IED - 1º Teste

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Introdução ao Estudo do Direito

RESUMOS 1º TESTE

ÍNDICE:
• O CONCEITO DE DIREITO

• O DIREITO E AS OUTRAS NORMATIVIDADES

• AS FINALIDADES DO DIREITO

• O CONCEITO DE SISTEMA JURÍDICO E OUTROS CONCEITOS AFINS

• PRINCÍPIOS E NORMAS

• TEORIA DA NORMA JURÍDICA

• O DIREITO E OS FACTOS

• VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA

• DIREITO E CIÊNCIA

• CIÊNCIAS DO DIREITO

• DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO

• OS SEUS PRINCÍPIOS

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Introdução ao Estudo do Direito

TEMA I - O CONCEITO DE DIREITO


1. APROXIMAÇÕES: SENTIMENTO DE JUSTIÇA, EXPERIÊNCIA PESSOAL E JURÍDICA
DO DIREITO

O estudo do Direito é, especi camente, um estudo de livros e não de coisas, fenómenos


ou números, e, por isso, não precisas de aparelhos ou laboratórios. Ainda que seja
tendência falar do direito como uma ciência social, devemos recusar esta classi cação,
já que o direito pertence às humanidades, ou, às ciências humanísticas.

De uma forma simples, esses mesmos livros, dizem respeito a propostas de soluções
para a resolução de con itos. São, assim, o objeto de estudo do direito, já que o seu foco
é a resolução de problemas da sociedade e não a sociedade em sim mesma. Como
sabemos, o Homem é dotado de vontade própria e nem sempre se conforma com o
esperado e ditado por outras vontades, ou simplesmente pela lei. Assim, o estudo do
direito, é um estudo de casos, os chamados casos práticos, que na sua origem latina se
relaciona com aquilo que hoje chamaríamos de acidente. Também com o uso da palavra
“caso” como objeto do estudo do direito, encontramos a associação à palavra causa,
uma vez que cada con ito é uma causa, no sentido de razão que justi ca um ato.

“Ubi homo, ibi societas. Ubi societas, ibi ius” - onde está o homem, há sociedade. Onde
há sociedade, há direito. O ser humano é um ser social que necessita de viver em
sociedade, que constrói o seu próprio ser e a sua cultura. No entanto, temos uma enorme
falta de instintos e essa falta que é auxiliada pelas normas sociais, normas essas onde
está inserido o direito.

2. O TERMO DIREITO: APROXIMAÇÕES ETIMOLÓGICAS

Quando estudamos o conceito de direito, pela sua origem etimológica, percebemos que
deriva da palavra latina derectum (reto), por oposição ao torto. Os latinos utilizavam esta
palavra para descrever aquilo que, hoje em dia, é o nosso signi cado de direito. No
entanto, a palavra que efetivamente representava o termo era ius. Apesar de não se usar
o termo ius em representação da palavra direito, há reminiscências dela em diversas
palavras como: jurista, jurídico, jurisprudência e justiça, que tem um especial destaque.

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A justiça foi entendida ao longo da história e ainda hoje de diversas formas. Sendo uma
das mais antigas, a tradução para virtude. Assim a justiça era a virtude de saber dar a
cada um aquilo que é seu. No entanto já Platão dizia na sua obra República:

“o bom juiz não deve ser novo, mas idoso, tendo aprendido tarde o que é a injustiça, tendo
se apercebido dela sem a ter alojado na sua própria alma, mas tendo-a observado como
coisa alheia nos outros, durante muito tempo, para que, servindo-se do saber, e não da
experiência própria, compreenda o mal que ela é.”

Mais claramente a rmando que a Justiça é a virtude suprema, que reúne em si todas as
outras virtudes: sabedoria, coragem e temperança. Mais tarde, a Justiça foi entendida
também como prudência. Assim a jurisprudência seria a ciência do justo e do injusto que
veio exigir um tipo de ensino especializado.

3. ACEÇÕES DO TERMO “DIREITO”

Se olharmos para o Direito procurando a sua compreensão desde o ponto de vista do


cidadão comum, veri camos que ele nos apresenta uma dupla aceção: direito objetivo/
normativo e direito subjetivo. Na linguagem jurídica, o termo direito aparece muitas vezes
utilizado com diferentes sentidos que também foram variando ao longo do tempo. Assim
podemos ouvir falar em:

- Direito Objetivo: Conjunto de normas suscetíveis de serem aplicadas pela força que
regulam a vida da sociedade. Estas normas provêm de uma autoridade com
competência para as criar. É um direito corporizado em norma jurídica e regula a
ação individual. (Ex: Estudou direito em Coimbra)

- Direito Normativo: Referimo-nos às diferentes formas que o direito assume enquanto


realidade humana. É o direito enquanto imposição geral, sob a forma de uma norma
ou um conjunto delas. (Ex: O direito portugês é progressista)

- Direito Subjetivo: É o direito individual de cada um. Uma pessoa é titular do direito e
tem o poder de exigir ou pretender de outrem um certo comportamento positivo
(ação) ou negativo (omissão). No direito subjetivo existe sempre um direito e um
dever. O direito é o poder de exigir e pretender, e o dever é o comportamento
positivo ou negativo. (Ex: O direito do inquilino foi lesado)

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- Ciência do Direito: Consideração do Direito enquanto ciência (há quem diga que
direito não é uma ciência mas sim uma arte). É o estudo do Direito enquanto área do
saber nas suas múltiplas concretizações. (Ex: estudo do direito)

Após um pequeno conhecimento sobre as várias aceções do direito, é correto


desenvolver a relação existente entre o direito objetivo e subjetivo. O objetivo é aquele
que impõem as normas criando um impacto na vida dos cidadãos, impacto este que
pode ser medido através dos direitos subjetivos. Podemos então dizer que o direito
subjetivo vem do objetivo. O direito objetivo é visto como o direito originário e o subjetivo
como o metonímico. O direito objetivo cria uma consequência jurídica que é “dar-me” um
direito subjetivo. Para conseguirmos exigir algo dos outros, exercer o nosso direito
subjetivo, temos de invocar os direitos objetivos. Normalmente para fazer cumprir os
nossos direitos subjetivos temos de recorrer a uma instância superior, no entanto, existem
direitos subjetivos tão fortes que permitam que os indivíduos façam os seus direitos
serem cumpridos sem necessidade de recorrer a algo superior - os direitos protestativos.
Ex: Eu tenho direito à vida, um direito objetivo, logo se alguém me atacar eu posso
ripostar.

4. O LEGADO HISTÓRICO DO POSITIVISMO E DO JUSNATURALISMO: DN E DP

O mundo jurídico tem vivido historicamente em 2 grandes conceções, ou modos de


explicação e compreensão, do direito: o jusnaturalismo e o juspositivismo. O resultado
destas duas maneiras de olhar para o direito são o direito natural e o positivo. A grande
diferença entre as duas correntes de pensamento é que enquanto o jusnaturalismo
acolhe a noção de Direito Natural, o juspositivismo rejeita-a.

Direito Positivo Direito Natural


Tem origem no homem, sendo um conjunto de A sua origem entra no domínio divino, do
leis e normas por ele criado. Reconhece a mitológico e sociológico. Defende que existe um
existência fáctica do direito na sociedade em conjunto de valores e regras, não voluntárias,
que vivemos, produto da vontade humana, que se aplicariam necessariamente à vida do
normas sociais de caráter obrigatório, criado e homem em sociedade. São as leis que se
aplicado por estruturas sociais de autoridade. O impõem de modo a organizar a sociedade, tendo
direito é positivado e posto pelo homem. O uma validade intrínseca. Não necessita de
direito positivo não contraria nem é alternativo ao concreta vigência ou positivação, pois paira
Direito Natural, este deve ser a sua sobre as realidades jurídicas, inspirando-as,
concretização para casos especí cos, pontuais: julgando-as. É algo imanente ao Homem e às
para os casos da vida. E deve ser justo. coisas da natureza e não da razão.
“Dura lex sed lex” “Lex iniusta non est lex”

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JUSNATURALISMO
Não se deve confundir Direito Natural com jusnaturalismo. O primeiro é concebido pelos
jusnaturalistas como uma realidade jurídica, por outro lado, o jusnaturalismo é a
interpretação ou a doutrina sobre o direito. O jusnaturalismo foi a primeira corrente a
surgir, aparecendo no século V a.C. Foi nesta loso a que o direito grego e romano se
sustentou, cada um com a sua maneira de interpretação. Independentemente da loso a
jusnaturalista a que nos referimos, é sempre notória a presença de um direito ambivalente
(DN vs DP) em que o direito positivo se positiva sempre no direito natural. Deste modo,
sabemos que para todos os jusnaturalistas o direito tem uma componente da vontade
humana, mas também uma componente de direito natural. Assim sendo, o direito natural
é de caráter suprapositivo, servindo de fundamento e de crítica ao direito positivo. O
direito natural não tem origem voluntarista, mas impõem-se à vontade humana, tendo
validade intrínseca e não dependendo do efeito cumprimento.

Historicamente, existiram duas grandes correntes aglutinadoras do pensamento


jusnaturalista: o Realismo Clássico e o Jusracionalismo.

REALISMO CLÁSSICO
Antiguidade clássica até ao séc.17
Corresponde a um modo de compreensão do direito em que não existe uma
verdadeira separação entre direito natural e direito positivo. Concebe-se o direito
natural como direito objetivo, com uma dimensão real. Procura o direito nas coisas
e nas relações axiologicamente corretas. O direito natural era visto como
fundamento e medida de uma ordem unitária que comporta essa dupla face.
Ao aplicar direito, aplica-se de igual forma as duas conceções de direito, sendo
que os tribunais decidem aplicando o conjunto - sempre com o direito positivo
subjugado ao natural. Na corrente realista clássica, destacam-se Aristóteles, a
experiência jurídica e S. Tomás de Aquino.

JUSRACIONALISMO
Séc. 17 - 17
Ocorre na época do Iluminismo, onde predominava uma atitude antropocêntrica -
acreditavam que era possível o homem encontrar a racionalidade perfeita. O
conceito de direito natural deixa de ser associado aquilo que era defendido no

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realismo clássico e passa a ser visto como direito perfeito ideal. Seríamos capazes
de o imaginar, mas não era aplicado nos tribunais. O jusracionalismo é um passo
na direção de pensar de outra forma, caminhando para o juspositivismo.

JUSPOSITIVISMO
O jusracionalismo do séc. 18 foi a porta de abertura à rejeição do direito natural, e
consequentemente, à aceitação do positivismo jurídico. Apesar de já existir uma atitude
jurídica, apenas no séc. 20 a expressão positivismo jurídico veio a ser vulgarizada. A
origem da expressão positivismo é bipartida:
- Aparece associada à identi cação do estudo de direito estadual
- Aparece relacionada com o positivismo losó co
Segundo o professor Castanheira Neves, uma característica comum a todas as
subcorrentes do juspositivismo é a sua atitude normativista perante o direito. Uma outra
característica dominante desta corrente é a rejeição do direito natural e da metafísica. As
suas principais linhas de força são: o positivismo francês, o positivismo britânico e o
positivismo alemão.

A. POSITIVISMO FRANCÊS
Foi tributário das ideias jusracionalistas, de defesa de um direito natural de caráter ideal.
Nasce associado à revolução francesa de 1789 e à necessidade de legitimação do poder
revolucionário. Para legitimar o seu poder, os revolucionários recorreram a Rousseau, um
autor francês do Iluminismo, que defendeu que o fundamento do direito é a
vontade geral.

Os revolucionários queriam a rmar que o povo só obedece a si mesmo, mas havia um


problema: eles tinham de obedecer às leis. Para contornar a situação apoiaram-se na
teoria de Rousseau que defendia que as leis são o resultado de uma vontade geral -
distinguindo estas das vontades empíricas, aquelas que dizem respeito a cada um. As
leis são aprovadas pela assembleia, constituída pelos representantes do povo. Ao ter a
maioria da aprovação da assembleia, as leis são perfeitas e expressam a verdadeira
vontade do povo, a vontade geral. Como a lei é a vontade geral, ao obedecer à lei, estão
a obedecer a si próprios. A vontade geral é assim um contrato social, que mais do que a
soma das vontades individuais, é uma vontade objetiva e racional.

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Uma vez que as leis criadas eram consideradas perfeitas, acreditava-se que estas iriam
vigorar para sempre, olhando-se com desagrado para a possível interpretação de uma
lei. Estas eram tão perfeitas que eram quase autoaplicáveis - “o juiz era a mera boca que
pronuncia as palavras da lei”. Com a revolução francesa aparece o primeiro código, o
código de Napoleão. O direito positivo dos códigos era direito natural positivado e única
fonte de direito.

B. POSITIVISMO BRITÂNICO
É uma subcorrente com um pensamento diferente dos outros, que é representada,
principalmente, por Bentham e Austin. Reduziram os princípios morais a uma ética
utilitarista e estabeleceram uma rigorosa separação entre moral (direito natural) e direito.
Este não era a vontade do povo, mas sim a do soberano. Não exerciam as relações
jurídicas como fruto de um dever moral, exerciam-nas por medo da sanção.

C. POSITIVISMO ALEMÃO
Para estes positivistas, o direito natural era visto pela ótica do jusracionalismo. Savigny foi
um autor com maior destaque nesta corrente, tendo procurado olhar para o direito como
algo que surge nas comunidades e nos costumes da sociedade. O nascimento do direito
é explicado pela cultura de cada povo, em cada época histórica. O direito positivo está
ligado à cultura, às vivências e experiências, sendo a expressão do espírito de cada
povo. É uma manifestação cultural da história de cada povo, e por isso, é limitado no
tempo e no espaço.

Como se pode observar, algo comum a todas as subcorrentes é o facto de o direito ser
igual à vontade:

• Positivismo francês: vontade geral


• Positivismo britânico: vontade do soberano
• Positivismo alemão: vontade histórica

Mas se dizemos que o direito é a expressão da vontade de cada uma destas entidades,
estamos a “abrir a porta” das ciências jurídicas para outras áreas.

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5. O CONCEITO DE DIREITO NO SÉC. 20 - ALGUMAS TEORIAS

KELSEN E O POSITIVISMO FORMALISTA


No início do séc. 20 deu-se uma renovação da loso a jurídica, que procurou uma via de
análise do direito alternativa à oferecida por ciências várias, que procuravam explicar a
realidade jurídica sob prismas que implicavam a dissolução em objetos cientí cos mais
vastos. Hans Kelsen foi uma gura de enorme destaque nesta renovação, e recusou as
teorias positivas já existentes. Procurou, então, uma via de análise do direito alternativa,
pois considerou que este, enquanto ciência, devia ter um objeto de estudo só seu.
A “Teoria Pura” do Direito é uma real démarche no sentido de puri car o Direito de todos
os contaminantes externos, isto é, todos os elementos sociológicos, morais, entre outros,
que se colocavam fora dos muros da juridicidade. O autor austríaco deseja manter fora
da esfera da ciência do Direito problemas como o dos valores, por não serem a seu ver
redutíveis a uma explicação de lógica formal, procurando deliberadamente manter-se el
às notas de abstração e historicidade.

A “Teoria Pura” do Direito só é possível graças a dois conceitos base do seu pensamento:

- O de que a norma é sempre uma entidade lógico-hipotética capaz de quali car ou


constituir juridicamente a experiência social, não constituindo comandos ou
imperativos, mas enunciados lógicos que se situam no plano do dever ser

- O Direito é, neste sentido, um sistema escalonado de normas, que se apoiando


umas nas outras, formam um todo coerente, em que cada uma recebe a sua
vigência/validade consoante a norma fundamental, que suporta, em última
instância, a integralidade do sistema.

A ciência jurídica é uma ciência do dever ser na exata medida, em que descreve que
prevêem consequências, tendo por isso natureza puramente normativa. Assim , a norma
jurídica não traduz um comando ou imperativo, mas é antes logicamente indicativa, no
sentido de que liga a concorrência de um facto condicionante a uma consequência ou
ação. De forma distinta, a lei natural expressa uma relação de causa e efeito, que se
impõem inelutavelmente, enquanto a norma jurídica traduz um “dever ser”, que é uma
indicação de consequência. Lei natural é do domínio da causalidade, já a norma jurídica

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é do domínio da imputabilidade. Com efeito, a norma jurídica atua determinado uma


sanção para condutas que violem o juridicamente devido.
Kelsen efetua uma distinção entre vigência (validade) e e cácia:
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diz respeito ao facto de signi ca que os homens
a norma jurídica ser realmente atacam a norma
obrigatória

Só a vigência é uma qualidade do Direito, pois a e cácia relaciona-se com o seu


cumprimento social. A validade da norma jurídica não resulta da sua correspondência
aos factos sociais, nem ao valor do seu conteúdo, mas à sua situação no interior do
sistema, nem ao esquema gradativo que vai até à Grundnorm. Ou seja, a validade da
norma jurídica “age de conformidade com a ordem de competências que decorre da
Constituição vigente”. O normativismo traduziu um esforço de recondução da esfera do
Direito à razão teórica, separando-o da realidade social.

O EMPIRISMO JURÍDICO E O REALISMO JURÍDICO AMERICANO E ESCANDINAVO


A reação ao positivismo legalista resultou na formação de 2 correntes de pensamento
empirismo: o Realismo americano e o escandinavo. Em nada relacionadas com o
realismo clássico, são realismos não porque acreditam nas realidades metafísicas, mas
porque partem dos factos e da realidade social. Ambos partem da ideia da identi cação
entre facto e norma, apenas admitindo regras de direito suscetíveis de veri cação
empírica. A questão da validade do Direito é encarada na absoluta dependência da sua
e cácia. A norma válida é aquela que é efetivamente aplicada pelas autoridades
judiciais. Assume-se, por isso, uma posição crítica face ao pensamento de Kelsen, ao
qual se censura a sua visão da ciência jurídica como ciência normativa, já que toda a
ciência deve construir-se como meramente descritiva, deixando de ter sentido sequer
equacionar o problema da correlação entre ser e dever ser - exclusão do dever ser.
No realismo escandinavo o objetivo da ciência do Direito é o de determinar qual o Direito
vigente. Para isso necessita-se de ter em conta quais as normas que os tribunais
provavelmente aplicarão. Assim, o realismo escandinavo leva em consideração outras
ciências como a sociologia e a psicologia, revelando uma atitude de ceticismo face às
normas jurídicas. As normas, utilizando a linguagem natural, estão sujeitas às mesmas
ambiguidades e deturpações próprias da linguagem comum.

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A importância das normas será apenas ajudar a prever o que os juizes farão. O realismo
escandinavo caracteriza-se pelo seu empirismo extremo: entre facto e norma existe uma
continuidade. Só se reconhecem normas suscetíveis de veri cação empírica. A sua
validade não é intrínseca, mas antes resulta daquele mesmo juízo de probabilidade de
aplicação pelos juízes, que sociedade realiza. Assim, a ciência do Direito deve limitar-se
a estudar o Direito que existe, deixando de lado o problema do dever ser.
Críticas: Ciência das profecias; Sociologia do Direito; necessidade de reconhecimento
de normas gerais.

A SÍNTESE DE HART E A CRÍTICA DE DWORKIN


Hart é a gura mais importante na segunda metade do século 20 no que diz respeito ao
positivismo jurídico. É um autor com uma posição bastante menos formal que Kelsen e,
ao contrário deste, a sua teoria é construída de baixo para cima, parte do modo como as
pessoas agem.
Hart ofereceu-nos uma condensação do positivismo em 3 grandes teses, que mais tarde
foram contestadas por Dworkin:

- O postulado da separação entre Direito e Moral


- A defesa da existência de fontes sociais do Direito
- A existência de uma margem de discricionariedade judicial

Estas 3 grandes teses foram aceites pela maioria dos positivistas e acomodaram-nos na
sua visão de um direito fáctico.
As teorias positivistas criaram um modo alternativo (ao Jusnaturalismo e à moral) de
legitimação do Direito: a regra de reconhecimento. Esta regra trata-se de um expediente
de legitimação meramente formal, que assenta na ideia de que em cada sociedade
existe uma regra, que a própria sociedade autoinstitui, quanto às normas que devem
considerar-se jurídicas e, enquanto tais, vigentes. A questão da legitimação do Direito, da
sua criação, deixa de ser um assunto que diga respeito ao seu conteúdo, para passar a
residir exclusivamente em aspetos formais extrínsecos, como por exemplo, a
proveniência da norma de certos órgãos ou a observância de certo procedimento de
criação. Rejeita-se a ideia jusnaturalista de que o Direito se legitima pela correspondência
do seu conteúdo a certos princípios morais em vigor em cada sociedade.
O reconhecimento de fontes sociais para o Direito é a solução para a pergunta sobre a
origem, sentido e conteúdo exato das normas jurídicas vigentes em cada momento.

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Identi ca-se o Direito com a própria pratica social que determinará quais as fontes
válidas de produção do Direito. Esta compreensão do Direito como conjuntos de normas
haveria de conduzir à inevitável admissão da sua incapacidade para prever e regular
todas as situações jurídicas. Esta incompletude natural do sistema jurídico resolve-se,
nas teorias positivistas, pela adesão à tese da discricionariedade judicial. Cabe ao juiz
decidir, discricionariamente, o que fazer nos casos para os quais não encontre norma
aplicável.

AS TENTATIVAS DE SUPERAÇÃO DA DICOTOMIA POSITIVISMO/JUSNATURALISMO - A


TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO
No séc. 20, muitos tentaram desenvolver uma visão do Direito que pudesse consistir
numa separação da dicotomia positivismo/jusnaturalismo, recusando integrar-se em
qualquer uma destas correntes. Muitas destas novas propostas enquadraram-se na
atitude dita funcionalista do Direito. O funcionalismo jurídico reduz o Direito a um mero
instrumento, no quadro de uma geral mudança de compreensão do ser, que passa a ser
apenas considerado numa perspetiva utilitária, instrumental e consequencialista. Há três
formas de funcionalismo:

- Funcionalismo social de tendência tecnológica restrita


- Funcionalismo económico
- Funcionalismo sistémico

De um modo geral, todos os funcionalismos propõem, sob diferentes abordagens, a


substituição do sentido do Direito pela e cácia e da validade pela utilidade.

A teoria tridimensional do Direito é uma proposta que teve acolhimento em Portugal e


teve como defensor Miguel Reale. Tendo a pessoa como valor fonte, desenvolve-se uma
conceção tridimensional do Direito como facto, norma e valor:

• Hoje o Direito tem de ser percebido como facto ou fenómeno social, como conjunto
de hipóteses com consequências determinadas
• O Homem não deixa de sentir o Direito com a sua identi cação à norma, isto é, a um
conjunto sistemático de regras obrigatórios
• O Homem possui ainda, em relação a estas normas, a expectativa da realização
através delas de certos padrões axiológicos

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O Direito é tridimensional na medida em que se apresenta como elemento normativo que


disciplina comportamentos humanos, pressupondo uma situação de facto e referido a
valores determinados. Esta visão do Direito justi ca também que ela tenha de ser
estudada numa tripla perspetiva:

• Como valor: mediante a loso a do Direito (axiologia) e a política do Direito


• Como norma: objeto das ciências jurídicas materiais e da loso a do Direito
• Como facto social: objeto da história do Direito, da sociologia, da antropologia
jurídica e do Direito comparado.

Facto Valor

Norma

TEMA II - O DIREITO E OUTRAS NORMATIVIDADES SOCIAIS


1. O PAPEL COADJUVANTE DAS NORMATIVIDADES NÃO JURÍDICAS E A CRISE
DO DIREITO

Não é apenas o Direito que nos oferece uma experiência normativa. Veri camos que
também com o Direito convivem outras formas de normatividades, tais como:

- Normas de trato social e cortesia: determinam a forma como nos saudamos e


resultam dos usos sociais em geral
- Normas religiosas: associadas a praticas religiosas concretas adotadas por certos
núcleos de cidadãos
- Normas de moral: instituem um conjunto de obrigações de conteúdo ético aceites na
sociedade, atendendo aos valores aí recebidos

A tentativa de compreensão do conceito de Direito tem sempre de contar com a


necessidade de explicitar as características especi cas da norma jurídica, em confronto
com outras formas de normatividade social indicadas.

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Introdução ao Estudo do Direito

Nas sociedades ocidentais não existe uma combinação entre Direito e religião. No
entanto, é importante admitir que a mera presença social destas restantes formas de
vinculação dos cidadãos a um “dever ser”, não deixa de representar um precioso auxílio
para a e cácia do Direito, na medida em que este faz uma indicação de conduta
coincidente com a daquelas.

Num caso como o da criminalização do homicídio, este preceito jurídico resulta forçado
na sua e cácia social, pela adesão espontânea dos membros de uma sociedade que
aceita simultaneamente como norma moral, e até religiosa, a proibição de matar. O
Direito necessita da moral para obter uma mais perfeita adesão dos cidadãos às suas
diretrizes, isto é, necessita de ser suportado pela consciência ética da comunidade.
Também o inverso é verdadeiro, ou seja, que a admissibilidade jurídica de certa prática
social pode ter um efeito sobre a sua aceitabilidade moral, jogando com uma perceção
social frequente, que pressupõe a existência de coincidência entre Direito e moral. Nem
tudo o que é lícito é honesto, mas isso não obsta à persistência de uma certa
identi cação social entre Direito e ética, em geral. Certos setores sociais têm sido
historicamente tentados a recorrer às normas jurídicas para impor certos valores morais
que não registavam su ciente acolhimento espontâneo das populações.

2. PRÁTICAS SOCIAIS E MORALIDADE

Existe uma distinção clássica entre práticas sociais ditas normativas e não normativas.
Esta distinção assenta no facto de nem todos os usos sociais serem percebidos como
vinculativos pelos membros da sociedade. Todas as sociedades assumem, com caráter
de regularidade, certos usos sociais, que fazendo parte da sua cultura, não são
reconhecidos como tendo caráter obrigatório, como, por exemplo, a forma de vestir,
existência de hábitos sociais relativos às rotinas diárias, entre outros.

Por outro lado, existem práticas sociais que têm um elevado destaque por assumirem um
caráter de obrigatoriedade social - de “dever ser”-, existindo uma pressão social com
vista ao seu cumprimento e, em consequência, um juízo de reprovação em caso de
violação: os usos sociais vinculativos (regras de trato social; normas morais propriamente
ditas).

O segundo grupo de normas sociais apresenta uma inegável semelhança com as normas
jurídicas, quer pela sua natureza impositiva, quer pela existência de uma certa forma de

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coação, em que vem consistir o juízo de reprovação social. Os traços que permitem
distinguir as práticas sociais normativas e normas jurídicas são:

- Caráter institucional da coação própria da norma jurídica


- Segurança jurídica e certeza oferecidas pela sistematização das normas jurídicas
- Aplicação judicial pelo recurso à gura do juiz no caso de violação da norma
jurídica

Mesmo no seio das normas morais, houve ainda quem identi casse 3 tipos de regras
éticas de acordo com a sua fonte:

• Moral individual: cada um forma para si próprio, a partir da ideia de bem aceite, numa
con guração pessoal
• Moral religiosa ou losó ca: assenta sobre uma crença partilhada por um dado grupo
social em certa religião, ou loso a, e cujo código ético se aceita voluntariamente
• Moral social ou positiva: corresponde às exigências éticas de certa sociedade, num
dado momento, traduzíveis pelos usos ou praticas sociais aí aceites, com caráter
vinculativo

Os autores destacam a existência de uma intercomunicação entre estes distintos níveis


de moralidade, sendo o mais signi cativo, em última instância, o relativo à moral
individual.

Práticas sociais
não normativas

Normatividades
sociais não Ordem Jurídica
jurídicas

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Introdução ao Estudo do Direito

3. NOTAS DISTINTIVAS DA NORMA JURÍDICA NA HISTÓRIA DO PENSAMENTO


JURÍDICO: DE THOMASIUS A KANT

Aquando da distinção entre direito e moral, a análise levada a cabo pela Escola de Direito
Natural, sendo ela a primeira referência doutrinal, visualiza a norma na ideia de contrato e
na vontade individual, servindo de base a teorias como as de Thomasius e Kant.

THOMASIUS
A primeira doutrina sobre os critérios distintivos das normas jurídicas e morais foi
elaborada por Thomasius.
Este autor estabeleceu a distinção sobre o critério da exterioridade vs interioridade e
também da coercibilidade vs incoercibilidade.

Exterioridade - esfera do Direito


Interioridade - esfera da Moral
A ação do homem desenrola-se no plano
A ação do homem desenrola-se no plano
externo/social, de interação com os outros. O
interno, da consciência. Apenas o homem
homem está sujeito à sindicância dos seus
pode atuar como juiz da bondade dos seus
comportamentos, perante uma autoridade
pensamentos.
social externa.

Coercibilidade Incoercibilidade
Sendo a esfera do Direito, o plano da Sendo a esfera da Moral, o plano da
exteriorização dos nossos comportamentos é interiorização, esta a gura-se incoercível, já
possível notar que as autoridades sociais que atua na consciência, que é insondável. Se
competentes possam atuar para exigir a o cumprimento da norma moral for extorquido
conformidade das nossas ações aos ditames pela força, deixa de poder ser visto como um
das normas jurídicas. ato moral.

KANT
O contributo de Kant for ter acrescentado uma outra característica que permite realizar a
distinção entre Autonomia da Moral vs Heteronímia do Direito.

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Heteronímia do Direito
Autonomia da Moral
O Direito é heterónimo, na media em que a
Pertence à moral no sentido em que exige a
adequação ao sentido da norma assenta,
conformação do indivíduo com a regra moral,
pura e formalmente, sobre a conduta do
por imperativo categórico, autonomamente
indivíduo independentemente de esta ser
reconhecido e imposto.
motivada por interesse.

4. CRÍTICA DAS NOÇÕES DE EXTERIORIDADE E COATIVIDADE ASSOCIADAS AO


DIREITO

Na perspetiva de Kant, as noções de exterioridade e coatividade associadas ao Direito


são passíveis de crítica, dado que nem sempre ao Direito basta a conformidade
extrínseca, tal como nem sempre o Direito apenas atende aos problemas relativos à
exteriorização do comportamento.
Por exemplo, na interpretação de contratos, na distinção entre dolo e erro na formação de
vontade e na questão da intenção do agente na prática do crime.

5. A PROPOSTA DE MIGUEL REALE: A BILATERALIDADE ATRIBUTIVA

Mais recentemente, a estas características distintivas das normas morais e jurídicas,


Miguel Reale adicionou a bilateralidade atributiva, que pressupõe a alteralidade e uma
relação jurídica na qual se atribuem direitos e deveres, em certa proporção,
objetivamente estabelecida. Os seus elementos são:
- A objetividade do valor que instaura
- A bilateralidade ou alteralidade: o facto de com os direitos virem os deveres
diferencia o direito da moral, porque os deveres fazem parte do direito. No entanto,
esta bilateralidade não se destaca na moral, uma vez que não temos ‘direitos’. A
maneira como agimos não nos dá direitos, mas temos sempre o dever de agir
conforme a moral.
- A atributividade: o facto de o direito nos dar o poder de exigir algo de alguém,
enquanto a moral não pode ser forçada, pois perde o seu traço de moralidade.
- A garantia de exigibilidade

“Há bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma
proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer garantidamente algo”

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Introdução ao Estudo do Direito

6. A TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO. INTERSEÇÕES ENTRE NORMAS JURÍDICAS E


NORMAS MORAIS

Foram referidas as diferenças entre as normas jurídicas e morais. No entanto, não deixam
de existir semelhanças que são, para alguns, irrelevantes. Porém, para os restantes, são
necessárias na medida em que o Direito seria o mínimo da moralidade necessário tornar
obrigatório de modo a assegurar a sobrevivência do homem em sociedade.

De acordo com a teoria do mínimo ético, defendida por José Dias Ferreira no século XX, o
Direito é o mínimo de moralidade que é necessário tornar obrigatório para assegurar a
sobrevivência do Homem em sociedade. Assim, tudo aquilo que é jurídico é moral, mas
nem tudo o que é moral é jurídico: o Direito vinha, por esta via, a coincidir com um núcleo
duro da moral e um mínimo de exigência ética. Esta teoria não colhe, na exata medida em
que encontramos no Direito normas que são neutras do ponto de vista ético e até normas
contrárias às exigências éticas, em obediência a outras nalidades que o Direito também
visa.

De acordo com a teoria do mínimo ético, defendida por José Dias Ferreira:

Moral

Direito

Aquilo que é aceite pela maioria, a realidade:

Direito Moral

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Introdução ao Estudo do Direito

7. A ÉTICA NO DIREITO: A AXIOLOGIA JURÍDICA - CONCEITOS DE VALO,


PRINCIPIO, NORMA E FIM

A axiologia jurídica corresponde ao estudos dos valores efetivamente presentes no


Direito. Permite-nos realizar uma mais correta interpretação das normas e,
consequentemente, uma mais perfeita aplicação do Direito. A categoria princípio não se
pode confundir com a de norma (que é determinada face a este, e não o contrário) nem
com a de valor.

Um Princípio é um padrão que deverá ser observado, não porque favoreça ou assegure
uma situação económica, política ou social que se considere desejável, mas porque é
uma exigência da justiça, da equidade ou de alguma outra dimensão da moralidade. Os
princípios não são a justiça ou equidade, mas algo que decorre destas entidades, da
esfera ética. Os princípios representam mandatos de otimização, enquanto as normas
representam mandatos de determinação. As normas distinguem-se dos princípios
porque contém uma instrução, preceito ou imposição imediatamente vinculantes,
enquanto os princípios não são imediatamente aplicáveis, sem a mediação do legislador
ou juiz. Os princípios precedem e determinam as normas e é dos valores que derivam os
princípios.

Resumindo, os princípios precedem e determinam as normas, e é dos valores que


derivam os princípios. O conceito de m, suscetível de alguma confusão, distingue-se
por constituir um valor racionalmente reconhecido como motivo de conduta.

TEMA III - AS FINALIDADES DO DIREITO


1. UMA CONCEÇÃO FINALÍSTICA DO DIREITO OU UMA CONCEÇÃO
FUNCIONALISTA

Existe uma clara relação entre as diferentes conceções losó cas sobre o Direito e o
reconhecimento, ou não, da sua vinculação a certas nalidades. O jusnaturalismo
mostrou-se, desde o início, mais recetivo a esta vinculação, pelo espaço que concedeu
ao conceito de valor no contexto jurídico, tendo por isso adotado uma abordagem
nalista ao Direito, com especial destaque para a ideia da realização da Justiça. Por outro
lado, o juspositivismo parece, nas atuais reformulações, mais apto para criar as

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Introdução ao Estudo do Direito

condições para um entendimento do Direito alheio à ideia de nalidade e mais próximo


da ideia de função.

Castanheira Neves adota uma conceção do Direito alinhada com a ideia de que o Direito
é uma ordem com sentido e que esse sentido do Direito lhe é dado pelas “intenções
axiológicas” a cumprir. Ou seja, uma ideia de que o Direito resulta de uma escolha
humana realizada tendo em vista que se cumpram certas e determinadas expectativas.

O conjunto de características sobre as normas jurídicas, ainda que explique a sua forma
de atuação, não é um veiculo adequado para proceder à sua fundamentação, só
acontecendo com uma conceção nalista do direito. Um dos problemas mais levantados
acerca das conceções nalistas tem a ver com o caráter objetivo ou subjetivo das
nalidades atribuídas ao Direito: os céticos dirão que estas são sempre variáveis e de
acordo com as personalidades dos diferentes sujeitos do direito. A nalidade do Direito
pressupõe a ideia de que o Direito existe sempre em contexto social, logo é a expectativa
do tudo social sobre o Direito aquela que importa e não a que corresponde ao interesse
de cada um.

Os ns associados ao Direito:
- Justiça
- Ordem e paz social
- Segurança jurídica
- Bem comum
- A liberdade e a igualdade

2. GRANDES FINALIDADES DO DIREITO

JUSTIÇA
É a mais tradicional das nalidades associadas ao Direito, presente já na loso a grega,
signi cando, segundo Ulpianus, a perpétua e constante vontade de atribuir a cada um o
que é seu. Um dos problemas gerais que pode suscitar-se tem a ver com a coexistência
destes valores, por exemplo, a segurança jurídica pode parecer obrigar ao cumprimento
da lei injusta. Prefere-se uma noção de justiça em que esta pode entender-se como
síntese das exigências de igualdade, liberdade, segurança e legitimidade. Exige-se a
necessidade de que se pense a justiça em termos substanciais, em permanente esforço
de aperfeiçoamento, mas como objetivo constante e intrínseco à própria ideia de Direito.

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Introdução ao Estudo do Direito

ORDEM E PAZ SOCIAL


O Direito institui uma ordem na nossa vida social e oferece critérios de resolução de
con itos e recomposição de paz social. Até mesmo o Direito injusto pode criar ordem e
paz social. A existência de paz social encontra-se associada à própria segurança jurídica
que constitui uma sua condição.

SEGURANÇA JURÍDICA
Por segurança entende-se o desenvolvimento de uma vida normal individual e coletiva. A
segurança jurídica opera em dois planos:

• Plano Externo - Regula o exercício do poder


• Plano Interno - Vem identi cada com o estabelecimento de regras e mecanismo que
dentro do ordenamento jurídico permite conhecê-lo e ter certeza quanto à sua
atuação

O simples facto de existir um ordenamento jurídico assegura aos cidadãos a segurança


externa, independentemente do seu conteúdo, mas um sistema que se estabeleça à
margem da justiça não se mostrará como ordem justa de convivência, mas antes como
resultado da força. O valor da segurança interna, por seu turno, depende não só da
possibilidade de conhecer com certeza o direito, mas também de certa con ança na
maneira como ele irá ser aplicado. Daqui derivam exigências relativas à publicidade das
normas, à sua clareza, à própria irretroatividade que mais tarde se analisarão.

BEM COMUM
As contínuas reformulações das exigências sociais impuseram a sua substituição pelas
expressões “interesse público”, interesse geral ou de “consenso”. Mesmo aceitando que
o justo é a realização do bem comum, várias posições defendem coisas distintas. Reale
a rma que estas posições podem ser:
• Individualistas - identi ca a ordem social justa com aquela que satisfaz o interesse de
cada indivíduo, tendendo estes a harmonizar-se espontaneamente na sociedade
• Transpersonalistas - consideram o bem do todo uma condição imprescindível para a
felicidade individual, propugnando por isso a preponderância dos valores coletivos
• Personalista - argumentando que existe uma permanente tensão entre individual e
social, de modo que um permanente esforço de harmonização seja constantemente
necessário.

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Introdução ao Estudo do Direito

LIBERDADE E IGUALDADE
A liberdade e igualdade estão ligadas à própria ideia de justiça. A liberdade justi ca a
existência de um conjunto de direitos individuais básicos, já a igualdade trata o seu
reconhecimento nos seus amplos termos. Existem dois planos de igualdade:

• Igualdade formal - enquanto simples generalização, isto é, como igualdade de todos


perante a lei e os procedimentos

• Igualdade material - nascida dos obstáculos reais à concretização dos objetivos da


igualdade formal. Trata-se de uma existência de tratamento desigual para corrigir as
desigualdades substanciais, segundo um principio de proporcionalidade.

Hoje há pelo menos, re etido nos diferentes Direitos ocidentais, um tríplice entendimento
da liberdade:

• Liberdade como autonomia na esfera jurídica para atuar sem interferência alheia
• Liberdade como participação na vida política
• Liberdade como prestação a exigir do Estado

TEMA IV - O CONCEITO DE SISTEMA JURÍDICO E OUTROS


CONCEITOS AFINS

1. A IDEIA DE SISTEMA

O desenvolvimento de uma compreensão do Direito por meio de uma ideia de sistema


deve-se ao Iluminismo, uma vez que este tentou reduzir o Direito a um sistema de leis
(naturais e positivas), fechado e estático. Esta ideia interiorizou-se de tal forma na mente
dos juristas que hoje a expressão “sistema jurídico” é sinónima de “direito positivo”. A
teoria pura do Direito assenta na ideia de sistema, esta ideia de sistema é incontornável
já que se encontra presente em múltiplas dimensões da problemática jurídica:

- Para orientar a interpretação


- Para resolver os problemas das “lacunas”
- Para explicar a relação em que o subsistema social do Direito se encontra em
relação com outros subsistemas sociais

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Introdução ao Estudo do Direito

A dogmática tem também focado a sua atenção no conceito de ordenamento jurídico,


enquanto “pluralidade normativa como unidade complexa”, tendo isto trazido algumas
distinções terminológicas:
• Ordenamento jurídico: conjunto de normas, como texto em bruto criado pelo
legislador
• Sistema jurídico: construção efetuada pela dogmática jurídica a partir do
ordenamento jurídico. Produto da atividade da dogmática jurídica que mais do que
descrever, reelabora o ordenamento jurídico. Tem um caráter dinâmico, onde entram
e saem normas.
A entrada e saída de normas do sistema jurídico, dá origem a uma outra precisão
terminológica, onde se prefere o termo sistema jurídico para designar um certo conjunto
de normas determinadas segundo certas coordenadas espácio-temporais, e, reservando
o termo ordem jurídica para identi car uma sequência de sistemas jurídicos.

2. AS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO COMO SISTEMA NA PROPOSTA POSITIVISTA


DE NINO

Santiago Nino procurou condensar os traços distintivos do sistema jurídico. Seriam eles: a
normatividade, a coatividade e a institucionalização.

NORMATIVIDADE
Não é uma característica exclusiva do sistema jurídico, uma vez que coexistem com este
outros sistemas normativos, como a moral e a ética. O sistema compõem-se de um
conjunto de enunciados (normas) de onde podemos deduzir a existência de certas
consequências normativas (permissão ou proibição de certos comportamentos)
associada à veri cação de determinadas ocorrências ou factos. As normas são os
átomos do sistema jurídico, mas nem só de normas se compõem os sistemas jurídicos, os
quais também compreendem enunciados com outro género de conteúdo, por exemplo,
de nições de conceitos.

COATIVIDADE
Nos sistemas jurídicos encontramos a possibilidade de estabelecer uma garantia coativa
de cumprimento de normas jurídicas, que assenta sobre um conjunto de regras cujos
propósito não é senão o de disciplinar o uso da força de autoridade pública. A coação foi
uma das notas distintivas da norma jurídica face a outras normatividades socais,
designadamente a moral.

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Introdução ao Estudo do Direito

INSTITUCIONALIZAÇÃO
Há quem entenda que ainda assim as características anteriores não são su cientes para
estabelecer uma linha clara de fronteira entre sistemas jurídicos e sistemas de natureza
religiosa ou moral. Esta linha só caria nítida pela existência, no sistema, de um conjunto
de normas que permitam não só reconhecer quais as regras válidas que pertencem ao
sistema, mas também as entidades a quem se reconhece socialmente autoridade para
criar, modi car e extinguir as regras do sistema, e bem assim proceder à sua aplicação.
A existência destas normas dentro do sistema jurídico é o que o torna um sistema
institucionalizado.

3. ORDENAMENTO JURÍDICO. ALGUMAS NOTAS CARACTERIZADORAS

Existem, dentro da doutrina do positivismo, algumas notas caracterizadoras do


ordenamento jurídico, tais como, a unidade, a coerência e plenitude, a independência e a
estabilidade.

UNIDADE
Muito embora os ordenamentos jurídicos sejam compostos por uma multiplicidade de
elementos, é necessário que esse conjunto se apresente como uma unidade. Isto
depende obviamente das relações entre as normas jurídicas, devendo estas ser
estruturadas segundo critérios que permitam a sua plena articulação. O ordenamento
jurídico identi car-se-á como um complexo de normas uno, situado em certo momento
histórico e com referência a determinado território.

COERÊNCIA
A coerência é entendida como ausência de contradições entre normas possuidoras do
mesmo âmbito de validade. A probabilidade de encontrarmos dentro do ordenamento
jurídico normas cujo sentido seja contraditório é uma realidade incontornável. As
oportunidades para o surgimento de contradições são demasiado frequentes, uma vez
que são criadas por diferentes órgãos e vários indivíduos - quando 2 normas se anulam
uma à outra, entramos numa anomia.

A coerência do ordenamento jurídico terá de ser encontrada por mecanismos próprios


que permitam resolveras eventuais antinomias, nomeadamente, a hierarquia, a cronologia
e a especialidade.

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Introdução ao Estudo do Direito

A hierarquia trata-se de estabelecer uma hierarquia normativa entre diferentes categorias


de atos provenientes de distintos órgãos dotados de poder normativo, implicando a
imposição de respeito das normas de grau hierárquico inferior face àquelas de grau
superior. Uma eventual contradição se resolve considerando inválido o ato normativo
inferior.
Perante atos normativos do mesmo grau hierárquico com sentidos contraditórios, o
ordenamento jurídico estabelece a prevalência da norma nova sobre a antiga, que se
considera revogada (art.º 7 do Código Civil - tempo) - cronologia.

________________________________________________________________________________
Art.7º
(Cessação da vigência da lei)

1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for
revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas
disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a
matéria da lei anterior.
3. A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do
legislador.
4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.
__________________________________________________________________________

Além disso, nem sempre a existência de contradições em diferentes normas se traduz


numa antinomia. Tais contradições são meramente aparentes e resultam da necessidade
de recorrer a normas que se coordenam entre si segundo uma relação de especialidade.
Tendo regulado em determinado sentido certa matéria jurídica, o legislador sente
imperioso adequar o regime regra estabelecido naquelas normas gerais à feição e
particularidades que lhe são suscitavas por certo núcleo de situações aí compreendidas.
Neste sentido, surge uma norma especial que prevalece sobre a norma geral da sua
aplicação (art.7/ 3 do CC), em relação à qual representa mais do que um simples desvio,
uma verdadeira contradição - especialidade.

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Introdução ao Estudo do Direito

PLENITUDE
A plenitude relaciona-se com a certeza e segurança jurídica que o Direito deve garantir.
A rmar que o ordenamento jurídico pleno implica que nele se contenham normas que se
apliquem a qualquer caso concreto que necessite de uma solução jurídica, excluindo
qualquer hipótese de vazio ou lacuna. Porém, é impossível o legislador criar normas
aplicáveis a todo e qualquer caso que justamente solicitasse o Direito. A plenitude do
ordenamento jurídico não haverá de ser fruto da inexistência de lacunas, mas antes
assenta sobre a existência de soluções que permitam encontrar uma resposta normativa
para aquelas, dentro e fora dos limites do ordenamento jurídico. Essa solução vem sendo
encontrada por diversas vias

• Importa afastar tanto quanto possível as falsas lacunas, aplicando corretamente o


Direito, através da con rmação da inexistência de normas gerais que se apliquem
na ausência de norma especial e do recurso à interpretação extensiva, que permita
ainda alargar o campo de aplicação de uma determinada norma para poder
subsumir-lhe o caso em questão.
• No limite, se todo for impossível encontrar uma norma que se aplique, então recorre-
se à analogia (este mecanismo de integração de lacunas encontra-se regulado no
art. 10º do CC).
________________________________________________________________________________
Artigo 10ª
(Integração das lacunas da lei)

1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do
caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete
criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
________________________________________________________________________________

A analogia assenta um raciocínio comparativo que permite ao intérprete, num primeiro


momento, aplicar uma norma do ordenamento jurídico que regule a matéria semelhante,
e subsidiariamente, se tal não for possível, criar uma norma ad hoc à luz dos princípios
gerais do sistema jurídico.

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INDEPENDÊNCIA
A independência traduz a ideia de que o ordenamento jurídico não poderá estar
submetido a outros ordenamentos de nível superior, estando por isso intrinsecamente
ligado à noção de soberania. Cada ordenamento jurídico vê-se confrontado com a
necessidade de regular situações que possuem conexões relevantes com distintos
ordenamentos além de si próprio. Vê-se também confrontado com a necessidade de
encontrar soluções para problemas cuja natureza e dimensão imponham uma disciplina
regulada por acordo entre os diversos ordenamentos jurídicos (ex: Direito Internacional
Público e o Direito Internacional Privado).

ESTABILIDADE
A estabilidade resulta da prossecução da segurança e certeza jurídicas que se espera
do Direito e, portanto, do assegurar de uma justiça efetiva. Tem-se veri cado uma
tendência crescente para uma multiplicação imparável de leis e regulamentos, cujo efeito
tem sido avassalador. A lei de outrora era uma tentativa de de nição em abstrato de uma
ordem de justiça e estabilidade, onde possibilitava ao cidadão conformar a sua ação com
liberdade e responsabilidade, suportando o compromisso de conhecimento de Direito
(entre nós estabelecido no art.6º do CC), apesar de tudo assumido como exigência
razoável. A lei hoje é sobretudo lei-medida. É uma tentativa de solução e reação face a
problemas concretos, que por isso se multiplica e muda a cada instante. O ónus de
conhecimento da lei acaba convertendo-se numa imposição cínica para o cidadão, em
lugar de serem sinónimo de rede de proteção. Impõem-se que se rea rme a estabilidade
como característica imprescindível dos ordenamentos jurídicos. Esta estabilidade terá de
ser assegurada através de uma estrutura sólida de princípios gerais de Direito, com
assento constitucional.

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Artigo 6º
(Ignorância ou má interpretação da lei)

A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as
pessoas das sanções nela estabelecidas.

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TEMA V - PRINCÍPIOS E NORMAS. TEORIA DA NORMA JURÍDICA


1. PRINCÍPIOS E NORMAS. TIPOS DE PRINCÍPIOS

Existem outras entidades no Direito para além das normas, como, os princípios. Vários
autores se têm referido à existência de princípios de Direito, ainda que com algumas
variações.
Castanheira Neves distingue 3 categorias de princípios:
• Princípios positivos: expressão historicamente determinada de intenções políticas,
sociais, éticas, dominantes na sociedade em certo momento.
• Princípios transpositivos: consistem nos princípios normativos-jurídicos
fundamentais que sobreviveriam às mudanças históricas, convertendo-se em
adquiridos irrenunciáveis da própria ideia de Direito (ex: principio da legalidade,
principio do controlo jurisdicional, principio contraditório)
• Princípios suprapositivos: próprios de instituições jurídicas, que correspondem a
vetores aglutinadores das ideias centrais que presidem ao desenho dos distintos
intuitos jurídicos.

2. DO CONCEITO DE NORMA E SUA ESTRUTURA LÓGICA

A norma tem uma dimensão linguística, dado que toda a norma é uma preposição
normativa. De um modo geral, a norma transmite uma ordem para adotarmos, ou nos
abstermos de certa conduta. A norma realiza a função de enunciar condutas devidas e
enunciar interesses que devam prevalecer.

ESTRUTURA LÓGICA DA NORMA


A estrutura lógica da norma é traduzível pelo seguinte esquema: “Se é X, deve ser Y”.
Cada norma faz depender da ocorrência de certo facto (X), a produção de determinada
consequência que prevê (Y). Em cada norma encontramos uma condição ou pressuposto
fáctico cuja veri cação determinada a produção das consequências jurídicas previstas.
Esta relação entre pressuposto fáctico e consequência jurídica não é de causa efeito -
como as leis naturais. A consequência prevista pelo Direito pode não chegar a veri car-
se em virtude de um conjunto de vicissitudes, naturais ou resultantes da própria ação
humana. Para a hipótese de a norma não ser cumprida, o Direito prevê a existência de
sanções: “Se é X, deve ser Y. Se não for Y, deve ser W”. O mesmo é dizer que se não

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produzir a consequência prevista, deve aplicar-se a sanção que a norma estabelece.


Seguindo esta perspetiva, a estrutura da norma corresponde a esta forma:

PREVISÃO

NORMA
JURÍDICA:
ESTRUTURA
LÓGICA

ESTATUIÇÃO SANÇÃO

• Previsão, hipótese ou facti species: Constitui a descrição da situação de facto


carecida de regulamentação jurídica, formulada de modo hipotético. Pode consistir
num acontecimento puramente natural no qual se pretende atribuir consequências
jurídicas ou pode tratar-se de uma ação/comportamento humano

• Estatuição: Conduta estabelecida a ser observada a seguir à previsão, que pode ser
de facere ou de non facere

• Sanção: Parte da norma na qual se estabelece a cominação que recai sobre a


prática violadora da estatuição. Ou seja, a consequência jurídica que decorre da
veri cação da violação.

O autor Bobbio sugeriu uma noção de sanção mais ampla que englobaria as
consequências agradáveis ou desagradáveis que o sistema jurídica atribui à observância
ou inobservância das suas normas.

• Sanções positivas: Situações de concessão de isenções ou benefícios scais a


quem adote certo tipo de comportamento (ex: uso de energias renováveis)

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Outra distinção doutrinal importante é a que divide as sanções negativas em retributivas


e reparadoras.

• Sanções retributivas: consistem numa penalidade para quem viola uma norma
jurídica (exemplo: execução especí ca).
• Sanções reparadoras: abarcam todas as que visam compensar, atenuar ou anular
os efeitos da violação (exemplo: indemnização)

Não é pací ca a inclusão da sanção como elemento estrutural das normas jurídicas. Por
esta razão, a coação é um elemento essencial ao Direito.

3. CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA

imperatividade

violabilidade
NORMAS JURÍDICAS:
coercibilidade
CARACTERÍSTICAS
generalidade

abstração

IMPERATIVIDADE
A norma é um comando de conduta, ou seja, é impositiva - impõe um certo
comportamento. Uma vez que se aplique a norma, a estatuição impõe-se
incondicionalmente, categoricamente.

VIOLABILIDADE
A norma jurídica não enuncia uma regra com o mesmo caráter necessário das leis da
física. Num pressuposto de liberdade, podemos sempre violar a norma, cando sujeitos à
sanção aí estipulada, sem que daí advenha a sua perda de validade.

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COERCIBILIDADE
Enquanto possibilidade da norma se impor pela coação.

GENERALIDADE
Não tem um especí co destinatário, mas uma pluralidade de destinatários. As normas
jurídicas dirigem-se, indiscriminadamente, a todos os sujeitos que possam encontrar-se
na situação hipotética descrita.

ABSTRAÇÃO
Não visa uma situação concreta, mas um número indeterminável de situações. A norma
jurídica não se refere a uma determinada e especí ca ação ou comportamento, mas a
uma categoria ou tipo de ação e comportamento.
Podemos a rmar que o comando jurídico contido na sentença judicial é individual e
concreto, enquanto o da norma é geral e abstrato.

4. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

NORMAS IMPERATIVAS, PERMISSIVAS E SUPLETIVAS


Na análise de normas jurídicas, Von Wright estabeleceu uma divisão em:

- Normas imperativas ou injuntivas - prescrevem condutas que os destinatários não


podem iludir, podendo ter conteúdo positivo (percetivas) ou negativo (proibitivas),
exemplo: artigo 126º CC.
- Normas permissivas ou facultativas - normas dispositivas, de autorização ou
concessivas, que conferem faculdade ou poder; limitam negativamente as nossas
ações (estipulam proibições - non facere) mas impõe-nos obrigações de carácter
positivo (normas permissivas, que facultam poderes de facere ou non facere)
- Normas supletivas - coordenam com a autonomia privada ou liberdade negocial;
suprem a falta de previsão ou manifestação de vontade das partes sobre questões
negociais carecidas de regulamentação jurídica. Estas normas são
particularmente importantes no domínio do Direito Privado - ex: art. 1039º CC. Na
elaboração de normas supletivas, a fonte de inspiração do legislador é a vontade
normalmente revelada pelas parte nos negócios jurídicos, mas que correspondem
a um modelo jurídico de gestão prudente e de justiça presentes na comunidade.

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NORMAS INTERPRETATIVAS
São normas que visam explicitar o sentido de outras normas ou de expressões usadas
nos negócios jurídicos - exemplo de normas interpretativas da lei: art. 1º/2; 349º; 363º;
874º; 1022º do CC. Exemplo de normas interpretativas de negócio jurídico: art 2262º e
2263º do CC. Estas normas, têm destinatários particulares, os interpretes do direito, e
desempenham uma função instrumental no ordenamento jurídico - dão-nos ferramentas
para melhor interpretamos outras normas. Há quem defenda que estas normas não são
na realidade normas jurídicas pois não são acompanhadas de uma sanção.

NORMAS DIRETAS E INDIRETAS


• Normas diretas - visam a resolução de problemas da vida social
• Normas indiretas - têm por destinatário os orgãos de aplicação do direito, indicando-
lhes os termos em que devem solucionar as questões puramente jurídicas - ex: art.9º
(interpretação), art. 10º (integração), art 14º (direito internacional privado).

NORMAS AUTÓNOMAS E NÃO AUTÓNOMAS


• Normas autónomas - prescrevem por inteiro e de forma completa as condutas
devidas
• Normas não autónomas - dizem respeito às normas jurídicas que fazem remissão/
referência a outra norma, que a completa.

NORMAS UNIVERSAIS, REGIONAIS E LOCAIS


• Normas universais - normas cujo campo de aplicação coincide com o território
nacional
• Normas regionais - normas que se aplicam no território de certa região (Portugal
Continental, Madeira ou Açores)
• Normas locais - normas cujo campo de aplicação se restringe a uma parcela do
território nacional - autarquias locais (ex: posturas municipais)

NORMAS GERAIS, EXCECIONAIS E ESPECIAIS


• Normas gerais - normas que dentro de uma área do Direito xam o regime-regra,
re etindo assim os princípios fundamentais que o informam (ex: art 219º - liberdade
contratual; art 405º - princípio da liberdade contratual)

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• Normas excecionais - normas que se aplicam a situações excecionais que resultam


em soluções que contrariam as que resultam do regime-regra. A aplicação de uma
norma excecional signi ca que o legislador aplicou perante uma situação especi ca.
O uso desta norma não se pode tornar frequente de modo a regular outras situações.
Quando estamos perante uma situação em que é possível a aplicação de uma norma
excecional e de uma norma especial, o legislador deve preferir a aplicação da norma
especial (ex: art. 11º)
• Norma especial - normas que não contrariam o regime regra, mas instituem
particularidades em relação a ele. São situações que necessitam de ser interpretadas
de modo autónomo, no entanto estão dentro do regime regra (ex: art 874º - regime
regra; art 877º - regras especiais)

NORMAS MAIS QUE PERFEITAS, PERFEITAS, MENOS QUE PERFEITAS E IMPERFEITAS


• Normas mais que perfeitas (leges plus quam perfectae) - normas que determinam a
invalidade do ato violador e ainda aplicam uma pena ao agente (ex: art 282º e 284º -
negócio usurário)
• Normas perfeitas (leges perfectae) - normas que determinam apenas a invalidade do
ato violador (ex: art 125º do CC - celebração de negócio jurídico pelo incapaz)
• Normas menos que perfeitas (leges minus quam perfectae) - normas que prevêem
apena suma sanção para o agente, deixando que o ato violador permaneça válido no
mundo jurídico (ex: coima por manter o estabelecimento a funcionar depois do horário
de funcionamento)
• Normas imperfeitas (leges imperfectae) - normas que não tem por consequência nem
a invalidade do ato transgressor, nem a penalização do seu agente, ou seja, são
normas desacompanhadas de sanção.

NORMAS SUBSTANTIVAS E ADJETIVAS


• Normas substantivas - normas dirigidas à regulação das relações e situações
jurídicas materiais
• Normas adjetivas - normas que dizem respeito à regulação dos procedimentos de
que dependem a efetivação do direitos e obrigações que as normas substantivas
fazem nascer.

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Introdução ao Estudo do Direito

5. AS TÉCNICAS LEGISLATIVAS - ALGUNS EXEMPLOS

CODIFICAÇÃO
Um código constitui sempre um conjunto de textos de Direito apresentados num conjunto
coerente e sistemático. Os códigos são mais do que uma simples compilação de
disposições legais: são obras unas, motivadas pelo desejo de renovar o tratamento de
certa matéria, reunindo de forma sistemática e coerente um conjunto de disposições
normativas com certa aspiração de perenidade. São um fator de unidade política e
integração social e favorece a coerência, a clareza e segurança na aplicação do Direito.

- Vantagens da codi cação: num ponto de vista político, trata-se de um fator de


unidade política e integração social, o que leva a um maior número de vantagens do
ponto de vista social. Num ponto de vista jurídico, permite construir um direito mais
coerente e claro, sendo que é sistematizado e mais precioso, garantindo a
segurança e certeza jurídica.
- Desvantagens da codi cação: um código estimula muito a atitude positivista-
legalista, na medida em que aquando a sua elaboração, este é feito com uma ideia
de estabilidade bem como com a pretensão da sua longevidade. Isto faz com que se
critique o facto de a codi cação assentar numa espécie de teoria cristalizada que
não atende às alterações sociais - a solução do código nem sempre atende às
necessidades do ser humano.

PARTES GERAIS
É frequente utilizarem-se partes gerais na elaboração sistemática do Código. Dizem
respeito às questões que se colocam transversalmente ao longo de todo o código. Trata-
se de uma técnica que visa evitar desnecessárias repetições, xando desde logo os
princípios gerais aplicáveis. Ou seja, reúnem-se aí disposições que são comuns aos
diferentes objetos de regulação.

DEFINIÇÕES
Outra das técnicas frequentemente utilizadas é a de inserir de nições (ex: art 202º CC).
Trata-se de normas não autónomas que realizam um propósito do legislador.
• Alguns autores, como Bulygin, recusam-se a reconhecer às de nições legais caráter
de enunciado normativo. Nesta perspetiva as de nições legais não seriam realmente

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normas, embora em conexão com outras normas do sistema jurídico pudessem ter
relevância normativa.
• Outros autores, como Alex, partilham da opinião contrária, a rmando que as
de nições legais possuem um verdadeiro caráter normativo, sem a necessidade de
as articular com as outras.

Críticas às de nições: há quem veja a utilização de de nições como uma intromissão do


legislador nos campos da dogmática e da jurisprudência, para além de se assinalar a
infelicidade de muitas das de nições concretamente estabelecidas por via legal.

FICÇÕES LEGAIS E REMISSÕES


A remissão é um meio técnico-legal para evitar repetições incómodas. As normas
remissivas pertencem à categoria das normas indiretas ou não autónomas. São, portanto,
normas em que o legislador, em vez de regular diretamente e de modo autónomo o caso,
prefere recorrer à aplicação de normas que disciplinam questões diversas.

As normas remissivas podem ser:

- Materiais: se a remissão é feita tendo em conta o conteúdo da norma para a qual se


remete (ex: art. 156º CC)
- Formais: se a remissão tem em atenção o facto de a norma para a qual se remete ser
aplicável em certo tempo ou lugar (ex: art. 12º, art.46º/1 do CC)

As cções legais funcionam como remissões implícitas, ou seja, o legislador ao invés de


remeter o intérprete diretamente para a aplicação de uma norma que dispõe sobre o
caso, fá-lo implicitamente dizendo que o caso que a norma se destina a regular é igual a
um outro. O efeito útil pretendido é o de remeter o intérprete para a regulamentação
daquela norma.

PRESUNÇÕES LEGAIS
As presunções legais traduzem uma operação lógica que permite, com base na lei,
retirar de um facto conhecido um facto desconhecido (ex: art. 349º do CC). As
presunções legais podem ser de dois tipos:

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- Absolutas (iuris et de iure): são incontestáveis por não admitirem prova em contrário
(ex: art 1260º/3 do CC)

- Relativas ( iuris tantum): ilidíveis, já que admitem prova em contrário, limitando-se a


inverter o encargo da prova. Signi ca isto que, recaindo o ónus da prova sobre quem
alega certo facto, neste caso, a benefício da presunção relativa, tal ónus passará
para a contraparte, a qual terá de fazer a prova em contrário para evitar que se dê
por estabelecido o facto objeto de presunção (ex: art. 503º/3 do CC).

Existem ainda outro tipo de presunções - as presunções judiciais. São operações de


lógica que permite ao julgador, na avaliação dos factos submetidos a juízo, poder chegar
a certa conclusão sobre a veri cação ou não de certo facto alegado a partir de uma
inferência construída sobre outros factos, com caráter acessório ou indiciáreis em relação
aquele.

CONCEITOS INDETERMINADOS
O ordenamento jurídico compreende um conjunto de conceitos determinados, cujo
conteúdo está xado solidamente e é a base da ciência do Direito e da segurança
jurídica que este oferece. O Direito procura conter, também, as propriedades necessárias
para permitir a sua exibilização e ajustamento às contingências sociais de tempo, lugar
e modo. Em homenagem a esse objetivo de exibilização, o legislador utiliza também
conceitos indeterminados, que necessitam de um preenchimento valorativo, em sede de
aplicação do Direito (ex: conceitos de boa-fé, justa causa, ordem pública). Alguns desses
conceitos são mesmo gradativos, já que o aplicador do Direito tem, na sua
concretização, de proceder a um escalonamento (ex: culpa grave).

A utilização dos conceitos indeterminados é essencial para:

• Individualizar as soluções
• A adaptação de certas normas às particularidades dos casos
• À mudança do tempo
• Ao ajustamento do Direito aos princípios éticos determinantes

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CLÁUSULAS GERAIS
Podem de nir-se como normas de campo de aplicação inde nido. Estão diretamente
ligadas à utilização dos conceitos inde nidos, uma vez que tornam possível atuar de
modo a adequar a norma à situação. Em vez de regularem tipos casuísticos de situações
determinadas, deixam a hipótese de nida em termos tão amplos que permite ao seu
aplicador uma maior exibilização na operação silogística. O legislador opta por
estabelecer cláusulas gerais para se opor à inadequação da regulamentação casuística -
esta realidade implica sempre o risco de gerar lacunas de regulamentação (prever de
menos) ou execuções (prever de mais).

TEMA 6 - O DIREITO E OS FACTOS


1. DIREITO E FACTO - DIREITO COMO FACTO

O Direito pode e deve ser estudado como fenómeno e como facto. Neste contexto,
surgem os contributos de diferentes ciências sobre o Direito, tais como a sociologia
jurídica. Esta visa o estudo das condições empíricas da e cácia do Direito, procura levar
a cabo o estudo da in uência recíproca entre Direito e sociedade e preocupa-se com o
problema da atualização social dos valores e respetivo re exo nas mudanças dos
ordenamentos jurídicos.

O Direito atua sobre a realidade apreendendo-a e tipi cando-a num conjunto de factos
que a norma descreve na sua previsão e cuja veri cação determina a aplicação da sua
indicação prescritiva. Eis, pois, o motivo pelo qual é imprescindível a consideração, em
cada processo judicial, da factualidade à qual deverá aplicar-se a norma. Identi camos
dois momentos processualmente distintos, mas que se implicam mutuamente:

• Questão de facto
• Questão de Direito

2. OS FACTOS NO PROCESSO: CONHECIMENTO E PROVA

Em cada processo judicial, o juiz deverá começar por apreciar a existência ou não de
certos factos (os alegados na ação como determinantes de aplicação do Direito) e a sua
exata con guração, para logo depois determinar qual a norma aplicável. Este momento

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inicial tem uma grande importância para o desfecho da ação, pois determina em grande
medida o destino das pretensões que estão em causa.

As pretensões em causa dependem diretamente da sua legitimidade aferida face ao


Direito e este se aplica apenas na presença de certa factualidade: averiguação da
questão de facto.

A produção de prova no processo incide sobre os factos e é regulada por regras próprias
que o Direito estabeleceu, em grande medida como veículo de concretização do valor de
verdade, mas também em certos casos determinados por outros valores, tais como a
proteção da relação cliente/advogado.

O próprio Direito pode ser objeto de prova. É o que acontece no nosso ordenamento
jurídico com o costume e com o Direito estrangeiro. Aqueles que pretendam acolher-se a
uma norma consuetudinária ou a uma norma jurídica de um ordenamento jurídico que
não seja o português veem recair sobre si o ónus da prova.

A verdade a que se chega no contexto do processo judicial não tem o mesmo caráter da
verdade cientí ca nem da verdade sagrada das religiões. É o resultado da construção
possível a partir do que se a gura mais verosímil, dentro dos poderes de cognição
delimitador pelas regras processuais do Direito. Está verdade, por vezes, não coincide
com a realidade dos acontecimentos aos quais se pretende adequar.

A quem cabe fazer a prova dos factos? A regra geral é a de que recai sobre os litigantes
a prova dos factos cuja alegação e veri cação depende da viabilidade da pretensão que
querem fazer vingar na ação - Ónus da Prova.

O ÓNUS DA PROVA ENTRE PROCESSO CIVIL E PROCESSO PENAL

• Processo civil - vigora o princípio do dispositivo, libertando o julgador de tomar a


iniciativa da investigação dos factos. Aqui os interesses são de natureza
eminentemente particular.

• Processo penal - vigora o princípio do inquisitório, o que se traduz no entendimento


de que aí cabe ao juiz dirigir a a produção de prova e inerente determinação dos
factos. Aqui, os interesses são de natureza predominantemente pública.

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INVOCAÇÃO DO DIREITO APLICÁVEL (PRINCÍPIO IUNA NOUIT CURIA)


O tribunal tem obrigação de conhecer o Direito:

• Se um dos litigantes se esquece na ação de alegar a existência de certo prejuízo que


sofreu, tal facto pode determinar a perda do Direito à respetiva indemnização.

• Mas o mesmo não acontece se, invocado o prejuízo, aquele mesmo litigante não
mencionou as regras de Direito face às quais lhe assistiria um Direito à indemnização.

3. QUESTÃO DE FACTO E QUESTÃO DE DIREITO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES

A distinção entre matéria de facto e matéria de Direito nem sempre é demasiado nítida.
Os factos que interessam ao processo são apenas aqueles que são juridicamente
relevantes. Logo, a consideração jurídica dos factos não pode deixar de estar implicada
na sua própria certi cação probatória, porque a veri cação de alguns factos jurídicos
depende de estarem reunidos um conjunto de requisitos fácticos que os litigantes têm de
procurar estabelecer e o julgador con rmar, e que as normas jurídicas pré-estabelecem.

TEMA VII - VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA


1. A QUESTÃO DA VALIDADE NO DIREITO - CONCEITOS DE VALIDADE, VIGÊNCIA
E EFICÁCIA

O problema dos valores no Direito está relacionado com a questão própria da


fundamentação desse mesmo Direito. Entendemos por fundamento o valor complexo de
valores que legitima uma ordem jurídica, dando a razão da sua obrigatoriedade. A
fundamentação de cada regra jurídica dependerá de a mesma ter por ratio a realização
de um valor que a comunidade tem por seu. Este raciocínio pode aplicar-se às regras de
tutela da propriedade privada ou da liberdade individual, que se têm por legítimas no
mundo ocidental, em conexão com o seu reconhecimento como valores determinantes
nas estimativas ocidentais.

Cada regra jurídica assentará na realização de certos valores e ordenamento, como um


todo, é obrigatório porque plasma os valores de uma comunidade. Mesmo as leis que
pareçam apenas puramente coercivas realizam ainda assim a ordem como valor que é
integrante do próprio conceito de justiça. As normas jurídicas não são merdas formas

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vazias de conteúdo, mas antes devem justamente reconhecer-se-lhes validade


atendendo ao seu especí co conteúdo normativo.

Percebe-se que se aceite uma conceção que alia a vigência à validade e e cácia, sendo
estas todas mutuamente dependentes. A vigência implica a referência aos valores que
estiveram na origem da norma e depende também das condições fácticas capazes de
assegurar a vigência social. Esta perspetiva (em que a validade adquire uma conotação
material) não é, no entanto, coincidente com as respostas que o positivismo legalista e o
realismo escandinavo dirão ao problema da validade.

• Positivismo: A validade de uma norma depende da sua relação com as outras normas
do sistema jurídico em que se integra, em particular com as de valor superior.
• Realismo escandinavo: O termo validade converte-se até certo modo num sinónimo
de e cácia.

Em suma, a vigência é um conceito que se refere, de modo diverso, à força vincula-te do


Direito positivo, mas não se confunde com a sua positividade (a sua criação por uma
entidade investida de autoridade), nem com a sua e cácia (efetiva de aplicação). Há
ainda que distinguir a e cácia das normas segundo o móbil que, em cada caso, leva a
acatar o comando nelas contido.

• Temos situações em que do reconhecimento da validade moral da norma leva o


indivíduo a interiorizar a necessidade do seu cumprimento
• Temos outros casos, em que a e cácia se dá como resultado da validade estético-
social, ao veri car-se que a norma é socialmente reconhecida e a sua violação leva à
ostracização do infrator.
• Veri ca-se também, a e cácia assente na validade como ‘direito garantido’, em que o
cumprimento surge do temor da aplicação das sanções legalmente previstas como
meios coativos de reação às infrações.

2. O POSITIVISMO E OS CONCEITOS DE VALIDADE E EFICÁCIA

Kelsen entendia a e cácia com o signi cado de cumprimento pelos homens das
indicações contidas nas normas jurídicas, pelo que a e cácia predica a conduta humana,
mas não o Direito. Enquanto a questão da validade é eminentemente jurídica e pertence
ao objeto da ciência jurídica, já a e cácia é algo que pertenceria ao universo da

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sociologia. A e cácia funcionará, todavia, como condição da validade, uma vez que uma
norma só pode ser considerada válida quando pertence a um sistema normativo que
seja, no seu conjunto e caz.

O Realismo escandinavo apresenta uma visão distinta da relação entre validade e


e cácia. Olivecrona e Alf Ross foram muito críticos do conceito de validade, julgando que
este só pode signi car um sentimento psicológico de obrigatoriedade moral para o
reconhecimento e cumprimento das normas jurídicas. Consideram que o que se pode
veri car empiricamente é que os juízes o experimentam (a esse sentimento) e, em
resultado disso, cam motivados para aplicar a norma. A norma só existe se é aplicada
(se é e caz), sendo que a condição para que tal se veri que é a sua validade.

3. A INEFICÁCIA DO DIREITO

Uma das queixas constantes acerca do Direito diz respeito à sua falta de cumprimento,
ou seja, a que não é e caz. Dir-se-á que o Direito é ine caz por sua culpa exclusiva,
pelos seus defeitos de conceção, pelos seus excessos regulativos, pelas suas múltiplas
contradições e pela sua obscuridade. São igualmente causas de que o Direito não se
cumpra:

• O desamor e incompreensão da sociedade pelo seu próprio Direito


• Certa cultura de transgressão que vitoria os prevaricadores
• A indiferença e a cobardia que vira a cara à luta pelos direitos de cada um e de todos

4. A QUESTÃO DA NORMA INJUSTA E A DESOBEDIÊNCIA

A grande questão está em saber o que fazer quando uma norma se nos revela (ou ao
juiz) absolutamente injusta. É evidente que devemos obediência à lei, e o nosso Código
Civil é particularmente explícito ao considerar que o juiz não pode afastar a sua aplicação
sob pretexto de ser a lei injusta. No século XIX, em França, H. D Thoreau negou-se a
pagar impostos argumentando que com esse dinheiro o Estado compraria armamento. A
justi cação do seu ato, a que se designou de “desobediência civil” fez doutrina. O direito
de resistência é, entre nós, um direito legal, mas sobre ele se pode argumentar que tem
uma existência suprapositiva, como direito natural. Poder-se-á dizer que, nestes casos
extremos, a obediência à norma é que constituiria uma desobediência ao Direito.

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TEMA VIII - DIREITO E CIÊNCIA. CIÊNCIAS DO DIREITO


1. O DIREITO COMO CIÊNCIA

Durante muitos séculos, ao estudo do Direito chamou-se jurisprudência, expressão que


viria a ser substituída pela de “ciência do direito” ou “ciência jurídica”. Para aqueles
autores que veem o conhecimento e estudo do Direito como uma ciência, esta teoria
objeto direito, designadamente o Direito positivo. Assim, a ciência do Direito tem por
missão descrever e analisar objetivamente como é e qual é o Direito vigente. A partir das
normas jurídicas, ela desenvolve uma tarefa de construção de instituições e conceitos
jurídicos fundamentais e de sistematização do ordenamento jurídico.

2. PODE O DIREITO SER UMA CIÊNCIA? AS CRÍTICAS DE KIRCHMANN E A


REVISÃO DO CONCEITO DE CIÊNCIA COM A FILOSOFIA DE POPPER

Será a ciência do Direito uma verdadeira ciência? A crítica mais célebre à cienti cidade
do Direito veio de Kirchmann: “A jurisprudência não é ciência” (1847). No seu núcleo
estava a questão, incontestável, de que o objeto de estudo da jurisprudência é o Direito
positivo, logo, um objeto variável e inconstante. As ciências naturais reúnem as notas de
universalidade, estabilidade e até imutabilidade, a que o Direito não pode aspirar. Porém,
no século XX procedeu-se a uma revisão profunda do conceito de ciência, tendo sido
abandonados muitos destes dogmas. Na perspetiva de Karl Popper, a ciência evolui por
uma série de tentativas e erros sucessivos, desligando-se, assim, da imagem sacraliza
que detinha.
Cada etapa vencida, cada teste ultrapassado vitoriosamente, é-o apenas de modo
provisório, até futura prova contrária.

3. CIÊNCIAS DO DIREITO: CIÊNCIAS JURÍDICAS HUMANÍSTICAS E CIÊNCIAS


JURÍDICAS MATERIAIS

É usual que se divida a ciência do Direito em distintas ciências jurídicas particulares. A


identi cação da autonomia de cada uma destas ciências sectoriais faz-se facilmente pela
correspondência com o ramo de Direito especí co que é seu objeto de estudo. Ao Direito
penal corresponde a ciência jurídica criminal. No campo do Direito há ciências jurídicas
humanísticas que vivem paredes meias com outras áreas cientí cas:

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• Filoso a do Direito
• História do Direito
• Sociologia do Direito
• Direito Comparado
• Metodologia Jurídica
• Direito Comparado
• Psicologia do Direito

TEMA IX - DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO. PRINCÍPIOS DE


DIREITO PÚBLICO E PRINCÍPIOS DE DIREITO PRIVADO

1. A “SUMMA DIVISIO” DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO: O SENTIDO E


ALCANCE PRÁTICO DA DISTINÇÃO

É um facto conhecido que, nos sistemas jurídicos romano-germânicos, a lei pública ou


estatal tornou-se a fonte de Direito prevalecente, reduzindo-se progressivamente o
campo da autonomia próprio da lei privada.

A distinção entre os campos do Direito Privado e Público continuará a fazer sentido


enquanto a análise dos interesses sociais na base dos con itos que cabe ao Direito
dirimir indicar que, em certos casos, se impõe a sua regulação por meio de normas
imperativas (Direito Público) e, paralelamente, substitir a necessidade de garantir certo
grau de autonomia individual na gestão da vida jurídica de cada um (Direito Privado).

No Direito Romano, a distinção operava-se de acordo com a fonte de onde brotava a


norma, sem consideração pelas matérias ou tipo de relações reguladas. Apenas no
Renascimento, o plano das substâncias das regras jurídicas começará a ser atendido
para justi car a classi cação daquelas como Direito Público e Direito Privado.

2. CRITÉRIOS DISTINTIVOS: TEORIA DOS INTERESSES, A POSIÇÃO DOS SUJEITOS


E A QUALIDADE DOS SUJEITOS

Critério do interesse
Critério da qualidade dos sujeitos
Critério da posição dos sujeitos
As teses que se têm utilizado para proceder à distinção são muitas e variadas, sendo que
apena se irão abordar as mais signi cativas.

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CRITÉRIO DO INTERESSE
Segundo o critério do interesse:

• O Direito Público seria aquele dirigido a tutelar os interesses públicos


• O Direito Privado seria aquele que tutelaria os interesses privados ou particulares

No entanto nem sempre é assim:

• Encontramos normas de Direito Público que cuidam da proteção dos interesses dos
particulares (escritura pública no Direito Civil)
• Encontramos normas de Direito Privado que visam a tutela de interesses de
natureza pública (audição do interessado no Direito Administrativo)

CRITÉRIO DA QUALIDADE DOS SUJEITOS


Também se pode proceder à distinção com base na qualidade dos sujeitos envolvidos na
relação jurídica:

• O Direito Público disciplinaria as relações que estabelecem entre entes de Direito


Público
• O Direito Privado regularia aquelas em que os sujeitos fossem entes de Direito
Privado

CRITÉRIO DA POSIÇÃO DOS SUJEITOS


Outro critério possível é o da posição dos sujeitos. Segundo este:

• O Direito Público regula, tipicamente, relação de supra-infra-ordenação


• O Direito Privado estabelece a disciplina jurídica de relações que se caracterizam
pela paridade

Novamente aqui, encontramos relações jurídicas que não correspondem a estes modelos
típicos. Que dizer das relações entre Estados ou das relações que se estabelecem no
âmbito do Direito do Trabalho?
Uma aplicação combinada com a atuação à qualidade dos sujeitos permite considerar
como relações de Direito Público todas aquelas em que participassem entes de Direito
Público no uso do seu ius imperii (relação de supra-infra-ordenação).

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Paralelamente, seriam relações de Direito Privado todas aquelas em que o ente de Direito
Público actuasse despido do seu poder de autoridade, ou seja, numa situação de
paridade com a contraparte privada.

Persistem mesmo assim muitas situações em que uma classi cação inequívoca é difícil.
Acresce que o contínuo movimento de desenvolvimento e expansão do Direito tem
originado o aparecimento de ramos de Direito híbrido. Há, todavia, alguns ramos de
Direito que são tradicionalmente compreendidos no Direito Público e no Direito Privado.

• Direito Público: Direito Constitucional; Direito Administrativo, Financeiro e Fiscal;


Direito Público da Economia; Direito Penal; Direito Processual, Direito Internacional
Público
• Direito Privado: Direito das Obrigações; Direitos Reais; Direito da Família e Sucessões;
Direito Comercial; Direito Internacional Privado

Importa, contudo, referir que o Direito é uma unidade e esta divisão é arti cial, embora
possa ter alguma relevância e alcance prático e teórico.

3. PRINCÍPIOS DE DIREITO PÚBLICO E PRINCÍPIOS DE DIREITO PRIVADO

É possível identi car, em cada sistema jurídico, um conjunto de princípios estruturantes


que permitem a existência de uma verdadeira coerência normativa no seu seio. Quais
são esses princípios? Haverá, pois, princípios de Direito Público e de Direito Privado.

São referidos pela doutrina os seguintes princípios de Direito Público:

• Princípio do Estado de Direito Democrático

• Princípio da Separação de Poderes

• Princípio da Legalidade

• Princípio da E cácia e da Oportunidade (atividade da Administração Pública)

• Princípio da Imparcialidade e Princípio da Independência dos Tribunais

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No domínio do Direito Privado (entre outros) encontramos:

• Princípio da autonomia privada

• Princípio da liberdade contratual

• Princípio da boa-fé contratual

• Princípio da igualdade entre as partes

• Princípio da proteção da parte mais fraca

• Princípio da responsabilidade

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