Gays e Religiao
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Gays e Religiao
2017v14n3p88
1 INTRODUÇÃO
Um maniqueísmo teórico/jurídico domina a cena de debate da
homossexualidade no Brasil, a lógica perversa de defender o direito próprio negando
o do outro. O caminho adotado por teóricos, políticos e movimentos gays e/ou
semelhantes tem sido de desconstruir o ideário heterossexual, ou seja, separar ou
retirar a sexualidade do âmbito do biológico e da natureza humana2 (CECCARELLI,
2015). Por outro lado, outros se mantêm firmes numa visão exclusivista de
heterossexualidade (ex. Igreja, alas conservadoras dos partidos políticos, Movimento
Escola Sem partido, entre outros), ignoram e se opõem em reconhecer o fenômeno
1 Doutor em Teologia na área Religião e Educação pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo,
São Leopoldo, RS. Professor no curso de Teologia da Universidade do Grande Rio e de Educação no
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail:
[email protected]
2 Michel Foucault é sem dúvida o grande teórico que propõe a desnaturalização da sexualidade ao
afirmar a norma sexual como um discurso socialmente construído, provavelmente com a função de
reproduzir a força de trabalho e as relações sociais (cf. FOUCAULT, 1988).
3 Richard Von Kraff-Ebing (1840-1902), psiquiatra alemão, com sua obra “Psychopathia Sexualis” é a
inspiração para aqueles e aquelas que desejam apontar a homossexualidade como uma patologia.
Para Kraff-Ebing a homossexualidade era uma perversão, uma doença (DAMETTO; SCHMIDT, 2015).
tema muito visitado pela psicanálise4. Seus esforços em definir, diagnosticar, tratar,
trouxeram novas luzes sobre o problema. A carta escrita por Freud a uma mãe norte-
americana de um provável homossexual ilustra bem como o debate se desenvolveu
a partir do referencial da psicanálise:
Carta a uma mãe norte-americana
P.S.Não me foi difícil ler sua escrita. Espero que não ache na minha escrita
e meu inglês tarefa mais difícil. (RUITENBEEK,1973, p. 17–18, tradução
nossa).
Não é o propósito deste trabalho, fazer uma exegese da carta de Freud, coisa
que os teóricos da psicanálise já o fizeram e fazem bem. No entanto, podemos em
linhas gerais destacar conceitos que são importantes para a discussão do tema.
Segundo Freud, a homossexualidade “não é vício, nem depravação, nem a podemos
4 A psicanálise é tanto um método terapêutico como uma teoria do funcionamento psíquico. Freud
descobriu que se localizava no inconsciente os conteúdos que podiam explicar as neuroses e outros
comportamentos humanos. Na sua primeira teoria explica o funcionamento psíquico a partir da
interação de três sistemas: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. Freud aperfeiçoa mais
tarde sua teoria e denomina os três sistemas de Id, ego e superego. Ocupou uma grande importância
nos estudos de Freud a sexualidade infantil e são bem conhecidas as fases do desenvolvimento sexual
conforme a teoria psicanalítica: fase oral, fase anal, fase fálica, período de latência e fase genital. No
decorrer da fase fálica (3 e 5 anos) ocorre o Complexo de Édipo que exerce importante papel na
estruturação na personalidade do indivíduo.
5 Freud se inspira na tragédia grega de Édipo Rei para explicar o processo de estruturação da
personalidade. Na tragédia grega Édipo mata o pai e casa com a mãe. Freud percebe na relação da
criança com a mãe e o pai um jogo de sentimentos contraditórios, a criança quer o amor da mãe, mas
tem o pai como obstáculo ou concorrente. Decide o menino ser como o pai para ter a mãe e assim
começa o processo de internalização das normas sociais.
objetiva seria pelo contrário, uma neurose obsessiva. Qual tipo de homossexualidade
se referia Freud na carta à mãe norte-americana? Mesmo Farenczi que entendia a
homossexualidade como um conceito que abarcava fenômenos distintos, reconhecia
a impotência da psicanálise para tratar seja qual fosse o tipo de manifestação
homossexual.
Para Ceccarelli (2015), psicólogo e psicanalista, a homossexualidade é uma
invenção ou artefato classificatório, uma construção simbólica fundamentada na ideia
de uma sexualidade natural, heterossexual e para procriação. O autor destaca
também um dado importante: a “homossexualidade”, como doença, só foi excluída
do DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana)
em 1973, após acalorados debates.
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia com base em sua Resolução
001/99 estabeleceu como norma de atuação para psicólogos em questões de
orientação sexual:
Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma
reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e
estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou
práticas homoeróticas. Art. 3°- os psicólogos não exercerão qualquer ação
que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas,
nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para
tratamentos não solicitados. Parágrafo único- Os psicólogos não colaborarão
com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das
homossexualidades. Art. 4°- Os psicólogos não se pronunciarão, nem
participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de
massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos
homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,1999).
Portanto, no seu catecismo e com base no seu livro sagrado (a Bíblia), a Igreja
Católica vê a homossexualidade como “atos desordenados”, contrários a lei natural
(natureza) e por isso, devem ser reprovados. No entanto, reconhecem que os que
manifestam essas “tendências” devem ser acolhidos pela igreja e que esta deve evitar
uma “discriminação injusta”. Aconselha aos que manifestem essas “tendências” que
se consagrem à castidade. Da mesma forma que um sacerdote abre mão da prática
de relação heterossexual por motivo de voto sacerdotal, o homossexual deveria por
seu turno, abdicar de uma vida sexual ativa, vivendo assim em castidade.
Um manual de aconselhamento muito usado por leitores e líderes evangélicos,
“Aconselhamento cristão”, aborda o assunto da homossexualidade, e pela introdução
se percebe o receio com que trata o assunto: “Por causa da controvérsia e confusão
em torno deste tópico é quase certo que alguns leitores discordarão dos parágrafos
seguintes” (COLLINS, 2004, p. 328). O assunto é tratado com muito receio e o autor
promete não defender nenhuma teoria em particular, no entanto, reafirma a
perspectiva cristã tradicional sobre o assunto – a homossexualidade é adquirida
(aprendida), e logo, pode ser desaprendida.
Schneider, como teólogo, observa:
Amor, justiça e graça são princípios, como sustenta Schneider, que ao longo
da história do movimento cristão tem revolucionado a forma de ver e interpretar a
própria fé. Apesar das aparentes dificuldades hermenêuticas e teológicas que afetam
as decisões das igrejas cristãs, a história tem demonstrado que mudanças
doutrinárias ocorrem independentes das afirmações teológicas vigentes. Na verdade,
a teologia, na maioria das vezes, se ajusta tanto aos princípios de amor, justiça e
graça, como também às novas circunstâncias e exigências práticas da comunidade
cristã. A fé se atualiza. Foi o que sucedeu ao longo da história da religião de Israel e,
4 HOMOSSEXUALIDADE E EDUCAÇÃO
6Nos EUA as igrejas batistas já contam com uma organização, Association of Welcoming & Affirming
Baptists (AWAB), voltada para a inclusão de gays, lésbicas, transexuais, bissexuais, Queer, entre
outros. Sua missão é criar e apoiar uma comunidade de igrejas, organizações e indivíduos
comprometidos com a inclusão de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros na vida e missão
das igrejas Batista.
Os Adventistas do Sétimo Dia também contam com uma organização semelhante, Seventh-day
Adventist Kinship International (Kinship) cuja missão é proporcionar uma comunidade espiritual e social
segura para os adventistas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais, suas famílias e
aqueles que os apoiam.
A Igreja Católica no Brasil conta com o grupo Diversidade Católica que busca conciliar sua identidade
religiosa e homossexual.
7 A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, considera como bullying “intimidação sistemática (bullying)
todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente,
praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-
la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes
envolvidas”. Geralmente o bullying ocorre no ambiente escolar (BRASIL, 2017).
exclusivo pelo nome social, a inserção de um campo para o nome social nos
documentos, o uso de banheiros, de uniforme, vestiários e outros espaços
segregados por gênero de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito
(aluno/a) (BRASIL, 2015).
Já tramita na Câmara Federal vários Projetos de Lei (PDL) com o fim de sustar
os efeitos da Resolução acima referida. É possível identificar os projetos dos
deputados Alfredo Kaefer - PSDB/PR, Fábio Sousa - PSDB/GO, Alan Rick -PRB/AC,
Silas Câmara - PSD/AM, Professor Victório Galli - PSC/MT, Jair Bolsonaro - PP/RJ,
Pr. Marco Feliciano - PSC/SP. Há um requerimento de urgência para apreciação do
projeto e apensos que visam sustar os efeitos desta Resolução assinados pelos
deputados Alan Rick - PRB/AC, Celso Russomanno - PRB/SP, Rogério Rosso -
PSD/DF, Leonardo Picciani - PMDB/RJ, Fernando Coelho Filho - PSB/PE, Domingos
Neto - PROS/CE, Geovania de Sá - PSDB/SC.
Os argumentos básicos contrários à Resolução podem ser resumidos em dois:
que a educação sexual e temas afins é dever da família e não da escola e que essas
medidas disseminam ou promovem a prática homossexual. Novamente a lógica
perversa e maniqueísta de afirmar os direitos ou visão de mundo de um grupo em
detrimento dos direitos e visão de mundo do outro. Desde quando respeitar as
diferenças nos torna todos iguais? Se a escola é lugar de formação para a cidadania,
como se omitir na discussão de tão importante tema? Na escola, professores e alunos
deveriam estudar e discutir a questão de orientação sexual sem coerção ou qualquer
tipo de censura. O que a escola não pode fazer é doutrinar.
Conforme o Parecer nº 1 do CNCD/LGBT (BRASIL, 2015) a normatização do
reconhecimento de identidade de gênero pode se dar por diferentes instrumentos e
instâncias. Segundo este documento, já tomaram iniciativas de reconhecimentos de
identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais “20 Universidades Federais,
5 Universidades Estaduais, 6 Institutos Federais de Educação ciência e Tecnologia”
(p. 1).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abstract:
This article aims to reflect on homosexuality. It aims to verify the efforts of classical
psychoanalysis to understand and define the phenomenon of homosexuality, which for
many to this day is still surrounded by mystery, and to understand how the theme is
treated within Christian churches and school. The author concludes that the early
efforts of classical psychoanalysis to understand the phenomenon of homosexuality
were intended to alleviate the suffering of those who faced the problem and sought
therapeutic help. Currently, psychoanalysis/psychology tends to view homosexuality
as a mere result of a social construction in order to classify individuals. In the religious
sphere, Christian churches specifically, homosexuality is seen as sin and
transgression of divine law and nature. However, the principles of love, justice, and
grace along with the practical needs of churches tend to change in the future the
perspective of churches on the subject. The school is another space in society where
homosexuality manifests itself, whether in the bodies of the subjects or in educational
materials. It is observed in Brazil an effort to make the school a space for the discussion
of sexuality and gender issues, as well as recognition of the gender identity.
Keywords: Homosexuality. Psychoanalysis. Religion. Education. Policies.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la homosexualidad. Se trata de
verificar los esfuerzos del psicoanálisis clásico para entender y definir el fenómeno de
la homosexualidad que, para muchos hasta hoy todavía está rodeado por misterio, y
entender cómo el tema se trata dentro de las iglesias cristianas y de la escuela. El
autor concluye que los esfuerzos iniciales del psicoanálisis clásico para entender el
fenómeno de la homosexualidad se destinaron a aliviar el sufrimiento de aquellos que
se enfrentaron al problema y buscaron ayuda terapéutica. Actualmente, el
psicoanálisis/psicología tiende a ver la homosexualidad como un mero resultado de
una construcción social, a fin de clasificar a los individuos. En la esfera religiosa, las
iglesias cristianas específicamente, la homosexualidad es vista como pecado y
transgresión de la ley divina y de la naturaleza. Sin embargo, los principios de amor,
justicia y gracia junto con las necesidades prácticas de las iglesias tienden a cambiar
en el futuro, la perspectiva de las iglesias sobre el tema. La escuela es otro espacio
en la sociedad donde la homosexualidad se manifiesta, sea en los cuerpos de los
sujetos o en materiales educativos. Se observa en Brasil un esfuerzo para hacer de la
escuela un espacio para la discusión de cuestiones de sexualidad y género, así como
un esfuerzo de reconocimiento de la identidad de género.
Palabras clave: Homosexualidad. Psicoanálisis. Religión. Educación. Políticas.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 37. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
TORPEDO. Produção: ECOS. São Paulo: ECOS, [2005?]. 1 Vídeo. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=TP_OjE_Fi2o&index=2&list=PL06EBC4B4DADE
9A10 >. Acesso em: 25 jun. 2015.
Artigo: