Charlie Donlea - Antes de Partir

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ANTES DE PARTIR

Livros de Charlie Donlea

A Garota do Lago
Deixada para trás
Não confie em ninguém
Uma mulher na escuridão
Nunca saia sozinho
Procure nas cinzas
Antes de partir
CHARLIE DONLEA

ANTES
DE
PARTIR
Tradução: Carlos Szlak
COPYRIGHT © 2022 BY BRIAN CHARLES
FIRST PUBLISHED BY KENSINGTON PUBLISHING CORP.
TR ANSLATION RIGHTS ARR ANGED BY SANDR A BRUNA AGENCIA
LITER ARIA , SL
ALL RIGHTS RESERVED
BRIAN CHARLES É O PSEUDÔNIMO DE CHARLIE DONLEA
COPYRIGHT © FARO EDITORIAL , 2023

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob quaisquer
meios existentes sem autorização por escrito do editor.

Diretor editorial PEDRO ALMEIDA

Coordenação editorial CARLA SACR ATO

Assistente editoriall LETÍCIA CANEVER

Preparação ARIADNE MARTINS

Revisão BÁRBAR A PARENTE

Capa e diagramação OSMANE GARCIA FILHO

Imagem de capa MAGDALENA RUSSOCKA | TREVILLION IMAGES

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)


Jéssica de Oliveira Molinari crb-8/9852
Donlea, Charlie
Antes de partir / Charlie Donlea ; tradução de Carlos
Szlak. — São Paulo : Faro Editorial, 2023.
224 p.

isbn 978-65-5957-264-9
Título original: Before I Go

1. Ficção norte-americana i. Título ii. Szlak, Carlos

22-7080 cdd-813
Índice para catálogo sistemático:
1. Ficção norte-americana

1a edição brasileira: 2023


Direitos de edição em língua portuguesa, para o Brasil,
adquiridos por faro editorial

Avenida Andrômeda, 885 — Sala 310


Alphaville — Barueri — sp — Brasil
cep: 06473-000
www.faroeditorial.com.br
Para Abby Marie e Nolan Matthew
PARTE I
FICANDO SOZINHA
PRIMAVERA
1. Aterrissagem
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ƋƋKƋƋ

MORRER SUBITAMENTE É MAIS FÁCIL.


Uma parada cardíaca ou um acidente de carro não dá chance para
pensar muito no que está por vir. Nem deixa tempo para refletir a respeito
da vida: os entes queridos deixados para trás e os sonhos não realizados.
Porém, quando um avião começa a cair, planando lentamente em direção
ao mar gelado e escuro, não há nenhuma sutileza quanto ao fim. A morte
está chegando. É inexorável. E, no caso de Ben Gamble, o lento avanço
rumo ao fim, o lapso de tempo entre saber que o voo teria um desfecho
trágico e o choque contra a água, gerou aflição e dúvida. Minutos intermi-
náveis de pânico e ansiedade, e também de arrependimento.
Com a turbulência sacudindo a cabine, Ben sentiu a carta tremer em
suas mãos. Tentou voltar a lê-la, mas uma queda brusca de altitude fez
os seus olhos se fecharem. Ele fora um covarde por esconder o segredo
da sua mulher. Naquele instante em que a possibilidade de contar para
ela havia passado, torturava-o imaginar que ela descobrisse por meio de
alguma outra pessoa. Ben abriu os olhos e olhou pela janela do avião
para a escuridão da noite. Imaginou o que o seu segredo causaria nela.
Queria uma chance para explicar. Queria uma última oportunidade para
falar com a sua mulher. Desviando o olhar da janela, voltou a ler a última
frase da carta.

Você tem que contar para a sua mulher, Ben. Ela merece saber a verdade. Dou só
mais uma semana para você fazer isso. Caso contrário, eu mesma contarei para ela.

Ben dobrou a carta e a enfiou no bolso. Voltou a olhar pela janela e


para a escuridão. Porém algo logo se formou em sua visão. Demorou um
instante para ele se dar conta do que estava vendo: era o reflexo da lua cin-
tilando na superfície da água, que foi se aproximando cada vez mais.
Então, pouco depois, o mar abraçou o avião. O impacto foi brutal. Gritos
irromperam pela cabine. Preso pelo cinto de segurança, Ben foi jogado
para a frente. Ele bateu o nariz no encosto de cabeça à sua frente, sentiu o

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sangue cobrir o lábio superior e escorrer pelo queixo. A visão ficou desfo-
cada devido à vibração do assento. Porém, após o choque inicial, o avião
deslizou pela superfície da água por vários segundos, como se fosse uma
lancha em alta velocidade.
Passado tempo suficiente, Ben acreditou que o piloto, por milagre,
havia conseguido realizar um pouso de emergência. Contudo, quando a
asa direita tocou na água, o avião deu uma cambalhota espetacular. As
bagagens, comidas, latas de refrigerante e os passageiros voaram pelo inte-
rior da cabine como pipoca estourando. Ben foi arremessado para o lado
e bateu a cabeça na janela. O impacto começou a criar uma teia de aranha
no acrílico: um círculo central com fissuras se irradiando de forma serpen-
teante. Ben contemplou muitas imagens no meio daquela janela despeda-
çada. Todas as pessoas da sua vida espiavam por aquele buraco para ele.
Ele viu a sua mãe e o seu pai. Os seus irmãos. Viu amigos, colegas e os
sócios da sua empresa. Finalmente, quando os gritos cessaram e os moto-
res lamurientos silenciaram, quando o metal guinchante terminou de se
rasgar em pedaços e a água gelada do oceano Pacífico entrou em contato
com a sua pele, Ben viu a sua mulher. O belo rosto e o sorriso radiante dela
o fizerem querer enfiar o dedo por aquele buraco no acrílico, depois a mão
e todo o corpo, saindo da tumba que afundava para abraçá-la e protegê-
-la do seu segredo.
No momento em que a água gelada roçou o seu rosto, Ben entrou em
ação. Ele pegou a fivela do cinto de segurança e a soltou.

2. O telefonema
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EM MEIO A UM SONHO, AS PÁLPEBRAS DE ABBY GAMBLE


tremeram e os seus lábios deixaram escapar um gemido. Ela e Ben estavam
saindo de férias e, como de costume, estavam atrasados. Abby corria atrás
do marido pelo estacionamento do aeroporto, puxando a mala de rodinhas,
que tombava enquanto ela tentava acompanhá-lo. Cada vez que Abby

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conseguia endireitá-la, Ben estava mais à frente. Quando ela chegou à escada
rolante, ele já estava no alto dela e se dirigindo para o vagão. Abby subiu a
escada de dois em dois degraus, com a mala batendo contra eles. Ao alcan-
çar a plataforma, ela viu Ben gesticulando para ela, indicando que ela deve-
ria se apressar antes do fechamento das portas do vagão. Abby tentou correr,
mas a sua mala ficou presa no topo da escada rolante, como se fosse o
cadarço desamarrado que sua mãe sempre tinha alertado que seria engo-
lido pelos degraus que subiam e desciam continuamente.
— Eu preciso de você — ela ouviu o marido dizer.
Abby ergueu os olhos. As portas do vagão estavam se fechando.
— Eu preciso de você comigo! — Ben voltou a dizer, no momento em
que as portas se fecharam.
Abby desistiu da mala, deixando-a no degrau, e correu em direção ao
vagão que estava começando a se mover. Lentamente no início, quase a
convidando a saltar e pegar uma carona até o terminal do aeroporto, depois
ganhando velocidade e passando como um borrão por ela até ficar fora de
vista. Em seguida, ao se virar na direção da escada rolante, Abby viu os
degraus, que continuavam subindo e descendo, engolirem a sua mala.
Abby abriu os olhos e se sentou na cama. Por um instante, apalpou o
lençol à procura de Ben antes de se lembrar da viagem dele. Sentiu a adre-
nalina se apoderar dela. Olhou para o despertador. Passava pouco das
quatro da manhã. Abby se levantou da cama e foi até a cozinha pegar um
copo de água, recordando-se da sua corrida letárgica pelo estacionamento
do aeroporto durante o sonho. Ao menos uma vez ela gostaria de ser uma
velocista em seus sonhos, livre da sensação de chumbo nas pernas que
sempre sentiu e capaz de sair em disparada de um lugar para outro. Abby
tomou um gole de água e prestou atenção na tranquilidade da casa: o tique-
-taque do relógio do corredor e o zumbido do ar-condicionado.
Eu preciso de você comigo!
Abby voltou a consultar a hora e sabia que Ben não se importaria se
ela o acordasse. Ele nunca se incomodava com chamadas tarde da noite
quando estava viajando a negócios. Então, ela ligou, mas caiu direto na
caixa postal. Ou o telefone dele estava desligado ou a bateria tinha aca-
bado. Ambas as hipóteses eram improváveis. Incomodada, folheou a pasta
na cozinha até encontrar o plano de viagem de Ben. Abby examinou as
informações e encontrou os dados do hotel do marido. Porém, de repente,
ocorreu-lhe que o voo de Ben ainda nem tinha pousado. Ela fechou a pasta

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e respirou fundo. Não era à toa que a sua ligação tinha caído direto na
caixa postal. O avião de Ben estava a dez mil metros de altura sobre o
oceano Pacífico.
Abby estava começando a relaxar quando o seu telefone tocou. Que-
brando o silêncio da casa, o repentino toque a assustou. Novamente, ela
dirigiu o olhar para o relógio do micro-ondas.
Eu preciso de você comigo.
Lentamente, ela pegou o telefone. Viu na tela que a chamada era da Trans-
continental Airlines. Ela deixou tocar mais um pouco antes de atender.
— Ben?
— Alô? Sra. Gamble?
— Sim?
— Aqui é David Peirce, da Transcontinental Airlines. Receio que houve
um acidente.

3. As famílias
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POUCO ANTES DAS SETE DA MANHÃ, O SAGUÃO DA SEDE DA


Transcontinental Airlines em Chicago estava perfeitamente limpo, silencioso
e agourento. Um representante da companhia aérea se aproximou de Abby
e pegou a mão dela como se fosse um parente querido num funeral.
— Sra. Gamble, por aqui — o rapaz indicou.
— Já localizaram o avião? — Abby perguntou durante o trajeto até os
elevadores.
— A situação ainda não foi esclarecida. Depois de subirmos, a senhora
receberá novas informações.
No trigésimo andar, o rapaz conduziu Abby até uma sala de reuniões
com paredes de vidro. Ali, alguns outros familiares bastante aflitos já esta-
vam à espera. Todos se entreolhavam, querendo, mas não ousando, per-
guntar se aquilo estava realmente acontecendo.

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Denotando preocupação, os funcionários da companhia aérea ser-
viam café e rosquinhas. No decorrer de dez minutos, trinta e poucas pes-
soas lotaram a sala. Finalmente, um homem de aparência distinta, vestido
impecavelmente de terno e gravata, passou pela porta e ocupou o seu
lugar na frente do recinto. Não era difícil de perceber que aquele homem
estava no comando. Todos os olhares se voltaram imediatamente na dire-
ção dele. Todos esperavam por boas notícias. Por más notícias. Por qual-
quer notícia.
— Bom dia — o homem disse. — Sou Paul Bradford. Ocupo a vice-
-presidência executiva da TransCon aqui no Meio-Oeste. Quero começar
expressando o meu pesar por esse infortúnio. Os nossos pensamentos e as
nossas orações estão com os seus entes queridos. Sem delongas, vou direto
aos detalhes.
Bradford clicou um controle remoto, que ligou um projetor instalado
no teto. Uma imagem de satélite da América do Norte surgiu na tela atrás
dele. Uma linha vermelha arqueada exibia a rota de voo do Aeroporto
Internacional O’Hare para o Aeroporto Internacional de Los Angeles.
— O voo 1641 da TransCon decolou de Chicago pontualmente e pou-
sou em Los Angeles às sete da noite de ontem. O avião foi reabastecido e
uma inspeção de rotina liberou o voo até Sydney, na Austrália.
Bradford clicou o controle remoto e um mapa-múndi apareceu na tela.
Outra linha vermelha surgiu, dessa vez com origem em Los Angeles e se
movendo da mesma forma arqueada em direção à Austrália. Porém, no
meio do caminho, sobre o oceano Pacífico, a linha sofreu uma
interrupção.
— Depois de cinco horas e vinte minutos de voo, o voo 1641 da Trans-
Con sofreu uma explosão no compartimento de carga dianteiro.
Gemidos tomaram conta da sala. Em seguida, lamentos. Paul Brad-
ford prosseguiu após uma breve pausa.
— Então, os motores sugaram fragmentos da fuselagem e foram
perdidos.
Os familiares deixaram escapar novos gemidos e lamentos.
— Como assim, os motores foram perdidos? — alguém perguntou.
— Os motores foram atingidos pelos fragmentos da explosão e sofre-
ram uma pane — Bradford explicou.
— Mas não existe alguma fonte de energia de segurança? — o mesmo
homem perguntou.

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— Sim, existe. A apu. A unidade auxiliar de energia. Porém, segundo
os dados coletados por nossos engenheiros e analistas, suspeitamos que a
apu não funcionou.
— Os seus analistas? — o homem perguntou com raiva. — Esqueça
os analistas. O que os pilotos disseram?
Bradford respirou fundo.
— Os pilotos conseguiram confirmar que os motores foram perdidos.
Mas pouco depois desse contato, a aeronave teve uma pane elétrica total
e perdemos toda a comunicação. Por isso suspeitamos que a apu também
sofreu avarias. Uma apu em funcionamento teria nos permitido continuar
recebendo e transmitindo mensagens.
— Então, o que aconteceu com o avião? — uma mulher no fundo da
sala perguntou.
— A explosão aconteceu a cerca de dez mil metros de altitude. Sem
comunicação, podemos apenas especular acerca do procedimento dos pilo-
tos. O protocolo-padrão diante da pane dos motores e da apu consiste em
recorrer à rat. Ou seja, a turbina eólica de emergência. A rat gera ener-
gia a partir da velocidade do avião em relação ao ar e é capaz de fornecer
recursos hidráulicos que permitem aos pilotos manobrar e planar a aero-
nave. Acreditamos que, por meio do uso da turbina eólica, os pilotos ten-
taram um pouso de emergência na água.
Outro coro de gemidos veio dos familiares. Abby colocou a mão sobre
a boca, lembrando-se do seu sonho de apenas algumas horas antes, cor-
rendo atrás de Ben, tentando acompanhá-lo. As portas do vagão se
fechando e as palavras dele pairando no ar da plataforma vazia.
Eu preciso de você comigo.
— A agência reguladora do setor aéreo está investigando a situação
desde o início dessa crise.
Bradford voltou-se para a tela do projetor e circundou uma área no
Pacífico Sul com o seu ponteiro laser.
— Com base na localização do avião durante a nossa última comuni-
cação com os pilotos, inferimos a área onde eles podem ter feito o pouso
forçado… — ele disse e pigarreou. — Onde os pilotos provavelmente ten-
taram o pouso de emergência.
Bradford voltou a clicar o controle remoto e diversas linhas aparece-
ram ligando a Costa Oeste dos Estados Unidos à Austrália.

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— Essas linhas representam rotas de navegação e estão repletas de
navios cargueiros vinte e quatro horas por dia. A agência reguladora já
alertou os comandantes dos navios na área em que acreditamos que o
pouso possa ter acontecido. Esses navios são basicamente os primeiros a
responder, e estamos esperando ouvir boas notícias de um deles. Também
estamos em contato com a Marinha dos Estados Unidos, e algumas das
suas embarcações estão a caminho da área nesse momento.
— A pane dos motores aconteceu cinco horas após a decolagem de
Los Angeles — outro familiar disse. — Isso foi à meia-noite. Agora são
sete da manhã. Por que ainda não encontraram o avião? Ou botes salva-
-vidas? Ou alguma coisa?
Bradford voltou a pigarrear e prosseguiu:
— No momento, o Pacífico ainda está sob a escuridão da noite. Mas
esperamos alguma novidade ao amanhecer.
O silêncio tomou conta da sala. Todos olhavam fixamente para Paul
Bradford, implorando sem palavras por informações que ele não tinha.
Ansiavam pela confirmação de que os seus entes queridos estavam segu-
ros. Abby se pôs de pé junto à mesa de reuniões e se apoiou com uma mão
no tampo de mogno antes de começar a sair lentamente da sala, com um
tremor perceptível no andar. O vice-presidente de terno engomado da
Transcontinental Airlines não deu informações adicionais acerca da loca-
lização do avião. Ele não tinha. Todos na sala sabiam por que o avião não
fora encontrado. Era um pedaço gigante de metal que se chocou contra o
mar e afundou como uma bigorna.

4. Um relógio e uma carteira


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ƊƉKƊƎ

A CAMPAINHA TOCOU E ABBY PENSOU EM IGNORÁ-LA. ERA O


décimo dia desde que o avião de Ben tinha desaparecido, e ainda não havia
vestígios dele. O noticiário da tevê a cabo fazia uma cobertura jornalística
ininterrupta a respeito do avião da Transcontinental e dos 247 passageiros

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a bordo. Abby desligou a tevê depois do quarto dia e não voltou a ligá-la
desde então. A campainha tocou novamente. Ela se levantou da cadeira
da cozinha e caminhou até o hall de entrada. Quando Abby abriu a porta,
um homem de terno apertado e camisa branca ofuscante estava em sua
varanda. Ela gostaria que um representante da companhia aérea apare-
cesse de jeans desbotado e camiseta para dar más notícias. O fato de ele
usar um terno só piorava a situação.
— Sra. Gamble? — o homem perguntou.
Abby concordou.
— Meu nome é James Darrow. Sou da Transcontinental Airlines.
— Entre.
Junto com a sua expressão sombria, James portava uma pasta de
couro. Abby o levou para a cozinha. Ali, ambos se sentaram à mesa, um
de frente para o outro.
— Quer beber alguma coisa?
— Não, obrigado, senhora.
— O que há de novo? — Abby perguntou, apontando para a pasta.
James Darrow apalpou a pasta de couro e demorou um instante antes
de responder. Para organizar os pensamentos, Abby pensou.
— Uma pequena área de destroços foi localizada. Confirmamos que
pertencem ao voo 1641.
Abby se endireitou na cadeira. Aquela era uma notícia de verdade, e
não o lixo supérfluo que a Transcontinental fornecera para ela nos últi-
mos dias.
James colocou a pasta sobre a mesa e a abriu. Ele tirou uma folha de
papel quadriculado de dentro, desdobrou-a e a deslizou para o meio da
mesa para que ambos pudessem ver.
— Esse é o mapa da área de busca — James disse.
Abby já tinha visto aquele mapa antes, quase todos os dias na última
semana e meia, e ainda assim a vastidão do oceano a deixou sem fôlego.
No mapa, um círculo vermelho representava a suposta área onde o voo
1641 havia afundado. Esse círculo estava situado dentro de uma elipse
maior, marcada em amarelo, que representava um diâmetro expandido
da área de busca. E, finalmente, um retângulo verde contornava tudo, indi-
cando a área que os especialistas achavam que representava a distância
mais longa que o avião percorreu depois da pane dos motores. As coor-
denadas de latitude e longitude marcavam cada local.

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— Aqui — James afirmou, apontando para o mapa, e tocou um dedo
na borda do retângulo verde externo. — Foram localizados um par de
assentos da cabine e também certa quantidade de bagagens.
— Estavam flutuando? — Abby perguntou, ansiosa.
— Sim, senhora.
— Por que tão longe do círculo vermelho?
— Bem, não temos certeza, mas temos algumas hipóteses — James
respondeu. — A explosão aconteceu no compartimento de carga dianteiro.
Então, acreditamos que o conteúdo desse compartimento se espalhou por
uma área do mar bem distante de onde a aeronave realmente pousou. Com
base na descoberta dessa área de destroços, os nossos engenheiros e ana-
listas estão repensando a trajetória do voo e desenvolvendo novos mode-
los que redefinirão a área de busca.
Abby esperou. Ela percebeu que havia algo mais.
— Sei que a senhora já ouviu antes a respeito dos cálculos, mas a
área de busca é enorme. A pane dos motores aconteceu a dez mil metros
de altitude. Se a aeronave voou apenas por meio da turbina eólica, o que
acreditamos que foi o caso, então a perda de altitude foi de cerca de 650
metros por minuto. Isso significa que a aeronave planou durante quinze
minutos, aproximadamente, e percorreu uma distância de mais 160 qui-
lômetros antes do pouso forçado. Levando tudo isso em conta, os cálcu-
los resultam numa área de mais de 82 mil quilômetros quadrados que
precisa ser vasculhada.
Abby fungou e limpou o nariz, decidida a não chorar. Nos primeiros
dias, principalmente, quando as primeiras informações começaram a ser
passadas para os familiares, o excesso de emotividade tinha tomado conta
dela. Ela lembrava pouco do que havia sido discutido durante aquelas reu-
niões e procurou manter a calma naquele momento, querendo se concen-
trar até o funcionário da companhia aérea dar todas as informações.
— Os coletes salva-vidas ainda estavam presos na parte inferior dos
assentos que foram recuperados — ele disse. — Ou seja, receamos que
nunca houve oportunidade para usá-los.
Abby respirou fundo antes de falar.
— De que fileira eram esses assentos?
— Fileira 24.
— Mas Ben estava na primeira classe — Abby disse baixinho, com o
lábio inferior trêmulo.

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— Sim, senhora. O Sr. Gamble estava na fila quatro — James respon-
deu e voltou a apontar para o mapa. — Mas nessa área, diversas bagagens
também foram encontradas e uma delas pertencia ao seu marido.
Abby tirou os olhos do mapa e encontrou James Darrow olhando para
ela. Ela sentiu a visão ficar enevoada.
— Não! — ela exclamou, fazendo um gesto negativo com a cabeça. —
Você disse que os assentos eram da classe econômica. Da parte de trás do
avião.
— Sim, senhora. Porém, as bagagens encontradas pertenciam a pas-
sageiros de várias partes do avião. Em uma delas, alguns itens pessoais
do seu marido foram recuperados.
James enfiou a mão no bolso interno do paletó e tirou um saco plás-
tico. Ao vê-lo, Abby voltou a fazer um gesto negativo com a cabeça. Então,
as lágrimas irromperam e começaram a rolar pelo seu rosto.
— A senhora reconhece esses itens? — James perguntou e colocou o
saco plástico sobre a mesa.
Abby o pegou. Ela abriu o saco e, com dedos trêmulos, tirou o relógio
de Ben. Ela o reconheceu imediatamente. Tinha sido seu presente de ani-
versário para ele. Ainda assim, Abby o virou para ter certeza. As letras BDG
estavam gravadas em letra cursiva na tampa traseira. Benjamin Dempsey
Gamble. O saco plástico também continha a carteira dele, que ela pegou e
abriu. Ali dentro, encontrou a carta de motorista do marido. Abby chorou
copiosamente quando viu a foto dele, incapaz de se controlar.
— Sinto muito — James disse. — Quer que eu entre em contato com
alguém?
Abby fez um gesto negativo com a cabeça e continuou a examinar o
conteúdo da carteira de Ben, ainda úmida por causa da água salgada do
mar. Sem prestar muita atenção, ouviu o homem de terno dizer que a ope-
ração de busca e salvamento estava sendo reduzida a uma missão apenas
de busca. Ela só conseguia olhar a foto do marido e se perguntar por que
tudo estava acontecendo de novo.

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em janeiro DE 2023

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