Transtorno Borderline

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TRANSTORNO DA

PERSONALIDADE
BORDERLINE

Autor: Ricardo Asensio Rodriguez

1
INTRODUÇÃO

Nesta aula são apresentados três modelos cognitivo-comportamentais


no contexto do transtorno da personalidade borderline (TPB):

 a terapia cognitivo-comportamental (TCC), de Aaron T. Beck e


colaboradores;
 a terapia do esquema (TE), de Jeffrey Young;
 a terapia dialética comportamental (DBT), de Marsha Linehan.

Serão discutidos os principais conceitos e objetivos de intervenção de


cada modelo, bem como suas especificidades.

O TPB é um dos transtornos mais prevalentes, controversos e


estudados entre os transtornos da personalidade (Bradley et al, 2010),
mas só aparece no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos
Mentais (DSM) em sua 3ª edição, em 1980, ainda que uma constelação
específica de traços que formam a entidade diagnóstica tenha sido
utilizada pela primeira vez pela comunidade psicanalítica em 1938,
por Adolf Stern (Linehan, 2010).

O termo borderline surgiu para designar os pacientes que pareciam


não se enquadrar nas categorias diagnósticas psiquiátricas da época
(neurótico e psicótico), estando em algum lugar intermediário estre
estes, e para se referir aos pacientes que não respondiam à psicanálise
clássica naquele momento.

2
O BORDERLINE DOS
PSICANALÍTICOS

Inicialmente, diferentes teóricos psicanalíticos consideravam que


pacientes borderline estavam no limite entre a neurose e a psicose
(Linehan, 2010). Com o passar dos anos, o termo evoluiu na
comunidade psicanalítica para se referir a uma determinada estrutura
de organização da personalidade e a um nível intermediário de
gravidade e funcionamento.

Segundo Caballo e colaboradores (2008), a escola psicanalítica


apresenta diferentes conceitualizações acerca do TPB. O conceito e a
compreensão do termo foram sofrendo mutações e, muitas vezes,
cada escola focou um elemento específico da patologia.

 Nos anos de 1960 e 1970, o foco está no elemento psicótico


transitório do borderline, condição que o coloca no grupo das
esquizofrenias.
 Em 1975, Kernberg utiliza-se do termo borderline para se referir
às formas severas de caráter patológico. É Kernberg que elabora
o conceito de organização da personalidade, ou seja, maneiras
duradouras de sentir, pensar, comportar-se, experienciar a si
mesmo e aos outros e enfrentar realidades desconfortáveis
(Bradley, 2010). Essa conceitualização foi extensamente
utilizada quando essa patologia foi incluída no DSM-III, em 1980,
ainda que o termo borderline tenha sido usado por Kernberg
para se referir a uma dimensão de personalidade mais ampla,
como visto em Gabbard (1998), citando Gunderson e Zanarini
(1987), visto que indivíduos com transtorno da personalidade
narcisista, antissocial, esquizoide, paranoide, entre outros,
apresentavam essa organização de personalidade subjacente
(Gabbard, 1998).

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 Em 1980 e 1981, Stone e Akiskal, respectivamente, em função
da labilidade afetiva e da disforia crônica, colocam esse
transtorno no grupo dos transtornos afetivos (Linehan, 2010).
 Em 1984, Gunderson separa os pacientes borderline daqueles
com síndromes esquizofrênicas e estados neuróticos,
identificando-os com características diferentes: automutilação,
comportamentos parassuicidas, preocupação excessiva com
abandono, atitude exigente, pensamento quase psicótico,
regressões terapêuticas e dificuldades na contratransferência
(Linehan, 2010).
 Em 1987, Herman e Van der Kolk sugerem que o grupo de
pacientes borderline representaria uma variação crônica do
transtorno pós-traumático (Linehan, 2010).
 Em 1993, Zanarini coloca o transtorno borderline no grupo dos
transtornos do impulso, ou seja, passa a considerá-lo um
transtorno da personalidade, acompanhado de outros
transtornos do impulso (Linehan, 2010).

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O BORDERLINE DOS
COGNITIVO-
-COMPORTAMENTAIS

É inegável o legado da psicanálise ao estudar a personalidade


borderline em suas diferentes concepções, desde 1938, com Stern, até
os dias atuais. Entre as diferentes contribuições da psicanálise, a
explanação das relações objetais merece destaque.

Beck e Freeman a traduziram em 1993 para a terminologia


cognitivo-comportamental: “O indivíduo borderline mantém
visões extremas e fracamente integradas dos relacionamentos
com as pessoas que dele cuidaram precocemente e, como
resultado, mantém expectativas extremas e irrealistas em
relação aos relacionamentos interpessoais” (Beck et al, 1993).

As abordagens cognitivo-comportamentais foram aplicadas aos


transtornos da personalidade no fim da década de 1980 e no início da
década de 1990, ou seja, tardiamente (Wainer, Pergher e Piccoloto,
2003). Contudo, já em 1993 (Beck et al, 1993), diferentes
conceitualizações para o TPB figuravam na literatura cognitivo-
comportamental. Entre elas, Beck e colaboradores (1993) destacam as
apresentadas a seguir.

5
 Em 1981 e 1987, Millon introduz uma compreensão do TPB a
partir da teoria do aprendizado social, a qual destaca o papel
central da falta de um senso claro e consistente da própria
identidade.
 Na década de 1980, as formulações estritamente beckianas
focam as suposições básicas do indivíduo que tinham (e têm) o
papel de influenciar a percepção e a interpretação dos
acontecimentos, gerando como consequência emoções e
comportamentos equivalentes a tais suposições. Beck e
colaboradores (1993) apontam o pensamento dicotômico e um
frágil senso de identidade associados às suposições
disfuncionais como características cognitivas fundamentais
desses pacientes (Beck et al, 2005).
 Em 1981 e 1987, Linehan propõe que a disfunção na regulação
emocional constitui o núcleo das dificuldades mais importantes.
 Em 1983 e 1987, Young discorre sobre o conceito de esquemas
mal-adaptativos precoces/disfuncionais, que estariam na base
do funcionamento do indivíduo borderline.

Na atualidade, diferentes modelos cognitivo-comportamentais


dedicam-se a compreender e tratar o TPB. Os mais influentes são a
DBT, desenvolvida por Marsha Linehan, a TE, por Jeffrey Young, e a
TCC, por Beck e colaboradores. Nesta aula, as três abordagens serão
apresentadas quanto à conceitualização e ao tratamento.

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O TPB NO DSM-5

O TPB é compreendido por um padrão difuso de instabilidade das


relações interpessoais, da autoimagem, dos afetos e de impulsividade
acentuada. Ele surge no início da vida adulta e está presente em
vários contextos. Para o diagnóstico categorial, é necessário a
presença de, pelo menos, cinco dos critérios a seguir (APA, 2014).

1 Esforço desesperado para evitar o abandono real ou imaginário.


2 Padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos
caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e
desvalorização.
3 Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e
persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo.
4 Impulsividade em pelo menos duas áreas: gastos, sexo, abuso de
substância, direção irresponsável, comer compulsivo.
5 Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou
de comportamento automutilante.
6 Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade do
humor.
7 Sentimentos crônicos de vazio.
8 Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la.
9 Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas
dissociativos intensos.

Os critérios desse modelo de diagnóstico não apresentam mudança


em relação aos apresentados pelo DSM-IV-TR (APA, 2012). No DSM-5,
a APA (2014) oferece um modelo alternativo e traz consigo o objetivo
de cobrir os pontos fracos do modelo categorial que o antecede. Este
é chamado de modelo dimensional, uma vez que a personalidade é
avaliada em um continuum e os transtornos da personalidade são
mais bem caracterizados por prejuízos no funcionamento do
indivíduo, bem como por traços de personalidade patológicos.

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Uma explicação mais detalhada sobre o modelo
multidimensional para o diagnóstico do TPB será encontrada
no Conteúdo Interativo desta aula.

EPIDEMIOLOGIA

A prevalência média do TPB na população é estimada em 1,6%, mas


pode chegar a 5,9%. No contexto da atenção primária, verifica-se em
torno de 6%; em ambulatórios de saúde mental, por volta de 10%; e
nos pacientes psiquiátricos internados, ao redor de 20% (APA, 2014).
Os índices de tratamento hospitalar são altos, devido às
consequências dos comportamentos impulsivos.

O curso do TPB é variável, e o padrão mais comum é o de


instabilidade crônica no início da vida adulta, com graves episódios
de desequilíbrio de humor e impulsividade. Nessa condição, existe
maior risco de suicídio entre os adultos jovens, posto que, com o
avançar da idade, esse risco vai reduzindo. A tendência para
impulsividade, emoções vigorosas e relacionamentos intensos
perdura pela vida toda.

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Após seguimento de pacientes em um ambulatório de saúde
mental nos Estados Unidos, observou-se que 50% perderam o
diagnóstico de TPB por não mais preencherem os critérios
(APA, 2014).

Como fator de risco para o TPB, a APA (2014) aponta parentes


biológicos de primeiro grau com o mesmo diagnóstico, o que
aumenta em cinco vezes o risco de desenvolvimento desse transtorno.
A prevalência é maior em mulheres (três para cada homem), ou seja,
75% dos pacientes diagnosticados com o transtorno são do sexo
feminino.

De acordo com Bateman e colaboradores (2007), a presença de risco


de suicídio e automutilação caracterizam a gravidade do quadro
clínico dos pacientes com TPB.

Quando o paciente apresenta comportamentos que põem sua


vida em risco, eles devem ser a prioridade na terapia.

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Diversos fatores estão associados à etiologia do TPB, como (Bradley et
al, 2010):

 Fatores biológicos/genéticos.
 Separação e perda.
 Abuso durante a infância.
 Ambiente familiar global.
 Vinculações disruptivas.

ABORDAGENS COGNITIVO-
-COMPORTAMENTAIS PARA O
TPB

Inúmeras formulações cognitivo-comportamentais são encontradas


na literatura para o TPB. Os modelos terapêuticos mais proeminentes
são a TCC, de Beck e colaboradores (Beck et al, 2017), a TE, de Jeffrey
Young e colaboradores (2008), e a DBT, de Marsha Linehan (Linehan,
2010).

TCC de Beck e colaboradores


O primeiro modelo cognitivo a abordar os transtornos da
personalidade foi o de Beck e colaboradores (1993). Nesse modelo
inicial, o TPB trazia como componente crítico o pensamento
dicotômico, considerado um importante desencadeador de reações
extremas e oscilações súbitas de humor nos indivíduos com o

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transtorno. Por isso, o foco inicial do processo terapêutico era tentar
reduzir ou eliminar esses pensamentos. Com isso, esperava-se reduzir
a sintomatologia do paciente, facilitar a modificação de suas
pressuposições subjacentes e, automaticamente, ajudar na resolução
de problemas (Beck et al, 1993).

Por meio do empirismo colaborativo (relação terapêutica), buscava-se


desafiar os pensamentos dicotômicos – tarefa árdua, uma vez que a
visão do outro como alguém mau e perigoso se estendia ao terapeuta
(Beck et al, 1993). Desde o início, Beck e colaboradores enfatizavam a
importância de estabelecer um relacionamento de confiança e
cooperação antes de desafiar tais pensamentos. No entanto, em
função da rigidez e generalização dos pressupostos dos pacientes,
esse primeiro modelo de conceitualização e tratamento para o TPB
pela terapia cognitiva (TC) precisou ser revisto, pois acabou se
mostrando ineficaz.

Compreende-se que a TC inicialmente centrava-se mais nas


descrições e inferências (erros cognitivos), ou seja, focalizava a teoria
da atribuição geral (David e Freeman, 2017). Após essa ênfase inicial
nos padrões de pensamentos tendenciosos (pensamento dicotômico),
a TCC revisou seu modelo sobre os transtornos da personalidade, os
quais passaram a ser compreendidos a partir de processos
motivacionais, sociais e cognitivo-afetivos, ampliando, assim, de forma
complexa, sua compreensão (Bateman et al, 2007).

Como elementos críticos presentes em sua matriz de


funcionamento, o TPB apresenta suposições básicas
disfuncionais, pensamento dicotômico e um fraco senso de
identidade.

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O componente cognitivo continua sendo enfatizado, uma vez que,
para a TCC de Beck, existe a primazia deste sobre as emoções e
comportamentos – o que não significa dizer que a causalidade é
unidirecional (David e Freeeman, 2017). Nesse sentido, a mudança
cognitiva é o objetivo final, na medida em que reflete um melhor
processamento emocional e respostas comportamentais mais
adaptativas.

Beck (2017) apresenta o perfil cognitivo do indivíduo borderline e


especifica suas crenças centrais acerca de si mesmo e do outro, as
crenças condicionais/preditivas e imperativas, suas estratégias
comportamentais superdesenvolvidas e subdesenvolvidas. Observe os
itens a seguir.

Visão de si mesmo:

 “Sou imperfeito.”
 “Sou vulnerável a abuso, traição e negligência.”
 “Sou ruim.”
 “Não me conheço.”
 “Sou fraco e subjugado.”
 “Não me controlo.”

Visão do outro:

 “Ele é caloroso, estimulante, mas indigno de confiança.”


 “Ele é forte e carinhoso, mas pode mudar e me usar, me
machucar ou me abandonar.”

Crenças condicionais/preditivas e imperativas:

 “Se eu ficar sozinho, não vou aguentar.”


 “Se eu confiar em alguém, vão abusar de mim ou me
abandonar.”
 “Se meus sentimentos forem ignorados ou desconsiderados, vou
perder o controle.”

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 “Exija o que você precisa.”
 “Revide.”
 “Alivie-se agora.”

Estratégias superdesenvolvidas:

 Subjugar a si mesmo.
 Alternar inibição com protesto dramático.
 Punir os outros.
 Expulsar tensão com ações impulsivas/autodestrutivas.

Estratégias subdesenvolvidas:

 Expressar apego confiante.


 Demonstrar autoafirmação e definição de limites.
 Apresentar raiva modulada.
 Apresentar tolerância ao sofrimento.
 Ter controle dos impulsos.

Como já mencionado, o objetivo final do modelo de Beck para o TPB é


a mudança cognitiva. Para tal, a TCC utiliza-se de inúmeras estratégias
de intervenção, entre as quais (Pretzer e Beck, 2010):

 estabelecer uma relação colaborativa;


 melhorar o enfrentamento cotidiano do paciente e aumentar
sua autoeficácia;
 diminuir os comportamentos de interferência na terapia;
 aumentar a capacidade do paciente de tolerar e de modular a
emoção;
 melhorar o comportamento interpessoal do paciente;
 modificar as hipóteses subjacentes;
 trabalhar a prevenção de recaída e preparar o encerramento.

13
É fundamental trabalhar com uma abordagem hierárquica acerca dos
problemas do paciente, e essa hierarquia deve ser construída de
forma colaborativa. Promover estratégias para lidar com crises e
estabelecer limites são outros dois elementos fundamentais do
tratamento.

Para alcançar a melhora clínica almejada, o terapeuta cognitivo-


comportamental se utiliza de uma quantidade razoável de técnicas
terapêuticas, mais especificamente todas aquelas propostas no
modelo de TCC padrão, às quais são acrescidas técnicas
experienciais, como role playing, imagens mentais e cadeira vazia,
ainda que o objetivo final seja a mudança cognitiva (Beck et al, 1993).

O uso de técnicas experienciais (em especial a utilização de


imagens mentais) é uma ferramenta poderosa para a
reestruturação de memórias da infância, uma vez que permite
a ativação das emoções do paciente e seu trabalho em um
nível mais emocional, e não apenas em um nível cognitivo.

DBT de Marsha Linehan


A terapia dialética comportamental (DBT) foi desenvolvida por Marsha
Linehan, especialmente para pacientes com TPB que se
automutilavam, mas atualmente é usada para inúmeros transtornos.
Em sua busca por compreender o paciente borderline, Linehan
considera áreas problemáticas de seu funcionamento, que mais tarde
se tornarão metas do tratamento (Palacios, 2008):

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 disfunção emocional: dificuldade na regulação das emoções;
 disfunção interpessoal: relações interpessoais caóticas;
 disfunção comportamental: impulsividade e comportamentos
suicidas;
 disfunção cognitiva: pensamento dicotômico;
 alteração na identidade: sensações crônicas de vazio e incerteza
em relação a autoconceito, identidade sexual e imagem
corporal.

Para Linehan (2010), a personalidade borderline resulta da interação


entre fatores biológicos e de aprendizagem social. Segundo o modelo,
o indivíduo borderline apresenta uma disfunção no sistema de
regulação emocional, que, de um lado, apresenta alta vulnerabilidade
emocional (limiar emocional baixo), e de outro, uma importante
dificuldade de modulação dos afetos (emoções intensas e dificuldade
de voltar à sua linha de base).

Outro conceito importante da teoria de Linehan é o ambiente


invalidante, ou seja, os padrões de criação que a criança vai
recebendo durante seu desenvolvimento. Os cuidadores (geralmente
os pais) não validam a expressão emocional da criança quando esta
comunica estados internos, o que resultará na dificuldade de
identificação, nomeação e, consequentemente, regulação de seus
estados emocionais.

O programa de tratamento (manualizado) que Linehan propõe está


baseado em uma perspectiva dialética, ou seja, o terapeuta busca
consigo mesmo e junto ao paciente a conciliação de opostos, em um
processo constante de síntese. A dialética mais primordial do
tratamento refere-se à necessidade de aceitar os pacientes como são,
a fim de ensiná-los a mudar Linehan (2010).

Linehan (2010) indica características importantes para um terapeuta


dialético comportamental:

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 orientação para a aceitação versus orientação para a mudança;
 firmeza convicta versus flexibilidade empática;
 estímulo versus exigências benevolentes.

Estratégias de aceitação versus confrontação e mudança são


amplamente empregadas na DBT, por isso o tratamento foca a
validação das capacidades do paciente e o treinamento de
suas habilidades.

Para Palacios (2008), os objetivos essenciais da DBT são:

 ensinar o paciente a modular sua emotividade extrema;


 ajudar o paciente a reduzir seus comportamentos
disfuncionais/desadaptativos dependentes de seu estado de
humor;
 fazer com que o paciente confie e valide suas próprias
experiências, emoções, pensamentos e atividades.

Como modelo de tratamento manualizado, a DBT apresenta a


necessidade de trabalhar com diferentes componentes ou modos,
como os listados a seguir.

 Psicoterapia individual: inicialmente, centra-se em questões


emocionais, incluindo a motivação para manter-se vivo e em
tratamento.
 Treinamento de habilidades em grupo: envolve o ensino de
habilidades autorregulatórias e de mudança e habilidades
necessárias para aceitar o self e o mundo.
 Consulta por telefone.

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 Consultoria de caso para o terapeuta.

Entre as estratégias básicas utilizadas na DBT, de acordo com


Bateman e colaboradores (2007), estão:

 análise comportamental;
 análise de soluções e estratégias de soluções;
 treinamento de habilidades;
 estratégias para o insight;
 manejo de contingências;
 exposição;
 modificação cognitiva;
 intervenções didáticas;
 estratégias de orientação;
 aquisição e fortalecimento de comprometimento.

TE de Jeffrey Young
A terapia do esquema (TE)(Young et al, 2008) nasce como uma
alternativa à TCC padrão (modelo de Beck) para pacientes com
transtornos da personalidade, transtornos crônicos e/ou difíceis, uma
vez que estes não respondiam inteiramente à TC quando eram
submetidos a ela.

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Jeffrey Young elaborou a TE como uma proposta de modelo de
TCC avançado e integrativo, na medida em que absorve e
organiza, em uma teoria e prática coesa, elementos e técnicas
de outras abordagens, como Gestalt, teoria do apego,
psicanálise (teoria das relações objetais). Assim, o modelo
original de Beck foi extensamente ampliado.

Entre os elementos inovadores trazidos por Young e colaboradores


(2008) com a TE encontram-se:

 esquemas iniciais desadaptativos (EIDs);


 necessidades emocionais básicas;
 estilos e estratégias de enfrentamento;
 maior ênfase na compreensão da história anterior do paciente e
de seus padrões de vida;
 destaque ao uso de técnicas expressivas e emocionais;
 maior importância à relação terapêutica como um veículo de
mudança.

Os EIDs estão na base das dificuldades do paciente borderline, uma


vez que a realidade é processada a partir deles. Os EIDs são um tema
ou padrão amplo e difuso, formado por memórias, sensações
corporais e emoções relacionadas a si próprio ou aos relacionamentos
com outras pessoas.

Os EIDs são desenvolvidos durante a infância ou adolescência,


elaborados ao longo da vida do indivíduo e disfuncionais em um nível
significativo. Três são os elementos que, interrelacionados, contribuem
para sua formação:

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 o temperamento;
 a não satisfação das necessidades emocionais básicas;
 um ambiente nocivo e invalidante.

A criança já nasce com um temperamento (biológico) e, a partir dele,


vai experimentando e se constituindo como sujeito. Todas as crianças
nascem com necessidades emocionais básicas (universais), as quais
devem ser supridas na primeira infância pelos cuidadores (geralmente
os pais) para que seu desenvolvimento cognitivo-emocional-afetivo
seja adequado e saudável.

Por via de regra, as necessidades emocionais básicas do indivíduo


borderline não foram atendidas. Ele não recebeu os cuidados de que
necessitava, pois vivenciou um ambiente com inúmeras experiências
nocivas no início da vida. Young e colaboradores (2010) preconizam
quatro situações maléficas:

 frustração tóxica de necessidades;


 traumatização ou vitimização;
 indulgência demasiada dos pais ou cuidadores;
 internalização ou identificação seletiva com pessoas
importantes.

Young propõe 18 EIDs:

 abandono/instabilidade;
 desconfiança/abuso;
 privação emocional;
 defectividade/vergonha;
 distanciamento/isolamento social;
 vulnerabilidade;
 padrões inflexíveis;
 dependência/incompetência;

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 vulnerabilidade a dano e doença;
 emaranhamento;
 fracasso;
 arrogância/merecimento;
 controle insuficiente;
 subjugação;
 autossacrifício;
 busca de aprovação e reconhecimento;
 negatividade e pessimismo;
 inibição emocional.

Young e colaboradores (2008) afirmam que os pacientes borderline


desenvolvem estilos e respostas de enfrentamento desadaptativas
desde cedo em suas vidas para se adaptar aos esquemas, a fim de não
vivenciarem emoções intensas suscitadas pela ativação desses
esquemas. Isso porque, na infância, estes representam a ameaça de
não satisfação de suas necessidades emocionais, que são:

 vínculos seguros;
 autonomia;
 liberdade de expressão;
 espontaneidade e lazer;
 limites realistas.

20
Os estilos de enfrentamento servem como fatores no processo
de perpetuação esquemática, juntamente com as distorções
cognitivas. É importante ressaltar que, neste modelo, os
comportamentos não fazem parte dos EIDs, e sim da resposta
de enfrentamento.

Como mostra o Quadro 1, três são os estilos de enfrentamento


segundo a TE.

Quadro 1

ESTILOS DE ENFRENTAMENTO E TERAPIA DO ESQUEMA

Estilo Descrição
O indivíduo luta contra o esquema pensando, se
comportando e se relacionando com os demais como se o
Hipercompensação oposto do esquema fosse verdadeiro. O adulto esforça-se
para ser o mais diferente possível da criança que foi
quando seus esquemas foram adquiridos.
O paciente consente com os esquemas que possui, sem
Resignação tentar evitá-los e nem lutar contra eles. Aceita os esquemas
como verdadeiros.
O paciente organiza sua vida de forma que os esquemas
não sejam ativados. Vive sem consciência deles, como se
Evitação
não existissem. Evita pensar neles e bloqueia imagens que
os ativem.

Inicialmente, a TE propôs tratar o indivíduo borderline a partir de


estratégias cognitivas, emocionais, comportamentais e experienciais
elaboradas para cada EID. Isso rapidamente se mostrou ineficiente,
uma vez que é comum pacientes borderline apresentarem 14, 15 ou
16 esquemas concomitantemente. Young criou, então, uma nova

21
unidade de análise para a conceitualização desses pacientes, os
modos esquemáticos (MEs), o que também foi acompanhado de
técnicas e recursos terapêuticos específicos.

O ME é a forma como o paciente se apresenta no momento,


incluindo o conjunto de esquemas do indivíduo, suas
respostas de enfrentamento (adaptativas ou desadaptativas) e
seus estados emocionais que estão ativados em um mesmo
momento.

Com os MEs, a TE fica mais palatável ao psicoterapeuta e ao paciente,


uma vez que a terminologia se torna mais acessível para ambos na
conceitualização de caso, na psicoeducação e até mesmo no
tratamento.

Os pacientes com TPB mudam continuamente de um ME a outro


como resposta aos acontecimentos da vida e têm MEs mais extremos
e inflexíveis. O Quadro 2 apresenta os principais MEs desses
indivíduos, que são (Young et al, 2008).

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Quadro 2

MODOS ESQUEMÁTICOS NO PACIENTE BORDERLINE

Modo
Descrição
esquemático
O paciente se encontra desconectado e fechado para todas
Protetor desligado as emoções. Está desligado, evita os outros e pode se
comportar de maneira submissa.
É a criança interior que sofre. É a parte do paciente que
Criança sente dor e terror associados com a maior parte dos
abandonada esquemas (abandono, abuso, imperfeição, subjulgação). O
paciente parece frágil e infantil.
Criança brava, É predominante quando o paciente está com raiva e se
impulsiva e comporta impulsivamente por suas necessidades
zangada emocionais básicas não serem atendidas.
É a raiva ou o ódio internalizado do pai ou da mãe ou,
Pais punitivos/
normalmente, de ambos. Sua função é punir o paciente
críticos
por fazer algo “errado”.
É pouco desenvolvido e extremamente fraco no paciente
Adulto saudável
borderline.

O tratamento por meio da TE para o TPB envolve uma mescla


do trabalho com os EIDs, os esquemas e as estratégias de
enfrentamento. No modelo de Young e colaboradores (2010), a
ênfase está nas técnicas vivenciais. As técnicas das imagens
mentais e da cadeira vazia são extensivamente utilizadas
nesse modelo.

Segundo Young e colaboradores (2008), as técnicas vivenciais têm


por objetivo ativar as emoções conectadas aos EIDs e realizar a
repartenalização limitada, com o objetivo de curar essas emoções. A
força das técnicas vivenciais resulta da vivência emocional corretiva

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experimentada pelo paciente junto ao terapeuta no processo.
Técnicas cognitivas e comportamentais são, também, amplamente
utilizadas.

24
CONCLUSÃO

Os transtornos da personalidade passaram a ser objeto de estudo da


TCC por volta de 1990. O modelo de Beck foi o primeiro modelo mais
robusto para esses casos, em especial o TPB, por ser o transtorno da
personalidade mais prevalente, o qual vem sendo foco de diferentes
teóricos das TCs.

Entre os modelos mais consistentes para o TPB, encontram-se a TCC


de Beck, a DBT de Linehan e a TE de Young. Ainda que o foco de Beck
para o TPB tenha passado do processamento da informação para a
compreensão do transtorno a partir de processos motivacionais,
sociais e cognitivo-afetivos, o tratamento segue cumprindo uma
agenda eminentemente cognitiva (racionalista).

Linehan, com a abordagem dialética comportamental, volta-se um


pouco mais para os princípios de aprendizagem e, dessa forma, faz de
seu modelo uma abordagem um pouco mais comportamental. Ela
enfatiza a desregulação emocional (afetiva) e atribui a essa
desregulação às dificuldades encontradas nos pacientes borderline de
habilidades, o que será foco central da terapia (treinamento de
habilidades), juntamente com a validação das capacidades do
paciente (dialética entre a aceitação com a necessidade de mudança).

Young apresenta um modelo avançado e integrado dentro das TCCs


ao trazer elementos teóricos e práticos de outras abordagens, em uma
compreensão uniforme e coesa do TPB. Para Young, o centro da
psicoterapia está na cura dos EIDs, que ocorre a partir da relação
terapêutica, das técnicas experienciais, cognitivas e comportamentais.

De 1990, quando surgiu o primeiro modelo cognitivo, até o presente


momento, muito se desenvolveu no campo da conceitualização e do
tratamento do TPB. Ainda que existam pesquisas subsidiando

25
principalmente a DBT e a TE, muito há o que estudar e avançar nesse
campo.

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REFERÊNCIAS

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de transtornos mentais: DSM-IV-TR. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2012.

American Psychological Association. Manual diagnóstico e estatístico


de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.

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personalidade borderline. In: Gabbard GO, Beck JS, Holmes J.
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Beck A. Teoria dos transtornos da personalidade. In: Beck A, Davis DD,


Freeman A. Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade. Porto
Alegre: Artmed; 2017.

Beck AT, Davis DD, Freeman A. Terapia cognitiva dos transtornos da


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Beck A, Freeman A, Davis DD. Terapia cognitiva dos transtornos de


personalidade. Artes Médicas: Porto Alegre; 1993.

Beck AT, Freeman, A, Davis DD. Terapia Cognitiva dos Transtornos da


Personalidade. 2a ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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