Estigma, Descriminação e Violência

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ESTIGMA, DESCRIMINAÇÃO e VIOLÊNCIA

1. PRA COMEÇO DE CONVERSA

VIOLÊNCIA
Violência é um conceito amplo, com reflexões teóricas diversas feitas por vários(as)
autores(as). Ao mesmo tempo, é uma palavra cujo significado social é conhecido por todas as
pessoas: sempre que nos deparamos com um ato ou uma expressão de violência, sabemos do
que se trata e associamos a algo ruim, ofensivo, injusto ou fora do comportamento humano
civilizado.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é o uso de força física ou poder,
seja na prática ou na forma de uma ameaça, contra si, outra pessoa ou contra um grupo ou
uma comunidade, que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico,
desenvolvimento prejudicado ou privação.
Atualmente, a violência se configura como um grave problema de saúde pública em diversos
países. Para comprovar isso, é só observar os altos números de vítimas da violência: a cada
ano, mais de um milhão de pessoas morre – e muitas outras sofrem ferimentos resultantes de
autoagressões, de agressões interpessoais ou de violência coletiva, de acordo com a OMS.
Em países como o Brasil, muita gente nasce e cresce em meio a violência. Como resultado,
as pessoas relacionam-se com a violência e por meio da violência. Segundo Hannah Arendt, a
violência é falta de palavra e assim, com falta de palavra, de diálogo, de acolhimento e de
pertencimento, as pessoas passam a usar o corpo e a força física para agredir alguém ou a si
mesmas, expressando-se por meio da violência. Quem a pratica é alguém que não aprende a
usar palavras e naturaliza o modo de comunicação violento (ARENDT, 1993).

VIOLÊNCIA SOCIAL
Podemos abordar violência como desigualdade estrutural da sociedade, ou seja, a
desigualdade (social e econômica, sobretudo) também é uma forma de violência. O fato de
termos tantas pessoas no País vivendo abaixo da linha de pobreza, sem acesso a alimentos, à
saúde ou à educação de qualidade indicam desigualdade, pois existem, no mesmo Brasil,
pessoas vivendo com muito mais do que precisam para sobreviver. Essas desigualdades
são consideradas violências sociais.
A desigualdade não é medida por níveis de pobreza ou de riqueza de uma região, cidade ou
país, e sim pela diferença de concentração de renda entre as pessoas que habitam a mesma
região, cidade ou país. Neste sentido, o Brasil não é um dos países mais pobres nem mais
ricos
do mundo, mas é um dos países do mundo com mais desigualdade na distribuição de renda.
Mesmo na região da América Latina, onde a desigualdade de riqueza é superior do que em
outras regiões do mundo, o Brasil destoa em índices ainda maiores. O Coeficiente de Gini do
país, ou seja, o indicador que mede a concentração de renda, era de 84,5, um dos mais altos
do mundo, enquanto Chile e México apresentavam, respectivamente, 79,4 e 80,4 pontos.
Segundo o Relatório sobre a Riqueza Global de 2022, do Banco Credit Suisse, no ano de
2021, quase a metade da riqueza do País (49,3%) pertencia a 1% da população mais rica. Ou
seja, os outros 99% da população dividem-se, ainda de forma desigual, na distribuição dos
50,7% da riqueza. Esse desnível na distribuição de renda está relacionado ao aumento de
criminalidade para casos de roubo, furto etc. Países que mais registram casos de violência não
são os países mais ricos (como Catar e Suíça) nem os mais pobres (como Somália e
Moçambique), mas os mais desiguais, como Brasil e África do Sul (World Inequality Lab
(Laboratório das Desigualdades Mundiais).

ESTIGMAS E PRECONCEITOS

Ampliando um pouco a reflexão, podemos dizer que as desigualdades sociais não são apenas
econômicas, mas podem significar oportunidades diferentes na vida em razão de diferenças de
gênero, diferenças raciais ou diferenças de origem. Na sociedade em que vivemos, algumas
pessoas têm privilégios relacionados ao lugar social de onde nasceram e outras, ao contrário,
sofrem discriminações por características sobre as quais não têm controle (a condição
econômica com que cresceu, o bairro onde mora). Sofrendo preconceito e pelos estigmas que
carrega de forma constante, pode ter sua evolução social prejudicada.
O não-respeito às diferenças, o estigma social e o preconceito contra pessoas que fogem ao
modelo hegemônico de vida são fatores de violência em si. Esses fatores também podem
explicar o processo gerador de violências justificadas por questões preconceituosas.
Muitas mulheres no Brasil são vítimas de violência no âmbito doméstico, acarretando,
inclusive, em mortes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, embora os feminicídios (crimes
motivados pelo gênero) tenham diminuído no primeiro período de 2023, com relação a 2022
(com registro de 32,2% a menos de casos), outros indicadores de violência contra a mulher
sofreram expressiva piora, como o aumento do número de tentativas de feminicídio (9,4%),
lesão corporal (12%) e ameaça (7,3%), de acordo com a Secretaria da Segurança Pública do
RS.
Outras tantas pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer ou intersexuais (LGBTQI)
também são vítimas de preconceitos, violências verbais, físicas e, com frequência, mortes.
O racismo é também um tipo de preconceito que tem muitas consequências. Na história do
Brasil, desde o período colonial, há um histórico de racismo e opressão cuja fonte é a
escravidão de pessoas. E, uma vez escravizadas, as pessoas sofreram agressões de todo o
tipo, além de mortes. O discurso utilizado era de que as pessoas escravizadas eram seres
“inferiores”. Hoje em dia, a escravidão, como prática autorizada, foi abolida, mas ainda deixa
suas marcas, que se expressam nas várias formas de agressão, desigualdades e violências
vividas pelas pessoas negras.
Outros preconceitos importantes também são aqueles relacionados à idade (de crianças e
adolescentes ou idosos); contra indígenas; contra pessoas pobres (aporofobia); contra pessoas
estrangeiras (xenofobia), contra pessoas portadoras de deficiência física ou mental, entre
outras tantas formas discriminatórias.
Em resumo, as diferenças sociais, os estigmas e os preconceitos são formas de violência – e
têm sido usados justamente como justificativas para que as agressões ocorram.
DISCRIMINAÇÃO
A discriminação é a resposta comportamental causada por essas atitudes negativas, colocando
em prática os efeitos dos estigmas e/ou dos preconceitos. As manifestações cotidianas
baseadas em preconceitos muitas vezes são naturalizadas, tanto que várias vítimas não se dão
conta que estão efetivamente sendo vítimas, pois aquele sempre foi o tratamento que
receberam. Não quer dizer que não sofram, mas aprenderam a considerar normal o que
sofrem. E tais violências não são apenas interpessoais, mas podem ser praticadas pelas
instituições ou dentro das instituições.

VIOLÊNCIA EM CADA CULTURA


É importante ter em mente que o que é considerado violência muda, conforme a cultura de
cada lugar e em cada época. Há culturas e países em que, por exemplo, as meninas são
obrigadas a casar-se com os homens aos quais foram prometidas ou vendidas antes mesmo
de nascer, muitas vezes. Em outros lugares do mundo, estas práticas não são aceitas como
naturais, sendo consideradas violência contra o gênero feminino e contra as crianças e
adolescentes.

VIOLÊNCIAS QUE SÃO CRIMES PREVISTOS NA LEI


Há, ainda, tipos de violência que estão previstas nas leis dos países como crimes, em que
o(a) agressor(a) pode ser processado(a) e punido(a). É o caso do Brasil, em que temos vários
crimes previstos no Código Penal relacionados a agressões físicas (lesões corporais e morte),
agressões psicológicas (violência psicológica contra a mulher e crianças, por exemplo),
ofensas e agressões preconceituosas (crimes contra a honra, racismo, homofobia, entre
outros). Esta previsão normativa significa que o estado tem o dever de proteger a sociedade e
as pessoas, em particular, das agressões que sofram, porque o esperado nesta sociedade é
que todos sejam livres para o exercício de suas individualidades e que sejam respeitados em
sua dignidade humana.
Infelizmente, a previsão na lei não elimina os casos de agressão, nem significa que todos os
casos sejam devidamente punidos. A lei ajuda a inibir alguns comportamentos violentos ou
preconceituosos, mas é preciso bem mais do que a lei para mudar a cultura e o modo como a
sociedade aceita determinadas práticas.
E, por fim, existem agressões ou formas de violência que não estão tipificadas na lei. Ainda
que não estejam descritas como crime, não significa que sua prática não seja igualmente
danosa – e não que precise ser condenada. Conforme a sociedade evolui, novas tipificações
precisam ser consideradas. É o caso de crimes virtuais, como ameaças, cyberbullying e
exposição íntima, que apenas recentemente foram tipificados na lei penal e, agora, preveem
penas específicas para cada conduta.

TIPOS DE VIOLÊNCIA
A violência pode ser classificada a partir do que sofrem as vítimas:
• Interpessoal: quando uma pessoa agride outra. Pode ser um familiar, na comunidade, na
escola ou na rua.
• Coletiva: quando é dirigida a um grupo social, podendo ser política, econômica ou social.
• Autodirigida: quando o ato é causado contra si, como a automutilação, o abuso de drogas ou
comportamentos suicidas.
Também pode ser classificada a partir do tipo de violência:
• Violência física: quando fere o corpo das pessoas.
• Violência sexual: quando é imposto uma experiência sexual a alguém que não autorizou ou
que não tem discernimento para fazê-lo.
• Violência psicológica: quando atinge o lado emocional das pessoas, como no caso de
ameaça ou ofensas verbais.
• Violência por privação ou abandono: quando a agressão atinge outros direitos do sujeito,
como, o direito de ir e vir, o direito à alimentação etc.

BULLYING
O tipo de violência caracterizado pelo bullying merece atenção especial, especialmente no
contexto escolar. Para compreender e conseguir manejar a ocorrência de bullying nas escolas,
é preciso abordar o tema não apenas com o corpo docente e com pais/ responsáveis, mas
também com os(as) próprios(as) estudantes.
Bullying é uma palavra em inglês, não traduzida para o português, que foi incorporada na
nossa língua há alguns anos. Embora a palavra seja relativamente nova, a prática de atos
agressivos pelas crianças e adolescentes no espaço escolar ou outro ambiente infantil é muito
antiga. Bullying diz respeito a toda a forma de agressão praticada ou sofrida de modo contínuo
ou repetido entre crianças e adolescentes.
Algumas vezes, a prática repetida de bullying faz com que a vítima acumule muito sofrimento,
o que pode levar a que atue também de forma agressiva contra si ou contra os outros.
Conforme dados de pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em 2021, aproximadamente 40% dos estudantes são vítimas dessa prática, sendo alvo de
provocações e intimidações feitas por colegas. Na rede pública, o aumento de registros
cresceu de 28,9% para 39,9%, de 2009 a 2019, sendo que entre meninos o aumento de
registros foi de 3,4% (de 32% para 35,4%) e entre as meninas de 28,8%, no mesmo período.
Esse número pode ser ainda maior, considerando que muitos(as) crianças e adolescentes têm
dificuldades de identificar e falar sobre seu sofrimento.
Há vários tipos de bullying. Vamos abordar os mais frequentes:
• Físico: socos, chutes, tapas, enforcamentos, puxões de cabelo e toda a forma de agressão
física imposta.
• Moral: insinuações, difamações, mentiras contadas sobre a pessoa, exposição de conteúdos
pessoais para que outros vejam, exposição do outro a situações vexatórias.
• Psicológico: intimidações, ameaças, chantagens, ridicularizações, risadas,
exclusão deliberada de grupos, apelidos vexatórios, xingamentos.
• Patrimonial: destruição de objetos da vítima (como roupas ou materiais escolares), furtos e
roubos.
• Cyberbullying: todo tipo de agressões e exposições citadas acima que sejam iniciadas ou
reproduzidas em meio virtual (mensagens, vídeos, áudios e outros divulgados via WhatsApp,
sites, blogs e demais meios da internet).
Importante lembrar que embora o “bullying” seja um conceito social e não jurídico (ou seja, não
existe previsão do “crime de bullying” na legislação penal ou como ato infracional, se praticado
por adolescentes), diversos crimes podem ser praticados por meio do bullying: o bullying moral
pode configurar crime de injúria, o físico como crime de lesão corporal e o bullying sexual como
estupro, importunação sexual ou
assédio sexual. Além disso, o bullying também pode gerar indenizações por danos morais,
pagamento de multas e obrigação de retratação pública, ainda que entre adolescentes.

PARA FINALIZAR
Um problema tão complexo como a violência não é de simples superação.
Porém,compreender seus mecanismos, suas dimensões e suas consequências pode nos
ajudar a lidar com a violência cotidiana e contribuir para que não se reproduza, evitando o
sofrimento que crianças e adultos podem levar – e vir a reproduzir – para o resto de suas vidas.

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