Livro Completo Filosofia Da Educação
Livro Completo Filosofia Da Educação
Livro Completo Filosofia Da Educação
SUMÁRIO
UNIDADE 01: EXEMPLO DE TEXTO......................................................................103
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Marina Leme Rosa
Heloísa Maria dos Santos Toledo
2022
CASA NOSSA SENHORA DA PAZ – AÇÃO SOCIAL FRANCISCANA, PROVÍNCIA
FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL –
ORDEM DOS FRADES MENORES
PRESIDENTE
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
DIRETOR GERAL
Jorge Apóstolos Siarcos
REITOR
Frei Gilberto Gonçalves Garcia, OFM
VICE-REITOR
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO
Adriel de Moura Cabral
PRÓ-REITOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Dilnei Giseli Lorenzi
COORDENADOR DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD
Renato Adriano Pezenti
GESTOR DO CENTRO DE SOLUÇÕES EDUCACIONAIS - CSE
Franklin Portela Correia
CURADORIA TÉCNICA
Daniel Amaro Cirino de Medeiros
CURADORIA INSTITUCIONAL
Maria Helena Peçanha Mendes
DESIGNER INSTRUCIONAL
Luiza Cunha Canto Correia de Morais
REVISÃO ORTOGRÁFICA
Rita de Cassia Sorrocha Pereira
PROJETO GRÁFICO
Impulsa Comunicação
DIAGRAMADORES
Andréa Ercília Calegari
CAPA
Andréa Ercília Calegari
CO-AUTORA
2. Concepções histórico-filosóficas.......................................................................... 12
2. O iluminismo......................................................................................................... 53
3. A consciência humana.......................................................................................... 56
4. A crise da razão.................................................................................................... 59
1 UNIDADE 1
CONCEITOS BÁSICOS
INTRODUÇÃO
"Conheça-te a ti mesmo”, a icônica frase encontrada no oráculo de Delfos, traduz a
essência do que é Filosofia. O saber é um dos objetos de estudo dessa forma de ver
o mundo e que se utiliza da razão como matéria-prima, e, muitas vezes, ao conseguir
uma possível resposta para uma questão, ela suscita novas questões, por isso os seres
humanos vivem em constante busca pelo saber.
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1a/Delphi_by_Albert_Tournaire.jpg.
Acesso em: 2 dez. 2020.
E o que é ser um ser humano crítico? É aquele que não aceita as respostas óbvias
sobre as questões fundamentais. É aquele que busca refletir e encontrar os porquês
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dessas perguntas longe do senso comum, amando o buscar a sabedoria mais até do 1
que a possibilidade de uma resposta pronta.
Nesta unidade, você estudará o que é Filosofia, suas concepções a partir do contexto
histórico e os principais autores e correntes filosóficas.
1. O QUE É FILOSOFIA?
Definir Filosofia não é tarefa fácil, nem para os próprios filósofos, pois o senso comum
busca uma resposta para estabelecer definições exatas em relação a esse conhecimento.
É possível dizer que Filosofia é a opção de não ter como óbvias e evidentes as ideias,
coisas e fatos, jamais aceitá-los sem investigar e compreender (CHAUÍ, 2000, p. 9).
E por que se estuda Filosofia? A cultura popular costuma entender que algo somente
tem valor quando há finalidade prática, lucrativa ou utilidade imediata (CHAUÍ, 2000, p.
10). A Filosofia serve então para ser a base da Ciência, porque para existir ciência tem
que existir verdade, e a possibilidade de verdade só é alcançada através de questiona-
mentos, pensamentos e reflexão crítica acerca da realidade.
Diante disso, o caminho para discutir o que é Filosofia é tentar entender o que é o co-
nhecimento e quais são as suas formas.
SUGESTÃO DE LEITURA
Convite à Filosofia – Marilena Chauí
Nesse livro, a autora convida seus leitores a entenderem sobre Filosofia de uma forma práti-
ca e com uma linguagem acessível.
Filosofia da educação 7
Conceitos básicos
O que é belo? O que não é belo? De onde vim? Para onde vou?
Todas as perguntas nos fazem refletir e tentar chegar a pontos de esclarecimento de concei-
tos. Mas, como chegamos a eles? Você já parou para pensar? Por meio de conhecimento.
A seguir, você estudará brevemente cinco tipos de conhecimento: mítico, empírico, te-
ológico, científico e filosófico.
Conhecimento mítico
Saci-pererê, Mula Sem Cabeça, Medusa, Pandora, Titãs: quem nunca ouviu falar em pelo
menos um desses personagens ou de alguma dessas histórias? Alguns deles perpetuam o
imaginário de crianças do Brasil e do mundo inteiro.
Para as pessoas, de modo geral, os mitos primitivos ficam no nosso imaginário como histó-
rias fantasiosas, juntamente com contos de fadas, contos de terror e mistério, entre outras
tipologias. Mas será que mito é realmente isso?
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A resposta para essa questão é não, pois há diferenças entre um texto de ficção e um mito. 1
O mito tem uma razão diferente para existir, é a maneira como os diferentes personagens se
Mito e folclore são confundidos, muitas vezes, pelo senso comum. Enquanto o mito é uma re-
presentação não analítica da realidade que se mostra como possível resposta para o ser hu-
mano com o objetivo de dar uma explicação aos fenômenos da natureza e da vida, o folclore
surge como um conjunto de mitos, crenças, lendas e histórias populares que são transmitidos
de geração para geração e que fazem parte de uma expressão cultural dos povos, não sendo
capazes porém de responder a anseios destes.
Explicações sobre a existência do sol, da lua, da água, da terra, do ar e de tudo que envolve a
natureza e os homens em geral começaram a surgir como mito, uma forma de conhecimento
entre povos que era uma maneira de explicar os fenômenos existentes. Embora diferentemente
do folclore em alguns aspectos, o que há em comum entre eles é que o conhecimento mítico é
sim expresso por meio de uma linguagem simbólica e imaginária (CYRINO; PENHA, 1992, p. 14).
Por meio de linguagem simbólica e, por vezes, imaginária, o mito surge do desejo de enten-
dimento e dominação do mundo para dar fim aos anseios e medos da humanidade, pois, a
partir do momento em que o homem não consegue controlar as forças naturais, ele passa a
dar nomes e contar uma história sobre esses fenômenos.
Conhecimento empírico
Quem nunca se sentiu enjoado depois de comer alguma coisa que não lhe caiu bem? É co-
mum ouvir que o chá de boldo ajuda a melhorar o enjoo e problemas de fígado em geral. O
chá de boldo é, de fato, utilizado há muito tempo por várias gerações, sem que, necessaria-
mente, as pessoas fossem buscar uma explicação científica por trás dos seus componentes
para comprovar efetivamente tal melhora.
Esse é um exemplo de pensamento empírico: embora haja muitas pessoas que se sintam
melhor depois de tomar o chá de boldo, nem todas elas se questionam o porquê de tal erva
ser capaz de melhorar os problemas do fígado e trazer alívio ao enjoo.
Por intermédio do exemplo é possível explicar com efeito mais elucidativo o que é o
pensamento empírico, e que, mesmo não tendo seu valor comprovado cientificamente, é
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Conceitos básicos
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um conhecimento existente, popular, e para algumas questões essenciais consegue se
fazer efetivo.
Na Antiguidade é possível notar pensamentos empíricos nos sofistas (veremos adiante), mas
o mais importante empirista que viveu na modernidade (HESSEN, 2000, p. 41) é John Locke
(1632-1704). Ele afirma que a experiência é a escrita em uma superfície em branco que é a
nossa alma, e que o conhecimento vai sendo adquirido com as vivências, passando por duas
operações: a sensação e a reflexão. A primeira seria a percepção que chega até nós pelos
sentidos, pela experiência sensível, enquanto a segunda é formada por operações internas,
operações da mente.
Conhecimento teológico
“O que há depois da morte?” “O que Deus reserva para nós?” O conhecimento teológico pode
também ser considerado um pensamento religioso, pois este é o tipo de pensamento que se
baseia na fé.
De certa maneira, pelo fato de esse conhecimento envolver a fé, acaba por ir além da possibili-
dade de questionar, como na frase popular “com fé não há perguntas, sem fé não há respostas”
(não há definição de autor), no sentido de que Deus seria a resposta a qualquer pergunta.
O conhecimento teológico busca então uma resposta para o “absoluto” e com isso há uma
possibilidade de apaziguar nossos anseios, que é dada em introspecção. A teoria do co-
nhecimento dentro do pensamento teológico é absorvida em sua totalidade pela metafísica
(HESSEN, 2000, p. 67).
Conhecimento científico
O conhecimento científico é, talvez, um dos mais proeminentes na atualidade, pois ele re-
laciona a lógica, o pensamento analítico e crítico. É nele que as especulações se tornam
teorias sobre a ocorrência dos fatos, quando comprovados através da Ciência, isto é, quando
se consiga comprovar a veracidade ou até mesmo a falsidade de algo.
Esse fato torna o conhecimento científico infalível? Não! Uma vez que as teorias científicas
podem ser comprovadas ou refutadas, isto é, novas ideias comprovadas cientificamente po-
dem mudar teorias antigas que em determinado tempo foram aceitas, o conhecimento cien-
tífico é falível e pode ser verificado.
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De certa forma, o conhecimento científico vive em constante construção e reavaliação, partin-
do do pressuposto de que é um pensamento lógico/instrumental e é elaborado por intermédio
Conhecimento filosófico
Depois de conceituar alguns tipos de conhecimento, chega a vez da Filosofia, que significaria
“amor à sabedoria”. O significado já nos diz alguma coisa, não? Para amar a sabedoria de-
ve-se, então, amar o saber, amar o investigar, o conhecer. Além disso, a Filosofia apresenta
algumas características fundamentais, como a universalidade e a sistematização das ideias
sem a necessidade de provas científicas.
Algumas das principais características do conhecimento filosófico (mas que não se restrin-
gem apenas a elas) são: a capacidade de refletir sobre a humanidade de maneira racional,
conseguir produzir especulações e levantar hipóteses sobre o tema.
SUGESTÃO DE LEITURA
Para elucidar um pouco mais sobre a teoria do conhecimento, você poderá ler o conto “A
alegoria da caverna", retirado do livro A República, de Platão, em que há a conversa entre
Sócrates e Glauco em que imaginam a história de há, no interior de uma caverna, alguns
prisioneiros que estão ali desde o seu nascimento. Na caverna, esses prisioneiros conviviam
com sombras, as quais eram a única realidade conhecida por eles. Certo dia, um dos prisio-
neiros se torna livre, assim, ele começa a explorar a caverna e percebe que as sombras, na
verdade, formadas a partir da fogueira montada para os prisioneiros. O homem, então, sai
da caverna e acaba por conhecer uma realidade inimaginável e muito mais complexa do que
a que havia vivenciado na caverna por toda a sua vida.
Filosofia da educação 11
Conceitos básicos
Esse mito, embora date de 514-517 a.C., continua atual se trouxermos a metáfora para
os dias de hoje. Você já parou para analisar a rede social Instagram? Questionou se
todos os influenciadores digitais têm realmente a vida que apresentam por meio de
suas fotos e vídeos? Refletiu sistematicamente em quantas vezes você já quis com-
prar algo que viu lá, ou sentiu que a sua vida não tem a maior graça comparada com a
desses influenciadores? Essas questões também são inerentes à vida humana, e, em
um aspecto atual, podem até ser consideradas questões fundamentais, uma vez que a
sociedade moderna está cada vez mais digital.
SUGESTÃO DE LEITURA
Neste livro, você conseguirá se aprofundar em algumas das teorias do conhecimento apren-
didas aqui.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Tradução de João Vergílio Gallerani Cuter. São Pau-
lo: Martins Fontes, 2000.
2. CONCEPÇÕES HISTÓRICO-FILOSÓFICAS
Entender o contexto histórico em que se desenvolvem as correntes filosóficas é funda-
mental para conseguir perceber quais eram as ideias e os pensamentos que norteiam
os filósofos e as correntes de pensamentos deles, pois estavam inseridos num espaço
e numa cultura que os faziam ter questionamentos pertinentes.
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2.1. PERÍODO CLÁSSICO GREGO 1
O Pensamento Clássico Filosófico é conhecido também como Filosofia Grega Clássica
Depois do Período Pré-Socrático, no chamado então, Período Socrático, que tem como
temas a vida na pólis, os valores humanos, o conhecer, chegamos então a ele, Só-
crates. Sócrates é conhecido como o patrono da Filosofia, pois foi ele que buscou se
aprofundar no estudo racional do homem, da moral e da razão, sem recorrer a mitos;
seu objetivo era, então, buscar conceitos através da razão.
O filósofo disse a frase popularmente conhecida, “Sei que nada sei”, para enfatizar que,
quando chegava a uma resposta para seus questionamentos, muitos outros surgiam;
isso era a maiêutica, ou seja, dar luz as ideias, ou a ironia socrática, a arte do diálogo,
da argumentação e da reflexão até alcançar as ideias verdadeiras e inatas. As reflexões
de Sócrates levaram a Filosofia, de maneira acessível, para as pessoas, fazendo com
que elas tivessem a capacidade de questionar a vida, a moral, a política, o bem e o mal.
Platão, seu discípulo, foi um dos responsáveis e o principal por transmitir o conhecimen-
to e as ideias do seu mestre através de diálogos. Ele usava muitas metáforas e criava
alegorias para explicar seus pensamentos, fazendo o outro refletir e chegar à própria
conclusão sobre determinada temática.
Aristóteles, pupilo de Platão, além de estudar Filosofia com seu mestre, também es-
tudou as áreas biológicas, como botânica e zoologia, quando elas ainda não tinham
esse nome. Seus estudos contribuíram muito para o conhecimento científico. Embora
estudioso da Filosofia, ele foi além de metáforas, afirmando a importância de verificar o
empirismo. Foi através de seus estudos que a Ciência ganhou espaço.
Você verá mais adiante as principais correntes filosóficas e os principais autores per-
tencentes a elas.
Filosofia da educação 13
Conceitos básicos
E o que isso quer dizer? Quer dizer que os principais filósofos dessa época eram homens
religiosos, isto é, de ordem religiosas. No geral, seus objetos de estudo eram as relações
entre os dogmas aceitos pelas crenças religiosas de fé e as descobertas racionais.
Como a Idade Média foi um longo período da História, a Filosofia Medieval ganhou con-
tribuições, em várias fases, por filósofos de dentro da perspectiva religiosa (cristianismo
católico apostólico romano), causando uma subdivisão dentro do Pensamento Medie-
val, e assim foram criadas diferentes correntes filosóficas.
SUGESTÃO DE LEITURA
O livro O nome da rosa, do autor Umberto Eco, foi adaptado para cinema com o filme de
nome homônimo e é uma grande oportunidade de entender melhor como funcionava o Pen-
samento Medieval no Período Escolástico.
ECO, Umberto. O nome da rosa. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas
de Andrade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2011.
Mais informações sobre o filme O nome da rosa (1986), dirigido por Jean-Jacques Annaud,
está disponível em: https://www.imdb.com/title/tt0091605/. Acesso em: 11 jan. 2021.
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antropocentrismo clássico, nesse caso a valorização do homem e de suas ideias trazi- 1
das, de certa forma, pelo ceticismo e pela ideia de que o ser humano e seu intelecto é
independente das ideias cristãs.
Outro marco histórico da Filosofia Moderna foi a invenção da primeira prensa, feita por
Johannes Gutenberg, que disseminou a informação por meio dos impressos, fazendo
com que mais pessoas, antes não alfabetizadas, se interessassem por aprender a ler e
escrever, e esse fato mudou a história do pensamento moderno e da educação.
De modo geral, o Pensamento Moderno deu espaço para a Ciência e para o conheci-
mento racional, principalmente através do racionalismo, marcado pelo filósofo, cientista
e matemático René Descartes.
Durante esse período, houve muitos pensadores importantes, dentre eles Voltaire, Ale-
xis de Tocqueville, Denis Diderot e Jean Le Rond D'Alembert, sendo os últimos dois os
criadores da enciclopédia.
Filosofia da educação 15
Conceitos básicos
Nessa época os filósofos buscavam conceitos para tentar entender a natureza e os fe-
nômenos naturais, ou buscavam entender o mundo através da natureza. Eles foram os
pensadores que começaram a busca para tentar definir conceitos além das explicações
míticas, isto é, buscavam a racionalidade dentro dos pensamentos e das questões fun-
damentais da época (MARCONDES, 2009, p. 13) – que nesse primeiro momento girava
em torno da origem do mundo.
Durante essa fase da Filosofia, dois termos foram utilizados: o primeiro é cosmogo-
nia (cosmo: universo; gignomai: gênese), ou seja, esse termo buscava explicações e
conceitos por meio da ideia de nascimento entre deuses da mitologia e de forças ge-
radoras (CHAUÍ, 2000, p. 34). Por exemplo, na mitologia grega, Poseidon é conhecido
como o deus dos mares, dos oceanos e das tempestades, o senhor das águas. Por
intermédio desse mito é possível conseguir explicações para algumas questões levan-
tadas sobre as ideias relacionadas a Poseidon.
Tales de Mileto, nascido em Mileto (624 a.C.-548 a.C.), ficou famoso por acreditar que a
água (CHAUÍ, 2000, p. 41) era o elemento principal, a origem de todas as coisas. “Tudo é
água”; através de observação e reflexão ele chegou a essa conclusão racional de que tudo
que existia vinha da água.
Heráclito de Éfeso, nascido em Éfeso, (540 a.C.-476 a.C.), é considerado o pai da dialética.
“Nada é permanente, exceto a mudança.” Acreditava que uma pessoa nunca se banharia no
mesmo rio, pois ele estava em constante mudança. Para esse pensador, o princípio de tudo
se concentrava no fogo. (CHAUÍ, 2000, p. 42).
Pitágoras de Samos, nascido da cidade de Samos (570 a.C.-497 a.C.), é muito conhecido
através do seu teorema – o teorema de Pitágoras. Para ele os números eram os principais ele-
mentos de reflexão (CHAUÍ, 2000, p. 332). Além de suas contribuições matemáticas, Pitágoras
é o autor do termo “filósofo” – aquele que tem amor ao conhecimento.
Parmênides também foi um pensador importante durante a era pré-socrática. Ele nasceu por
volta de 151 a.C., na cidade de Eleia, na Magna Grécia, hoje no sul da Itália. Diferentemente de
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outros filósofos pré-socráticos, Parmênides não apresentou uma teoria baseada na cosmologia
de um princípio. Pelo contrário, já acreditava em uma organização racional do universo.
Sócrates, nascido em Atenas, em 470 a.C., foi um dos pensadores mais importantes de
toda a história da Filosofia. Percebe-se tal importância no fato de a Filosofia ser dividida
em Período Pré-Socrático e Pós-Socrático.
Muitas vezes sua existência chegou até a ser questionada, pois não há escritos de sua
obra (STRATHERN, 1997, p. 12), já que ele valorizava a oralidade. O que se sabe dos
pensamentos e ensinamentos se Sócrates encontra-se nas obras de outros pensado-
res, e principalmente de Platão, seu discípulo, que registrou seus diálogos e ensina-
mentos (STRATHERN, 1997, p. 13).
Sócrates
“Conhece-te a ti mesmo” é uma frase que foi assumida por Sócrates e é encontrada na en-
trada do oráculo de Delfos, que consegue elucidar o pensamento socrático, um pensamento
de autoconhecimento que marcou a Filosofia grega antiga. Essa premissa se interpõe como
elemento que instiga Sócrates, pois ele acredita que para conhecer o mundo é necessário,
primeiramente, conhecer a si mesmo.
“Só sei que nada sei”, outra frase conhecida atribuída também ao pensador Sócrates, le-
va-nos a refletir sobre o saber. Quando o filósofo diz que nada sabe, não é por não saber
de nada ou por falsa modéstia, é por ter conhecimento de que ainda há muitas coisas para
serem descobertas e entendidas, era uma parte de seu método. Ele reconhecia que não
sabia de tudo e reforçava a ideia de autoconhecimento. Só sabe que não sabe de tudo quem
conhece a si mesmo.
O raciocínio socrático foi um marco para a Filosofia, pois marca uma mudança de fase no
pensamento. Enquanto os pré-socráticos buscavam conceitualizar questões pertinentes à
natureza e à criação do mundo, Sócrates traz a ideia do antropocentrismo, de olhar as ques-
tões inerentes ao homem, indagações sobre ética, política, raciocínio e até os sentimentos,
conhecendo a si mesmo (STRATHERN, 1997, p. 22).
A morte de Sócrates foi algo extremamente atípico, pois ele foi condenado ao suicídio. Con-
denado ao suicídio? Sim, exatamente. Isso aconteceu porque Sócrates foi acusado de cor-
romper os jovens atenienses no sentido de que ele estaria influenciando a juventude a não
acreditar nos deuses.
O ato de pensar e de indagar questões inerentes ao ser humano, como política e ética, por
exemplo, incomoda quem está no poder há muito tempo, e esse foi o fator que levou à con-
denação de Sócrates, porque ele começou a fazer com que parte da população refletisse,
questionasse, e por isso ele foi acusado e os políticos atenienses não gostaram.
Filosofia da educação 17
Conceitos básicos
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Figura 03. A morte de Sócrates - Jacques-Louis David Quando levado ao júri, Sócrates
não fez os apelos que eram comuns
àquela época, pois acreditava que, se
os fizesse, estaria partindo do pres-
suposto de que era culpado (MAR-
CONDES, 2009, p. 22). Portanto, ele
aceitou sua condenação à morte, pois
preferia morrer que desmerecer a Fi-
losofia. Sócrates optou pelo suicídio
após ingerir um copo de veneno.
SUGESTÃO DE LEITURA
O livro Fédon, escrito por Platão, narra as últimas reflexões de Sócrates depois da condena-
ção à morte dos seus discípulos e fala sobre a imortalidade da alma.
É um livro extremamente interessante para quem tem vontade de se aprofundar nas refle-
xões de Sócrates através dos escritos de Platão.
Platão
Platão, o principal discípulo de Sócrates, nasceu em Atenas no ano de 428 a.C., e seu nome
verdadeiro era Arístocles, porém ficou conhecido como Platão devido a seus atributos físicos:
ele era um homem forte e Platon significa “costas largas” (STRATHERN,1996, p. 6).
Ele foi um dos mais importantes pensadores da história da Filosofia. O filósofo ganhou evi-
dência por ter escrito a maioria dos textos conhecidos atualmente sobre Sócrates.
Embora Platão fosse discípulo de Sócrates e tenha escrito sobre os ensinamentos do seu
mestre, ele conseguiu aperfeiçoar ainda mais as ideias de seu antecessor e criar novas,
como, por exemplo, a ideia de dialética, com inspiração de Parmênides, que era uma técnica
de extração de conclusão baseada em ideias opostas.
Dentre as principais ideias de Platão, a que mais marcou foi a teoria das ideias (ou das for-
mas) (STRATHERN,1996, p. 22), que trazia ideias dualistas, o inteligível e o sensível. Dentro
do mundo inteligível de Platão estavam o intelecto como essência e também a sabedoria e o
conhecimento. Já no mundo sensível, era o campo das aparências e do conhecimento através
dos sentidos. Em um dos textos escritos por Platão consegue-se perceber essa ideia entre o
inteligível e o sensível: é a “Alegoria da Caverna”, que está presente no livro A República.
Para conhecer um pouco mais sobre as ideias platônicas e sua obra, uma ótima opção de
leitura é “Platão em 90 minutos”, escrita por Paul Strathern, em que ele apresenta as ideias
platônicas de forma resumida e com uma linguagem acessível.
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SUGESTÃO DE LEITURA 1
OS FILÓSOFOS através dos textos: de Platão a Sartre. São Paulo: Paulus, 2003-2004. 331
Aristóteles
O filósofo estudou na academia de Platão até se tornar professor no mesmo local. Mesmo
“bebendo na água de Platão”, o pensador era crítico e foi além de Platão (STRATHERN,1996,
p. 7). De maneira bem genérica, pode-se dizer que as teorias desenvolvidas por Aristóteles
questionam algumas das ideias do seu antecessor, pois, enquanto Platão valorizava apenas
o conhecimento advindo do raciocínio intelectual, Aristóteles passou a valorizar também o
conhecimento empírico.
Com a morte de seu mestre Platão, Aristóteles acreditava que receberia o cargo de ges-
tão da Academia de Platão, porém foi recusado por ser considerado estrangeiro (STRA-
THERN,1996, p. 8). A decepção foi tamanha, que o pensador resolveu mudar-se para Atar-
neu, onde foi conselheiro político.
Depois desse período, Aristóteles voltou a Macedônia em 343 a.C., e Felipe II da Macedônia
o convidou para ser tutor do seu filho, Alexandre, o Grande (STRATHERN,1996, p. 11), pois
o rei queria que o filho fosse um respeitado filósofo.
Depois de alguns anos, em 335 a.C., de volta a Atenas, o filósofo fundou sua escola, intitu-
lando-a de Liceu. Os estudos de Aristóteles, como Platão, discutirão o conceito de belo, da
função das artes. Ele escreveu inúmeras obras que são lidas e relidas por muitas pessoas
da atualidade.
Para conhecer um pouco mais sobre sua obra, sua história de uma maneira resumida e as-
sertiva, uma boa oportunidade é o livro Aristóteles em 90 minutos, do escritor Paul Strathern.
GLOSSÁRIO
arte
ar·te
sf
1 FILOS Segundo Platão, toda forma de conhecimento ou atividade humana racional e utili-
tária, submetida a regras, em oposição ao acaso, ao espontâneo ou ao natural, abrangendo
ciência e filosofia; assim, estabelece dois tipos de arte ou técnica: a) as judicativas, dedica-
Filosofia da educação 19
Conceitos básicos
3.3. MEDIEVAIS
A Filosofia Medieval aconteceu durante o período da Idade Média no continente eu-
ropeu. Era um período da expansão do cristianismo e, por consequência, dos valores
cristãos que não só se expandiam, mas também se consolidavam.
Essa vertente da Filosofia serviu como um conciliador entre esta e a religião, isto é, uma
forma de unir dois pensamentos, a razão e a fé. O Período Medieval contou com valioso
conteúdo filosófico. Mesmo sendo conhecido como um período de trevas, foi um mo-
mento de grande reflexão e produção intelectual, e contou com nomes de pensadores
extremamente importantes dentro da Filosofia.
Muitos filósofos da era medieval eram religiosos ou faziam parte do clero. Neste mo-
mento você estudará os dois principais nomes da Filosofia Medieval: Santo Agostinho
e São Tomás de Aquino.
Agostinho
Santo Agostinho (354- 430) foi um filósofo e teólogo, o mais influente pensador ocidental dos
primeiros séculos da Idade Média, pois ele busca utilizar de artifícios racionais para explicar
a fé, no período denominado como Escolástica, dando suporte racional ao cristianismo.
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O pensador pertencia à corrente filosófica patrística (CHAUÍ, 2000, p. 53), que recebia esse 1
nome justamente por serem os primeiros idealizadores da teologia cristã, que refletiu sobre
Nem sempre ele pertenceu à Igreja, pelo contrário, sempre foi um estudioso e conheceu a
filosofia através de Cícero. Antes de se converter, Agostinho chegou a ter um filho. Ele co-
nheceu o cristianismo por intermédio de Santo Ambrósio, e somente depois dos 30 anos de
idade se tornou membro da Igreja Católica.
Agostinho conseguiu fazer, num momento delicado em que existiam muitas pessoas pagãs,
adeptos da religião católica com a introdução da razão em algumas questões. Conseguiu
influenciar pessoas e mostrar a elas que era possível continuar pensando em questões fun-
damentais, atrelando esses pensamentos às ideias cristãs.
Por meio da prática de disseminar a Filosofia Medieval feita por Agostinho, a Igreja ganhava
espaço também de escolarização através da catequese, e elas praticamente se equivaliam
nessa época. De certa maneira, o conhecimento tinha destaque, e a educação patrística
estimulava a humildade e a resignação para merecer a salvação divina.
Agostinho sofreu a influência de algumas ideias platônicas, como, por exemplo, o dualismo
entre o inteligível e o sensível, porém conseguiu transformar essas ideias dentro do campo
cristão, isto é, adaptou esse dualismo à religião (CHAUÍ, 2000, p. 54).
O filósofo propõe que a filosofia deveria ser uma serva da teologia, ou seja, a razão seria um
valioso instrumento que auxiliaria a fé, pois para ele a fé apenas poderia apontar para a verda-
de absoluta. Pois, ele acreditava que a real justiça só poderia ser encontrada através de Deus.
Tomás de Aquino
São Tomás de Aquino, nascido na Itália, no ano de 1224, foi também, assim como San-
to Agostinho um filósofo e teólogo. Aquino foi o principal filósofo da Filosofia Escolástica
(CHAUÍ, 2000, p. 507). Por ter nascido no fervor da Idade Média, o pensador teve educação
dominicana, ou seja, uma educação voltada para os ideais cristãos, e isso fez com que ele
se tornasse um frade dominicano.
Quando Tomás de Aquino resolveu continuar seus estudos dentro do campo cristão, ele foi
para a Universidade de Paris e recebeu o apelido de “Boi Mudo”, porque quase não falava, era
muito quieto e um pouco robusto. Todavia, essa característica mais tímida se alterou quando
ele conheceu o professor Alberto Magno, também frade e pesquisador de teologia e filosofia.
Alberto Magno percebeu que Tomás de Aquino era um pensador especial, com uma capa-
cidade intelectual excepcional, e enxergou um talento nele a ser explorado. Essa visão de
Magno foi demasiadamente importante, pois Tomás de Aquino tornou-se o maior pensador
da escolástica.
O período escolástico foi fortemente influenciado pelo aristotelismo, constituído pelo ensino
do trívio e do quadrívio, representando os tipos de conhecimento aos quais as pessoas da
corrente escolástica davam mais relevância na época, como, por exemplo, no trívio o ensino
de gramática, lógica e retórica, no quadrívio, música, astronomia, geometria e aritmética.
Filosofia da educação 21
Conceitos básicos
1 da Igreja dos livros aristotélicos, juntar a fé e a razão, pois ele enxergava, nos estudos de
Aristóteles, a possibilidade de combater as heresias.
Figura 04. O triunfo de São Tomás de Aquino –
Benozzo Gozzoli
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_de_
Aquino#/media/Ficheiro:Benozzo_Gozzoli_004a.jpg.
Acesso em: 2 dez. 2020.
Na visão de Aquino os estudos aristotélicos não excluíam o pensamento cristão, pelo con-
trário, o filósofo conseguiu reunir o que havia de bom e juntar no contexto religioso, isto é,
conseguiu unir a razão e a fé.
3.4. MODERNOS
A Filosofia Moderna começa no Renascimento, isto é, o período de transição entre o me-
dievo para a Idade Moderna, o renascimento de uma cultura clássica, e tem como carac-
terística marcante a mudança dos pensamentos teocêntricos para os antropocêntricos.
Além das ideias de Maquiavel, a Filosofia Moderna foi também estimulante em vários
aspectos. Com a invenção da primeira prensa e o início de uma imprensa, a possibili-
dade de leitura chegou a mais pessoas, influenciando-as a serem alfabetizadas, e isso
trouxe “luz” para a sociedade que vivia naquela época.
Alguns dos nomes mais importantes da Filosofia Moderna surgiram com o Renascimen-
to e suas ideias mudaram a história da Filosofia. Alguns desses nomes são: Descartes,
Hume, Kant, Voltaire, Rousseau, Locke, Smith, Marx, Nietzsche e Diderot e D’Alembert,
22
os quais serão abordados a seguir. Outros nomes que foram muito significativos para o 1
período, são: Espinosa, Hobbes. Bacon, Tocqueville e Freud, que não era filósofo, mas
fez parte e contribuiu com alguns estudos na área.
René Descartes nasceu em Haye, no ano de 1596, e faleceu em Estocolmo, em 1650. Esse
filósofo tem uma importância muito grande para a Filosofia Moderna (MARCONDES, 2009,
p. 81), porque foi responsável pelo início do racionalismo nesta fase.
Descartes, através de suas ideias racionalistas, rompeu com a Filosofia aristotélica e criticou
o ensino de tradição escolástica. Além do campo da Filosofia, com 22 anos de idade ele
iniciou os estudos matemáticos com Isaac Beeckman, o que foi de grande valia para que, no
futuro, desenvolvesse seus estudos sobre geometria analítica através do plano cartesiano,
que serviu de grande contribuição para o mundo. Ele se considerava não só filósofo, mas
também cientista (MARCONDES, 2009, p. 81).
Descartes escreveu sobre a ordem natural do mundo. Nesse texto, intitulado como “Tratado
do Mundo” ele fala sobre o heliocentrismo, mas acaba por não publicar seu trabalho temendo
sofrer retaliações devido à experiência de Galileu Galilei em relação à Igreja Católica sobre
a teoria heliocêntrica.
O filósofo funda o racionalismo como teoria do conhecimento, ou seja, como área de conheci-
mento filosófico que se dedica ao conhecimento humano e busca conceituá-lo. Nesse estudo
pretendia chegar a uma forma de conhecimento válido para entender como o ser humano pensa
e entende o mundo, por meio da rigidez analítica e argumentativa (MARCONDES, 2009, p. 81).
O método filosófico que ele criou está baseado no conceito de ideias inatas, que já nasce com
o ser humano. Com o tempo o ser humano vai acessando essas informações e ideias através
do exercício racional (MARCONDES, 2009, p. 88). Essa teoria desenvolvida por ele está re-
gistrada no livro Discurso do método, em que ele descreve os fundamentos do seu método.
John Locke
John Locke, nascido em 1632, no condado de Somerset, na Inglaterra, foi um grande nome
da Filosofia Moderna e ele foi um dos mais importantes empiristas ingleses, (CHAUÍ, 2000,
p. 88) ele acreditava que as pessoas obtinham o conhecimento através de suas experiências.
O filósofo escreveu o primeiro grande livro que fundamentou o empirismo, intitulado Ensaio
sobre o entendimento humano. Locke com sua teoria influenciou outros filósofos empiristas,
como Hume e Berkeley.
Filosofia da educação 23
Conceitos básicos
1
Ele era contrário à ideia inatista de Descartes (CHAUÍ, 2000, p. 146), isto é, Locke não acre-
ditava que o ser humano já nasce com conhecimento inato, mas que as ideias são fruto da
vivência, que o conhecimento é obtido através de experiência. Locke até dizia que “o homem
é uma tábula rasa”, isto é, uma folha em branco, e com a vivência e experiências do dia a dia
as folhas vão sendo escritas.
Depois de John Locke, outros pensadores empiristas ganharam espaço no Período Moderno
da Filosofia, entre eles David Hume.
David Hume
David Hume nasceu no ano de 1711 e foi um dos principais nomes da Filosofia Moderna
(MARCONDES, 2009, p. 111), principalmente no quesito teoria do conhecimento, pois ele
apresentou uma teoria empirista que revolucionou o debate entre empiristas e racionalistas.
A teoria empirista de Hume diz que há uma experiência sensorial nas nossas vidas que pro-
porciona nosso conhecimento de mundo (CHAUÍ, 2000, p. 293). David Hume parte desse
pressuposto, por causa da experiência prática e da organização racional.
Segundo Hume, quanto mais passa o tempo da sua experiência, mais fraco fica o conheci-
mento, e esse tempo, segundo o filósofo, entre a memória e o conhecimento, quando você
teve sua primeira ideia, deve ser o mais curto possível. Se você pratica a força do hábito
todos os dias, as ideias vão se fortalecendo; se você não a pratica, o conhecimento vai en-
fraquecendo.
Hume também explora o embate sobre subjetividade e formação de ideias gerais. Enquanto
a subjetividade é o olhar de cada um, o eu subjetivo, a maneira como cada um experimenta
as coisas e vê o mundo, as ideias gerais estão ligadas mais à objetividade, à maneira em
comum de as pessoas verem algo. As experiências são particulares para cada indivíduo, e
cada um entende o conceito de suas experiências através de suas vivências, isto é, de forma
subjetiva. Então, como conseguir as ideias gerais dentro desse pensamento subjetivo?
Através desse questionamento entra a parte lógica do empirismo de Hume. Ele diz que cer-
tas estruturas estão guardadas e são compartilhadas. Embora cada um possa perceber de
maneira diferente os conceitos, é possível tirar uma ideia geral em comum entre o sujeito do
conhecimento individual e as ideias em geral (CHAUÍ, 2000, p. 293).
Por meio dessas ideias, Hume praticamente admite que temos duas concepções dentro da
formação das ideias. Uma é a concepção formal da ideia que é obtida através da experiência.
A outra é uma concepção lógica obtida através do raciocínio, inclusive pelo ensino matemático,
das ciências dedutivas. Não partem do conhecimento empírico, e sim do conhecimento puro.
David Hume rejeita a metafísica dentro do campo da Filosofia. Para ele o que nos dá expe-
riência são os fatos. Impressões fortes vêm das sensações e causam experiências fortes;
impressões fracas geram lembranças, que são conhecimentos fracos.
24
Jean Jacques Rousseau – contratualismo (contrato social) 1
Rousseau nasceu na Suíça, em Genebra, no ano de 1712. Logo ficou órfão de mãe e aos 10
O filósofo foi o pensador mais popular da Revolução Francesa e um dos principais influen-
ciadores do pensamento educacional e político moderno. Pertenceu à corrente filosófica do
iluminismo, embora fosse um grande crítico dela.
No ano de 1746, Denis Diderot convidou Rousseau para escrever parte do que viria a ser
uma enciclopédia, algo muito importante para a educação moderna, e a partir daí ele intensi-
ficou sua produção literária filosófica
Ainda sobre esses dois estados, o filósofo fala sobre as desigualdades, a natural e a civil.
Por exemplo, a forma física como nascemos e como nos formamos, para Rousseau, não
representa uma desigualdade, porque não tivemos escolha sobre ela, foi algo natural, isto
é, a desigualdade física por natureza não causa desigualdade (STRATHERN, 1996, p. 15).
A desigualdade social ou política (cívica), muito criticada por Rousseau, causa desigualda-
des, como, por exemplo, quem manda e quem obedece, quem tem e quem não tem, isto é,
questões sociais.
De certa forma, em O contrato social – uma de suas obras fundamentais, Rousseau diz
que, quando todas as pessoas, a partir de um contrato, abrem mão de suas vontades indi-
viduais, forma-se a vontade geral, que é o que detém o poder absoluto, permitindo que as
pessoas participem abertamente nos assuntos do Estado (CHAUÍ, 2000, p. 517). Isso parece
algo comum a você?
Para Rousseau, com o contrato social, a ideia de antigo governo torna-se secundária, pois os
líderes são os delegados da população em geral, e a vontade de todos asseguraria aos indi-
víduos um sentimento de pertencimento e participação aberta em seu Estado (STRATHERN,
1996, p. 23).
No geral, pode-se dizer que as ideias de Rousseau estão presentes na política e na demo-
cracia moderna, isto é, as ideias do filósofo iluminista ainda influenciam a nossa vida em
sociedade. As ideias contidas em O contrato social são a base da democracia que se tem
hoje, por isso algumas de suas ideias nos parecem tão comuns.
SUGESTÃO DE LEITURA
O contrato social – Jean Jacques Rousseau
Você gostou e ficou curioso para saber um pouco mais sobre as ideias de Rousseau? Uma
boa dica de leitura é a sua principal obra: O contrato social.
Filosofia da educação 25
Conceitos básicos
1 Voltaire – iluminismo
François Marie Arouet, conhecido como Voltaire, foi um dos principais filósofos da corrente
iluminista, fazendo parte da chamada Filosofia Moderna. O pensador nasceu no ano de 1694,
em Paris (CHAUÍ, 1984, p. 9).
O filósofo parisiense foi um defensor das liberdades individuais e da tolerância. Para ele,
deveria ser garantida a todas as pessoas a liberdade de expressão, religiosa e política. Por
esse pensamento, Voltaire foi perseguido pela Igreja Católica e teve de deixar a França por
algum tempo.
Quanto à política, Voltaire não concordava com o Antigo Regime, isto é, o poder absoluto
(quando os três poderes ficavam sob a responsabilidade de um monarca). Portanto, ele era
crítico à monarquia absolutista, pois acreditava que um monarca deveria governar tendo
como base as leis, e como conselheiro, alguém que buscasse a razão, e para ele esse con-
selheiro poderia ser algum filósofo.
Outro ponto discutido por Voltaire é a questão religiosa. Ele acreditava que a razão poderia
provar a existência de um deus, porém as duas ideias (razão e religião) buscavam combater
a intolerância religiosa, até porque os antigos reis governavam com base no que o cristianis-
mo pregava, e não na razão em si. O filósofo conseguiu separar a religião e a fé e não viu
nenhum problema em ter alguma crença, em acreditar em algo, desde que essa credulidade
fosse praticada de maneira racional.
Para resumir Voltaire, há uma frase que foi atribuída a ele, mas não há nenhuma comprova-
ção de que foi ele quem disse, mas que de certa forma resume as ideias do filósofo: “Não
concordo com o que me dizes, mas defendo até a morte o seu direito de dizer”. Possivel-
mente essa frase foi escrita por alguém que consegue transmitir suas ideias de tolerância e
respeito às liberdades individuais.
Outros dois grandes nomes do Iluminismo que não poderiam ser esquecidos são: Denis
Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783). Ambos são os principais cria-
dores da Enciclopédia Francesa no século XVIII.
Os iluministas, através da enciclopédia, pretendiam levar “luz” às pessoas, queriam que a so-
ciedade tivesse a oportunidade de saber, de ter o conhecimento de todas as ciências que havia
e estavam sendo estudadas, com o objetivo de tirar as pessoas das “trevas” e levar até elas o
conhecimento racional. Essas ideias começaram a transmitir também um ideal de educação.
26
Kant – criticismo 1
Immanuel Kant nasceu em 1724, na cidade de Königsberg, na Prússia Oriental (MARCON-
Immanuel Kant tentou buscar uma reflexão que considere tanto o empirismo (STRATHERN,
1996, p. 11) quanto o racionalismo. Ele acreditava que se deve averiguar e aprofundar as
pesquisas apenas nos assuntos que apresentam essa necessidade, deixando de lado o que
não é tão importante e o que não contribuiria de forma significativa para a Ciência.
Na tentativa de juntar a dualidade entre empirismo e racionalismo, Kant cria a Teoria dos
Juízos (STRATHERN, 1996, p. 21); para ele os juízos são as formas de conhecimento. O
primeiro deles, o juízo analítico, é a forma de conhecimento segura, em que o predicado não
altera o sujeito. Por exemplo: todo quadrado tem quatro lados iguais. Vê-se aqui que se trata
de uma forma de conhecimento segura.
Entretanto, nem todo conhecimento é seguro como o analítico. Então, Kant também fala
sobre o juízo sintético; neste caso, é uma forma de conhecimento insegura, na qual o pre-
dicado pode alterar o sujeito. Por exemplo: “aquele vaso é azul”; o vaso realmente pode ser
azul, mas será que todo vaso é azul? Não! Podem existir vasos de outras cores, o que torna
esse tipo de conhecimento inseguro.
Em suma, Kant conseguiu, por meio da sua Teoria de Juízos, juntar o dualismo entre empiris-
mo e racionalismo, portanto ele se tornou um marco para a história da Ciência e da Filosofia,
porque ele foi capaz de fazer essa ligação entre dois pontos importantes para a Filosofia de
maneira coerente e assertiva.
Adam Smith
Adam Smith (1723-1790), nascido em Kirkcaldy, na Escócia, foi um filósofo social do ilumi-
nismo escocês e economista. Até hoje ele é considerado o pai da economia moderna, do
liberalismo econômico.
Vale salientar que, no século XVIII, a economia não era uma vertente específica, pois
fazia parte da “Filosofia moral”, por isso Smith foi o primeiro filósofo moral a reconhecer
que as ações de mercado deveriam ter um estudo especial dentro das Ciências Sociais.
A economia política só surge como Ciência no final do século XVIII e início do século XIX
(CHAUÍ, 2000, p. 531).
Filosofia da educação 27
Conceitos básicos
1
Na Universidade de Glasgow, Smith se tornou mestre e se encantou com as ideias do libe-
ralismo clássico, do Direito e da Economia Política. Anos mais tarde, Smith conseguiu uma
bolsa na Universidade de Oxford, mas acabou não se formando, pois criticou a instituição e
os professores.
Smith, com A Teoria dos Sentimentos Morais, busca analisar criticamente a moral e a nature-
za humana de seu tempo, tentando entender as motivações para atuar na sociedade.
A riqueza das nações é outro livro escrito por Adam Smith que visa explicar o sistema econô-
mico e as mudanças pelas quais a economia passava naquela época, além de sugerir novos
caminhos diante da Revolução Industrial que estava começando.
A Mão invisível também é um conceito de Adam Smith, feita em forma de metáfora da mão
invisível, que se tornaria a figura mais conhecida da economia, e fala sobre a sociedade
pensar em consumir produtos da indústria nacional, e não da indústria internacional. Os con-
ceitos desenvolvidos por Smith nesse livro são utilizados para explicar as leis de mercado da
oferta e da procura.
De modo geral, o economista e filósofo acreditava que o poder deveria estar mais nas mãos
das pessoas do que do Estado e defendia a igualdade de direito para todos, acreditando que
era errado o governo conceder vantagens para alguns à custa de outros.
Smith considerava descabido qualquer lei que contivesse a produção dos homens e refor-
çava a ideia de que as pessoas devessem buscar de maneira livre seus interesses, partindo
do pressuposto de que não se desrespeitasse o direito de outro. Além da defesa de um libe-
ralismo econômico, em seus textos ele deu destaque à divisão de trabalho, que fortalecia a
ideia de setores, e para ele a concorrência é responsável pela riqueza social e pela harmonia
entre interesse coletivo e privado (CHAUÍ, 2000, p. 531). Suas obras são referências para
economistas e filósofos de todo o mundo até a atualidade.
Karl Marx
Karl Marx nasceu em 1818, em Trier, na então Prússia, hoje Alemanha (STRATHERN, 1996,
p. 6). Foi um filósofo, sociólogo, jornalista, economista e teórico político da Alemanha. Até
hoje é possível dizer que seu nome é polêmico, pois foi ele, juntamente com Friedrich Engels,
que criou uma teoria política que serviu como base para o socialismo científico, porém a obra
de Marx vai muito além da ideia de socialismo.
O contexto social que Marx viveu era o da Revolução Industrial, portanto ele busca interpretar
e criticar o mundo capitalista, até mais do que a própria ideia de socialismo. Ele se ocupou
bastante em sua vida acadêmica em tentar entender as relações dentro do capitalismo.
28
1
Estrutura é a relação do dono do meio de produção (os proprietários) e de seus trabalhado-
res, que são os que vendem a sua força de trabalho para os donos das fábricas. Superestru-
Por exemplo, se trouxermos a teoria de Marx para os dias atuais, a estrutura poderia ser
os dias e horários de trabalho semanais, que influenciaram nas ações que podemos fazer
durante a nossa semana. Algo de lazer, por exemplo, seria colocado para o dia de folga. Em
suma, a cultura que se cria dentro do trabalho influencia também na vida pessoal, ou seja, o
filósofo era um crítico em valorizar mais o trabalho do que a vida pessoal.
Karl Marx acredita que as pessoas devem ter consciência de classe e passar a valorizar
mais a vida do que a produção em massa. Para ele, as pessoas precisam transformar essa
realidade e partir para a luta de classes, transformar as ideias em prática, tendo consciên-
cia de que tudo que foi produzido foi criado pelo homem. Ele busca esclarecer que essas
relações materialistas são contraditórias e que para transformar a história é necessária uma
revolução. Marx procura criar consciência no trabalhador, quebrando a “alienação” (a falsa
consciência feliz) (STRATHERN, 1996, p. 18) para que o trabalhador consiga entender a sua
importância nessa relação material.
Sua obra é extensa e nem sempre fácil de ser interpretada. O filósofo tornou-se popular,
pois a sociedade, em geral, já ouviu falar quem é Karl Marx e tem algumas noções de suas
ideias e obras, mas poucas pessoas de fato o leem e buscam entender o contexto histórico
no qual foi inserido.
As principais obras do autor são: O capital, uma coletânea de quatro volumes em que ele dis-
serta sobre produção e capital, a circulação do capital, a globalização por meio da produção
capitalista e a teoria da mais-valia. A segunda obra famosa feita em parceria com Engels é
O manifesto comunista, em que eles apresentam a teoria de luta de classes e do materia-
lismo histórico. Além dessas duas obras famosas, há outras, como Diferença da filosofia da
natureza em Demócrito e Epicuro, A questão judaica, Miséria da filosofia, A burguesia e a
contrarrevolução, Os 18 de brumário de Luís Bonaparte, Punição capital, A decadência da
autoridade religiosa, População, crime e pauperismo, Manifesto de lançamento da primavera
internacional e Salário, preço e lucro.
Nietzsche
Friedrich Nietzsche nasceu em 1844, em Saxônia, na então Prússia, hoje Alemanha (STRA-
THERN, 1996, p. 8). Era filho de pastor luterano, mas ficou órfão de pai aos 5 anos, sendo
criado com mais dois irmãos por sua mãe. Sua formação foi muito rígida com os princípios
luteranos, porém, no período da adolescência, Nietzsche começou a fazer os primeiros ques-
tionamentos acerca da religião.
Nietzsche foi um filósofo contemporâneo e poeta, e sua obra despertou muita polêmica, pois
ele se dedicou à moral judaico-cristã e nela fez um tipo de comparação das sociedades pré e
pós-cristianismo. Acabou por classificar o cristianismo como fator central do enfraquecimento
humano na era moderna.
Nietzsche, embora fosse um filósofo contemporâneo, tem parte de sua inspiração no Perío-
do Pré-Socrático, aquela fase em que os filósofos se preocupavam com algumas questões
Filosofia da educação 29
Conceitos básicos
1
da natureza em geral e o conhecimento prevalente era o mítico. O filósofo contemporâneo
trabalha com conceito apolíneo (de Apolo) e dionisíaco (de Dionísio) (STRATHERN, 1996, p.
13), em que o primeiro seria o deus grego da lucidez, harmonia e ordem, e o segundo seria o
deus da embriaguez, exuberância e desordem, isto é, eles representavam o oposto entre si.
Em sua obra, Nietzsche diz que, a partir de Sócrates, a sociedade focou mais no conceito
apolíneo do que no dionisíaco isto é, a humanidade se preocupou mais com a razão do que
com a emoção, e isso fez com que fôssemos ao caos, perdendo a humanidade. O objetivo
de Nietzsche busca pelo devaneio, pois para ele a vida é isso.
Uma de suas obras mais polêmicas é O anticristo, pois muitas pessoas fizeram diversas
interpretações sobre ela, umas diferentes das outras. Nessa obra, Nietzsche diz que o cris-
tianismo é responsável por esse sentido infeliz que a humanidade tomou, pois se sustenta
pelo pecado das pessoas, manipulando a salvação como meio de dominação da sociedade,
isto é, o filósofo não era contra Cristo, ele era crítico do cristianismo e dizia que a moral cristã
destruiu a sociedade (MARCONDES, 2009, p. 160).
Um ponto importante em sua obra é a morte de Deus, pois ele diz que a causa principal da
morte dele são as nossas ações, o que construímos de humanidade, pois esquecemos das
origens do que era puro e bonito, ou seja, ele diz que a humanidade matou Deus em nome
de uma razão falha, que o que temos hoje não é aquele Deus puro, pois nas Cruzadas e na
Inquisição, por exemplo, matavam em nome de Deus.
Nietzsche trabalha com a ideia de niilismo, que para o senso comum, é uma espécie de ceti-
cismo, mas para o filósofo o conceito vai um pouco mais além: é uma forma de se distanciar
das crenças impostas pelo cristianismo, de deixar de crer nessa verdade absoluta, descons-
truindo e estabelecendo uma nova base moral onde ela não está interligada com os valores
cristãos, e sim com os éticos.
CONCLUSÃO
Nesta unidade, você estudou os principais conceitos de filosofia em um aspecto geral
para ter uma noção ampla do que significa filosofia e quais são seus fundamentos, em-
bora tenha se percebido o quão complexo é tentar conceitualizar o termo com palavras
e o esforço que muitos teóricos usaram para tentar fazê-lo.
Vale salientar que foram escolhidos alguns dos principais nomes da Filosofia de todos
os períodos históricos. Trata-se de um resumo de suas teorias e obras, que são, de fato,
muito maiores e mais complexas do que a síntese aqui apresentada. Portanto, se você
se interessou por a teoria de alguns desses filósofos, a sugestão é que se aprofunde
nos estudos desenvolvidos por eles.
30
SUGESTÃO DE LEITURA 1
É uma boa opção para quem deseja conhecer um pouco mais sobre algum pensador
especificamente.
Filosofia da educação 31
Conceitos básicos
1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. De Anima. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília Gomes Reis. São Paulo: Ed.
34, 2006.
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Beira Interior, 2008.
KANT, I. Crítica da razão pura. 4. ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Mourujão.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
32
LIMA, E. C. S. Adam Smith. InfoEscola. Disponivel em: https://www.infoescola.com/economia/adam-smith/.
1
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MARCONDES, D. Textos básicos de Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro:
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PAULA, C. Filosofia medieval: você sabe o que foi o pensamento filosófico medieval? Descomplica, 2020.
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PLATÃO. A alegoria da caverna. A República, 514a-517c. Tradução de Lucy Magalhães. In: MARCONDES,
Danilo. Textos básicos de Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2000.
PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1999 (Col. Os Pensadores).
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STRATHERN, P. Aristóteles em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1996.
STRANTHERN, P. Kant em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
STRANTHERN, P. Marx em 90 minutos. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.
Filosofia da educação 33
Conceitos básicos
STRATHERN, P. Nietzsche em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge
1
Zahar, 1996.
STRANTHERN, P. Platão em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.
STRANTHERN, P. Rousseau em 90 minutos. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.
STRATHERN, P. Sócrates em 90 minutos. Tradução de Cláudio Somogyi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
34
Filosofia da educação
35
1
UNIDADE 2
A RAZÃO E A CONSCIÊNCIA
2
INTRODUÇÃO
A habilidade para o conhecimento e a necessidade em conhecermos são característi-
cas humanas, intrínsecas ao existir humano. Desde os primórdios da nossa existência,
buscamos compreender como as coisas são e como funcionam, o porquê de determina-
dos fenômenos, os sentidos e os significados das ações, dos gestos, dos pensamentos.
Procuramos pelas causas, consequências e explicações dos mais diversos aconteci-
mentos, modos de vida e comportamentos que compõem a realidade e a existência hu-
mana. Além disso, claro, procuramos entender e explicar não apenas os fatos relativos
ao plano individual, mas também aqueles que orientam ou definem a vida coletiva.
Podemos lidar com as mais diferentes questões de modos distintos, e cada uma delas
carrega uma forma específica de conhecimento – filosofia, artes, religião, ciência etc.
A filosofia, como já sabemos, é um desses caminhos possíveis e, portanto, dotada de
particularidades, de um olhar específico sobre o mundo, sobre a realidade e sobre as
vivências humanas.
SAIBA MAIS
Há na filosofia, inclusive, um campo específico de análise sobre como se dá o conhecimento,
sobre o ato de conhecer e sobre o que é o conhecimento. Esse campo é a teoria do conhe-
cimento que, de modo geral, investiga a relação existente entre o sujeito cognoscente (o que
conhece) e o objeto conhecido, ou seja, de que forma o homem conhece as coisas, investiga
e compreende a realidade e os fenômenos. Essa teoria considera que há diferentes possibi-
lidades de conhecimento: pela ideia ou intelectual, sensorial e pelas experiências e sentidos,
científico, filosófico etc.
A filosofia é um campo do conhecimento racional, ainda que esta forma não seja exclu-
siva dela e tampouco sua própria definição, nem que conhecimento filosófico se resuma
a isso. Contudo, esse é um dado importante, pois razão e consciência, aspectos e
sentidos próprios do conhecimento, formas particulares que permitem compreender e
indagar a realidade, são dois eixos centrais que guiarão os estudos e as perspectivas
analisadas nesse capítulo.
36
Por sua vez, a filosofia da educação, área
Figura 01. Consciência e razão: dois caminhos
possíveis, mas não únicos, para o conhecimento
do conhecimento que orienta os estudos
aqui, leva ao questionamento e à compre-
Fonte: 123RF.
ensão dos sentidos da educação e da prá- 2
tica educacional nos mais diversos contex-
No pensamento filosófico, de forma geral, prevalece a ideia de que o ser não nasce
pronto e, portanto, cabe à educação formá-lo, oferecer as condições para que um deter-
minado modo de ser se constitua. Dito de outra forma: o pensamento filosófico concebe
a educação como o meio por excelência pelo qual o ser torna-se humano, pelo qual
potencializa suas aptidões e possibilidades de existência e, sobretudo, é o caminho que
transforma o individuo biológico em ser social e cultural que faz parte e se relaciona com
um determinado contexto. O dever-se da educação, seus pressupostos e finalidades
foram, portanto, temas entre os filósofos.
GLOSSÁRIO
A própria origem etimológica da palavra educação remete à ideia do “devir”, de “trazer à
tona”. Em português, ela vem dos termos em latim educare que significa alimentar, criar,
amamentar e educere que, por sua vez, resulta da junção entre os termos ex (fora) e ducere
(conduzir). O termo educação pode, então, ser compreendido como “condução para fora”,
nesse caso, para fora de si mesmo, para o mundo exterior e coletivo. Por outro lado, carrega
a ideia de doação, de alimento que leva ao crescimento.
A preocupação e as reflexões com os modos como o ser humano pode ser educado,
de que maneira a educação pode extrair do sujeito o que ele tem de melhor e suas fun-
ções para o meio coletivo estão, assim, na origem da filosofia. Portanto, ao passarmos
pela história da filosofia passamos também pela história da educação em seus mais
diversos contextos sociais.
Se a educação está eivada de sentido, de conceitos, valores e finalidades
que a norteiam, acreditamos que a primeira pergunta a ser feita é a que se
refere ao próprio sentido e valor da educação na e para a sociedade. Cabe
começar pela questão mais abrangente e fundamental: que sentido pode ser
dado à educação, como um todo, dentro da sociedade? Da resposta a essa
pergunta segue-se uma compreensão da educação e do seu direcionamen-
to. (LUCKESI, 1994, p. 37).
Assim, na tradição filosófica há diferentes sentidos para a educação, uma vez que os
próprios sentidos de humanização, de formação humana e de sociedade se transfor-
mam ao longo do tempo. O objetivo nesse capítulo é passarmos por algumas dessas
Filosofia da Educação 37
A razão e a consciência
1. OS CAMINHOS DA RAZÃO
A filosofia olha para a educação e para os processos educacionais com o objetivo de com-
preendê-los constantemente. Por isso, é parte desse modo de conhecer voltar ao tema,
analisar novamente, questionar, reinterpretar, todos esses feitos por meio de um esforço
racional, do olhar e da intepretação racional sobre os mais diferentes fenômenos.
Temos reforçado aqui este aspecto da filosofia como um espaço para o conhecimento
racional sobre a realidade, como uma área do saber que dialoga com a razão como
caminho para o conhecimento, em alguns momentos confiando plenamente nela e, em
outros, desconfiando, ponto que abordaremos mais adiante. Afinal, o que é razão? Em
particular, o que é razão para a filosofia?
Para iniciarmos: razão e filosofia encontram-se juntas desde suas origens. Aristóteles, filó-
sofo do período clássico da Grécia Antiga, defende que só o homem entre todos os animais
possui razão, ou seja, nós nos assemelhamos a outras espécies por sermos também ani-
mais, mas nos diferenciamos por termos razão, pela capacidade e faculdade racional.
Mais adiante na história, Blaise Pascal, filósofo francês do século XVII escreve a céle-
bre frase, repetida até os dias atuais: “o coração tem razões que a razão desconhece”,
levando-nos aos sentidos distintos que a palavra “razão” assume em sua citação. As ra-
zões que o coração têm são sentimentos, emo-
Figura 02. Apreendemos a realidade de
modos distintos: pela razão e pelas experi- ções, paixões que orientam várias das nossas
ências vivenciadas pela emoção/sentimentos atitudes, opiniões, pensamentos, gestos. Por
outro lado, a “razão que desconhece” refere-se
Fonte: 123RF.
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afirma que a “razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna
compreensível” (2000, p. 71) e que isso é possível porque a própria realidade e as
coisas são ordenáveis e organizáveis, são “compreensíveis nelas mesmas e por elas
mesmas, isto é, as próprias coisas são racionais” (CHAUÍ, 2000, p. 71). 2
IMPORTANTE
A distinção da razão e da capacidade racional de outras atitudes mentais –como sensações,
sentimentos, intuição, memória etc. –, proposta pela filósofa Marilena Chauí, serve aqui para
indicar aspectos e caminhos específicos pelos quais conhecemos o mundo e lidamos com
inquietações, limitações e dúvidas próprias da existência humana.
SAIBA MAIS
Em um capítulo da obra Convite à Filosofia, a filósofa Marilena Chauí trata das origens da
razão, seus princípios e a atividade racional. Afinal, de onde veio tal capacidade? Nascemos
com essa habilidade ou a adquirimos ao longo da nossa existência? Será que os princípios
racionais são próprios da natureza humana ou eles nos são dados pela educação e pelos
costumes? São questões que fundamentaram e ainda importam muito nos debates filosófi-
cos e que se relacionam de maneira muito direta com as formas como conhecemos e apren-
demos. Relacionam-se, portanto, com a própria educação.
CHAUÍ, M. Unidade 2 – A razão. In: Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 2000, p. 68-109.
Filosofia da Educação 39
A razão e a consciência
perspectivas e, claro, novos dilemas e dúvidas. O objetivo é estudar alguns dos debates
filosóficos sobre as origens e os caminhos da razão e suas relações com o conheci-
mento, com a forma como se dá o conhecimento. Nossa intenção nos tópicos que se
2 seguem não é esgotar o tema, o que seria impossível aqui, visto que razão e filosofia
são parte da história ocidental e, portanto, também têm uma história formada por con-
textos, problemas e respostas específicas e diversas. Apresentaremos algumas linhas
filosóficas principais pelas quais é possível dialogar com outras.
IMPORTANTE
As questões sobre a origem do conhecimento humano e sobre a capacidade do intelecto e do
raciocínio foram temas de reflexão entre os filósofos durante séculos. São duas as respostas
dadas a essas questões: o inatismo e o empirismo.
Conhecer, de acordo com Platão, significa alcançar, recordar essa verdade que já existe em
nós e que é anterior à experiência sensível. Razão e verdade são, assim, inatas no ser e é
por isso, segundo o filósofo, que reconhecemos uma ideia verdadeira ao encontrá-la, pois a
distinção entre o verdadeiro e o falso está em nosso espírito (CHAUÍ, 2000, p. 85-87; ARA-
NHA, 2006, p. 125-129).
É importante a atenção a essas duas concepções, pois elas dialogam com as reflexões e
com os autores que veremos mais à frente, além de se relacionarem diretamente com as
práticas que exercemos em sala de aula. Por exemplo: quando dizemos que, para que o
aluno aprenda, é importante que ele leia, estude, faça exercícios, construa o saber pela
experiência, tomamos como pressuposto que o conhecimento vem de fora, refletindo uma
tendência empirista. Porém, se dissermos que é preciso instigar o aluno para que desperte
nele o gosto pelos estudos, consideramos que a aptidão para o conhecimento é algo que
precisa ser despertado, ou seja, que vem de dentro e que, portanto, é inato.
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ideias e reflexões de Agostinho de Hipona, é importante contextualizarmos brevemente
a época em que tal produção se realizou, pois isso auxilia a perceber quais questões e
situações histórico-culturais influenciaram ou importaram à filosofia naquele momento.
2
IMPORTANTE
A própria nomenclatura de “Idade Média” alude a uma concepção pejorativa e até preconcei-
tuosa do momento histórico, muitas vezes representado na filosofia como um hiato entre dois
momentos da razão: o da filosofia clássica grega e o renascimento europeu. Essa compreen-
são desconsidera a complexidade e a particularidade da época, e o próprio termo “Medieval”
costuma ser associado a algo atrasado.
Entretanto, é importante apontarmos que esse também foi um contexto da criação das uni-
versidades, de novas formas de sociabilidades éticas e coletivas, da construção de outras
formas de pensar a fé, Deus e a divindade, da intensa produção filosófica como as mencio-
nadas Filosofias Patrística e Escolástica, da literatura produzida por mulheres como Julian de
Norwich e Margery Kempe etc.
GLOSSÁRIO
O termo Patrística faz referência à filosofia dos padres da Igreja. Ela tem início com as Epís-
tolas de São Paulo e com o Evangelho de São João (CHAUÍ, 2000, p. 53).
Enquanto toda uma organização social entrava em decadência (Império Romano), uma
nova unidade política e social se constituía fundamentada na unidade religiosa cristã. A
partir de uma intervenção do Imperador Constantino (306-337), o cristianismo passou
de religião de escravos perseguida pelo Império a religião oficial, antes mesmo da fa-
mosa “conversão de Constantino”.
Foi desse contexto que nasceu a filosofia Patrística com a tarefa de harmonizar a
sabedoria filosófica clássica e a judaico-cristã e de explicar racionalmente a doutrina
cristã. Novas questões foram colocadas à filosofia: criação do mundo, Deus como ser
divino formado por Pai, Filho e Espírito Santo, vida e morte, vida pós-morte, a ideia de
Filosofia da Educação 41
A razão e a consciência
Fonte: 123RF.
2 2008, p. 57-59).
Agostinho de Hipona
SAIBA MAIS
De Magistro, escrita por Agostinho de Hipona no ano de 389 d.C., tornou-se uma das obras
clássicas da filosofia da educação e da pedagogia. A obra é um diálogo entre ele, Agostinho,
que faz o papel de mestre, e seu filho Adeodato, o aluno. Entre eles há uma constante troca
de palavras e de perguntas formando um intenso diálogo no qual o autor explana sobre ensi-
nar e aprender, sobre o papel das palavras e dos ensinamentos. Ele mesmo lança palavras e
indagações a nós, leitores, em uma tentativa de que o diálogo continue.
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Agostinho, como mencionamos, segue a direção da filosofia platônica, ou seja, a pers-
pectiva inatista, com profunda distinção antropológica entre corpo e alma. Desse modo,
o princípio é que o conhecimento para se realizar exige “luz interna”. Em outras pa-
lavras, a apreensão deriva de um conhecimento prévio, interno (luz interior) que se 2
sobrepõe e é anterior ao mundo sensível ou às experiências (PERISSÉ, 2008, p. 58;
EXEMPLO
Se ouvimos a palavra árvore, mas não sabemos o que é uma árvore, então, a palavra não faz
o menor sentido, não nos diz nada. Mas se procurarmos pelo seu significado ou se alguém
nos mostrar o que é uma árvore (e o ato de apontar também é um sinal), então, a palavra
terá sentido para o pensamento. Assim, identificamos uma palavra como palavra: “com as
palavras não aprendemos senão palavras” (AGOSTINHO, 1987, p. 321).
O ponto central da questão proposta por Agostinho é: É possível conhecermos pela pa-
lavra? Qual é seu real valor para o ato de ensinar? Nós ensinamos por meio de palavras,
e o pensador reconhece sua importância e sua utilidade para o ensino. Entretanto, ele
nos diz que, ainda assim, elas não são suficientes para a realização plena do trabalho
docente. Por quê? Porque as palavras são frágeis e têm deficiências. Uma palavra cujo
sentido não sabemos não significa nada, o que acontece também quando estamos diante
de palavras em outras línguas que não dominamos. Palavras também podem ser usadas
com sentidos diversos, cujos significados não são compartilhados por todos. Elas podem
ser mal escritas ou mal ouvidas, gerando desentendimentos ou incompreensão.
Como resolver esse dilema? Como, então, é possível conhecermos? A solução está,
segundo Agostinho, em um conhecimento anterior ao empírico ou dos sentidos: trata-se
do conhecimento dado pela verdade interior, pelo mestre que existe dentro de nós.
No que diz respeito a todas as coisas que compreendemos, não consulta-
mos a voz de quem fala, a qual soa por fora, mas a verdade que dentro de
nós preside à própria mente, incitados talvez pelas palavras a consultá-la.
Quem é consultado ensina verdadeiramente e este Cristo, que, segundo
alguém afirmou, habita no homem interior, isto é: a virtude incomutável de
Deus e a sempiterna Sabedoria que toda alma racional consulta. (AGOS-
TINHO, 1987, p. 319, grifo nosso).
Filosofia da Educação 43
A razão e a consciência
PARA REFLETIR
Você consegue relacionar essa reflexão de Agostinho com a prática educativa e a função do
professor em nosso contexto? As ideias do filósofo têm relação direta com as teorias e as
práticas que afirmam que a função do docente não é transmitir conhecimento, mas sim con-
duzir o aluno para que ele descubra e acesse o conhecimento que está oculto em seu interior.
SAIBA MAIS
Em Introdução à filosofia da educação, Gabriel Perissé apresenta uma análise da aula agos-
tiniana a partir da obra De Magistro, pontuando a importância e a limitação das palavras para
o ensino e para o aprender, segundo a perspectiva de Agostinho e do trabalho do mestre
em acessar o interior, a subjetividade do aprendiz. O texto apresenta alguns exemplos que
permite ampliar o olhar sobre as ideias do filósofo.
PERISSÉ, G. A aula agostiniana. In: Introdução à filosofia da educação. São Paulo: Autên-
tica, 2008, p. 58-62.
Iluminação
Luz interior e mestre interior são dois princípios citados por Agostinho de Hipona em
diferentes passagens da obra De Magistro e que reforçam continuamente a ideia de que
a fonte do conhecimento se encontra no interior do homem. Aprender consiste, portan-
to, em despertar o intelecto e a razão humana para os conteúdos da iluminação divina.
Esse é um dos princípios da teoria da iluminação divina de Agostinho.
44
isso, o conhecimento sensível não possibilita que o indivíduo alcance a verdade de todas
as coisas, assim como não encerra a experiência cognitiva.
IMPORTANTE
A razão tem um papel importante na teoria da iluminação. Apenas o homem a tem, diferente-
mente dos demais animais. Ela é, portanto, a potência mais elevada do homem, fundamental
para nossas possibilidades cognitivas. A razão é consciência, é a capacidade da nossa mente
de julgar, ordenar, discernir, estabelecer conexões entre aquilo que apreendemos pelos sentidos.
Então, como alcançar a verdade das coisas? Como conhecê-las plenamente? Para Agos-
tinho, esse conhecimento apenas pode ser realizado por meio da iluminação de Deus,
do conhecimento divino. Segundo essa reflexão, há verdades que são eternas, inalterá-
veis, e que as experiências mundanas, por serem temporais e materiais, não conseguem
elaborar. Essas verdades são as razões, as formas, as ideias de todas as coisas que
começam a ser, a existir e que foram depositadas em nossa alma por Deus.
Esse conhecimento é o que está no interior do ser, é o que recebemos de Deus, assim
como recebemos d’Ele nossa existência e nossa inteligência. Para Agostinho, o conhe-
cimento do homem tem como finalidade alcançar essa sabedoria divina que está em
seu interior para que participe e experimente a sabedoria de Deus. E como age ou se
manifesta esse mestre que está em nosso interior?
Figura 06. Santo Agostinho, de É ele quem nos instrui, quem ilumina o intelecto de
Antonio Rodríguez
forma que este possa ver a verdade. Assim como
uma fonte de luz é necessária para que nossa visão
enxergue algo, Deus é a “luz” da mente.
Filosofia da Educação 45
A razão e a consciência
PARA REFLETIR
A partir do que você estudou até agora e das leituras indicadas, observe atentamente a Figu-
2 ra 6. Procure relacioná-la e interpretá-la tomando como referência a teoria da iluminação de
Agostinho. Como você explicaria a ideia contida na imagem?
Tomás de Aquino
Figura 07. São Tomás de Assim como Agostinho, Tomás de Aquino (1224-1274) foi
Aquino um filósofo cristão que refletiu sobre as relações entre a ra-
Fonte: 123RF.
zão e a fé. Entre os dois há pontos de concordância e de
discordância sobre a linguagem, o conhecimento, a razão
humana e o lugar de Deus na nossa apreensão da realida-
de e da verdade.
SAIBA MAIS
Esse período da filosofia Medieval, do qual Aquino faz parte, é conhecido como Escolástica
(séculos IX-XIII). Diferentemente da Patrística, nesse momento a Europa viveu a intensa
influência da Igreja. Assim, razão e fé são dois temas fundamentais na produção intelectual,
cultural e educacional do período. É quando nascem as escolas e as universidades criadas
para principalmente formar sacerdotes e novos pensadores.
Há outras questões, entretanto, que podem e devem ser alcançadas e explicadas pelo
esforço racional (verdades naturais ou da razão). Um ponto central aqui é que não há
contradição entre elas, pois mesmo quando a razão não alcança a verdade da fé, ainda
assim ela não a contraria, pois ambas nascem da mesma fonte: a sabedoria divina. É
neste sentido que se defende a distinção entre a filosofia e a Teologia, que somente
nesse contexto passa a ocorrer.
46
Uma vez que tanto a revelação quanto a lógica filosófica seriam incutidas por Deus no
ser humano, ambas devem ser fonte de verdade, pois Deus não poderia ter dotado a
inteligência humana de princípios racionais falsos. Em síntese, mesmo que haja distin-
ção entre a razão e a fé, há colaboração entre ambas, e se a verdade da fé não pode 2
ser contraditória às verdades da inteligência, fé e razão são dois tipos diferentes de
Na reflexão aristotélica, em especial aquela que chega à Europa por influência da filo-
sofia árabe, há um caminho intermediário entre o inatismo platônico (que considera todo
o conhecimento é lembrança, pois é inato) e o empirismo. Essa ideia é fundamental
para o modo como Aquino reflete sobre a razão e o conhecimento: ele afirma que há
princípios e verdades universais (manifestos pelo Divino e preexistentes no homem),
mas, em contrapartida, há ação humana dotada da capacidade de conhecer o mundo
que nos cerca, de apreender a realidade sensível. É preciso, entretanto, efetivar essa
capacidade, essa potência para o ato de aprender, e Aquino oferece alguns exemplos
de como fazer isso.
Primeiro, a realidade é passível de ser captada pelos sentidos, mas para conhecê-la é
necessário o intelecto. Por exemplo, temos o sentido da visão, porém, se não abrirmos
os olhos e olharmos ao redor, não podemos ver e conhecer o mundo que nos cerca. Ou
seja, há um caminho necessário entre a capacidade ou a potência em conhecer para o
ato de conhecer (PORTO, 2006, p. 8-9; PERISSÉ, 2008, p. 63-64).
Desse ponto de partida, Aquino reflete sobre a natureza do ensino afirmando que é
preciso considerar a importância dos mestres humanos, em contraposição à ideia de
Agostinho, para quem apenas Deus, fonte do saber e da verdade, pode ser considerado
Mestre. Diferentemente dessa perspectiva, Aquino defende que a existência do Mestre
Divino não impede a existência de mestres humanos.
Entre as características da teoria de Tomás de Aquino está o realismo, que busca ar-
ticular a objetividade e a subjetividade na perspectiva de superar os dualismos. O ato
de entender se apresenta à experiência interna do ser humano como apreensão inte-
ligível do sensível. A abstração é um processo de apreensão do inteligível como ato
da inteligência. A conceituação é consequência do necessário experienciar do ato. O
ato de apreensão do inteligível no sensível se revela como intelecção, uma relação do
universal no particular (coisas singulares). Trata-se de uma profunda transformação na
conceituação tanto do papel da inteligência no conhecer quanto na reflexão como ato
segundo ante à realidade material da vida.
CURIOSIDADE
Tomás de Aquino produziu um texto sobre educação chamado De Magistro, como a obra de
Agostinho de Hipona. O de Aquino é parte da obra Quaestiones disputatae de veritate, no
qual o autor reflete sobre a verdade.
SAIBA MAIS
Na passagem Outras palavras, outras aulas, Gabriel Perissé aborda o papel do professor
da obra de Tomás de Aquino como o mediador, o agente que, pelo uso das palavras e
Filosofia da Educação 47
A razão e a consciência
da linguagem, pode levar o aluno às descobertas racionais. Aos mestres cabe conduzir o
aprendiz (aluno) a pensar por conta própria, a fazer descobertas, a chegar ao conhecido
partindo do desconhecido, a elaborar o raciocínio. Ou seja, o professor não cria ou “infunde
2 no aluno a luz da razão”, seu papel é outro: auxiliar e orientar.
PERISSÉ, G. Outras palavras, outras aulas. In: Introdução à filosofia da educação. São
Paulo: Autêntica, 2008, p. 63-65.
SAIBA MAIS
Em uma obra dedicada às aproximações entre Tomás de Aquino e Paulo Freire, Carlos Jo-
saphat traz uma reflexão acerca das semelhanças e das convergências entre os ideais da
educação (libertadora e humanista) e os processos do conhecimento para esses dois pensa-
dores, ainda que ambos pertençam a contextos histórico-sociais tão distintos.
Uma dessas convergências, aponta o autor, está na convicção comum aos dois pensadores
da educação, ou melhor, do conhecimento como o meio por excelência pelo qual as socieda-
des podem promover a justiça, a garantia de direitos fundamentais e a liberdade que, aliás,
foi considerada por Aquino e Freire um valor supremo, capaz de promover a emancipação
em sociedades e em organizações opressoras. Trata-se uma obra bastante interessante que
contribuirá para o aprofundamento das questões postas neste material didático.
Nesse momento, vamos dar um salto para a Idade Moderna, para as reflexões sobre
razão e conhecimento no período pós-renascentista – século XVII até meados do XVIII
–, no qual a ideia de homem como “sujeito do conhecimento e de consciência” ganha
centralidade no pensamento filosófico, bem como questões relacionadas à capacidade
e ao que podemos conhecer e de que forma podemos conhecer.
Para uma melhor contextualização, Chauí (2000, p. 55-57) apresenta alguns pontos
centrais da filosofia nesse período:
` A centralidade do sujeito do conhecimento: se a filosofia Medieval buscava conhecer,
primeiro, a natureza e Deus, na modernidade as reflexões se voltam para o homem,
para a capacidade do intelecto humano em conhecer e demonstrar as verdades do
conhecimento. Por isso o termo sujeito do conhecimento, no qual o conhecimento
volta-se para si mesmo, como “consciência que conhece sua capacidade de conhecer”
(CHAUÍ, 2000, p. 56).
48
` A caracterização do objeto do conhecimento: tudo o que é exterior pode se tornar objeto
do conhecimento, desde que consideradas as representações e que possam ser formula-
das pelo intelecto humano, como ideias, conceitos e teorias. Ou seja, é possível conhecer
a natureza, a sociedade e a política porque são inteligíveis, isto é, passíveis de conheci-
2
mento, e porque elas podem ser representadas pelo intelecto do homem.
IMPORTANTE
Ao racionalismo ou inatismo se contrapõe o empirismo. Enquanto o primeiro define que a razão é
inata ao homem, que as ideias e as verdades já se encontram no espírito humano, o empirismo
afirma que nascemos como tábula rasa, como folha em branco e, portanto, a razão, as ideias
racionais e a verdade são adquiridas pelos homens por meio da experiência dos sentidos.
Nesse momento, já sabemos que tal embate é tão antigo quanto a própria filosofia. Vamos
dar um passo a mais relacionando cada um deles com os métodos próprios: dedutivo e
indutivo. Essa diferença é importante para compreender de que forma o conhecimento se
realiza e, atualmente, ganha novos contornos na área da educação.
Método indutivo (empirismo): o conhecimento se realiza a partir dos sentidos, da nossa re-
lação com as experiências. Aqui, o caminho se dá pela indução: primeiro, observamos, reco-
lhemos evidências empíricas para, então, generalizar. Ou seja, no método indutivo, partimos
do particular para o universal/geral.
Filosofia da Educação 49
A razão e a consciência
SAIBA MAIS
O filme italiano Cartesius, dirigido por Roberto Rossellini (1974) retrata, de modo ficcional, a
vida e o centro do pensamento de Descartes. Na trama, aparecem o esforço racionalista do
2
filósofo diante da fé e as tentativas de demonstrar como a razão é sustentável por si só. É
uma oportunidade para, por outros meios, entrar em contato com a filosofia cartesiana.
Há, ao menos, dois pontos essenciais da obra de Descartes que dialogam mais direta-
mente com o que estamos estudando aqui, isto é, as ideias sobre o conhecimento e a
razão e que são centrais ao racionalismo da filosofia Moderna: a centralidade do sujeito
do conhecimento e o método como uso correto da razão. Esses dois pontos partem – e
respondem – a uma dúvida essencial de Descartes: podemos confiar nos conhecimen-
tos e saberes produzidos pelo homem? Em outras palavras: o conhecimento humano
produz saberes verdadeiros e confiáveis?
SAIBA MAIS
O método cartesiano é a base da ciência moderna tradicional. Ele é composto por quatro
etapas:
03. Síntese: organização do objeto estudado partindo sempre do mais simples para o mais complexo.
04. Revisão: todas as conclusões devem ser revisadas continuamente até que se tenha a certeza de
que tudo foi contemplado.
Descartes parte, assim, da dúvida, central no sistema filosófico cartesiano elaborado por
ele. Você provavelmente já ouviu a frase “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), que é
a síntese do método cartesiano. Para chegar a ela, Descartes reflete sobre tudo o que
tinha aprendido até então, todos os saberes e conhecimentos que recebeu dos livros,
dos mestres e dos professores, das viagens, das relações com os outros, das experiên-
cias. Todos esses saberes são colocados em dúvida. Afinal, seriam eles verdadeiros?
Sua resposta é que apenas os saberes que possam ser comprovados racionalmente
são dignos de confiança (CHAUÍ, 2000, p. 115). Por isso, todos as ideias, opiniões e
fatos devem passar pelo crivo da dúvida, pois há apenas uma verdade indubitável:
Essa única verdade é: “Penso, logo existo”, pois, se eu duvidar de que estou
pensando, ainda estou pensando, visto que duvidar é uma maneira de pensar. A
consciência do pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável
que será o alicerce para todos os conhecimentos futuros. (CHAUÍ, 2000, p. 115).
A dúvida é, portanto, a única certeza que temos. Ao mesmo tempo, quando Descartes
afirma que a única verdade é “Penso, logo existo”, ele está indicando racionalmente a
centralidade do “pensar” e do sujeito pensante. Esse é o fundamento do sujeito carte-
siano: o ser dotado de consciência, centro do conhecimento racional, dotado da capa-
cidade de pensar e raciocinar. E tal capacidade é inata ao ser, isto é, para Descartes
nascemos com a capacidade de pensar; o conhecimento racional é, portanto, inato.
50
Figura 09. A dúvida como pressuposto para o
conhecimento
IMPORTANTE
A conclusão de que a razão é inata, de que as capacidades para o pensamento nascem
conosco e de que esse é o caminho para o conhecimento verdadeiro é um dos vários pressu-
postos pelos quais Descartes passa para tentar provar, racionalmente, a existência de Deus.
Ele parte de uma ideia aparentemente simples: se existe em nossa ideia a existência de um
ser perfeito e eterno, a simples percepção dessa existência em nossa ideia permite concluir
que Ele existe (uma vez que a razão é inata).
Prosseguindo, pergunta Descartes: como podemos ter essa ideia perfeita sobre um ente
perfeito e eterno se nós, humanos, somos imperfeitos e mortais? A resposta é que justamen-
te esse ente é a causa da nossa ideia e que ele só pode ser Deus, visto que humanos são
imperfeitos. A razão é inata e, portanto, presente de Deus.
A frase de Pascal corrobora, em grande medida, com essa perspectiva, mas ao mes-
mo tempo levanta a questão se a razão pode, efetivamente, conhecer tudo. Afinal, há
razões do coração que a razão desconhece. Tal posicionamento leva, ainda, à compre-
ensão do lugar da crítica da razão no pensamento de Pascal.
Filosofia da Educação 51
A razão e a consciência
Assim, se o conhecimento humano tem uma dimensão analítica matemática (esprit de gèo-
metric), também tem uma racionalidade derivada da experiência vivida, decorrente da au-
têntica angústia existencial (esprit de finesse). O fundamento último da certeza humana não
seria a própria autoconsciência, nem mesmo uma ideia qualquer de Deus, mas uma aposta
existencial de modo intuitivo e global, que abarca toda a experiência humana. Tal certeza
não é irracional, pois para Pascal, se é um erro confiar apenas na razão, outro erro seria
desprezar a razão. Perceber os limites da razão em conhecer a totalidade da vida humana
somente é possível pela própria capacidade racional. A aposta, em Pascal, é abandonar-se
em alguma coisa incerta, como escolha e decisão da pessoa integralmente.
Para isso, um dado importante de sua obra refere-se à impotência do homem, impo-
tência diante da grandeza do universo e de todos os seus mistérios, que pertencem à
ordem do Divino. O ser é, assim, muito pequeno frente a isso e não consegue, portanto,
alcançar o máximo da razão – que implicaria na compreensão plena e completa do Di-
vino; este é inalcançável à razão, afirma Pascal.
SAIBA MAIS
É importante ter em mente que a postura teórica de Pascal não nega a importância da
racionalidade, mas se utiliza dela para explicar os limites da razão. Sobre isso, confira o texto
a seguir, que apresenta as ideias gerais do filósofo de forma bastante clara.
52
OLIVA, L. C. A condição humana segundo Pascal. Revista Cult. São Paulo, [s. d.]. Disponível
em: https://revistacult.uol.com.br/home/a-condicao-humana-segundo-pascal/. Acesso em: 15
jan. 2022.
2
2. O ILUMINISMO
Fonte: 123RF.
século das luzes e, aqui, a ideia de luzes se re-
laciona diretamente com os princípios da razão.
Esse é um período que se sucede à consolida-
ção da filosofia Moderna e que confia na razão
como o caminho seguro e válido – quando não
único – para o conhecimento, e para a organiza-
ção da vida coletiva.
IMPORTANTE
O iluminismo reforça a noção de separação entre natureza e civilização – civilização é en-
tendida aqui como uma etapa de progresso da humanidade que iria das sociedades mais
primitivas e selvagens, consideradas inferiores, até as mais desenvolvidas e perfeitas, em
particular, sociedades europeias. Mais adiante, a ciência antropológica e a própria filoso-
fia, entre outras áreas do conhecimento, vão refutar essa ideia. O que nos interessa nesse
momento é compreender como a razão e o conhecimento racional foram valorizados nesse
período e o lugar que ocuparam como conhecimento verdadeiro e seguro.
Assim, a natureza seria o lugar das coisas imutáveis, das leis naturais e universais. A civili-
zação, por sua vez, seria o reino do agir humano, das liberdades e das vontades individuais,
resultados do desenvolvimento técnico, científico, político, artístico e moral, que seriam mais
“avançados” quanto mais resultassem do uso da razão e da racionalidade.
Filosofia da Educação 53
A razão e a consciência
Como temos visto até aqui, as ideias sobre a racionalidade e a natureza humana, sobre
a capacidade e a autonomia racional do indivíduo foram temas do pensamento filosó-
fico em diferentes momentos, mas que nesse período da modernidade e do projeto
2 iluminista têm seus sentidos modificados; são categorias pensadas a partir de outras
referências e com outros significados. A organização social e política cada vez mais se
distancia do modelo feudal e cristão, e a realidade da vida coletiva passa a ser pensada
como autônoma, condicionada histórica e socialmente e que impõe regras e leis. Assim:
“a legitimação da existência não se sustenta apenas na conformação à lei interior do
espírito, mas também necessariamente num acordo com a lei exterior estabelecida,
autonomamente, pela sociedade” (SEVERINO, 2006, p. 625-626).
SAIBA MAIS
O oposto à maioridade é a minoridade, dois termos que foram elaborados por Kant em suas
reflexões sobre a autonomia e liberdade individual, alguns dos temas centrais do iluminismo.
Em linha gerais, o filósofo alemão afirma que quando o homem toma consciência da sua
razão e da sua capacidade racional, ele abandona sua menoridade (pela qual ele mesmo é
o responsável), pois ao tomar tal consciência, reconhece-se como um ser ativo, com capa-
cidade para ação e para seguir a lei moral tornando-se, assim, um sujeito autônomo: “Tenha
coragem de te servir de teu próprio entendimento”, afirma Kant (1974, p. 7, grifo nosso).
Essa é uma passagem importante para compreendermos a obra kantiana, pois em sua pers-
pectiva, o homem não nasce como um ser moral, ou seja, não é bom nem mal por natureza;
mas, ao contrário, sua consciência moral se faz a partir do uso da razão e também da educa-
ção. Assim, ele defende que “o homem não pode se tornar verdadeiramente homem senão
pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz” (KANT, 2002, p. 15).
Outro ponto importante diz respeito à própria noção de moral: para Kant, diferentemente dos
filósofos da Idade Média, a moral e o dever não se vinculam à religião, não dependem dela
nem devem ser seguidos segundo os designíos de um ente superior. Uma vez que Kant
considera a razão o principal agente do conhecimento, é por meio dela que o homem é ca-
paz de distinguir e emitir juízos. Ao se fundamentar na razão, a educação leva o indivíduo à
formação do seu caráter moral.
54
consistência na integração desse indivíduo à estrutura social, ou seja, à ordem coletiva.
Desse modo:
A educação prática ou moral (chama-se prático tudo que se refere à liber-
dade) é aquela que diz respeito à construção (cultura) do homem, para que 2
possa viver como ser livre. Esta última é a educação que tem em vista a
Fonte: 123RF.
SAIBA MAIS
Podemos relacionar essas ideias com a obra de Rousseau, ainda que existam diferenças
fundamentais entre ele e Kant. Rousseau enfatiza a relação entre o indivíduo e o elemento
social partindo, entretanto, do que ele chama de estado de natureza. Para ele, o homem é
naturalmente bom, ou seja, em seu estado natural, ele age de forma livre e justa, mas ao ser
inserido na sociedade, o homem é por ela corrompido. É na vida em sociedade que se origina
a desigualdade entre os homens, um dos mais graves males reconhecidos por Rousseau.
É desse princípio que Rousseau se pergunta como é possível preservar a liberdade – que é
natural do homem – e garantir, ao mesmo tempo, a vida em sociedade? A resposta está na
própria sociedade desde que, por meio de um novo pacto social, reconstruam-se as bases
da igualdade, liberdade e comunidade que eram próprias do homem em seu estado de na-
tureza. Essas possibilidades para que o homem se torne efetivamente bom apenas podem
existir em uma sociedade racional na qual a educação seja coerente com tais princípios e
que possibilite a formação “pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo, a si
mesmo, permanecendo livre” (ROUSSEAU, 1999, p. 71, grifo nosso).
SAIBA MAIS
Você pode aprofundar as ideias apresentadas aqui a partir das leituras indicadas a seguir.
Elas são representativas do iluminismo e referências fundamentais no modelo de educação
racional e laica que se consolidou a partir de então, na formação de correntes e paradigmas
Filosofia da Educação 55
A razão e a consciência
pedagógicos, além das reflexões sobre a finalidade da escola e da educação escolar para
a formação da autonomia do indivíduo, e também para a vida coletiva. É desse período que
nasce a ideia da educação como um caminho para a formação da cidadania.
2
KANT, I. Sobre a pedagogia. 3. ed. Piracicaba: Unimep, 2002.
Nessa obra, Kant apresenta suas reflexões sobre a educação como um projeto voltado à for-
mação do caráter moral do indivíduo, assim como para a liberdade. Nela, o autor reflete sobre
o processo de educação como um projeto que se dá ao longo da vida, que é contínuo e denso.
É o grande tratado sobre educação de Rousseau. Nesse texto, o filósofo francês apresenta sua
concepção da educação voltada para a liberdade tomando como pressuposto as noções do
homem no estado de natureza e na sociedade. É também aqui que encontramos as primeiras
noções positivas sobre a infância, como um período particular da formação humana. Essa ideia
rompe com a configuração anterior sobre a infância, por exemplo, em Descartes, para quem
essa etapa deveria ser rapidamente superada para que o adulto pudesse nascer. Diferente-
mente, Rousseau apresenta uma concepção na qual a infância é considerada é um período
particular da formação humana, mais próxima ao estado de natureza (estado ideal) e diferente
da fase adulta, e na qual um conjunto de disposições naturais e faculdades se manifestam.
Ambas são obras fundamentais para a formação do educador e para uma boa compreensão
das influências do pensamento iluminista.
3. A CONSCIÊNCIA HUMANA
Figura 13. Ser humano: dotado de Temos visto que o pressuposto da filosofia, sua
razão e de consciência ideia originária está na confiança da capacidade ra-
cional do homem, na sua aptidão para o pensamen-
Fonte: 123RF.
56
Afinal, o que é a consciência? Chauí oferece algumas considerações e fundamentos im-
portantes sobre a consciência humana e seu significado. Ela afirma que consciência é
a capacidade humana para conhecer, para saber que conhece e para saber
o que sabe que conhecer. A consciência é um conhecimento (das coisas e 2
de si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão). (CHAUÍ, 2000,
EXEMPLO
Por exemplo, talvez você goste de matemática, talvez a odeie ou talvez seja indiferente.
Qualquer uma dessas posições, entretanto, não tira a validade dos conhecimentos matemá-
ticos, pois seus conceitos e procedimentos não dependem e não são afetados pela vontade
Filosofia da Educação 57
A razão e a consciência
ou gosto individual. Pedro e Maria podem discordar sobre a origem do universo; ainda assim,
as opiniões individuais de cada um deles não afeta o conhecimento da física, por exemplo,
sobre a origem da universo. Um grupo de pessoas pode duvidar da eficácia de uma vacina;
2 ainda assim, tais opiniões não invalidam o conhecimento e as pesquisas sobre sua eficácia.
IMPORTANTE
A consciência está ativa e reflexiva quando reconhece a existência e as diferenças dessas
quatro modalidades da nossa consciência: eu, pessoa, cidadão e sujeito. Esse modo se dife-
re de dois outros estados de consciência:
Passiva: quando, por exemplo, acordamos ou voltamos de uma anestesia, ou nos encon-
tramos em um estado de devaneio, sem a percepção plena do que acontece a nossa volta.
Vívida, mas não reflexiva: quando o eu prevalece e não conseguimos relacioná-lo com a rea-
lidade e com os outros. São os estados nos quais as emoções ou os sentimentos prevalecem
sobre a razão: amor, ódio, raiva, alegria, tristeza etc.
SAIBA MAIS
Com o desenvolvimento científico, o surgimento da psicanálise, da neurociência, dos diver-
sos métodos investigativos sobre a ação e os estados da nossa consciência e a própria refle-
xão filosófica, novas questões têm sido colocadas na era mais contemporânea. Por exemplo,
qual o estágio de consciência reflexiva em uma criança ou em um idoso? Será que a consci-
ência é um atributo exclusivamente humano? Qual é a relação da consciência e as atividades
neuronais?
Não há respostas definitivas sobre tais questões, uma vez que esta é uma área em plena
expansão. Porém, há indícios interessantes que têm colocado novas questões filosóficas e
éticas. Por exemplo: se reconhecermos que há alguma consciência nos animais não
humanos, como fica a questão do sofrimento para esses animais?
Leia a reportagem indicada a seguir, que relata alguns estudos que têm colocado novas
questões sobre a consciência para o pensamento humano.
SAMPEDRO, J. Os animais têm consciência do seu sofrimento? El País, [s. I.], 27 jan. 2019.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/26/ciencia/1548516480_501246.html.
Acesso em: 17 jan. 2022.
58
4. A CRISE DA RAZÃO
Podem a razão e a consciência do sujeito do conhecimento conhecerem tudo, alcan-
çarem a verdade de tudo? É certo que questões como essas são parte da tradição filo- 2
sófica. A perspectiva platônica, por exemplo, afirmava que uma consciência racional, a
prevalência das ideias e da razão sobre os sentimentos e as emoções promoveria uma
No entanto, o final do século XIX e o subsequente colocam novas questões sobre o assun-
to. Na biologia, a Teoria da Evolução, de Darwin (sobre a origem das espécies, publicado
em 1859), coloca em xeque a pretensa superioridade ou centralidade humana ao afirmar
que homens e símios têm uma mesma origem na natureza. O processo de evolução, se-
gundo essa teoria, seria o resultado da seleção natural dos mais aptos à sobrevivência.
Filosofia da Educação 59
A razão e a consciência
2 SAIBA MAIS
A crítica à razão instrumental perpassa pelas reflexões de parte dos autores da escola de Frank-
furt como um todo. Max Horkheimer dedicou uma obra específica à crise da razão, chamada
Eclipse da razão, na qual ele descreve diferentes “tipos” de razão, entre elas, a instrumental.
De modo geral, a razão instrumental pode ser definida como a operacionalização da razão para
atingir um determinado fim, isto é, o planejamento e a utilização dos meios racionais para se chegar
a uma determinada finalidade que, segundo o autor, volta-se para a dominação sobre o ser hu-
mano, sobre a natureza e sobre o próprio indivíduo. A razão instrumental torna-se hegemônica no
desenvolvimento das sociedades capitalistas burguesas nas quais as ações, os comportamentos,
a moral e os ideais, por exemplo, tornam-se dependentes de interesses externos à razão objetiva
como os interesses econômicos e ideológicos. O próprio conhecimento científico torna-se perme-
ado por esse tipo de razão quando sua finalidade se volta para as formas de controle, domínio e
opressão: pense, por exemplo, nos gases tóxicos – criados pela ciência – como armas de guerra.
Juntamente com Adorno, Horkheimer afirma que o predomínio da razão instrumental é uma
consequência do iluminismo que estimulou seu desenvolvimento como forma de progresso
sem considerar seu elemento regressivo, isto é, o caráter dominador. Assim, o indivíduo que
tudo tenta controlar acaba sendo controlado.
HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Tradução de Carlos Henrique Pissardo. São Paulo:
Editora da UNESP, 2015.
Há, ainda, outro fator fundamental para pensarmos a crise da razão: o surgimento da
Psicanálise, em particular, a partir das teorias e obras de Sigmund Freud e, nesse pon-
to, é importante relembrarmos o que estudamos sobre a consciência, no tópico anterior.
Freud afirma que, além da consciência, há o inconsciente que se sobrepõe ao nosso
estado consciente, o governa.
Figura 15. O inconsciente humano Freud defende que o ser humano, ao longo
da história, conservou a ilusão de que pode
Fonte: 123RF.
60
a perspectiva de Freud sobre a mente humana e sobre o inconsciente promove uma
ruptura com a tradição cartesiana racionalista da mente humana, revelando um estado
da ação e do ser que não é captado pela razão.
2
SAIBA MAIS
SER racional ou ser emocional? O que é melhor? | Guilherme Brockington. 23 jan. 2018. 1
vídeo (3min 7s). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=sW62H2fmoyE. Acesso em: 17 jan. 2022.
Figura 16. Ser: mente e corpo Essa divisão já estava presente em Platão,
que separava o mundo das ideias do mun-
Fonte: 123RF.
Desse modo, quanto mais o homem se dirige ao mundo das ideias, da mente, da con-
templação, mais próximo de seu destino ele se encontra, mais apto a contemplar a
Filosofia da Educação 61
A razão e a consciência
verdade, a beleza e a justiça ele está. Por isso, Platão afirma que, sendo os filósofos
aqueles que lidam com o mundo da contemplação e das ideias, seriam também eles
os melhores e mais aptos governantes. Nessa perspectiva, a sociedade é dividida em
2 três extratos: os que alcançam o estágio da razão (mais elevados); os que alcançam
os estágios da coragem e da generosidade (estágio intermediário – são aqueles que
garantem a defesa da cidade) e, por fim, no mais baixo estágio, aqueles responsáveis
pelo trabalho e tarefas manuais.
Retomamos a filosofia platônica porque ela influenciou os ideais sobre a educação nos
séculos seguintes, a saber a prioridade do aspecto intelectual, ligado à razão e ao pen-
samento sobre outros modos de saber como os sensíveis/empíricos.
Ainda que esse modelo de educação prevaleça, de algum modo, até mais recentemen-
te, a dualidade platônica entre corpo/alma ou a concepção cartesiana sobre o homem
se deparam com novas perspectivas que consideram, por exemplo, a influência do meio
social sobre o ser e sua consciência, como a teoria positivista; as análises materialistas
da história e a função da ideologia como nos estudos marxistas ou, ainda, as novas de
compreensão sobre o funcionamento do cérebro, as formas de aprendizagem, modos
distintos de inteligência, entre outros, temas trazidos pelo desenvolvimento da neuroci-
ência e que, claro, impõem novas questões e olhares da filosofia.
SAIBA MAIS
Em um artigo publicado em 1959, Anísio Teixeira apresenta uma crítica às consequências
do dualismo para a educação e também para uma concepção desigual dos indivíduos na
sociedade, a partir da prevalência da noção da mente sobre o corpo.
CONCLUSÃO
A proposta dessa unidade foi estudar o percurso da razão e da consciência pela história
da filosofia, apresentando suas principais características e concepções. Estudamos que
62
a construção do pensamento filosófico é um constante diálogo entre os filósofos, entre
perspectivas e o que cada época define como ideal de formação humana, de constru-
ção do homem e de sua consciência.
2
A história da razão e da própria consciência passam, assim, por fases distintas, que
transformam noções, conceitos, teorias e o próprio sentido – ou entendimento – dessas
Filosofia da Educação 63
A razão e a consciência
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGOSTINHO, S. De Magistro. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
2
ARANHA, M. L. A. Filosofia da educação. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
DESCARTES, R. O discurso do método. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 35-100.
JOSAPHAT, C. Tomás de Aquino e Paulo Freire: pioneiros da inteligência, mestres geniais da educação nas
viradas históricas. São Paulo: Paulus, 2016.
KANT, I. Resposta à pergunta: O que é “Esclarecimento”? In: Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 1974.
LOWY, M. Lucien Goldmann ou a aposta comunitária. Ética e Política – Estudos Avançados, n. 9, abr. 1995.
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MARCELO Gleiser – Ciência e religião: em busca do desconhecido. 29 maio 2014. 1 vídeo (4 min 17s). Publicado
pelo canal Fronteiras do Pensamento. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=24N0pE6H-
W8&t=96s. Acesso em: 3 jan. 2021.
OLIVA, L. C. A condição humana segundo Pascal. Revista Cult. São Paulo, [s. d.]. Disponível em: https://
revistacult.uol.com.br/home/a-condicao-humana-segundo-pascal/. Acesso em: 15 jan. 2022.
ROUSSEAU, J-J. Do contrato social. In: Os pensadores. São Paulo: Abril cultural, 1999, vol. 1.
SAMPEDRO, J. Os animais têm consciência do seu sofrimento? El País, [s. I.], 27 jan. 2019. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/26/ciencia/1548516480_501246.html. Acesso em: 17 jan. 2022.
SER racional ou ser emocional? O que é melhor? | Guilherme Brockington. 23 jan. 2018. 1 vídeo (3min
7s). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sW62H2fmoyE.
Acesso em: 17 jan. 2022.
64
SEVERINO, A. J. A busca do sentido da formação humana: tarefa da Filosofia da Educação. Educação e
Pesquisa, São Paulo, vol. 32, n. 3, p. 619-634, set./dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/
rhVxLn4XhLWjYJKXB7grswG/?lang=pt#. Acesso em: 4 jan. 2022.
2
TEIXEIRA, A. S. Filosofia e educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, vol. 32,
Filosofia da Educação 65
Temas Filosóficos da Educação
UNIDADE 3
INTRODUÇÃO
Nessa unidade vamos estudar alguns elementos e temas que têm sido objeto de refle-
xão da filosofia da educação (mas não apenas dela) e que dialogam com importantes
e profundas transformações que marcam os séculos XX e XXI. No século passado, o
mundo foi abalado pelas crises econômicas e pela desigualdade social, crise do estado
de bem-estar social, as duas grandes Guerras Mundiais que arrasaram com sociedades
inteiras e mostraram ao mundo ações bárbaras e cruéis que se realizaram com a ajuda
do conhecimento racional técnico-científico; a ciência foi usada como arma de guerra.
66
É certo que essa noção primeira influencia de modo decisivo a forma como a educação,
em particular a escolar, consolida-se: currículos fundamentados em disciplinas propos-
tas para que o aluno apreenda determinadas habilidades (geralmente voltadas mais
à formação para o mercado de trabalho do que propriamente à formação humana), 3
superioridade do intelecto e do conhecimento intelectual sobre outras formas de conhe-
Esse quadro geral reflete uma determinada concepção filosófica do ideal de conheci-
mento e da formação humana que caracterizam a nossa época. Ao mesmo tempo, é
certo que tal perspectiva, mesmo que hegemônica, não é única, concorre com diferen-
tes outras abordagens e concepções filosóficas. Vamos, nesse momento, tratar de algu-
mas dessas correntes que fundamentam, entre outros pontos, concepções particulares
de educação e formação, sobretudo, infantil.
Filosofia da Educação 67
Temas Filosóficos da Educação
GLOSSÁRIO
A pedagogia Waldorf nasceu na Alemanha, logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
3 com o objetivo inicial de oferecer educação às crianças proletárias, filhos de trabalhadores
da fábrica Waldorf-Astória. Nesse contexto, a Alemanha passava por uma profunda reforma
educacional, resultado das transformações e das consequências do fim da guerra.
Entre as bases dessa abordagem de ensino estão: o desenvolvimento das dimensões física,
anímica e espiritual do ser humano, incentivando a capacidade de agir da criança (querer),
o estímulo às atividades corpóreas (presentes em grande parte das aulas), o estímulo às
atividades artísticas, artesanais e da imaginação, e o posicionamento do pensamento cientí-
fico-abstrato em um segundo plano, de tal forma que ele não seja precocemente estimulado
no aluno do ensino infantil, mas ocupando centralidade apenas no ensino médio.
Assim, o tato, apreensão mais materializada do mundo, mais “direta”, a vida, percepção
do próprio organismo e dos seus estados: disposição, cansaço, dor, mal-estar etc, o mo-
vimento, percepção do que acontece com o corpo quando nos movimentamos, e o equi-
líbrio, percepção a partir da relação do próprio corpo com o centro da gravidade da Terra,
permitem o conhecimento e a apreensão a partir do mundo do nosso próprio corpo.
Por sua vez, sentidos como calor (tanto para percebermos o quente ou o frio, quanto
para sentirmos o ambiente), olfato, paladar e visão implicam na relação e na apreen-
são do mundo exterior ao nosso corpo, mas que está ao nosso redor, nosso mundo.
68
Finalmente, para apreendermos o mundo do outro, recorremos à audição, à palavra,
à percepção da existência e do pensamento do outro (eu e pensamento, respectiva-
mente) (STEINER, 1997, p. 11-13).
3
Figura 02. Os sentidos como conhecimento A abordagem pedagógica, nesse contexto,
afirma que é preciso levar em conta todos
SAIBA MAIS
Os apontamentos anteriores se relacionam diretamente com os princípios do fazer pedagó-
gico segundo a teoria de Steiner e também como fundamento da própria pedagogia Waldorf.
Segundo eles, o conhecimento ou a prática pedagógica devem partir da vida, do indivíduo e
de sua realidade, não do pensamento científico abstrato. Assim:
Não podemos imaginar, no ensino das quatro primeiras séries, erro maior do
que educar os alunos de acordo com um método de ensino em que uma ma-
téria – por exemplo relativa a plantas e animais – possa ser continuada de ma-
neira a, mais tarde, fazer do aluno um botânico ou um zoólogo. Ao contrário,
atinge-se algo bem mais correcto do que o princípio de Spencer ao ministrar,
sobre plantas e animais, um ensino que 40 evite as crianças de se transforma-
rem em botânicos ou zoólogos… ninguém deveria tornar-se botânico ou zoó-
logo pelo que aprende no primeiro grau, e sim pela sua inclinação particular,
que se manifestaria no decorrer da vida por meio da selecção no âmbito de
uma arte pedagógica correcta… Essa escolha deverá também levar em conta
o carma predeterminado, a lei do destino. (STEINER, 1997, p. 14)
Filosofia da Educação 69
Temas Filosóficos da Educação
Desse modo, ao passo que tal método estimularia a liberdade e a autonomia de cada
criança, também implicaria no reconhecimento dos limites e das liberdades do outro,
aprendizagem que se realizaria pelo compartilhamento do espaço e das experiências
em uma sala com alunos em faixas etárias e desenvolvimento distintos.
Sua liberdade deve ter como limite o interesse coletivo, e como forma aquilo
que denominamos educação das maneiras e dos gestos. Devemos, pois,
interditar à criança tudo o que pode ofender ou prejudicar o próximo, bem
como todo gesto grosseiro ou menos decoroso. Tudo o mais – qualquer ini-
ciativa, útil em si mesma ou de algum modo justificável – deverá ser-lhe
permitido; mas deverá igualmente ser observada pelo mestre; eis o ponto
essencial [...]. (MONTESSORI, 1965, p. 45).
Autoeducação: toma como princípio o fato de que a criança é livre para aprender e
que a consciência dessa liberdade é um fundamento importante. A autoeducação se
realiza a partir da interação da criança com seu meio, do reconhecimento do erro, das
atividades que a própria criança deseja repetir.
70
Educação cósmica: a noção de cósmico aqui busca atentar para a conexão entre na-
tureza e universo e a percepção de que, pela curiosidade e pela imaginação, é possível
compreender e descobrir sobre o mundo. Nesse aspecto, a pergunta é valorizada como
método e, segundo Montessori, evidente, uma vez que a curiosidade é um traço natural 3
de toda criança.
Fonte: 123RF.
que o compõem é uma etapa importan-
te para a criança se sentir segura e so-
bretudo exercer sua liberdade. Assim, o
ambiente deve proporcionar condições
para que a criança possa explorá-lo: en-
contrar o que deseja, acessar todos os
objetos, dormir, tomar água, ir ao banhei-
ro sem a necessidade da autorização de
um adulto.
SAIBA MAIS
Nos dois sites indicados a seguir, é possível encontrar artigos e as principais premissas sobre
as abordagens Waldorf e Montessoriana.
Filosofia da Educação 71
Temas Filosóficos da Educação
SAIBA MAIS
Entre os desdobramentos práticos da experiência de Freinet na escola hoje, estão:
Ateliê: que podemos encontrar na ideia do “faça você mesmo” e que aponta a importância
significativa da experiência e da prática como processos de conhecimento. São espaços
onde as crianças constroem coisas, objetos, materiais etc.
Imprensa escolar: incentivo para que o aluno produza textos, leia em grupo, compartilhe e,
com a ajuda do próprio grupo, construa e transforme sua escrita e suas ideias.
CURIOSIDADE
A experiência histórica e da própria biografia de Célestian Freinet é retomada como influên-
cias importantes no desenvolvimento de suas propostas pedagógicas. Freinet era filho de
uma família de pastores e também ele foi, durante parte da sua juventude, pastor de ovelhas.
Para manter a segurança do rebanho, precisou compreender como se comportava o reba-
nho. Então, fez isso observando.
Durante a Guerra, ele foi ferido por uma arma tóxica (gás mostarda) que afetou sua capacidade
de fala – e ser professor implicava em falar muito em sala de aula. Perseguindo a vontade pela
docência, para a qual ele foi desestimulado por causa da deficiência de sua fala, ele lançou
mão de estratégias com as quais ele não precisasse falar tanto, já que não conseguia. Entre-
tanto, elas não foram bem recebidas, e ele foi desligado do sistema público francês de ensino.
Foram nessas circunstâncias que ele montou um projeto de escola em comunidade com uma
cooperativa de trabalho, fundando as bases da escola moderna. Uma década depois, Freinet
abriu, oficialmente, sua própria escola.
72
Ao longo de sua trajetória, Freinet não elaborou um método científico propriamente dito
ou, ainda, construiu uma abordagem pedagógica rígida sobre o que seria o processo
de educar, até mesmo porque tais posturas seriam contrárias ao que o próprio autor
defendia ser alguns dos fundamentos da educação e do processo de educar, a saber: 3
a de que cada indivíduo é único e, portanto, aprende de uma forma e, além disso, a
SAIBA MAIS
A primeira invariante pedagógica, em Freinet, diz que “a criança é da mesma natureza que
o adulto”. Isto é, todos – crianças e adultos – são movidos pelo desejo de autorrealização,
desejam o próprio sucesso. Partindo dessa ideia, Freinet critica, entre outros pontos, a forma
como as escolas constroem seus processos avaliativos, ranqueando os alunos e constituindo
um espaço de disputa e competição, quando deveria ser um espaço da cooperação, um dos
argumentos centrais na obra do autor acerca da finalidade da educação.
Freinet jamais aceitou a competição (grifo nosso) individual que existia nas
escolas; em seu lugar propôs a vida cooperativa, ideia reforçada no encontro
com Cousinet e Profit, em Montreaux (1924). O primeiro preconiza o traba-
lho em pequenos grupos e Profit propõe a solidariedade pela cooperativa
escolar. Freinet vai mais longe: sua pedagogia circula entre o individual e o
coletivo, procurando desenvolver ao máximo o senso cooperativo.
Você pode consultar todas as invariantes pedagógicas propostas por Freinet acessando o
portal da REPEF (Rede de Educadores e Pesquisadores da Educação FREINET) pelo link:
https://www.freinet-repef.com.br/invariantes-pedagogicos/invariante-n%c2%ba-1/. Acesso
em: 17 maio 2022.
Filosofia da Educação 73
Temas Filosóficos da Educação
Outro exemplo está na crítica aos manuais, apostilas e outros materiais que trazem
previamente definidos quais conteúdos os alunos devem assimilar. Aqui encontramos a
importância da experiência e da observação como prática educativa, traço fundamental
da perspectiva de Freinet. Assim, ele defende que é o olhar sobre o aluno que permite
identificar como ele aprende, como constrói seu conhecimento. Por isso, é fundamen-
tal que a criança explore a vida, o mundo e os conteúdos, tendo o professor como me-
diador nesse processo, como o personagem que coopera com seu caminhar.
Partindo, portanto, de sua prática e das observações sobre ela, Freinet estrutura as
bases centrais de seu pensamento e ação sobre a educação e suas finalidades que
acabam por constituir sua proposta pedagógica. De modo geral, elas podem ser obser-
vadas nos seguintes propósitos que devem guiar a prática educativa:
` Trabalho: atitude vital diante das adversidades e que deve ser compreendida como uma
das finalidades da educação. É importante estudar mais de perto esse tópico, pois ele é
um traço distintivo da perspectiva de Freinet comparada a outras, como as pedagogias
Waldorf e Montessoriana; dizemos, inclusive, que Freinet cria uma pedagogia do trabalho.
A escola deve, portanto, constituir-se como um espaço laborioso e cooperativo, uma vez
que a atividade e o trabalho orientam a prática docente e, não menos importante, entre
as funções da educação está a formação de indivíduos que existem e atuam em uma
sociedade do trabalho. Nessa perspectiva, a educação forma para o trabalho criativo e
livre e que, associado aos demais propósitos, como a autonomia, possibilita a formação
de sujeitos críticos capazes de perceber, dominar e transformar o meio em que vivem.
74
IMPORTANTE
A pedagogia do trabalho é construída em Freinet, tendo entre suas referências a perspectiva
marxista. Assim, ele defendia que é pelo trabalho que o ser humano se realiza e se exprime 3
de forma eficaz e, por isso, uma escola que não forma para o trabalho está desligada da vida.
No entanto, essa formação não se volta para o trabalho mecânico e/ou repetitivo. Ao contrá-
Livre expressão: assim como a livre pesquisa, são atitudes fundamentais para a cons-
trução da autonomia. Algumas das técnicas que Freinet usava em sala de aula, como a
imprensa escolar, buscavam desenvolver essas habilidades no aluno.
São dessas percepções que Freinet desenvolve o que ficou conhecido como a pedago-
gia do bom senso, uma prática educacional pela qual o conhecimento e a aprendizagem
resultam da relação dialética entre ação e pensamento/experiência e teoria, ao mesmo
tempo que a subjetividade e o histórico de cada aluno, bem como seu contexto, intera-
gem com os novos conhecimentos, desafios, adversidades. Desse modo, em Freinet:
SAIBA MAIS
No artigo A atualidade da proposta pedagógica de Célestin Freinet, a educadora e pesquisado-
ra Marisa Del Cioppo Elias faz uma análise da atualidade das técnicas e das reflexões criadas
por Freinet na educação contemporânea, sobretudo diante de uma sociedade que se transfor-
ma rapidamente marcada por conquistas tecnológicas e sociais. A autora aponta, entre outras
coisas, a necessidade da formação docente que inclua e prepare os educandos, em sala de
aula, para a cooperação e também para a compreensão, ação e transformação da realidade.
Nesse sentido, a elaboração e o desenvolvimento do conhecimento que se faz pela educação
em sala de aula e na escola – ou que deveria ser feito – estão intimamente ligados à cons-
cientização do educando sobre o próprio meio, sobre a própria realidade; tal conscientização
condiciona, assim, pensamento e ação.
O artigo é parte de um dossiê sobre a obra de Célestin Freinet publicado pela Revista Ibero –
Americana de Estudos em Educação, que traz outros importantes debates acerca do legado
e das propostas pedagógicas do educador francês. Disponível em: https://periodicos.fclar.
unesp.br/iberoamericana/issue/view/608. Acesso em: 17 maio 2022.
Filosofia da Educação 75
Temas Filosóficos da Educação
SAIBA MAIS
Há documentários e filmes que questionam o modelo educacional ainda em grande parte do
mundo, resultado da conformação da escola ao modelo industrial. A seguir, duas recomenda-
ções para ampliar suas perspectivas sobre o assunto:
Documentário que retrata projetos e novas abordagens sobre a educação em oito cidades
brasileiras que trazem ao processo de formação escolar maior afetividade, cidadania e auto-
nomia ao mesmo tempo em que aponta as necessidades de mudanças na escola tradicional.
2. SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
Iniciamos este tópico propondo que você faça um pequeno exercício: olhe ao seu redor
ou observe de que modo está estudando os conteúdos aqui propostos. É possível que
você esteja lendo um livro impresso e anotando suas observações em um caderno, mas
talvez esteja diante de um livro digital, lendo pelo computador, smartphone ou tablet,
conteúdo que acessou via plataforma ou outra ferramenta digital. Talvez diante da dú-
vida sobre o significado de uma palavra ou conceito, você recorra a uma ferramenta de
busca, como o Google. Pode ser que você vá mais longe e procure por outras teorias,
outras pesquisas e entre em contato com outras percepções, informações, dados pro-
duzidos por pessoas em outros lugares do mundo, de forma muito rápida, em um sim-
ples clique. E, possivelmente, enquanto estuda, também acessa as redes sociais das
quais faz parte, conversa virtualmente com amigos, consulta as últimas notícias, ouve
músicas, confere suas informações bancá-
Figura 05. As tecnologias e o cotidiano rias, atende a alguma demanda do trabalho,
faz compras por aplicativos etc.
76
dos meios de comunicação, a virtualização das relações e as conexões em rede são
algumas das características dessa época que têm como um dos traços fundamentais a
percepção do conhecimento como um valor.
3
IMPORTANTE
PARA REFLETIR
A sociedade do conhecimento implica em transformações em níveis variados, mas pro-
fundos que indicam novas formas de acesso à informação, interação e novas formas de
modelos universais:
Figura 06. Interação: redes locais e Por sua vez, a disseminação de tais tecnologias
globais pelo conjunto da sociedade mudou a forma como
nos expressamos e nos comunicamos e como a
própria sociedade se organiza. Assim, a intensi-
dade, a variedade e a velocidade da produção e
da circulação de informações orientam e ordenam
práticas e ações em diferentes extratos da socie-
dade: governo, educação, cultura, serviços, ativi-
dades produtivas e trabalho, saúde, economia etc.,
dando forma a novos comportamentos, cognição,
Fonte: 123RF. necessidades e sentidos das ações humanas em
Filosofia da Educação 77
Temas Filosóficos da Educação
Daniel Bell (1973), sociólogo norte-americano, foi um dos precursores do termo “so-
ciedade da informação” para designar uma nova etapa do capitalismo no qual a infor-
mação ocupa papel central como geradora de riqueza. Bell identifica esse fenômeno,
primeiro, no setor de serviços que, segundo ele, passa por profundas alterações com o
crescimento de cargos e funções vinculados ao conhecimento. Ou seja, o conhecimen-
to torna-se um fator estratégico para o desenvolvimento de tal forma que quem detém o
conhecimento – tecnológico e informacional – e, sobretudo, o conhecimento sobre o co-
nhecimento, detém poder. Trata-se, portanto, de um novo estágio da economia fundado
na produção de informação e conhecimento, no qual o desenvolvimento tecnológico e
das telecomunicações é o cerne da análise.
SAIBA MAIS
Um dos exemplos da relação entre sociedade e informação e de conhecimento aparece na
fala do subdiretor geral da UNESCO, Abdul Wahhed Khan, em 2003:
UNESCO - Towards Knowledge Societies. An Interview with Abdul Waheed Khan. United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, [s. I.], jul. 2003. Comunication
& Information. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000141843
Acesso em 24 mai 2022
78
2.1 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E SOCIEDADE EM REDE
A sociedade do conhecimento é também sociedade em rede. Essa é uma das ideias
defendidas por Manuel Castells para explicar as particularidades das sociedades con-
temporâneas que, segundo ele, são sociedades informacionais. Com essa denomi- 3
nação, a perspectiva de Castells aponta para a decisiva influência das Tecnologias de
Castells prossegue afirmando que, para além da centralidade das tecnologias de infor-
mação e comunicação, as relações que se dão a partir delas se realizam em um espaço
estruturado em redes. Dito de outra forma: a informação sempre foi fundamental em
qualquer organização social como parte, inclusive, do desenvolvimento. O que é novo
nas sociedades contemporâneas são as interações sociais – que criam, difundem, co-
operam, manipulam informações e conhecimento – e sua organização em rede, em
novas mídias que ultrapassam os limites e os espaços físicos. Ou seja, contemplam as
relações e as interações que acontecem via tecnologia digital e que criam um espaço
de interação e trocas virtual, como as redes sociais.
Figura 07. Sociedade em rede: novo Desse modo, parte das atividades diárias de
ordenamento social
trabalho e de tempo livre, de produção e de
Fonte: 123RF.
Filosofia da Educação 79
Temas Filosóficos da Educação
Fonte: 123RF.
PARA REFLETIR
Em uma sociedade altamente informatizada e com acesso irrestrito e ilimitado às mais varia-
das informações e dados, qual é o sentido e a finalidade da educação? Quais devem ser os
conteúdos, os currículos e as práticas? Como pensar as formações se parte das profissões
vai desaparecer em um futuro próximo, graças às inovações tecnológicas?
Essas têm sido algumas das pautas de reflexão entre filósofos, cientistas e educadores que,
de modo geral, defendem que as escolas não devem apenas educar pela internet, isto é,
com o uso dos meios digitais; mais do que isso, uma das principais tarefas da educação na
atualidade é desenvolver a capacidade autônoma de pensamento e reflexão do aluno de
forma que ele seja capaz de lidar com o volume das informações e dados de modo crítico e
de aplicá-los às tarefas diárias e aos projetos.
Veja as perspectivas do sociólogo Manuel Castells e da filósofa Viviane Mosé sobre esse
tema nos dois vídeos indicados a seguir:
Nesse vídeo, Castells chama a atenção para o fato de a escola atualmente formar alunos
submissos que não estão preparados para a sociedade em rede, configurando-se como uma
das instituições mais atrasadas e obsoletas da contemporaneidade.
80
SAIBA MAIS
Um dos grandes problemas do mundo sempre foi a exclusão do saber e do conhecimento.
Em cada contexto, essa exclusão se manifesta de uma forma: na Grécia Antiga o saber per- 3
tencia aos filósofos e pensadores; na Idade Média, à Igreja Católica e às Universidades; no
Iluminismo e na sociedade moderna, o conhecimento se volta, em grande parte, às ciências,
Veja na reportagem indicada a seguir alguns dos efeitos da exclusão digital no Brasil, em
particular, durante a pandemia da COVID-19.
SAIBA MAIS
A escola de Frankfurt foi fundada em 1924, na Alemanha, por pensadores ligados ao Insti-
tuto de Pesquisa Social, de Frankfurt, entre eles: Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert
Marcuse, Walter Benjamin e Jurgen Habermas. Entre as reflexões estava a renovação do
pensamento marxista e sua associação às ideias freudianas como parte do projeto que bus-
cava propor uma Teoria Crítica que fosse capaz de interpretar e apreender a sociedade do
século XX. Uma das discussões dos autores era o reconhecimento de formas de dominação
contemporâneas, em especial, por meio da cultura de massas e da indústria cultural.
Filosofia da Educação 81
Temas Filosóficos da Educação
Os produtos da cultura de massa não são dirigidos a um grupo específico, mas pro-
curam atingir a maior quantidade possível de pessoas, independentemente da classe
social ou de formações culturais. Sua disseminação e transmissão são industrializadas
de modo a atingir diferentes camadas socioeconômicas e culturais e manter um enorme
mercado de consumidores. Assim, a cultura se converte em mercadoria de consumo,
como outros produtos do capitalismo.
Para atingir o maior número de pessoas, a produção da cultura é feita segundo alguns
critérios, como a padronização. Pense bem: quando assistimos a um filme, a uma no-
vela ou a uma série, somos levados a acreditar que aquela é uma trama original, única,
mas se analisarmos bem, veremos que todas têm um enredo similar, um modo de de-
senvolvimento da história parecido, um mesmo tempo de duração etc.
A cultura de massa é apenas possível graças ao de- Figura 09. Queda das Torres
senvolvimento da indústria cultural que, de forma ge- Gêmeas
ral, contempla os meios de comunicação de massa. O
termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno
e Max Horkheimer, em 1942, na obra A dialética do
esclarecimento.
82
SAIBA MAIS
Esclarecimento aqui se relaciona às luzes, isto é, ao iluminismo. Esse momento histórico
identifica na razão – o conhecimento racional técnico-científico – o caminho para o conheci- 3
mento verdadeiro que levaria à liberdade e à autonomia dos homens. Para Adorno e Horkhei-
mer, entretanto, esse ideal não se consolidou; ao contrário, acabou se constituindo em um
Duas distinções formuladas pela escola de Frankfurt são importantes para entendermos esse
debate: razão instrumental e razão crítica:
Razão instrumental é a técnico-científica. O termo foi criado por Max Horkheimer e reto-
mado por ele e por Adorno na obra Dialética do Esclarecimento, publicada no contexto após
a Segunda Guerra Mundial, quando a Europa estava em pleno processo de reconstrução
– material, política, cultural e ideológica. Parte dos questionamentos feitos pelos autores diz
respeito à instrumentalização da ciência com outras finalidades diferentes das imaginadas
pelos iluministas (a razão como um projeto de emancipação humana). Na perspectiva frank-
furtiana, a razão instrumental é um meio (mais eficaz) para atingir determinados fins, não
importam quais sejam.
Razão crítica, por sua vez, é o oposto: é o caminho para a análise crítica do que oferece a
razão instrumental, isto é, pela razão crítica percebemos os limites e os perigos do pensa-
mento instrumental, em especial no que diz respeito às ideias de controle e de dominação
sobre a natureza, a cultura e a sociedade. A premissa dessa perspectiva é a de que as mu-
danças sociais e culturais apenas se realizam verdadeiramente se tiverem por finalidade a
emancipação e autonomia do ser humano (CHAUÍ, 2000, p. 60 e 360). Na razão crítica – ou
dialética – considera-se que além da crítica, a subjetividade e a cultura são importantes nas
análises do meio social.
Filosofia da Educação 83
Temas Filosóficos da Educação
Figura 10. Sapatos das pessoas mortas em O nazismo é um dos eventos mais trágicos e
Auschwitz bárbaros da história humana e, como obser-
vamos, afetou intimamente Adorno, por ser
Fonte: 123RF.
GLOSSÁRIO
Auschwitz foi o maior dos campos de concentração do nazismo, situado no sul da Polônia.
Estima-se que ali mais de um milhão de pessoas, judeus, em sua maioria, foram assassina-
das de modo planejado.
Na crítica à razão instrumental, Adorno aponta exatamente esse caráter racionalista, o uso
de técnicas e de métodos científicos para a barbárie, no qual o caráter ético do conhecimento
e da educação se perde: [...] onde está o ponto de transição entre uma relação racional com
ela [a técnica] e aquela supervalorização, que leva, em última análise, quem projeta um siste-
ma ferroviário para conduzir as vítimas de Auschwitz com mais rapidez e fluência, a esquecer
o que acontece com essas vítimas em Auschwitz (ADORNO, 1995, p. 133).
84
Como poderia a educação conduzir à liberdade e, ao mesmo tempo, impedir que a bar-
bárie novamente aconteça? A solução está na formação de uma educação crítica que
possibilite esclarecer o esclarecimento, isto é, questionar constantemente os ímpetos
da razão e dos seus usos como meios de dominação e opressão. Adorno diz que o es- 3
clarecimento contém dentro de si o germe da regressão (barbárie) e, portanto, acolher
SAIBA MAIS
O oposto da educação voltada para a formação da consciência verdadeira e para a formação
é a semiformação. Nesta, forma-se uma consciência dissociada ou a semiformação, forma-
ção parcial na qual o indivíduo é incapaz de realizar nexos, elaborar experiências cognitivas
profundas e conscientes, incapaz de compreender a realidade e sua complexidade.
SAIBA MAIS
Para aprofundar sua compreensão sobre a filosofia da educação de Adorno, leia o artigo do
educador e pesquisador brasileiro Bruno Pucci. Neste texto, Pucci retoma os principais escri-
Filosofia da Educação 85
Temas Filosóficos da Educação
tos de Theodor Adorno sobre a educação que, embora não tenha escrito nenhum livro sobre
o tema, produziu artigos e ensaios nos quais reflete sobre a questão educacional. Pucci trata
dos principais argumentos do pensador alemão especialmente voltados para a ideia de um
3 projeto de educação em relação à emancipação.
PUCCI, B. Teoria crítica e educação: contribuições da teoria crítica para a formação do pro-
fessor. Comunicações: Caderno do Programa de Pós-graduação em Educação da UNIMEP,
Piracicaba, ano 7, n. 2, dez./2000.
SAIBA MAIS
O Educação após Auschwitz é um dos textos de Adorno no qual o autor reflete sobre os
princípios e a necessidade de uma educação voltada para a emancipação e para a razão
dialética que incluem a capacidade crítica e a subjetividade do indivíduo. É importante
ressaltar que Adorno não construiu uma metodologia de ensino; seu objetivo era a reflexão
sobre a finalidade da educação. Entretanto, sua concepção de razão dialética – razão crítica
– é um dos pressupostos que influenciou a formação da pedagogia crítica.
Essa contradição é uma das justificativas que embasam as críticas ao sistema capitalis-
ta globalizado, característico da nossa época, e à ideologia do progresso fundamentado
na razão instrumental como única razão válida. Parte significativa dessa reflexão crítica
86
se direciona ao modelo econômico que tendo como objetivo a acumulação do capital
e o controle dos meios de produção se espalha pela sociedade como um fim, levando
essas mesmas lógicas para outras esferas do tecido social como a cultura (indústria cul-
tural) e a educação, cujas finalidades, em princípio, seriam outras. É dessa perspectiva 3
geral que se fundamenta a crítica ao neoliberalismo.
SAIBA MAIS
O liberalismo em sua origem concebe a liberdade como um direito individual, mas essa pre-
missa sofreu diferentes transformações nos seus sentidos e significados ao longo da história,
promovendo debates e reflexões sobre os domínios do indivíduo e os domínios do coletivo.
No vídeo indicado a seguir, a professora Alexandra Godoi faz uma análise sobre algumas delas.
LIBERALISMO: por que tantos significados diferentes? | Alexandra Godoi. 30 maio 2019. 1
vídeo (8min 38s). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=uI6j5SWhb6g. Acesso em: 27 jan. 2022.
De modo geral, o liberalismo nasceu no iluminismo como uma teoria política, econômi-
ca e social que trazia os valores individuais de liberdade e igualdade como inatos ao
homem. Como sabemos, o iluminismo caracteriza um período de transição de uma era
para outra. Foi nesse período que nasceram as teorias clássicas do liberalismo em opo-
sição ao Estado absoluto. A Europa ocidental era marcada, até então, pelo absolutismo
monárquico (no qual a monarquia controla o Estado, o poder e a sociedade como um
todo) e pelo domínio da Igreja Católica. O ideal liberal carrega o princípio da liberdade
do indivíduo – política e religiosa – frente a um estado absolutista e totalitário. É desse
contexto que ganha força também a ideia de individualidade que atribui ao indivíduo um
valor por si só, que independe do grupo ou do poder do Estado.
Entretanto, o liberalismo também surgiu a partir de uma luta econômica contra o mer-
cantilismo (no qual o Estado controlava a produção como um todo) e em um período
que assistia ao crescimento de uma nova classe social – a burguesia. Assim, além da
liberdade política e religiosa, especialmente pelos interesses da classe burguesa, pre-
gava-se também a liberdade econômica.
SAIBA MAIS
O filósofo inglês John Locke é considerado uma das principais referências que lançaram as
bases para a doutrina econômica do liberalismo. Em suas reflexões, Locke criticava a origem
divina do poder, assim como a intensa concentração do poder do Estado absolutista que
Filosofia da Educação 87
Temas Filosóficos da Educação
governava a vida dos indivíduos. O princípio da liberdade era um dos que Locke defendia.
Na obra O segundo tratado, o autor oferece as bases para o liberalismo político, defendendo,
entre outros pontos, o direito de os indivíduos escolherem seus representantes.
3
Por sua vez, o liberalismo econômico aparece em sua obra a partir da defesa da não inter-
venção do Estado na economia, da capacidade de o mercado se autorreguar e do direito à
propriedade privada. Sobre esse último ponto, Locke afirmava que a propriedade privada
derivaria do trabalho e se justificaria pela honra do trabalho ou, ainda, pelos benefícios que
determinada produção traria à sociedade.
De modo geral, esses princípios orientaram as sociedades ocidentais pelo século XVIII
até o início do XX, quando o mundo atravessa uma das mais graves e longas crises
econômicas. Tal cenário resultou da quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929,
que afetou todos os países industrializados. Para além desse fato, a intensiva produção
e consumismo, a queda no poder aquisitivo da população, crise na oferta de trabalho e
o continente europeu devastado pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial contribuíram
para o agravamento da crise econômica.
Nesse contexto, o Estado foi chamado a intervir na economia como forma de recupe-
ração das sociedades, período que marcou o Welfare state ou Estado de bem-estar
social: presença forte do Estado na economia, fortalecendo as leis trabalhistas, alta taxa
de impostos e o aumento dos gastos estatais em prol de benefícios sociais: moradia
própria, educação pública, acesso universal à saúde, seguridade social, entre outros.
SAIBA MAIS
Um dos fatos históricos mais importantes do neoliberalismo é o Consenso de Washington
(1989), um conjunto de regras e práticas fundamentadas nas teorias da chamada escola
88
de Chicago, que estabelecem diretrizes para a ajuda econômica e o desenvolvimento dos
países da América Latina. É desse documento que nasce o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Mundial, que condicionam os empréstimos financeiros aos países em desen-
volvimento ao atendimento de uma série de prerrequisitos como a reorientação dos gastos 3
públicos, privatização de empresas estatais, eliminação de barreiras fiscais, livre comércio,
Também o neoliberalismo, como conceito, não tem uma única definição nas ciências e
tampouco um único entendimento sobre seus efeitos. Mas, de modo geral, as reflexões
acerca desse modelo pelos cientistas, filósofos e pesquisadores ganham maior atenção
a partir dos anos 1990 – embora tenha sido tema de análise também em décadas ante-
riores – diante das consequências da implementação do neoliberalismo.
Assim, esse período vivenciou o aumento dos oligopólios e das transnacionais, a des-
regulamentação do mercado, a privatização de estatais, a influência das multinacionais
nas decisões de Estado, a redução dos investimentos sociais, a livre concorrência, a
perda de direitos trabalhistas e a precarização do trabalho, enquanto ganhava dimensão
a defesa do Estado mínimo, sobretudo, na garantia dos direitos e demandas sociais.
Filosofia da Educação 89
Temas Filosóficos da Educação
SAIBA MAIS
Como apontado, as reflexões sobre o neoliberalismo, suas essências e consequências nas
3 sociedades contemporâneas são múltiplas e partem de diferentes perspectivas. No artigo
indicado a seguir, Daniel P. Andrade analisa os principais argumentos e definições sobre o
neoliberalismo sob a ótica das ciências sociais. Ele apresenta as diferentes correntes que
se constituíram nos últimos anos, a partir de autores como Karl Marx, Max Weber, Pierre
Bourdieu, Michael Foucault e outros, para demonstrar as diferentes percepções da ideologia
neoliberal pelo conjunto da sociedade que compreende desde seus efeitos sobre o trabalho
e sua precarização até as formas de controle e de disciplina das condutas dos indivíduos, de
modo que eles se conformem às normas e ideologia vigentes.
A leitura do artigo possibilita compreender um quadro mais geral das reflexões sobre o neo-
liberalismo.
` Incentivar que a escola funcione como uma empresa, estruturada em técnicas de geren-
ciamento, para se tornar mais eficiente (MARRACH, 1996, p. 43-44).
90
conhecimentos e saberes que se adequam às necessidades do mercado de trabalho.
Nesse processo, perde-se o conteúdo político da educação que se converte em um
serviço definido pelo mercado. Assim, termos como produtividade, eficiência, eficácia,
qualidade, descentralização, conceitos comuns no meio empresarial, passam a ser par- 3
te também da retórica educacional.
` Novas formas de controle das práticas educacionais que voltam o enfoque para avalia-
ções específicas (exemplo: ENEM).
` Enfoque nos fins a serem atingidos como forma de definição dos meios a serem usados.
Filosofia da Educação 91
Temas Filosóficos da Educação
[...] razão, verdade, história são tidas por mitos, espaço e tempo se tornaram
a superfície achatada de sucessão de imagens, pensamento e linguagem
se tornaram jogos, constructos contingentes cujo valor é apenas estratégico
(então) essa instituição [a escola] não forma e não cria pensamento, despoja
3 a linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e a ad-
miração que levam à descoberta do novo, anula toda a pretensão de trans-
formação histórica como ação consciente dos seres humanos em condições
materialmente determinadas. (CHAUÍ, 1999, [n. p.]).
OBJETO DE APRENDIZAGEM
Criação de Força
Habilidade e Atitudes
de Trabalho para o
Funcionais
mercado
Mercandilização
Níveis básicos de
Prioridade do Escolas livres
Competência em
Ensino Fundamental para lucrar com a
área geral
educação
Condições para
o trabalhador se
adaptar ao mercado Neoliberalismo
e Educação no
Brasil
Docência limitada às Controle sobre o
normas e padrões trabalho docente
Escolas responsáveis
Salários vinculados Descentralização
Controle sobre o pelos resultados
ao desempenho do
Trabalho docente
aluno
Monitoramento do
desempenho
Substituição do
aumento salarial por
bônus e gratificações
Controle das politicas educacionais
por agências externas, como o Banco
Mundial
CONCLUSÃO
As sociedades contemporâneas têm imposto novos desafios à escola e à educação,
questionando a centralidade do papel na sociedade e os pesos que caem sobre a ins-
tituição escolar diante de um mundo que está em plena transformação. Viviane Mosé
afirma que a escola não é solução para as crises vivenciadas pela sociedade e pelo
mundo contemporâneo, uma vez que ela é parte desse mundo e também se encontra
no centro da crise.
Os temas tratados nessa unidade permitem compreender os desafios que estão pela
frente e apontam contribuições importantes para a criação de uma formação humana
voltada para autonomia, liberdade e criatividade. Como observaso, essa é uma das
grandes contribuições do pensamento e da reflexão filosófica: possibilita um olhar críti-
co e reflexivo sobre o meio e sobre nossas práticas.
92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Filosofia da Educação 93
Temas Filosóficos da Educação
LIBERALISMO: por que tantos significados diferentes? | Alexandra Godoi. 30 maio 2019. 1 vídeo (8min
38s). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uI6j5SWhb6g.
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MANUEL Castells – a obsolescência da educação. 7 abr. 2014. 1 vídeo (4min 14s). Publicado pelo canal Fronteiras
do Pensamento. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eb0cNrE3I5g. Acesso em: 28 jan. 2022.
MARIA Montessori – Educação e Vida. Direção de Gianluca Maria Tavarelli, Itália: Universal Filmes, 2007.
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PERISSÉ, G. Luzes ficcionais sobre o real. In: Introdução à filosofia da educação. São Paulo: Autêntica,
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QUANDO sinto que já sei. Despertar Filmes. Direção Anderson Lima. Brasil. Despertar Filmes, 2014 (78 min.)
PUCCI, B. Teoria crítica e educação: contribuições da teoria crítica para a formação do professor.
Comunicações: Caderno do Programa de Pós-graduação em Educação da UNIMEP, Piracicaba, ano 7, n.
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94
STEINER, R. Antropologia meditativa. São Paulo: Antroposófica, 1997.
UNESCO - Towards Knowledge Societies. An Interview with Abdul Waheed Khan. United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization, [s. I.], jul. 2003. Comunication & Information. Disponível 3
em: http://www.unesco.org/new/en/communication-and-information/resources/news-and-in-focus-articles/all-
Filosofia da Educação 95
Filosofia e os novos desafios
UNIDADE 4
INTRODUÇÃO
No decorrer deste livro, você viu conceitos básicos da Filosofia ao longo da história da
humanidade, aprendeu sobre algumas formas de conhecimento e como elas se iden-
tificam com a Educação, além de estudar os principais filósofos e os grandes nomes
ligados à Educação e suas teorias.
Nesta última unidade, você conhecerá um pouco sobre os novos desafios para a Filo-
sofia e de que maneira podemos relacioná-los com a Educação e com a Pedagogia na
atualidade.
Você estudará também, de maneira breve, sobre a transição da Filosofia moderna para
a Filosofia contemporânea, que ocorre entre os séculos XVIII e XIX e solidifica-se nos
séculos XX e XXI, além de entender como esses pensamentos filosóficos influenciaram
e influenciam a Educação atual.
Para isso, falaremos sobre a Escola de Frankfurt, que teve início no século XX, e como
ela foi um marco para a ideia de Educação que se tem hoje. Por meio dela, você saberá
quais eram os pensamentos predominantes, quais eram as pautas estudadas e quais
os principais nomes ligados à escola.
Ainda nesta unidade você estudará sobre a Indústria Cultural, como a ideia está ligada ao
conceito de alienação de uma sociedade e a produção de arte como objeto de consumo.
Todas essas indagações nos fazem refletir sobre qual é o papel do professor dentro
da contemporaneidade e como a Filosofia pode contribuir para uma educação, de fato,
transformadora.
96
GLOSSÁRIO
con·tem·po·râ·ne·o
adj
4
1. Que é do mesmo tempo; que existiu ou viveu na mesma época; coetâneo, coevo, temporâneo.
sm
Informações complementares
VAR.: contemporão.
Etimologia
lat contemporanĕus.
Através do significado contido no dicionário Michaelis, você pode observar que “con-
temporâneo” tem ligação com atualidade, o que é do nosso tempo, mas será que para
a Filosofia e para a História a palavra tem o mesmo significado?
Filosofia da educação 97
Filosofia e os novos desafios
SAIBA MAIS
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa#/
media/Ficheiro:Anonymous_-_Prise_de_la_Bastille.jpg. Acesso em: 23 fev.
2021.
A Revolução Francesa, como o próprio nome diz, aconteceu na França, entre os anos de
1789 e 1799. Durante esse período, percebia-se um grande movimento político e social no
país que, por consequência, teve um impacto que perdurou na história da França e abrangeu
toda a Europa. A desigualdade social que ocorria no país motivou a revolução, pois a nação
vivia em regime de monarquia absolutista e a maioria da população pagava altos impostos e
vivia em condições precárias.
Assista ao vídeo sugerido a seguir e veja um resumo do que foi a Revolução Francesa.
https://www.youtube.com/watch?v=I8q0S_XGwdg&t=415s. Acesso em: 23 fev. 2021.
Pode-se dizer que o iluminismo foi um movimento intelectual que surgiu na Europa
depois do período medieval. O foco principal era usar a razão, que remete à luz, para
fazer as reflexões que antes eram feitas, em geral, pelos pensadores religiosos. O anti-
go período era visto como “trevas”, portanto a luz do iluminismo surgia com o intuito de
“combater” as trevas.
98
Ainda no século XIX, contrapondo-se ao capitalismo, surgiu o pensamento socialista,
em que, resumidamente, através da ótica da economia, ocorreu o processo histórico-
-social da exploração, da força de trabalho e seus desdobramentos, o que mobilizou os
trabalhadores a entenderem qual era sua classe, ganhando, assim, consciência.
SAIBA MAIS
Pode-se dizer que os direitos humanos são os direitos básicos que devem ser assegurados
para todos os seres humanos, sem distinguir classe social, raça, nacionalidade, religião,
cultura, orientação sexual e gênero.
Para entender mais sobre o que são os direitos humanos, assista ao seguinte vídeo:
A seguir, você estudará sobre a Escola de Frankfurt e sobre a Indústria Cultural, conhe-
cerá os principais pensadores da época e verá como é possível ligar suas ideias com
a Educação.
Vale salientar que a Escola de Frankfurt surgiu em um período histórico entre as Duas
Grandes Guerras, na Alemanha, e teve como nomes importantes alguns pensadores
como Theodor Adorno e Max Horkheimer, que faziam críticas ao regime fascista italia-
no, ao nazismo alemão e ao socialismo soviético, ou seja, criticavam regimes tanto da
direita quanto da esquerda.
É possível perceber então que, mesmo tendo como base as ideias marxistas, a Es-
cola de Frankfurt critica o governo socialista soviético de Stalin e tudo que tem como
base o totalitarismo.
Filosofia da educação 99
Filosofia e os novos desafios
Dentro desse contexto, você conhecerá três pensadores muito importantes para a Es-
cola de Frankfurt, dentre outros grandes estudiosos que contribuíram demasiadamente
para a escola e sua filosofia.
Theodor Adorno
4
Figura 02. Theodor Adorno Theodor Wiesengrund-Adorno nasceu no ano de
1903, em Frankfurt, na Alemanha, e foi um gran-
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Theodor_W._Adorno#/
de pensador que pertenceu à Escola de Frank-
Juntamente com Horkheimer, Adorno escreveu Dialética do iluminismo, que também foi pu-
blicado como Dialética do esclarecimento, em que ambos desenvolveram a Teoria Crítica
(ARANTES, 1980, p. 10). Nessa obra, ambos esclarecem o conceito de Indústria Cultural
(sobre o qual você verá mais adiante), conceito esse que fazia parte da Escola de Frankfurt.
A Teoria Crítica tratava-se justamente de uma crítica à academia e aos modelos culturais em
voga e à recente hegemonia americana na cultura que surgia. Essa teoria também propunha
uma nova visão/interpretação do socialismo e revisava os conceitos da psicanálise e da so-
ciologia, tentando apresentar formas de romper com a alienação e a exploração do operário
e da população em geral.
SUGESTÃO DE LEITURA
O livro Dialética do esclarecimento é uma obra muito importante para entender o período
contemporâneo, pois ele faz uma análise de como a sociedade chegou ao ponto em que
está, isto é, como, após o iluminismo e a tentativa de universalização de conhecimento, a
chegada da tecnologia, as pessoas enquanto sociedade resolveram apoiar regimes autoritá-
rios como, por exemplo, o fascismo e o nazismo. Reflete sobre a Indústria Cultural e o poder
de dominação em massa.
É uma obra densa, com muitos conceitos importantes que conseguem transmitir a essência
do período contemporâneo.
100
SAIBA MAIS
Em suma, pode-se dizer que nessa obra os autores dizem que o esclarecimento acaba por
ser o anseio que os sujeitos têm de dominar a natureza a seu favor, isto é, ter conhecimento,
dominar as técnicas, e com isso conclui-se que o esclarecimento é uma forma de totalitarismo,
pois seu objetivo é a dominação, e é exatamente nesse ponto que iniciam as críticas de ambos
contra os regimes totalitários, como o fascismo, o nazismo e, de certa forma, até o comunismo.
SAIBA MAIS
Para conhecer mais sobre Max Horkheimer acesse o vídeo a seguir que trata um pouco so-
bre a Teoria Crítica e o marxismo. Trata-se de um trecho de um vídeo de 1969, com legendas
em inglês e português.
HORKHEIMER, Max. Teoria Crítica e marxismo, 1969. 1 vídeo (1 min 57 s). Publicado por Vicfiori.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=o-WWvteGCWM. Acesso em: 27 jan. 2021.
Walter Benjamin
Figura 04. Walter Benjamin Walter Benjamin nasceu no ano de 1892, em Berlim,
na Alemanha, em uma família de judeus. Ele foi filó-
commons/c/cc/Walter_Benjamin_vers_1928.jpg.
sofo, crítico literário e ensaísta. Segundo Baixo: “A
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
4 filosofia da história de Walter Benjamim bebe em três
fontes diferentes: o romantismo alemão, o messia-
nismo judeu e o marxismo” (BAIXO, 2002, p. 1). Isto
é, para tentarmos entender suas ideias é necessário
que saibamos o contexto no qual ele viveu, pois atra-
vés dessas três concepções ele criou uma nova.
A história dele sendo um alemão judeu está intimamente ligada às suas ideias, e o pensador
contribuiu com a Escola de Frankfurt, pois parte de sua obra tenta entender a sociedade por
meio da cultura de massa e da indústria cultural, conceitos extremamente importantes que
ainda influenciam o mundo atual. As ideias de Benjamin você verá mais profundamente no
próximo item, intitulado “Indústria Cultural”, em que conhecerá o conceito de “aura” e a per-
cepção dele sobre o assunto.
Além desses três grandes nomes, outras duas figuras importantes do período contemporâ-
neo são Herbert Marcuse e Erich Fromm.
Herbert Marcuse
102
Ele partia do princípio de que, com o avanço da sociedade industrial, as falsas necessidades
de consumo acabam por fazer parte da mentalidade do indivíduo e que os meios de comu-
nicação de massa induzem a sociedade a desejar o consumo cada vez mais. Portanto, suas
ideias se fazem pertinentes, inclusive, nos dias de hoje, pois, além dos meios de comunica-
ção que já existiam naquela época, surgiram outros que reproduzem o mesmo pensamento. 4
Devido a sua formação, Fromm entendia que a Psicologia e a Sociologia eram capazes de estudar
as questões da sociedade contemporânea, portanto fazia uma análise psicanalítica da sociedade.
Dessa forma, Indústria Cultural engloba uma crítica feita pelos autores em relação às
classes sociais dominantes, que utilizavam os meios de comunicação de massa, a cul-
tura e as artes para dominar o povo, aliená-los sobre o que de fato acontecia e também
com objetivo comercial. Nessa ótica, Adorno e Horkheimer acreditavam que os produtos
dessa indústria da cultura eram problemáticos, pois visavam apenas o lucro, e a arte
em si perdia suas características reais. Na visão deles, os produtos culturais são pro-
duzidos com o intuito de venda, geração de receita e de forma massiva, como numa
indústria em larga escala (ARANTES, 1980, p. 16).
Mas será que esse conceito criado por Adorno e Horkheimer está distante da realidade atual?
4
Reportagem
Compositores de música sertaneja moram juntos para produzir hits. Fantástico
A reportagem do programa “Fantástico” fala sobre uma espécie de “república” na qual compositores de
música sertaneja moram e produzem músicas do gênero em tempo integral.
Os compositores moram em uma casa em Goiânia, onde produzem muitas canções durante o dia, funcio-
nando como uma fábrica de composições. As canções são vendidas a cantores, tanto iniciantes quanto
músicos já consagrados. Todas as composições têm objetivo comercial e não necessariamente artístico.
Observando tal fato, será que o conceito de “Indústria Cultural” criado por Adorno e Horkheimer ainda se
encontra atual?
COMPOSITORES DE MÚSICA SERTANEJA MORAM JUNTOS PARA PRODUZIR HITS. G1, 2019. Dis-
ponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/04/08/compositores-de-musica-sertaneja-moram-
-juntos-para-produzir-hits.ghtml. Acesso em: 27 jan. 2021.
Outro pensador que também contribuiu para a Escola de Frankfurt e para o contexto de
Indústria Cultural foi Walter Benjamin. É autor do livro A obra de arte na era de sua re-
produtibilidade técnica, no qual fala sobre o conceito de “aura” – algo único, singular, da
própria obra de arte, e quando a arte é reproduzida em escala perde essa aura, fazendo
com que a própria obra perca seu valor artístico (ARANTES, 1980, p. 15).
Por exemplo, a reprodução de uma das obras de arte mais famosas do mundo, como
a Monalisa, fez com que a obra de Leonardo da Vinci se popularizasse, que pessoas
do mundo inteiro que não têm condições de ir até o Museu do Louvre, em Paris, co-
nhecessem a pintura. Porém, somente na pintura original encontra-se a singularidade
da obra, segundo Benjamin. Na obra original, é possível notar sua autenticidade, sua
singularidade, ou seja, sua aura.
Atualmente, através da internet, é possível visitar museus do mundo inteiro por meio
virtual, conhecer as obras de arte mais famosas sem sair de casa. Mas será que essa
reprodução traz a mesma essência de realmente estar no próprio museu? Essa é a
ideia de reprodutibilidade que Benjamin descreveu em seu livro, mostrando o contraste
da reprodução em massa das obras de arte.
104
Experiência virtual: casa de Anne Frank online
A casa de Anne Frank é um dos pontos turísticos mais procurados em Amsterdã, na Holanda, pois ela
serviu de anexo secreto para a família de Anne e mais quatros pessoas, durante o período da Segunda
Guerra Mundial. O grupo ficou confinado por mais de dois anos, fugindo do Holocausto.
4
Através da internet, é possível conhecer a casa toda, que se transformou em um museu que conta a
história da garota judia. O diário em que ela relata sua vivência durante esses dois anos está exposto lá.
Theodor Adorno
Max Horkheimer
Walter Benjamin
INDÚSTRIA CULTURAL
É claro que, conforme o tempo passa, a sociedade muda e traz novas demandas a se-
rem pensadas e repensadas referentes à vida e à prática pedagógica.
Nesse aspecto, podemos perceber que a educação visa o desenvolvimento dos seres
humanos de maneira ampla (física, intelectual e moral) e também a integração dos
sujeitos dentro de uma sociedade. Observando essas definições e as ideias contidas
nelas, a educação pode ser utilizada como uma maneira de dominação e/ou de liberta-
ção, a depender do que é ensinado e de como é ensinado.
Você já parou para pensar que tipo de educação vem sendo desenvolvida no Brasil?
Para refletir sobre isso, vale fazer um breve panorama histórico.
A necessidade de educação escolar teve início no Brasil com a chegada dos portu-
gueses e com o processo de colonização – a educação era, então, um trabalho que
tinha como objetivo catequizar os índios e aculturá-los, impondo, inclusive, a língua
portuguesa como obrigatória. A estrutura educacional desse período era política, pois
visava a desvalorização da cultura local, já que o índio era considerado um selvagem a
ser domesticado, imagem semelhante à que se tinha dos negros escravizados quando
chegaram ao Brasil – vistos como mercadoria e sem o direito de estudar –, fato que
continuou a acontecer por muitos anos.
SAIBA MAIS
Gostaria de entender um pouco mais sobre a história da Educação?
106
Ou através da série especial “História da Educação no Brasil”, da revista Nova Escola.
Nesse cenário atual, a Filosofia se faz necessária tanto quanto se fez necessária desde
o período clássico, pois é através dela que retomamos os pensamentos, por meio da
reflexão, e encontramos caminhos para avançar.
GLOSSÁRIO
cul·tu·ra
sf
1 AGR Ato, processo ou efeito de trabalhar a terra, a fim de torná-la mais produtiva; cultivo,
lavra.
5 BIOL Ato de cultivar células ou tecidos vivos numa solução com nutrientes, em condições
adequadas, a fim de realizar estudos científicos.
O significado que consegue nos levar a refletir sobre Educação é: “Conjunto de conhe-
cimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos
socialmente, que caracterizam um grupo social”. Ou até: “formação do homem, sua me-
lhoria e seu refinamento”. Entretanto, não se deve reduzir cultura simplesmente a esse
conjunto de conhecimentos transmitido e adquirido por grupos sociais ou a formação do
homem e sua melhoria; é o que afirma Geertz no trecho a seguir:
O homem não pode ser definido nem apenas por suas habilidades inatas,
como fazia o iluminismo, nem apenas por seu comportamento real, como faz
grande parte da ciência social contemporânea, mas sim pelo elo entre elas,
pela forma em que o primeiro é transformado no segundo, suas potencialida-
des genéricas focalizadas em suas atuações específicas (...). Assim como a
cultura nos modelou como espécie única – e sem dúvida ainda nos está mo-
delando – assim também ela nos modela como indivíduos separados. É isso
o que temos realmente em comum – nem um ser subcultural imutável, nem
um consenso de cruzamento cultural estabelecido. (GEERTZ, 1989, p. 37-38)
Dessa forma, percebemos que a cultura não é estática, muito pelo contrário, ela é dinâ-
mica e muda conforme a sociedade muda, portanto está em constante evolução.
108
Para isso, deve-se levar em conta o que Silva (2005, 2005, p.85) chama de multicultu-
ralismo. O autor diz que não é possível separar as questões culturais do poder – nesse
contexto, cabe a educação colonial, por exemplo. O autor acredita que, assim como a
cultura contemporânea, o multiculturalismo é ambíguo, pois “é um movimento legítimo
de reivindicação dos grupos culturais dominados no interior daqueles países para terem
4
suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional” (SILVA, 2005,
p. 85), porém, ainda segundo Silva, existe o outro lado, que pode ser visto como “uma
Dessa forma, é papel da Filosofia levantar questões sobre temáticas de cunho cultural
e social, com a finalidade de incluir as diversas culturas que estão presentes no nosso
país de maneira realmente representativa, mostrando que não há uma cultura superior
a outra, todas estão nos mesmos níveis, mas historicamente fomos levados a acreditar
que a cultura que vinha do Norte Global era superior à nossa, fazendo com que os pa-
drões de lá se repetissem aqui.
Através de iniciativas como a dessa lei, percebe-se que a Educação brasileira tenta
trilhar um caminho de uma educação mais inclusiva, que visa resgatar a cultura que
até então não havia sido mostrada nos livros didáticos, pois eles eram sempre feitos
na perspectiva ocidental. As leis educacionais brasileiras surgiram, então, para garantir
que essas pautas sejam colocadas em discussão e que promovam o pensamento crí-
tico dos alunos, fazendo com que eles se sintam representados e conheçam a cultura
brasileira que está ligada principalmente à cultura africana, indígena e europeia.
GLOSSÁRIO
de·sen·vol·vi·men·to
sm
3 Aumento das condições ou qualidades físicas (força, tamanho, vigor, volume etc.); cresci-
mento.
110
10 GEOM Representação da superfície de um corpo sólido sobre um plano.
12 MAT Transformação de uma expressão em outra equivalente, mais extensa, porém mais 4
acessível ao cálculo.
14 MÚS Execução de um tema (em especial, na sonata ou na fuga), motivo ou ideia, por mo-
dificações rítmicas, melódicas ou harmônicas; parte da música em que tal execução ocorre;
crescimento.
É claro que iniciativas como essas são boas, pois visam desenvolver a sociedade de
maneira sustentável, criar oportunidades para todos. Mas você já parou para pensar no
real sentido dessa educação para todos?
Como acabamos de ver, a ideia de desenvolvimento está, quase sempre, ligada a algo
positivo e que através desse conceito é possível “evoluir” como sociedade.
Portanto, há um grande desafio para a atualidade: como educar sem aculturar? Como
“desenvolver” a educação de um povo de forma inclusiva?
Essas questões não são fáceis de serem respondidas, uma vez que vivemos em um
mundo globalizado e para conseguirmos suprir as necessidades do dia a dia, como
alimentação, moradia, segurança, precisamos buscar essa educação que nem sempre
visa ensinar para educar, e sim ensinar para satisfazer a uma demanda de mercado.
Esse conceito está intimamente ligado à teoria do desenvolvimento econômico, pois, para
que uma sociedade consiga se desenvolver economicamente, é necessário que ela alar-
gue sua industrialização. “(...) a teoria do desenvolvimento econômico era concebida
como um simples alargamento da teoria econômica assente no crescimento e na indus-
trialização” (GÓMEZ, 2007, p. 16). Ou seja, para desenvolver a economia é “necessário”
formar pessoas qualificadas para conseguir acompanhar o crescimento industrial.
SUGESTÃO DE LEITURA
No livro escrito pelo francês Christian Lavan e traduzido por Mariana Echalar, a educação é
discutida através do avanço neoliberal, e o autor disserta sobre como grandes órgãos, como
o Banco Mundial, por exemplo, pressionam os sistemas de educação para se moldarem ao
capitalismo contemporâneo.
LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2019.
112
2.2. AS MULHERES NA FILOSOFIA: UMA NOVA TENDÊNCIA?
Seria a Filosofia uma área predominantemente masculina? Havia mulheres filósofas na
Antiguidade? E na atualidade? Questões como essas por vezes surgem na mente de
quem estuda Filosofia, pois, quando começamos a estudar os conceitos básicos e os
principais pensadores, deparamo-nos, quase sempre, com nomes de homens, como os 4
principais filósofos da humanidade. Então, afinal, há mulheres filósofas?
SUGESTÃO DE LEITURA
Filósofas: a presença das mulheres na Filosofia. Organizadora: Juliana Pacheco
O livro Filósofas: a presença das mulheres na Filosofia, idealizado e organizado por Juliana
Pacheco, traz 19 capítulos que contam um pouco sobre a vida e a obra de 19 filósofas que
fazem parte da história da Filosofia desde a Antiguidade até o presente momento.
Vale salientar que existem muito mais que 19 mulheres filósofas, porém a autora teve de
escolher os principais nomes para sua obra.
http://docs.wixstatic.com/ugd/48d206_3d0d3201e32a4ef6bff8c18b7b85719a.pdf. Acesso
em: 27 jan. 2021.
No livro Filósofas: a presença das mulheres na Filosofia, você pode conhecer nomes
de filósofas de várias partes do mundo, alguns menos conhecidos e outros bastante
famosos, como Hannah Arendt, Simone de Beauvoir e Angela Davis.
Hannah Arendt
https://www.youtube.com/watch?v=EWpnkVJsyEs.
Acesso em: 24 fev. 2021.
Simone de Beauvoir
commons/c/c1/Simone_de_Beauvoir2.png. Acesso
sofa e feminista. Cursou Filosofia na Universidade
4 de Sorbonne e com apenas 23 anos já era profes-
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
sora universitária.
Angela Davis
Figura 10. Angela Davis Angela Davis nasceu em 1944, no Alabama, nos
Estados Unidos da América. Ela se formou filósofa
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/66/
https://www.youtube.com/watch?v=HGa8d3uFOt4.
Acesso em: 24 fev. 2021.
114
Lélia Gonzalez
Em uma de suas obras, intitulada Racismo e sexismo na cultura brasileira, a filósofa debate
o mito da democracia social no Brasil e se baseia na psicanálise (Freud e Lacan) para tentar
entender o racismo no Brasil e o que ela chama de neurose cultural brasileira.
Infelizmente, Lélia morreu jovem, em 1994, por causa de problemas cardiovasculares, mas
certamente sua obra é fundamental para entender o Brasil e contribui muito para a Educação
contemporânea, principalmente no combate ao racismo.
SAIBA MAIS
Marilena Chauí
Marilena Chauí nasceu em 1941, na cidade de São Paulo, e é uma importante filósofa brasi-
leira. Além de professora e autora, foi também Secretária Municipal da Cultura de São Paulo,
no período de 1989 a 1992.
Marilena Chauí é uma mulher fundamental na contemporaneidade, que auxilia no saber filo-
sófico e contribui positivamente para a Educação atual, pois através de suas obras é possível
entender Filosofia de uma maneira prática e perceber o quanto a disciplina é importante para
o mundo e para o Brasil atual.
SAIBA MAIS
No vídeo indicado a seguir, a filósofa Marilena Chauí explica o que é cultura. Esta, e é uma
boa oportunidade para você conhecer um pouco sobre a pensadora.
Sueli Carneiro
Figura 13. Sueli Carneiro Sueli Carneiro nasceu em 1950, na cidade de São
Paulo, e ingressou na Universidade de São Paulo
File:SueliCarneiro.jpg; . Acesso em: 24 fev. 2021.
116
Uma de suas obras mais importantes é Racismo, sexismo e desigualdades no Brasil (2011),
na qual reflete, por meio de diversos textos, e convida o leitor a refletir criticamente sobre a
sociedade brasileira e como as relações sociais no Brasil são estruturadas através do sexis-
mo e do racismo.
4
Sem dúvida, Sueli Carneiro é uma filósofa contemporânea que auxilia a compreender a so-
ciedade brasileira atual e contribui para uma educação transformadora que visa igualdade
SAIBA MAIS
Nesse vídeo, a filósofa e doutora em Educação, Sueli Carneiro, fala brevemente sobre a
trajetória contra o racismo e como ela transformou sua indignação em luta.
Nesse pequeno vídeo, Sueli Carneiro fala sobre a relação entre a Ciência e o racismo e tam-
bém discorre sobre o conceito de epistemicídio.
Djamila Ribeiro
Em Pequeno manual antirracista, Djamila fala sobre alguns conceitos, como racismo, negritu-
de e branquitude, além de discorrer a respeito de violência racial e cultura. Em 11 capítulos,
a filósofa reflete e argumenta por que a prática antirracista é urgente e necessária.
Em suas obras, Djamila escreve sobre feminismo, racismo e sexismo. Na tese de mestrado, a
filósofa dissertou sobre a teoria feminista a partir da análise de Simone de Beauvoir e Judith Buther.
Djamila Ribeiro é uma importante pensadora contemporânea que discute temas extrema-
mente relevantes para a sociedade brasileira atual, como sexismo, feminismo e racismo.
Sua forte presença nas redes sociais consegue aproximar jovens e promover debates sobre
essas questões que, na atualidade, devem ser consideradas fundamentais em busca de uma
4 sociedade mais justa e igualitária.
SAIBA MAIS
Vídeo: Precisamos romper com os silêncios. Djamila Ribeiro. TED x São Paulo Salon
Participação da filósofa contemporânea Djamila Ribeiro no evento TED x São Paulo, falando
sobre romper silêncios, inclusão social e lugar de fala.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6JEdZQUmdbc. Acesso em: 27 jan. 2021.
SUGESTÃO DE LEITURA
O que é lugar de fala? – Djamila Ribeiro
Nesse livro, Djamila Ribeiro fala sobre um conceito que vem sendo bastante discutido: o
lugar de fala. Na obra, ela questiona quem tem direito a voz em uma sociedade majoritaria-
mente branca, masculina e heterossexual, e nos faz pensar em outros lugares de fala e na
importância de mostrar diversas perspectivas, dando voz a quem realmente deve falar.
Lélia Gonzalez
Marilena Chauí
Sueli Carneiro
Djamila Ribeiro
118
3. CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA PARA UMA EDUCAÇÃO
TRANSFORMADORA
Através deste livro, você já percebeu que, embora seja difícil conseguir conceituar Fi-
losofia, ela é provocadora e serve para nos fazer refletir sobre diversas questões que
4
circundam a vida humana. Ela está presente na política, na ética, na estética, portanto
está presente o tempo todo, inclusive na Educação.
A Filosofia vem contribuindo para a Educação há muito tempo, desde a era clássica,
mas, quando se fala de contemporaneidade, ela se fez extremamente presente na Es-
cola de Frankfurt, pois lá grandes pensadores contemporâneos criaram o conceito de
Indústria Cultural e faziam críticas aos governos totalitaristas e como esses governos
utilizavam-se da cultura de massa para ganharem mais poder.
Um exemplo dessa temática é a propaganda nazista, que tinha apelo emocional mostrando
uma Alemanha próspera, mas, para isso estimulava o preconceito e o discurso de ódio nas
pessoas. O resultado, a própria História conta: o maior massacre da história da humanidade.
É papel da Filosofia contribuir para uma formação mais crítica, humanitária e justa. É
através dela e de seus princípios que se abre espaço para o diálogo, pois, quando há
diálogo, há, então, uma tentativa de exposição de ideias, de construção e desconstru-
ção de conceitos, há espaço para pensar, há espaço para tentar compreender o mundo
de maneira diferente.
A escola deve ser esse ambiente aberto para a conversa e para discussões de todos
os âmbitos, pois é nela que o aluno se insere com os seus conhecimentos em busca de
escolarização e da expansão desse conhecimento. Cabe à instituição de ensino, então,
acolher e promover esses debates.
Levando em consideração os dados do IBGE (2019, [n. p.]), a maioria dos estudantes
brasileiros está na rede pública de ensino. Na fase de creche e pré-escolar, são 74%
das crianças, no ensino fundamental 82%, e ensino médio 87%. (IBGE, 2019, [n. p.]).
Isso significa que a maioria das crianças e dos adolescentes brasileiros frequenta a
escola de ensino público e que para conseguirmos uma melhora global na educação é
necessário, mais do que nunca, investir na escola pública.
Não é incomum alguém ouvir um parente idoso dizer que antigamente a escola pública
era boa e que tinha qualidade, e que hoje em dia não se vê isso. Esse pensamento
do senso-comum é recorrente em muitos lugares, mas verdadeiro é relativo, pois
antigamente a escola pública não era para todos, era seletiva e elitista. Por não ser
obrigatória, muitas pessoas de origem mais humilde não terminavam o então “primeiro
grau” (hoje, ensino fundamental) e já começavam a trabalhar. Atualmente, a escola
pública está longe de ser perfeita e de atingir níveis altos de qualidade em exames
externos e internacionais, mas é melhor do que era antes, porque, hoje, ela consegue
4
englobar a maior parte da população, mais crianças estão na escola e um pouco mais
distantes do trabalho infantil.
Essas crianças que chegam às escolas todos os dias juntamente com sua mochila,
trazem consigo também seus sonhos (os que sabem sonhar), suas angústias e suas
histórias. A escola é, por vezes, o espaço de acolhimento, de alimentação, de discus-
são, de amizade, de integração, de inclusão e de ensino e aprendizagem. Portanto, o
papel do educador e da gestão escolar em si tem se tornado a cada dia mais complexo
e desafiador, pois a instituição de ensino não é apenas um lugar de absorção de conhe-
cimento e conteúdo; há muito tempo, ela tem sido, muitas vezes, a segunda casa das
crianças e adolescentes que ali passam e onde esses jovens acabam por despejar seus
problemas pessoais.
Por mais que o contexto da Indústria Cultural tenha sido criado na Escola de Frankfurt
no século passado, ele nunca esteve tão próximo de escolas da atualidade, devido à
globalização e à propagação desenfreada da internet. É possível enxergá-lo pratica-
mente a todo tempo nas redes sociais, porque através delas o mercado tomou outra
forma, e a melhor maneira de vender, seja um conceito, um serviço ou produto, está nas
plataformas digitais. A propaganda nem sempre tem “cara” de propaganda, pois, por
vezes, o produto aparece como indicação de um influenciador digital.
De certa forma, é possível dizer que a Indústria Cultural se reproduz nas redes sociais,
já que os algoritmos são capazes de nos direcionar para determinada postagem de
acordo com as publicações que curtimos, compartilhamos e comentamos, e assim esta-
mos cada vez mais conectados e mais doentes emocionalmente. Ainda relacionando a
Indústria Cultural da Escola de Frankfurt com a atualidade, a propagação de fake news
tem feito um papel semelhante à propaganda nazista, pois dissemina a desinformação
e o discurso de ódio.
O grande problema é que todos esses conflitos do período em que vivemos não estão
somente no campo virtual, eles saem das telas e chegam dentro das salas de aula e
nesse momento o que o professor deve fazer? Qual é o papel do professor? Qual o
papel da escola? Qual o papel da Filosofia?
Todas as questões aqui levantadas são atuais e pertinentes ao cenário de mundo glo-
balizado, são questões que precisam ser refletidas e discutidas dentro do ambiente
escolar, por isso a Filosofia se torna imprescindível, pois é nela que conseguimos a
base para discutir sobre política, ética, estética, ontologia e epistemologia, ou seja, tudo
120
que se faz presente em uma escola. É nela que os debates atuais sobre igualdade de
gênero, sexualidade e questões étnico-raciais vão ser baseados. Através da Filosofia os
alunos poderão debater formas de conhecimento e tornar-se cidadãos críticos e aptos
a discutir as demandas da sociedade atual.
Através dos campos da Filosofia é possível, então, utilizar de conhecimento para com- 4
preender a contemporaneidade.
` INDAGAR
EDUCAÇÃO
FILOSOFIA ` REFLETIR
EMANCIPADORA
` QUESTIONAR
CONCLUSÃO
Nesta quarta e última unidade, você pôde refletir criticamente sobre as novas tendên-
cias da Filosofia contemporânea e conheceu o conceito de contemporaneidade no sen-
tido do senso-comum e também para a História e para a Filosofia.
Além disso, você viu que as mulheres da filosofia não são exatamente uma tendência
contemporânea, que elas já existiam desde a Antiguidade, e conheceu as principais
No terceiro e último tópico, você refletiu sobre as contribuições da Filosofia para uma
Educação transformadora e pôde relacionar a Filosofia e a Educação novamente. Per-
4 cebeu que a função da Filosofia é levantar questionamentos, fazer indagações sobre
as questões fundamentais da vida e assim tentar buscar conceitos e respostas para
essas perguntas. Dessa forma, não há como excluir a Educação da Filosofia, porque
ambas caminham juntas. Através da Filosofia consegue-se enxergar caminhos para a
Educação atual. Pensando nas temáticas presentes na contemporaneidade e levando
esses questionamentos para a sala de aula, conseguimos fazer da escola um espaço
democrático que busca igualdade de gênero, sexual, étnica e respeito pelas diferenças;
a escola torna-se, então, um espaço de transformação e de busca pela equidade.
122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ABREU, C. Mulheres em todas as cores. Djamila Ribeiro. Mulheres na Ciência, 2019. Disponível 4
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ARANTES, P. Introdução. In: BENJAMIN, W.; HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W.; HABERMAS, J. Textos
escolhidos. Tradução de José Lino Grünnewald et al. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Col. Os Pensadores,
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BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Magia e técnica, arte e política:
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CABRAL, J. F. P. Conceito de Indústria Cultural em Adorno e Horkheimer. Brasil Escola, [s. d.]. Disponível
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