STF, Fake News e Liberdade de Expressão - Entre o Ativismo Judicial e A Defesa Da Democracia

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STF, Fake News e Liberdade de Expressão: Entre o Ativismo Judicial e a Defesa da

Democracia

Wilson Diniz de Oliveira Filho


Graduando em Direito, IDEA, Brasil
[email protected]

Claudia Maria da Silva Bezerra


Doutora em Administração (UNINOVE)
Profa. Orientadora - IDEA, Brasil.
[email protected]

RESUMO

O presente artigo trata das razões que levaram o judiciário a agir de ofício sobre
justificativa de salvaguardar a Democracia que passaria por deterioração do ciberespaço
formado pelas redes sociais. Tem-se como objetivo refletir se essas ações foram assertivas, se
há legitimidade em agir de ofício e se essas ações não laceram os princípios legais das
relações democráticas. Há, também, o esforço para compreensão em como notícias falsas
geram efeitos sobre a democracia brasileira e a liberdade de expressão. A abordagem
metodológica consiste na utilização de instrumentos de análise baseados na coleta de
documentos oficiais e de debates públicos, notas realizadas por meio de mídias virtuais e
entrevistas a veículos de comunicação. Ademais, houve a revisão da bibliografia acerca dos
assuntos ligados a conceitos como liberdade de expressão, discurso de ódio e ativismo
judicial e legislação visando o aprofundamento teórico sobre a temática. Como resultado,
temos o entendimento que, apesar de polêmicas, as movimentações que visam a seguridade
do sistema democrático seguem uma resposta necessária, e que se manter inerte diante de
ataques e ameaças às instituições seria um problema ainda mais profundo. Ademais, muitos
são os esforços para se chegar em medidas assertivas em relação ao novo ambiente
democrático e que, de fato, ainda haverão muitas mudanças em relação ao exercício da
ciberdemocracia.

PALAVRAS-CHAVE: STF, ATIVISMO JUDICIAL, FAKE NEWS,


CIBERDEMOCRACIA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO

ABSTRACT

This article deals with the reasons that led the judiciary to act ex officio on the
grounds of safeguarding Democracy that would involve freedom from cyberspace formed by
social networks. The objective is to reflect whether these actions were assertive, whether
there is legitimacy in acting ex officio and these actions do not undermine the legal principles
of democratic relations. There is also an effort to understand how fake news generates effects
on Brazilian democracy and freedom of expression. The methodological approach consists of
using analytical instruments based on the collection of official documents and public debates,
notes made through virtual media and interviews with media outlets. In addition, there was a
review of the bibliography on subjects linked to concepts such as freedom of expression, hate
speech and judicial activism and legislation and theoretical depth on the subject. As a result,
we understand that, despite being controversial, movements aimed at the security of the
democratic system follow a necessary response, and that remaining inert in the face of attacks
and threats to institutions would be an even deeper problem. Furthermore, there are many
efforts to arrive at assertive measures in relation to the new democratic environment and
which, in fact, will still have many changes in relation to the exercise of cyberdemocracy.

KEYWORDS: STF, JUDICIAL ACTIVISM, FAKE NEWS, CYBERDEMOCRACY,


FREEDOM OF EXPRESSION
INTRODUÇÃO

Desde 2013, o Brasil tem enfrentado diversos problemas em relação ao uso de


meios de comunicação em massa, em especial, ao uso da internet em larga escala, no que
tange a questões que comprometem a saúde do complexo sistema democrático (Monteiro
Pereira, 2023). As Fake News - que consistem na distribuição deliberada de desinformação
ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas mídias sociais -
tornou-se um meio efetivo para a condução de estratégias que visam minar a lisura das
instituições democráticas. Segundo Almeida (2019), os discursos anti-sistema, empenhados
no desgaste de legitimidade das instituições e sobretudo de seus agentes, unem-se a discursos
conservadores em torno de pautas securitárias e morais, sendo marcados pela potencialidade
desestruturante e de produzir alta instabilidade e pouca previsibilidade.

Outrossim, durante as últimas eleições presidenciais, a questão do uso das redes


sociais como artifício para movimentação política evidenciou ainda mais a necessidade de
discussão acerca das problemáticas que envolviam a não previsibilidade do uso de perfis -
muitos deles sendo automatizados - com intencionalidade de inflame social, isso porque o
sistema eleitoral brasileiro nunca havia sido tão atacado, e o que antes era apenas uma
movimentação virtual, se tornou uma onda com efeitos nocivos à integridade da democracia
brasileira. Na leitura de Marcos Nobre (2019), esse tipo de mobilização busca normalizar o
caos. As interações nas redes sociais possibilitam a sensação de participação direta no
governo e consequentemente na política, trazendo à tona um êxtase participativo nunca visto.

Nesse contexto, o presente artigo propõe explorar como a construção da ideia de


liberdade de expressão foi deturpada em prol de interesses mercantilistas e políticos, além de
analisar a competência do STF em atuar de ofício em defesa dos interesses relativos à
autonomia e proteção do aparato democrático brasileiro.

Diante desse cenário, o STF - após arguição de descumprimento de preceito


fundamental - deu legalidade ao que ficou conhecido como “inquérito das fake news”
(INQ4781). O inquérito foi instaurado de ofício pelo então presidente do STF, ministro Dias
Toffoli - tendo como relator o ministro Alexandre de Moraes - em 2019, para apurar e
investigar notícias fraudulentas - como o ataque ao sistema eleitoral -, denunciações
caluniosas e ameaças contra as instituições - incluindo a própria Corte - e ministros do STF, e
seus familiares. Como resultado da ADPF, dez votos a favor e um contrário, houve a
legitimação do recurso. Contudo, o voto do ministro Marco Aurélio - voto vencido - alegaram
que o artigo 43 do Regimento não teria sido recepcionado, e que o Supremo teria violado o
sistema acusatório, onde existe divisão das funções de julgar, acusar e defender, tendo em
vista que cabe ao Ministério Público a função de acusar, ou no caso investigar, e que ao Juiz
apenas lhe cabe o dever de julgar, se assemelhando ao Juiz Inquisidor onde o mesmo é o
dono do processo possuindo todas as funções e o réu como mero objeto figurador. Esse
episódio causou grande polarização social e levantou questionamentos acerca da lisura do
devido processo legal. Nesse ínterim, Corrêa (1983) pontua:

[...] É possível concluir que as decisões conflitantes tomadas por esses ministros
implicam um alargamento de poder. Contudo, quando liberdades individuais,
direitos sociais e a própria democracia estão em jogo, o debate sobre o “ativismo
judicial” – tomado como categoria acusatória - não é suficiente para explicar as
dinâmicas decisórias no âmbito do STF, uma vez que, nas tomadas de posição,
principalmente em temas sensíveis, os autos e decisões são cruzados por relações de
poder e moralidades (CÔRREA, 1983).

“[...] O STF não pode ir além, mas não pode ser impedido a ficar aquém [...]”.
(BRASIL, ADPF 572, p. 32). Diante dessa afirmativa foi dado o primeiro passo com a
proposição do PL2630/2020, projeto de lei que visa combater a disseminação de informações
falsas e a manipulação do debate público nas plataformas digitais, estabelecendo mecanismos
para a responsabilização de plataformas digitais e usuários que compartilham conteúdo falso
ou prejudicial. Entre as medidas propostas estão a criação de regras para identificação de
perfis e contas automatizadas, a promoção da transparência nas redes sociais, a garantia do
direito de resposta e a cooperação internacional para combater a desinformação.

Nessa conjuntura, a questão norteadora deste artigo é: As instituições têm exercido


de forma assertiva a proteção do regime democrático? Há legitimidade no exercício de ofício
de defesa por parte da Suprema Corte em relação ao combate às fake news e defesa da
liberdade de expressão sem que fira os princípios legais das relações democráticas?

A abordagem metodológica consiste na utilização de instrumentos de análise


baseados na coleta de documentos oficiais e de debates públicos, notas realizadas por meio de
mídias virtuais e entrevistas a veículos de comunicação. Ademais, houve a revisão da
bibliografia acerca dos assuntos ligados a conceitos como liberdade de expressão, discurso de
ódio e ativismo judicial e legislação visando o aprofundamento teórico sobre a temática.

Por conseguinte, o artigo visa dirimir dúvidas sobre a legitimidade da atuação de


ofício do STF frente aos ataques sofridos, como também refletir se o combate a
desinformação não viola o princípio da liberdade de expressão levando-se em conta que o
disparo em massa de fake news afetam a capacidade de julgamento assertivo das pessoas,
suas escolhas, o que compromete a democracia e a própria liberdade de expressão. Não há a
pretensão de esgotamento acerca da temática, mas sim a continuidade na construção sobre os
mecanismos de defesa frente às ramificações que são geradas por essas consequências,
priorizando identificar possíveis soluções ao que por ventura venha ameaçar o regime e o
exercício da democracia.

Destarte, compreender que a desinformação afeta diretamente a qualidade da


disputa política e portanto à vida dos cidadãos e que a revolução científico tecnológica trouxe
consigo novos desafios tornando primordial o desenvolvimento de regras que garantam o
Estado democrático e de direito, e por isso que há a necessidade de constante análise das
ferramentas e processos que atuem no enfrentamento e garantia do exercício democrático
salvaguardando a autonomia e soberania nacional.

1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA

O processo de construção do que hoje conhecemos por Democracia, conforme


estudos da historicidade, deu-se com a sociedade grega. Acredita-se que a distinção entre
gregos e os demais povos estabeleceu-se no desenvolvimento do pensar: enquanto gregos
buscavam elucidar suas indagações por meio da razão, os demais povos se apropriaram de
visões voltadas a teocentrismos, em que se apoiavam em Deus para obter respostas para suas
inquietudes. Os gregos assim, encontram na política, pautados pela razão, a solução para suas
dificuldades e, com isso, deram início aos primeiros sustentáculos para o que hoje se entende
por Democracia. (Bezerra, E.V.) Apesar de ainda tímido e limitado, o exercício democrático
foi a resposta para as necessidades que a convivência em sociedade exigia: “A convivência
em sociedade depende de uma organização, e tal organização, na Grécia antiga, se dava por
meio de “constituição” [...] essa “constituição”, segundo Bezerra, é pautada na organização
das várias autoridades, porém, sendo o corpo dos cidadãos soberano. Assim, nas constituições
democráticas, o povo, ou demos, é soberano dentro da soma total da politeuma. (Aristóteles).
Diante desse contexto, é de entendimento que - apesar da equidistância entre o modelo
democratico exercido atualmente e o praticado na antiguidade, a sua gênese deu-se com a
politéia grega.

[...] Afirma-se que a democracia adotada na Antiguidade pode ser compreendida


como um sistema governamental pautado em ideais filosóficos, oriundo do poder
absoluto e autônomo do cidadão, que livremente manifestava seus argumentos sobre
a cidade sem obter vantagem ou privilégio nas assembleias, porquanto, buscava-se
apenas o bem comum, ou seja, o debate sobre a democracia formou-se sob o
símbolo da busca da universalidade do bem comum. Desta feita, a Democracia se
concretiza quando se tem por finalidade criar um ambiente político com fulcro em
resguardar os direitos dos cidadãos contra o absolutismo e/ou o totalitarismo do
Estado, pois é um sistema que, segundo entendimento dos antigos, se regula no
poder do “demos” ou do povo.(Bezerra, E. V., 2024)

Como resultado de revoluções, processos, avanços e retrocessos, a transformação


da Democracia teve seus pilares reforçados por erros e acertos. Contemporaneamente, há de
se conceituar o exercício democrático como um regime político em que os cidadãos no
aspecto dos direitos políticos participam igualmente — diretamente ou através de
representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o
poder da governação através do sufrágio universal. Nesse sentido, Norberto Bobbio
argumenta:

[...] A Democracia de hoje é uma democracia representativa às vezes


complementada por formas de participação popular direta; a democracia dos antigos
era uma democracia direta, às vezes corrigida pela eleição de algumas magistraturas
(Bobbio, Norberto. 2000)

Diante dessa conjuntura, Joseph Schumpeter estipula condições para que o


processo democrático obtenha um resultado positivo. A primeira condição é a necessidade de
“qualidade do material humano” que chega ao gabinete e ao parlamento, ou seja, um bom e
qualificado número de dirigentes. A segunda condicionante tem a ver com os “limites de
abrangência efetiva da decisão política” impondo as restrições que limitam assim a máquina
política. Como terceira condição, Schumpeter aponta o respeito à “necessidade de uma
burocracia bem treinada”, dotada de força e de boa posição para conduzir e ensinar os
políticos que encabeçam os ministérios. A quarta e última condição, por sua vez, estabelece o
“autocontrole democrático”, no qual o método democrático só pode funcionar se todos os
grupos estiverem dispostos a aceitar as medidas governamentais pautadas nas leis.

A partir desse entendimento, abre-se um espaço de reflexão acerca do exercício


da democracia na atualidade. Segundo Bezerra, E. V., não há dúvidas que a democracia
contemporânea se produz, se arranja e se propaga por meio dos veículos de comunicação -
assim sendo: a internet, as redes sociais e as mídias de massa. Atualmente, o papel político
dessas plataformas são parte inerente do processo democrático brasileiro. César Steffen,
pontua:

[...] A democracia contemporânea se dá , se faz e se promove pela e através da


midiatização devido a necessidade da ampla audiência que os processos e as redes
midiáticas alcançam, tendo então o campo midiático um fundamental papel político
nos processos democráticos. A mídia busca audiência para si, a política gera e usa
essa audiência para construir seus efeitos, os especialistas auxiliam ou conduzem
estas ações e fazeres dos atores político, a mídia pauta o processo e é pautada pela
política, numa ampla conexão e cruzamento que faz as visibilidades da política, e
assim, constroi as lógicas, formatos e processos da democracia contemporânea.
(Steffen, César. 2010).

Ante o exposto, faz-se o entendimento que a atual conjuntura democrática se dá


em um campo em que “a voz do povo” ou a “reverberação das ruas” vem de um maior
contato com a prevalência desses cidadãos no que se conceitua como ciberespaço, local esse
em que a um fluxo intenso de informações em que o e-cidadão - conceito de cidadão
contemporâneo, preocupado com as questões políticas e sociais, interligado com vários
outros cidadãos por meio da rede mundial de computadores e que utiliza as redes sociais para
expor seu ponto de vista realizar e organizar manifestos, etc (Bezerra, E. V., 2024) - , por
vezes, transita em mais de um ambiente virtual concomitantemente. Nesse ínterim, os
avanços tecnológicos foram e são de extrema importância para a concretização da democracia
dos dias atuais, avanços esses viabilizados pela revolução tecnológica. Entretanto, como
dicotomia, esse avanço trouxe consigo desafios, a democratização digital provocou em várias
esferas do Estado, a necessidade de construir mecanismos para tornar o governo, também,
digital. Posto a velocidade das demandas por consequência da ciberdemocracia, têm-se
observado um esforço da sociedade civil em galgar meios para que o exercício democrático
seja assegurado em sua forma plena, isso porque, com o aumento das variáveis sociais, a
ciberdemocracia se tornou solo fértil aos (des)encontros de pensamentos que agora se
ambientam em um espaço até então desconhecido pela antiga relação democrática. Em
tempo, Flávia Piva argumenta:

[...] Tais redes sociais online são meios de comunicação em que não só brasileiros,
inclusive esses têm contato com qualquer pessoa. Transmitem e recebem
informações instantaneamente, a todo tempo; há uma inserção nesse meio com
bastante frequência e intensidade. Entretanto, o que constatamos muitas vezes, é o
desvio da finalidade dessas redes, porque os usuários passaram a escrever
informações que com certa frequência violam a direitos e garantias fundamentais,
praticados por pessoas muitas vezes escondidas por trás de apelidos, pseudônimos,
cometendo crimes ocultos pelo anonimato, e ainda, muitas vezes, espalhando sua
palavra de ódio (Leite, F. P. A, 2016).

Em vista disso, segundo Bezerra, E. V. [...] “Infelizmente, parcela significativa da


população não tem interesse por questões políticas e sociais, nem como não tem interesse
pelo denominado “bem comum” do bom andamento do Brasil”. Isso se torna claro quando
observado as consequências das divergências de pensamentos no ambiente real.
Manifestações como as denominadas “Jornadas de Junho de 2013” e a invasão da Praça dos
Três Poderes no 8 de Janeiro de 2023 são fruto da deturpação do entendimento de liberdade
de expressão, e para além disso, consequência direta do uso das plataformas digitais para
suplantação de discursos de ódio e de desordem, alicerçados por grande fluxo de inverdades,
por conta do disparo de fake news. Não obstante, Piva também pontua:

[...] A liberdade de expressão do pensamento é um direito inerente ao ser humano


que necessita se comunicar constantemente com o outro. A liberdade de expressão,
por possibilitar essa manifestação não só do pensamento, mas de opiniões, ideias e
ideologias, é a maneira pela qual o indivíduo participa da vida em sociedade e das
decisões do Estado. Assim sendo, o Estado deve assegurar ao indivíduo o direito de
expor e manifestar o seu pensamento livremente, sem sofrer qualquer restrição.
Nesse particular veda o Texto Constitucional expressamente a censura e a licença.
Todavia, o exercício da liberdade de expressão do pensamento não é absoluto.
Aliás, as restrições ao seu exercício constam do próprio Texto Constitucional;
encontramos a vedação ao anonimato, a proibição de violação à honra, à imagem, à
vida privada e à intimidade do indivíduo, e a obrigação de indenização por danos
materiais ou morais no caso do seu exercício de forma abusiva. Portanto, apesar de
permitir o pleno desenvolvimento da personalidade por meio de uma irradiação na
comunicação e no nosso caso, através das redes sociais, encontra limites na
razoabilidade da mensagem emitida, ou seja, é pressuposto que o emissor tenha o
discernimento necessário para aferir o alcance positivo e até mesmo negativo do seu
discurso. (Leite, F. P. A. 2016)
Destarte, o surgimento da era digital tem suscitado a necessidade de repensar
importantes aspectos relativos à organização social, à democracia, à tecnologia, à
privacidade, à liberdade, isso porque, as redes sociais se converteram em um espaço marcado
pela polarização e pelo extremismo, no qual o livre fluxo de comunicação é constantemente
corrompido por “ruídos” que, muitas vezes, impedem qualquer forma efetiva de diálogo e de
entendimento. (Leite, F. P. A. 2016). Dessa forma, em qualquer contexto, o limite da
liberdade de expressão é o limite da violação de direitos. Tudo que é crime não é liberdade de
expressão. Os direitos são interdependentes, portanto, não há um, quando o outro é violado.

2. O MERCADO DA ATENÇÃO: UM ALIADO POLÍTICO

[...] “Nossas sociedades estão cada vez mais estruturadas em uma oposição
bipolar entre a Rede e o Ser” (Castells, Manuel. 1999). Dentro desse contexto, a sociedade
contemporânea vem adotando as Tecnologias de Informação e Comunicação (TCIs), em
especial a internet, na vida social, econômica e pública, como um local aberto e propício ao
fomento de debates relativos a temas que em outros tempos eram discutidos apenas de forma
presencial. A ágora atual constitui-se em um espaço em que o discurso da pessoa, e
consequentemente sua visão de mundo, não só é exposto como construído dentro da própria
internet. Esse aspecto sucinta preocupação, posto que a forma como a internet, mais
especificamente as redes sociais, entregam conteúdo está atrelada diretamente a uma estrutura
atualmente muito mais manipulável:

[...] Nos dias de hoje, seria ingenuidade descrever a Internet e as mídias sociais
apenas como um espaço de comunicação autônoma. É certo que, em grande medida,
tais características continuam presentes. Porém, é preciso considerar que, ao lado da
descentralização dos meios de expressão e da diminuição da dependência em face
de antigos intermediários, operou-se uma paradoxal concentração do controle das
principais plataformas digitais e uma correlata ampliação do poder de grandes
corporações. Por consequência, estas assumiram a condição de novos e influentes
intermediários – para os mais críticos, exercendo, inclusive, o papel de monopolista
– sobre boa parte da comunicação efetuada por meio da Internet e das redes sociais.
(De Carvalho, L. B., 2020)

Em face dos interesses mercantilistas que envolvem a grande engrenagem


algorítmica, há de se perguntar até que ponto os conteúdos consumidos nas plataformas estão
sendo imparciais, e se existe a possibilidade de desenvolvimento de pensamento crítico
dentro de um espaço que visa acima de tudo o lucro em detrimento da verdade e da qualidade
de informação. Diante disso, Lucas Borges (2020) considera:
[...] pode-se concluir que, na Internet e nas redes sociais, há um nítido desequilíbrio
no jogo de forças que se estabelece entre, de um lado, os imperativos econômicos e
os interesses políticos, e, de outro, os incentivos gerados pela reputação e pela
regulação estatal. Com isso, criou-se um ambiente que premia, em uma escala sem
precedentes, produtores de notícias falsas e sensacionalistas e incentiva o uso de
técnicas de manipulação da opinião pública em detrimento da produção de conteúdo
original, de qualidade e relevante. Da mesma forma, e apesar da deterioração dos
fóruns públicos de deliberação e do fenômeno das fake news, são elevadas as
recompensas destinadas aos novos intermediários, gigantes do Vale do Silício que
controlam as principais plataformas digitais, a coleta massiva de dados de usuários e
a distribuição de anúncios na rede. Nesse cenário, barrar a difusão de notícias falsas
se tornou um grande desafio, pois, em última análise, envolve discutir o próprio
modelo de negócios sobre o qual estão estruturadas as redes sociais e as principais
empresas que atuam na Internet.(De Carvalho, L. B., 2020)

Ademais, Monteiro, Pereira (2023) acrescenta:

Desse modo, os algoritmos não percebem os usuários isoladamente. Isto quer dizer
que um usuário deve ser entendido como a soma da fragmentação de vários usuários
interligados, tal qual um modelo de comportamento animal coletivo (CESARINO,
2022). Essa matemática algorítmica explica a dinâmica da entrega de conteúdo
pelas plataformas. Explica, a priori, como os algoritmos foram pensados para
funcionar. Para além disso, existe a possibilidade do direcionamento de conteúdo.
Este direcionamento acontece porque o modelo de negócio das plataformas
disponibiliza ferramentas, mediante pagamento, que permitem “ignorar” o
algoritmo. Desse modo, a publicidade paga consegue alcançar exatamente o público
que não receberia determinado conteúdo. (Monteiro, Pereira, 2023)

Outrossim, um novo fator se tornou evidente: o uso de robotização que simula


uma persona real dentro das plataformas. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, esse
tipo de conta, que permite a automatização e a coordenação de postagens, mediante a
utilização de softwares que aparentam serem usuários comuns, foi o responsável por cerca de
20% das manifestações de usuários do Twitter favoráveis ao candidato Aécio Neves no dia do
debate transmitido pela Rede Globo no segundo turno da eleição presidencial de 2014.
Percentual similar foi identificado entre manifestantes pró-Dilma Roussef no dia da
realização do maior protesto a favor do Impeachment em março de 2015 e entre as
manifestações favoráveis à greve geral realizada em abril de 2017 contra as reformas
trabalhista e previdenciária propostas pelo governo Michel Temer (Ruediger, 2017). Como
consequência dessa desordem, o que era visto como uma fonte de renovação da democracia
se tornou, também, uma ameaça ao seu adequado funcionamento. Nesse cenário, o desafio
das instituições responsáveis por salvaguardar o exercício democrático corrobora na
implementação de medidas que possam conter esses efeitos nocivos e, ao mesmo tempo,
promover a produção e a disseminação de conteúdos jornalísticos de qualidade, bem como a
autonomia do espaço virtual de comunicação, pois com a atual polarização e intencionalidade
no disparo de desinformação se torna inviável a garantia de direitos constitucionalmente
estabelecidos e da própria existência do regime democratico.

3. ATIVISMO JUDICIAL: UM ASPECTO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Tem-se que ativismo judicial é um termo usado para definir a interferência do


Poder Judiciário em outros poderes de forma expansiva. Enquanto chave acusatória, o termo
é empregado para dizer que agentes do Poder Judiciário estão transferindo para si uma
parcela do poder político. É preciso lembrar que existe uma relação de mútua interação entre
direito e política. Dessa forma, quando o Judiciário é demandado a decidir sobre assuntos em
que o Legislativo se omite, é considerado ativista. Essa discussão não é tão simples, por isso,
na análise em questão, podemos dizer que, quando o STF atua como instância final para
demandas omissas e essas decisões vão de encontro a certas aspirações políticas, morais,
econômicas e sociais potencialmente conservadoras, entra em cena a chave acusatória
ativismo judicial (Monteiro, Pereira, 2023)

[...] Não há democracia sem Poder Judiciário independente e não há Poder


Judiciário independente sem juízes altivos e seguros. Coagir, atacar, constranger,
ameaçar, atentar contra o Supremo Tribunal Federal, contra o Poder Judiciário,
contra seus magistrados, contra os familiares dos magistrados é atentar contra a
Constituição Federal, a democracia, o Estado de Direito e a defesa intransigente dos
direitos humanos fundamentais. [...] Como fazer valer a defesa intransigente da
Constituição, da democracia, do Estado de Direito e dos direitos fundamentais
contra coações, ataques, constrangimentos, ameaças e atentados contra o Supremo
Tribunal Federal e seus Membros, se o próprio Supremo não se puder defender na
ausência de defesa por parte de outros órgãos?[...]. (BRASIL, ADPF 572, p. 87-88).

Diante da fala do ministro da Suprema Corte, Alexandre de Morais, a pauta sobre


o ativismo do judiciário brasileiro tomou proporções a nível internacional, isso porque o
Brasil já estava passando por uma efervescência social desde as eleições de 2018 que se
transmutou do ambiente virtual para o real sendo capaz de criar um cenário de
desestabilização do regime democrático. Ante aos entraves ocorridos entre instituições da
máquina pública brasileira, em que aspectos ideológicos e conchavos políticos se
desdobraram em arbitrariedades que foram de encontro ao bom funcionamento do aparato
burocrático, por consequência de uma inércia do Ministério Público, o STF tomou para si a
responsabilidade de responder a altura aos ataques feitos contra a democracia. Ainda de
acordo com o ministro, a atribuição de prerrogativas para a instauração de investigação ao
STF, como órgão de cúpula do Poder Judiciário, é coerente com o sistema de garantias
conferidas pela Constituição e não afronta o devido processo legal, o dever de imparcialidade
ou o princípio acusatório. Segundo ele, compete ao presidente do Supremo a defesa
institucional da Corte e da independência dos seus magistrados, que somente será assegurada
quando garantida a integridade física e psíquica de seus membros. O ministro Luís Roberto
Barroso também destacou que não se discute o cerceamento da liberdade de expressão, mas
quais são e como devem funcionar os mecanismos de autodefesa das instituições quando
atacadas. [...] "Numa democracia, há espaço para conservadores, liberais e progressistas, mas
não há espaço para violência, ameaças e discursos de ódio"

Segundo Adriana Vieira e Roberto Efrem Filho (2020), a atuação dos ministros,
ao “adentrar” a esfera das decisões em temas políticos, é de regra interpretada como
“intervencionismo” e “excesso”. Toda essa discussão diz respeito à legitimidade dessas
decisões, principalmente quando elas possibilitam a expansão dos poderes e das
interferências na experiência democrática. No caso do Inquérito 4.781, temos uma sensível
discussão sobre limites, competências e legitimidade, uma vez que todo o questionamento da
ADPF 572 se dá acerca da possibilidade de os ministros concentrarem funções processuais
distintas, sendo acusados de infringir princípios constitucionais, como os da imparcialidade,
do juiz natural e do sistema acusatório processual.

Destarte, sob ótica do que Viera e Efrem Filho (2020) chamaram de


“competência para proteção” a inclinação do STF a promover restrições pontuais à liberdade
de expressão dos indivíduos diante de casos concretos que exponham direitos de terceiros, ou
mesmo as supremas diretrizes do Estado democrático de direito, a lesão ou possibilidade de
supressão. A identidade desses discursos de ódio se choca frontalmente com a indispensável
defesa estatal da esfera de direitos – de personalidade e boa parte das garantias fundamentais,
como a própria liberdade de expressão e autodeterminação de pessoas que adotam correntes
divergentes – dos administrados, de modo a se tornar inconcebível assegurar ampla e
irrestrita liberdade àqueles que, ao fim e ao cabo, tão somente desejam tolher a liberdade
alheia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

É diante de um cenário de grande complexidade em que os referenciais de tempo


e espaço foram comprometidos que direitos que até então se presumiam assentados como
intimidade, privacidade, imagem, liberdade de expressão e liberdade de pensamento
começaram a ser colocados à prova diante de uma engenharia social em que as esferas de
limite foram implodidas pela carência de mecanismos reguladores.

O mal uso das redes de interação social por parte dos usuários, que imbuídos de
um espírito participativo - principalmente em questões políticas - associado a um
comprometimento de desenvolvimento crítico diante do disparo de notícias inverídicas, mas
que alimentavam vieses de confirmação, foram corroendo as relações com a mínima
observância a preceitos fundamentais e normas constitucionais. Por finalizar com o ataque às
próprias instituições garantidores do ordenamento jurídico e conseguinte da Democracia.

As plataformas de conteúdos, por outro lado, lucrando muito com esse ativismo,
não deram a devida atenção aos descumprimentos de regras básicas de convivência nas redes,
estabelecidas pelo ordenamento jurídico e por seus próprios termos de uso, abriram margem,
justificada, à necessária ação de ofício do Supremo Tribunal Federal em resposta a ataques
feitos às Instituições, seus membros e familiares.

O tema e a complexidade dos interesses envolvidos - políticos, econômicos,


sociais - abrangidos pela previsão das normas, a controvérsia gerada por toda essa
problemática não se exaure. Faz-se necessária a busca com o intuito de oferecer saídas
civilizacionais para o aperfeiçoamento do sistema jurídico e da realidade pragmática da vida
em um mundo virtual com efeitos reais fortalecendo as instituições, os direitos à
personalidade, princípios fundamentais, e culminando com o fortalecimento da Democracia.

Ademais, apesar da complexidade, a ciberdemocracia se constitui como uma


realidade. O momento atual revela oportunidades de aprimoramento e de adoção de novos
rumos. Certamente, a tarefa é árdua, na medida em que envolve a articulação, o
conhecimento e a atuação de muitas pessoas e instituições. Por isso, é essencial avançarmos
na compreensão da realidade e dos fenômenos que vão moldando e deformando a rede e o
exercício democrático todos os dias
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