1612-Texto Do Artigo-5013-1-10-20211226
1612-Texto Do Artigo-5013-1-10-20211226
1612-Texto Do Artigo-5013-1-10-20211226
Resumo
Não são poucas as situações em que a legislação brasileira impõe uma sé-
rie de condições para permitir a dedução fiscal de custos, despesas e per-
das nas bases de cálculo do imposto de renda pessoa jurídica e da contri-
buição social sobre o lucro líquido. Neste estudo, pretende-se analisar as
principais características do regime de dedução fiscal relativamente às per-
das no recebimento de crédito, tratado nos arts. 9th e seguintes da Lei n.
9.430, de 27 de dezembro 1996.
Abstract
There are not a few situations in which Brazilian legislation imposes a series
of requirements on the deduction of costs, expenses and losses from the
calculation basis of corporate income tax and social contribution tax on net
profits. In this article, we intend to analyze the main features of the tax
deduction system related to creditor losses, regulated by art. 9th and followings
of Law n. 9.430, of December 27th, 1996.
1. Introdução
Desenvolver uma atividade empresarial não é uma tarefa simples. O sucesso
do empreendimento depende, além da coordenação de esforços das várias pessoas
envolvidas, de uma série de sacrifícios para gerar receitas, correspondentes a cus-
tos, despesas e perdas.
Em geral, os custos referem-se ao emprego de recursos financeiros ou equi-
valente, ou a assunção de dívidas, para aquisição de bens e direitos que passarão a
compor o ativo da empresa, a exemplo, da aquisição de imóvel para instalação da
fábrica, da compra de máquinas e equipamentos, de móveis e utensílios etc.
Já as despesas voltam-se para a obtenção de utilidades ou benefícios que não
são passíveis de apropriação no ativo, muito embora elas sejam igualmente necessá-
rias ao desenvolvimento da atividade institucional da pessoa jurídica, a exemplo
do pagamento dos salários dos empregados, do recolhimento dos tributos, do pa-
gamento dos juros sobre empréstimo contraído.
Custos e despesas são sacrifícios desejados, pretendidos, queridos, ainda que
mal dimensionados ou incorridos em excesso. As perdas, ao revés, não estão sob o
controle da empresa, não são planejadas nem desejadas, embora sua ocorrência,
em determinados casos, possa ser antecipada e seus efeitos minimizados. Alguns
exemplos de perdas: divergência entre o controle de estoque e o inventário físico,
geadas ou secas que podem comprometer plantações ou criações de animais, in-
cêndios ou inundações que podem atingir estoques, máquinas e outros ativos.
162 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23
1
No caso de créditos sem garantia, de valor até R$ 5.000,00, o procedimento de dedução estabele-
cido pela legislação determina o lançamento da perda diretamente à conta do ativo que registra o
crédito (como se fosse uma perda definitiva) e independente da existência ou manutenção de me-
didas de recuperação dos mesmos. Isso os coloca numa situação “sui generis” porque, havendo pro-
cedimento administrativo ou judicial de cobrança, a dedução fiscal será tida como provisória, ao
contrário do que poderia ocorrer se não existisse tal procedimento de cobrança, em que a dedução
estará mais próxima de uma perda definitiva.
164 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23
2
Para uma análise mais profunda do tema, recomendamos a leitura do inteiro teor desses acórdãos,
porquanto suas ementas nem sempre revelam a verdadeira extensão do julgado.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23 165
res dos créditos dos clientes vencidos há mais de 180 dias, lançados a dé-
bito da conta Provisão para Devedores Duvidosos, se não provado o pré-
vio esgotamento dos meios legais à sua cobrança.”
- Acórdão n. 101-91254, de 19 de agosto de 1997, que assentou que a baixa
de crédito incobrável pela inexistência de bens não constitui perdão de dívida:
“Custos, Despesas Operacionais, Encargos - O [sic] baixa de crédito que se
tornou incobrável pela inexistência de bens do devedor para garanti-lo não
representa ‘perdão de dívida’, liberalidade do credor a impedir sua dedu-
tibilidade. A desnecessidade da despesa para fundamentar a glosa há que
ser suficientemente demonstrada pela autoridade fiscal.”
- Acórdãos n. 107-06500, de 6 de dezembro de 2001, e n. 107-06506, de 17
de dezembro de 2001; que estabeleceram que os descontos concedidos não seguem
a regra de dedução antecipada da perda constante do art. 43 da Lei n. 8.981, mas
o regime geral de dedutibilidade das despesas; além disso, descontos e abatimen-
tos tornam a perda definitiva e não correspondem à liberalidade, mas à prática ne-
gocial lícita no sentido de evitar maiores prejuízos:
“Despesas Operacionais - Abatimentos Concedidos na Liquidação de Cré-
ditos - Dedutibilidade - Não se tratando a situação fática de perdas com
créditos de liquidação duvidosa, prevista no artigo 43 da Lei nº 8.981/95,
não há que se falar em esgotamento das possibilidades e meios de cobran-
ça. Assim, os abatimentos concedidos ao devedor na liquidação de opera-
ções de crédito classificam-se como despesas operacionais e são dedutíveis
do lucro operacional.”
- Acórdão n. 101-94233, de 11 de junho de 2003, entendeu não se aplicar o
art. 9º da Lei n. 9.430 às perdas em cessão de crédito:
“IRPJ - Glosa de Despesa - Dedutibilidade - Perdas em Cessão de Crédito
- As perdas apuradas em transações de cessão de direitos de crédito, não
tendo restado dúvidas quanto a sua efetividade, nem questionado o valor
referente à transação, devem ser consideradas como necessárias, normais
e usuais para o tipo de atividade desenvolvida pela empresa, e não há como
questionar a dedutibilidade correspondente à diferença, em face da legis-
lação de regência.”
- Acórdão n. 101-94261, de 2 de julho de 2003, de acordo com o qual a de-
dução dos prejuízos havidos em determinada operação não está sujeita à norma do
art. 9 da Lei n. 9.430:
“IRPJ. Pessoas Jurídicas Administradoras de Cartões de Crédito. Custos e
Despesas Operacionais. ‘Charge Back’. Nos contratos que tratam de atos
jurídicos coligados ou negócios jurídicos coligados, os custos ou despesas
denominados de ‘Charge Back’ de responsabilidade das empresas adminis-
tradoras de cartões de créditos são dedutíveis para a determinação do lu-
cro líquido e, consequentemente, na determinação do lucro real, por se tra-
tarem de encargos necessários, usuais e normais para o tipo de atividade
desenvolvida.”
- Acórdão n. 107-08121, de 16 de junho de 2005, que considerou dedutível o
desconto concedido pelo credor ao devedor, como forma de incentivar o pagamento
da dívida:
166 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23
3
Para uma análise mais profunda do tema, recomendamos a leitura do inteiro teor desses acórdãos,
porquanto suas ementas nem sempre revelam a verdadeira extensão do julgado.
168 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23
dutível que, tradicionalmente, sempre foi considerada uma opção colocada à dis-
posição dos contribuintes, no momento de se apurar o IRPJ e a CSL devidos.
Enfim, dois regimes fiscais de apuração de perdas no recebimento de crédi-
tos convivem no mesmo sistema fiscal, de forma harmoniosa e independente: um,
de dedução antecipada, e outro, de perda definitiva.
O regime de dedução antecipada notabiliza-se pelas regras objetivas estabe-
lecidas pelo art. 9º da Lei n. 9.430, enquanto que a perda definitiva segue a nor-
ma geral de dedutibilidade, prevista no art. 47 da Lei n. 4.506, de 30 de novem-
bro de 1964, segundo a qual são dedutiveis as despesas não computadas nos cus-
tos, que sejam necessárias, normais e usuais à atividade da pessoa jurídica.
Nesse sentido, o art. 10 da Lei n. 9.430 representa uma verdadeira “ponte”
entre esses dois regimes, já que define as hipóteses em que as deduções antecipa-
das tornam-se definitivas, muito embora o dispositivo não exaure as situações de
perdas definitivas, abrangidas pelo art. 47 da Lei n. 4.506.
O art. 10 da Lei n. 9.430 possui a seguinte redação:
“Registro Contábil das Perdas
Art. 10. Os registros contábeis das perdas admitidas nesta Lei serão efetua-
dos a débito de conta de resultado e a crédito:
I - da conta que registra o crédito de que trata a alínea a do inciso II do
§ 1º do artigo anterior;
II - conta redutora do crédito, nas demais hipóteses.
§ 1º Ocorrendo a desistência da cobrança pela via judicial, antes de decor-
ridos cinco anos do vencimento do crédito, a perda eventualmente regis-
trada deverá ser estornada ou adicionada ao lucro líquido, para determi-
nação do lucro real correspondente ao período de apuração em que se der
a desistência.
§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior, o imposto será considerado como
postergado desde o período de apuração em que tenha sido reconhecida a
perda.
§ 3º Se a solução da cobrança se der em virtude de acordo homologado por
sentença judicial, o valor da perda a ser estornado ou adicionado ao lucro
líquido para determinação do lucro real será igual à soma da quantia rece-
bida com o saldo a receber renegociado, não sendo aplicável o disposto no
parágrafo anterior.
§ 4º Os valores registrados na conta redutora do crédito referida no inciso
II do caput poderão ser baixados definitivamente em contrapartida à con-
ta que registre o crédito, a partir do período de apuração em que se com-
pletar cinco anos do vencimento do crédito sem que o mesmo tenha sido
liquidado pelo devedor.”
Pois bem. Exceto pelas perdas definitivas previstas no art. 10 da Lei n. 9.430,
que acabam por referendar os critérios objetivos de dedução constantes do art. 9º,
tratando-se de perda no recebimento de crédito que siga a norma geral de deduti-
bilidade do art. 47 da Lei n. 4.506, não existe uma definição legal precisa sobre o
momento em que a definitividade da perda se configura. O reflexo dessa constata-
ção na jurisprudência administrativa é imediato, sendo inúmeros os exemplos das
controvérsias geradas e das discussões com o Fisco, a fim de comprovar o exauri-
mento das possibilidades de cobrança e de satisfação do crédito.
Além disso, outras hipóteses de dedução fiscal consideradas como facultati-
vas, em função do comando legal empregar o verbo “poder”, também devem guar-
dar respeito ao regime de competência. É o caso da dedução das despesas de de-
preciação, constante do art. 57 da Lei n. 4.506, segundo o qual “poderá ser com-
putada como custo ou encargo, em cada exercício, a importância correspondente
à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da
natureza e obsolescência normal”.
As manifestações do Fisco deixam claro que a depreciação de bens do ativo é
uma faculdade, não uma obrigação (Parecer Normativo CST n. 79/76). O sistema
tolera que a pessoa jurídica deixe de tomar a depreciação pela taxa integral, exa-
tamente porque ela é estimada. No entender da fiscalização, a taxa estimada fun-
cionaria como limite máximo de depreciação sem laudo técnico, mas não como uma
imposição, podendo a pessoa jurídica tomar uma depreciação menor, ou mesmo
nada depreciar, sem qualquer necessidade de explicar o motivo para o seu proce-
dimento.
A questão da inobservância do regime de competência pode surgir quando a
pessoa jurídica deseja recuperar quotas de depreciação não deduzidas anteriormen-
te, ou deduzidas apenas parcialmente. Embora a recuperação seja admitida, des-
de que não seja efetuada em percentual superior ao máximo de depreciação per-
mitido no ano (Acórdão n. 101-94975, de 18 de maio de 2005), há ainda de ser
avaliado se a dedução extemporânea, sem razões técnicas ou de operação, acarre-
ta vantagem indevida ao contribuinte e prejuízo ao Fisco4.
Trata-se da aplicação do disposto nos parágrafos 5º a 7º do art. 6º do Decre-
to-lei n. 1.598. O prejuízo decorrente da postergação pode existir quando a dedu-
ção se dê em período posterior no qual a alíquota do tributo tenha sido majorada
(o que acarretaria um ganho econômico de maior redução do valor tributo), ou
quando a postergação da dedução contribuiu para reduzir o limite de trinta por
cento para compensação de prejuízos fiscais (o que poderia ocorrer deixando-se a
dedução para período posterior mais lucrativo).
Como o mencionado art. 6º não fixa um limite temporal para a dedução fis-
cal após o período-base competente, restringindo-se a permiti-la com as restrições
expostas, em geral não se dá conta de que há um limite, o qual está previsto em
outras disposições legais.
4
“Plantão Fiscal - IRPJ” da Secretaria da Receita Federal, edição de 1990, Pergunta n. 257, cujo
entendimento é confirmado, mais recentemente, no “Perguntas e Respostas - IRPJ - 2008”, resposta
à Pergunta n. 053 do capítulo VIII.
172 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23
5
Relativamente a créditos extemporâneos de créditos de IPI, o Fisco também entende ser possível
apenas dentro do prazo de cinco anos (Parecer Normativo CST n. 515/71), e é pacífica a jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça, como, por exemplo: 1ª Turma, Recurso Especial n. 497.749-PR,
de 29 de junho de 2004; 1ª Turma, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 868.053-SC,
de 14 de agosto de 2007; 2ª Turma, Recurso Especial n. 554.794-SC, de 14 de setembro de 2004;
1ª Seção, Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 449.008-SC, de
14 de fevereiro de 2007.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23 173
6
Não obstante nosso entendimento vale mencionar os argumentos que, normalmente, são invoca-
dos para defender a tese da dedução integral das perdas no momento mais adequado para o con-
tribuinte: (i) a dedução antecipada da perda é faculdade legal que o contribuinte usa discricionaria-
mente, sem comprometer o direito à dedução posterior da perda definitiva; (ii) nesse sentido, o
174 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 23
4. Conclusão
Em vista do exposto, concluímos que o art. 9º da Lei n. 9.430 trata da dedu-
ção antecipada, provisória e facultativa de perdas no recebimento de créditos. Por
ser provisória, referida dedução não se confunde com as perdas definitivas regis-
tradas sob o fundamento da norma geral de dedutibilidade, que é o art. 47 da Lei
n. 4.506. Embora facultativa, a dedução antecipada das perdas deve respeitar os
ditames do regime de competência para o registro no período de apuração corre-
to. O registro fora do momento adequado afigura-nos possível, mas desde que a
dedução não acarrete prejuízo ao Fisco.