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FATORES DE COERÊNCIA

POR-1

INDICADOR:
3.1 - APLICAR COM PROPRIEDADE, DE FORMA ORAL E ESCRITA, A LÍNGUA
PORTUGUESA, DE MODO A TRATAR DE ASSUNTOS OPERATIVOS E ADMINISTRATIVOS.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM:
3.1.1 - IDENTIFICAR E EMPREGAR OS FATORES DE COERÊNCIA
COERÊNCIA

É o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo,
portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade,
ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à
capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto.
COERÊNCIA

A VAGUIDÃO ESPECÍFICA

“As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica.”


(Richard Gehman)

— Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.


— Junto com as outras?
— Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e
querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
— Sim senhora. Olha, o homem está aí.
— Aquele de quando choveu?
— Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
— Que é que você disse a ele?
— Eu disse para ele continuar.
— Ele já começou?
COERÊNCIA

— Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
— É bom?
— Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
— Você trouxe tudo pra cima?
— Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a
senhora recomendou para deixar até a véspera.
— Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo.
É melhor senão atravanca a entrada e ele reclama como na
outra noite.
— Está bem, vou ver como.

(Millôr Fernandes)
COERÊNCIA

O texto é uma crítica humorística ao modo de falar das mulheres


funcionando o diálogo como um exemplo comprovador. E a sua falta
de sentido passa a fazer parte do sentido que o autor queria veicular
na interlocução com o leitor, sendo, portanto, coerente.
COERÊNCIA

A: O telefone!
B: Estou no banho!
A: Certo.

Este diálogo só será coerente, ou seja, só fará sentido se


considerarmos os atos de fala que cada enunciado realiza:
A: O telefone está tocando. Você pode atendê-lo, por favor?
B: Não posso atender porque estou no banho.
C: Certo. Eu o atenderei.
COERÊNCIA

O Show
O estádio Apesar ser apenas uma
O cartaz A multidão lista de palavras sem
O desejo A expectativa qualquer ligação sintática,
quem lê tende a perceber
O pai A música nesta sequência linguística
O dinheiro A vibração uma unidade de sentido
O ingresso A participação que permite estabelecer
uma relação entre seus
O dia O fim componentes.
A preparação A volta
A ida O vazio
FATORES DE COERÊNCIA

A construção da coerência decorre de uma multiplicidade de fatores


das mais diversas ordens: linguísticos, discursivos, cognitivos,
culturais e interacionais.

¡ ELEMENTOS LINGUÍSTICOS ¡ FOCALIZAÇÃO


¡ CONHECIMENTO DE MUNDO ¡ INTERTEXTUALIDADE
¡ CONHECIMENTO PARTILHADO ¡ INTENCIONALIDADE
¡ INFERÊNCIAS ¡ ACEITABILIDADE
¡ FATORES DE ¡ CONSISTÊNCIA
CONTEXTUALIZAÇÃO
¡ RELEVÂNCIA
¡ SITUACIONALIDADE
ELEMENTOS LINGUÍSTICOS

A ordem de apresentação desses elementos, o modo como se inter-


relacionam para veicular sentidos, as marcas usadas para esse fim,
as “famílias” de significado a que as palavras pertencem, os recursos
que permitem retomar coisas já ditas e/ou apontar para elementos
que serão apresentados posteriormente, enfim, todo o contexto
linguístico - ou co-texto - vai contribuir de maneira ativa na
construção da coerência.
CONHECIMENTO DE MUNDO

Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomando


contato com o mundo que nos cerca e experienciando uma série de
fatos. Mas ele não é arquivado na memória de maneira caótica:
vamos armazenando os conhecimentos em blocos, que se
denominam modelos cognitivos.
CONHECIMENTO DE MUNDO

Circuito Fechado
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme
dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete,
água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para
cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos,
gravata, paletó. Carteira níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço,
relógio, maço de cigarros, caixa de fósforo. Jornal. Mesa, cadeiras,
xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta,
carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis,
telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula,
pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros,
papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo.
Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques. (...)
(Ricardo Ramos)
CONHECIMENTO DE MUNDO

Temos uma série de palavras justapostas, quase sem nenhum


elemento de ligação e que nem mesmo chegam a formar frases
completas. No entanto, percebemos claramente que se trata da
descrição de um dia normal na vida de um homem de negócios. Isto
acontece porque temos arquivado na memória o esquema relativo a
essas situações.
CONHECIMENTO DE MUNDO

Além desse conhecimento adquirido pela experiência do dia a dia,


existe o conhecimento dito científico, aprendido nos livros e nas
escolas:

O morcego entrou pela janela e voejou sobre a sala. De repente, o


mamífero enroscou-se nos cabelos da professora.
CONHECIMENTO PARTILHADO

Como cada um de nós vai armazenando os conhecimentos na


memória a partir de suas experiências pessoais, é impossível que
duas pessoas partilhem exatamente o mesmo conhecimento de
mundo. É preciso, no entanto, que produtor e receptor de um texto
possuam, ao menos, uma boa parcela de conhecimentos comuns.
Quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade de
explicitude do texto, pois o receptor será capaz de suprir as lacunas,
por exemplo, através de inferências, como veremos no próximo item.
CONHECIMENTO PARTILHADO

Consideram-se entidades conhecidas ou dadas aquelas que:

a) constituem o co-texto, isto é, que são recuperáveis a partir do


próprio texto:
Ontem estive com o marido de sua irmã. Ele me contou que você
e ela vão viajar para o exterior.

b) aquelas que fazem parte do contexto situacional, isto é, da situação


em que se realiza o ato de comunicação:
Pegue essa xícara vermelha e coloque-a ali.
CONHECIMENTO PARTILHADO

c) aquelas que são de conhecimento geral em dada cultura:


Em 15 de novembro, teremos eleições para presidente.

d) as que remetem ao conhecimento comum do produtor e do


receptor:
Hoje é dia de pagar o carnê.
INFERÊNCIAS

Inferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de


mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece uma
relação não explícita entre dois elementos (normalmente frases ou
trechos) deste texto que ele busca compreender e interpretar.
Todo texto assemelha-se a um iceberg - o que fica à tona, isto é, o
que é explicitado no texto é apenas uma pequena parte daquilo que
fica submerso, ou seja, implicitado. Compete, portanto, ao receptor
ser capaz de atingir os diversos níveis de implícito, se quiser alcançar
uma compreensão mais profunda do texto que ouve ou lê.
INFERÊNCIAS

Paulo comprou um Kadett novinho em folha.


Inferências:
1. Paulo tem um carro.
2. Paulo tinha recursos para comprar o carro.
3. Paulo é rico.
4. Paulo é melhor companhia que você.

Nem todas essas inferências são necessárias:


3 é menos necessária que 1 e 2; 4 é a menos necessária e só será
feita dependendo do contexto em que for pronunciada.
INFERÊNCIAS

Quanto maior o grau de familiaridade ou intimidade entre os


interlocutores, menor a quantidade de informações explícitas,
especialmente no caso de diálogos.

- A campainha! - A campainha está tocando, vá atender.


- Estou de camisola. - Não posso, estou de camisola.
- Tudo bem. - Tudo bem, então eu atendo.

Não se pode dizer que, do ponto de vista estritamente linguístico,


haja uma relação entre as três falas. No entanto, não temos
nenhuma dificuldade em estabelecer as “pontes” que faltam.
FATORES DE CONTEXTUALIZAÇÃO

Os fatores de contextualização são aqueles que “ancoram” o texto


em uma situação comunicativa determinada. Podem ser de dois
tipos: os contextualizadores propriamente ditos e os perspectivos ou
prospectivos.

a) contextualizadores: a data, o local, a assinatura, elementos


gráficos, timbre etc;
b) perspectivos ou prospectivos: título, autor, início do texto, que
avançam expectativas sobre o conteúdo - e também a forma - do
texto.
SITUACIONALIDADE

Trata-se de determinar em que medida a situação comunicativa


interfere na produção/recepção do texto. A situação deve ser aqui
entendida quer em sentido estrito - a situação comunicativa
propriamente dita, isto é, o contexto imediato da interação -, quer em
sentido amplo, ou seja, o contexto sócio-político-cultural em que a
interação está inserida. Sabe-se que a situação comunicativa tem
interferência direta na maneira como o texto é construído, sendo
responsável, portanto, pelas variações linguísticas.
SITUACIONALIDADE

É preciso, ao construir um texto, verificar o que é adequado àquela


situação específica: grau de formalidade, variedade dialetal,
tratamento a ser dado ao tema, etc. O lugar e o momento da
comunicação, bem como as imagens recíprocas que os interlocutores
fazem uns dos outros, os papéis que desempenham, seus pontos de
vista, objetivo da comunicação, enfim, todos os dados situacionais
vão influir tanto na produção do texto, como na sua compreensão.
INFORMATIVIDADE

A informatividade diz respeito ao grau de previsibilidade (ou


expectabilidade) da informação contida no texto. Um texto será tanto
menos informativo, quanto mais previsível ou esperada for a
informação por ele trazida.

Assim, se contiver apenas informação previsível ou redundante, seu


grau de informatividade será baixo:
O oceano é água.
INFORMATIVIDADE

Se contiver, além da informação esperada ou previsível, informação


não previsível, terá um grau maior de informatividade:
O oceano é água. Mas ele se compõe também , na verdade, de
uma solução de gases e sais.

Se, por fim, toda a informação de um texto for inesperada ou


imprevisível, ele terá um grau máximo de informatividade, podendo, à
primeira vista, parecer incoerente por exigir do receptor um grande
esforço de decodificação:
O oceano não é água. Na verdade, ele é constituído de gases e
sais.
FOCALIZAÇÃO

A focalização tem a ver com a concentração dos usuários (produtor e


receptor) em apenas uma parte do seu conhecimento e com a
perspectiva da qual são vistos os componentes do mundo textual.
Um mesmo texto, dependendo da focalização, pode ser lido de
modo totalmente diferente. Imagine-se um conto fantástico lido por
um psicólogo, um padre, um político, um sociólogo. Provavelmente,
as leituras seriam bastante diferentes, devido às diferentes
focalizações.
FOCALIZAÇÃO

O Crítico Teatral vai ao Casamento


Como espetáculo, o casamento da Senhorita Lídia Teles de Souza
com o Sr. Herval Nogueira foi realmente um dos mais irregulares a que
temos assistido nos últimos tempos. A Senhorita Teles parecia muito
nervosa, nervosismo justificado por estar estreando em casamentos (o
que não se pode dizer do noivo, que tem muita experiência de altar) de
modo que sua dicção, normalmente já não muito boa, foi prejudicada a
tal ponto que os assistentes das últimas filas não lhe ouviram uma
palavra. O cenário, altamente convencional, tinha apenas uma nota de
originalidade nos cravos vermelhos que enfeitavam as paredes. Os
turíbulos estavam muito bem colocados, mas os figurinos de todos os
oficiantes foram, visivelmente, aproveitados de outras produções. (...)
(Millôr Fernandes)
INTERTEXTUALIDADE

Para o processamento cognitivo (produção/recepção) de um texto,


recorre-se ao conhecimento prévio de outros textos. Pode ser
explícita ou implícita.
No primeiro caso, o texto contém a indicação da fonte do texto
primeiro, como acontece com o discurso relatado; as citações e
referências no texto científico; resumos e resenhas; traduções;
retomadas da fala do parceiro na conversação face-a-face, etc.
Já no caso da intertextualidade implícita não se tem indicação da
fonte, de modo que o receptor deverá ter os conhecimentos
necessários para recuperá-la; do contrário, não será capaz de captar
a significação implícita que o produtor pretende passar.
CANÇÃO DO EXÍLIO
Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,
Im dunkeln die Gold-Orangen glühen,
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möcht ich... ziehn. (Goethe)

Minha terra tem palmeiras, Que tais não encontro eu cá;


Onde canta o Sabiá; Em cismar – sozinho, à noite –
As aves, que aqui gorjeiam, Mais prazer encontro eu lá;
Não gorjeiam como lá. Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores, Não permita Deus que eu morra,
Nossos bosques têm mais vida, Sem que eu volte para lá;
Nossa vida mais amores. Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Em cismar, sozinho, à noite, Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Mais prazer encontro eu lá; Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá. (Gonçalves Dias)
INTERTEXTUALIDADE

HINO NACIONAL BRASILEIRO CANÇÃO DO EXPEDICIONÁRIO


Do que a terra mais garrida Por mais terras que eu percorra,
Teus risonhos, lindos campos têm Não permita Deus que eu morra
mais flores, Sem que volte para lá;
"Nossos bosques têm mais vida", Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
"Nossa vida" no teu seio "mais
A vitória que virá:
amores”
INTERTEXTUALIDADE

CANTO DE REGRESSO À PÁTRIA


Minha terra tem palmares Ouro terra amor e rosas
Onde gorjeia o mar Eu quero tudo de lá
Os passarinhos daqui Não permita Deus que eu morra
Não cantam como os de lá. Sem que volte para lá.

Minha terra tem mais rosas Não permita Deus que eu morra
E quase que mais amores Sem que volte pra São Paulo
Minha terra tem mais ouro Sem que veja a rua 15
Minha terra tem mais terra. E o progresso de São Paulo.
(Oswald de Andrade)
INTERTEXTUALIDADE

CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem macieiras da Califórnia SABIÁ
onde cantam gaturamos de Veneza. Vou voltar
(Murilo Mendes) Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
UMA CANÇÃO Foi lá e é ainda lá
Minha terra não tem palmeiras... Que eu hei de ouvir cantar
E em vez de um mero sabiá, uma sabiá,
Cantam aves invisíveis Cantar uma sabiá
Nas palmeiras que não há (Tom Jobim e Chico Buarque)
(Mário Quintana)
INTERTEXTUALIDADE
INTENCIONALIDADE

O produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos


ou propósitos, que vão desde a simples intenção de estabelecer ou
manter o contato com o receptor até a de levá-lo a partilhar de suas
opiniões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira.
Assim, a intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam
textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para
tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados. É por esta
razão que o emissor procura, de modo geral, construir seu texto de
modo coerente e dar pistas ao receptor que lhe permitam construir o
sentido desejado.
ACEITABILIDADE

A aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. O


postulado básico que rege a comunicação humana é o da cooperação,
isto é, quando duas pessoas interagem por meio da linguagem, elas
se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular o sentido
do texto do(s) interlocutor(es), partindo das pistas que ele contém e
ativando seu conhecimento de mundo, da situação, etc.
Assim, mesmo que um texto não se apresente, à primeira vista, como
perfeitamente coerente e não tenha explícitos os elementos de
coesão, o receptor vai tentar estabelecer a sua coerência, dando-lhe a
interpretação que lhe pareça cabível, tendo em vista os demais fatores
de textualidade.
CONSISTÊNCIA

A condição de consistência exige que cada enunciado de um texto


seja consistente com os enunciados anteriores, isto é, que todos os
enunciados do texto possam ser verdadeiros (isto é, não
contraditórios) dentro de uma mesmo mundo ou dentro dos
mundos representados no texto.
RELEVÂNCIA

O requisito da relevância exige que o conjunto de enunciados que


compõem o texto seja relevante para um mesmo tópico discursivo
subjacente, isto é, que os enunciados sejam interpretáveis como
falando sobre um mesmo tema.
CONCLUSÃO

Portanto, coerência não é apenas um traço ou uma propriedade do


texto em si, mas sim que ela se constrói na interação entre o texto e
seus usuários, numa situação comunicativa concreta, em
decorrência de todos os fatores aqui examinados.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. São Paulo:


Contexto, 2018.

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