Artigo Final - PSICOLOGIA - 2022 - FINALIZADO
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RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo investigar de que modo os indivíduos realizaram
a elaboração de questões a respeito de sua própria sexualidade e aceitação da mesma. À luz de
conceitos psicanalíticos, busca-se a ampliação da discussão sobre o tema, em conjunto com a
elucidação das problemáticas que dificultam – a nível pessoal e a nível de sociedade – uma boa
relação com sua própria sexualidade. O presente estudo configura-se como pesquisa bibliográfica
seguida de estudo de campo, de abordagem qualitativa. A partir dela, espera-se identificar
diferentes meios de se lidar com a angústia que o tema pode gerar, ao mesmo tempo em que se
amplia o conhecimento dos pesquisadores e dos futuros leitores deste artigo.
ABSTRACT
The present research aims to investigate how individuals performed the elaboration of
questions regarding their own sexuality and acceptance of it. Through psychoanalytic concepts,
it seeks to expand the discussion on the theme, in addition to elucidating the problems that make
it difficult - at a personal level and at the level of society - to have a good relationship with their
own sexuality. The present study is configured as a bibliographic research followed by a field
study, with a qualitative approach. From it, it is expected to identify different ways of dealing
with the affliction that the theme may create, while expanding the knowledge of researchers and
future readers of this article.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Dito isso, embora Freud nomeasse, de acordo com o conhecimento de seu tempo, a
homossexualidade como uma inversão sexual, pois para o autor tal inversão seria apenas uma
variação sexual.
Mesmo com a despatologização da homossexualidade ainda é explícito o preconceito
diante da aceitação da própria orientação sexual. Ainda nos dias de hoje muitos expoentes levaram
adiante a homossexualidade como doença, segundo Lacan (1950, apud ibidem, 2013) “qualquer
teoria que generaliza a homossexualidade é falsa, qualquer etiologia única que se diz ‘como se
faz um homossexual’ é preconceituosa e toda patologização da homossexualidade é racista” (p.
90), sendo assim, como Freud (1905) já dizia, contraria a consideração do homossexual como o
ser perverso ao Outro.
Já em junho de 1969, na cidade de Nova York, EUA, acontecia o primeiro movimento
ativista contra homofobia em Stonewall, no qual 2 mil pessoas LGBTQIA+, cansadas das
represálias dos movimentos contrário, entoaram bandeiras com as escritas “gays power” e
“equality of homossexuals” com a premissa de libertar os homossexuais da opressão e
conscientizar a população referente aos direitos ali exigidos. Com todas as mudanças
acontecendo, após a segunda guerra mundial, segundo Paoliello (2019) somente em 15 de
dezembro de 1973 que a APA (American Psychological Association) retirou de seus textos o
termo “homossexualidade” como sendo patológico, e em 1974 aprovou, por maior votação, que
a homossexualidade não era considerada mais doença, porém, apenas em 17 de maio de 1990 o
CID (Classificação Internacional de Doenças) desclassificou a homossexualidade como doença,
e tal data foi assim classificada como o dia que se comemora o dia internacional da luta contra a
homofobia, visto toda luta histórica, a autoaceitação no paradigma social ainda é apresentada
socialmente como tabu.
De acordo com o DSM-I (1952), a homossexualidade estava integrada na sessão de
desvios sexuais, estando no mesmo local que a pedofilia e sadismo. Era chamado de
“homossexualismo”, com o prefixo que comumente se encontra em patologias, contudo, com a
revolução da ciência médica e novos estudos, a APA, em 1973, retirou a homossexualidade do
rol de patologias contidos no DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental), configurando,
assim, mais uma das vitórias obtidas em resposta dos movimentos civis da época.
Para argumentar a respeito da autoaceitação de um determinado tema deve-se considerar,
como início de discussão, a influência do meio externo nas perspectivas de cada indivíduo. Quanto
a temática Homossexualidade, Ceccarelli (2000) cita a influência do imaginário judaico-cristão
na concepção cristalizada de que a sexualidade é algo sólido e não diversificado. Foi criado um
modelo para que fosse considerado o padrão a ser seguido e aceito, e qualquer outro
comportamento que não fosse de encontro com o que fora padronizado, tinha em si um rótulo de
desviante ou patológico (ibidem).
O autor segue tecendo considerações sobre a influência da civilização no que diz respeito
à transformação de vivências e desejos em categorias que definem a identidade. A criação de
categorias corrobora para a existência de um indivíduo que se sente aprisionado e ao mesmo
tempo errado por querer vivenciar a sexualidade como sente que deve. (CECCARELLI, 2000).
Em seu texto "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud (1905) afirma que, no
ser humano, a pulsão sexual não abriga em si um objeto fixo, não podendo ser atrelada somente
a questões instintivas. O autor classifica o objeto da pulsão como diversificado e parcial,
contribuindo desta forma para tirar a discussão sobre a sexualidade do campo restrito aos órgãos
sexuais, e sim com a ideia de que o prazer é a finalidade principal da sexualidade. Completa o
raciocínio, ainda, quando fala que a sexualidade é, em essência, perversa. Freud a considera como
uma variação da função sexual, em que esta escapa das tentativas de normalização. De acordo
com Ceccarelli (2000), a adolescência também é inundada pelos traços culturais que contribuem
para a patologização da homossexualidade e a inserção de um comportamento tido como padrão.
O autor cita a adolescência como sendo uma fase de reinvestimentos libidinais e, portanto, o
adolescente pode vir a sentir um desejo pulsional cujo objeto é uma pessoa do mesmo sexo. Os
ideais culturais transformarão essa pulsão em uma fonte de dúvidas a respeito de si e de angústias.
Neste mesmo sentido, o autor versa sobre a vida adulta e como essa fase também sofre das
marcas culturais. Nos homens, não raramente acontece da masculinidade ser questionada com
base em comportamentos que escapam da ideia hegemônica dominante. A sexualidade é única de
cada indivíduo e, portanto, tem seu destino particular, não havendo uma maneira "certa" para que
seja vivenciada. (CECCARELLI, 2000).
Grande parte das pessoas lésbicas e gays, descobrem-se ainda na infância, no contexto de
conhecimento ainda heterogêneo (feminino e masculino) apresentado por uma cultura patriarcal
e heteronormativa, na qual é apresentado pelas etapas escolares, vinculadas pela educação no
ambiente estudantil, através dos aspectos éticos, sociais e culturais da vida. Contudo, é nesse
período e na adolescência que surge a dificuldade em elaborar a própria identidade sexual através
dos primeiros contatos e desejos sexuais. É nesta maturação que, segundo COSTA (1986 apud
GUIMARÃES, 2016), estão diante de tanta pressão que tais adolescentes homossexuais acabam
enfrentando conflitos internos e com dificuldade de elaborar e aceitar sua própria orientação
sexual. Desta forma, surge a repressão, como mecanismo de defesa, por meio de atitudes e falas
homofóbicas, em conjunto com a reclusão de grupos sociais por medo de desapontar familiares
ou fugir às regras construídas pela humanidade e que se perpetuam há séculos. (p. 2).
Diante da discriminação e exclusão, a autoaceitação em determinados contextos culturais
e sociais não se torna ainda viável. Segundo ALBUQUERQUE, GARCIA, ALVES, QUEIROZ
e ADAMI (2013) “as formas de expressar a sexualidade são determinadas por uma complexa
interação de fatores e que podem ser afetadas pelos relacionamentos, por circunstâncias de sua
vida ou pela cultura em que vive”. Dito isso, em complemento, observa-se que é através do modo
de expressão da sexualidade que surge a construção gradual, por meio do crescimento e do
desenvolvimento biopsicossocial de cada indivíduo, que tem suas raízes em experiências
evolutivas do ser humano durante o seu ciclo vital, que comumente se caracteriza como
performance da identidade de gênero. (ABDO; GUARIGLIAFILHO, 2004, apud,
ALBUQUERQUE, et al, 2013, p. 517).
METODOLOGIA
No que diz respeito à entrevista, Severino (2014) a define como um tipo de pesquisa que
acontece a interação direta entre o pesquisador e o pesquisado relacionado ao tema. A partir da
contribuição do pesquisado, o pesquisador colhe opiniões e argumentações que contribuem para
o trabalho além das fundamentações teóricas. Também se caracteriza como uma forma de diálogo
entre um indivíduo que busca informações e outro que pode fornecer as informações que são
buscadas (GIL, 2008). Optou-se por utilizar da entrevista semi-dirigida por esta estar mais
condizente com os objetivos do trabalho realizado. Este tipo é definido no sentido de que a
entrevista busca ser “guiada por relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando
ao longo de seu curso” (GIL, 2002, p. 117).
Foram convidados a participar da pesquisa pessoas interessadas no estudo, para melhor
análise dos dados levantados, com faixa etária entre 18 a 35 anos, sendo eles do gênero
masculino e/ou feminino que se consideram homossexuais e que estejam dispostos a
compartilhar vivências pessoais, ideologias e relações homoafetivas. Os/as participantes foram
contatados atravésde uma carta de apresentação sobre a proposta da pesquisa, disponibilizada
em redes sociais (como o Instagram e Whatsapp) dos integrantes do estudo.
Os/as interessados/as pela temática entraram em contato com os autores, o qual foi
agendado a entrevista posteriormente de acordo com os critérios éticos estabelecidos pelo
Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012). É destacado, ainda, que as entrevistas foram
realizadas individualmente, no formato online via plataforma GoogleMeet, em dia e horário
pré-agendado, mediante o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) por parte dos/as participantes.
O instrumento de entrevista utilizado na entrevista conta com 4 eixos temáticos, a fim
de compreender a percepção desses/as participantes a respeito do processo particular e
individual de autoaceitação da homoafetividade e a ampliação do conhecimento mais amplo no
qual se refere ao processo vivenciados pela população homossexual e o crescimento dos
participantes envolvidos.
Na sequência das entrevista, os dados foram gravados e transcritos de maneira fidedigna,
preservando a confidencialidade e o sigilo das informações, como exposto aos participantes.
Em seguida, foi iniciado o processo de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2000), que
aparece como um conjunto de técnicas de analise das comunicações que utiliza procedimentos
sistematicos e objetivos de descrição das mensagensque consiste em um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, (p. 22). Com relação aos sujeitos da pesquisa, participaram 4
pessoas que para confidencialidade foram codificadas porabreviações (S1, S2, S3, S4), com o
intuito de manter a identidade das mesmas.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 4 participantes, com idades entre 21 e 37 anos, sendo 3 do
gênero masculino e 1 do feminino. A partir da aplicação da entrevista através dos eixos
temáticos, foi possibilitado a sistematização das narrativas em 6 categorias de análise: (I)
Internalização e mal elaboração; (II) O poder do contexto religioso e a validação das pessoas;
(III) O tempo e o desenvolvimento das questões presentes; (IV) Atos obsessivos e a moral
religiosa; (V) A identificação com a comunidade LGBTQIA+ e o processo de fortalecimento
emocional; (VI) O mal-estar nas instituições; conforme elucidado na tabela abaixo:
Se o pai era antes tomado como imago, aqui ele passa a ser símbolo, um símbolo que
libera o sujeito da clausura imaginária. Note-se que, ao mesmo tempo em que abre para
o sujeito um leque de significações novas, o simbólico também o obriga a se sujeitar a
uma regra compartilhada, impondo-lhe uma perda de satisfação. O símbolo como morte
da coisa pode ser lido retroativamente em termos do sacrifício do gozo que ele impõe:
1
*Autoerotismo: É satisfação no próprio corpo, para usar uma denominação feliz, introduzida por Havelock Ellis, não está dirigida
para outras pessoas, se tornando evidente na atividade sexual (FREUD, 1905, p. 84).
ao aceitar colocar-se sob a autoridade do símbolo, a criança renuncia à satisfação do
narcisismo primário. (LUSTOZA, 2018. pag. 327)
Em 1903, Freud responde que a homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais
“(...) Eu tenho a firme convicção de que os homossexuais não devem ser tratados como doentes,
pois uma tal orientação não é uma doença. Isto nos obrigaria a qualificar como doentes um grande
número de pensadores que admiramos justamente em razão de sua saúde mental (...) Os
homossexuais não são pessoas doentes” (FREUD, 1903 apud QUINET, 2013. Pag. 156.).
Em contrapartida, instituições ligadas ao cristianismo, desde seus fundamentos baseados
nas escritas bíblicas, abominavam a homossexualidade, comparando-a como uma “perversão”
diante da cultura que vivenciavam, e isto, mesmo diante das ondas de luta dos movimentos gays,
na atualidade vários são os preceitos dogmáticos, de uma hierarquia patriarcal, ainda utilizados
para o preconceito. Na bíblia, tanto em Levitico quanto em Deutoronômio, considera a
homossexualidade como prática abominável, chamado de estigma negativo do prazer, como
também nos estudos de São Tomaz de Aquino. Contudo, qualquer legiferação sobre a normalidade
ou não da sexualidade e dos comportamentos sexuais é uma postura perversa, que pretende dizer
o que é certo e o que é bom para o outro. (QUINET, 2013. pag. 27).
Os relatos coletados explicitam o contexto religioso nas seguintes falas. S1: “eu era bem
do jeito que a igreja quer, foi quando eu fui embora (para outro país, no intercâmbio) que
realmente eu me libertei e foi quando eu comecei a me dar mais ouvido e escutar mais.” E na fala
de S3 “para deixar mais explícito, minha família são das fundadoras de uma comunidade
católica, (conhecida nacionalmente) então a religiosidade é muito forte em todas as partes tanto
materno, quanto paterno”
De acordo, com o Caderno Temático 11, do Conselho Regional de Psicologia de São
Paulo, elaborado em 2011, o autor Fernando Silva Teixeira Filho elucida sobre preceitos que
legitimam a prática homofóbica:
Dito isto, mesmo diante a Portaria n° 2.836, (Ministério da Saúde, 2011) que tem como o
objetivo de promover a saúde integral da população LGBTQIA+ de forma integral, afim de
garantir o enfrentamento das iniquidades para o pleno exercício da democracia e do controle
social, acolhendo e respeitando suas demandas, contudo, surgem preconceitos diante o que a
população heteronormativa nomeadas então como “minorias”, população esta que foge do
comportamento padrão e normal, ditado pela sociedade e pela religião, afirmando sua
superioridade, como afirma Filho, 2011:
Para que esse modelo desse certo foi necessário convencer a sociedade de que a
heterossexualidade fosse o padrão de comportamento sexual não apenas desejado, mas
normal e superior a todas as outras formas de manifestação da sexualidade. Chamamos
a isso de heterossexismo. É ele que vai justificar a heterossexualidade como causa de
normalidade e, portanto, superioridade (CRPSP, 2011. pag. 52).
Dito isto, não existe uma via correta, uma norma reguladora a se seguir, que possa
diminuir ou extirpar todo ou qualquer tipo de sexualidade e/ou afetividade.
Entende-se que, mesmo diante de ameaças de uma instância reguladora, o Nome do pai,
dita que uma das coisas mais difíceis de suportar é a diferença, sem que seja vivenciado como
algum perigo eminente, e dizer que algum sujeito pode ser diferente ou fugir dessa norma abala a
verdade expressada pela sociedade e cultura, isto revela que nossos referenciais são construções
com tempo de vida limitado. Com isto cada sujeito terá propriamente seu tempo de
desenvolvimento e aceitação, como explicitado por S2: “em algum momento eles vão precisar
saber e eu não quero mais esconder e se eu fui lá e contei, eu achava que seria um caos total que
eles iam me bater, real, e na realidade os dois ficaram muito calados tanto meu pai quanto minha
mãe. Meu pai chorou muito, muito, e eles não me responderam absolutamente nada, contei eles
viraram as costas e foram pro quarto começar a chorar e foi essa resposta que eu tive desde
então” e complementa: “minha relação com a família teve altos e baixos, quando me assumi foi
bem ruim, eles sempre se negaram a enxergar”.
Segundo a teoria da Etiologia, existem três teorias que de alguma forma definem o
fenômeno da homoafetividade, sendo elas, a teoria da variação normal que tratam a
homossexualidade como um fenômeno que ocorre naturalmente, indivíduos homossexuais
nascem diferentes, mas naturais como pessoas canhotas. Na cultura contemporânea, essa teoria
sustenta a crença de que as pessoas nascem gays. Enquanto teoria da patologia trata a
homossexualidade como doença, que desvia do normal e a teoria da imaturidade, como se fosse
algo normal, só que passageiro a ser superada em determinada fase da vida adulta (QUINET,
2013, pag. 48).
Seguindo essa linha de raciocínio, a psicanálise se direciona a partir da variação normal,
na qual segundo Freud 1905, a pesquisa psicanalítica se opõe, decididamente a qualquer tentativa
de separar os homossexuais do resto da humanidade como um grupo de caráter especial. Freud
denominava a escolha do objeto para esclarecer a orientação sexual, na qual propôs o conceito de
bissexualidade para todo ser humano, por isso se toma o termo de homossexualidades, pois existe
a homossexualidade tanto na prática quanto na latente e subliminada (QUINET, 2013, pag. 343).
Como exemplificado na fala de S2 que demonstra como seu processo de se perceber homossexual
ocorreu: “quando eu entrei lá no ensino médio, onde eu tive acesso à informação de verdade, de
outras pessoas como eu, que eram extremamente bem resolvidas e eu decidi que quero viver essa
verdade pra mim.” E também na fala do S3: “eu não tive que contar para minha família e eu
nunca tive, até hoje contar pra ninguém, de chegar pra minha família e dizer “eu sou gay” eu
simplesmente cheguei e com eles foi um processo natural”. Dito isto, Nascimento, 1998 crítica
sobre a necessidade social e cultura, onde existe o desejo do outro em colocar a orientação sexual
na frente do sujeito lançado no mundo social, cultural e profissional:
Para o autor, essa forma de criar máscaras sociais adentra na fala de Freud, quando o
mesmo cita sobre as homossexualidades latentes e subliminadas de diversos sujeitos. (ibidem)
Logo, pode-se evidenciar o processo desenvolvimental biopsicossocial de cada sujeito de forma
subjetiva, pois não se encaixam nos padrões heteronormativos e, com isso, de alguma maneira
consegue elaborar tais internalizações sobre a homoafetividade e sobre esse olhar e aceite do
outro.
2- Sentiu alguma dificuldade(s) em se auto aceitar? Se sim, quais?
É possível entender, que este sentimento de culpa internalizado pelo sujeito, visto como
uma forma de executar a lei da heteronormatividade, como via única, é nomeado como sentimento
de culpa, de não se encaixar nos paradigmas imposto pela relação sociocultural, como observado
na fala de S2: “eu acho que o meu problema maior hoje é o medo de não se encaixar, de não
conseguir se inserir por ser homossexual” e na fala de S4: “primeiro uma culpa, me dei conta de
que estava vendo pornografia de homens gays e me senti culpado, comecei a tentar ver
pornografia com mulheres, mas meu olhar focava em homens.”
Segundo Freud (1907) pode-se dizer que quem sofre de compulsões e proibições age como
se fosse dominado por um sentimento de culpa, do qual nada sabe, porém; de um sentimento de
culpa inconsciente. (pag. 214), como expressado nas frases acima dos entrevistados, contudo,
surge a partir destas as proibições da igreja, com sua moralidade, expressado por S1: “então foi
bem difícil, assim, a autoaceitação. Eu pensava que eu ia pro inferno, eu falava pra minha ex
assim: ‘é isso e eu vou pro inferno, mas eu vou escolher o inferno desse jeito então'', com isto,
surge diante desta lei inconsciente, seguida pelas práticas religiosas que esta tentação levava o
sujeito a vivenciar como pecado e ser julgado por uma instância reguladora, pelo eu ideal exigido
pela sociedade, como citado por Freud (1907) os atos cerimoniais e obsessivos surgem, em parte,
como defesa contra a tentação e, em parte, como proteção contra o infortúnio esperado. Logo que
as ações protetoras não bastam contra a tentação, aparecem as proibições, afim de manter afastada
a situação que gera a tentação. (pag. 215) e complementa sobre as práticas religiosas que:
Isto posto, sobre a influência do instinto reprimido, que inviabiliza atingir sua meta do
objeto de desejo, é sentida como uma tentação, no processo mesmo da repressão surge a angústia,
que se assenhora do futuro como angústia expectante (ibidem, pag. 215).
Todavia, o desenvolvimento biopsicossocial é subjetivo, em complemento, diante dos atos
obsessivos e a moral religiosa, é observado o processo do sentimento de culpa presente e em sua
maioria não elaborada e até mesmo recalcado, como exemplificado na fala de S4, diante a situação
de aceitação dos pais: “foi apenas um elefante na sala que ninguém quis lidar com isso”, em
complemento com a fala de S1: “mas os pais nunca querem enxergar os defeitos, entre aspas,
dos filhos, eu acho que não querem enxergar para não sofrerem, não sei, eu acho que talvez seja
uma autoproteção, não sei, ou enxergam e não querem acreditar”, ou quando se trata da
validação do outro, fora a família nuclear, como na fala de S2: “E eu não sentia essa identificação
lá dentro do projeto (projeto social) e é muito louco isso, sentir que as pessoas te olham e te
percebem e assim antes mesmo de você falar qualquer coisa, e às vezes eu tenho até esse medo
de chegar e a minha sexualidade vir antes e criar um conceito na cabeça deles”. Obtém-se então
uma compreensão mais profunda dos mecanismos da neurose obsessiva quando se leva em
consideração o primeiro fato em que ela se baseia, que é sempre a repressão de um impulso
instintual (de um componente do instinto sexual) que se achava na constituição da pessoa, pôde
expressar-se momentaneamente e sucumbiu depois à supressão, (ibidem, pag. 215). Perante tal
citação, é evidenciado que o processo é atravessado por uma via complexa, se tratando da
autoaceitação e da validação do outro, mas partindo destes paradigmas, é necessário elaborar e
entender que não é uma fase, apenas vivenciando naquele momento, e sim um processo, como na
fala de S4: “a primeira coisa foi a culpa, uma tentativa insistente de mediar o que sentia, tentar
mudar isso de alguma forma, pensava que era uma fase, mas esse sofrimento foi pontual, não
demorou muito, logo percebi que não era muito possível”.
3 - Durante esse processo de assumir, você teve alguma rede de apoio? Alguma inspiração
e/ou figura de representatividade? Quais?
4- O que considera que possa ter influenciado negativamente e/ou positivamente neste
processo?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa realizada e dos dados analisados, destaca-se que o estudo sobre o
processo de autoaceitação da homossexualidade é, contudo, subjetivo de cada sujeito atravessado
por uma estrutura socio-histórica patriarcal e heteronormativa, impossibilitando, assim, expressar
a homoafetividade por consequências de atos de repugnação com o sujeito homossexual. Entende-
se, diante da elucidação do contexto vivenciado pelos entrevistados, que instituições e/ou pessoas,
não devem, de maneira alguma, impossibilitar a vivência do sujeito homossexual, porém, mesmo
diante de estudos e pesquisas, a comunidade LGBTQIA+, em conjunto de políticas públicas,
deverá trilhar um longo caminho, a fim de proporcionar novas vitórias contra o preconceito
estrutural e a homofobia cultural.
Considera-se, portanto, que os objetivos previamente estipulados foram alcançados e a
questão norteadora respondida, uma vez que se identificou que o processo de autoaceitação da
homoafetividade é subjetivo e que a comunidade LGBTQIA+ não é apenas uma minoria, mas sim
uma comunidade que consegue gritar para todos entenderem. Por consequência, foi possível
propor, de maneira significativa, a ampliação de novos estudos sobre a temática.
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