os meus pais me deram.
Annabeth contava sempre essa história como se significasse algo
especial, mas eu não podia evitar a ideia de que olhara em volta e
escolhera o meu nome por causa da primeira coisa que vira naquele
hospital e porque ainda queria que Summer se chamasse Summer
Rose.

De mala na mão, apressei-me a sair do quarto de Summer e Adam e


a descer a escada suspensa. Combinei com o meu tio

22
Colton levar-me ao aeroporto, pois a vista de Annabeth está muito
enfraquecida. Não a deixo ir comigo. Depois do telefonema de
Summer, consegui fugir à verdade, e ela agora tem a impressão de
que vim à Austrália exatamente para ajudar na história do Bath-
sheba. Mesmo assim, já me fizera muitas perguntas acerca de Noah.

O tio Colton é uma companhia mais fácil, embora, à medida que


envelhece, a sua semelhança com o meu pai seja quase
assustadora. Quando chego ao fundo da escada, Colton está ao lado
da minha mãe na espaçosa saia branca onde tudo é banhado pela
luz do sol proveniente das claraboias que Adam instalou. Olham os
dois para a enorme fotografia emoldurada de Tarquin recém-nascido,
que decora a parede da sala. Na fotografia, Tarquin aparece muito
magrinho e doente, com tubos no nariz, e está ao colo, não da
falecida mãe, mas de uma jovem enfermeira de neonatologia.

A minha mãe e o meu tio estão juntos, ambos louros e bem


conservados; surge-me então o pensamento perverso de que
Annabeth possa sentir-se atraída pela misteriosa reencarnação do
marido. Mas, afinal, talvez não consiga ver suficientemente para
apreciar a semelhança. Tem uma degeneração macular, de modo
que tudo no seu mundo assume uma baixa resolução.

— Então tudo isto são coisas da Helen, os móveis e o piano, não é


verdade? — pergunta o tio Colton. Helen era pianista e concertista, e
o seu Steinway de cauda ainda tem um lugar de destaque na sala de
Summer e Adam. Negro e pesado, não está de acordo com a
decoração, toda em cores claras. — Suponho que ninguém toque —
acrescenta.

— Creio que a Summer e o Adam têm esperança de que o Tarquin


aprenda — suspira Annabeth. — É engraçado a Summer ter um
piano tão bonito quando é a íris que sabe tocar.

Engraçado não seria a palavra que eu usaria. Tenho um enorme


desejo de abrir a tampa e de passar os dedos pelas teclas
imaculadas para deixar música suave e quente encher o espaço, mas
já estou atrasada.

A caminho do aeroporto, o tio Colton mostra-se enfadonho como


sempre. Vai tagarelando acerca das lindas meninas que Francine
está a criar e de como Virgínia vai bem na escola secundária.

23

mas mal o oiço. Pela maneira como fala, qualquer um pensaria que
Francine é sua mulher e não a viúva do irmão. Uma das três
mulheres que o meu pai deixou quando morreu.

Sozinha na sala de embarque, depois de me ter despedido do meu


tio, tento procurar gémeos e avisto vários pares. A maior parte das
pessoas não repara sequer nos idênticos, depois de terem crescido e
passado a fase de se vestirem de igual. Poucos gémeos são tão
parecidos como eu e Summer, mas basta um corte de cabelo e uma
roupa diferentes para escaparem aos olhares do público.

No entanto, os outros gémeos nunca me escapam. Consigo até


reconhecer os gémeos falsos, porque não são as parecenças que os
denunciam.

Um irmão e uma irmã passam por mim, jovens adolescentes, com os


mesmos olhos profundos e sombrios. Desaparecem de vista em
segundos, mas eu sei. Ela é meia cabeça mais alta, graciosa e
feminina, enquanto ele ainda é um rapazinho magro e alourado. A
maioria das pessoas pensará que ela é um ou dois anos mais velha,
o que não incomoda o rapaz. Riem-se do facto e anseiam pelo dia
em que ele será muito mais alto do que ela. Apercebo-me dessas
coisas.

O modo como segredam enquanto caminham — a sorrir, inclinando


as cabeças — é a primeira pista, mas a maior revelação é o facto de
ele levar a mala dela e também a sua. Qual é o adolescente que leva
a mala da irmã? Só um gémeo.

A seguir, uma família senta-se à minha frente. A mãe, o pai e duas


meninas com a mesma cara. Da China Continental. Não sou muito
boa a decifrar etnias, mas consegue-se sempre identificar os gémeos
chineses porque os pais têm aquele sorriso de «conseguimos
contornar a política de filho único». O sorriso parece durar para toda
a vida. Se querem saber, considero-os imbecis. Ando a planear a
política de filho único desde os 14 anos. Planearia a política de zero
filhos, se não houvesse certas complicações. Se não fosse o
testamento do meu pai.

As gémeas chinesas já recusaram vestir-se de igual; a roupa era


provocadoramente diferente. Uma está de vestido, a outra de calças
de ganga. Uma tem o cabelo curto, embora não lhe fique bem.
Sacrificou-se a bem da irmã.

24

Porém, por muito diferentes que pareçam, não sabem como deixar
de se comportar como gémeas. A mãe faz aparecer uma lancheira e
entrega-lhes dois ovos cozidos — Summer também é assim e está
sempre a dar de comer a Tarquin, pelos vistos cheia de medo de que
um dia ele sofra as aflições da fome. As gémeas estendem a mão
para os ovos num movimento igual. Uma gémea descasca o ovo,
enquanto a outra espera. Depois, a mesma gémea descasca o
segundo ovo. Abre os dois e entrega as gemas à irmã, ficando com
as claras. Só nessa altura as gémeas comem, como se reagissem a
um estímulo invisível. Ambas introduzem na boca primeiro o que têm
na mão esquerda, depois o que têm na direita. Mastigam em
uníssono.

Claro que já encontrei gémeas assim. Chlõe e Zoe, as minhas


amigas da Faculdade de Direito de Melbourne, eram gémeas deste
tipo. Partilhavam roupa, amigos, segredos. Era-lhes difícil acreditar
que eu deixara a minha gémea noutra cidade — Summer ficou em
Wakefield e foi para a Escola de Enfermagem. Habilitar-me a ficar
quatro anos separada da minha gémea parecia ao mesmo tempo a
melhor e a pior decisão da minha vida. Escapei a comparações
constantes de outras pessoas, mas as minhas, depois de ter saído
de Wakefield, eram com a Summer das redes sociais, que era ainda
mais glamorosa do que a verdadeira.

Tudo o que precisava de entender da relação de Chlõe e Zoe era que


cada uma delas enviava uma mensagem à outra sempre que tinha o
período. Prefiro não saber quando Summer está com o dito. Há algo
de nauseabundo no modo como usa roupa interior branca ou de
cores pastel todos os dias do mês, como a miúda do anúncio dos
tampões. E a ideia do período de Summer só me faz lembrar um
concurso de beleza.

Terá havido um tempo em que eu e Summer éramos como a Chlõe e


a Zoe ou como as gémeas que comiam ovos? Francamente não me
lembro. Summer seria a gémea que descascava os ovos e deixava a
irmã comer as duas gemas. Todos sabiam que era um amor. A
bondade em pessoa para com todos os desgraçados. Sendo
idênticas, Summer era, sem que eu saiba porquê, mais bonita. Tinha
beleza interior.

25

Para falar verdade, destruir esse tempo foi o último ato do meu pai.
Desde a sua morte, eu e Summer deixámos de ser como as outras
gémeas. O meu pai ensinou-me que não há suficiente para duas. Há
apenas uma vida que temos de partilhar.

Ridgeford Carmichael, mais conhecido por Ridge — embora nunca


tivesse tido coragem de o tratar pelo nome, como faço com
Annabeth —, era o típico self-made man australiano, orgulhoso de
coisas que envergonham pessoas noutros países: os condenados
como antepassados, a sua falta de instrução, as suas três mulheres,
cada uma mais jovem, mais loura e mais fecunda do que a anterior.

Quando eu era pequena, sabia que a Carmichael Brothers era uma


empresa de construção, mas o meu pai tinha outros
empreendimentos, de modo que nunca percebia exatamente de
onde vinha o dinheiro. Estava sempre enredado em investimentos
imobiliários, sempre a bajular políticos, sempre de viagem ao
estrangeiro. Embora tivesse mais de dez anos do que Annabeth, não
parecia; foi turbulento e vigoroso até ao dia da sua morte.

O meu pai cresceu sem família. A sua infância foi passada em


famílias de acolhimento e numa habitação de bairro social.
Aparentemente, tudo o que sabia da sua verdadeira família era que
um antepassado seu fora deportado por roubar um copo de cerveja
num pub inglês.

Talvez fosse por isso que o meu pai era tão dinástico. Aos 22 anos,
descobrira que tinha um irmão mais novo e conseguira a custódia de
Colton, então com 12 anos. O meu pai enviou-o para o melhor
colégio interno de Wakefield. Colton passou a ser seu protegido e
depois seu sócio nos negócios.

O meu pai adiou ter filhos até conseguir os seus milhões, mas, nessa
altura, a sua primeira mulher, Margaret, já não tinha idade para isso.
Depois de se ter divorciado dela, não repetiu o erro; eu e Summer
fomos concebidas na lua de mel dos nossos pais. Quando Annabeth
não quis mais filhos, depois de ter posto neste mundo o nosso irmão
mais novo, o meu pai correu para Francine, acabada de sair de um
colégio católico. Mas eu continuava sem compreender o alcance da
sua obsessão por povoar o mundo.

26
São estes os factos da vida do meu pai, mas não mostram o que ele
era. Talvez para descrever o meu pai baste dizer o seguinte: não
gostava de boas pessoas. Descobri-o da última vez que o vi com
vida.

No princípio de dezembro, pouco depois do final do verão, tinha eu


14 anos, a nossa família estava reunida à mesa de jantar na casa
grande de Beach Parade. Annabeth contava uma história acerca de
um encontro com um pedinte. Nessa manhã, tinha-me levado a mim
e a Summer à Billabong para escolhermos os fatos de banho novos
para o Natal; havia então inúmeras caixas embrulhadas debaixo da
árvore de Natal. A caminho do centro comercial, Annabeth desejou
feliz Natal a um pedinte e entregou-lhe uma nota de vinte. Este, que
cheirava a caixote do lixo, recebeu a nota da mão dela e dirigiu-se
imediatamente à loja de bebidas.

— Mesmo à minha frente! — exclamou Annabeth, esmagando uma


generosa dose de canelones de peru no prato do meu pai. Este
inclinou o prato para inspecionar os possíveis danos realizados pela
enorme colher de prata.

— Estavas à porta da garrafeira quando deste o dinheiro a esse


palhaço? — perguntou.

— Estou a tentar educar os nossos filhos para serem boas pessoas,


Ridge — disse Annabeth.

— Ser bom é ser parvo — disse o meu pai, voltando-se para mim
para me piscar o olho.

Fiquei encantada. Summer era a beleza da família — até eu o sabia


—, e Ben era o único rapaz, o herdeiro. Mas o meu pai incluíra-me
na sua piada especial.

Olhei para a minha mãe, para o meu irmão e para a minha irmã.
Annabeth dera dinheiro a um pedinte à porta de uma loja de
bebidas. Ben, com 10 anos, pequeno para a idade que tinha, era tão
amoroso que o meu pai desistira de o ensinar a caçar, embora
tivesse uma pontaria excelente quando disparava para uma lata. E
Summer, bom, Summer era Summer.

Mas eu era íris, a gémea não esperada, a gémea excedente, e, com


aquela piscadela de olho, o meu pai dava-me um lugar novo na
nossa família. Não era boazinha, não era parva.

27

Por isso pensava que receberia pelo menos a minha parte do


dinheiro da família — não que esperasse que o meu pai morresse
em breve. Um pai normal poderia não ver em mim grande coisa, se
me comparasse com a minha irmã angelical, mas o meu sempre
pareceu apreciar a minha vertente cínica. Ridge detestava a ideia de
que o seu dinheiro se perderia e achava que era preciso ser esperto
para que não nos delapidassem a fortuna. O meu pai pensava então
que eu estaria à altura dessa tarefa.

Annabeth e o meu pai já estavam divorciados nessa altura, o que


talvez desculpe em parte as declarações dele acerca da capacidade
intelectual da minha mãe. Talvez seja estranho ele aparecer de vez
em quando para jantar, quatro anos depois de a ter deixado, mas
ainda era o dono da casa de Beach Parade. Mais tarde, quando fui
para a Faculdade de Direito, perguntei-me como conseguiria o meu
pai manter a sua propriedade intacta, depois de dois divórcios.
Talvez Annabeth fosse boa de mais para seu próprio bem. Ou talvez
os juízes tivessem tido medo de Ridge Carmichael, o homem que era
dono de metade de Wakefield. Seja como for, quando morreu, o
meu pai deixou as suas três mulheres e os seus sete filhos apenas
numa situação económica confortável. O mais interessante é a
história do maior quinhão da sua fortuna.

Nos primeiros anos depois do divórcio, ficámos na casa de praia. O


pai mudou-se com a namorada, Francine, que vivia numa cobertura
na parte mais antiga da cidade. Francine tinha uma filha de dois
anos chamada Virgínia. Partimos do princípio de que era filha de
Francine, de uma relação anterior.

Quando o meu pai casou com ela, mudaram o apelido de Virgínia


para Carmichael. Continuei sem questionar quem seria o pai dela,
embora a minha mãe deva ter tido as suas suspeitas. Porém,
Annabeth nunca diria uma palavra contra o ex-marido. Agia como se
tivesse sido uma sorte ter estado casada com ele, embora fosse uma
mulher muito bonita, de temperamento doce — toda ela virtudes
conjugais, uma esposa perfeita para um homem como Ridge.
Sabíamos apenas que algo perturbava a minha mãe quando
realizava as tarefas caseiras com ainda mais vigor do que o habitual,
batendo com o aspirador nos móveis e esmurrando as almofadas
para as deixar no lugar.

28

Quando eu e Summer chegámos aos 14 anos, já Francine tinha


posto neste mundo mais três crianças: Vicky, Valerie e Vera Car-
michael. Tal como ela, as meninas eram demasiado louras para se
dizer que eram louras; tinham o cabelo branco. O nascimento da
quarta filha de Francine desequilibrou o poder. Havia então mais
daquele lado do que do nosso, e Francine começou a falar em trocar
de casas. Acontece que Ridge era dono das duas propriedades.
Ninguém queria viver num apartamento com quatro crianças,
mesmo que fosse uma cobertura com vários pisos, um jardim no
telhado e uma piscina, mas creio que Francine teria conseguido, se o
meu pai não tivesse morrido.

Nessa noite, depois do jantar, quando me despedi do meu pai com


um beijo, pedi-lhe que me levasse no barco nas suas próximas
férias. Desde o divórcio, todos os verões o meu pai levava-me a
mim, a Summer e a Ben à Tailândia, de avião, mas nesse ano levaria
também Francine e as filhas.

— Posso ajudar com a navegação, pai — sugeri. — Até ajudo a


tomar conta dos bebés.

O meu pai riu-se.

— Fica aqui e ajuda a tua mãe — disse ele. — Não deixes que ela
desbarate o meu dinheiro.

Duas semanas depois, o meu pai teve um ataque cardíaco no


pontão de uma praia do Sul de Phuket e foi imediatamente dado
como morto. Francine disse que o corpo tivera de ser levado para a
praia num tuk-tuk, porque o pontão era tão velho que não
aguentava o peso de uma ambulância.

Francine e as filhas voltaram para a Austrália dois dias depois. As


pessoas que viviam nos veleiros em Phuket, um grupo díspar de
hippies, velhos marinheiros e idealistas de todo o mundo, juntaram--
se para ajudar a jovem viúva. Organizaram a repatriação do corpo
do meu pai, alimentaram e consolaram as meninas e levaram o
Bathsheba de volta para a marina para o içarem e estacionarem em
doca seca, e aí ficou nos nove anos seguintes, porque ninguém da
família sabia o que fazer com ele.

Nas férias com o meu pai, conhecera aquela gente, aqueles


marinheiros da ralé com quem ele bebia uns copos, por vezes só

29

para conversar e recolher histórias sobre a estupidez de todos eles:


a navegação amadora, as vidas sem graça, como os comerciantes
tailandeses os exploravam. Eram boa gente, dizia o meu pai, como
se fosse o pior que se pudesse dizer de alguém.
E agora eu entendia. Ser bom é ser parvo.

No funeral do meu pai, Annabeth vestiu-se de seda negra, Francine


de cetim preto. Inundada de pérolas, conduziu o cortejo das suas
pálidas filhas, todas de branco, com vestidos iguais e os cabelos
lisos, presos com longas fitas negras. Annabeth — mais alta, mas
com uma figura muito menos imponente — era ladeada por Summer
e por mim, apropriadamente vestidas de linho, e por Ben, com o seu
primeiro fato de homem. Annabeth só tivera três filhos, mas era a
mãe de um rapaz. Francine era a mais recente, a esposa mais
jovem, mas Annabeth era ainda a mais bonita. Além do mais,
Annabeth tinha a casa de praia. Ou pelo menos era o que
pensávamos.

Margaret não foi ao funeral. Creio que era a única esposa que sabia
como o meu pai era de facto. Eu estava prestes a sabê-lo, antes até
do serviço fúnebre ter começado.

A agência funerária oferecia o serviço completo, sem querer ofender


ninguém, mas acabava por parecer uma estação de comboios sem
alma. Quando chegámos, um homem bem-falante, com uma pele
espantosamente rosada, chamou Annabeth de parte. Explicou que o
caixão do meu pai seria levado num carrinho para o serviço fúnebre.
Eram as regras sanitárias e de segurança.

De qualquer forma, não sei se o meu pai conseguiria reunir seis


amigos leais para o levarem. Chegavam centenas de pessoas para o
funeral, mas não eram seus amigos do peito. À parte a família, não
conhecia ninguém, e todos sorriam e conversavam à vontade.
Ninguém chorava.

O homem cor-de-rosa perguntou á minha mãe se algum de nós


gostaria de «ver o falecido antes de se fechar o caixão para a
cerimónia». Apontou para um corredor silencioso, longe da sala,
onde a multidão de alegres enlutados continuava a chegar. Não se
devia ter apercebido de que Annabeth era uma ex-mulher, já que
parecia suficientemente triste para ser a viúva.

30

— Os meus filhos são muito novos para isso — disse a minha mãe, e
conduziu-nos para junto dos nossos parentes.

Num canto, estavam os pais dela, com as minhas tias e tios e alguns
primos. Pareciam cheios de calor, com comichões e pouco à vontade
nas suas roupas pretas emprestadas. Em Wakefield, o mês de
janeiro é punitivo, e o ar condicionado dava sinal da idade que tinha.

Eu não queria espiar, mas precisava de saber que o meu pai estava
realmente morto e também desejava ver o seu caixão sobre rodas.
Foi fácil evitar os meus avós e meter pelo corredor. Abri uma porta
que parecia a de uma sepultura e encontrei-me sozinha com o corpo
do meu pai.

O meu pai morrera nos trópicos, e creio que tenha sido


embalsamado, mas havia um leve cheiro na sala. Recordei-me de
um cão que vira — e cujo cheiro sentira — em pequena, morto
numa sarjeta de uma movimentada rua tailandesa. Agora já sabia
que o meu pai estava morto.

Mesmo assim, aproximei-me para o poder ver. O grande Ridge


Carmichael reduzido a um cadáver silencioso, metido num caixão. O
seu corpo parecia vazio, e o rosto tinha uma horrível cor cinzenta.
Apenas o cabelo parecia normal. Fizera 60 anos havia pouco, mas
apenas uns fios prateados tinham conseguido invadir a sua cabeleira
loura.

Com 60 anos, era velho para ser pai de filhos tão pequenos, mas
demasiado novo para morrer.
Havia jarras altas, cheias de flores, de sentinela ao caixão do meu
pai, como emblemas de amor. E não eram umas flores quaisquer.
Alguém escolhera as variedades certas: rosas e íris.

Os meus olhos encheram-se de lágrimas. Alguém quisera prestar


homenagem a mim e à minha irmã gémea, as primeiras filhas do
meu pai. Nenhum dos seus outros filhos tinha nome de flores.

Enterrei o nariz no ramo de íris que estava mais perto e inspirei com
força. Sabia que não tinham perfume, mas era um hábito meu, de
toda a vida, cheirar a flor do meu nome. Sempre desejei que
cheirassem bem como as rosas e creio que em parte acredito que
essa persistência deveria ser suficiente para conseguir tudo o que se
desejava neste mundo.

31

Enquanto cheirava as íris, sendo apenas recompensada com o odor


da morte, a porta abriu-se atrás de mim. Olhei em volta. Por baixo
do caixão, havia um pano que cobria o carrinho até ao chão. Era o
único sítio onde me podia esconder. Enfiei-me ali em baixo.

Mesmo a tempo. Estremeci ao ouvir o bater de saltos de agulha. A


minha mãe usava sempre saltos rasos. Quem seria?

A intrusa aproximou-se do caixão e ficou em silêncio. Eu nem podia


respirar.

Depois, a porta abriu-se mais uma vez, e ouvi passos suaves.

— Francine — disse a voz da minha mãe. — Peço desculpa. Tinham-


me dito que o Ridge estava sozinho.

Francine e Annabeth sempre haviam sido muito delicadas uma com


a outra. Demasiado até.
— Não, eu é que tenho de pedir desculpa — disse Francine. —
Concordei em ceder-te este tempo, mas, quando chegou o
momento, não suportei que eles pusessem essa... essa tampa sem o
ver mais uma vez.

— Foi pedir pouco — disse Annabeth. — Dez minutos sozinha com o


pai dos meus filhos. Podias ter-me dado isso. Em breve terás tudo o
que era meu.

— O que quer isso dizer?

— Será que me poderias dar tempo para fazer as malas antes de me


expulsares de minha casa?

Eu estava apertada entre as rodas do carrinho. O espaço não tinha


dimensão suficiente para esconder o meu corpo, e a ponta do meu
sapato saía de baixo do pano. Encolhi-me mais, puxando os pés com
uma lentidão infinita. As unhas cravaram-se-me na pele dos braços.

A voz de Francine elevou-se, com o sotaque a notar-se ainda mais.

— Não podes achar que sabia do testamento. Claro que quero a


casa, nunca fiz segredo disso. Os teus filhos já são quase crescidos,
pelo menos as meninas. Tens de perceber que aqui quem ganha és
tu, Annabeth. As tuas gémeas vão casar e ficar grávidas aos 18
anos... pelo menos uma delas... e depois terás tudo. Fazes

32

o jackpot. A Virgínia tem só 6 anos. Que esperança tem de as vencer


para ficar com o dinheiro? Podes dar-te ao luxo de me dar a casa.
Não é nada, quando comparada com os milhões que te vão calhar.
Cem milhões, Annabeth.
O meu corpo estremeceu, desequilibrei-me e caí para trás sobre os
calcanhares, com algum barulho. Fiquei imóvel, mas as duas
mulheres pareceram não ouvir. A minha mãe falava agora num tom
que nunca lhe ouvira — numa voz fria e terminante.

— Como te atreves? — disse. — Como te atreves sequer sonhar por


um instante que eu prostituiria as minhas filhas por esse dinheiro! As
minhas filhas merecem melhor do que isto, Francine. Juro-te que a
Summer e a íris nunca saberão deste testamento. Se quiseres
vender a tua quando ela chegar à adolescência, podes ficar com o
dinheiro do Ridge, até ao último tostão. Viveremos das migalhas que
ele nos deixou, mas com a nossa dignidade intacta. As minhas filhas
casarão e terão filhos quando estiverem dispostas a isso, quando
fizerem as suas escolhas, sem se conspurcarem com as fantasias
doentias do Ridge. Nenhum neto meu entrará neste mundo para
ganhar esse prémio nojento. Para viver por causa dos sonhos de um
morto.

O riso agudo de Francine causou-me arrepios.

— Que belo discurso, Annabeth — disse. — Pareces tão virtuosa. Se


conseguires permanecer em silêncio, melhor para ti, mas grandes
segredos como este acabam sempre por se saber. Creio que as
minhas filhas merecem saber a verdade. Confio que farão o melhor
pela família, se as tuas filhas mantiverem as pernas fechadas o
tempo suficiente para darem uma oportunidade às minhas. E agora
deixo-te a sós com o pai dos teus filhos.

— Não — disse a minha mãe. —Já aqui estive tempo de mais.

Algo na voz dela — conseguia ouvir-lhe os olhos dar uma volta

pela sala — obrigou-me a suster a respiração e a enrolar o corpo


numa bola ainda mais apertada.

Depois as duas mulheres saíram, e fiquei sozinha com o cadáver do


meu pai.
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— Proprio come diceva un certo manuale di tattica, — interruppi io,
— che una volta facevano studiare in Italia ai soldati: in battaglia
vince il più forte; ma chi è il più forte si conosce dopochè ha vinto!
Il Rosetti sorrise; e riprese:
— Insomma il Bene e il Male sono una strana coppia, come il Bello
ed il Brutto. Sono nemici; eppure stanno sempre insieme: sono
opposti, eppure scambiano di continuo le maschere e invertono tra
loro le parti: cosicchè come si fa a distinguerli? La vita è la
commedia degli equivoci, per questo. L’uomo insegue il Bene: lo
abbranca alla fine o crede averlo abbrancato: ahimè, la maschera lo
aveva ingannato: era il Male! Fugge disperatamente il Male, corre,
corre, perde il respiro, spossato si abbandona.... E guarda
combinazione: è cascato nelle braccia del Bene! Osservate tutti gli
opposti: l’Autorità e la Libertà, la Guerra e la Pace, la Ricchezza e la
Povertà, la Vittoria e la Sconfitta, il Sapere e l’Ignoranza, il Lusso e
la Semplicità, la Forza e la Debolezza, la Vita intensa e la Vita
riposata; e poi decidete d’accordo, se vi riesce, quale è il Bene e
quale è il Male. Chi giudica bene, o progresso, o civiltà — nomi tutti
che sono sinonimi — l’uno di questi opposti e chi l’altro,
argomentando come lo sospinge quale forza? Frugate bene:
l’interesse! Ancora l’interesse, l’interesse sempre e dovunque,
proprio come nell’arte e nella scienza: l’interesse, nome vasto che
abbraccia cose diverse: l’inclinazione dell’indole, i bisogni innati e
quelli acquisiti, la religione, i beni privati, la patria, lo Stato, l’ordine
sociale a cui l’uomo appartiene, i puntigli dell’amor proprio, le stesse
illusioni dell’ambizione, del desiderio e della speranza. Ma nessuno
ha potuto ancora trovare un argomento definitivo che tronchi questa
eterna disputa degli interessi, disputata dalle origini del mondo e
nessuno ci riuscirà mai: e perciò l’uomo rassomiglia al cavallo che fa
muovere la ruota del molino camminandoci dentro: a seconda che
questo interesse o quello prevale, che questa o quella illusione o
ambizione o aspirazione ha più forza, egli giudica Bene Progresso
Civiltà, Male Decadenza, Barbarie, ora la Libertà ora l’Autorità, ora la
Ricchezza ora la Povertà, ora il Sapere ora l’Ignoranza, ora il Lusso
ora la Semplicità, ora la Vita intensa ora la Vita riposata. Lei non
crede, avvocato, che noi potremmo farci Mussulmani: ma perchè? ai
tempi in cui vince l’ardimento, l’audacia, l’operosità, perchè piccole
ed energiche oligarchie dominano, seguono sempre i tempi in cui la
moltitudine mediocre, detta legge e impone le sue virtù o i suoi difetti
— li chiami come vuole: la semplicità, la rassegnazione, la
moderazione dei desideri, la mediocrità degli averi. Come presso i
Mussulmani. La vita oscilla, come un pendolo, da un opposto all’altro
perchè i giudizi sulle qualità delle cose sono rovesciabili; e il Bene
diventa Male, il Male Bene, se appena gli interessi fanno un piccolo
sforzo per capovolgerli. Per qual ragione questo ritmo dovrebbe da
questo momento essere sospeso «sine die» a profitto di chi? Se lo
rammenti, Cavalcanti: l’uomo è simile al cavallo chiuso nella ruota
girante: cammina, suda, sbuffa, si travaglia, crede di salire e di
scendere, e invece è sempre nel luogo dove mosse il primo passo: e
la lunga via percorsa, e le difficili ascese, e le discese precipitose,
furon tutte solamente sogno e illusione....
— Ma allora — interruppe brusco l’ammiraglio — la vita non sarebbe
che una immensa allucinazione dei nostri interessi, cioè delle nostre
passioni....
— Degli interessi — rispose il Rosetti — che sono momentanei e si
credono eterni; che sono diversi ed opposti e ciascuno si crede
unico. Questa è del resto la conclusione comune di quasi tutte le
filosofie più recenti. Di qui nasce che la vita è un divenire continuo,
che si crede un eterno stare. Tutto è interesse e perciò illusione:
dalla idea dello Spazio e del Tempo....
Ma la stupefazione dell’ammiraglio fu tanta, che gridò addirittura:
— Anche lo Spazio ed il Tempo! Inventati dagli interessi! Questa poi!
Il Rosetti pensò un momento, poi trasse l’orologio di tasca; e:
— Mancano pochi minuti a mezzanotte — disse. — Se
continuassimo domani?
— È matto, — sentenziò asciutto e conciso, appena il Rosetti fu
partito, l’Alverighi.
L’ammiraglio e il Cavalcanti non dissero nulla; e io pure, lì per lì,
tacqui. Il Rosetti era un libero pensatore, piuttosto incline al
positivismo, come tanti scienziati della vecchia generazione: quindi
doveva ragionare per ironia, come spesso soleva. Ma aveva
ragionato così serio, serrato e quasi veemente! Eran sei mesi che
non lo vedevo: si sarebbe anche egli convertito, come tanti altri, in
quel tempo, alla filosofia oggi in voga? Passeggiammo un poco in
silenzio. Alla fine io dissi che scherzava.
— Ma dica da senno o per burla — troncò l’Alverighi — io non
ammetterò mai che gli uomini consentiranno ad essere più poveri
quando potrebbero essere più ricchi. Ve lo imaginate voi un san
Francesco redivivo, e che non finisse a domicilio coatto?... O in
manicomio?
— Io penso invece — obiettò il Cavalcanti — che non farebbe male
alla Ragione umiliarsi ogni tanto un po’ e fare penitenza, insieme con
tutte le Cupidigie e le Vanità del mondo moderno. C’è del buono, in
queste idee.... Quel che mi turba però è la teoria dell’interesse....
Interessata la bellezza! Interessata la verità! Sempre ci ripenso, a
questa idea; non riesco a capacitarmene interamente, e non so
confutarla. È un enigma che non riesco a decifrare!
— E curioso è poi, — aggiunsi io — che queste teorie sian formulate
dal più disinteressato degli uomini!

VII.

Dei tonfi sordi e lo scrosciare di una cascata mi svegliarono per


tempo, il lunedì mattina.
— Piove a dirotto? — mi chiesi nella penombra del primo destarmi.
Poi capii che i marinai stavano lavando la nave. Era l’alba, dunque.
Aprii il finestrino. Laggiù, ad Oriente, già si vedevano entro poche
nuvole oscure rigate di fiamma le porte dell’aurora rosseggiare
socchiuse ad un primo spiraglio, sull’Oceano ancora grigio di sonno.
Richiusi il finestrino; cercai di riassopirmi, ma invano: sinchè mi
risolvei a levarmi, quella mattina, con l’eterno risvegliatore del
mondo. Quando uscii sul ponte, deserto e madido dei torrenti che i
marinai versavano a piene secchie, le porte dell’Aurora erano ormai
spalancate; il Sole era già uscito, ravvolto di fiamma purpurea, nel
sereno firmamento; percosso da quella fiamma, l’Oceano
rosseggiava nel mezzo, simile a un vasto lago di zaffiro attraversato
da un fiume di fuoco. Una purezza incontaminata di luce novella,
soave ed ardente, empiva l’aria, gli occhi, l’anima; e in quella il
«Cordova» pareva gittare allegramente il suo fumo negro e andar
più veloce, come in un mondo rinato; gioioso di essere finalmente
uscito da tanta tenebra notturna in quella celeste beatitudine
mattutina. Una sùbita voglia di poesia mi prese: ritornai nella cabina
a cercare «Un libro di versi» di Olindo Malagodi che anch’io, come
l’Alverighi, avevo portato tra i miei libri di viaggio; e sul ponte
superiore deserto, in faccia al mare e sotto il cielo di zaffiro, in riva al
gran fiume di fuoco che rosseggiava nell’Oceano, tra i marinai che
svelti e scalzi finivano di lavare la nave, di nuovo mi smarrii in
compagnia del poeta in quella strana natura, fantasticata a sentire
umanamente con tanta originalità da una delle più vive
immaginazioni e delle più squisite sensibilità di panteista che io
conosca tra i poeti contemporanei: dipinta nel tempo stesso con così
vivi colori e con così netto disegno a parer vera e viva. Fremetti agli
arcani sussurri di ignote foreste:

.... E de la vita nuovo pellegrino,


io per la selva ancor sognando entrai
antica, e sotto le sue frondi errai
fresche di primavera e di mattino.
Dietro ad un canto errai misterioso
che dal profondo ad ora ad or chiamava....
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O come dietro a te co’ sogni miei,
dedaleo canto, mi traesti avvinto!
Un dolce canto selvaggio
coll’immortale messaggio
entro la selva si desta;
e nota a nota risponde,
eco con eco si fonde
nel cuore de la foresta,
nel verde cuore del maggio....

Riudii la voce eterna della vita nel lene ed incessante mormorio delle
fonti sparse per il creato:

Tutto è silenzio: sol la fonte s’ode


che non s’arresta....
Nel cuore, o vita, la tua fonte s’ode
che mai s’arresta.
Tutto tace e riposa:
sol la fonte segreta
a la notte obliosa
mormora, e cheta
con l’eterne fluenti
sue sorti, inavvertita,
nei muti cuor dormenti passa la vita.

Da quegli splendori mattutini la poesia ebbe forza a trarmi, sotto il


gelido sguardo della luna, tra i pallidi fantasmi delle notti invernali:

Morta del cielo antica,


quale malia nemica
qui sulla terra piovi?
La vita t’ha sentita
tremando, e impaurita
ne gli ultimi suoi covi
s’è rattrappita, e informe
un cupo sogno dorme....
. . . . . . . . . . . .
S’è nascosta nei semi
sepolti, e con gli estremi
sogni ne’ chiusi cuori,
al soffio che l’attizza
gelido, coi bagliori
ultimi guizza....
Non nel mio cuore! Ed io
dietro di te m’avvio
per le perdute strade:
anima, cuor, pensiero
a sfida del mistero
che lugubre c’invade:
fra la spettral tua bruma
dove la vita sfuma,
ultima, incerta, lieve,
ne l’ombra che la beve
con alito di gelo;
io, spirto della vita,
fra la morte infinita,
tra il pallido sfacelo;
pur con mia breve sorte
vengo a negar la morte,
vengo portando in cuore
sotto il tuo scialbo scherno,
il rosso ardente fiore,
il fiore eterno!...

Mi tuffai e mi rituffai nel circolo della vita universale:

Roccia che ne’ millenni


sfidando stai!
Tu le immote perenni
forze mi dai!
Tu che scendi, o sorgente,
l’antica via!
L’assidua tua fluente
anima è mia!
Albero che sprofondi
le tue radici,
e spandi alte le frondi
nel sol felici;
per me ne le latèbre
cupe lavori,
mutando le tenèbre
in foglie e fiori!
O acque! o nubi! o venti!
o lembi azzurri;
o aneliti fuggenti,
ombre, sussurri;
voi pur per me traete
dal suol natio
le forme che mescete
a l’esser mio.

Rilessi «La canzone del fiume» e lo «Gioie Titanie»:

O terra, o dolce terra, e ancor non senti


sovra il tuo lungo sonno alto passare
un giubilo di nuove ali, squillare
un riso di tornanti ali sui venti?
Giungon dal mar, dal mar che si ridesta
ne le caverne sue rimormoranti....

Singolare ed originale poesia, nella quale il fantastico e il reale si


mescolano e si sovrappongono di continuo; e le meditazioni sulla
Vita si esprimono in coloriti paesaggi; e una melodia di metri insoliti,
dolce e come velata, accompagna il fantasticare profondo, tra lirico e
filosofico, di uno spirito isolatosi in compagnia di sè stesso nella
vasta natura! Ritornavo a godermela, nelle sue più sottili sfumature,
ogni volta che sentivo il desiderio di raccogliermi e fantasticare un
poco fuori della realtà: ma quella mattina il godimento era più intenso
e più puro.... In quel momento sentii quanto aveva ragione il Rosetti
di dire che di solito l’anima nostra, quando ammira o crede di
ammirare una opera d’arte, è carica e ingombra di partiti presi, di
preconcetti di scuola, di preoccupazioni interessate, di puntigli
d’amor proprio, che ne chiudono gli aditi al libero irrompere della
pura bellezza. Ma sentii pure che nel verbo un po’ confuso e
grossolano di Rosario si nascondeva una profonda verità: l’uomo
poteva svuotare l’anima dì questi tormentosi ingombri;
disinteressarsi dall’arte — come egli aveva detto; sentire non
ragionare, come aveva detto anche il Cavalcanti: lasciarsi trascinare
a occhi chiusi dal godimento vivo e spontaneo, non fermarsi a
giustificarlo con un giudizio preciso ed esser poi tentato di
rovesciarlo, questo giudizio: goder liberamente e lasciar godere gli
altri come loro piace. Non era questo lo stato d’animo in cui mi
trovavo? E mi sentivo così bene — forse anche perchè mi ero levato
di buon’ora, invece di poltrire a lungo nell’angusta cabina — che mi
pareva proprio di esser nello stato di grazia. E inebriato da quella
luce e da quella poesia fantasticai: gli interessi non intorbidavano
solo la bellezza, ma la verità, la giustizia, il bene: era questa la
conclusione che già si vedeva comparire sul lontano orizzonte, nei
discorsi del Rosetti: l’uomo doveva dunque cercar di purificarsi dagli
interessi mondani e sociali, non nell’arte soltanto, ma anche nella
scienza e nella morale; sforzarsi di entrar dappertutto in contatto
immediato con la Vita, risalire ad abbeverarsi alle sue prime e più
pure sorgenti. Questa doveva essere, la conclusione a cui il Rosetti
mirava: non poteva essercene altra: ed era la conclusione a cui del
resto tende da tante parti il pensiero contemporaneo. Ma come e per
quale via? Quale tra le tante strade che sembrano condurre alle fonti
schiette e pure della Vita sceglierebbe la nostra guida?
Ma lassù, sul ponte superiore, fui scorto a mezzo di questa
fantasticheria da Orsola, quella siciliana che si diceva vittima delle
amorose furie dell’intendente paulistano. Essa mi spedì un marinaio
a dirmi che desiderava parlarmi: e sceso che fui mi raccontò come
suo marito, uomo di poco cervello, consumasse i pochi spiccioli che
ancora gli restavano giuocando e bevendo tutto il giorno in
compagnia di Antonio e di quella «donnaccia». Quella donnaccia era
Maddalena. Protestai che Maddalena era una povera malata, ridotta
a mal partito.
— Ma lei non sa, signore....
E guardandosi intorno circospetta, mi raccontò sottovoce, come chi
svela un segreto, che Maddalena aveva avuto un figlio, da un
amante, mentre il marito era in America.
— E come lo sapete? Chi ve lo ha detto? — chiesi un po’ sorpreso.
— Tutti lo sanno, sul bastimento. E tutti si burlano di Antonio, per
questo....
Mi pregò poi di intervenire presso Antonio, dicendogli di non tentar
più suo marito a giocare con lui. Poi mi chiese se era vero, come si
diceva, che quella signora che era con noi, e che era la più ricca
dell’America, regalerebbe una grossa somma ai passeggeri più
poveri. Smentii un po’ stizzosamente la stupida diceria; e risalii,
chiedendomi per che canale la terza classe fosse stata informata
della scappatella di Maddalena e dei miliardi della signora. Poco
dopo trovai il dottor Montanari che mi diede una singolare notizia: da
ventiquattro ore Maddalena si era fatta un agnello, seguiva docile
docile tutte le sue prescrizioni, non era uscita dall’infermeria e di
letto: Antonio non solo si era finalmente persuaso che sua moglie
fosse gravemente malata, ma ora andava ripetendo dappertutto che
Maddalena — poveretta! — era spacciata; che, sì e no, arriverebbe
viva a Genova.
— Dice che glielo ha detto la sua signora! Cose da pazzi! Chi
capisce che cosa mulina, macchina, intruglia di continuo, in quella
sua durissima zucca, il signor popolo sovrano, è bravo!
Anche a me questo improvviso voltafaccia di Antonio parve strano.
Comunicai la notizia alla mia signora, insieme con le confidenze di
Orsola. E la mia signora scese subito all’infermeria, per veder
Maddalena.... Ripresi a leggere il «Libro dei versi»; poi feci un giro
per i due ponti; e sul ponte di sopra, a tribordo, trovai l’ammiraglio, il
Cavalcanti, l’Alverighi, seduti a cerchio su dei seggioloni, e intenti a
confabulare, intorno alla discussione della sera precedente, alla
quale quella mattina, distratto dalla poesia, dalla bellezza dell’aurora,
dalle chiacchiere di Orsola e del dottore non avevo più pensato.
Aveva invece agitato profondamente i miei compagni; chè, dopo una
notte di sonno, ne ragionavano quasi inquieti.
— Ma che un giorno, di nuovo, gli uomini si acconcino a viaggiare a
piedi, in diligenza, a dorso di cavallo, alla vela — diceva l’Alverighi.
— A vivere semplicemente!... Via: son cose che non si possono
nemmeno pensarle.
— E perchè? — replicava meditabondo il Cavalcanti, il gomito del
braccio destro appoggiato al bracciuolo del seggiolone e il pugno
chiuso sotto la mascella. — Perchè l’uomo non avrebbe diritto di
scegliere tra la ricchezza e la povertà, tra il lusso e l’austerità, tra il
moto perenne e la quiete.... come ha diritto di scegliere tra il
romanticismo e il classicismo, tra lo spiritualismo e il materialismo?...
— Ma sa lei — replicava l’Alverighi — quel che succederebbe il
giorno in cui gli uomini non volessero più correre, lavorare, godere,
senza ripigliar fiato, come fanno oggi? Lo sa? Le officine si
chiuderebbero. Le città si vuoterebbero. Le terre chi le coltiverebbe
più e a che prezzo si potrebbero vendere ancora? Le navi
arrugginirebbero nei porti. Le banche....
Il Cavalcanti strinse le spalle.
— Se gli uomini — interruppe — si persuaderanno un giorno che
sarebbero più felici....
— Dopo il fallimento universale? — replicò come fuori di sè
l’Alverighi.
Ma il Cavalcanti non ebbe tempo di rispondere, che di mezzo entrò
l’ammiraglio:
— Lasciamo da parte una ipotesi così catastrofica — disse —
tuttavia che oggi gli uomini spendano e sprechino troppo, lo direi
anche io. Che bisogno c’è, per esempio, di correre all’impazzata
intorno al nostro pianeta, come facciamo? Chi corre per correre, non
vedo in che sia più savio di chi sta fermo per non muoversi.... Ma è
quel che il Rosetti dice della scienza, che non m’entra. Come? La
legge sublime del progresso sarebbe una nostra fisima? Noi che tre
o quattro mila anni fa vivevamo tremando, schiavi ignari, in balìa dei
geni e degli Dei, di cui la nostra imaginazione aveva popolata la
natura? Il cielo allora è un gran teatro dei burattini, per noi fanciulloni
che siamo, dove i pianeti si possono far ballare a piacere? E che
vuol dire quest’altra faccenda intorno al Tempo e allo Spazio?
— Il Tempo e lo Spazio sono i lembi del velo di Maya — disse con
una certa solennità il Cavalcanti.
Ma la prima campana della colazione ci interruppe e disperse; e
prima che la seconda suonasse, la Gina tornò dall’infermeria. Mi
raccontò che Maddalena era a letto, ma contenta perchè il medico le
aveva finalmente somministrato delle medicine; che queste le
avevano fatto un gran bene; e che sperava di guarire prima di
giungere a Genova! Aveva di certo obbedito, docilmente come
sempre, agli ordini non del medico ma di Antonio, il quale poi chi sa
per quale ragione aveva mutato parere.... Avevano chiacchierato
insieme a lungo: anche Maddalena aveva chiesto se davvero la
signora Feldmann intendeva di fare un regalo a tutti gli emigranti; e
poi le aveva parlato di Orsola. Orsola, secondo Maddalena, era una
donna pigra, buon’a nulla, maligna e intrigante, che si divertiva tutto
il giorno a metter male con infiniti pettegolezzi tra i suoi compagni di
viaggio: era scappata d’America per i debiti; a tutti a bordo era in
uggia. Delle persecuzioni dell’intendente paulistano invece
Maddalena non sapeva nulla; segno che con i suoi compagni di
viaggio Orsola non ne parlava. Maddalena aveva invece aggiunto
che civettava e assai con un giovane operaio abruzzese.
Questo racconto fece, come era naturale, una viva impressione su
me. Ma la seconda campana ci chiamò a colazione. Ritrovammo il
Rosetti, che nella mattina era rimasto nella cabina, a scrivere le sue
consuete note di viaggio; e l’ammiraglio subito gli chiese di spiegargli
quale interesse muoverebbe gli uomini a inventare lo spazio e il
tempo.
— Lei ha studiata — gli disse il Rosetti — la geometria nella Scuola
Navale: ma l’ha studiata per imparare a compiere certe operazioni
dell’arte sua; e quindi non l’ha studiata disinteressatamente. Così
fanno tutti, del resto! E così feci pure io, sinchè insegnai la
matematica e la fisica nel Politecnico di Buenos-Aires ed esercitai
laggiù la professione di ingegnere. Ma a quarantacinque anni tornai
in Europa, e mi misi a studiare, non più per procacciarmi ricchezze,
onori, fama e potere, ma così, per passare il tempo, e quindi
disinteressatamente. E sa che cosa mi capitò allora? Che un bel
giorno scoprii che oltre quella di Euclide c’erano parecchie altre
geometrie, inventate in Germania, naturalmente; una geometria, per
esempio, che si permetteva di tirare da un punto, non una, ma
parecchie parallele ad una retta data; e un’altra, che tra due punti
tirava non una sola, ma un infinito numero di rette! Qual’è la vera?
mi chiesi allora, rabbrividendo all’idea di aver insegnata all’Argentina
una falsa geometria. Anche questa volta però fu il Poincaré che mi
trasse dall’impiccio e mi aprì gli occhi. Il Poincaré ha dimostrato che
la geometria è un tempio della necessità logica, architettato
stupendamente, ma destinato a restar vuoto in eterno. Per parlar più
alla buona: gli assiomi della geometria non sono nè veri nè falsi;
sono convenzioni arbitrarie; e ogni geometria può sceglierli a
piacere, come vuole, senza altro obbligo che di cercar quel che
segue, se quel tale assioma è ammesso per vero: in conclusione
dunque non ci sono nè geometrie vere nè geometrie false: ma
geometrie più o meno comode a certi scopi. La geometria di Euclide
serve a misurare la terra e a costruire le macchine: quindi avevo
fatto bene ad insegnarla a Buenos-Aires, in una scuola di ingegneri:
quelle tali altre geometrie, servono invece a diventar professore di
Università, membro delle più famose Accademie di Europa e magari
senatore del Segno d’Italia: non avendo ambizioni di questa fatta,
non ero obbligato a professarne nessuna. Quindi grazie alla
pensione largitami dal governo argentino e ai pochi miei desideri, io
potevo ormai vivere al disopra di tutte le geometrie; al disopra cioè
dello spazio: il che è un privilegio degli Dei, mi pare....
— Ma allora — rispose l’ammiraglio, con un tono alquanto ironico —
la geometria farebbe il paio con la filosofia della guerra. Lei sa che
cosa è la filosofia della guerra? Quando una guerra è finita tutti si
fanno avanti per spiegare ai vinti perchè furono vinti. I preti dicono
che furono vinti, perchè in paese scarseggiava il santo timor di Dio; i
maestri, perchè c’eran troppi analfabeti; i meccanici, perchè gli
ordigni di guerra non erano abbastanza perfetti; gli scienziati, i poeti,
gli artisti, perchè lo Stato tributava poco onore alle lettere, alle
scienze e alle arti.... Ciascuno scopre una ragione; cioè tira l’acqua
al suo mulino.
— Su per giù — rispose il Rosetti. — Almeno sinchè non riusciamo a
considerare disinteressatamente lo Spazio ed il Tempo. Perchè
anche il Tempo — non si faccia illusioni — è stato inventato
dall’interesse. L’uomo si è illuso di poterlo misurare, traducendolo in
movimento; ma come? Supponendo che il pendolo compia sempre
in un tempo eguale eguali oscillazioni, o un egual numero di
oscillazioni. Ma questo noi lo supponiamo perchè ci fa comodo;
perchè, se no, non potremmo darci degli appuntamenti: senza
nessuna prova però. Per verificare questa supposizione
bisognerebbe accertare che le oscillazioni del pendolo sono sempre
eguali: ma dove è la misura, con cui accertarlo? La rotazione della
terra, mi direte.... Se durante due intervalli di tempo la terra ha girato
intorno al suo asse di un angolo eguale, che possiamo misurare con
l’astronomia, noi diciamo che quei due intervalli sono eguali. Ma
supponendo di nuovo che il movimento di rotazione della terra non si
affretti e non si rallenti mai: supposizione gratuita anche questa, che
non possiamo verificare se non misurando il movimento della terra
coi nostri orologi in mano, che viceversa poi son quelli il cui
movimento devo essere misurato alla stregua della rotazione
terrestre! Insomma noi vogliamo controllare gli orologi sul movimento
della terra e il movimento della terra sugli orologi: un circolo vizioso
da bambini; quali noi siamo! No, non ci sono orologi che vanno bene
ed orologi che vanno male, se non per gli orologiai che pretendono
di saperli aggiustare e che campano su questo pregiudizio della
moltitudine. Ma chi si innalza al disopra del Tempo volgare diventa
un semidio, eternamente giovane; perchè sa che non invecchia più,
che la vecchiaia come il tempo è una illusione....
Il Rosetti conchiuse così, sorridendo. E tutti ridemmo, anche
l’ammiraglio, che:
— Ahimè! — disse. — Alla mia età vorrei poter convincermi di
questa bella verità. Ma non ci riesco.
— Perchè — rispose il Rosetti — lei è interessato....
— E che interesse avrei, io, a credere la geometria vera piuttosto
che falsa? Non ci guadagno nulla. Non sono mica un professore di
matematica....
— Tra gli interessi — rispose il Rosetti — occorre annoverare anche
la affezione nostra alle opinioni radicate in noi dalla prima
educazione.... E lei è un comtista.
L’ammiraglio non rispose; e il Cavalcanti ripetè sotto voce:
— Il Tempo e lo Spazio sono i lembi del velo di Maya....
Era la seconda volta che il Cavalcanti ricordava la Maya.
— Lei ha letto il libro di Vivekananda, questa mattina — dissi.
Sorrise e confessò che la sera prima, pieno ancora la mente dei
discorsi del Rosetti, si era ritirato nella cabina e aveva, prima di
addormentarsi, sfogliato il libro della signora Eddy ma lo aveva
trovato noiosissimo e gittatolo dopo poco; poi il libro del filosofo
indiano, prestatogli dalla signora Yriondo. Ma su questo di pagina in
pagina aveva vegliato sino all’alba, parendogli di sentir una voce
soave e invisibile continuare nella notte, alta sovra il suo capo, i
discorsi del signor Rosetti sino alla conclusione definitiva; guidarlo
spedito per i laberinti della realtà alle porte dell’ultimo e mistico e
fulgido Vero, a cui tanti spiriti capitano per caso, dopo mille
erramenti. Quale era la conclusione di tutti i discorsi che avevamo
fatti intorno alla bellezza, alla verità, al progresso, alla civiltà, alla
barbarie, senza riuscir mai a metterci d’accordo per definire una sola
di queste cose? Che ogni singolo io è la misura dell’Universo; quindi
il mondo non è quale lo vediamo e non lo vediamo quale è: ciascun
uomo lo vede come gli piace vederlo. E questo è il principio da cui
muove il vedantismo, il quale però dal principio cava tutte le
conseguenze: e quindi afferma che tutti hanno ragione e tutti hanno
torto. Ogni cosa è grande ed è piccola, è buona e cattiva, è bella ed
è brutta: ogni verità è falsa ed ogni menzogna vera; il vizio e la virtù,
la colpa e l’innocenza, l’onore e l’infamia, la luce e le tenebre, la
ricchezza e la povertà, la vita e la morte, la infinita varietà del mondo
sulla quale i nostri occhi credono di posarsi, non sono che
apparenza, illusione, miraggio. E l’uomo sbugiarda alla fine l’amaro
inganno ed elude le sottili insidie della varietà, dopo mille fatiche e
pericoli, quando capisce che, come le onde ricadono sempre
nell’unità dell’Oceano, così l’infinita varietà del mondo si riconfonde
nella eterna immobilità dell’Universo, eguale a sè stesso in ogni sua
parte e membro; e perciò immortale, e perciò sereno, e perciò senza
dolore, esente da morte, senza passione; lago di eterna felicità,
mare di calma infinita, unità pura senza forma e mutamento, e perciò
perfettissima.
Tutte queste cose furon dette con bella forma e gran fervore. Ma
l’Alverighi:
— Morale! — sghignazzò beffardo, anzi impertinente. — Un soldo e
un milione valgon lo stesso: la differenza è una illusione.
— Valgon lo stesso, secondo Vivekananda, — rispose il Cavalcanti
senza scomporsi — per il savio che possiede la saggezza suprema.
— Io preferisco possedere una lega di buon campo nella Pampa —
ribattè l’altro.
Intervenni a questo punto; e dissi che il Vedanta era una dottrina
grandiosa e sublime ma sterile, come l’Oceano o come il deserto.
Essa avrebbe annientata l’energia delle nostre razze, che hanno
conquistata, a prezzo di tanto sangue, la libertà, per poter variare
all’infinito le forme del mondo, non già per sprofondarsi nella eterna
immobilità del Tutto. Esposi poi i pensieri che avevo ruminati alla
mattina: certo poichè gli interessi mondani e sociali intorbidano la
Bellezza, la Verità ed il Bene, bisognava purificare dagli interessi il
mondo, ma non distruggendolo, come con troppo disperato eroismo
proponeva il vedantismo. E conchiusi, volgendomi al Rosetti, che
egli non ci aveva ancora detto quale fosse per lui il procedimento
migliore di purificazione; ma che certo non poteva essere quello
suggerito dal filosofo indiano.
Ma con gran sorpresa mia e di tutti, il Rosetti rispose che il
Cavalcanti aveva ragione; e che la nostra civiltà scivolava senza
accorgersene sulla china del vedantismo.
— Sarei dunque vedantista anche io? — chiese ridendo l’Alverighi.
— Lei più degli altri — fu la risposta.
Ma fischiando il mezzogiorno, la macchina interruppe il discorso. Ci
levammo da tavola e ci disperdemmo. Io mi recai a leggere sulla
carta, che avevamo toccato il 23º grado e 36º minuto di latitudine, il
17º grado e il 30º minuto di longitudine: poi mi ritirai per la siesta
pensando al Cavalcanti e a Vivekananda, ma punto maravigliato che
questo diplomatico, nato nella India nuova, nel Brasile equatoriale, si
fosse acceso di così subito fervore mistico innanzi all’Eterna
Immobilità del Tutto, contemplata sotto i tropici dell’India antica dai
savi. Il Cavalcanti era un mistico inconsapevole, nutrito di idee
occidentali disformi dalla sua natura: ma non potei a meno nel tempo
stesso di pensare quanto arruffato e confuso è il mondo ormai, con
tante idee e popoli in giro per la terra senza riposo! Dopo la siesta,
nel pomeriggio, scesi nella terza classe per parlare con Antonio.
Desideravo scandagliare per mezzo suo l’opinione della terza classe
intorno ad Orsola. Lo trovai di fatti nel refettorio della terza classe,
intento a giocare con un giovane bruno. Interruppe la partita e uscì
meco fuori all’aperto; ma quando tanto per avviare il discorso gli ebbi
esposti i lagni di Orsola, con un fare risentito:
— Io? — disse. — Io, invito a giocare suo marito? Ma se è lui che
viene sempre a cercarmi per passare un’ora lontano da quella vipera
di sua moglie....
— Vipera? — dissi io. — E perchè?
Tacque un momento e poi invece di rispondermi con aria tra irritata e
sprezzante:
— Ma vuol sapere, perchè quella donna sparla di me così? Perchè
io dico sempre il fatto suo a quell’imbecille di suo marito.... Tutto
deve far lui, perfino il balio e il bambinaio; lei non fa un passo, non
un gesto; tutto il giorno sta seduta a sparlare dell’uno e dell’altro....
Si chiama essere un uomo questo? Quando la donna porta i calzoni,
la casa va in rovina. L’uomo deve essere un uomo.
Non avevo alcun argomento da opporre a così maschio aforisma: lo
secondai anzi: e così a poco a poco gli feci ripetere e amplificare di
nuovi particolari quel che Maddalena aveva già raccontato alla mia
signora. Mi affermò senza alcuna esitazione che Orsola e suo marito
erano due fannulloni; che lei era ancora più inetta e pigra di lui; e
che perciò avevano meritata la loro sorte. Allusi vagamente alla
storia dell’intendente: neppure Antonio ne aveva sentito parlare; e
quando gliela ebbi raccontata in succinto:
— Ma che intendente! — disse. — Piuttosto è lei, qui, sul vapore,
che cerca di far girare la testa a quel giovane abruzzese, con cui
stavo ragionando. È un buon giovane; ma non ha fatto fortuna e ho
paura che non la farà. Non hanno giudizio, questi giovani. Io cerco di
dargli qualche buon consiglio....
— Dai anche dei consigli adesso, don Antonio?
Gli chiesi infine di Maddalena. Ma tranquillo, impassibile, come se
avesse dimenticato quel che mi aveva detto nei giorni precedenti e
parlasse di una persona qualunque:
— Sta male, molto male. Non c’è più nessuna speranza, mi ha detto
il dottore. L’ho fatta mettere a letto, tanto perchè soffra meno....
Risalii sul ponte, dove incontrai la signora Feldmann. Era tranquilla;
e spontaneamente riprese a ragionar del marito. Mi disse che era
sempre stato molto geloso: e non solo per amore, ma anche per una
specie di istinto violento di proprietà.
— Ha l’istinto dell’accaparratore: vuol tutto lui, quando vuole. Io ero
una cosa sua.
Mi disse che l’ammiraglio le aveva riferito che anche a lui avevo
detto di non ritenere per vera la diceria del divorzio. Confermai che
così pensavo, e ripetei:
— Almeno se non c’è di mezzo un’altra donna!
— Oh di questo sono sicura, sicurissima, — mi rispose con un
sorriso malizioso, che lì per lì mi parve strano.
Frattanto, eravamo arrivati in fondo al ponte, alla ringhiera che
guarda sulle terze classi: e ci fermammo, guardando il mare. Un
stormo di pesci volanti frullò bianco da onda ad onda, e disparve: la
signora fece un piccolo grido di gioia; poi volgendo intorno gli
sguardi per la vastità dell’Oceano:
— Come è tranquillo e possente! — disse. — Io non so perchè i
poeti dicano il mare infido. A me, mi rassicura, invece. Mi sembra un
gran vecchio sicuro e leale, che ci porta sulle sue spalle possenti
verso la terra e la casa.
Tacque un momento, sopra di sè; poi:
— Domani però saremo alle Canarie!
Frattanto con la coda dell’occhio io avevo visto, nelle terze classi, un
emigrante, poi due, poi tre, fermarsi a pochi passi, la faccia in aria, a
guardare la signora; sussurrar qualche parola tra di loro; far cenno a
destra e a sinistra: uomini e donne accorrere.
— Guardi! Quanti ammiratori! — mormorai alla signora. — Son qui
per lei, ma non estatici davanti alla sua bellezza, sa, non si illuda; a
bocca aperta innanzi ai suoi milioni!
— E che cosa ne sa lei? — mi disse facendomi le boccuccie, come
offesa.
— Lo so, lo so. Ci vuol pazienza, signora. La moltitudine una volta
ammirava i cardinali, i principi, i re, il papa: oggi tocca a loro, gran
signori dell’America Una volta per uno.... Lei fa qui la figura di un
cardinale!
Il paragone la fece ridere: abbassò sorridendo gli occhi sul piccolo
assembramento che li levava verso lei contemplando; si lasciò
guardare e ammirare con tranquilla disinvoltura e non senza una
certa compiacenza; scorse due bambini; cercò dei cioccolattini nella
borsa e li gettò; poi volse le spalle per ripigliar la passeggiata sul
ponte.
— E a noi butta qualche marengo, almeno! — gridò una rozza voce,
in rozzo piemontese.
Qualcuno sghignazzò, altri protestarono: non potei veder quel che
successe, perchè dovetti seguire la signora che si era mossa. A
metà del ponte ci incontrammo con il Vazquez, che salutò la signora
e sospirando:
— Se fosse il «Mafalda», domani arriveremmo a Genova e non alle
Canarie! L’ho fatta grossa a pigliar questo battello! Ma l’avvocato l’ha
voluto.
Ragionammo un po’; poi ci separammo. Di lì a poco il Cavalcanti mi
lesse dei brani di Vivekananda; ragionammo a lungo della singolare
uscita del Rosetti. Egli l’approvava: io dissi che il Rosetti parlava per
ironia, mirando altrove: ma dove? Passò in fretta l’Alverighi; e:
— Contemplate l’immobilità del Tutto? — disse ridendo. — Son
proprio curioso di sapere come mai io sarei diventato vedantista!
Il Cavalcanti mi raccontò di aver finalmente scoperto che tutte le
dicerie intorno alla signora Feldmann e alle sue ricchezze erano
messe in giro da Lisetta, la cameriera. L’aveva sorpresa, poco prima,
a raccontare in gran segreto alla bella genovese e alla moglie del
dottore di San Paolo come la signora avesse un bagno d’oro
massiccio, dove ogni giorno essa tuffava il suo bel corpo in un’acqua
in cui erano state profuse cinquecento lire di non so più quali
preziosissimi aromi e che a ogni viaggio essa soleva dare alla fine
una festa e fare un regalo prezioso a tutti i passeggeri.
Ma la discussione, interrotta alla mattina, ridivampò verso la fine del
pranzo, dopochè avemmo ragionato a sazietà della salute del signor
Yriondo e dell’imminente arrivo alle Canarie. Al caffè l’Alverighi
pregò in tono di scherzo il Rosetti di spiegargli come mai egli fosse
vedantista senza saperlo. E il Rosetti subito lo soddisfece.
— Ma non ci ha persuasi, proprio lei, che ogni singolo uomo è la
misura infallibile e insindacabile del Bello e del Brutto? che deve
difendere con tutte le forze questo suo quasi divino diritto?
Senonchè quale ragione ci sarebbe di non andare più oltre e di non
chiederci: e perchè solo del Bello e del Brutto, e non anche del Vero
e del Falso, del Bene e del Male? E noi difatti abbiamo, seguendo le
sue orme, illuminati tutti i criteri che ci servono a giudicare le qualità
delle cose: non solamente se sono belle o se sono brutte, ma anche
se son vere o se son false, se sono buone o cattive, e quindi anche
a giudicare il progresso e la decadenza, la civiltà e la barbarie,
altrettanti nomi diversi per dire che certi mutamenti sono buoni o
cattivi. E abbiamo scoperto che tutti questi criteri sono personali,
rovesciabili, mutevoli, perchè dipendono dai nostri desideri e dai
nostri interessi; che non uno solo è eterno, universale, imperativo.
Ogni uomo è quindi la misura dell’universo, come ha detto lei,
Cavalcanti. Ma di qui nasce, mi pare, che tutte le differenze che noi
vediamo nelle cose, e per cui lodiamo come belle certe cose e
spregiamo come brutte certe altre, definiamo queste buone e quelle
cattive, affermiamo che le une sono vere e le altre false, sono
apparenti; poichè dipendono da noi e dai nostri stati di coscienza,
che semplici o compositi, primigeni o derivati, mutano di continuo, di
ora in ora, come muta di colore un fiume che va: e se le differenze
delle cose sono apparenti, il mondo è sempre identico a sè
medesimo. A che scopo dunque ci sforzeremo di smuoverlo dalla
sua sublime impassibilità, di alterarne la invulnerabile identità? E che
cosa è l’energia delle nostre razze, che credono di rifar l’universo in
forme sempre nuove; che cosa sono le nostre macchine, la nostra
scienza, il tanto vantato progresso, e perfino le bramate ricchezze,
se non l’illusione del cavallo che volgendo con i suoi piedi la ruota
crede di correre per il vasto mondo e non fa un passo avanti? Certo
al mugnaio importa assai che il cavallo cammini anche se non fa
strada, e gli macini il grano: ma esso, il povero cavallo, se potesse
togliersi alla tirannia del mugnaio, uscirebbe dalla ruota e si

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