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Eduardo F. de Oliveira Jr 1
RESUMO
ABSTRACT
This paper aims at understanding the sense of inferiority present in large part of the
Brazilian population, the famous “complex of pooch”, as firstly described by the
playwright Nelson Rodrigues, which has its fecund roots in the cultural formation
process of that Nation, since, there wasn't the quest for a cultural formation, with its
own identity, but, reversely, there was the sense of exploration, of the new land,
valuing only the culture brought by its explorers and ignoring all the traces of native
culture, just like, those cultural traces introduced by enslaved people.
INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Direito pela Faculdade Doctum de Juiz de Fora, Pós-graduando em Ensino de Filosofia e
Sociologia pela FESL de Jaboticabal, Compositor e Maestro Arranjador
2
BORBA, Francisco S. (org.). Dicionário UNESP do português contemporâneo. São Paulo: UNESP, 2004. p.
1434
3
O termo imaginário social entendido como aquele: "[...] elaborado e consolidado por toda uma coletividade,
como uma resposta que se dá a seus conflitos, divisões e violências reais ou potenciais; operando através dos
sistemas simbólicos, - nomeadamente o mito, a religião, a utopia e a ideologia -, os quais são construídos a
partir da experiência dos agentes sociais, dos seus desejos, aspirações e motivações. O imaginário é uma das
forças reguladoras da vida coletiva, designando identidades, elaborando determinadas representações de si,
estabelecendo e distribuindo papéis e posições sociais, exprimindo e impondo crenças comuns, construindo
modelos de bom comportamento". BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In LEACH, Edmund et al.
Antrhopos-Homen. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985. p. 311 apud XAVIER, Wilson J. F.
Razões e Sensibilidades: Um estudo sobre a construção do imaginário da docência feminina. Tese de Pós-
Rodrigues (1993, p. 51), que expôs a sua percepção sobre tal, ao escrever sobre a
estreia do time brasileiro na Copa do Mundo de 1958: “Por “complexo de vira-latas”
entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face
do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol”.
E, já naqueles tempos, o mesmo autor explicava, ligeiramente, as origens de
tal complexo, atrelando ao momento esportivo de sua crônica: “Em Wembley, por
que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe
brasileira ganiu de humildade” 4.
Para compreender as razões de tal colocação, faz-se mister rememorar as
raízes históricas do Brasil, sua constante mutagênese, que fez nascer um povo
altamente idiossincrático em atributos étnicos e socioculturais.
Assim, Hollanda (1995, p. 31), explicita a implantação das ideologias e
instituições europeias no Brasil, desde o início da dominação portuguesa. E
remetendo aos primórdios da, então Vera Cruz, expõe, nesse contexto:
6
MARCONDES, Sandra. Brasil, amor à primeira vista. São Paulo: Petrópolis, 2005.
7
ROVERE, Luigi Vincezo Mamiani della. Catecismo da doutrina christaã na língua brasilica da Nação
Kiriri. Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1698. Disponível em:
<http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01278800>. Acesso em 02 ago. 2016.
8
CARVALHO, Maria R. de; CARVALHO, Ana M. Índios e caboclos: a história recontada. Salvador:
EDUFBA, 2012. p. 108
9
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994. p. 43-44.
10
Cf. Idem. p. 44
sociedade, no caso Grega e, o outro, não era dotado do logos ou quaisquer outros
atributos que lhos assemelhassem.
Oliveira (2008, p. 5-6) explica que tais doutrinas, que versam sobre as
ideologias raciais, tornaram a ganhar corpo nas palavras de pensadores do século
XIX, ocasião em que a europeus demandavam por justificativas para a manutenção
da escravatura. Nesse cenário surgem as doutrinas de Joseph-Auguste de
Gobineau, Richard Wagner e Houston Stwart Chamberlain.
Insta frisar que, em fins desse mesmo século, Francis Galton cunha sua teoria
da Eugenia, que, entre outros tantos fatores, conduziu às políticas de
branqueamento da população brasileira 11.
E assim, Hofbauer (2006, p. 35) conclui que:
Por tais veredas, o sociólogo Gilberto Freyre (2003, p. 65), narra que:
11
Nesse sentido: Stepan, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Fiocruz,
2005.
12
Conforme STOLCKE, Verena. Sexo está para Gênero assim como Raça está para Etnicidade? Estudos
Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 29, pp. 101-119, jun. 1991: “[...] racismo científico, ou seja, a demonstração
pseudo científica da fundamentação física das diferenças culturais”
13
Referente às teorias de Herbert Spencer (1820-1903).
14
Referente às teorias de Arthur Gobineau (1816-1882).
15
Nesse sentido explica SEYFERTH, Giralda. Racismo no Brasil. São Paulo: Peirópolis; ABONG , 2002. p.32
16
Tradução do autor para o trecho: “The establishment of one sovereign world state, far from being the
prerequisite for world citizenship, would be the end of all citizenship. It would not be the climax of world
politics, but quite literally its end.”. ARENDT, Hannah. Men in dark times. Nova Iorque: harvest Books, 1970.
p. 82.
17
Cf. FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala. São Paulo: Global, 2003. p. 94-95.
18
Cf. ECO. Umberto. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2000.
19
De acordo com dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Disponível em
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95753.pdf> Acesso em 09 ago. 2016. p. 26.
20
Cf. Portal Brasil. Censo 2010 mostra as características da população brasileira. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/educacao/2012/07/censo-2010-mostra-as-diferencas-entre-caracteristicas-gerais-da-
populacao-brasileira>. Acesso em 09 ago. 2016.
21
Cf. Agência Brasil. IBGE: renda per capita média do brasileiro atinge R$ 1.113 em 2015.
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-02/ibge-renda-capita-media-do-brasileiro-atinge-r-1113-
em-2015> Acesso em 09 ago. 2016.
22
O choro, ou chorinho, estilo musical brasileiro, originado em fins do Século XIX. "O flautista Joaquim
Antônio Callado, considerado o "pai do chorões", os pianistas Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga, e o
maestro Anacleto de Medeiros [...] compuseram quadrilhas, polcas, tangos, maxixes, xotes e marchas,
Um dos primeiros e mais aparentes aspectos que ora surgem em face, é que
para se transcender as ideologias que vagam no imaginário social do brasileiro, há
que deixa-las decair. Decair tendo em mente o “Devir”, que explica Deleuze e Parnet
(1998, p.10-11):
Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem ajustar-se a um modelo, seja ele
de justiça ou de verdade. Não há um termo de onde se parte, nem um ao
qual se chega ou se deve chegar. Tampouco dois termos que se trocam. A
questão "o que você está se tornando?" é particularmente estúpida. Pois à
medida que alguém se torna, o que ele se torna muda tanto quanto ele
próprio. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação,
mas de dupla captura, de evolução não paralela, núpcias entre dois reinos.
[...] Os devires são o mais imperceptível, são atos que só podem estar
contidos em uma vida e expressos em um estilo.
estabelecento os pilares do choro e da música popular carioca da virada do século XIX para o XX.” Conforme
DINIZ, André. Almanaque do Samba. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 22.
23
Em razão do sincretismo, termo originado em Plutarco, que associa elementos de religões diversas. Conforme
MIRANDA, Mário de França. Inculturação da Fé. São Paulo: Loyola, 2001. p. 109. No Brasil, especialmente
na Bahia: "Oxalá, o maior dos orixás [...] É Nosso Senhor do Bonfim e as festas do Bonfim são festas de Oxalá",
conforme AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. Rio de Janeiro: Record, 1991. p.132.
24
Tem-se que a linguagem coloquial corrente foi influenciada pelas línguas ameríndias tupí e guaraní, ao cortar
as terminações, como ao empregar “fazê”, ao invés de “fazer”, ou “vamo”, ao invés de “vamos”. Assim explica
RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní. Revista Brasileira de Linguística
Antropológica. Periodicos UnB. Volume 3, Número 2, Dezembro de 2011. p. 141.
25
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 8.
26
Idem. p. 84;
[...] inspirada pelo postulado da tolerância liberal e do apoio aos direitos das
comunidades à independência e à aceitação pública das identidades que
escolheram (ou herdaram). Na realidade, contudo, o multiculturalismo age
como uma força socialmente conservadora. Seu empreendimento é a
transformação da desigualdade social, fenômeno cuja aprovação geral é
altamente improvável, sob o disfarce de "diversidade cultural", ou seja, um
28
fenômeno merecedor do respeito universal e do cultivo cuidadoso.
27
Referente à obra de Charles Dickens (1812-1870), mais específicamente, ao trecho: “O brasileiro fazia-me
lembrar aquele personagem de Dickens que vivia batendo no peito: — “Eu sou humilde! Eu sou o sujeito mais
humilde do mundo!””. Assimconforme narrava RODRIGUES, Nelson. À sombra das chuteiras imortais. São
Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 61.
28
BAUMAN, Zygmunt. A cultura no mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, Seção 4 da versão
digital disponível em:
<https://books.google.com.br/books?id=MTQJAQAAQBAJ&pg=PT23#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 10
ago. 2016.
29
BONNICI, Thomas. O pós-colonialismo e a literatura: estratégias de leitura. Maringá: Eduem, 2012. p. 61.
30
"Brecht dizia que, em nome das urgências da ação, há sempre um momento no qual é preciso chegar a uma
formulação rude, “grosseira” (plumpes Denken). Benjamin gostava dessa idéia". Conforme KONDER,
Leandro. Benjamin e o marxismo. ALEA. Publicação do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas,
Faculdade de Letras -UFRJ Volume 5, Número 2, Julho – Dezembro, 2003. p. 165-174.
31
Aqui no sentido de Niklas Luhmann que: "Etim.: Do gr. autos, próprio + poien: fazer, ou o substantivo
poiésis: autofazer-se. [...] Niklas Luhmann [...] apropria-se dessa definição para ampliá-la aos sistemas sociais
ao vislumbrar no conceito de autopoiese a chave para explicar a autorreferencialidade dos sistemas sociais."
Conforme explica MARCONDES FILHO, Ciro. (org.). Dicionário da comunicação. São Paulo: Paulus, 2014.
Seção 13. Disponível em <https://books.google.com.br/books?id=pf-
5DAAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 10 ago. 2016.
E, assim, por fim, com essa consciência reconheceria o valor das culturas
deglutidas, sem medo de que estas pareçam menores que as estrangeiras. Foi
deglutindo que os ritmos da África que nasceu o samba, e os sons do funk
estrangeiro, tornaram-se o funk carioca que reflete a identidade do povo, divido, com
efeito, não mais em casas grandes e senzalas, mas em asfalto e morro, contudo,
dando voz aos excluídos e, tal voz, se impõe não como cultura inferior, mas como
produtos do devir, criações singulares.
E percebendo o valor do que produz por si, o brasileiro poderá enfim ter
continuadamente aquele efeito que relatou Nelson Rodrigues após a vitória da Copa
do Mundo de 1958, na Suécia. De não “ter mais vergonha de sua condição nacional”
e se livrar, vez por todas, desse complexo de vira-latas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
32
ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropofago. In: Revista de Antropofagia. Ano 1, Nº 1, maio de 1928. p. 3.
Disponível em <http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/060013-01#page/1/mode/1up>. Acesso em 10 ago.
2016.
33
Idem. p. 7.
AGÊNCIA BRASIL. IBGE: renda per capita média do brasileiro atinge R$ 1.113
em 2015.Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-
02/ibge-renda-capita-media-do-brasileiro-atinge-r-1113-em-2015> Acesso em 09
ago. 2016.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letas, 1995.
MARCONDES, Sandra. Brasil, amor à primeira vista. São Paulo: Petrópolis, 2005.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
STOLCKE, Verena. Sexo está para Gênero assim como Raça está para
Etnicidade? Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 29, pp. 101-119, jun. 1991