Fernando Carneiro - Dissertação

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

FACULDADE DE TEOLOGIA

MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico)

FERNANDO JORGE BRANDÃO CARNEIRO

O celibato sacerdotal
Uma reflexão em torno da encíclica Sacerdotalis
Caelibatus
Dissertação Final
sob orientação de:
Prof. Doutor Luís Miguel Figueiredo Rodrigues

Co-orientação:
Prof. Doutor José da Silva Lima

Braga
2017
SIGLAS

GS Conc. Ecum. Vaticano II. Constituição pastoral Gaudium et Spes (1965).

LG Conc. Ecum. Vaticano II. Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium (1964).

OT Conc. Ecum. Vaticano II. Decreto sobre A Formação Sacerdotal Optatam Totius (1965).

PDV Exortação apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis (1992).

PO Conc. Ecum. Vaticano II. Decreto sobre o Ministério e vida dos Presbíteros Presbyterorum

Ordinis (1965).

Sac Exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis (2007).

SaCae Carta encíclica Sacerdotalis Caelibatus (1967).

SNP Carta encíclica Sacerdotii Nostri Primordia (1959).

2
RESUMO
Ao celebrar o seu cinquentenário, a carta encíclica Sacerdotalis Caelibatus,
promulgada pelo papa Paulo VI, continua a apresentar-se como o principal documento do
Magistério sobre o celibato sacerdotal. Com efeito, a presente reflexão tem por intento
compreender a pertinência e importância dos ensinamentos deste documento para os tempos
atuais. Para tal, optaremos por um percurso que nos permitirá compreender a Encíclica e o seu
tema numa dimensão bíblica e histórica, de modo, a apreender os diversos elementos,
bíblicos, históricos e teológicos que estão subjacentes à sua reflexão. Pois, estes elementos
ajudar-nos-ão a interpretar o profundo significado teológico do celibato numa dimensão
cristológica, eclesiológica e escatológica, sendo efetivamente este o principal objetivo deste
trabalho.

Palavras-chave: Paulo VI, Celibato, Ministério sacerdotal.

ABSTRACT
Celebrating its fiftieth anniversary, the encyclical Sacerdotalis Caelibatus
promulgated by the pope Paul VI continues to present itself as the main document of the
Magisterium on priestly celibacy. In fact, the present investigation is intended to understand
the pertinence and importance of the teachings of this document for the present times. For
this purpose, we will opt for a journey that will allow us to understand the Encyclical and its
theme in a biblical and historical dimension, in order, to grasp the biblical, historical, and
theological elements that underlie his reflection. Because, these elements will help us to
interpret the profound theological meaning of celibacy in an christological, ecclesiological
and eschatological dimension, being effectively the main objective of this work.

Keywords: Paul VI, Celibacy, Priestley Ministry.

3
INTRODUÇÃO

Meio século após o final do Concílio Vaticano II surge a pertinência de considerar o

cinquentenário dos documentos de maior prominência do Magistério, os quais se encontram,

de algum modo, vinculados ao Concílio. É precisamente, neste contexto, que julgamos

deveras oportuna uma reflexão teológica sobre o celibato sacerdotal, com principal enfâse na

carta encíclica Sacerdotalis Caelibatus, que em nosso juízo é o principal documento do

Magistério sobre o tema, expondo uma profunda reflexão sobre a sua essência e vivência. As

razões da sua redação remontam precisamente ao decorrer dos trabalhos conciliares, onde

Paulo VI, julgando inconveniente um debate público sobre a questão, promete aos Padres

imprimir futuramente um novo lustre e vigor ao celibato sacerdotal, face a um contexto social

marcado pelo desenvolvimento reflexivo de várias ciências, as quais, em certas

circunstâncias, colocaram os valores humanos em oposição ao celibato.

Com efeito, a Sacerdotalis Caelibatus assumirá uma imagem exigente e austera do

sacerdócio, mas também uma profunda sensibilidade e preocupação com a formação e a vida

sacerdotal. A sua reflexão teológica desenvolve-se em perfeita harmonia com os

ensinamentos do Magistério, integrando uma grande conformidade e afinidade com a

Tradição doutrinal da Igreja, sobretudo, com a reflexão resultante do Vaticano II, do qual

recolherá conceções fundamentais. Não se trata, todavia, de uma mera síntese ou repetição da

Tradição doutrinal e da disciplina, dado que não se detém numa simples apologia, mas orienta

a uma visão de amplos horizontes teológicos e abre caminho para um desenvolvimento futuro.

Paulo VI apresenta as razões teológicas do celibato sacerdotal, evidenciando a

conveniência de uma vida célibe no exercício da missão sacerdotal. Neste sentido, o Pontífice

convida explicitamente, aqueles que são dotados de condições espirituais, teológicas e

doutrinais, a perseverarem no estudo e na reflexão teológica acerca do vínculo entre

sacerdócio e celibato, de modo, que se compreenda claramente a lógica de uma entrega total a

Cristo e à Sua Igreja.

4
Ora, é precisamente com este intento que nos propomos a desenvolver a nossa

reflexão, assumindo o objetivo de refletir a pertinência e importância do celibato sacerdotal

nos tempos atuais e identificar a sua conveniência, através do seu profundo significado

teológico. Contudo, dado o percurso pessoal e académico do autor da presente dissertação, em

ordem ao presbiterado, o foco de reflexão incidirá restritamente no segundo grau da Ordem.

Para concretizarmos tal objetivo assumiremos o método bibliográfico, tendo em conta

os principais documentos do Magistério, os quais procuraremos compreender melhor

recorrendo à reflexão de vários autores sobre o tema. Assim, começaremos por contextualizar

o celibato sacerdotal numa dimensão bíblica, histórica e doutrinal para culminarmos com uma

interpretação à luz dos elementos fundamentais desenvolvidos na Encíclica. Por conseguinte,

no primeiro capítulo atenderemos ao conceito de continência compreendido no Antigo

Testamento, bem como à nova significação que lhe advém pela novidade do mistério de

Cristo no Novo Testamento. Posteriormente optaremos por expor determinados pontos

histórico-teológicos inerentes à disciplina do celibato, pois seria demasiado extensivo ao

nosso trabalho uma abordagem mais profunda e detalhada, focando-nos então nos pontos

fulcrais, desde o Concílio de Elvira até ao Vaticano I. Deste modo, consideraremos a vivência

da disciplina do celibato na época pós-apostólica, como obrigação aceite e transmitida pela

Tradição oral da Igreja, para que possamos identificar progressivamente no tempo as causas

que levaram a várias fases de legislação, as controvérsias inerentes e os elementos teológicos

resultantes.

No segundo capítulo, atentaremos no desenvolvimento histórico e teológico do

celibato sacerdotal desde João XXIII até à Sacerdotalis Caelibatus. O pensamento de João

XXIII está presente na reflexão conciliar, daí a conveniência em iniciarmos neste Pontífice a

reflexão deste capítulo. Dado que a Encíclica encontra os principais motivos da sua redação

no decorrer do Vaticano II, e se desenvolve em perfeita harmonia com a reflexão teológica daí

procedente, seguiremos por atentar no contexto social envolto ao Concílio, quanto ao tema do

5
celibato sacerdotal, analisando os principais documentos conciliares que trataram diretamente

o tema, a saber, Lumen Gentium, Optatam Totius e Presbyterorum Ordinis. Após este

percurso, adentraremos concretamente no tratamento da Sacerdotalis Caelibatus,

identificando os principais elementos que lhe são distintos, bem como alguns traços próprios

do seu autor. Na primeira parte do trabalho focar-nos-emos na essência do celibato sacerdotal,

nas razões teológicas do mesmo frente a várias objeções, enquanto na segunda parte se

refletirá na formação e na vida sacerdotal.

Por fim, o terceiro capítulo corresponderá a uma interpretação teológica do significado

cristológico, eclesiológico e escatológico do celibato sacerdotal. Para tal, partiremos da

reflexão presente na Encíclica acerca de cada dimensão, associando novos elementos

reflexivos.

Ao longo da investigação científica, uma das maiores dificuldades foi realmente a

constatação de uma escassa reflexão teológica acerca do tema, sobressaindo-se a impressão de

que a teologia não dedica grande espaço a este tema.

Ora, o celibato sacerdotal é uma dimensão importantíssima na vida sacerdotal,

implicando toda a existência da pessoa, por isso, é imprescindível que os sacerdotes e aqueles

que se preparam para o ser saibam aprofundadamente o significado da sua renúncia a uma

dimensão que é própria da natureza humana e expressamente querida por Deus, o matrimónio,

como caminho de santidade fundamental. Portanto, evidencia-se como essencial uma

autêntica compreensão da opção pelo celibato como adesão a Cristo com o coração indiviso,

pelo reino do Céu, num amor esponsal com a Igreja.

O conhecimento das razões de adesão a Deus como valor definitivo, na vida

sacerdotal, é de tal modo importante que lhe dedicaremos constante e transversal atenção ao

longo do nosso trabalho. Pois, na verdade, o celibato sacerdotal, quando assumido

verdadeiramente pelos sacerdotes, é um autêntico sinal escatológico para o mundo.

6
1. PERSPETIVA BÍBLICA E HISTÓRICA DO CELIBATO

A conveniência do celibato sacerdotal foi-se revelando progressivamente ao longo da

história do Povo de Deus, por isso, é pertinente que façamos um percurso bíblico e histórico

que nos permita entender os alicerces teológicos e históricos desta disciplina. No Antigo

Testamento percebemos que realmente Deus suscita nos homens, de modo gradual, o apreço

pela castidade, embora, o judaísmo não tenha compreendido esta virtude na sua plenitude,

restringindo-a a uma dimensão exterior que se expressou, sobretudo, numa minuciosa

preocupação para com a pureza ritual. Posteriormente, o NT, através da novidade de Cristo,

deu um novo significado à vida célibe, fundamentando-a na adesão a Cristo como valor

definitivo. Para além destes elementos basilares, os elementos históricos são também de

relevante importância para que possamos esclarecer alguns mal entendidos acerca do celibato,

compreendendo-o como um costume já praticado e aceite na época pós-apostólica e

posteriormente legislado e estendido a toda a Igreja.

1.1. Antigo Testamento

O estudo sobre uma eventual vinculação do celibato com o Antigo Testamento sugere

que se compreenda primeiramente a história do ministério sagrado no povo israelita, o qual,

como sociedade profundamente teocrática, reconheceu ao longo da sua história um caráter

sacerdotal a várias personagens.

O clima religioso do AT era realmente absorvente e dominava todas as dimensões

sociais, compreendendo-se que todas as autoridades eram religiosas. Destacando sobretudo as

figuras de maior relevância, verificamos que: «os juízes eram assistidos pelo “Espírito do

Senhor”. Moisés era tão ou mais sagrado que o Sumo sacerdote Aarão. Os reis de Judá até

antes de Josias consideravam-se investidos de dignidade e caráter sacerdotal. Os últimos

7
governantes, a partir de Simão Macabeu, eram reis e sumos pontífices»1. No entanto,

salientam-se, neste contexto, três figuras essenciais: os sacerdotes, os profetas e os escribas.

Efetivamente, a organização do sacerdócio judaico deu-se a partir de Moisés,

vinculado à tribo de Levi. Trata-se de uma herança de sangue, onde se nasce sacerdote e se

morre sacerdote. Apesar de que para as «tradições deuteronomista e sacerdotal a santidade é

característica de todo o povo (cf. Ex 19, 6), os levitas-sacerdotes são a «parte» do Senhor (Dt

18, 1, obrigados a uma pureza ritual superior à exigida dos leigos (Lv 21, 22)»2. Para além

disso, era-lhes reconhecida autoridade sagrada, eram beneficiados com direito a dízimos e

vestes distintivas, atribuindo-se-lhes altos cargos na representação do povo. Mas, já em

Deuteronómio se acentua que quando Deus decide comunicar com o seu povo de forma

especial suscita profetas no meio do povo, ao invés de se revelar através dos sacerdotes3. Os

profetas surgem realmente com uma personalidade carismática, com uma voz viva e

autorizada que lhes permite denunciar as próprias estruturas políticas e religiosas. Também, a

partir do desterro na Babilónia, os escribas ganham um notável reconhecimento. Após o

desterro, as tarefas doutrinais inerentes ao papel dos sacerdotes foram progressivamente

assumidas pelos escribas, destacando-se a figura de Esdras que assumiu a função de escriba,

função até então exercida pelos sacerdotes4.

Com efeito, podemos constatar que no povo judeu a figura dos profetas e

posteriormente dos escribas assumiu sempre uma primazia em relação aos sacerdotes. O

motivo de tal realidade parece assentar no facto de que à medida que o povo aprimorou o seu

sentido religioso foi optando pela dimensão carismática em detrimento da dimensão ritual5.

Contudo, em consideração do tema que nos importa realmente alcançar, é fundamental

denotar que a acentuada desconsideração do povo israelita em relação aos sacerdotes,

1
Mauro RODRÍGUEZ, El celibato: ¿Instrumento de gobierno? ¿Base de una estructura?, Herder, Barcelona,
1975, 18.
2
Ibidem, 19.
3
Ibidem.
4
Cf. Ibidem, 20.
5
Cf.Ibidem.
8
reduzidos a posições secundárias, também parece dever-se, em grande parte, à corrupção do

partido sacerdotal, no qual os sacerdotes, «afastados de ser o ideal dos valores espirituais,

haviam-se convertido em sinónimo de materialismo e de epicurismo hedonista»6.

O apreço pela castidade consagrada parece ter tido realmente uma valorização gradual

ao longo da Sagrada Escritura, sendo deduzível que «Deus foi educando o Seu Povo,

lentamente numa linha progressiva de elevação moral»7. Sobretudo, no capítulo sétimo do

Levítico encontramos uma ideia clara desta realidade, onde se expõe a condenação da

perversão sexual, a proibição de casamento entre familiares próximos e condenação do

adultério (cf. Lv 7). Nesta perspetiva, encontramos várias passagens no AT que atestam uma

crescente elevação moral do Povo de Deus e consequente valorização da castidade. Assim,

verificamos primeiramente um reconhecimento do valor do matrimónio e condenação do

adultério: «o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só

carne» (Gn 2, 24); «Se um homem cometer adultério com a mulher do seu próximo, o homem

adúltero e a mulher adúltera serão punidos com a morte» (Lv 20, 10); «não cometerás

adultério» (Ex 20, 14). Posteriormente, verificamos um reconhecimento da excelência da

castidade: «a alma casta não tem preço» (Ecl 26, 20); «quem poderá subir à montanha do

Senhor e apresentar-se no seu santuário? O que tem as mãos inocentes e o coração limpo» (Sl

23, 3-4). E para além desse reconhecimento, há ainda passagens que louvam explicitamente a

virtude da castidade: «amaste a castidade e não quiseste, depois da morte de teu marido,

conhecer outro homem; por isso o Senhor confortou-te, e serás eternamente bendita» (Jdt 15,

11); «mais vale uma vida sem filhos, mas rica de virtudes: a sua memória será imortal, porque

será conhecida de Deus e dos homens. Quando está presente, imitam-na; quando ausente,

desejam-na; no século vindouro triunfará coroada por ter vencido sem mancha nos combates»

(Sb 4, 1-2)8.

6
Ibidem, 21.
7
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total: O celibato na Igreja, Apostolado da Oração, Braga, 1999, 13.
8
Ibidem, 14.
9
Apesar de o povo judeu não ter compreendido o significado da castidade, na sua

amplitude, encontramos no AT algumas personagens que assumiram uma autêntica vivência

da virtude do celibato, destacando-se três exemplos: o profeta Elias, «homem vestido de

peles, que trazia um cinto de couro em volta dos rins» (2 Rs 1, 8), remetendo também esta

expressão para uma figura posterior, João Batista (cf. Mc 1, 6)9; e o profeta Jeremias, ao qual

o Senhor indicou: «não tomarás mulher, nem filhos nem filhas nesta terra» (Jer 16, 1-4). No

Livro de Jeremias, podemos realmente constatar que o profeta demonstrou uma resignação

permanente, pois tinha inclinação à vida familiar e, por isso, a vida célibe impôs-se-lhe como

um grande sacrifício10.

Entre o Antigo e Novo Testamento verificamos visivelmente vários elementos de

continuidade, porém, o valor do celibato cristão é uma grande novidade em relação ao

judaísmo (cf. SaCae 19). O judaísmo possuía uma visão muito positiva do matrimónio e da

procriação, a qual se fundamentava na obediência à lei divina revelada, através da qual o

Criador proclama: «não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar

semelhante a ele» (Gn 2, 18), e ainda «crescei, multiplicai-vos, enchei e submetei a terra» (Gn

1, 28)11. Neste contexto, não nos é tão difícil perceber porque o estado celibatário era

considerado como uma condição humilhante para os judeus12.

A perfeita continência, vivida já pelos primeiros sacerdotes cristãos, difere da

continência dos sacerdotes judeus, pois para os cristãos «o ponto de referência era o exemplo

e missão de Cristo, não a pureza ritual do Antigo Testamento»13. O Livro do Levítico expõe

diversas considerações acerca da pureza ritual dos sacerdotes do AT, aos quais eram exigidas

para poderem comer dos dons sagrados e exercer as cerimónias rituais. Para além, das

infeções de pele, impurezas de natureza sexual e contato com cadáveres, salienta-se inclusive

9
Cf. B. RIGAUX, Le célibat et radicalisme évangelique, Casterman, Tournai, 1972, 158.
10
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 15.
11
Cf. José Antonio PAGOLA, Jesus: uma abordagem histórica, Gráfica de Coimbra, Coimbra, 2008, 57.
12
Cf. Franco MANZI, «¿El celibato sacerdotal, es una disciplina de la Iglesia latina o tiene orígenes bíblicos?», in
Arturo CATTANEO, ¿Curas casados?, RIALP, Madrid, 2011, 23.
13
Cf. Giorgio PAXIMADI, «El celibato sacerdotal: Un poco de historia», in Arturo CATTANEO, ¿Curas casados?,
RIALP, Madrid, 2011, 19.
10
a proibição de «derramamento de sémen», o qual era visto como causa de impureza mesmo

durante uma relação matrimonial (cf. Lv 15, 16-18)14. Os sacerdotes deviam «guardar

continência enquanto durava o seu serviço ao templo, porque “aproximar-se das coisas

santas” exigia a abstenção sexual (Lv 22, 3-10). […] O texto não qualifica a exigência como

“pureza” (tahot), mas como “santidade” (qadosh), situando-a assim na perspetiva do encontro

com Deus para participar na sua santidade»15. A continência sexual, como condição para o

exercício do culto, era de tal modo imprescindível que a tradição judia, como se verifica na

«Mishna, prescreve que o Sumo Sacerdote que se preparava para celebrar o


rito do Dia da Expiação havia de permanecer segregado durante a noite anterior, assim
como manter-se desperto com a ajuda de uns jovens encarregados ex professo, os
quais, para evitar todo contato com ele, o tocavam com umas varas. Levando-se isto a
cabo pelo temor de que, se dormisse, poderia ter um incidente noturno que o faria
impuro para a celebração do dia seguinte»16.

O motivo de tais exigências, para com a pureza ritual, parece fundamentar-se numa

razão geral de que todos os fluidos sexuais simbolizam uma perda de vida 17. Ora, «o Deus de

Israel é o Deus da vida (Dt 5, 26), o Deus que faz respirar o vivente (Nm 27, 16; os mortos

não o louvam (Sl 115, 17) e Ele não se interessa pelos mortos (Sl 88, 11). O que se refere à

morte vai, portanto, contra Deus e é impuro»18. Por outro lado, constatamos que no NT a

impureza sexual, como consequência de derramamento de fluidos sexuais, perde o seu

sentido, pois passa-se a entender esta dimensão num sentido mais ético do que ritual.

Portanto, podemos constatar que «o celibato do sacerdote do NT não pode conceber-se como

uma continuação da continência do sacerdote veterotestamentário, mas como um carisma

particular de conformação com Cristo, virgem e esposo da Igreja (cf. Ef 5, 31-32)»19. Neste

aspeto, a tradição judia não tem, de facto, continuação no cristianismo, pois a lei judaica

14
Cf. Ibidem, 20.
15
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, Sígueme, Salamanca, 2015, 46.
16
Giorgio PAXIMADI, «El celibato sacerdotal: Un poco de historia», 20.
17
Cf. Ibidem.
18
Ibidem, 21.
19
Ibidem, 22.
11
prescrevia que o sacerdote evitasse o contato com a mulher, apenas no tempo de preparação e

de duração do serviço no templo, sendo de igual modo a matrimónio “norma” de ouro do

judaísmo.

O AT apresenta a pureza ritual judaica segundo uma perspetiva de positividade divina.

Mas, podemos, também verificar que, relativamente a esse costume, o judaísmo não se opõe

às antigas práticas das religiões naturais, está inclusive em perfeita consonância com elas,

remontando tal conformidade aos tempos em que os abraâmicos ainda não se haviam

diferenciado dos politeístas20. Acreditando que os sacerdotes veterotestamentários não

exerciam o culto mecanicamente, sem pensamento nem sem uma verdadeira entrega de

coração, podemos deduzir que durante o serviço ao templo, o sacerdote estava

«ocupado no oferecimento dos sacrifícios expiatórios, eucarísticos e


impetratórios. O seu espírito se encontrava transido pelo pensamento de que os
pecados do seu povo eram tão graves, que ele mesmo, à semelhança da vítima,
merecia a morte, mas a infinita misericórdia de Deus perdoa aqueles que, comovidos
por estas ações simbólicas e com ânimo dócil, ofereciam a Deis todo-poderoso o
sacrifício de seu coração. O ânimo dos sacerdotes estava concentrado em meditar
como o Senhor havia elegido os filhos de Abraão e os havia destinado a ser seu povo
amado por predileção. […] A arca da aliança guardava as tábuas da lei, que Moisés
havia recebido do Senhor no Sinai, e os corações dos sacerdotes latiam de temor
diante da presença de tão grande legislação, terrivelmente excelsa»21.

Durante este profundo ambiente religioso parece muito difícil que o sacerdote se

recordasse de uma mulher, de modo, que a lei se limitava a impor exteriormente o que se

impunha pela realidade dos factos e do espírito do sacerdote22. Embora a lei se imponha de

uma forma negativa e externa, podemos compreender que ela comporta em si uma dimensão

espiritual interior: o sacerdote deixa o contato com a mulher para poder dedicar-se

inteiramente, com todo seu coração, ao Senhor. Evidentemente que o judaísmo não possuía

uma plena consciência desta realidade, pois centrava-se na pureza ritual, numa dimensão
20
Cf. Johann Adam MOHLER, El celibato sacerdotal, Encuentro, Madrid, 2012, 109.
21
Ibidem, 110.
22
Cf. Ibidem.
12
externa. Por conseguinte, a legislação judaica não parece ter tido influência na orientação

cristã pela perfeita continência, pois a eleição dos cristãos pelo celibato não se baseia «em

termos meramente funcionais»23, mas resulta de uma «renúncia a uma fecundidade, para

afirmar uma fecundidade radicada no carácter definitivo da união entre a Esposa eclesial e seu

Esposo divino»24.

1.2. Novo Testamento

Os ensinamentos de Cristo no Sermão da Montanha expõem-nos a exigência da pureza

do coração humano nas relações interpessoais, dentro ou fora do matrimónio. Nesta

passagem, «Cristo aproveita para esclarecer as implicações da pureza ritual no AT, que deram

lugar a uma falsa compreensão da pureza moral, entendida com frequência num sentido

exclusivamente externo e material, deixando ao mesmo tempo claro que os pecados contra a

castidade têm a sua origem no coração, na vontade do homem»25. «Do coração procedem os

maus pensamentos, homicídios, adultérios, atos impuros, roubos, os falsos testemunhos e

blasfémias» (Mt 15, 18-20), portanto, para além de ser fonte de pureza, o coração pode

também ser fonte de impureza. Para S. Paulo a pureza de coração é a «vida segundo o

Espírito» (cf. Gal 5, 16-17), a qual é compreendida como uma contínua tensão, no coração

humano, entre as exigências da carne e as do espírito. Todavia, o homem, pela redenção

operada por Cristo, é dotado de uma liberdade que lhe permite optar pelo bem, pela pureza, a

qual «em qualquer estado de vida, é uma afirmação do amor; não é algo suspendido sobre

nada, é uma resposta à chamada que Cristo dirige ao coração de cada homem»26.

Consequentemente, o NT apresenta o celibato como resposta a um chamamento específico de

Cristo ao coração humano.

23
BENEDICTUS XVI, Adhortatio Apostolica postsynodalis «Sacramentum Caritatis», in AAS 99 (2007) 24.
24
Giorgio PAXIMADI, «El celibato sacerdotal: Un poco de historia», 22.
25
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal: Uma perspectiva actual, Cristiandad, Madrid, 2004, 182.
26
Ibidem, 183.
13
Através do NT, compreendemos que Jesus levou uma vida célibe, sem contrair

matrimónio nem gerar filhos, justificando-se a Sua opção na Sua entrega total pela causa do

reino do Céu e, «sobretudo, pelo nexo intrínseco existente entre esta eleição e o conteúdo do

seu anúncio. Jesus Cristo não contraiu matrimónio nem gerou filhos para comunicar, também

de forma carnal, que a origem da vida eterna, que oferecia a todo homem, provinha

exclusivamente de Deus Pai»27. Na verdade, Cristo exortou os seus discípulos a viverem

como irmãos (Mt 5, 22-24; 7, 3-5), subordinando inclusive os laços de sangue à sua relação

fraterna com os discípulos: «o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu

irmão e minha irmã e minha mãe»28. Portanto, Jesus não teve filhos para estabelecer com os

seus discípulos uma verdadeira fraternidade universal através de uma vida comum, com um

propósito comum: o reino do Céu. O celibato de Jesus permitiu instaurar que a «comunicação

divina da vida eterna não é a da geração carnal (cf. Mt 3, 9), mas a da (re) generação

“espiritual” (cf. Mt 3, 11), “de cima”, “do Espírito de Deus” (Jo 3, 3; 5-8)»29. A Sua opção

por este estado de vida é uma manifestação de que «Deus Pai é a única fonte de vida

eterna»30, concretizando essa verdade num amor fraterno aos seus discípulos, os quais

constituiu como filhos para o Pai.

«Há, pois, um nexo sumamente significativo entre a experiência de


fraternidade de Cristo com os doze e a sua decisão de viver permanentemente o
celibato e a continência: foi justamente vivendo fraternalmente com os Doze que Ele
fez participantes em primeiro lugar a eles da vida eterna do Pai. Mas este dom não era
distintivo da “Boa Notícia” – o “Evangelho” – que Ele também manifestou a todos
mediante o “sinal” do celibato e da perfeita continência»31.

Quanto à vida pessoal dos discípulos, não podemos afirmar, com certeza, se eram

casados ou solteiros. João e André, como eram discípulos de João Batista, pressupõe-se que

27
Franco MANZI, «¿El celibato sacerdotal, es una disciplina de la Iglesia latina o tiene orígenes bíblicos?», 24.
28
Cf. Ibidem, 26.
29
Ibidem, 27.
30
Ibidem.
31
Ibidem, 28.
14
provavelmente seriam solteiros. Também sabemos que Pedro tinha sogra, mas na verdade não

temos informações precisas acerca dos demais apóstolos32. Todavia, o certo é que todos foram

chamados a deixar tudo, inclusive as mulheres se é que as tinham, pois a missão a que foram

chamados consistia em «estar com Jesus e ser enviado a pregar (cf. Mc 3, 13-14); ora estar

com Jesus é partilhar com Ele o próprio estilo de vida, ficar ligado à sua pessoa, e para

satisfazer aquelas duas exigências era preciso deixar tudo, como Pedro diz claramente (cf. Mt

19, 27)»33.

Em Mateus, Jesus adverte para a necessidade de deixar os próprios membros da

família para o seguir (cf. Mt 19, 29), mas em Lucas há uma menção específica em deixar a

esposa (cf. Lc 18, 29), evidenciando-se um claro convite para o celibato, na vida apostólica.

Por conseguinte, «a decisão dos doze de “deixar tudo” - inclusive a família (cf. Mt 19, 27) –

para viver com Jesus de maneira fraterna e célibe – ou pelo menos continente, tendo em conta

que alguns já eram casados, como Pedro (cf. Mt 8, 14-15) – tinha um único objetivo:

testemunhar como Ele fazia (Jo 13, 34; 15, 12) a “Boa Notícia” do Deus-Abbá (Mc 14,

36)»34. Ora, os textos bíblicos nunca se referem à vida conjugal dos apóstolos, ou a problemas

inerentes à vida familiar, que seria muito provável se realmente essa situação existisse35.

Neste sentido, os textos fundamentais em que podemos enquadrar o celibato sacerdotal

no NT são Mt 19, 3-12 e Cor 736. A primeira passagem bíblica consiste na única intervenção

de Jesus a respeito do celibato: «há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que

se tornaram eunucos pela interferência dos homens e há aqueles que se fizeram eunucos a si

mesmos, por amor do reino do Céu» (Mt 19, 12). Esta expressão, em atenção ao contexto em

que se insere, parece pressupor o celibato dos apóstolos, pois os judeus criticavam Jesus e os

seus discípulos por não guardarem o sábado, por comerem com os pecadores, por não

jejuarem, consoante as fontes «ter-lhe-ão chamado “comilão”, “bêbado”, “amigo de

32
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 15.
33
Ibidem, 15.
34
Franco MANZI, «¿El celibato sacerdotal, es una disciplina de la Iglesia latina o tiene orígenes bíblicos?», 28.
35
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 16.
36
Cf. Mauro RODRÍGUEZ, El celibato, 37.
15
pecadores”, “samaritano”, “endemoninhado”. Provavelmente riram-se dele chamando-lhe

“eunuco”»37. Perante semelhante insulto, que fere a própria virilidade e insinua uma ligação a

grupos marginais, podemos compreender que Jesus tenha aproveitado a ocasião para

esclarecer e defender a sua opção, e consequentemente dos seus discípulos, por uma vida

célibe. Todavia, é também deveras importante mencionar o versículo anterior: «nem todos

compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem lhes há sido dado» (Mt, 19,11).

«Mateus usa o verbo choréo, deixar espaço, dar lugar»38. Com efeito, as palavras de Jesus

manifestam o celibato como um dom que é compreendido e acolhido por alguns a quem lhes é

dado esse dom, tratando-se então de um acolhimento da graça de Deus. As palavras de Jesus

representaram certamente um grande escândalo para os judeus, os quais viam tal condição

como desprezível, e o Mestre demonstrava que há homens, escolhidos por Deus, a quem é

dado um dom especial de “dar lugar” a uma condição permanentemente célibe pelo reino do

Céu. Ora este “dar lugar” pressupõe que primeiramente se “deixe tudo”, para ingressar na

nova família de Jesus (cf. Mc 10, 29-30)39. Neste sentido, verificamos que «o serviço ao

Reino não requere somente o celibato, mas sobretudo todo o seguimento de Jesus, um

seguimento que é sempre comunhão de vida com Ele e com os condiscípulos, e que pode

levar até “fazerem-se eunucos”»40. Esta realidade surge então como «motivo apostólico, não

tanto para entrar no Reino, mas para trabalhar por Ele»41. Trata-se efetivamente de uma

concretização do Reino na vida humana: quando encontramos a verdadeira «pérola

preciosíssima», entregamo-nos totalmente, de coração indiviso, a esse grande «tesouro» (cf.

Mt 13, 44-46). Por conseguinte, o celibato, entendido segundo uma perspetiva de entrega ao

serviço do Reino, não pode somente ser compreendido como amor exclusivo e total a Deus

mas sobretudo como

37
José Antonio PAGOLA, Jesus, 59.
38
Cf. Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 49.
39
Cf. Ibidem, 50.
40
Ibidem.
41
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 17.
16
«formando parte de toda uma vida, não só da sexualidade, e de uma vida
humana plena, completa. A vida celibatária é vida que requere a renúncia ao amor
conjugal e familiar, mas em ordem a uma abertura à relação profunda com o Senhor e
à comunidade fraterna, num contexto humano da vida ditosa, autêntica, boa e bela,
como a vida vivida por Jesus de Nazaré»42.

Quanto ao capítulo 7 da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios, salientam-se

primeiramente as palavras do apóstolo: «desejaria que todos os homens fossem como eu, mas

cada um recebe de Deus o seu próprio carisma» (1 Cor 7, 7). Para além, de se valorizar o

celibato como um carisma, dom de Deus concedido a alguns, compreende-se por estas

palavras que o apóstolo não era casado e via esse estado de vida de forma positiva43. O núcleo

que merece maior atenção, atendendo ao tema deste trabalho, encontra-se efetivamente entre

os versículos 17 a 40. O apóstolo aconselha que cada um continue a viver segundo o carisma

que o Senhor lhe atribuiu, mas a quem é solteiro aconselha a permanecer nesse estado,

atendendo às «angústias presentes», «porque este mundo de aparências está a terminar» (vv.

25-30). Na verdade, o apóstolo desenvolve a sua reflexão de acordo com a espera da Parusia,

a qual julgava iminente (cf. 1Tes 4, 15-17; 2 Tes 2, 1-2), a partir da qual, dada a iminência da

vinda do Senhor, de «um eminente cataclismo revolucionário de todo o existente e uma nova

ordem de coisas, o celibato em si é um estado melhor que o matrimónio»44. Assim, o apóstolo

prossegue afirmando

«32
Eu quisera que estivésseis livres de preocupações. Quem não tem esposa,
cuida das coisas do Senhor, como há-de agradar ao Senhor. 33Mas aquele que tem
esposa cuida das coisas do mundo, como há-de agradar à mulher, 34e fica dividido.
Também a mulher não casada, tal como a virgem, cuidam das coisas do Senhor, para
serem santas de corpo e de espírito. Mas a mulher casada cuida das coisas do mundo,
como há-de agradar ao marido. 35Digo-vos isto para vosso bem, não para vos armar
uma cilada, mas visando o que é mais nobre e favoreça uma dedicação ao Senhor, sem

42
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 51.
43
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 16.
44
Mauro RODRÍGUEZ, El celibato, 41.
17
partilha. 38Portanto, aquele que desposa a sua noiva faz bem; e quem a não desposa
ainda faz melhor (1 Cor 7, 32-38).

Encontramos neste texto uma comparação entre o matrimónio e o celibato, da qual

resulta uma proeminência do estado célibe, «louvam-se como bons e santos ambos os estados,

mas aconselha-se a virgindade, para quem ela for possível. Para além disso, não se trata de um

celibato genérico, mas de castidade perfeita e perpétua para melhor servir as coisas de Cristo,

que o matrimónio em certo modo impede»45. As palavras de S. Paulo aparecem-se realmente

motivadas pelo serviço a Deus e pela brevidade terrena, apresentando-se, deste modo, como

um testemunho pessoal de que o célibe pode encarnar melhor uma condição sem

preocupações e sem distrações, expressando estes dois últimos elementos uma «urgência

escatológica»46.

Por conseguinte, «a forma célibe, continente e fraterna da vida de Jesus com os doze

foi recebida já na época apostólica, como um “sinal” particularmente expressivo do seu

Evangelho»47. Os autores do NT recorreram à «metáfora paterna» e à «metáfora materna»

para expressarem Deus como fonte de vida eterna e a Igreja como mediadora dessa

transmissão espiritual. Assim, o estado de vida célibe dos apóstolos situa-se numa co-

responsabilidade de todos membros da Igreja, mas sobretudo dos ministros ordenados, que

têm a primazia da evangelização, em trabalhar incessantemente para que todos se possam

fazer irmãos, filhos do mesmo Pai48. Segundo esta perspetiva, também o celibato de Paulo, se

expressa numa caridade evangélica que lhe permitiu constituir-se «tudo para todos» (1 Cor 9,

22), num amor esponsal à Igreja, à semelhança de Cristo que a amou e Se entregou por Ela

(cf. Ef 5, 25).

As Cartas Pastorais de Paulo, nomeadamente, as que tratam especificamente sobre os

candidatos ao episcopado, ao presbiterado, e ao diaconado expressam claramente que devem

45
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 16.
46
Cf. Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 52.
47
Franco MANZI, «¿El celibato sacerdotal, es una disciplina de la Iglesia latina o tiene orígenes bíblicos?», 29.
48
Cf. Ibidem.
18
ser esposos de «uma única mulher» (cf. 1 Tim 3, 12; Tit 1, 61; Tim 3, 12). Ora, esta

expressão, encontrada unicamente nestas três cartas, deve ser compreendida, à semelhança da

maioria dos estudiosos contemporâneos, segundo a interpretação do Papa Sirício (384-399) e

ao facto de que nessa altura a obrigação de continência relativamente aos bispos, presbíteros e

diáconos já era vigente em várias regiões da Igreja oriental e ocidental49. Pois,

«os decretos Directa (385) e Cum in unum (386) traduzem que para o
pontífice – Papa Siríaco – o estar casado uma só vez, ou havê-lo estado, atesta a
capacidade por parte do candidato às ordens maiores – casado ou viúvo – de viver em
perfeita continência depois da ordenação. Portanto, disto se deduz que desde a redação
da primeira Carta a Timóteo e da Carta a Tito, os bispos, os sacerdotes e diáconos
estiveram obrigados a manter uma completa continência. Uma disposição desse
género, inclusive para clérigos casados, podia fundar-se no testemunho dos
Evangelhos na medida em que permitia a bispos, sacerdotes e diáconos fazer memória
– mais, “ser memorial” – de Cristo, o qual, através de uma vida célibe, continente e
fraterna com os doze, testemunhou a Deus Abbá, possibilitando engendrar
“espiritualmente” filhos para a vida eterna»50.

Consequentemente, verificamos que o NT demonstra um evidente apreço pela

castidade, atribuindo-se, para além disso, um carácter apostólico à perfeita continência pelo

Reino. Todavia, Jesus não impôs esta condição aos apóstolos, os quais por seu lado também

não a impuseram àqueles que iam colocando à frente das primeiras comunidades cristãs, de

modo, que não existe qualquer conexão jurídica no NT inerente ao celibato sacerdotal, o qual

nunca aparece como exigência, mas como proposta de um carisma particular51.

49
Cf. Ibidem, 31.
50
Ibidem, 32.
51
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 19.
19
1.3. Perspetiva histórica

Este ponto pretende apresentar algumas ideias chave relativamente à evolução

histórica do celibato sacerdotal, segundo uma perspetiva teológica. Trata-se, portanto, de uma

síntese seletiva, desde o Concílio de Elvira até ao Concílio Vaticano I, que pretende ajudar a

compreender o contexto do tema nos próximos capítulos.

A origem e o desenvolvimento da disciplina do celibato na Igreja Ocidental e Oriental

não apresenta uma perceção consensual, há quem entenda que procede de origem divina, mas

também há outros, sobretudo quanto à disciplina da Igreja latina, que acreditam que se trata de

uma simples instituição eclesiástica, a qual para uns começou a desenvolver-se a partir do

século IV e para outros foi introduzida a partir do Concílio de Latrão52. O Concílio de Elvira,

decorrido em inícios do século IV, e o Concílio de Latrão (1139) apresentam-se efetivamente

como dois pontos fulcrais, pois é a partir deles que se estendeu o celibato sacerdotal a toda a

Igreja53. Mas, só no Direito Canónico de 1917 aparecerá uma legislação concreta acerca do

“celibato”, pois trata-se da primeira vez que há uma referência explícita ao tema, até então

denominado por “continência”. Ora, na verdade, os dois termos não são propriamente

idênticos na sua natureza, o «celibato é o estado de uma pessoa adulta de sexo masculino que

não está casada e que decidiu não casar-se; continência é a abstenção, temporal ou

permanente, do exercício da sexualidade genital com o legítimo conjugue»54.

1.3.1. Concílio de Elvira

O concílio de Elvira, decorrido em Granada entre o ano 300 e 313, apresenta-se como

um ponto essencial para esta reflexão, pois foi nele que pela primeira vez se transformou em

lei o que até então era apenas observado como costume, embora já generalizado na Igreja

52
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico: su historia y sus fundamentos teológicos», in Juan Luis
LORDA, El celibato sacerdotal: Espiritualidad, disciplina y formación de las vocaciones al sacerdocio, Eunsa,
Pamplona, 2009, 129.
53
Cf. Stefano GUARINELLI, ¿El celibato de los sacerdotes: Por qué elegirlo todavía?, Sígueme, Salamanca,
2015, 20.
54
Ibidem.
20
ocidental55. O período anterior ao século IV, marcado por uma severa perseguição aos

cristãos, levou a um enfraquecimento e até mesmo a um desvio quanto à observância da

disciplina eclesiástica, de modo, que este Concílio surgiu com o intento de clarificar e renovar

algumas disposições inerente à disciplina e sancionar o não cumprimento da mesma56.

Entre os 81 cânones, o cânone 33 declara que

«sobre os bispos e ministros (do altar), que devem ser continentes com suas
esposas, […] está-se de acordo quanto à completa proibição, válida para bispos,
sacerdotes e diáconos, ou seja, para todos os clérigos dedicados ao serviço do altar,
que devem abster-se de suas mulheres e não gerarem filhos; quem o tenha feito deve
ser excluído do estado clerical»57.

Neste contexto, compreendemos primeiramente que «o celibato não era praticado, de

modo algum, de forma unânime por todos os clérigos. No entanto, era manifesto o vivo desejo

que a Igreja sentia de que os sacerdotes praticassem o celibato, a castidade perfeita, a

virgindade, visto exercerem um ministério na pessoa de Cristo»58. Outro aspeto, que

deduzimos, por este texto, é que a maioria dos clérigos da Igreja em Espanha eram viri

probati, ou seja, homens que eram casados antes de receberam a ordenação, mas que depois

tiveram de renunciar ao uso do matrimónio para viverem numa perfeita continência 59. Na

verdade, o cânone 33 não representa nenhuma novidade, não se trata de uma nova lei, mas de

uma reação ao não cumprimento de uma obrigação tradicional. Atestando esta reflexão,

também Pio XI expressou precisamente que «o rasto mais antigo de uma lei do celibato

eclesiástico baseado, no entanto, num antigo costume estabelecido, encontra-se no cânone 33

do Concílio de Elvira. […] Esta lei não fazia outra coisa que dar força de obrigação ao que os

Evangelhos e a pregação apostólica haviam demonstrado ser algo parecido a um requisito

55
Cf. António-Luis PRIETO, Celibato pelo Reino de Deus: Formação e vivência, Paulus, Lisboa, 2013, 94, 80.
56
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 137.
57
Enrique DENZINGER, El Magistério de la Iglesia, Editorial Herder, Barcelona, 1963, 22.
58
António-Luis PRIETO, Celibato pelo Reino de Deus, 77.
59
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 138.
21
natural»60. A legislação de Elvira revelou-se bem acolhida em todo o Ocidente e, sendo

aprovada em vários sínodos regionais e nacionais das Gálias e de Roma, exceptuando-se o

Concílio de Niceia e os povos germânicos, os quais resistiram em executar a referida lei61. No

ano 325, o Concílio de Niceia pretendia efetivamente estabelecer uma nova lei a qual

ordenasse aos bispos sacerdotes e diáconos que se separassem das mulheres com quem tinham

casado, quando eram leigos. Todavia, destaca-se neste contexto o bispo Pafúncio, reconhecido

pela sua admirável piedade, o qual parece ter levantado a voz para dissuadir o Concílio de

sancionar uma obrigação geral de continência, uma vez que considerava a medida como

demasiado severa62. Na verdade, Pafúncio fora educado num mosteiro e era reconhecido por

observar admiravelmente a castidade, mas julgava que nem todos os clérigos seriam capazes

de levar adiante um jogo tão pesado. Por conseguinte, os Padres parecem ter atendido ao seu

parecer, deixando que os clérigos casados optassem livremente.

1.3.2. Testemunho de Roma e Concílios Africanos

Nos finais do século IV, são publicados três documentos pelo Magistério defendendo

a origem apostólica do celibato sacerdotal e a perfeita continência exigida aos ministros do

altar63. Deste modo, os documentos são constituídos por dois decretos do papa Siríaco e pelas

disposições do Sínodo de Roma do ano de 386. No decreto Directa (385) Siríaco reage ao

facto de alguns clérigos ainda continuarem a viver com suas esposas e a terem filhos,

quebrando a lei eclesiástica e justificando tal atitude com a tradição do sacerdócio levítico do

AT. Ora, o Papa esclarece que «os sacerdotes levíticos estavam sujeitos à obrigação da

continência temporal durante o serviço no templo, mas com a vinda de Cristo o velho

sacerdócio alcançou a sua plenitude e, por esta razão, a obrigação da continência temporal se

60
Cf. PIUS XI, Litterae encyclicae «Ad catholic sacerdoti», in AAS 28 (1936), 25.
61
Cf. António-Luis PRIETO, Celibato pelo Reino de Deus, 81.
62
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 162.
63
Cf. Ibidem, 142.
22
há convertido numa obrigação de continência perpétua»64. Através do decreto Cum in unum

(386), o Papa serve-se de textos de S. Paulo (cf. Tit 1, 15; 1 Tim 3, 2; 1 Cor 7, 7; Rom 8, 8-9)

para fundamentar o celibato eclesiástico, segundo a perspetiva de que ser casado com uma

«única esposa» é requisito para garantir uma futura continência65.

O papa Siríaco, consciente de que se situava em conformidade com a Tradição viva de

seus predecessores, envia uma carta ao Concílio de Cartago (390) a transmitir as importantes

disposições do Sínodo Romano de 386. Também o legado pontífice, Faustino, acompanhando

o Concílio de Cartago, manifestou a concordância de Roma com as disposições alcançadas 66.

Na verdade, depois de Elvira, o Concílio de Cartago não representa menor importância, pois

apresenta formulações que serão posteriormente repetidas e incluídas no Código da Igreja

Africana67. Neste sentido, salienta-se o cânone 3 que determina uma total continência aos

clérigos, demarcando ainda a necessidade de se conservar a disciplina da perfeita continência

como uma observação proveniente do ensino dos apóstolos e dos antigos68.

Consequentemente, também o Concílio de 419, em Cartago, renovou as mesmas

disposições, segundo as quais todos os clérigos devem guardar perfeita continência, sendo que

todos os bispos presentes concordaram com tais disposições de forma unânime69. Portanto, as

declarações dos Concílios de Cartago demonstram que, na Igreja Africana, a maioria dos

clérigos eram casados antes da ordenação e deviam assumir uma perfeita continência.

O cânone 3 do Concílio de Cartago (390) tem efetivamente uma grande relevância

pois foi transmitido «a todas as dioceses da Igreja romana e, no Oriente, o Concílio de Trullo

(691) referiu-se explicitamente a ele como um vínculo seguro com a Tradição. A lei

promulgada em 390 foi ainda inserida oficialmente no documento definitivo da Igreja

64
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 51.
65
Cf. Ibidem, 52.
66
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 142.
67
Cf. Johann Adam MOHLER, El celibato sacerdotal, 141-144.
68
MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 49.
69
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 139.
23
Africana, o Codex canonum ecclesiae africanae, completado e promulgado em 419, sendo

Agostinho bispo de Hipona»70.

1.3.3. Concílio de Trullo

Nos primeiros séculos do cristianismo as Igrejas do Ocidente e do Oriente estavam em

conformidade quanto à obrigação da continência dos clérigos, mas a partir do século V

assiste-se a uma quebrar dessa união devido à separação de várias Igrejas particulares,

afetadas por heresias, sobretudo cristológicas71. No Ocidente, os concílios regionais e os

Papas revelaram continuamente um grande esforço em preservar a antiga observância da

continência dos clérigos, todavia, a mesma preocupação não se verificou no Oriente. Na

verdade, a separação das Igrejas levou a um progressivo abandono da continência72.

Neste contexto, o imperador Justiniano II (685-711) convocou o Concílio de Trullo, no

ano 691, com o objetivo de recopilar toda a legislação disciplinar da Igreja bizantina e

proceder a algumas atualizações e complementos normativos. Neste Concílio, participaram os

bispos orientais sob a autoridade imperial, mas a Igreja Ocidental não enviou delegados, nem

reconheceu este Concílio como ecuménico, pois algumas disposições eram contrárias à praxis

de Roma73. Dada a importância de alguns cânones reproduziremos o seu essencial: o cânone 3

declara que todos os que tenham contraíram segundo matrimónio, vivido em concubinato,

casado com uma viúva, divorciada, prostituta, escrava ou atriz não podem ser ordenados

bispos, sacerdotes ou diáconos; o cânone 6 dispõe que os sacerdotes e diáconos podem

contrair matrimónio depois da ordenação; o cânone 12 ordena que os bispos não podem

coabitar com suas mulheres nem usar do matrimónio depois da ordenação; o cânone 13

estabelece que os sacerdotes, diáconos e subdiáconos da Igreja oriental podem conviver com

suas esposas e usar do matrimónio; o cânone 26 decreta que o sacerdote, que por ignorância,

70
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 50.
71
Cf. Ibidem, 165.
72
Cf. Stefan HEID, «¿Por qué hay diferencias entre Oriente y Occidente respecto al celibato sacerdotal?», in
Arturo CATTANEO, ¿Curas casados?, RIALP, Madrid, 2011, 38.
73
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 167.
24
contrair um matrimónio ilícito deve conformar-se com a situação anterior; no cânone 30

permite-se que aqueles casais que reciprocamente desejem viver célibes não devem habitar

juntos; o cânone 48 dispõe que as mulheres dos bispos que, por reciproco consentimento com

o marido, aceitaram a continência devem entrar num mosteiro74.

Através destes decretos compreendemos que a Igreja bizantina concorda com a Igreja

latina em três pontos: só pode haver um matrimónio até há ordenação e com algumas

exigências quanto à esposa; os matrimónios depois da ordenação não são legítimos; os bispos

devem viver em continência total, sem poderem coabitar com suas esposas. A diferença

substancial entre a praxis da Igreja latina e as disposições de Trullo está, portanto, na

possibilidade dos sacerdotes, diáconos, e subdiáconos poderem contrair matrimónio75. Com

efeito, a Igreja bizantina não exige uma geral continência aos clérigos casados, assumindo

assim uma atitude contrária em relação à Igreja latina. No entanto, «ainda que a legislação de

Trullo tenha introduzido uma grande diferença entre Bizâncio e Roma na questão do celibato

sacerdotal, há que assinalar que ambos estão de acordo sobre a origem apostólica da

obrigação da continência – temporal ou perpétua – imposta sobre os ministros do altar»76.

O Concílio de Trullo teve ainda grande influência sobre o Direito Canónico ocidental,

sobretudo, através do cânone 13 que originou uma rutura entre a proibição do matrimónio e a

sua causa, isto porque Graciano, ilustre canonista do século XII, aceitou o cânone 13 de

Trullo como ecuménico e considerou-o conforme à praxis oriental do celibato77. A

apresentação da disciplina oriental, feita por Graciano, impossibilitou realmente uma

correlação entre a continência e o impedimento à Ordem 78. Por conseguinte, também os

canonistas do século XII deixaram de ver uma imediata relação entre continência e

impedimento ao matrimónio, acabando por fundamentar a obrigação da continência na lei

eclesiástica.

74
Cf. Ibidem, 168-169.
75
Cf. Ibidem, 171.
76
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 88.
77
Ibidem, 89.
78
Cf. Ibidem.
25
1.3.4. Reforma gregoriana e II Concílio de Latrão

Para além dos aspetos já mencionados, uma das crises que mais afetou a observância

da continência eclesiástica, em quase todas as regiões da Igreja Ocidental, encontrou a sua

raiz na investidura laica. O sistema de benefício eclesiástico, que se estendeu a praticamente

toda a europa, dominava realmente a vida pública e privada da Igreja, onde a concessão do

beneficio-oficio, realizada maioritariamente por laicos poderosos, era atribuída muitas vezes a

clérigos mal preparados e até indignos do ministério79. Após o fracasso de várias reformas

regionais, os Papas enfrentam pessoalmente a luta contra tal situação que se propagou na

Igreja. O papa Gregório VII (1020-1085) procedeu a um reconhecimento das raízes do mal e

consequentemente a uma restauração, através de um forte ataque contra a simonia (compra

dos ofícios), e o nicolaísmo (a extensa violação do celibato clerical)80. Esta grande reforma,

que visava também afirmar a primazia do Papa sobre toda a Igreja, alcançou uma considerável

reintegração da antiga disciplina eclesiástica sobre o celibato e consegui dominá-la através de

uma eleição e de uma melhor formação dos candidatos, limitando-se gradualmente o acesso

de homens casados, instaurando assim uma obrigação geral à continência.

Gregório VII exerceu um intenso trabalho que visava restaurar a disciplinar

tradicional, através de sínodos regionais presididos por legados pontifícios e de várias cartas

que transmitiam novas disposições disciplinares81. Esta reforma teve uma importante

consequência: o II Concílio de Latrão. Este Concílio declarou os matrimónios contraídos por

clérigos maiores e por consagrados como ilegítimos e, portanto, inválidos82. Na verdade, isto

conduziu a um «mal-entendido, difundido inclusive hoje em dia: o de que o celibato

eclesiástico foi introduzido só a partir do segundo Concílio de Latrão. Quando na verdade, ali

só se declarou inválido o que sempre havia estado proibido»83. Nos tempos posteriores ao

Papa Alexandre III (1159-1181) não era permitido aos homens casados terem benefícios

79
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 152.
80
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 61.
81
Ibidem, 63.
82
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 152.
83
Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 153.
26
eclesiásticos, bem como era proibido que os filhos dos sacerdotes herdassem o ofício do pai,

demonstrando-se, deste modo, certa eficácia na eliminação das principais desordens na Igreja.

Esta reforma focou-se em aplicar pesadas sanções contra as infrações inerentes à disciplina da

continência do clero, assistindo-se consequentemente, após a reforma, a um notável

desenvolvimento do Direito Canónico, que muito ajudou ao restaurar da disciplina do

celibato84.

1.3.5. Trento

Apesar dos importantes intentos da reforma gregoriana, a legislação sobre a disciplina

do celibato ainda se mostrava bem longe dos seus objetivos. Depois do grande cisma do

Oriente, afirmou-se a necessidade de uma nova reforma, porém, esta nova reforma teve

grandes dificuldades em concretizar-se, assistindo-se a uma grande decadência no clero

proporcionada essencialmente por uma má organização económica por parte da Igreja85.

Com efeito, assiste-se no século XVI ao despertar de revoltas protestantes, as quais,

expressando grande aversão ao celibato eclesiástico, assumiram tal tema como ponto-chave

da reforma. Do decorrer deste Concílio, sabemos que

«muitas pessoas, sobretudo, imperadores, reis, príncipes e inclusive


representantes eclesiásticos, com a boa intenção de recuperar os ministros sagrados
que haviam abandonado a Igreja católica, se empenharam em obter um aligeiramento
ou uma dispensa do dito dever. Mas uma comissão instituída pelos romanos pontífices
para tratar sobre esta questão chegou à conclusão, considerando a tradição precedente,
que se devia manter sem compromissos a obrigação do celibato: a Igreja não estava
preparada para renunciar a uma obrigação, válida desde os seus começos e
posteriormente sempre renovada»86.

Na verdade, o tema do celibato sacerdotal fez desde o início parte dos trabalhos deste

Concílio, mas foi em 1563, na terceira sessão, que o tema foi abordado concretamente. O

84
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 64.
85
Cf. Ibidem, 65.
86
Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 157.
27
tema foi abordado segundo o método geral de Trento: estudou-se as afirmações protestantes e

posteriormente rebateu-se e fundamentou-se teologicamente a partir das acusações. Os

protestantes baseavam-se essencialmente em dois pontos: em primeiro consideravam o

matrimonio como um estado de vida superior ao celibato; em segundo afirmavam que, apesar

das leis eclesiásticas, os sacerdotes orientais contraíam matrimónio licitamente, dizer o

contrário era desprezar o matrimónio87. A segunda questão provocou uma investigação

histórica do celibato, a qual considerou, distintamente, os célibes que receberam a ordenação

e os homens casados que foram ordenados após o matrimónio.

«Quanto aos primeiros, conclui-se que nunca na história da Igreja se havia


dado nenhuma exceção à proibição de matrimónio para os sacerdotes célibes. A maior
parte da comissão considerava esta disciplina de origem apostólica e o Concílio
recusou defini-la como disciplina eclesiástica. Quanto aos homens casados, admitidos
às ordens sacras, alguns defendiam que a obrigação de observar a continência perfeita
era de origem apostólica, enquanto outros consideravam ser de origem eclesiástica.
Mas, quanto aos apóstolos que foram casados, antes de serem chamados por Cristo,
todos teólogos afirmaram, sem duvidar, que estes abandonaram mais tarde a vida
conjugal»88.

As discussões do Concílio repercutiram-se realmente numa explícita recusa em

declarar a lei do celibato como meramente eclesiástica, mas também num renovamento de

todas as obrigações a respeito da disciplina do celibato. Deste modo, a comissão teológica

chegou à formulação e aprovação do seguinte cânone:

«Se alguém disser que os clérigos constituídos nas sagradas ordens ou


regulares, que fizeram uma profissão solene de castidade, podem contrair matrimónio;
e que o contrário não é mais que uma condenação do matrimónio; e que todos os que
pensam que não têm o dom da castidade, ainda que tenham feito voto, podem contrair
matrimónio, seja anátema, pois Deus não recusa conceder esse dom aos que lo pedem
com retidão, nem permite que sejamos tentados acima das nossas forças (1 Cor 10,
13)»89.

87
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 69.
88
Ibidem,70.
89
Enrique DENZINGER, El Magistério de la Iglesia, Editorial Herder, Barcelona, 1963, 277.
28
Não obstante esta importantíssima formulação, a maior decisão do Concílio de Trento

para salvaguardar o celibato eclesiástico encontra-se no cânone 18, ou seja, a fundação de

Seminários para a educação de sacerdotes, imposta em todas as dioceses 90. Pois, na verdade,

«o Concílio tridentino viu claramente que não se trata de impor determinadas leis a partir de

fora, que correm o risco de não serem cumpridas, mas é necessário formar os candidatos ao

sacerdócio no espírito evangélico, desde a sua juventude e revelando-lhes, com toda a clareza,

o que significa a missão a que são chamados»91. A fundação de Seminários permitiu

efetivamente, em primeiro lugar, uma restauração da disciplina tradicional e uma supressão

das situações imorais, através de uma prudente selecção dos candidatos. Em segundo lugar,

proporcionou igualmente uma profunda formação ascética, moral e teológica dos candidatos.

Outra ação deveras importante para o celibato foi a «decisão tomada em Trento de

suscitar uma renovação do sacerdócio e do ministério episcopal»92. De facto, as disposições

de Trento proporcionaram uma nova imagem e definição do sacerdócio, onde as suas funções

deixavam de ser restritas ao culto para se estender à missão de cuidar daqueles lhes são

confiados espiritualmente. Neste sentido, exortou-se os bispos a que sejam autênticos pais dos

presbíteros e os ajudem a superar as dificuldades da sua vocação, pois a ausência desses

cuidados era já reconhecida como a causa primordial da infidelidade ao celibato93.

1.3.6. Vaticano I

Os séculos posteriores a Trento foram igualmente marcados por severos ataques ao

celibato eclesiástico, porém a Igreja consegui sempre salvaguardar a praxis desta disciplina

tradicional. Salienta-se evidentemente a difícil época da revolução francesa, onde a maioria

dos sacerdotes fiéis à Igreja sofreram o martírio. Também, nesta situação a praxis da Igreja foi

a mesma da época da reforma, estabelecida já como primeira lei no Concílio de Elvira (305):

90
Cf. Alfons M. STICKLER, «El celibato eclesiástico», 158.
91
António-Luis PRIETO, Celibato pelo Reino de Deus, 85.
92
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 71.
93
Cf. Ibidem.
29
aos sacerdotes que se casaram durante a Revolução era dada a oportunidade de renunciar ao

seu matrimónio, invalidamente contraído, ou procurar a sanação da invalidez na Igreja. No

primeiro caso podiam ser readmitidos no ministério, no segundo seriam permanentemente

excluídos do ministério94. Na verdade, também nos tempos posteriores à Revolução se

verificaram contínuos ataques ou tentativas de relaxamento à disciplina do celibato, todavia,

os Papas nunca deixaram esmorecer o zelo pela observância de tão antiga tradição.

No concílio Vaticano I verifica-se também um debate sobre o celibato eclesiástico,

dedicando-se essencialmente a reflexão às Igrejas católicas orientais. Durante o Concílio, os

bispos orientais manifestaram-se a favor do celibato sacerdotal, inclusive, num debate

conciliar, em fevereiro de 1870, um bispo arménio usou da palavra para declarar que «a

ausência de uma lei do celibato nas Igrejas orientais era uma verdadeira “ferida”, porque a

experiência havia mostrado as graves enfermidades surgidas na vida da igreja, como

consequência»95. Apesar desta solicitação, o Concílio decidiu que «as Igrejas orientais ainda

não estavam suficientemente “maduras” para aceitar uma lei plena do celibato, publicou-se

então uma instrução que afirmava a proibição do matrimónio aos clérigos já ordenados e

recordava a disciplina anterior a Trullo de continência perpétua do clero naquelas Igrejas onde

se tinha mantido a efetiva autoridade episcopal»96. Assim, após o vaticano I vários concílios

das Igrejas católicas orientais utilizaram esta instrução para legislar o celibato, fazendo com

que a disciplina da continência do clero nas referidas Igrejas voltasse à praxis dos primeiros

séculos da Igreja ocidental97.

Posteriormente, o concílio Vaticano II apoiar-se-á precisamente na Tradição

eclesiástica para fundamentar o celibato sacerdotal, fundamentando-se «no serviço do

sacerdote “na pessoa de Cristo” como servo da nova humanidade que tem a sua origem “não

94
Cf. Ibidem, 75.
95
Cf. Ibidem, 96.
96
Ibidem.
97
Cf. Ibidem.
30
no sangue, nem na vontade da carne, nem na vontade do homem, mas em Deus” (Jo 1, 13)»98.

Todavia, sobre o Vaticano II se dedicará, mais aprofundadamente, o próximo capítulo.

98
António-Luis PRIETO, Celibato pelo Reino de Deus, 93.
31
2. DESENROLAR HISTÓRICO-TEOLÓGICO DESDE JOÃO XXIII ATÉ À

SACERDOTALIS CAELIBATUS

A promulgação da Sacerdotalis Caelibatus, dois anos após o Vaticano II, é exatamente

um indicativo da sua grande ligação com o Concílio. A Encíclica, deveras desenvolvida em

perfeita harmonia com a reflexão conciliar, revela uma profunda atenção ao seu contexto

social, daí resulta o método reflexivo de Paulo VI: não se limita a uma mera exposição

apologética, nem à imposição de uma norma, mas antes apresenta as razões do celibato

sacerdotal precisamente a partir das suas objeções, as quais considera com frontalidade e

seriedade. Consequentemente, a compreensão do contexto envolto ao Concílio e da reflexão

conciliar é fundamental para compreendermos a Encíclica na sua densidade teológica.

2.1. Magistério de João XXIII

Tendo em conta a relevância de João XXIII, pela influência do seu pensamento

revitalizador na Igreja, torna-se oportuno identificar as principais linhas do seu pensamento

relativamente ao tema do celibato sacerdotal, pois encontraremos algumas conceções

teológicas acerca do celibato sacerdotal no Vaticano II, já subjacentes no pensamento de João

XXIII.

Na sua encíclica, Sacerdotti Nostri Primordia99, dedicada a São João Maria Vianney,

no centenário da sua morte, encontramos o expoente dos ensinamentos acerca do celibato

sacerdotal, através de uma profunda reflexão sobre o sacerdócio ministerial. Com base no

exemplo do Santo Cura de Ars, o Pontífice evidencia, nesta encíclica, a essencialidade de

algumas virtudes na vida sacerdotal: a ascese, a oração, o culto eucarístico e o zelo pastoral.

Nestes três pontos gerais da encíclica encontramos desenvolvido, como tema fundamental, o

celibato e a virgindade. Na verdade, João XXIII vê no Cura de Ars um evidente «nexo entre

99
IOANNES XXIII, «Sacerdotii nostri primordia», in AAS 51 (1959) 545-579.
32
eficácia ministerial e fidelidade à perfeita continência pelo reino do Céu, e que esta última não

está determinada pelas exigências do ministério, mas pelo contrário, contra toda a redução

funcionalista do sacerdócio»100. E, para a prevalência da referida fidelidade, é frisada a

imprescindibilidade do «lugar primordial da ascese na vida sacerdotal», onde a «ascese da

castidade» se alicerça essencialmente na «renúncia de si mesmo» (c.f SNP 10).

João XXIII, tal como prosseguiu posteriormente o Concílio, fundamenta a renúncia no

apelo do próprio Jesus Cristo: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua

cruz e siga-me» (Mt 16,24) e situa-a na observância dos conselhos evangélicos. E, para

esclarecer possíveis deturpações relativamente às palavras do seu predecessor, Pio XII, que

assegurou que «o clérigo não está ligado, por direito divino, aos conselhos evangélicos de

pobreza, castidade e obediência»101, adverte que «seria deformar o genuíno pensamento deste

Pontífice, tão cioso da santidade dos padres, e do ensino constante da Igreja, acreditar que o

padre secular é menos chamado à perfeição do que o religioso […] porque o exercício das

funções sacerdotais requer uma maior santidade interior, do que aquela exigida pelo estado

religioso» (SNP 10). Deste modo, as virtudes da renúncia, do sacrifício, e da doação total de

si mesmo definem a «ascese necessária da castidade – que – longe de fechar o padre num

estéril egoísmo, torna o coração mais aberto e mais acessível a todas as necessidades dos seus

irmãos» (SNP 18). Porém, o Pontífice reconhece também as dificuldades de observância e

constância nas referidas virtudes, sobretudo, nas regiões onde se verifica maior secularização

e liberdade sexual. Pois, para além destas dificuldades, na maior parte das vezes os padres

estão «moralmente sós, pouco compreendidos, pouco amparados pelos fiéis a quem se

dedicam» (SNP 16). É precisamente neste contexto que muitos padres são chamados a dar

testemunho da virtude da castidade, e para o sucesso na fidelidade à sua observância o Papa

adverte que é necessário «combater os perigos de isolamento, denunciar, as imprudências,

100
Mauro PIACENZA, «Enseñanzas pontificias sobre el celibato: De Pío XI a Benedicto XVI», in Cattaneo
ARTURO, ¿Curas casados?, RIALP, Madrid, 2011, 139.
101
PIUS XII, Delegatis Conventui generali ex- universis religiosis Ordinibus, Congregationibus
ac Societatibus Institutisque saecularibus, Romae habito «Annus sacer», in AAS 43 (1951) 29.

33
afastar as tentações da ociosidade ou os riscos do excesso de trabalho» (SNP 16). De facto, a

vivência da castidade no sacerdócio e a sua correta compreensão, por parte dos sacerdotes, era

uma das preocupações de João XXII, pois tal como afirmou mais tarde, em discurso no

Sínodo Romano de 1960, uma das suas grandes aflições era

«o gemido próximo ou longínquo – não só de Roma – mas dos pontos mais


diversos do globo, […] o gemido das almas sacerdotais a quem a companhia do
coração e da carne no caminho da vida e até no exercício pouco vigiado do sagrado
ministério, há suscitado muitos prejuízos na presença de Deus, e na presença da Igreja
e das almas muita desonra e penas muito grandes e amargas»102.

João XXIII prossegue afirmando no mesmo discurso: «aflige-nos que para salvar

qualquer resto da própria dignidade perdida alguém possa delirar sobre a possibilidade ou

conveniência para a Igreja Católica de renunciar ao que durante séculos foi e segue sendo uma

das glórias mais nobres e puras do seu sacerdócio»103. Neste contexto, é de sublinhar a

conexão existente, na encíclica, entre a castidade e a obediência na ascese sacerdotal, onde a

obediência à hierarquia se apresenta como fundamental para a santificação pessoal e para a

fidelidade à doutrina da Igreja. Por isso, o Papa adverte expressamente para os «graves

perigos do espírito de independência no clero, tanto para o ensino da doutrina como para os

métodos de apostolado e para a disciplina eclesiástica» (SNP 22).

Nesta encíclica encontramos realmente «um nexo constitutivo entre celibato,

identidade sacerdotal e celebração dos divinos mistérios – acentuando-se claramente – o

vínculo entre o oferecimento eucarístico do santo Sacrifício e entrega diária de si mesmo,

também no sagrado celibato»104. Efetivamente, o Pontífice reconheceu explicitamente a

conexão entre o celibato e a eucaristia, e demostrou que «grande parte da de desorientação

relativamente à fidelidade e necessidade do celibato depende da inadequada compreensão da

102
IOANNES XXIII, Summi Pontificis allocutio die XXVI ianuarii A.D. MCMLX habita insecunda synodi
sessione, in AAS 52 (1960) 226.
103
Ibidem.
104
Mauro PIACENZA, «Enseñanzas pontificias sobre el celibato», 140.
34
sua relação com a Celebração Eucarística»105. Inclusive, dirigiu-se diretamente aos sacerdotes

para pedir paternalmente que «se examinem periodicamente sobre a forma como celebram os

santos mistérios e, especialmente, sobre as disposições espirituais com que sobem ao altar e

os frutos que se esforçam por tirar» (SNP 37). A eucaristia apresenta-se como o sustentáculo

fundamental do celibato, onde o sacerdote deve participar de modo «não funcional mas

realmente, no oferecimento único e irrepetível de Cristo, que a Igreja atualiza e representa

sacramente para a salvação do mundo»106. Esta participação implica que um oferecimento de

si mesmo, ou seja, de «um mesmo, que há-de ser íntegro e incluir, portanto, a própria carne na

virgindade»107.

Em suma, o magistério pontifício de João XXIII, quanto ao tema do celibato, não se

afasta do ensinamento dos seus predecessores, pelo contrário, confirma a excelência e

conveniência da observância de tão nobre virtude na Tradição da Igreja latina. Pois, como o

próprio Pontífice afirmou convictamente: «A lei do celibato eclesiástico e o cuidado que

prevaleça é sempre uma evocação das lutas dos tempos heróicos, quando a Igreja de Cristo

teve que lutar e venceu com o êxito de seu trinómio glorioso, que é sempre emblema de

Vitória: A Igreja de Cristo livre, casta e católica»108.

2.2. Contexto envolvente ao Concílio

A Encíclica Sacerdotalis Caelibatus109 surge dois anos após o findar do Concílio

Vaticano II e, Paulo VI desenvolve a encíclica em plena harmonia teológica com o

magistério, recuperando a reflexão conciliar acerca do celibato sacerdotal. Portanto, para

melhor entendermos as razões e as circunstâncias da sua publicação, é essencial atender

105
Ibidem.
106
Ibidem.
107
Ibidem.
108
IOANNES XXIII, Summi Pontificis allocutio die XXVI ianuarii A.D. MCMLX habita insecunda synodi
sessione, in AAS 52 (1960) 226.
109
PAULUS VI, Litterae encyclicae «Sacerdotalis caelibatus», in AAS 59 (1967) 657-697.
35
primeiramente ao ambiente social e religioso que envolveu o Concílio, bem como às

conceções teológicas resultantes da reflexão conciliar110.

O Concílio ocorreu num contexto marcado pelos avanços dos estudos nos âmbitos da

psicologia, psicanálise, sociologia, biologia, medicina e ciências. Ora, estes estudos

atribuíram grande importância ao valor do amor e da sexualidade na vida humana, por isso, é

compreensível que encontremos a inclusão ou influência, de alguns desses estudos, nos

trabalhos conciliares, nomeadamente, na Lumen Gentium e nos decretos Optatam Totius e

Presbyterorum Ordinis111. Porém, os mesmos estudos, exaltando os valores humanos,

chegaram a conclusões opostas ao celibato eclesiástico, as quais, alicerçadas em razões de

ordem psicológica e científica fizeram parte de uma campanha pública contra a lei do

celibato, na qual participaram leigos e sacerdotes 112.

Este ambiente de contestação, apaziguado no pontificado de João XXIII, que nunca

deixou esmorecer a excelência do celibato eclesiástico, ressurgiu, todavia, durante os

trabalhos conciliares. Aquando dos debates sobre a formação e a vida dos sacerdotes, foi

distribuído a grande número de Padres um libelo elaborado por 40 leigos eruditos, homens e

mulheres de diversas áreas de conhecimento, o qual defendia o casamento dos padres, como

possibilidade de uma «maturação sexual inter-humana»113, que afirmavam ser negada aos

padres célibes. De igual forma, alguns Padres conciliares tinham preparado intervenções a

favor de uma abertura ao casamento dos padres, tendo como justificação a vantagem da

«eliminação de uma divergência entre Oriente e Ocidente, e a possibilidade de novo impulso

missionário»114. Conjuntamente, a escassez de clero em África e na América Latina foi

110
Cf. António ARANDA, «La encíclica Sacerdotalis caelibatus, cincuenta años después», in Scripta Theologica
49 (2017) 407.
111
Cf. LEITE, António, «O celibato sacerdotal», in Brotéria 11 (1967) 498.
112
Ibidem.
113
WENGER, Antoine, A Igreja do presente e do futuro, História do Concílio Ecuménico Vaticano II, vol. II,
Editorial Estampa, Lisboa, 1965, 501.
114
Ibidem, 502.
36
motivo para os seus bispos pretenderem «pedir ao Concílio que fossem admitidos na Igreja

latina, ao menos em algumas regiões, sacerdotes casados, como na Igreja oriental»115.

Ora, este ambiente de especulação refletiu-se na opinião pública. É, portanto, oportuno

mencionar que, já nos debates conciliares sobre a abertura do diaconado a homens casados,

alguns jornais franceses haviam publicado vários artigos onde consideravam que a abertura do

diaconado a homens casados antecipava uma futura aprovação do casamento dos padres116.

Do mesmo modo, no decurso do Concílio, a opinião pública, acompanhando

especulativamente os avanços deste tema, tirava algumas conclusões precipitadas117.

Face a esta polémica, que se tornara uma discussão pública e mediática, Paulo VI

envia no dia 10 de outubro de 1965 uma carta ao Cardeal Tisserant, decano do Sacro Colégio

e Presidente da Presidência do Concílio, para que fosse lida ao Concílio. Com esta carta, o

Papa usa da sua autoridade suprema para retirar de discussão o tema do celibato eclesiástico:

«De maneira nenhuma é oportuno um debate público sobre esta questão, que
exige a maior prudência e que é de grande importância. É nossa intenção fazer tudo o
possível por conservar esta lei antiga, sagrada e providencial, e ainda reforçar a sua
observância, chamando os sacerdotes da Igreja latina à constância das causas e das
razões que justamente hoje, de maneira particular, fazem que deva ser considerada
como muito adaptada esta lei, graças à qual os sacerdotes podem consagrar
unicamente a Cristo todo o seu amor e entregar-se total e generosamente ao serviço da
Igreja e das almas».118

Com esta intervenção, o Papa descarta a possibilidade de mudança à lei do celibato

eclesiástico, vigente na Igreja Latina, e ainda, pelo contrário, enaltece-o e torna explícita a

vontade de reforçar a sua observância, deixando, contudo, para aqueles que desejavam

pronunciar-se sobre o tema, a possibilidade de o fazerem por escrito119.

115
António LEITE, «O celibato sacerdotal», 501.
116
WENGER, Antoine, A Igreja do presente e do futuro,300.
117
Cf. Ibidem, 504.
118
Ibidem, 505.
119
Cf. Ibidem.
37
2.3. Documentos Conciliares

A abordagem do celibato sacerdotal no decorrer dos trabalhos conciliares surge

sempre numa perspetiva apologética que visa fundamentar e recomendar a sua observância. O

tema surge expressamente nos decretos Optatam Totius e Presbyterorum Ordinis. Por seu

lado, estes dois decretos conciliares recorrem à constituição dogmática Lumen Gentium para

desenvolver e fundamentar o celibato, daí a conveniência de tratar, para além dos decretos, a

Constituição dogmática sobre a Igreja. Com efeito, um aspeto substancial na Lumen Gentium

e transversal em todos os trabalhos conciliares é o chamamento universal à santidade, a partir

do qual o «Vaticano II apresenta o celibato sacerdotal fundamentalmente como uma renúncia

à relação conjugal “pelo reino do céu” que facilita uma doação a Cristo com um coração

indiviso e o serviço a Deus e aos homens»120. É evidente o profundo apreço que os

documentos conciliares expressam pela observância da tradição do celibato sacerdotal,

estabelecido como lei na Igreja latina, e também recomendado à Igreja Oriental, pois

efetivamente «para o Concílio, o celibato dos presbíteros é um vivo testemunho perante todos

os homens do matrimónio místico de Cristo com a Sua Igreja e do futuro Reino escatológico

da Ressurreição»121.

2.3.1. Lumen Gentium

A «Lumen Gentium»122, embora não desenvolvendo expressamente o tema do celibato,

expõe, como referido no ponto anterior, uma conceção substancial que será posteriormente

retomada e desenvolvida nos documentos posteriores. A abordagem mais explícita a esta

temática encontra-se no capítulo V, dedicado ao chamamento universal de todo o povo de

Deus à santidade. Todos os cristãos são chamados a dar testemunho da santidade da Igreja,

que se exprime de distintos modos, mas o alcance desta santidade «aparece dum modo
120
Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale. Analisi degli ultimi documenti del Magistero
(1964-1974)», in La Scuola Cattolica, 107 (1979) 591.
121
António-Luis PRIETO, Celibato pelo Reino de Deus, 94.
122
SACROSANCTUM CONCILIUM OECUMENICUM VATICANUM II, Constitutio Dogmatica de Ecclesia
«Lumen Gentium», in AAS 57 (1965) 5-75.
38
especial na prática dos conselhos chamados evangélicos» (LG 49), os quais se apresentam

como meios vitais para o crescimento na caridade e na perfeição cristã, e é justamente nessa

conjunção que surge a importância da virgindade123.

A perfeição cristã baseia-se na prática da caridade, na doação incondicional e,

portanto, tal «como Jesus, Filho de Deus, manifestou o seu amor, dando a vida por nós, assim

ninguém dá maior prova de amor do que aquele que oferece a vida por Ele por seus irmãos

(cf. 1 Jo. 3,16; Jo. 15, 13)» (LG 42). Este testemunho de santidade é realmente «evidente, em

alguns comportamentos cristãos, como o martírio e a prática dos conselhos evangélicos por

excelência: pobreza, castidade e obediência»124. Mas, para além destes comportamentos,

também a prática dos conselhos que o Senhor sugere no Evangelho aos seus discípulos

estimula e promove a santidade da Igreja, sobressaindo-se o conselho de, «com o coração

mais facilmente indiviso (cf. 1 Cor. 7, 32-34), se consagrarem só a Deus, na virgindade ou no

celibato, dom da graça divina que o Pai concede a alguns» (LG 42).

A inserção do tema do celibato no âmbito dos conselhos evangélicos não é

despropositada, pois a prática dos conselhos evangélicos é sempre feita «numa perspectiva de

renúncia: renúncia aos bens (pobreza); à própria vontade (obediência) e à relação matrimonial

(celibato). E, de facto, o celibato é também a perfeita continência pelo reino do Céu»125.

Assim, se evidencia o fundamento do dom do celibato que, sendo realmente uma «renúncia

perfeita, abraçada pelo reino do Céu, foi sempre tida em grande estima pela Igreja, como sinal

e incentivo do amor e ainda como fonte privilegiada de fecundidade espiritual no mundo»

(LG 42). Esta renúncia, como perfeita adesão a Deus, com um coração indiviso, apresenta-se

como sinal e estimulo à santidade, sendo o seu valor reconhecido e deveras valorizado pela

Igreja.

123
Cf. Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale», 592.
124
Ibidem.
125
Ibidem.
39
Da mesma forma, o capítulo VI, dedicado aos religiosos, refere a «castidade

consagrada a Deus» no contexto dos conselhos evangélicos, que «fundados sobre a palavra e

o exemplo de Cristo e recomendados pelos Apóstolos, pelos Padres, Doutores e Pastores da

Igreja, são um dom divino, que a Igreja recebeu do seu Senhor e com a Sua graça sempre

conserva» (LG 43). Após a fundamentação nos conselhos evangélicos, o documento

prossegue expondo «a natureza da consagração religiosa, em perspectiva sacramental,

fundando-a numa consagração batismal»126. Logo pelo batismo todo o cristão é consagrado a

Deus, morrendo para o pecado e renascendo para uma vida nova em Cristo. Porém, pela

«profissão dos conselhos evangélicos na Igreja», o cristão «é consagrado mais intimamente ao

serviço divino» (LG 44). Esta abordagem dos conselhos evangélicos, sempre feita

conjuntamente, demonstra a sua importância e vinculação, primordiais para uma verdadeira

consagração a Deus e consequente crescimento na caridade e na santidade da Igreja. É certo

que a primeira impressão que sobressai dos conselhos evangélicos é o sentido de renúncia,

mas também «demonstra-se como esta renúncia é conjuntamente uma consagração»127,

afastando-se assim o perigo de uma perceção meramente formal e, afirmando-se a doação

gratuita de si mesmo a Deus e aos irmãos.

2.3.2. Optatam Totius

O decreto Optatam Totius128, sobre a formação sacerdotal, expressa a preocupação do

Concílio relativamente à formação dos sacerdotes. O Concílio «reconhece que a desejada

renovação de toda a Igreja depende, em grande parte, do ministério sacerdotal» (OT Proémio)

e, por isso, constata a necessidade de adaptar a formação dos futuros sacerdotes às exigências

dos novos tempos, aplicando-se o dever de proporcionar um programa formativo integral

incutido às casas de formação.

126
Ibidem, 593.
127
Ibidem, 594.
128
SACROSANCTUM CONCILIUM OECUMENICUM VATICANUM II, Decretum de institutione sacerdotal
«Optatam Totius», in AAS 58 (1966) 713-727.
40
Uma formação integral para os futuros sacerdotes inclui necessariamente uma boa

preparação para o celibato e, por isso, o decreto dedica-lhe especificamente o número 10.

Este, dedicado à formação dos seminaristas, pode ser dividido em três partes, as quais

correspondem precisamente aos seus três parágrafos: «perspetiva bíblica do celibato; opção

madura, deliberada e magnânima do celibato; tarefa de sublimar e integrar na inteira

personalidade a renúncia intrínseca no celibato»129.

O primeiro parágrafo exorta a que

«os alunos que, segundo as santas e constantes leis do próprio rito, seguem a
veneranda tradição do celibato sacerdotal, sejam preparados com diligente cuidado
para este estado, no qual por amor do reino do Céu, renunciando à união da família
(cf. Mt. 19, 12), aderem com amor indiviso ao Senhor muito em conformidade com a
nova Aliança, dão testemunho da ressurreição da vida futura (cf. Lc. 20,36)» (OT
10).

A perspetiva bíblica expressa realmente uma imagem profunda e positiva do celibato

sacerdotal. Todavia, acresce a esta perspetiva uma fundamentação cristológica, eclesiologia e

escatológica acentuada130. Neste sentido, o celibato aparece em total conformidade com a

nova Aliança e é caracterizado, à semelhança dos ensinamentos da Lumen Gentium, pela

renúncia ao matrimónio. De facto, esta renúncia surge motivada «primeiramente pela

realidade do reino do Céu, que de qualquer modo determinou esta renúncia; em segundo lugar

pela possibilidade de aderir ao Senhor “com um amor indiviso”; e em terceiro lugar pela

possibilidade de receber uma ajuda para uma generosa doação ao ministério pastoral»131.

É igualmente digna de relevo a contraposição entre «renúncia» e «adesão», na qual a

renúncia aos bens terrenos aparece como um pressuposto para uma verdadeira adesão a Jesus

Cristo132. Através da renúncia aos bens terrenos, o sacerdote dá um grande testemunho de fé

na vida futura, pois «o celibato anuncia o tempo em que o homem será libertado da carne e da

129
Agostino MAYER, «La formazione al celibato nel Decreto ”Optatam totius”», in Seminarium, 7 (1967) 681.
130
Cf. Ibidem, 692.
131
Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale», 595.
132
Agostino MAYER, «La formazione al celibato nel Decreto “Optatam totius”», 692.
41
morte para viver do Espírito na glória. Consequentemente, o celibato apresenta-se não apenas

profético, mas sobretudo um Kerygma»133.

No segundo parágrafo é aconselhado que os alunos que se preparam para o celibato

«conheçam devidamente os deveres e a dignidade do matrimónio cristão, que simboliza o

amor entre Cristo e a Sua Igreja (cf. Ef. 5, 32 ). Compreendam, porém, a excelência maior da

virgindade consagrada a Cristo» (OT 10). Neste contexto, é importante mencionar que,

aquando da aprovação do presente decreto pelo Concílio, estava também a ser ultimada a

constituição Gaudium et Spes134, sobre a Igreja no mundo atual, a qual no seu primeiro

capítulo da segunda parte trata precisamente a dignidade do matrimónio135. Na verdade,

«perante a revalorização atual do matrimónio cristão, e do matrimónio em geral, bem como a

nova conceção da sexualidade como valor humano positivo, o celibato eclesiástico não pode

ser apresentado com os mesmos argumentos tradicionais», por isso, o Concílio reconhece a

opção matrimonial como caminho de santidade, em igual dignidade relativamente ao celibato

sacerdotal. No entanto, o celibato sacerdotal apresenta-se como uma «excelência maior» pela

consagração especial a Cristo e, consequentemente, pelo exercício daquela «caridade

perfeita» para com os outros.

A consciência da real dignidade das duas opções é fundamental para que os

candidatos ao sacerdócio se possam preparar para o celibato sacerdotal, decidindo em

consciência «por uma opção maduramente deliberada e magnânima, e se entreguem ao

Senhor por uma inteira doação de corpo e alma» (OT 10). É pertinente observar a

apresentação da maturidade, como imprescindível para uma decisão consciente e para a

adesão a Cristo, só assim o celibato é significado de um ato livre e generoso. E, de facto,

futuramente, «quanto mais o clérigo seja física, psíquica e afetivamente maduro tanto mais

133
Ibidem, 694.
134
SACROSANCTUM CONCILIUM OECUMENICUM VATICANUM II, Constitutio Pastoralis de Ecclesia
in mundus huius temporis «Gaudium et Spes», in AAS 58 (1966) 1025-1115.
135
Cf. António-Luis PRIETO, Celibato pelo Reino de Deus, 94.
42
poderá efetuar seguramente a opção livre do celibato no confronto com a vida matrimonial e

viver o celibato como enriquecimento e aperfeiçoamento da própria pessoa»136.

O terceiro parágrafo apresenta a necessidade de uma boa integração da renúncia ao

matrimónio na inteira personalidade humana, sendo que os formandos ao sacerdócio devem

ser «prevenidos para os perigos que ameaçam a sua castidade, sobretudo na sociedade do

nosso tempo» (OT 10). Estes perigos parecem facilmente percetíveis, atendendo à crescente

valorização da sexualidade em detrimento da castidade, porém, é fundamental salientar que o

seu progressivo aumento se justifica «não só por causa da acentuada vida hedonista, mas

também pela falsa ideologia que circula contra o valor do celibato sacerdotal»137. Portanto,

face a esta realidade, que pode dificultar uma opção segura e perseverante pela castidade

consagrada, adverte-se os futuros sacerdotes celibatários a que:

«ajudados pelos auxílios divinos e humanos, aprendam de tal maneira a


integrar a renúncia ao matrimónio, que a sua vida e ação não só não venham a sofrer
detrimento algum por causa do celibato, mas adquiram um mais alto domínio da alma
e do corpo, um maior progresso na maturidade, e uma mais perfeita compreensão da
bem-aventurança do Evangelho» (OT 10).

Na verdade, é imprescindível, já na formação dos Seminários, a existência de uma

formação sólida e integral que, para além dos auxílios divinos, inclua também os auxílios

humanos, os quais devem ser assistidos pelos contributos fundamentais das ciências

contemporâneas, sobretudo no âmbito da psicologia. Conscientes desta realidade, os Padres

conciliares, evidenciaram na redação deste parágrafo a sua preocupação com dois problemas

significativos: «um concerne à objeção difusa de que o celibato possa constituir um dano para

a pessoa humana, enquanto produz alterações físicas, incompletude psicológica, alienação

social; o outro refere-se à constatação, não rara, da ausência no Seminário de uma adequada

preparação do ponto de vista psicológico e pedagógico»138. A integração da renúncia ao

136
Agostino MAYER, «La formazione al celibato nel Decreto ”Optatam totius”», 703.
137
Ibidem, 706.
138
Ibidem, 705.
43
matrimónio implica realmente verdadeira compreensão da sexualidade humana, que

compromete também a sua valorização como parte constituinte da pessoa. Por isso, a

autêntica integração da renúncia, pelo célibe, passa por uma auto-educação que deve envolver

«uma educação do coração, dos afetos, dos sentimentos, da abertura aos outros, numa palavra,

um controlo progressivo da própria sexualidade»139.

Com o decreto Optatam Totius, particularmente o número 10, verificamos que o

Concílio para além de reafirmar a manutenção da lei do celibato eclesiástico, conseguiu

realmente transmitir o «significado e o valor sobrenatural e humano da opção voluntária e

pessoal, superando uma visão puramente jurídica»140.

2.3.3. Presbyterorum Ordinis

O Vaticano II estabeleceu no decreto Presbyterorum Ordinis141, acerca do ministério e

a vida dos sacerdotes, as bases da identidade, missão e vida dos presbíteros. Pela sua

configuração com Jesus Cristo, o presbítero participa na missão pastoral que Cristo confiou

aos apóstolos, cooperando com o seu bispo e trabalhando pela edificação da Igreja 142. Por

isso, o Concílio reconhece que o modo mais conveniente de servir esta missão é em estado

célibe, consagrado a Deus.

O número 16, dedicado especificamente ao celibato sacerdotal, começa exatamente

por explicitar que «a continência perfeita e perpétua por amor ao reino do Céu, recomendada

por Cristo Senhor, generosamente aceite e louvavelmente observada através dos séculos e

mesmo em nossos dias por não poucos fiéis, foi sempre tida em grande estima pela Igreja,

especialmente na vida sacerdotal» (PO 16). Neste número, à semelhança dos documentos

conciliares já abordados, o celibato é compreendido através da passagem bíblica de Mateus

19, 12, ou seja, como uma perfeita continência por amor ao reino do Céu. Esta continência

139
Ibidem, 708.
140
Ibidem, 710.
141
SACROSANCTUM CONCILIUM OECUMENICUM VATICANUM II, Decretum de Presbyterorum
ministério et vita «Presbyterorum Ordinis», in AAS 58 (1966) 991-1024.
142
Cf. WENGER, Antoine, A Igreja do presente e do futuro, 508.
44
consagrada, para além de favorecer a «perfeição da caridade para com Deus e o próximo»

(LG 45), é também «sinal e estímulo da caridade pastoral e fonte singular de fecundidade

espiritual no mundo» (PO 16). No entanto, o próprio Concílio reconhece, também, que a

continência perfeita, apesar do seu valor sublime, em si «não é exigida pela própria natureza

do sacerdócio, como se deixa ver pela prática da Igreja primitiva e pela tradição das Igrejas

orientais» (PO 16). A lei do celibato aplica-se, de facto, apenas à Igreja latina, pois o Concílio

manifesta claramente no presente decreto que «de forma alguma deseja mudar a disciplina

contrária, legitimamente vigente nas Igrejas orientais» (PO 16), reconhecendo inclusive o zelo

que os presbíteros casados têm manifestado ao serviço do povo de Deus.

Tendo em conta que, realmente, o celibato não é exigido pela natureza do sacerdócio e

que, inclusivamente, os presbíteros das Igrejas orientais dão um bom testemunho da vivência

do seu ministério no matrimónio, a interrogação acerca do verdadeiro valor do celibato e da

sua ligação com o sacerdócio acentua-se. Face a esta questão, o Concílio salienta que o

celibato se «harmoniza por muitos títulos com o sacerdócio», porque «toda a missão

sacerdotal se dedica totalmente ao serviço da humanidade nova, que Cristo, vencedor da

morte, suscita no mundo pelo seu Espírito e tem a sua origem, “não no sangue, nem na

vontade da carne, nem na vontade do homem, mas em Deus” (Jo 1, 13)» (PO 16). Ora,

seguindo esta linha de reflexão, «se o sacerdócio está ao serviço da regeneração do alto, tanto

mais conveniente é servir em perfeita continência»143, o que implica, naturalmente, uma

renúncia ao matrimónio e, consequentemente, à «geração carnal, para colocar em luz a

orientação geral a uma geração espiritual»144.

Por conseguinte, o Concílio, exaltando nitidamente a conveniente vinculação entre

celibato e sacerdócio, apresenta as suas razões de forma sistemática e objetiva, confirmando

que

143
Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale», 597.
144
Ibidem.
45
«pela virgindade ou pelo celibato observado pelo reino do Céu, os presbíteros
consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais facilmente
com um coração indiviso, n´Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço de
Deus e dos homens, com mais facilidade servem o Seu Reino e a obra da regeneração
sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais ampla, a
paternidade em Cristo. Deste modo, manifestam ainda aos homens que desejam
dedicar-se indivisamente ao múnus que lhes foi confiado, isto é, de desposar os fiéis
como um só esposo e apresenta-los como virgem casta a Cristo» (PO 16).

Estas razões confirmam que a perfeita continência facilita a adesão dos sacerdotes,

com um amor indiviso, a Jesus Cristo e ao serviço da perfeita caridade para com o seu Corpo

místico, a Igreja, pois os sacerdotes, «fazendo as vezes do Bom Pastor, encontrarão no próprio

exercício da caridade pastoral o vínculo da perfeição sacerdotal, que conduz à unidade da vida

e ação». (PO 14) Mas, para além desta fundamentação cristológica e eclesiológica, é ainda

acrescentada uma perspetiva escatológica, afirmando-se que os sacerdotes pela vivência da

perfeita continência «tornam-se sinal vivo do mundo futuro, já presente pela fé e pela

caridade, em que os filhos da ressurreição não se casam nem se dão em casamento» (PO 16).

Alicerçado em «todas estas razões, fundadas no mistério de Cristo e na sua missão», o

Concílio «aprova e confirma novamente» a lei do celibato, imposta e em vigor na Igreja latina

(cf. PO 16). Aos sacerdotes que aderem livre e generosamente ao celibato é proposto que

reconheçam «tão insigne dom que lhes foi dado pelo Pai e tão claramente é exaltado pelo

Senhor», pois quanto mais difícil se apresenta a observância da perfeita continência por amor

ao reino do Céu, «tão mais humildemente e persistentemente peçam os presbíteros em união

com toda a Igreja a graça da fidelidade, que nunca é negada aos que a suplicam» (PO 16).

É ainda relevante assinalar a recomendação das «normas ascéticas, aprovadas pela

experiência da Igreja e não menos necessárias no mundo de hoje» (PO 16), como meio para

os sacerdotes perseverarem fiéis na observância da sua consagração a Deus, que parece tão

difícil e menosprezada na cultura atual.

46
2.4. Sacerdotalis Caelibatus

A encíclica Sacerdotalis Caelibatus, promulgada pelo papa Paulo VI, na festa de São

João Batista, em 24 de junho de 1967, apresenta-se como o principal ensinamento sobre o

celibato sacerdotal, sendo para além disso, a única que se dedica exclusivamente ao tema.

No discurso da Encíclica evidencia-se a personalidade do seu redator. Na verdade,

Paulo VI revelou sempre uma «conceção austera do sacerdócio, entendido como sacrifício,

obediência, fidelidade, inclusivamente heroísmo, aos olhos do mundo»145. Pois, para este

Pontífice, ao aceitar a opção pelo celibato, o sacerdote une-se mais perfeitamente a Cristo,

oferecendo a sua vida, «marcada com sinais de holocausto» (SaCae 29). Nos inícios do seu

pontificado, o discurso do Papa incide numa necessária perfeição ao sacerdócio ministerial,

mas, após o Concílio, vai-se notando uma progressiva adaptação do seu discurso à realidade

vivida no seio da Igreja, onde o aumento de defeções no sacerdócio e na vida religiosa atingia

vértices alarmantes146. Outro aspeto que influenciou a Encíclica refere-se à natureza do

sacerdócio, já no decurso do Concílio os «Padres tinham duas visões da natureza do

sacerdócio: havia os que sublinhassem o seu caracter missionário e quem sublinhasse o

cultual»147. Enquanto a visão missionária insidia em argumentações cristológico-pastorais, a

visão cultual fundamentava a natureza do sacerdote em argumentos sacro-rituais, estando o

sacerdote orientado, sobretudo, à eucaristia148. Consequentemente, este problema subsistiu no

pós-concílio e questionou a conceção teológica do sacerdócio. Face a esta realidade, Paulo VI

salientará que as duas conceções não se excluem uma à outra, antes se complementam149, e

vai precisamente «enquadrar o aspeto da opção do celibato apelando à totalidade da conceção

do sacerdócio»150.

145
, Giselda ADORNATO, Pablo VI El coraje de la modernidad, San Pablo, Madrid, 2010, 209.
146
Cf. Ibidem.
147
Ibidem, 208.
148
Cf. Mauro PIACENZA, «Enseñanzas pontificias sobre el celibato», 154.
149
Cf. Giselda ADORNATO, Pablo VI El coraje de la modernidad, 210.
150
Ibidem.
47
A presente Encíclica surge como cumprimento da promessa feita por Paulo VI aos

Padres conciliares: «imprimir novo lustre e novo vigor ao celibato sacerdotal nas

circunstâncias atuais» (SaCae 2). A sua finalidade é realmente apresentar uma fundamentação

teológica do celibato sacerdotal, que demonstre a sua conveniência. O documento é

constituído por 99 números e apresenta duas partes gerais, precedidas por alguns pontos

introdutórios, que o contextualizam, e diversas objeções ao celibato sacerdotal. Assim, a

primeira parte apresenta um ensinamento sobre as razões do celibato consagrado; o celibato

na vida da Igreja; e o celibato e os valores humanos. A segunda parte expõe uma reflexão

sobre a formação sacerdotal; a vida sacerdotal; as dolorosas defeções; a paternidade do bispo;

e a parte dos fiéis.

Na reflexão teológica da Encíclica, caracterizada por um discurso conciliar, é de

salientar a coragem de Paulo VI na abordagem do tema: «não se limita a uma simples

apologia da disciplina secular, mas oferece uma visão de amplos horizontes teológicos, aberta

ao desenvolvimento futuro»151.

A teologia do celibato sacerdotal é desenvolvida segundo três âmbitos fundamentais

(cristológico, eclesiológico e escatológico), nos quais se desenvolve conjuntamente, para além

de uma dimensão espiritual e ascética, uma dimensão especificamente antropológica152.

É de facto notório, na Encíclica, a grande preocupação antropológica que considera os

fundamentais valores humanos e a dimensão relacional da pessoa. Com efeito, a opção pelo

celibato é apresentada como «escolha duma relação pessoal mais íntima e completa com o

mistério de Cristo e da Igreja, em prol da humanidade inteira» (SaCae 54), que não exclui os

valores humanos, pelo contrário, tem-nos como pressuposto para o serviço a Deus e à

humanidade. De facto, só alicerçado nesta realidade é que «o celibato eleva integralmente o

151
Krzystof CHARAMSA, “EL principal texto del Magisterio sobre el celibato sacerdotal es una encíclica de Pablo
VI. ¿Cuáles son sus enseñanzas más importantes?”, in Arturo CATTANEO, ¿Curas casados?, RIALP, Madrid,
2011, 56.
152
Cf. Ibidem.
48
homem e contribui para a sua madurez e perfeição com a compreensão e controle de si

mesmo e com a sábia sublimação da própria psique»153.

A dimensão espiritual e ascética salientada na Encíclica demonstra que a formação em

ordem ao celibato «deve ser, antes de tudo, a formação de uma personalidade equilibrada,

forte e madura»154, que não nega o recurso ao contributo das novas ciências, mas que recorre

primeiramente a meios sobrenaturais. Pois, «não se pode separar o celibato de uma ascese

particular, própria do sacerdote e superior à que se exige a todos os demais crentes»155.

A pretensão de Paulo VI não foi impor uma palavra definitiva e normativa, mas abrir

horizontes à reflexão, pois ele reconhece que «nunca como hoje o tema do celibato sacerdotal

foi com tanta agudeza examinado, sob todos os aspectos – no plano doutrinal, histórico,

sociológico, psicológico e pastoral – e muitas vezes com intenções fundamentalmente retas,

se bem que as palavras, de quando em quando, as tenham traído» (SaCae 5). Neste sentido,

para se alcançar uma profunda e verdadeira compreensão do celibato sacerdotal, que vincule o

celibato sacerdotal à participação na missão sacerdotal de Cristo, o papa deixa um convite aos

«mestres de espírito e todos os sacerdotes capazes de intuições sobrenaturais a


respeito da sua vocação a perseverar no estudo de tal perspectiva, e a penetrar nas suas
intimas e fecundas realidades, de maneira que o vinculo entre sacerdócio e celibato
apareça cada vez mais claro na sua lógica, luminosa e heróica, de amor único e
ilimitado a Cristo Senhor e à Sua Igreja» (SaCae 25).

2.4.1. Objeções

A Encíclica confirma que a disciplina do celibato sacerdotal, observada desde há

séculos pela Igreja,

«conserva todo o seu valor mesmo nos nossos tempos, caracterizados por uma
profunda transformação na mentalidade e nas estruturas. Mas, no clima atual de novos
fermentos manifestou-se a tendência, e até vontade expressa, de pedir à Igreja que
torne a examinar esta instituição característica, cuja observância, segundo alguns, se

153
Ibidem, 59.
154
Ibidem, 60.
155
Ibidem.
49
tornou problemática e quase impossível no nosso tempo e no nosso mundo» (SaCae
1).

Muitos dos argumentos contra o celibato procedem da ideia hedonista que vê a pessoa

célibe como alguém diminuído nas suas faculdades psico-afetivas156. Ora, Paulo VI reconhece

as interrogações características dos novos tempos e decide abordar o tema de forma frontal,

encarando as dificuldades diretamente e dando-lhe uma resposta. Não se trata, portanto, como

já referido, de impor uma palavra normativa, mas de propor uma doutrina teologicamente bem

fundamentada.

Logo, ao iniciar a Encíclica, o Papa afirma: «fixou-se a nossa atenção de modo

particular, nas objeções – o que o levou a – considerar lealmente a realidade e os problemas

que essa implica […] à luz da verdade que é Cristo – e a identificar consequentemente – as

principais objeções contra a lei do celibato eclesiástico unido ao sacerdócio» (SaCae 1 e 5).

Por meio destas palavras, verificamos a atenção e importância dadas ao tema bem como a

pretensão de frontalidade, lealdade e verdade na sua abordagem. Neste sentido, o Papa segue

enunciando sete objeções ao celibato sacerdotal, as quais expõem que: o celibato não é

exigido no NT o, pois o NT não exige o celibato dos ministros sagrados, apenas o propõe

como carisma particular; a opção dos Padres da Igreja pelo celibato pode ser associada a um

exagerado pessimismo relativamente à condição humana; o vínculo entre sacerdócio

ministerial e celibato aparece questionável, dado o facto de que nem todos os que são

vocacionados ao sacerdócio possuem o carisma da perfeita continência; a lei do celibato pode

ser a maior causa da escassez de clero e, portanto, um obstáculo ao anúncio do Evangelho e à

realização da vontade de Deus; o celibato pode ser causa de infidelidade, a qual poderia ser

colmatada pelo testemunho matrimonial; o estado célibe pode violentar a natureza humana,

assentando esta objeção na ideia de que a vida célibe é nociva à personalidade humana do

156
Cf. José H. Barros de OLIVEIRA, Tesouros em vasos de barro, 175-201.
50
padre; por fim, a sétima objeção salienta a inadequada formação dos candidatos ao

sacerdócio, que se pode traduzir numa opção pouco madura e consciente (Cf. 5-11).

Ao considerarmos estas objeções verificamos que elas se situam em diferentes níveis:

jurídico-pastoral; prático e doutrinal157. Na resposta a estas objeções, a Encíclica baseia-se

mais no nível doutrinal, o que pode ser prejudicial para os outros dois, pois logicamente só

depois de se resolver a questão a nível doutrinal é que se poderá proceder ao nível jurídico-

pastoral e ao prático158. Ao encarar frontalmente as objeções de diversos âmbitos científicos e

humanos, a Encíclica revela que a sua finalidade primeira passa por «repropor uma imagem

do celibato sacerdotal não criticável do ponto de vista cultural, antropológico, e em definitiva

teológico»159. Para tal, Paulo VI assume ao longo da Encíclica um discurso de fé, em

harmonia com a reflexão resultante do Vaticano II, enraizando similarmente o seu discurso no

coração do evangelho160. Segundo este discurso, o Pontífice responde positivamente às várias

objeções, de forma positiva, evidenciando que o problema não se resolve de forma simplista,

pois, se por um lado, a abolição do celibato evitaria alguns escândalos, surgiriam outros com a

realidade do divórcio dos padres casados. De igual modo, a escassez do clero é um tema

complexo, não se devendo focar apenas os motivos no carisma do celibato, mas também na

redução do número de filhos nas famílias hodiernas. Para o Papa, o problema fulcral nas

objeções é a centralização numa visão pessimista e redutora, pois só se compreende

verdadeiramente o celibato sacerdotal pela positiva, ou seja, à luz do mistério de Cristo e da

Igreja, numa dimensão de amor pleno, alimentado pela Palavra de Deus e pelos sacramentos,

sobretudo na Eucaristia161. É, de facto, segundo esta perspetiva, que o Papa responde a estas

objeções ao longo de toda a Encíclica, incidindo a sua resposta, sobretudo, na fundamentação

teológica do celibato.

157
Cf. Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale», 599.
158
Cf. Ibidem.
159
Ibidem.
160
Cf. Salvatore GAROFALO, «Introduzione alla lettura dell´Enciclica “Sacerdotalis caelibatus”», in Seminarium
49 (1967), 767.
161
Cf. José H. Barros de OLIVEIRA, Tesouros em vasos de barro, Seminário do Coração de Maria, V.N. Gaia,
1999,176.
51
Apesar de todas estas objeções que parecem asfixiar o testemunho fiel e alegre de

tantos sacerdotes através dos séculos, este testemunho persiste ainda no presente, onde muitos

clérigos vivem o celibato consagrado de modo voluntário, «não por desprezo do dom divino

da vida, mas por amor superior à vida nova que brota do mistério pascal» (SaCae 13). Por

isso, atendendo a esta realidade, o Sumo pontífice confirma, nesta Encíclica, que «a lei

vigente do celibato sagrado deve, ainda hoje, acompanhar firmemente o ministério

eclesiástico» (SaCae 14).

2.4.2. Razões do celibato consagrado

A primeira parte da Encíclica começa por apresentar as razões fundamentais da

«múltipla conveniência» (SaCae 18) do celibato sacerdotal, desenvolvendo-se estas razões

segundo o significado cristológico, eclesiológico e escatológico do celibato.

No significado cristológico, é evidenciado o modelo de Jesus Cristo virgem e, por isso,

para uma maior participação na sua missão aparece como conveniente que os seus seguidores

o sigam no mesmo estado. Neste sentido, a partir da novidade de Cristo, compreende-se a

regeneração da humanidade para uma vida nova, onde o estado virginal é um dom resultante

desse renovamento. Com efeito, a «virgindade aparece em confronto dialético com o

matrimónio, instituição do AT, aperfeiçoado e resignificado em Cristo»162. Cristo restitui a

dignidade primitiva do matrimónio, mas abriu também um novo caminho para que o ser

humano se possa entregar a Ele e ao Seu Reino de um modo especial (cf. SaCae 20). Portanto,

a virgindade apresenta-se como condição de relação imediata com Deus, enquanto o

matrimónio se insere numa condição de relação mediata163. Em Cristo, o vínculo entre

virgindade e sacerdócio remete àqueles que pretendem participar na sua missão, para uma

doação total de si mesmo que se deve manifestar num contexto histórico concreto. Esta

vontade de Cristo dá-se dentro da história e garante ao celibato não uma «colocação fora da

162
Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale», 601.
163
Cf. Ibidem.
52
história, tendencionalmente existencialista, mas um contexto profundamente dinâmico e intra-

histórico»164. Estabelecendo-se, deste modo, a opção pela perfeita continência como uma

resposta à caridade para com Deus e com os irmãos. Por seu lado, a fundamentação

eclesiológica do celibato estabelece um paralelismo entre a doação de Cristo à sua Igreja e a

entrega do sacerdote ao serviço de Cristo e do seu Corpo místico165. Tal como Cristo se

entregou totalmente à Igreja, os sacerdotes, ao viverem o celibato consagrado expressam esse

mesmo amor esponsalício. Por fim, o tratamento do significado escatológico do celibato

apresenta como ideia geral a dom do celibato pelo reino do Céu como sinal, antecipação da

vida futura166.

Na verdade, as razões acerca da conveniência do celibato sacerdotal foram alicerçadas

ao longo do tempo, sobretudo na dimensão pastoral, todavia os fundamentos do celibato são,

acima de tudo, de natureza teológico-dogmática e não apenas de ordem pastoral167. Isto,

porque «o celibato ministerial é um facto com profundas raízes teológicas, cujo pleno

conhecimento nos transcende pois estão situadas no mistério de Cristo Sacerdote e no da

Igreja in terris, Esposa Sua e sacramento universal de salvação»168. Portanto, a profunda razão

do celibato sacerdotal não se centra numa mera disciplina eclesial, mas aparece sobretudo

vinculada ao mistério da economia da salvação. Todavia, refletiremos no próximo capítulo o

significado teológico destas três dimensões, de modo mais profundo e específico.

2.4.3. O celibato na vida Igreja

Neste ponto, o papa faz uma breve observação sobre o problema do celibato na

história da Igreja. Despois de recordar o antigo testemunho dos Padres orientais e ocidentais,

quanto à livre vivência do dom da perfeita continência, é salientado que a Igreja aceitou e

difundiu esta prática a partir do século IV, a qual foi sancionada solenemente pelo Concílio

164
Ibidem, 603.
165
Cf. Ibidem, 603.
166
H. Barros de OLIVEIRA, Tesouros em vasos de barro, 159.
167
Cf. António ARANDA, «La encíclica Sacerdotalis caelibatus, cincuenta años después», 413.
168
Ibidem.
53
Ecuménico de Trento e só por fim inserida no Direito Canónico. O Pontífice relembra o

recente magistério dos seus predecessores, os quais confirmaram a lei do celibato, mas

também ressalva a particularidade da Igreja do Oriente, a qual pelo estabelecido no Concílio

de Trullo possui uma legislação diferente quanto ao celibato eclesiástico169.

O dom do celibato é afirmado como um precioso dom do Espírito, «concedido

liberalmente pelo Pai, desde que os participantes do sacerdócio de Cristo pelo sacramento da

Ordem, e toda a Igreja, humilde e insistentemente o peçam» (SaCae 44). Com efeito, verifica-

se uma implicação de toda a Igreja para o alcance deste precioso dom, dirigido ao mundo,

pois se é dever de toda a Igreja ser sinal do dom de Deus é também Seu dever trabalhar pela

presença desse sinal170. Apesar das aparentes dificuldades da vigência da perfeita continência

nas circunstâncias atuais, Paulo VI afirma que precisamente «o mundo em que vivemos,

perturbado por uma crise de crescimento e de transformação, justamente orgulhoso dos

valores e das conquistas humanas, tem neste momento, necessidade urgente do testemunho de

vidas consagradas aos mais altos e sagrados valores espirituais» (SaCae 46). De facto, o

Pontífice reconhece o problema da escassez de vocações sacerdotais e, apelando à confiança

na força do reino do Céu, afirma que a raiz do problema não está na obrigação da lei do

celibato. Inclusive, alude que as Igrejas e comunidades eclesiais, que permitiram o

matrimónio aos sacerdotes, revelam precisamente uma acentuação do problema. A raiz do

problema encontra-se, então, na sua perspetiva, «na perda ou na diminuição do sentido de

Deus e do que é sacro nos indivíduos e nas famílias, e na perda da estima pela Igreja como

instituição de salvação mediante a fé e os sacramentos» (SaCae 49). Deste modo, a reflexão

da Encíclica indica que o problema de fundo inerente à escassez das vocações sacerdotais é

bem mais amplo e merece uma reflexão mais profunda, porque as dificuldades não se

verificam somente no âmbito do celibato, mas também no matrimónio, colocando-se a raiz do

169
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal: Uma perspectiva actual, Cristiandad, Madrid, 2004, 81-88.
170
Cf. Juan María URIARTE, El celibato: Apuntes antropológicos, espirituales y pedagógicos, Sal Terrae,
Maliaño, 2015, 103-107.
54
problema na dificuldade em viver os ideais cristãos no meio de uma atmosfera social onde tais

valores se apresentam em progressiva decadência171.

2.4.4. Celibato e valores humanos

O Papa refuta diretamente a objeção do celibato como violência contra a natureza, a

qual sublinha a falta de experiência conjugal dos sacerdotes como causa de lesões físicas e

psíquicas. A Igreja reconhece que as renúncias inerentes à adesão ao celibato sacerdotal

aportam obstáculos e problemas, mas tais renúncias são verdadeiramente respeitadoras dos

valores humanos. Mais, o próprio «sacrifício do amor humano, tal como é vivido na família,

feito pelo sacerdote por amor de Cristo, é na realidade homenagem singular prestada a esse

amor» (SaCae 50). Com efeito, o dom do celibato é dom da graça divina, e «a graça não

destrói nem violenta a natureza - pelo contrário- eleva-a e dá-lhe capacidade e vigor

sobrenatural» (SaCae 51).

Do ponto de vista antropológico, o celibato e a natureza humana não se excluem, pois

o celibato é também uma maneira de viver a sexualidade172. Portanto, não é correto que a

ciência afirme que o celibato, por razões afetivas, físicas e psíquicas é nocivo à maturidade

humana, pois se o celibato é conscientemente escolhido por uma pessoa psiquicamente

madura, é uma clara expressão de liberdade humana173. Por seu lado, a eleição de um estado

de vida célibe por amor a Deus, de forma totalmente livre, comporta naturalmente a

necessidade de uma maturidade humana que integre «a componente intelectiva e afetivo-

volitiva como conjunto unitário da pessoa»174. Pois, a maturidade afetiva da pessoa traduz-se

numa madura abertura a um amor oblativo até à doação total de si mesmo, em perfeita

171
Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, Sígueme, Salamanca, 2009, 75.
172
Juan María URIARTE, El celibato, 69.
173
André-Marie JERUMANIS, «¿La perfecta continencia que se pide en el celibato, no es nociva para el equilibrio
psicofísico e la madurez de la personalidad humana?», in Arturo CATTANEO, ¿Curas casados?, RIALP, Madrid,
2011, 69.
174
Ibidem.
55
liberdade interior, exercida no domínio de si e em plena disponibilidade para a missão 175. De

facto, pela sua criação à imagem e semelhança de Deus, «o homem não é somente carne, e o

instinto sexual não é tudo nele. O homem é também e sobretudo inteligência, vontade,

liberdade e, graças a estas faculdades, é e deve ter-se como superior ao universo: elas tornam-

no senhor dos próprios apetites físicos, psicológicos e afetivos» (SaCae 53). A dimensão

sexual não pode ser reduzida à genitalidade, aos instintos, deve antes ser compreendida nos

seus «três níveis biológico-psicológico-espiritual»176. Enquanto pessoa, o Homem possui uma

inteligência, vontade e liberdade, por isso, «o autodomínio e o autocontrolo das tendências

sexuais, pode conduzir à maturidade afetiva e unificar a pessoa, libertando ao mesmo tempo o

coração para causas mais nobres e universais177. A opção pelo celibato é a opção por uma vida

de maior intimidade com Jesus Cristo e essa relação não exclui a expressão dos valores

humanos. Trata-se de eleger uma adesão a Cristo com todo o seu ser e «que uma pessoa tenha

uma orientação, uma opção, em sua vida e que as demais dimensões de seu ser sejam

convergentes com ela é uma componente importante da sua maturidade e, portanto, da sua

riqueza178. A dimensão de uma vida em perfeita continência pode então, segundo esta

perspetiva, facilitar a maturidade humana da pessoa bem como ajudá-la a viver a própria

solidão.

Outro aspeto acentuado pela Encíclica é precisamente a solidão dos sacerdotes. A vida

sacerdotal é também marcada pela solidão, todavia, esta «não é solidão vazia, porque está

plena de Deus e da superabundante riqueza do Seu Reino» (SaCae 58). Neste sentido,

podemos entender que «a solidão sexual do célibe cristão não é uma solidão eleita por si

mesma nem somente para construir-se uma personalidade autónoma e harmónica, constitui,

antes, a solidão necessária para viver um encontro privilegiado, o encontro com o Senhor»179.

E, realmente «uma adequada dose de solidão não pode ser vista como fonte de dificuldades

175
Ibidem.
176
Ibidem.
177
José H. Barros de OLIVEIRA, Tesouros em vasos de barro, 219.
178
Juan María URIARTE, El celibato, 77.
179
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 57.
56
para o sacerdote, mas como valiosa oportunidade para o recolhimento e para a oração, a

exemplo de Jesus, que com frequência sabia retirar-se sozinho para orar»180. A solidão pode

então ser positiva e fecunda, na medida em que está inserida numa verdadeira espiritualidade,

na relação íntima com Deus, mas para tal, pressupõe-se que o sacerdote possua uma boa

formação em ordem a viver e a compreender a sua solidão de forma salutar, superando-a pelo

exercício da perfeita caridade. Através desta perspetiva, vemos que, na verdade, o sacerdote

não está só, mas unido intimamente a Cristo, que suportou também dolorosamente a solidão e

o abandono, e conta também com a «solicitude de seu pai em Cristo, o Bispo, com a

fraternidade íntima dos irmãos no sacerdócio e com o conforto de todo Povo de Deus» (SaCae

59).

2.4.5. Formação sacerdotal

A segunda parte da Encíclica inicia com a formação sacerdotal, identificando as

dificuldades e lacunas na formação e deixando conselhos muito concretos. Enquanto, na

primeira parte se verifica um tratamento teórico, na segunda parte sobressai uma abordagem

de ordem prática. Mais do que expor um conjunto de conselhos teóricos, a Encíclica apresenta

propostas concretas que exigem um aprofundamento evangélico da vida sacerdotal. Assim,

podemos identificar, nesta segunda parte, dois problemas de ordem prática: a inadequada

formação sacerdotal e a infidelidade ao celibato. Por seu lado, os meios apresentados para a

perseverança são de ordem tradicional: oração, zelo pastoral, ascese e a prudência nas

relações apostólicas181.

Paulo VI relembra que o Concílio Vaticano II deixou normas e critérios para uma

adequada formação dos futuros sacerdotes, os quais incluem «uma harmonia com o progresso

da psicologia e da pedagogia» (SaCae 61). A formação dos candidatos ao sacerdócio tem

180
Arturo CATTANEO, «¿No tiende el celibato a causar soledad y frustración en la vida de un sacerdote», in
Arturo CATTANEO, ¿Curas casados?, RIALP, Madrid, 2011,105.
181
Cf. Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale.», 606.
57
exatamente como objetivo «formar uma personalidade digna de um homem de Deus», de

modo, que os ajude a alcançar uma «personalidade equilibrada, forte e madura, síntese de

elementos naturais e adquiridos, harmonia de todas as faculdades à luz da fé e da íntima união

com cristo» (SaCae 60-70). De facto, para o alcance desta sã personalidade, não é de admirar

que os meios sobrenaturais apareçam em primeiro lugar, de modo, a «coordenar

harmonicamente o plano da graça com o da natureza». (SaCae 64). A perseverança numa vida

celibatária evidencia realmente certas dificuldades, por isso, apenas uma autêntica

espiritualidade poderá sustentar uma personalidade equilibrada no padre. Pois, só «o empenho

de uma corajosa austeridade e intensa espiritualidade individual e comunitária permitirá ao

sacerdote – com a ajuda de Deus – viver o celibato com relativa facilidade e com profunda

alegria de espírito»182.

Ao candidato ao sacerdócio, exige-se o carisma do celibato, o qual implica um cultivo

permanente. Este carisma, sendo dom da graça, carece conjuntamente de um adequado

acompanhamento que considere o candidato na sua dimensão biológica e psicológica183. Por

conseguinte, o candidato é chamado a uma responsável autoformação, desenvolvendo a sua

própria personalidade através da capacidade de «domínio de si mesmo» (SaCae 67). Mas,

para tal, é também necessária a observância de uma «disciplina pessoal e comunitária»

(SaCae 67) e uma opção madura e consciente por uma vida célibe. Efetivamente, a formação

de uma personalidade madura requer uma

«ascese particular e própria, superior à que se pede aos demais fiéis […]
humildade e obediência como expressão de verdade interior e de liberdade ordenada;
prudência e justiça; fortaleza e temperança, virtudes sem as quais não pode existir vida
religiosa verdadeira e fecunda; sentido de responsabilidade; de fidelidade e de
lealdade; no assumir das próprias obrigações; despreendimento e espírito de pobreza
que dão tom e vigor à liberdade evangélica; e castidade conquistada com perseverança
e de harmonia com todas as outras virtudes naturais e sobrenaturais; contacto sereno e

182
Krzystof CHARAMSA, «EL principal texto del Magisterio sobre el celibato sacerdotal es una encíclica de Pablo
VI», 60.
183
Cf. José H. Barros de OLIVEIRA, Tesouros em vasos de barro, 203.
58
seguro com o mundo a cujo serviço o candidato se irá dedicar por Cristo e ao Seu
Reino» (SaCae 70).

Evidentemente, que a necessidade de uma formação integral, que harmonize a graça

com formação procedente das ciências humanas, não visa somente os candidatos ao

sacerdócio, mas também os sacerdotes, pois trata-se de uma dimensão que exige formação

permanente. Para a realização desta formação permanente é

«toda a Igreja particular que, sob orientação do bispo, é investida de


responsabilidade de estimular e cuidar, de vários modos, a formação permanente dos
sacerdotes. Estes não existem para si mesmos, mas para o Povo de Deus: por isso, a
formação permanente, enquanto assegura a maturidade humana, espiritual, intelectual
e pastoral dos padres, resulta num bem em que o destinatário é o Povo de Deus» (PDV
78).

O sacerdote deve estar realmente consciente de que uma boa formação, nas diversas

dimensões, resultará sempre num bem para o Povo de Deus. Por isso, como sublinha a

Encíclica, é realmente importante que a formação espiritual eduque para a abnegação de si

mesmo, a qual implica em grande parte mortificação, ou seja, “morrer” para si mesmo para

renascer para uma vida nova com Cristo184. Esta abnegação é um despojamento ascético, no

entanto, a verdadeira ascese não é mais que «colocar todo nosso afeto na relação com Cristo,

num trato de familiaridade com Deus e de paixão com Ele»185. Ora, este amor a Deus não se

fecha em si mas reflete-se sempre num amor esponsal ao Seu Corpo místico, de forma, que a

autêntica ascese espiritual há-de converter num grande espaço afetivo, numa capacidade de

amar com uma paternidade espiritual186.

2.4.6. Vida sacerdotal

O mundo moderno deu realmente grande importância «ao valor positivo nas relações

humanas, mas multiplicou também as dificuldades e riscos nesta matéria» (SaCae 73). Com
184
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 131.
185
Juan María URIARTE, El celibato, 128.
186
Cf. Stefano GUARINELLI, ¿El celibato de los sacerdotes: Por qué elegirlo todavía?, 2015, 104.
59
efeito, as dificuldades inerentes à observância da perfeita continência, sendo transversais a

todos os tempos, exigem uma contínua vigilância contra as seduções. Face a estas tentações, a

Encíclica demonstra a necessidade de recurso a «normas ascéticas, que estão garantidas pela

experiência da Igreja e que não são menos necessárias nas circunstâncias atuais do que o

foram noutros tempos» (SaCae 74). Aconselha-se ao sacerdote o cultivo de uma intensa vida

espiritual, de uma «piedade sacerdotal, alimentada na fonte puríssima da palavra de Deus e da

Santíssima Eucaristia, vivida no drama da Sagrada Liturgia, animada por terna e esclarecida

devoção à Virgem, Mãe do Sumo e eterno sacerdote e Rainha dos Apóstolos» (SaCae 75). O

celibato sacerdotal só pode ser autenticamente compreendido dentro da totalidade de uma

vida espiritual, conforme ao espírito de Cristo, e a vigência desta vida espiritual comporta

necessariamente uma atmosfera de oração187. Por conseguinte, é totalmente compreensível

que a Encíclica acentue a importância da dimensão espiritual na vida sacerdotal, pois

«se os sacerdotes não mantêm um trato habitual com o Senhor na oração,


correm o perigo de fazerem-se escravos do seu próprio tempo e circunstâncias.
Apenas mediante a conversa habitual com o Bom Pastor das suas almas, evitarão o
risco de se conformarem com os valores de uma cultura materialista e sensual, e
continuarão reconhecendo o carisma do celibato como dom que ilumina e enche as
suas vidas»188.

Efetivamente, a oração é de vital importância na vida sacerdotal. O próprio Cristo deu

aos discípulos um modelo de vida espiritual, retirando-se para orar em silêncio, ensinando-

lhes a orar, sem muitas palavras, mas em todas as ocasiões e sem desfalecer. Com efeito, é

fundamental que o padre cultive a sua vida interior através da oração, a qual não é separável

da escuta189. Pois, «a escuta constitui, o primeiro exercício da oração cristã; se, pelo contrário,

se reza unicamente falando a Deus, acaba-se por viver a oração com sentimento de frustração

e chega-se a acusar a Deus de se manter em silêncio diante de nós»190. A escuta orante é, por,

187
Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, 75.
188
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 234.
189
Cf. Enzo BIANCHI, A los presbíteros, Sígueme, Salamanca, 2012, 32.
190
Ibidem.
60
conseguinte, a atitude daquele que se disponibiliza para ser servidor da Palavra e se

compromete a servi-La e anunciá-La no meio da comunidade de fiéis191, pois só quando o

Homem for capaz de escutar a Deus no seu coração é que poderá escutar verdadeiramente os

seus irmãos192. A Liturgia, sendo efetivamente a fonte e o cume de toda a atividade da

Igreja193, é igualmente a fonte e o cume do ministério sacerdotal. Neste sentido, também a

lectio divina surge com vital para a meditação espiritual do sacerdote, pois ela é na verdade «o

lugar de celebração da aliança, porque na lectio Deus fala ao Homem e na oração é o crente

que fala a Deus194.

A oração é a prioridade pastoral do sacerdote e, nela, a liturgia eucarística e a

celebração dos sacramentos, para além de um serviço à comunidade, são igualmente um ponto

fulcral da oração do sacerdote. Neste contexto, é também de destacar a primazia da liturgia

das horas na vida espiritual do sacerdote, pois esta é de vital importância para ordenar o

tempo em permanente referência a Deus, colocando-se diante do Senhor em louvor perene,

evitando deixar-se dominar pelo tempo e pelo ativismo195. A liturgia das horas é na verdade

«o lugar privilegiado de onde o presbítero aprende a gramática da liturgia da Igreja e pode

sentir e colocar o próprio eu no Eu da Igreja e no Eu de Cristo que ora ao Pai»196.

A Encíclica refere também a fraternidade sacerdotal como um importante apoio à

observância do celibato do sacerdote, explicitando claramente dois aspetos que devem estar

sempre presentes na fraternidade sacerdotal: uma comunhão sacerdotal de espírito e vida e

uma caridade para com os irmãos em perigo (cf. SaCae 79-81). O celibato proporciona

realmente a dimensão de unidade à vida sacerdotal, «tornando o apostolado mais fecundo, na

medida em que contribui para a vida comunitária do clero, que permite maior espírito de

191
Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, 31.
192
Enzo BIANCHI, A los presbíteros, 33.
193
Cf. SACROSANCTUM CONCILIUM OECUMENICUM VATICANUM II, Constitutio de Sacra Liturgia
«Sacrosanctum Concilium», in AAS 56 (1964) 97-139.
194
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 37.
195
Ibidem, 34.
196
Ibidem, 36.
61
equipa e mais acrisolada caridade pastoral»197. Mas, por seu lado, a observância do celibato é

também beneficiada por uma comunhão e proximidade fraterna entre os sacerdotes. A

Encíclica cita diretamente o Decreto Presbyterorum Ordinis para sublinhar a «a íntima

fraternidade sacerdotal» (PO 8) existente entre todos os presbíteros através do sacramento da

Ordem, de modo que se pressupõe uma «perfeita comunhão de espírito entre os sacerdotes, e

o intenso intercâmbio de orações, de serena amizade e de auxílios de toda a espécie» (SaCae

79), pois todos participam na mesma missão: a «edificação do Corpo de Cristo» (PO 8). A

comunhão fraterna deve ser exatamente reflexo de uma profunda contemplação da comunhão

entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, de tal modo, que o sacerdote possa «ver o outro como

“dom de Deus para mim”, dom precioso que me concede viver em plenitude; não é em vão

que a verdadeira regra do cristianismo é “nunca sem o outro”»198. O sacerdócio tem

efetivamente uma dimensão comunitária, por isso, o presbítero só vive realmente a sua missão

sacerdotal em presbitério, vinculado à comunhão fraterna dos discípulos de Jesus Cristo199.

Nesta família fraterna, há o dever de uma responsabilidade reciproca entre todos, na qual «os

sacerdotes têm a obrigação de ajudar os que possam estar a passar por dificuldades na sua

vocação. E uma forma de mostrar afeto humano e sobrenatural pelos irmãos, que correm

perigo de extraviarem-se, é ajudá-los com a delicada prática evangélica da correcção

fraterna»200. Perante tais situações, os sacerdotes devem sentir vivamente as «entranhas de

caridade ardente entre eles, uma vez que têm mais necessidade de amor, de compreensão, de

orações, de ajuda secreta mas eficaz» (SaCae 81).

2.4.7. Defeções e acompanhamento do bispo e dos fiéis

O número de defeções sacerdotais, no pós-concilio, significou um profundo drama

para a Igreja. Só entre 1964 e 1969 foram apartados do ministério sacerdotal mais de 13 000

197
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 63.
198
Enzo BIANCHI, A los presbíteros, 53.
199
Gisbert GRESHAKE, Ser sacerdote hoy: Teología, praxis pastoral e espiritualidad, Sígueme, Salamanca, 2006,
458.
200
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 247.
62
padres, isto é, mais de 2 000 por ano201. Todavia, os números não abalaram a confiança de

Paulo VI numa conceção exigente e austera do sacerdócio, não cedeu quanto à lei do celibato,

pois acreditava que a qualidade espiritual dos sacerdotes se traduziria num aumento em

número (cf. SaCae 99). Quanto ao grande número de sacerdotes que deixaram o ministério, o

Papa demonstrou conjuntamente uma grande mágoa e um amor compassivo e paterno,

sublinhando repetidamente que a causa da infidelidade ao ministério sacerdotal «não recaía

sobre o próprio celibato, mas sobre o facto de se não terem avaliado a tempo, de modo

satisfatório e prudente, as qualidades do candidato ao sacerdócio, ou ainda, sobre a maneira

como os ministros sagrados vivem a sua consagração total» (SaCae 83). Tendo em conta estas

possíveis negligências, a compaixão do Papa pelos sacerdotes que se afastaram do ministério

levou-o a determinar que «a investigação das causas que tem por objeto a ordenação

sacerdotal fosse ampliada a outros motivos gravíssimos» (SaCae 84). Na verdade, muitos

daqueles que se apartaram do ministério já estão tão psiquicamente marcados que não é digno

julgá-los, por isso, a Igreja como Mãe misericordiosa reconhece a necessidade de fazer de

tudo para os reconciliar com Deus202. Foi com este sentimento que o Papa pediu

paternalmente aos bispos: «não percais nunca de vista os sacerdotes que abandonarem a casa

de Deus, que é a sua própria casa, pois eles serão sempre vossos filhos, seja qual for o

desfecho da sua dolorosa aventura» (SaCae 95).

Nesta parte da Sacerdotalis Caelibatus, o Pontífice dirige-se, de modo especial aos

bispos, relembrando-lhes a missão de amparar paternalmente os padres na vivência da sua

missão sacerdotal. Depois de salientar a importância da fraternidade sacerdotal, a Encíclica

sublinha agora o exercício da paternidade do bispo e o acompanhamento dos fiéis, como

fundamentais para a perseverança dos sacerdotes no seu ministério. A relação do bispo com

os padres, no plano diocesano, reproduz a estrutura complexiva da Igreja, isto é, a

colegialidade entre todos os bispos, dirigida pelo Papa, na qual todo sacerdócio participa, em

201
Cf. José H. Barros de OLIVEIRA, Tesouros em vasos de barro, 91.
202
Cf. Bernhard HARING, O Concílio começa agora, Paulistas, Lisboa, 1966, 188.
63
certa medida, como princípio estrutural e eucarístico203. Os bispos estão efetivamente

vinculados aos sacerdotes, e a imposição das mãos feitas aos neo-sacerdotes, pelo bispo e

pelos demais sacerdotes presentes, significa exatamente o motivo da comunhão a ser vivida

intimamente entre o bispo e o presbitério (cf. SaCae 91). Na verdade, a Encíclica desenvolve

esta união em paralelo com a relação de Cristo com os seus apóstolos, pois tal como Cristo

permaneceu unido aos apóstolos, também os bispos estão intimamente unidos aos presbíteros

e servem para eles de exemplo, como especial responsabilidade de estarem atentos à solidão

humana do sacerdote, principal origem de tentação e desânimo, a qual deve ser preenchida

sobretudo pela presença ativa, fraterna e amiga do bispo (cf. SaCae 93). A união do bispo com

o presbitério é a forma mais eficaz da Igreja realizar a missão a que é chamada pela Sua

própria natureza204. Por isso, os bispos devem ser para os presbíteros «mestres, pais, amigos e

irmãos bons e misericordiosos prontos para os compreender, para os desculpar, para os

ajudar» (SaCae 93), de tal modo, que os sacerdotes «reverenciem neles a autoridade de Cristo

pastor supremo – e – adiram ao seu Bispo com caridade e obediência sinceras» (PO 7). Nesta

perspetiva, Paulo VI, pela «representação sacramental do mistério de comunhão existente

entre Cristo e os apóstolos»205, convida diretamente os bispos a um profundo cuidado paternal

para com os presbíteros:

«não quebreis a cana fendida e não apagueis a mecha que fumega (Mt 12, 20).
Curai, como Jesus, as chagas (cf. Mt 9, 12), salvai o que se tenha perdido (cf. Mt 18,
11), buscai com ânsia e amor a ovelha desgarrada e trazei-a ao calor do redil (cf. Lc
15, 4.), procurai, como Ele, até ao fim, chamar uma vez mais o amigo infiel (cf. Lc 22,
48)» (SaCae 94).

Por outro lado, também todo o Povo de Deus é evidenciado com responsável pelo

bem-estar dos seus pastores. A virtude sacerdotal é um bem dirigido a toda a Igreja, um

serviço em ordem à salvação, por isso, todos os fiéis devem sentir-se responsáveis pela

203
Ibidem, 177.
204
Cf. Jose Antonio ABAD, Juan Pablo II al sacerdocio, Eunsa, Pamplona, 1982, 248.
205
Damiano MARZOTTO, «Sulla natura del celibato sacerdotale», 608.
64
virtude dos sacerdotes (cf. SaCae 96). O Vaticano II desenrolou-se segundo o sentimento de

unidade, de modo, que o espírito de fraternidade marca substancialmente toda a reflexão

conciliar206. O Papa vê os bispos como irmãos e os bispos convidam também os fiéis a que,

com aquela «liberdade e confiança que convém a filhos de Deus e a irmãos em Cristo,

manifestem-lhes as suas necessidades e aspirações» (LG 37). Na verdade, «regenerados com

todos na fonte do Batismo, os presbíteros são irmãos entre irmãos, membros de um só e

mesmo corpo de Cristo cuja edificação a todos pertence» (PO 9). Consequentemente, os

sacerdotes foram eleitos e separados dos leigos não para formar uma classe mais elevada, mas

para se unirem mais perfeitamente a Cristo e para ficarem mais livres para o serviço aos

irmãos, no meio do mundo207. Ao longo da história, os fiéis vão reconhecendo sempre nos

sacerdotes célibes o profundo amor que estes lhes manifestavam208. Mas, por seu lado,

também os féis são chamados a manifestarem um amor fraternal e filial para com os seus

pastores, através de uma postura ativa, pelo trabalho e pela oração, animando-os e ajudando-

os a superar os obstáculos da vida sacerdotal (cf. SaCae 96).

De facto, para além da fraternidade sacerdotal, a paternidade do bispo e o

compromisso fraterno de todo Povo de Deus são imprescindíveis para a manutenção da

virtude sacerdotal. Estas três dimensões são realmente três pilares fundamentais na vida do

sacerdote e expressam um verdadeiro espírito cristão, onde

«caminhar juntos, viver a sinodalidade, é o desafio que a Igreja está chamada


a assumir nos próximos decénios para viver autenticamente a comunhão: caminhar
juntos como cristãos, caminhar juntos fiéis e presbíteros, presbíteros e bispo, bispo e
bispo de Roma, pois só uma Igreja “sinodal” será uma autêntica comunhão divina
trinitária, na qual unidade e diferença não são contraditórias mas essenciais a uma
comunhão plural»209.

206
Cf. Bernhard HARING, O Concílio começa agora, 180.
207
Cf. Ibidem.
208
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 278.
209
Enzo BIANCHI, A los presbíteros, 51.
65
3. TEOLOGIA DO CELIBATO

Jesus optou por viver em estado célibe, para dedicar-se totalmente à Sua grande causa,

o reino do Céu. Este profundo vínculo entre virgindade e sacerdócio, na vida Jesus Cristo,

leva os Seus discípulos a imitá-Lo na opção pela perfeita continência pelo Reino, sendo

efetivamente esta a razão primordial do celibato cristão.

Podemos considerar as principais razões do celibato sacerdotal em três dimensões

principais: cristológica, eclesiológica e escatológica. No entanto, a dimensão cristológica está

sempre implícita nas demais, apresentando-se as três em estrita relação, pois só a adesão a

Cristo com o coração indiviso pode ser apresentada como razão fundamental para o sacerdote

desposar a Igreja, numa diaconia a toda a humanidade, a qual se revela, quando

convenientemente assumida pelo sacerdote, num autêntico sinal escatológico para o mundo.

3.1. Significado cristológico

Todo o celibato cristão encontra o seu mais profundo significado no amor a Jesus

Cristo. Jesus assumiu uma vida célibe por amor ao Pai e à realização do Seu plano salvífico e,

os sacerdotes, ao participarem no ministério sacerdotal de Cristo Pastor, propõem-se a

configurar toda sua existência com Cristo, imitando em tudo o Seu exemplo, para de igual

modo se consagrarem à vontade salvífica de Deus Pai 210. Este amor a Deus aparece facilitado

pela observância da perfeita continência, na medida em permite uma maior adesão a Cristo

com o coração indiviso, que se traduz num amor serviçal ao reino do Céu. O exemplo de vida

de Jesus é realmente o ponto de referência dos seus discípulos, que associam essa doação total

à urgência e grandeza da Sua pregação. O serviço ao Reino exige realmente renúncias e

sacrifícios e, Jesus deixa o convite em termos claros, não impõe o celibato, mas previne que

esta missão implica um despojamento de si mesmo, uma consagração absoluta em toda a

210
Juan María URIARTE, El celibato, 103.
66
existência humana. Todavia, o seguimento a Jesus, em estado célibe, não pode ser visto como

iniciativa humana porque é dom de Deus, nem como uma obrigação porque o próprio Cristo

coloca o chamamento numa dimensão de encontro pessoal com Deus, resultando assim a

eleição do celibato de uma profunda experiência do Reino211.

3.1.1. O celibato de Jesus Cristo

A vida de Jesus de Nazaré decorreu harmoniosamente até ao início da Sua atividade

pública, pois tudo aponta para uma boa integração na cultura judaica, não se evidenciando

acontecimentos extraordinários que o demarcassem na comunidade, com exceção de um facto

estranho e escandaloso ao seu povo: Jesus era solteiro212. Na verdade, o estado celibatário de

Jesus era certamente motivo de escândalo e incompreensão, dado que se compreendia, como

ideal judaico, o estado matrimonial, viver acompanhado por uma esposa fecunda e rodeado de

filhos (cf. Sl 128, 3). Por isso, também, neste contexto, Jesus aparece como sinal de

contradição e a Sua renúncia ao matrimónio significa uma descontinuidade histórica com a

tradição religiosa e cultural do povo judeu213. É certo que o celibato já era observado por

alguns dos Seus contemporâneos, nomeadamente «grupos marginais como dos essénicos de

Qumran ou dos terapeutas do Egito»214. A opção celibatária destes grupos era alicerçada em

fundamentos espirituais e teológicos, mas acentuava-se numa «pureza ritual extrema – como é

o caso dos monges de Qumran – e na prática do domínio das paixões, no caso dos terapeutas

do Egito»215. Mas, a renúncia de Jesus mostra-se bem distante destas conceções, não se centra

no escrúpulo pela pureza ritual, pelo contrário, Ele comia e bebia com os pecadores e

valorizava a dignidade da mulher.

211
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 113.
212
Cf. José Antonio PAGOLA, Jesus: uma abordagem histórica, 57.
213
Cf. Gianfranco RAVASI, Quem és tu Senhor? Encontros e desencontros com o homem que mudou a história,
Paulinas, Milão, 2011, 87.
214
José Antonio PAGOLA, Jesus: uma abordagem histórica, 57.
215
Cf. Ibidem, 57.
67
A vida célibe de Jesus também não pode ser vista em continuidade com o celibato de

Jeremias ou de João Batista216. A renúncia de Jeremias é resposta ao pedido de Deus para que

renunciasse a uma esposa e aos banquetes de modo que se constituísse sinal de advertência

para a situação de pecado em que vivia o povo judeu. Porém, Jesus segue por outra

perspetiva, reconhece o valor do matrimónio, participa nas bodas e compartilha a mesa com

os pecadores, remetendo sempre para o banquete celeste. Também a renúncia de João Batista

a uma esposa e à continuidade da linha sacerdotal da sua família não é identificável com a

renúncia de Jesus, pois embora tenha passado pelo deserto dedicou a Sua vida pública a

pregar pelas aldeias e cidades a chegada do reino de Deus217. De igual modo, a observância do

celibato não era estimada pelos fariseus, embora, posteriormente a Jesus, um rabino de nome

Simeão ben Azzai tenha optado por uma vida célibe, dedicando a sua vida ao estudo e

observância da Torá218. Esta opção era naturalmente uma contradição aos seus ensinamentos

apologéticos sobre o casamento e a procriação, sobressaindo-se assim a coragem da sua

entrega incondicional à Torá. Todavia, o celibato de Jesus também não pode ser estritamente

entendido segundo esta perspetiva. Pois, Jesus não dedicou a sua vida ao estudo da Torá, mas

consagrou-se inteiramente ao anúncio de uma realidade nova, reino do Céu219. Todas as ações

de Jesus convergiram para esta realidade, ajudando o seu povo a acolher o Reino e dedicando-

se à Sua missão sacerdotal e, por isso, «renuncia à família, porque ela está nos que fazem a

vontade do Pai; abandona a profissão, depois de haver trabalhado durante muitos anos, e

entrega-se incondicionalmente à construção do Reino»220. Jesus apresenta-nos efetivamente a

justificação do seu celibato: o amor ao reino do Céu (cf. Mt 19, 12). De facto,

«se Jesus não conviveu com nenhuma mulher não foi porque desprezasse o
sexo ou desvalorizasse a família. Não quis casar para não se distrair da Sua missão ao
serviço do Reino. Não abraçou uma esposa, para se deixar abraçar pelas prostitutas
que iam entrando na dinâmica do Reino, depois de recuperarem, ao pé dele, a sua

216
Cf. Gianfranco RAVASI, Quem és tu Senhor?, 89.
217
Cf. José Antonio PAGOLA, Jesus: uma abordagem histórica, 58.
218
Cf. Ibidem, 59.
219
Ibidem.
220
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 41.
68
dignidade. Não quis beijar filhos que fossem dele, mas abraçou e abençoou as crianças
que vinham a ele, pois via-os como “parábola viva” de como se devia acolher a Deus.
Não criou uma família própria, mas esforçou-se por suscitar uma família mais
universal»221.

A renúncia de Jesus a uma esposa e a uma família de laços de sangue é, portanto, uma

entrega a uma família mais universal que congrega todos os homens e mulheres que fazem a

vontade do Pai. Porém, a imagem do celibato «como a de alguém que se castra pelo reino do

Céu é violenta e perturbadora, e só pode fazer ressaltar a autoridade e a liberdade de Jesus,

muitas vezes nada convencional e muito provocador em termos de linguagem»222. Estas

palavras de Jesus, ao manifestarem a Sua dedicação incondicional ao anúncio do Reino,

expressam de igual modo que

«o celibato cristão não está fundado em motivos rituais nem tampouco na


espera de um apocalipse iminente, com o respetivo fim do mundo. É, pelo contrário,
uma autosagração, de todo nosso tempo, energias e pensamentos, afeto e amor
pessoal, ao estabelecimento do reino de Deus, ou seja, ao projecto divino de plenitude
e de paz, de redenção e de salvação, em relação à história humana»223.

3.1.2. Mistério sacerdotal de Cristo e celibato ministerial

Na Sacerdotalis Caelibatus, Paulo VI demonstra que o sacerdócio cristão só pode ser

compreendido «à luz da novidade de Cristo, Pontífice máximo e Sacerdote eterno, que

instituiu o sacerdócio ministerial como participação do seu sacerdócio único» (SaCae 19).

Este novo sacerdócio brota do mistério pascal de Jesus Cristo, modelo e protótipo do

sacerdócio católico. Neste sentido, a fundamentação cristológica da Encíclica prossegue

explicitando:

«Cristo, Filho único de Deus, está constituído, em virtude da Sua mesma


encarnação, Mediador entre o céu e a terra, entre o Pai e o género humano. Em plena
harmonia com esta missão, Cristo manteve-se toda a vida no estado de virgindade, o
que significa a Sua dedicação total ao serviço de Deus e dos homens. Este nexo

221
Ibidem, 60.
222
Gianfranco RAVASI, Quem és tu Senhor?, 92.
223
Ibidem, 92.
69
profundo em Cristo, entre virgindade e sacerdócio, reflete-se também naqueles que
têm a sorte de participar da dignidade e da missão do Mediador e Sacerdote eterno, e
essa participação será tanto mais perfeita quanto o ministro sagrado estiver mais livre
dos vínculos da carne e do sangue» (SaCae 21).

Esta reflexão esclarece alguns pontos basilares para a reflexão cristológica do celibato:

o Verbo encarnou para exercer uma missão sacerdotal de mediação entre o Pai e o Filho; em

harmonia com essa missão Jesus assume uma permanente condição célibe que significa uma

plena doação pessoal; há portanto uma profunda conexão entre a virgindade e o ministério de

mediação em Cristo; e a participação do ministro sagrado no ministério de mediação de Cristo

acarreta uma participação na profunda conexão referida224.

Na história do povo de Deus verificamos que os sacerdotes eram homens eleitos e

ungidos por outros homens. Todavia, em Cristo, surge uma nova realidade onde o próprio

Deus se fez sacerdote e «só Ele se tornava sacerdote por direito próprio, por essência, graças à

união hipostática adquirida na Encarnação: os outros sacerdotes sê-lo-iam apenas por

participação, nada tirando e nada acrescentando à mediação de Cristo, somente a

continuariam, torná-la-iam presente apenas»225. Cristo institui, portanto, uma participação

cristológica no seu próprio ser sacerdotal, na qual é Ele o modelo e protótipo do sacerdócio226.

Cristo «realiza a Sua missão sacerdotal, não só como Deus, mas também como Homem: é

uma consequência da realidade ontológica da Encarnação, pois todo o Seu agir é ação do

Homem-Deus»227. Por seu lado, a missão sacerdotal de Jesus implicou uma renúncia à

família, à profissão de modo que se pudesse entregar totalmente ao anúncio do Reino. A

entrega de Jesus é efetivamente «uma oblação contínua»228, pois Ele não ofereceu a Sua vida

somente na cruz, mas já a havia oferecido no Seu ministério, obedecendo e cumprindo em

tudo a vontade do Pai que pedia uma entrega plena. Na verdade, «Deus fez com a humanidade

224
Cf. António ARANDA, «La encíclica Sacerdotalis caelibatus, cincuenta años después», 415.
225
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 40.
226
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 140.
227
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 40.
228
Ibidem, 41.
70
as núpcias já anunciadas pelos profetas, em que o esposo é Cristo. Por estas núpcias, que são

o celibato, Ele desposa toda a humanidade, num amor dado e recebido, ao nível da dimensão

mais elevada»229. A missão sacerdotal de Jesus, exercida em estado de castidade, é então

resultado de uma estima especial de Deus por esta virtude que significa uma especial doação

ao Pai, à causa do Reino e aos irmãos. Por conseguinte, «esta profunda conexão entre o

celibato e o sacerdócio de Cristo reflete-se na vida do homem-sacerdote, quanto mais livre se

encontra dos laços da carne e do sangue, mais perfeita é a sua participação na dignidade da

missão de Cristo»230. Esta participação não depende do homem, mas do próprio Deus que

toma a iniciativa e chama a alguns para continuarem a Sua missão sacerdotal, pois «Cristo,

por intermédio dos apóstolos, fez participantes da Sua missão os seus sucessores, os Bispos,

cuja função ministerial foi confiada aos sacerdotes» (PO 2). Os sacerdotes, pela ordenação

sacramental, configuram-se de modo especial com Jesus e participam no Seu sacerdócio de

forma tão íntima que atuam in persona Christi. Nesta identificação com Cristo, o sacerdote

dispõe-se a ser Seu testemunho e a aceitar as implicações da natureza do sacerdócio, pois

apesar do carácter sacerdotal se tratar de uma realidade interna implica uma adesão externa

que se concretiza através da renúncia231. E, Jesus chama realmente os Seus sacerdotes à

renúncia, inclusive «prometeu superabundante recompensa a todos quantos abandonem casa,

família, mulher e filhos pelo reino de Deus (cf. Lc 18, 29-30). E até recomendou, com

palavras densas de mistério e de promessas, uma consagração mais perfeita ainda, ao reino do

Céu, com a virgindade, em consequência dum dom especial» (SaCae 24). Efetivamente,

«Jesus permaneceu célibe e considerou o celibato pelo reino do Céu como um carisma que

deve existir e ser assumido voluntariamente (Mt 19, 11)»232, não impôs o celibato como

pressuposto para participar no Seu sacerdócio, mas deixou a proposta de uma doação mais

plena. De facto, o sacerdote ao imitar o seu Mestre, configurando-se tão intimamente a Ele, é

229
Ibidem, 43.
230
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 141.
231
Ibidem, 142.
232
Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, 72.
71
imagem do próprio Cristo e, assim o «padre torna-se ontologicamente consagrado para

transmitir ao mundo, na sua pessoa, a imagem de Cristo sacerdote, e quanto mais efetivo for

esse testemunho, quanto mais o padre se configurar a Cristo pelo seu estilo de vida, tanto mais

eficaz será o seu sacerdócio»233. Trata-se, de uma «assunção ontológica da pessoa humana, a

ponto de ficar transformada segundo o modelo divino»234, para desse modo desempenhar a

perfeita caridade para com Deus e os irmãos. Este testemunho de Cristo, Sacerdote eterno, só

encontra significado na plenitude do amor de Deus, onde

«o mistério da novidade de Cristo, de tudo o que Ele é e significa, é a soma


dos mais altos ideais do Evangelho e do Reino, é uma manifestação particular da
graça, que brota do mistério pascal do Redentor, e torna desejável e digna a escolha
da virgindade por parte dos que foram chamados pelo Senhor Jesus, não só a
participarem do seu ministério sacerdotal, mas a compartirem com Ele o seu mesmo
estado de vida» (SaCae 23).

Compartilhar o mesmo estado de vida de Jesus Cristo (célibe) é, portanto, fruto do

mistério Pascal, que incute nos corações dos crentes o desejo de seguir e de imitar Jesus,

numa consagração plena ao serviço do Reino. Por isso, «a escolha do celibato consagrado foi

sempre considerada pela Igreja como sinal e estímulo da caridade: sinal de amor sem reservas,

estímulo de caridade que a todos abraça» (SaCae 24). Na verdade, esta consagração afeta

primeiramente «o ser, e só depois o fazer»235 do sacerdote, porque «o homem, única criatura

sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser

no sincero dom de si mesmo» (GS 24), então, só depois da assunção da própria pessoa na

configuração com Cristo, na doação plena de si mesmo, é que o sacerdote se torna dom para o

outro, dom que é imagem do próprio Cristo.

233
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 44.
234
Ibidem.
235
Ibidem.
72
3.1.3. Configuração a Cristo na renúncia e no sacrifício

A participação na missão sacerdotal de Jesus aporta uma transformação ontológica no

sacerdote que compreende sacrifícios e renúncias. De facto, «o sacerdócio à maneira de Cristo

não se reduz a uma função, mas é algo que compreende a inteira existência do homem»236,

por isso, o celibato «segundo o exemplo de Cristo» (PO 16) é uma oblação de vida a Deus e

aos irmãos em estado permanente, com um amor pleno e sem reservas. Evidentemente que

esta generosidade exige uma «abnegação de si mesmo no mais alto grau, condição essencial

para o seguimento de Cristo (Mt 16, 24; Jo 12, 25)» (SaCae 70), a qual é em si mesma um

vínculo ontológico que une mais intimamente o sacerdote a Cristo e facilita a sua integração

na participação da missão sacerdotal de Jesus. A configuração com Cristo e a consagração à

causa do Reino implica, consequentemente, uma doação da pessoa em toda a sua existência,

pois «Cristo é sacerdote e vítima; configurado a Ele, o padre há-de ser vítima também.

Implica uma imolação total, de conjunto, onde entram sacrifícios permanentes»237. Deste

modo, «o célibe testemunha em sua própria carne a carne do Senhor»238, imitando com a sua

própria vida a entrega oblativa de Jesus à Sua missão Sacerdotal, através da doação e do

sacrifício.

Ao imitar Jesus como uma vida celibatária, o sacerdote constitui-se sinal do próprio

Cristo, onde «para além de manifestar com clareza a superioridade do reino de Deus sobre

tudo o que é terreno, perpetua na Igreja aquela forma perfeita de vida que Cristo escolheu para

si […]. Ele não é apenas um modelo de virgindade, por tê-la vivido de modo exemplar, é

sobretudo, para nós, a sua fonte, a sua razão de ser, o seu princípio e a sua força matriz»239.

Efetivamente, só se pode compreender o celibato sacerdotal na relação com Cristo, numa

consagração total e perfeita a Ele e ao Seu Reino, numa «primazia desse amor que chega a

motivar a condição de não casado, mediante uma renúncia a algo que é bom, santo, bendito,

236
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 143.
237
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 45.
238
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 54.
239
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 47.
73
como o matrimónio, e ao que, no entanto, se pode renunciar para viver sem distrações nem

preocupação»240. Esta «renúncia perfeita, abraçada pelo reino do Céu» (LG 42) é

precisamente a perspetiva cristológica com que o Vaticano II abordou o celibato sacerdotal,

tratando-o na dimensão da fé, mas também como renúncia ao matrimónio, para os sacerdotes

mais facilmente aderirem a Cristo «com um coração indiviso» (PO 16). A renúncia do

sacerdote exige realmente uma assunção ontológica na configuração com Cristo, na

assimilação interna do ser sacerdotal de Cristo e no dom de si mesmo, pois só assim é que o

sacerdote pode ser imagem do próprio Cristo, dom para o outro. O dom de si mesmo é já por

si uma atitude de imitação de Cristo, estando sempre implicada a renúncia e mortificação na

construção da relação com Cristo, pois o «amor humano reconhece como intrinsecamente

necessário nos seus próprios dinamismos um processo de ascensão, um ir mais além de si

mesmo»241. Todavia, este descentramento de si mesmo, esta renúncia não visa a mortificação

e o sacrifício como valores em si mesmos, mas como meios para uma maior adesão a Cristo.

3.2. Significado eclesiológico

A dimensão eclesial do celibato sacerdotal, na Sacerdotalis Caelibatus, é abordada a

partir dos pontos teológicos da dimensão cristológica, porque de facto a opção pelo celibato

de forma livre e permanente só pode ser compreendida no contexto cristológico, numa adesão

total a Jesus Cristo. No entanto, verificamos que se junta a esta abordagem uma nova

perspetiva: o amor esponsal de Cristo pela Sua Igreja conforme a doutrina paulina

desenvolvida na carta aos efésios242. Pois, o sacerdote, quando configurado com Cristo, sente-

se impelido a comprometer-se num amor esponsal com a esposa de Cristo, a Igreja. Na

dimensão eclesial, para além de uma verdadeira disponibilidade para o serviço eclesial, a

240
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 54.
241
Stefano GUARINELLI, ¿El celibato de los sacerdotes, 101.
242
António ARANDA, «La encíclica Sacerdotalis caelibatus, cincuenta años después», 416.
74
motivação do celibato sacerdotal aparece realmente motivada, sobretudo, pelo amor esponsal

de Cristo pela Sua Igreja. Neste sentido, o celibato dos sacerdotes manifesta-se como uma

prolongação do celibato de Cristo, como doação plena à edificação da comunidade cristã,

onde cada cristão é chamado a ser sinal e testemunho do reino do Céu, mas é particularmente

aos sacerdotes que é pedida a missão apostólica de congregar toda a comunidade na Palavra e

na eucaristia243.

3.2.1. Amor esponsal

O significado eclesial do celibato sacerdotal só pode ser efetivamente alicerçado sobre

os fundamentos cristológicos, por isso, a reflexão da Sacerdotalis Caelibatus desenvolve

exatamente a fundamentação eclesiológica do celibato através de uma perspetiva cristológica,

mas junta-a à perspetiva do amor esponsal de Cristo pela Sua Igreja. A Encíclica, desenvolve

assim, a sua reflexão alicerçando-se na doutrina paulina desenvolvida na Carta aos Efésios

acerca da consideração esponsal do mistério da Igreja, expondo que

«conquistado por Cristo Jesus (Fl 3, 12) até ao abandono total de si mesmo a
Ele, o sacerdote configura-se mais perfeitamente a Cristo, também no amor com que o
eterno Sacerdote amou a Igreja Seu Corpo, oferecendo-se inteiramente por ela, para
tornar Esposa Sua, gloriosa, santa e imaculada (cf. Ef 5, 25-27). A virgindade
consagrada dos sacerdotes manifesta, de fato, o amor virginal de Cristo para com a
Igreja e a fecundidade virginal e sobrenatural desta união em que os filhos de Deus
não são gerados pela carne e pelo sangue (Jo 1, 13)» (SaCae 26).

De facto, «as considerações sobre o vínculo teológico que põe em relação o celibato

ministerial (“a virgindade consagrada dos sagrados ministros”) com o “estado de virgindade”

de Cristo Sacerdote, se estende agora ao que o põe em relação com o mistério da Igreja, como

esposa amada e mãe fecunda»244. Nesta consideração esponsal do mistério da Igreja, a doação

243
Juan María URIARTE, El celibato, 104.
244
António ARANDA, «La encíclica Sacerdotalis caelibatus, cincuenta años después», 417.
75
plena de Cristo-Esposo à Igreja-Esposa é verdadeiramente modelo para que os sacerdotes se

entreguem totalmente a Cristo num amor esponsalício à Igreja.

Apesar de o celibato sacerdotal não ser de mandato divino nem de prescrição

apostólica (cf. SaCae 5), «a virgindade consagrada é eminentemente apostólica»245. Trata-se

de uma experiência espiritual, pela qual «a Igreja imediatamente pós-apostólica assumiu o

conselho do apóstolo (1 Cor 7, 25) e reconheceu que o celibato como serviço indiviso pelo

reino do Céu e pelas “coisas do Senhor” (1 Cor 7, 33) é muito adequado para o sacerdote»246.

Na verdade, todos os apóstolos, à exceção de Paulo, parecem ter sido casados247 e o NT

pressupõe inclusive que os bispos e presbíteros sejam homens casados, chefes de família

exemplares (cf. 1 Tim 3, 2. 4). O reconhecimento da conveniência do celibato para a vida

apostólica deu-se então, primeiramente como experiencia de amor pelo Reino, nos discípulos

e, posteriormente pela Tradição viva da Igreja que reconheceu igualmente essa conveniência.

De facto,

«a opção do celibato para toda a vida veio a ser na experiência dos discípulos
e dos seguidores de Cristo o ato de uma resposta particular ao amor do Esposo divino,
e, por isso, adquiriu o significado de um ato de amor esponsalício: isto é, de uma
doação esponsalícia de si, para corresponder de modo especial ao amor esponsalício
do Redentor: uma doação de si entendida como renúncia, mas feita, sobretudo, por
amor»248.

Para queles que elegem a opção pelo celibato, o reino do Céu tem realmente como

significado especial a revelação da relação esponsalícia de Cristo com a Igreja, a qual é sinal e

exemplo de disponibilidade total, de doação plena de si mesmo249. Esta forma de seguimento

a Jesus Cristo corresponde a um dos vários carismas que Deus concede em ordem ao bem

comum (cf. 1 Cor 12), e «confere uma liberdade interior e exterior para o serviço total ao

245
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 52.
246
Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, 73.
247
Cf. Ibidem, 72.
248
JUAN PABLO II, El celibato apostólico, y la resurrección de la carne. Teología del Cuerpo (III), Palabra,
Madrid, 2003, 114.
249
Cf. Ibidem, 112.
76
Evangelho, porque preserva de muitas preocupações quotidianas e de atenções à família (1

Cor 7, 28-35). É uma maneira de “deixar tudo” (Mc 10, 28), para viver plenamente em

comunhão e amizade com Jesus, e deixar-se enviar para onde Ele quiser que seja»250. Neste

sentido, a renúncia ao matrimónio surge como ideal de uma maior consagração a Cristo e ao

reino do Céu, numa relação esponsalícia com a Igreja, não se trata evidentemente de um

desprezo ou negação do valor matrimonial, mas sim de uma maior disponibilidade para servir

a Deus e ao Seu Copo místico com um coração indiviso. Porque,

«o celibato como profecia do Reino, não é alternativa cristã à vida


matrimonial, é imagem do provir, anúncio de ressurreição (cf. Mt 22, 30), é uma
diaconia ao homem contemporâneo, um serviço sempre gratuito, nem sempre
gratificante. Ter que presenciar o reino de Deus entre os homens pode – não deve –
levar à solidão afetiva, se não há sido livremente assumido e reconhecido como
dom»251.

A renúncia ao matrimónio não prejudica a dimensão relacional do sacerdote, pelo

contrário, pode possibilitar a solidez de laços interpessoais profundos, através de um

testemunho de vida dedicado à realidade do Reino, pois

«se ao sacerdote falta a experiência pessoal e direta da vida de matrimónio,


não lhe faltará certamente, em virtude da formação, do ministério e da graça de estado,
um conhecimento do coração humano, talvez ainda mais profundo, que lhe permitirá
atingir esses problemas na sua fonte, e prestar valioso auxilio aos conjugues e às
famílias cristãs assistindo-as e aconselhando-as (cf. 1 Cor 2, 15)» (SaCae 57)

À semelhança de Cristo, a renúncia do sacerdote à paternidade carnal é uma opção por

uma família universal, por um ideal que justiça essa renúncia: o reino do Céu. Trata-se de

uma resposta ao chamamento de Cristo: «Se quiseres ser perfeito…» (Mt 19, 21), e como «a

perfeição da vida cristã se mede, acima de tudo, com o metro da caridade»252 o exercício da

250
Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, 73.
251
Juan J. BARTOLOMÉ, «“Eunucos a causa del Reino” Mt 19, 12: El celibato, en cuestión», in Salesianum 68
(2006) 287.
252
JUAN PABLO II, El celibato apostólico, y la resurrección de la carne, 105.
77
perfeita caridade pelo reino do Céu é uma forma de maior aptidão para o anúncio do Reino,

pois mesmo «o dinamismo sexual e afetivo que não se centra na relação conjugal, pode ser

empregado no benefício de uma ampla rede de relações, pode ser um dinamismo mais extenso

capaz de criar comunidade, comunhão»253.

Desta forma, o celibato sacerdotal surge realmente como manifestação do amor

virginal de Cristo pela Sua Igreja, é sinal visível da graça sobrenatural dessa relação esponsal

e virginal entre Cristo-Esposo e a Igreja-Esposa, pela qual podemos ser chamados filhos de

Deus (cf. LG 2). Pois, «se o Verbo Encarnado se despojou de toda a atadura humana, por

nobre que esta possa ser, para ter uma disponibilidade completa para o ministério que lhe

havia sido confiado, entende-se que o homem-sacerdote faça o mesmo, renunciando

livremente a algo que é bom e santo em si mesmo, para unir-se dessa forma mais facilmente a

Deus»254.

A dedicação do sacerdote ao serviço de Cristo e do Seu Corpo místico é facilitada pelo

despojamento total de si mesmo, pela imitação de Cristo na obediência, na pobreza e na

castidade, isto é, em despreendimento total. É nesta liberdade evangélica que «o sacerdote,

dedicando-se ao serviço de Cristo e do Seu Corpo místico, em plena liberdade, facilitada pela

sua oferta total, realiza, de modo mais completo, a unidade e a harmonia da vida sacerdotal,

torna-se mais capaz de ouvir a palavra de Deus e de se entregar à oração» (SaCae 27). Esta

liberdade em Cristo é de vital importância no exercício do ministério sacerdotal, pois «antes

de mais o sacerdote é ministro da Palavra de Deus, consagrado e enviado a anunciar a todos o

Evangelho do Reino […] é chamado a cultivar uma disponibilidade particular relativamente à

Tradição viva da Igreja e do seu Magistério» (PDV 26). E, verdadeiramente, a dedicação do

sacerdote ao serviço de Cristo e da Igreja implica uma disponibilidade total, a qual é

evidentemente mais facilitada pela adesão a Cristo com o coração indiviso, numa entrega total

ao serviço do Reino. Pois, esta disponibilidade, é, que permite estar

253
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 55.
254
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 144.
78
«aplicado total e exclusivamente às coisas de Deus e da Igreja» (cf. Lc
2, 49; 1 Cor 7, 32-33), o ministro do Senhor […] encontra na recitação do
Oficio divino, na qual empresta a sua voz à Igreja que ora em união com o seu
Esposo, alegria e impulso incessantes e sente necessidade de ser mais assíduo
na oração, dever eminentemente sacerdotal (cf. At 6, 2)» (SaCae 27).

Na verdade, é na oração e na celebração dos sacramentos que «o sacerdote é chamado

a viver e a testemunhar a unidade profunda entre o exercício do ministério e a sua vida

espiritual: o dom da graça oferecido à Igreja torna-se princípio e apelo de santificação» (PDV

26). O chamamento a uma profunda vivência espiritual no ministério acentua-se, sobretudo,

na celebração da Eucaristia, onde os sacerdotes têm o dever de «ensinar os fiéis a oferecer a

Deus Pai a vítima divina no sacrifício da missa, e a fazer, como ela, a oblação de vida» (PO

5), na qual «o sacerdote se une mais intimamente à oferta, colocando sobre o altar a sua vida

inteira, marcada com sinais de holocausto» (SaCae 29). Pois, «o facto de o próprio Cristo,

eterno Sacerdote, ter vivido a Sua missão até ao sacrifício da cruz no estado de virgindade

constitui o ponto seguro de referência para perceber o sentido da Tradição da Igreja Latina a

tal respeito» (Sac 24), onde se compreende que o sacerdote se une realmente de modo mais

íntimo a Cristo através de uma configuração plena que implique uma doação total da sua

existência, em renúncia e sacrifício. Nesta entrega incondicional, na comunidade de fiéis, o

«sacerdote é Cristo presente, daqui a suma conveniência de que ele reproduza em tudo a

imagem de Cristo e lhe siga o exemplo, tanto na vida íntima como na vida do próprio

ministério» (SaCae 31).

Após a publicação da Sacerdotalis Caelibatus o celibato sacerdotal passou a ser

interpretado sobretudo numa perspetiva eclesial Nesta perspetiva, o papa João Paulo II parece

ser aquele que mais desenvolveu o tema do celibato como relação nupcial entre Cristo e a Sua

79
Igreja255. Para João Paulo II, o sacerdote é verdadeiramente a imagem do amor nupcial de

Cristo pela Igreja, pois

«está chamado, na sua vida espiritual, a reviver o amor de Cristo Esposo na


sua relação com a Igreja Esposa. A sua vida deve ser iluminada e orientada por este
caráter nupcial que lhe exige ser testemunha de amor nupcial de Cristo, ser, por
conseguinte, capaz de amar a gente com um coração novo, grande e puro, com
autentico esquecimento de si mesmo, com dedicação plena, contínua e fiel, juntamente
com uma espécie de “ciúme” divino (cf. 2 Cor 11, 2), com uma ternura que reveste
inclusivamente os matizes do afeto materno, capaz de assumir as “dores de parto” até
que “Cristo seja formado” nos fiéis (cf. Gal 4, 19)» (PDV 22).

O significado do celibato sacerdotal surge, nesta perspetiva, como doação de si mesmo

a Cristo e à Igreja, como expressão de um amor nupcial em que o sacerdote desposa a Igreja,

Corpo místico de Cristo, e lhe dedica o seu amor e serviço. Ao agir in persona Christi o

sacerdote revive o amor sacrificial de Cristo pela sua Esposa, representando na Eucaristia, «o

dom total de Cristo à Sua Igreja, o dom do seu Corpo entregue e do seu sangue derramado,

qual testemunho supremo de ser Cabeça e Pastor, Servo e Esposo da Igreja» (PDV 23), tendo

por isso, a responsabilidade de desenvolver um sentido sacrificial na sua existência, pois

como participante do sacerdócio de Cristo Cabeça e Pastor é chamado a imitá-Lo na doação

total de si mesmo, oferecendo toda a sua existência sobre o altar e unindo-se, deste modo,

mais intimamente à oferta.

3.2.2 Paternidade espiritual

O celibato sacerdotal deve ser realmente compreendido como consagração a Deus e

consequentemente ao Corpo místico de Cristo, a Igreja, instituída por Cristo como sacramento

de salvação, segundo um amor esponsalício. Desta realidade resulta precisamente a

255
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 146.
80
consagração-missão de todos os membros da Igreja, pois a consagração orienta para a missão,

e é no exercício da missão que se expressa, de modo sublime, o valor da consagração256.

A consagração a Deus comporta conjuntamente a missão, porque o sacerdote integra,

na sua adesão a Cristo, renúncias e sacrifícios para poder ficar «reservado exclusivamente

para Deus, para o Seu amor e serviço. Mas esta consagração é, no fim de contas, para a pessoa

consagrada, um reenvio ao mundo»257. Portanto, a consagração a Deus, pelo celibato, não é

uma fuga ao mundo, mas, pelo contrário, uma incarnação no mundo como sinal e imagem do

próprio Deus. Todavia, o mundo hodierno, depositando mais confiança na ciência e na técnica

precisa de sinais de Cristo que sejam palpáveis e esta realidade carece consequentemente de

«testemunho para crer, exige vida e não tanto uma ideologia ou uma doutrina. Por isso, a

evangelização deve ser para o sacerdote um serviço quanto possível exclusivo, só assim é que

ele poderá constituir-se verdadeiro sinal. A esta missão com tais características, convém a

vida celibatária do ministro»258.

A entrega total do sacerdote a Deus e à Igreja é a medida de amor com que o sacerdote

é chamado a servir. Ora, tanto o matrimónio como o ministério sacerdotal exigem um elevado

grau de compromisso, empenho e entrega o que torna difícil a sua conjugação. Se para o

sacerdote casado a principal mediação está na vida matrimonial, para o sacerdote célibe a

principal mediação é o ministério259. Por conseguinte,

«se o padre é servidor de todos, no ministério, não deve escolher a vida


familiar, há uma conveniência profunda entre ministério e celibato. O padre casado
inverte a ordem das mediações: a do ministério, porque só vem depois, passa para um
plano secundário, o que não se coaduna bem com o sacerdócio ministerial que é […]
essencial e primeiramente serviço»260.

256
Cf. Amedeo CENCINI, et al., El presbítero hoy, Benzal, Madrid, 1994, 151.
257
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 52.
258
Ibidem, 56.
259
Cf. Ibidem, 57.
260
Ibidem, 57.
81
O celibato consagrado por amor ao reino do Céu assume-se, assim, como o estado que

permite maior disponibilidade para o serviço a Deus, não quer dizer que o sacerdote não se

realize no matrimónio, mas o estado célibe apresenta-se realmente como o ideal para uma

plena imitação do exemplo de Cristo, onde «o sacerdote na morte cotidiana a toda a sua

pessoa, na renúncia ao amor legítimo de uma família própria, por amor de Jesus e do Seu

Reino, encontrará a glória duma vida em Cristo pleníssima e fecunda, porque como Ele e

Nele, ama e se entrega a todos os filhos de Deus» (SaCae 30). Segundo esta perspetiva, o

vínculo entre o sacerdócio ministerial e o celibato encontra grande afinidade na

disponibilidade para o serviço a Deus, segundo uma plena doação do dom de si ao próximo,

com possibilidade de maior compreensão da diferença do outro, pois «o célibe casto tem a

relação na liberdade, aceitando a alteridade do outro porque é capaz de aceitar inclusive a sua

ausência»261.

O celibato apresenta- se então como verdadeiro «sinal e estímulo da caridade

pastoral», através do qual os sacerdotes «se dedicam ao serviço de Deus e dos homens, com

mais facilidade servem o Seu Reino e a obra da regeneração sobrenatural, e se tornam mais

aptos para receberem, de forma mais ampla, a paternidade em Cristo» (PO 16). Assim, o

celibato apresenta-se como uma dimensão que facilita uma «singular participação na

paternidade de Deus e na fecundidade da Igreja» (PDV 29), através da qual o sacerdote pode

realizar a perfeita caridade, porque efetivamente na «entrega total que abraça e na renúncia à

paternidade segundo a carne, o sacerdote obtém o benefício de um notável enriquecimento da

paternidade segundo o Espírito»262.

O seguimento de Jesus e o serviço ao Reino dos céus exige realmente uma

transformação total da pessoa humana, implica “deixar tudo”, inclusive o direito de constituir

família para se dedicar exclusivamente a uma família mais universal, à semelhança do que fez

Jesus, e neste sentido, o celibato favorece a dimensão missionária do ministério sacerdotal.

261
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 55.
262
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 155.
82
Pois, a Igreja torna-se para o sacerdote a sua família, na qual é chamado a exercer a sua

paternidade em Cristo, segundo o Espírito e, mesmo na dimensão humana, «o celibato não

esteriliza o coração do sacerdote, proporciona, pelo contrário, uma entrega vital para o

exercício contínuo da caridade perfeita, que lhe permite fazer-se todo para todos»263.

O Magistério da Igreja reconhece a conveniência do celibato sacerdotal, inclusive na

dimensão pastoral. Segundo esta perspetiva, debruçou-se a reflexão de Pio XII:

«Compreende-se, portanto, porque é que as pessoas, que desejam dedicar-se


ao serviço divino, abraçam o estado de virgindade como libertação, quer dizer, para
poderem mais inteiramente servir a Deus e contribuir com todas as forças para o bem
do próximo. […] Como escreve o Doutor Angélico – Tomás de Aquino – o uso do
matrimónio “impede a alma de se entregar completamente ao divino serviço”. Para os
ministros sagrados conseguirem essa liberdade espiritual de corpo e alma, e para não
se embaraçarem em negócios terrenos, a Igreja latina exige-lhes que se obriguem
voluntariamente à castidade perfeita»264.

O reconhecimento da conveniência do celibato no ministério sacerdotal surge, nesta

vertente, como libertação das coisas do mundo para melhor servir a Deus e ao próximo, ou

seja, para o exercício da perfeita caridade. Contudo, é importante recapitular que «não é

apenas libertação pessoal, em benefício da própria união com Deus, ela põe, também, a

pessoa ao serviço do Corpo místico de Cristo»265.

Também, Paulo VI, ao refletir sobre a eficácia pastoral do celibato, explica na

Sacerdotalis Caelibatus que a consagração a Cristo, pelo celibato, concede

«ao sacerdote, mesmo no campo prático, como é evidente, a máxima


eficiência e a melhor aptidão psicológica e afetiva para o exercício continuo daquela
caridade perfeita que lhe permitirá, de maneira mais ampla e concreta, dar-se todo
para o bem de todos (cf. 2 Cor 12, 15) e garante-lhe, como é óbvio, maior liberdade e
disponibilidade no ministério pastoral, na sua ativa e amorosa presença no mundo, ao
qual Jesus Cristo o enviou (cf. Jo 17, 18), a fim de que ele pague inteiramente a todos
os filhos de Deus a dívida que tem para com eles (cf. Rm 1, 14)» (SaCae 32).

263
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 59.
264
PIUS XII, Litterae encyclicae «Sacra virginitas», in AAS 46 (1954) 19-20.
265
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 63.
83
A caridade pastoral, facilitada pela observância do celibato, assume-se, portanto, como

o estado ideal para uma total dedicação ao serviço da comunidade de fiéis, na qual o sacerdote

é chamado a exercer uma a paternidade espiritual com amor universal266. Pois, a renúncia do

sacerdote à paternidade terrena facilita-lhe a participação na paternidade de Deus, pela qual

desenvolve a capacidade de amar, à semelhança de Cristo, a todos e a cada um dos homens,

com um coração indiviso. E o estado de perfeita continência pelo reino do Céu apresenta-se,

deste modo, como o ideal para o exercício da paternidade espiritual, dado que concede ao

sacerdote uma maior liberdade e disponibilidade para o apostolado.

Na verdade, o estado célibe não dificultou a perfeita Encarnação de Cristo, pelo

contrário, antes a beneficiou, por isso, beneficia também o sacerdote com a aptidão para um

maior contato com o mundo através da disponibilidade, abertura de coração, e da doação

plena267. De facto, missão a que o sacerdote é chamado consiste essencialmente em ser dom

para os outros, segundo uma paternidade espiritual, a qual parece facilitada pela perfeita

continência, pois na vivência do «celibato o coração é livre para amar a Cristo e aos demais

em Cristo. O seu coração enche-se de gozo do apostolado, de atenção às almas, de procurar

atrair os outros até Cristo e à consciência da sua vocação cristã»268.

266
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 156
267
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 66.
268
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 156.
84
3.3. Significado escatológico

A Sacerdotalis Caelibatus, ao abordar o celibato sacerdotal segundo o respectivo

significado cristológico, eclesiológico e escatológico evidencia na sua fundamentação que

estas três dimensões estão realmente vinculadas entre si, de modo, que a abordagem de uma

implica uma íntima correlação entre ambas269. Na verdade, o significado de cada dimensão é

mais facilmente enriquecido e compreendido numa visão de conjunto entre as três dimensões,

onde a adesão a Cristo e ao Serviço do seu Corpo místico se apresenta segundo uma tensão

escatológica.

Quanto ao significado escatológico do celibato sacerdotal, a Sacerdotalis Caelibatus

desenvolve a sua fundamentação segundo dois pontos: a aspiração do povo de Deus pelo

reino celeste e o celibato como sinal dos bens celestes (cf. SaCae 33-34). Efetivamente, tal

como desenvolve a Encíclica, «o reino de Deus, que “não é deste mundo” (Jo 18, 36), está

nele presente, aqui na terra, em mistério e atingirá a sua perfeição com a vinda gloriosa do

Senhor Jesus. A Igreja constitui, aqui na terra, o germe e o início deste Reino […] aspira pelo

Reino perfeito e ambiciona, com todas as forças, unir-se com o seu Rei na glória» (SaCae 33).

Na verdade, toda a missão eclesial se apresenta direcionada para a escatologia, pois a Igreja

está consagrada à missão de ser germe, ou seja, testemunho que chama os homens para a vida

no Espírito270. Esta foi precisamente a perspetiva com que o concílio Vaticano II definiu a

Igreja, em peregrinação para a sua perfeita realização na Pátria celeste, mas constituindo-se

como germe e início do reino de Deus já neste mundo, numa dimensão salvífica e

escatológica271.

Segundo esta perspetiva, o sacerdote é chamado a participar e a ser testemunho

credível das realidades celestes. E, o celibato sacerdotal surge como testemunho e antecipação

da vida definitiva em Cristo, na qual quando ressuscitarem dos mortos, nem os homens nem

269
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 69.
270
Cf. Ibidem, 67.
271
Cf. LG 4-9; 48; GS 40.
85
as mulheres contrairão matrimónio, mas serão como os anjos no Céu (cf. Mt 22, 30)272. Nesta

referência bíblica, verificamos que Jesus se refere a uma «condição de vida, sem matrimónio,

para o Homem, varão e mulher, fala de um tempo de plenitude de doação pessoal e de

intersubjetiva comunhão de pessoas, graças à glorificação de todo o seu ser psicossomático na

união perene com Deus»273. Com efeito, a vivência da perfeita continência pelo reino do Céu

constitui-se como antecipação da vida definitiva, pois «o “não casar-se” escatológico é um

“estado”, isto é, o modo próprio e fundamental da existência dos seres humanos, homens e

mulheres, em seus corpos glorificados»274. Por conseguinte, a perfeita continência, como

orientação para o futuro estado escatológico dos filhos de Deus, é uma recordação da

peregrinação para essa vida futura, onde se gozará de afetos espirituais resultantes da eterna

Caridade, sem mediação da carne275. Por isso, o celibato sacerdotal «recorda aos presbíteros

que a castidade perfeita constitui um inestimável dom de Deus à Igreja e representa um valor

profético para o mundo atual» (PDV 29). O celibato é, então, anúncio da chegada do reino de

Deus e profecia do retorno de Jesus, testemunho de que este mundo não é a pátria definitiva,

chamando, deste modo, os cristãos a refletir sobre as realidades futuras.

No mundo hodierno, evidencia-se uma complexidade, mesmo em muitos crentes, em

compreender a orientação escatológica da vida humana e a realidade da vida futura que Deus

nos promete, de modo que se torna difícil atribuir um significado escatológico a toda a nossa

existência276. O celibato sacerdotal, participando nesta existência escatológica, testemunha a

futura plenitude dos filhos de Deus, na vida eterna. Todavia, apresenta-se como difícil, para o

mundo atual, a compreensão da dimensão escatológica do celibato sacerdotal, isto é, a opção

voluntária pela perfeita continência pelo reino do Céu.

Esta realidade apresenta muitas causas, sendo de destacar duas delas: o ambiente

hedonista e o fechamento do mundo à transcendência. O ambiente hedonista, repleto de

272
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 68.
273
Juan Pablo II, El celibato apostólico, y la resurrección de la carne, 73.
274
Ibidem, 76.
275
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 71.
276
Cf. Juan María URIARTE, El celibato, 97.
86
estímulos sexuais e eróticos, que se verifica e que progressivamente se acentua na sociedade

atual, exige, para além de uma profunda preparação dos sacerdotes para uma vida célibe, um

redescobrir do sinal escatológico do celibato sacerdotal, pois torna-se difícil compreendê-lo,

enquanto sinal escatológico, num ambiente que idolatra os prazeres carnais em detrimento das

realidades celestes. De igual modo, o fechamento do mundo à transcendência leva a uma

atitude de incompreensão ou descrédito em relação à própria dimensão escatológica da vida

humana, bem como das realidades celestes277. Paulo VI, consciente desta realidade, salienta

que

«no mundo do homem, tão absorvido nos cuidados terrenos e dominado


muitas vezes pelos desejos da carne (cf. 1 Jo 2, 16), o precioso dom divino da
continência perfeita, por amor ao reino do Céu, constitui exatamente “um sinal
particular dos bens celestes”, anuncia a presença na terra dos últimos tempos da
salvação (cf. 1 Cor 7, 29-31) com o advento dum mundo novo, e antecipa, de alguma
maneira, a consumação do Reino, armando os valores supremos do mesmo, que um
dia hão de brilhar para todos os filhos de Deus» (SaCae 34).

Segundo esta perspetiva, compreendemos que o sacerdote célibe se apresenta como

um «sinal profético para o mundo moderno, um sinal do Reino que há-de vir […] dando

testemunho disso como seu próprio estilo de vida, levando esperança, em igual medida a

crentes e não crentes, na ressurreição a uma vida futura na glória»278. Cristo testemunhou de

modo perfeito, com a Sua morte e ressurreição, a existência da vida futura em Deus e a

realidade dos bens celestes, os sacerdotes participando na Sua missão ministerial são também

chamados a continuar esse testemunho. É, por conseguinte, com esta finalidade que o celibato

«transforma o sacerdote em testemunho profético daquela vida futura onde reina a paz e a

justiça e em que os eleitos se tornarão conformes ao Corpo glorioso de Cristo, faz entrar o

277
Cf. Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, 74.
278
Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 156.
87
sacerdote de um modo mais específico na missão da Igreja, que é chamar e conduzir os

homens para a escatologia do Reino»279.

Cristo ressuscitado atrai a si a humanidade, através do Seu ministério Sacerdotal, no

qual os sacerdotes participam e perpetuam, sendo então delegada aos sacerdotes a missão de

serem sinal do reino de Deus no mundo, trabalhando pela realização escatológica de todos os

filhos de Deus. Para tal missão, é importante que o sacerdote empenhe toda a sua existência

na causa do Reino, a partir da qual, «a disponibilidade para ser enviado a qualquer parte sem

ter que olhar pela própria família, responde a uma Igreja que se prepara para um novo

ressurgir missionário»280. De facto, no mundo atual, focando especificamente o contexto

europeu, envolto num ambiente hedonista e materialista, onde o Homem anda distraído com

tantos afazeres, assume-se uma grande necessidade de reevangelização281. E para que «esta

nova evangelização seja efetiva, é preciso o compromisso radical do Evangelho. […] E, desde

o ponto de vista histórico, um dos elementos mais importantes nesta obra de evangelização foi

o dinamismo do celibato sacerdotal»282. Neste sentido, o celibato surge realmente como

propulsor de disponibilidade pastoral para a evangelização, pois embora não seja fundamental

para adesão a Cristo e para o serviço apostólico, facilita a disponibilidade para a missão.

O Vaticano II acentuou consideravelmente a dimensão escatológica do celibato

sacerdotal considerando-o como testemunho e sinal vivo da vida futura283. Então, através

desta perspetiva, o sacerdote é chamado a dar testemunho da vida futura, «já presente, pela fé

e pela caridade» (PO 16), constituindo-se, assim, o celibato sacerdotal, como uma

«antecipação de uma perfeita relação interpessoal que é própria da comunidade

escatológica»284. Para além disso, a dimensão escatológica do celibato não significa

passividade ou indiferença do sacerdote em relação ao mundo, pelo contrário, é estímulo de

279
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 68.
280
Walter KASPER, El sacerdote, servidor de la alegría, 74.
281
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 158.
282
Ibidem.
283
Cf. OT 10; PO 16.
284
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 71.
88
caridade para com o próximo, pois a construção da comunidade celeste começa já no

presente, na peregrinação terrena. E ao viver uma vida de plena doação, confiando e

esperando que Deus transformará este mundo num mundo melhor, o sacerdote não só

antecipa, para si mesmo, a realidade da vida futura, como constitui-se sinal escatológico para

os demais285.

A Igreja vive realmente em contínua peregrinação, na esperança de “já” viver o início

dos dons celestes, na sua caminhada terrena, e ao mesmo tempo, “ainda não” os possuir na

plenitude. Esta tensão entre o “já” e “ainda não” como esperança pela vida futura expressa a

natureza escatológica da Igreja, na qual o sacerdote tem a missão de anunciar o reino de Deus,

e como «o Reino compreende também, e sobretudo, a vida futura, o sacerdote precisa de

testemunhar, em si, a parusia»286. Este testemunho é mais do que uma renúncia aos bens

terrenos, é sobretudo o esforço de dar, quanto possível, a dimensão da vida futura a este

mundo, estimando e assumindo os valores terrestres, mas anunciando conjuntamente um

futuro em que se dará a consumação do presente. Desta forma, o «celibato afirma o “ainda

não”, como disposição interior que se visibiliza na continência sexual e que o celibato

publicamente professado expressa»287. Através desta disposição interior, o sacerdote tem a

possibilidade de anunciar visivelmente, com a sua própria existência, Aquele que vem e

aponta aos outros as realidades celestes. A missão sacerdotal é objetivamente um profundo

compromisso em «anunciar o Reino e porque este inclui vida de virgindade perfeita e

universal, no Céu, é conveniente que o padre procure trilhar, desde já, esse caminho e

proclamar o Reino futuro com o exemplo da sua vida que é sem dúvida o melhor

testemunho»288. É solicitado, portanto, ao padre um testemunho palpável em relação aos

demais, de modo que possa realmente ser sinal escatológico, profecia do reino de Deus e, para

285
Ibidem.
286
Ibidem.
287
Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 53.
288
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 71.
89
tal missão, verificamos que o celibato sacerdotal facilita a adesão a Cristo e concede maior

credibilização ao testemunho, pois envolve toda existência da pessoa.

A realidade da perfeita continência só tem efetivamente sentido quando assumida pelo

reino do Céu, pois apenas esta dimensão escatológica permite ao Homem compreender o

horizonte da sua realização existencial, e aí o celibato apresenta-se já não como um absurdo,

mas antes como um testemunho de que Deus basta para a realização da felicidade humana.

Para além disso, o celibato sacerdotal testemunha também ao mundo que o significado mais

profundo do Homem não se encontra nos bens passageiros, a morte não é o fim, mas o início

da vida futura, recordando, assim, aos cristãos a sua vocação baptismal e a sua identidade

cristã289.

Para um verdadeiro testemunho da vida futura é preciso que o sacerdote seja um

homem de grande fé e esperança, capaz de assumir os seus valores deste mundo e de lhes dar

uma dimensão escatológica, transmitindo assim à humanidade a imagem do Homem

ressuscitado. Com efeito, encontramos em Abraão o modelo de homem de fé, ao qual o

próprio S. Paulo recorreu para explicar a verdadeira fé em Deus.

«Abraão é verdadeiramente o protótipo da fé. Não hesita em sacrificar o seu


filho único, sobre o qual recaía a certeza de uma descendência natural, por crer, contra
todas as leis da natureza, numa paternidade vastíssima. E S. Paulo refere-se a Abraão
para vincar que tudo se fundamenta na fé. Pois o celibato eclesiástico representa, para
o próprio sacerdote e para os fiéis, testemunho palpável de uma grande fé, pela qual o
sacerdote crê, contra tudo, numa paternidade espiritual, na chamada e no dom de
Deus, na escatologia do Reino que o Senhor pregou»290.

O testemunho sacerdotal é consequentemente expressão pública e visível das

realidades futuras, que o sacerdote já vive em si mesmo, é testemunho de que o valor absoluto

e definitivo reside somente em Deus. Deste modo, «o presbítero sente e testemunha a pobreza

de quem, por Ele e pelo Seu Reino, renuncia aos apoios humanos tão “normais” e tão vitais.

289
Cf. Thomas MCGOVERN, El celibato sacerdotal, 158.
290
Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 73.
90
Assume uma situação vital “anormal” como sinal da sua confissão do absoluto de Deus e da

urgência do Seu Reino291. Através desta “vida anormal”, o sinal escatológico do celibato

sacerdotal afirma-se como um forte testemunho da chegada do reino de Deus, proclamando

como sinal eloquente a expressão bíblica: «o reino de Deus está entre vós» (Lc 17, 21). Pois,

o célibe pelo reino do Céu, entrega-se plenamente a Deus como corpo oferecido em sacrifício

vivo (cf. Rm 12, 1), despojando-se de qualquer apego aos bens terrenos que o distraia da sua

missão sacerdotal, assumindo a solidão e a pobreza sentenciada pelo próprio Cristo: «o Filho

do homem não tem onde reclinar a cabeça» (Mt 8, 20) como dimensão existencial própria

daquele que se doa inteiramente ao serviço do reino de Deus292. Esta condição, só pode

realmente ser compreendida por um amor pleno ao Reino, no qual o sacerdote «na sua forma

de vida “anormal”, mantém visível como sinal o estímulo de que é possível edificar sobre

uma “promessa”, a saber, sobre a promessa do Reino, na qual encontrará satisfação todo o

anseio que o ser humano tem de amor»293.

O celibato é um dom, um carisma que Deus concede a alguns para se constituírem

sinal escatológico no mundo, todavia, a efetuação visível desse acontecimento escatológico

realiza-se mediante a livre aceitação daquele que recebe esse dom294. Efetivamente, o dom do

celibato não fecha o sacerdote à realização pessoal ou ao amor, pelo contrário, a graça de

Deus concede ao sacerdote a plenitude da sua realização humana, através da sua paternidade

espiritual ao serviço do Reino, concedendo-lhe, juntamente com o dom do celibato, uma

liberdade para amar a Cristo, em corpo e alma 295. Consequentemente, é através do amor pleno

a Cristo que o sacerdote procede a uma aposta absoluta na causa do Reino, mediante uma

consagração voluntária em estado célibe, expressando, deste modo, ao mundo a sua própria

experiencia interior do Reino, e mais que revelando um ato íntimo de fé testemunha uma

291
Juan María URIARTE, El celibato, 107.
292
Cf. Enzo BIANCHI, Ser presbítero hoy, 59.
293
Gisbert GRESHAKE, Ser sacerdote hoy, 379.
294
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 73.
295
Cf. Thomas McGovern, «La teología del celibato», in Juan Luis Lorda, El celibato sacerdotal:
Espiritualidad, disciplina e formación de las vocaciones al sacerdocio, Eunsa, Pamplona, 2009, 34.
91
realidade que ele próprio vive em toda a sua existência296. Deste modo, a perfeita continência

pelo reino do Céu constitui-se como um testemunho palpável e claro de que e a fé e a

esperança na vida futura em Deus não é abstrata ou uma mera ilusão, mas sim uma opção

segura por uma realidade, que existe já entre nós e se consumará em plenitude na vida futura.

Esta fé é realmente uma segurança espiritual que possibilita um eloquente zelo pastoral ao

serviço do Reino, porque aquele que a possui «edifica sobre uma promessa e vive dessa

promessa»297.

Jesus coloca o convite à opção voluntária pela perfeita continência numa perspetiva

escatológica, mas esse convite tem implicações já na realidade presente. Assim, o convite de

Jesus torna-se um chamamento a uma doação plena, ou seja, ao «amor como disponibilidade

do dom de si pelo reino de Deus»298. O sacerdote, ao aderir a Deus de coração indiviso e ao

participar no amor esponsal de Cristo pela Igreja, aceita a missão de testemunhar

continuamente ao mundo a iminente vinda do Senhor, constituindo-se como sinal

desconcertante para o ceticismo do mundo hodierno, ao anunciar-lhe a ressurreição de Cristo

e a realidade da vida eterna. Neste sentido, o sacerdote célibe apresenta-se efetivamente como

verdadeiro sinal escatológico. Contudo,

«o celibato não é só um sinal escatológico, mas também um “aguilhão na


carne” que questiona, cravando-se nela durante toda a vida, se a lei aceite ao ingressar
no ministério, isto é, para dedicar-se ao serviço sacerdotal, seguirá tendo vigência; se o
reino de Deus é realmente a “pérola singularíssima” e o “tesouro escondido no
campo” pelo qual se deixou tudo o resto»299.

Ora, este “aguilhão na carne”, ao longo de toda a vida, torna-se precisamente uma

contínua oportunidade de refletir e renovar o profundo compromisso ao serviço do reino de

Deus, de recordar a consagração na fé e na esperança Àquele que chama e que guarda até à

realização plena dos filhos de Deus (cf. 2 Tm 1, 12). Segundo esta perspetiva, o celibato
296
Gisbert GRESHAKE, Ser sacerdote hoy, 380.
297
Ibidem, 379.
298
Juan Pablo II, El celibato apostólico, y la resurrección de la carne, 113.
299
Gisbert GRESHAKE, Ser sacerdote hoy, 382.
92
sacerdotal apresenta-se efetivamente como um sinal profético do Reino escatológico, já

iniciado neste mundo. É certo que o sacerdote já é sinal escatológico, pela natureza do

sacerdócio ministerial, porém o celibato proporciona e esclarece o significado do sinal, o qual

consiste essencialmente na adesão a Cristo como valor definitivo300.

300
Cf. Silvério GUIMARÃES, Opção de amor total, 77.
93
CONCLUSÃO

Após a nossa reflexão teológica, compreendemos que o celibato sacerdotal se trata de

uma dimensão bem mais ampla do que inicialmente poderíamos supor.

Primeiramente tivemos a oportunidade de verificar como a corrupção do partido

sacerdotal, no AT, parece ter tido grande influência na desvalorização da figura dos

sacerdotes em detrimento dos profetas e dos escribas, devendo-se esta realidade a uma

valorização gradual da castidade, onde Deus foi educando o Seu Povo numa linha progressiva

de elevação moral, que significou um apreço pelos valores espirituais e, consequentemente,

embora de uma maneira muito própria, pela castidade. É certo que o judaísmo não conseguiu

assimilar o verdadeiro valor da castidade, limitando-o a uma dimensão exterior, a uma

simples condição inerente à pureza ritual. Mas, percebemos, através destes elementos, que a

legislação judaica parece não ter tido influência no apreço cristão pela perfeita continência,

pois tal eleição nos cristãos fundamenta-se numa opção de amor por Cristo e não em questões

meramente funcionais.

A missão sacerdotal de Jesus levou-O a assumir uma vida célibe, sem esposa nem

filhos, numa entrega total à Sua grande causa, o reino do Céu. Compreendemos, por isso, que

Jesus estabeleceu uma verdadeira fraternidade com os seus discípulos, afirmando-se esta

dimensão como motivo principal para os discípulos viverem também em perfeita continência,

à semelhança do seu Mestre. Não obstante alguns pormenores fornecidos pelo NT, não temos

realmente certezas quanto ao estado dos apóstolos, se eram casados ou solteiros, mas o que

constatamos neste trabalho e que importa denotar é que os discípulos parecem ter vivido em

perfeita continência após o encontro com Jesus. Consequentemente, o apreço pela castidade

assume um caráter apostólico pelo Reino. De facto, concluímos neste capítulo que tal

condição aparece sempre apresentada como proposta de um carisma particular, que é

responsavelmente abraçado, e nunca como exigência.

94
Atentando em alguns pontos-chave, na evolução histórica da disciplina do celibato,

percebemos a grande importância dos Concílios de Elvira e Latrão para a extensão da

disciplina do celibato a toda a Igreja. No entanto, é fundamental salientar que a necessidade

da legislação realizada em Elvira só se evidenciou porque a disciplina já era observada como

um costume obrigatório generalizado, ao qual se ia constatando crescentes infidelidades.

Outro aspeto que comprovamos refere-se à sintonia entre Ocidente e Oriente até ao século V,

relativamente à disciplina da continência. Aquando o início da separação de várias Igrejas

orientais, devidos à influência de certas heresias, sobretudo, cristológicas, atinge-se

efetivamente o cume da divergência no Concílio de Trullo, onde o Oriente considerou a

generalização da continência a todo o clero demasiado severa, optando então por impô-la

somente aos bispos.

Também, o Concílio Vaticano I abordou o tema, sobretudo, no contexto das Igrejas

orientais, onde os próprios bispos orientais solicitaram a aplicação da disciplina às suas

Igrejas. Mas, o Concilio não acedeu ao seu pedido, por considerar que as Igrejas orientais não

possuíam ainda uma maturidade suficiente para receberem a plena lei do celibato. Este

Concílio, ao publicar uma instrução que afirmava a proibição do matrimónio aos clérigos já

ordenados, recordava a disciplina anterior ao Concílio de Trullo de continência perpétua do

clero, sendo consequentemente interessante denotar que, através desta instrução, as Igrejas

católicas orientais fizeram com que a disciplina da continência do clero, nas referidas Igrejas,

voltasse à praxis dos primeiros séculos da Igreja ocidental, comprovando-se assim que o

apreço pela perfeita continência no Oriente parece ter-se revigorado ao longo dos séculos.

Posteriormente, o Vaticano II fundamenta o celibato sacerdotal em razões pastorais da

Tradição e da própria natureza do sacerdócio, como um serviço do sacerdote à humanidade.

Segundo esta perspetiva, apuramos também que os documentos conciliares abordam o

celibato como uma renúncia a um caminho bom e santo, o matrimónio. A abordagem do

celibato, na Lumen Gentium, apresenta inclusive conceitos que serão posteriormente alicerces

95
para os demais documentos, os quais demonstram conjuntamente uma grande preocupação

com a integração da renúncia nos candidatos ao ministério sacerdotal, fundamentando a

excelência e conveniência do celibato numa dimensão cristológica, eclesiológica e

escatológica. Através destes elementos, percebemos que a Encíclica se encontra exatamente

em perfeita harmonia com o a Tradição e com os ensinamentos procedentes da reflexão

conciliar do Vaticano II.

A Sacerdotalis Caelibatus desenvolve-se transversalmente segundo uma preocupação

antropológica, através da qual, podemos perceber que o celibato não é, de forma alguma,

contra os valores humanos, pois a graça não destrói a natureza, apenas lhe dá capacidade e

vigor, mas claro que tal opção exige sempre uma opção livre por uma entrega total a Deus.

Pois, embora os meios sobrenaturais sejam a base para uma personalidade madura, não se

pode igualmente prescindir de uma harmonização da graça com o contributo das várias

ciências.

A vida sacerdotal exige uma permanente vigilância e renovação, para tal vigilância, o

recurso às normas de ascese aprovadas pela experiência eclesial, a oração e a ascese, como

capacidade de escuta, serviço e abnegação de si mesmo sobressaem como imprescindíveis

para a vida espiritual do sacerdote. Ao longo da nossa reflexão identificamos três pilares

fundamentais na vida sacerdotal e, consequentemente na fidelidade ao celibato: a fraternidade

sacerdotal, a paternidade do bispo e a comunhão com os fiéis. Através da reflexão deste

ponto, se demonstrou a necessidade de uma verdadeira comunhão de Espírito e de vida, de

uma partilha de experiencia espiritual e pastoral, de assumir o dever de auxiliar os irmãos em

perigo, realizando uma correção fraterna discreta, mas eficaz. A paternidade do bispo,

exercida numa verdadeira comunhão com os sacerdotes, revelou-se também como a forma

mais eficaz da Igreja realizar a sua missão. Pois, os bispos são verdadeiramente os principais

responsáveis por assistir os padres em todas as suas necessidades, ajudando-os a perseverar na

fidelidade ao seu ministério. Para além disso, também os fiéis têm grande responsabilidade

96
para com os seus pastores, devendo manifestar-lhes sempre uma amor filiar, ajudando-os a

superar os obstáculos da vida sacerdotal e a perseverar na sua missão. A vivência destes três

pilares é, na verdade, o grande desafio a que a Igreja é chamada, ou seja, a viver uma

autêntica comunhão em todos os seus membros, onde as diferenças não se contradizem, mas

se complementam como possibilidade de comunhão plural, onde a verdadeira fraternidade

entre sacerdotes e leigos coloca a autoridade num verdadeiro sentido de compromisso e de

serviço ao outro.

Após estes elementos de reflexão, entendemos que o celibato sacerdotal é uma

dimensão profundamente ampla que merece uma séria atenção, e possivelmente uma maior

reflexão teológica que o considere conjuntamente segundo uma perspetiva antropológica,

psíquica e afetiva, de maneira, a melhor salvaguardar a sua conveniência frente a diversas

objeções.

Ainda assim, concentramos objetivamente o nosso olhar numa interpretação do

significado teológico do celibato, propósito que parece ter sido alcançado na nossa reflexão.

Pois, comprovamos que o exemplo de vida de Jesus Cristo foi de tal modo eloquente que

levou os seus discípulos a uma configuração total com o seu Mestre, a qual implica toda a

existência, uma doação total que leva à renúncia ao matrimónio e à paternidade segundo a

carne. Compartilhar o mesmo estado de vida de Jesus é, também, viver como Ele viveu, célibe

pelo reino do Céu, por isso, tal opção é vista pela Igreja como um profundo sinal e estimulo

da perfeita caridade. A estrita relação entre a dimensão cristológica, eclesiológica e

escatológica é deveras pertinente e imprescindível, pois as três dimensões são realmente

inseparáveis, só a adesão a Cristo como valor absoluto pode estar na base da fundamentação

de uma vida célibe.

Claro que a adesão a Cristo é simultaneamente um serviço ao Seu corpo místico, a

Igreja. Tal como Cristo amou e se entregou totalmente pela Igreja, assim, também os

sacerdotes, como participantes na Sua missão sacerdotal, desposam a Igreja num amor

97
esponsal. Segundo esta perspetiva, entendemos que o celibato é na verdade uma experiência

espiritual milenar da Igreja pós-apostólica, que assumiu a perfeita continência como serviço

indiviso ao reino do Céu. A experiencia dos discípulos de Jesus é continuamente uma resposta

ao amor do Divino Esposo, num amor esponsal, numa doação plena que se converte em

diaconia ao mundo. Portanto, o celibato apresenta-se como um meio que facilita a

participação na paternidade de Deus e na fecundidade da Igreja, onde a renuncia a uma

paternidade segundo a carne proporciona ao sacerdote uma paternidade segundo o Espírito.

É certo que o mundo moderno, marcado por um ambiente hedonista e materialista,

revela uma grande dificuldade em compreender a dimensão escatológica do celibato, mas o

celibato, quando assumido devidamente pelo sacerdote, por ser um verdadeiro sinal

escatológico para o mundo, advento das realidades celestes. Através do qual, o sacerdote se

constitui um sinal eficaz do Reino, testemunhando na sua própria carne, em toda a sua

existência, Aquele a quem se consagrou totalmente e a certeza da vida futura.

Como já demarcamos acima, a fraternidade sacerdotal, a paternidade do bispo e a

comunhão com os fiéis apresentam-se de facto como três dimensões essenciais na vida

sacerdotal. Por isso, julgamos que, numa perspetiva futura, seria oportuno um

aprofundamento específico destas dimensões, bem como uma investigação empírica sobre a

perceção do Povo de Deus relativamente ao valor do celibato sacerdotal, de modo, a aferir

resultados que permitam compreender mais claramente a lógica e excelência desta profunda

dimensão no sacerdócio ministerial.

98
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103
ÍNDICE

Siglas .......................................................................................................................................... 2

Resumo ...................................................................................................................................... 3

Abstract ..................................................................................................................................... 3

Introdução ................................................................................................................................. 4

1. Perspetiva bíblica e histórica do celibato ........................................................................... 7

1.1. Antigo Testamento ........................................................................................................... 7

1.2. Novo Testamento ........................................................................................................... 13

1.3. Perspetiva histórica ........................................................................................................ 20

1.3.1. Concílio de Elvira.................................................................................................... 20

1.3.2. Testemunho de Roma e Concílios Africanos .......................................................... 22

1.3.3. Concílio de Trullo ................................................................................................... 24

1.3.4. Reforma gregoriana e II Concílio de Latrão ........................................................... 26

1.3.5. Trento ...................................................................................................................... 27

1.3.6. Vaticano I ................................................................................................................ 29

2. Desenrolar histórico-teológico desde João XXIII até à Sacerdotalis Caelibatus .......... 32

2.1. Magistério de João XXIII .............................................................................................. 32

2.2. Contexto envolvente ao Concílio ................................................................................... 35

2.3. Documentos Conciliares ................................................................................................ 38

2.3.1. Lumen Gentium....................................................................................................... 38

2.3.2. Optatam Totius ........................................................................................................ 40

2.3.3. Presbyterorum Ordinis ............................................................................................ 44

104
2.4. Sacerdotalis Caelibatus .................................................................................................. 47

2.4.1. Objeções .................................................................................................................. 49

2.4.2. Razões do celibato consagrado ............................................................................... 52

2.4.3. O celibato na vida Igreja ......................................................................................... 53

2.4.4. Celibato e valores humanos..................................................................................... 55

2.4.5. Formação sacerdotal ................................................................................................ 57

2.4.6. Vida sacerdotal ........................................................................................................ 59

2.4.7. Defeções e acompanhamento do bispo e dos fiéis .................................................. 62

3. Teologia do celibato ............................................................................................................ 66

3.1. Significado cristológico ............................................................................................... 66

3.1.1. O celibato de Jesus Cristo ....................................................................................... 67

3.1.2. Mistério sacerdotal de Cristo e celibato ministerial ................................................ 69

3.1.3. Configuração a Cristo na renúncia e no sacrifício .................................................. 73

3.2. Significado eclesiológico ............................................................................................... 74

3.2.1. Amor esponsal ......................................................................................................... 75

3.2.2 Paternidade espiritual ............................................................................................... 80

3.3. Significado escatológico ................................................................................................ 85

Conclusão ................................................................................................................................ 94

Bibliografia .............................................................................................................................. 99

105

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