Livro Completo Filosofia Da Educação

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MARINA LEME ROSA

HELOÍSA MARIA DOS SANTOS TOLEDO

SUMÁRIO
UNIDADE 01: EXEMPLO DE TEXTO......................................................................103

1. Título de Peso .................................................................................................... 103

2. Mauris tristique velit facilisis nulla hendrerit rutrum. ........................................... 105

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Marina Leme Rosa
Heloísa Maria dos Santos Toledo

2022
CASA NOSSA SENHORA DA PAZ – AÇÃO SOCIAL FRANCISCANA, PROVÍNCIA
FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL –
ORDEM DOS FRADES MENORES

PRESIDENTE
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
DIRETOR GERAL
Jorge Apóstolos Siarcos
REITOR
Frei Gilberto Gonçalves Garcia, OFM
VICE-REITOR
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO
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PRÓ-REITOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
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COORDENADOR DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD
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GESTOR DO CENTRO DE SOLUÇÕES EDUCACIONAIS - CSE
Franklin Portela Correia
CURADORIA TÉCNICA
Daniel Amaro Cirino de Medeiros
CURADORIA INSTITUCIONAL
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DESIGNER INSTRUCIONAL
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REVISÃO ORTOGRÁFICA
Rita de Cassia Sorrocha Pereira
PROJETO GRÁFICO
Impulsa Comunicação
DIAGRAMADORES
Andréa Ercília Calegari
CAPA
Andréa Ercília Calegari

© 2022 Universidade São Francisco


Avenida São Francisco de Assis, 218
CEP 12916-900 – Bragança Paulista/SP
A AUTORA
MARINA LEME ROSA
Nasceu em Bragança Paulista, São Paulo, em 1992. Professora de línguas há 8 anos, é li-
cenciada em Letras e bacharel em Comunicação Social com ênfase em Relações Públicas.
Lecionou em escolas públicas e particulares no Brasil e em centros de estudos, na ci-
dade do Porto, em Portugal.
Atualmente é mestranda em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras da Univer-
sidade do Porto (FLUP), em Portugal e também atua como escritora, pesquisadora e
produtora de conteúdo.

CO-AUTORA

HELOÍSA MARIA DOS SANTOS TOLEDO


Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(2001) e Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(2005). Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(2010), com a tese Som Livre: as trilhas sonoras das telenovelas e o processo de difusão
da música. Atua principalmente nos seguintes temas: Sociologia geral, pensamento clássico,
tecnologia e mediação tecnológica e cultura, indústria cultural, trilhas sonoras de telenovelas,
indústria fonográfica, difusão cultural. Além da experiência docente no ensino presencial,
possui grande experiência como docente e gestor em EaD e na coordenação de cursos
de pós-graduação, Nesta função, foi responsável pela equipe pedagógica e administrativa
e pela coordenação e elaboração de cursos, sistemas avaliativos e produção de material.
Atualmente, cursa a pós-graduação lato sensu em Educação: metodologias, tendências e
foco no aluno.
SUMÁRIO
UNIDADE 01: CONCEITOS BÁSICOS....................................................................6

1. O que é Filosofia? ............................................................................................... 7

2. Concepções histórico-filosóficas.......................................................................... 12

3. Principais autores e suas correntes filosóficas.................................................... 15

UNIDADE 02: A RAZÃO E A CONSCIÊNCIA..........................................................36

1. Os caminhos da razão ........................................................................................ 38

2. O iluminismo......................................................................................................... 53

3. A consciência humana.......................................................................................... 56

4. A crise da razão.................................................................................................... 59

5. O “mentalismo” na educação: educar a mente.................................................... 61

UNIDADE 03: TEMAS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO........................................66

1. Concepções alternativas de educação................................................................ 66

2. Sociedade do conhecimento ............................................................................... 76

3. A ideologia neoliberal na educação...................................................................... 86

UNIDADE 04: FILOSOFIA E OS NOVOS DESAFIOS............................................96

1. Novas tendências para a Filosofia contemporânea ............................................ 96

2. Filosofia e os desafios para a Educação atual .................................................... 105

3. Contribuição da Filosofia para uma educação transformadora............................ 119


Conceitos básicos

1 UNIDADE 1

CONCEITOS BÁSICOS

INTRODUÇÃO
"Conheça-te a ti mesmo”, a icônica frase encontrada no oráculo de Delfos, traduz a
essência do que é Filosofia. O saber é um dos objetos de estudo dessa forma de ver
o mundo e que se utiliza da razão como matéria-prima, e, muitas vezes, ao conseguir
uma possível resposta para uma questão, ela suscita novas questões, por isso os seres
humanos vivem em constante busca pelo saber.

Figura 01. Oráculo de Delfos

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1a/Delphi_by_Albert_Tournaire.jpg.
Acesso em: 2 dez. 2020.

É na Filosofia que a sociedade vem buscando, há séculos, conceituar e propor cami-


nhos para conduzir às perguntas da vida, isto é, às questões fundamentais que rodeiam
a existência humana. Quem eu sou? O que é o belo? O que é certo? O que é er-
rado? De onde vim? Para onde vou? Como pensar o bem comum? Como eu sei
que eu sei? Esses são alguns exemplos das perguntas fundamentais que cercam as
pessoas desde que elas passam a se enxergar como seres humanos.

E o que é ser um ser humano crítico? É aquele que não aceita as respostas óbvias
sobre as questões fundamentais. É aquele que busca refletir e encontrar os porquês

6
dessas perguntas longe do senso comum, amando o buscar a sabedoria mais até do 1
que a possibilidade de uma resposta pronta.

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SAIBA MAIS
Estude mais sobre o termo senso comum pela leitura do artigo indicado abaixo:

PORFÍRIO, F. Mito da Caverna. Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.


br/filosofia/mito-caverna-platao.htm. Acesso em: 13 nov. 2020.

Nesta unidade, você estudará o que é Filosofia, suas concepções a partir do contexto
histórico e os principais autores e correntes filosóficas.

1. O QUE É FILOSOFIA?
Definir Filosofia não é tarefa fácil, nem para os próprios filósofos, pois o senso comum
busca uma resposta para estabelecer definições exatas em relação a esse conhecimento.
É possível dizer que Filosofia é a opção de não ter como óbvias e evidentes as ideias,
coisas e fatos, jamais aceitá-los sem investigar e compreender (CHAUÍ, 2000, p. 9).

A Filosofia é o despertar da suspeita, são os questionamentos que as pessoas já têm


em sua vida cotidiana que passam a ser mais bem elaborados: “Por quê?”, “O que
é?” E assim, buscam encontrar novos conceitos, conceitos estes que podem se tor-
nar novas perguntas. Ela é uma possibilidade de trazer o pensamento que questiona
e, propõe criticidade, porque o pensar produz capacidade de questionamento sobre o
espaço, tempo e acontecimentos, não só acontecimentos passados, mas para também
tentar entender a realidade presente.

E por que se estuda Filosofia? A cultura popular costuma entender que algo somente
tem valor quando há finalidade prática, lucrativa ou utilidade imediata (CHAUÍ, 2000, p.
10). A Filosofia serve então para ser a base da Ciência, porque para existir ciência tem
que existir verdade, e a possibilidade de verdade só é alcançada através de questiona-
mentos, pensamentos e reflexão crítica acerca da realidade.

Diante disso, o caminho para discutir o que é Filosofia é tentar entender o que é o co-
nhecimento e quais são as suas formas.

SUGESTÃO DE LEITURA
Convite à Filosofia – Marilena Chauí

Nesse livro, a autora convida seus leitores a entenderem sobre Filosofia de uma forma práti-
ca e com uma linguagem acessível.

CHAUÍ, M. S. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

Filosofia da educação 7
Conceitos básicos

1 1.1. CONHECIMENTO X FORMA DE CONHECIMENTO


Figura 02. Reflexões

O que é certo? O que é errado? Quem eu sou? Quem ele é?

O que é belo? O que não é belo? De onde vim? Para onde vou?

Por que não fazer


Por que é assim?
diferente?

Fonte: elaborada pela autora.

Todas as perguntas nos fazem refletir e tentar chegar a pontos de esclarecimento de concei-
tos. Mas, como chegamos a eles? Você já parou para pensar? Por meio de conhecimento.

O conhecimento surge com base na necessidade do ser humano de tentar compre-


ender a realidade e conceitualizar as perguntas fundamentais (CORTELLA, 2008, p.
49). Ele é, no geral, as concepções que assumimos individual ou coletivamente. Esse
conhecimento varia da interação com o meio em que o sujeito vive e cresce, depen-
dendo, principalmente, da circunstância na qual ele obtém o saber, isto é, é possível ter
conceitos diferentes para todas essas respostas.

Há várias formas de conhecimento, como a Ciência e a Religião, que respondem dife-


rentemente às perguntas “De onde eu vim?” e “Para onde vou?”.

O senso comum, enquanto tipo de conhecimento, e a ética, enquanto campo da Filo-


sofia, podem também responder de maneiras diferentes às questões “O que é certo?”
e “O que é errado?”. É na busca por conceitos que respondam a essas questões que a
Filosofia surge como uma forma de conhecimento. Esses conhecimentos estão atrela-
dos à época em que eles surgiram.

A seguir, você estudará brevemente cinco tipos de conhecimento: mítico, empírico, te-
ológico, científico e filosófico.

Conhecimento mítico

Saci-pererê, Mula Sem Cabeça, Medusa, Pandora, Titãs: quem nunca ouviu falar em pelo
menos um desses personagens ou de alguma dessas histórias? Alguns deles perpetuam o
imaginário de crianças do Brasil e do mundo inteiro.
Para as pessoas, de modo geral, os mitos primitivos ficam no nosso imaginário como histó-
rias fantasiosas, juntamente com contos de fadas, contos de terror e mistério, entre outras
tipologias. Mas será que mito é realmente isso?

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A resposta para essa questão é não, pois há diferenças entre um texto de ficção e um mito. 1
O mito tem uma razão diferente para existir, é a maneira como os diferentes personagens se

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situam no mundo e encontram respostas para aquelas questões fundamentais. Saci-pererê,
Mula Sem Cabeça, Medusa e outros personagens não são mito, e sim folclore.

Mito e folclore são confundidos, muitas vezes, pelo senso comum. Enquanto o mito é uma re-
presentação não analítica da realidade que se mostra como possível resposta para o ser hu-
mano com o objetivo de dar uma explicação aos fenômenos da natureza e da vida, o folclore
surge como um conjunto de mitos, crenças, lendas e histórias populares que são transmitidos
de geração para geração e que fazem parte de uma expressão cultural dos povos, não sendo
capazes porém de responder a anseios destes.

Explicações sobre a existência do sol, da lua, da água, da terra, do ar e de tudo que envolve a
natureza e os homens em geral começaram a surgir como mito, uma forma de conhecimento
entre povos que era uma maneira de explicar os fenômenos existentes. Embora diferentemente
do folclore em alguns aspectos, o que há em comum entre eles é que o conhecimento mítico é
sim expresso por meio de uma linguagem simbólica e imaginária (CYRINO; PENHA, 1992, p. 14).

Por meio de linguagem simbólica e, por vezes, imaginária, o mito surge do desejo de enten-
dimento e dominação do mundo para dar fim aos anseios e medos da humanidade, pois, a
partir do momento em que o homem não consegue controlar as forças naturais, ele passa a
dar nomes e contar uma história sobre esses fenômenos.

Conhecimento empírico

Empirismo, segundo o dicionário Michaelis, é “o sistema filosófico que nega a existência de


axiomas como princípios de conhecimento”, isto é, uma forma de ver o mundo que acredita
que alguns conceitos não precisam ser necessariamente comprovados, ou seja, acredita que
o conhecimento é adquirido pela experiência sensorial.

O conhecimento empírico pode ser também chamado de senso comum, é o conhecimento


popular, isto é, aquele saber obtido através do olhar, da observação e da interação/relação do
ser humano com o seu meio ambiente. Quase sempre tem como base a vivência, as expe-
riências, em detrimento da Ciência. Nesta forma de conhecimento não há, necessariamente,
uma preocupação em refletir criticamente sobre o tema tratado. A dedução, muitas vezes, é
mais valiosa que a reflexão por se tratar de assuntos recorrentes ao dia a dia. Essa forma de
pensar baseia-se em crenças, tradição e ao possível não questionamento, e é um saber que
pode ser transmitido por qualquer pessoa.

Quem nunca se sentiu enjoado depois de comer alguma coisa que não lhe caiu bem? É co-
mum ouvir que o chá de boldo ajuda a melhorar o enjoo e problemas de fígado em geral. O
chá de boldo é, de fato, utilizado há muito tempo por várias gerações, sem que, necessaria-
mente, as pessoas fossem buscar uma explicação científica por trás dos seus componentes
para comprovar efetivamente tal melhora.

Esse é um exemplo de pensamento empírico: embora haja muitas pessoas que se sintam
melhor depois de tomar o chá de boldo, nem todas elas se questionam o porquê de tal erva
ser capaz de melhorar os problemas do fígado e trazer alívio ao enjoo.

Por intermédio do exemplo é possível explicar com efeito mais elucidativo o que é o
pensamento empírico, e que, mesmo não tendo seu valor comprovado cientificamente, é

Filosofia da educação 9
Conceitos básicos

1
um conhecimento existente, popular, e para algumas questões essenciais consegue se
fazer efetivo.

Na Antiguidade é possível notar pensamentos empíricos nos sofistas (veremos adiante), mas
o mais importante empirista que viveu na modernidade (HESSEN, 2000, p. 41) é John Locke
(1632-1704). Ele afirma que a experiência é a escrita em uma superfície em branco que é a
nossa alma, e que o conhecimento vai sendo adquirido com as vivências, passando por duas
operações: a sensação e a reflexão. A primeira seria a percepção que chega até nós pelos
sentidos, pela experiência sensível, enquanto a segunda é formada por operações internas,
operações da mente.

Conhecimento teológico

“O que há depois da morte?” “O que Deus reserva para nós?” O conhecimento teológico pode
também ser considerado um pensamento religioso, pois este é o tipo de pensamento que se
baseia na fé.

Dessa maneira, o conhecimento teológico parte do pressuposto da aceitação e da existência de


um deus ou de deuses, que, por sua vez, criaram os seres e todas as coisas. Um exemplo clás-
sico de um pensamento teológico é a criação do mundo, de Adão e Eva, e outros escritos que
buscam conceituar as questões fundamentais, neste caso: “De onde vim?”, “Para onde vou?”.

De certa maneira, pelo fato de esse conhecimento envolver a fé, acaba por ir além da possibili-
dade de questionar, como na frase popular “com fé não há perguntas, sem fé não há respostas”
(não há definição de autor), no sentido de que Deus seria a resposta a qualquer pergunta.

O conhecimento teológico busca então uma resposta para o “absoluto” e com isso há uma
possibilidade de apaziguar nossos anseios, que é dada em introspecção. A teoria do co-
nhecimento dentro do pensamento teológico é absorvida em sua totalidade pela metafísica
(HESSEN, 2000, p. 67).

Conhecimento científico

O conhecimento científico é, talvez, um dos mais proeminentes na atualidade, pois ele re-
laciona a lógica, o pensamento analítico e crítico. É nele que as especulações se tornam
teorias sobre a ocorrência dos fatos, quando comprovados através da Ciência, isto é, quando
se consiga comprovar a veracidade ou até mesmo a falsidade de algo.

Esse fato torna o conhecimento científico infalível? Não! Uma vez que as teorias científicas
podem ser comprovadas ou refutadas, isto é, novas ideias comprovadas cientificamente po-
dem mudar teorias antigas que em determinado tempo foram aceitas, o conhecimento cien-
tífico é falível e pode ser verificado.

Esse é o tipo de pensamento proveniente do pensamento empírico. Você se lembra de que


o empirismo é aquele conhecimento baseado em experiências vividas? O científico usa das
experiências, indo além, buscando provas para sustentar a hipótese apresentada, isto é, a
suposição de algo pode ser verdadeiro. Além disso, o conhecimento científico se organiza
segundo duas exigências: o método e a comprovação científica.

10
1
De certa forma, o conhecimento científico vive em constante construção e reavaliação, partin-
do do pressuposto de que é um pensamento lógico/instrumental e é elaborado por intermédio

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da investigação da realidade.

Exemplos populares de conhecimento científico são: as vacinas, desenvolvidas através do


vírus que se quer combater; estudos astronômicos que comprovam que existe água em Mar-
te; desenvolvimento de um método para ensinar línguas estrangeiras; entre diversos ou-
tros temas que podem ser estudados e comprovados cientificamente, pois o conhecimento
científico abrange tanto as ciências exatas como as biológicas e as humanas. David Hume
(1711-1776), filósofo empirista inglês, defendia um ceticismo teórico, ou seja, ele afirmava
que o conhecimento científico se sustentaria por probabilidades, e não em certezas eternas
ou mesmo irrefutáveis.

Conhecimento filosófico

Depois de conceituar alguns tipos de conhecimento, chega a vez da Filosofia, que significaria
“amor à sabedoria”. O significado já nos diz alguma coisa, não? Para amar a sabedoria de-
ve-se, então, amar o saber, amar o investigar, o conhecer. Além disso, a Filosofia apresenta
algumas características fundamentais, como a universalidade e a sistematização das ideias
sem a necessidade de provas científicas.

O pensamento filosófico é uma maneira de buscar o conhecimento e questionar as pergun-


tas da vida. É uma maneira diferente de tentar conceituar as respostas para as indagações:
“Para onde eu vou?”, “De onde eu vim?”, “O que é belo?”, “O que é o tempo?”.

Algumas das principais características do conhecimento filosófico (mas que não se restrin-
gem apenas a elas) são: a capacidade de refletir sobre a humanidade de maneira racional,
conseguir produzir especulações e levantar hipóteses sobre o tema.

Entretanto, toda a tentativa de definição de Filosofia ou de conhecimento filosófico vai de


encontro com a própria ideia da Filosofia, que é não se contentar com uma resposta, com
uma definição, é continuar buscando, refletindo e questionando, isto é, a Filosofia acaba por
ser um exercício de autorreflexão espiritual sobre o comportamento, uma visão racional de
mundo (HESSEN, 2000, p. 10).

SUGESTÃO DE LEITURA

A alegoria da caverna – Platão

Para elucidar um pouco mais sobre a teoria do conhecimento, você poderá ler o conto “A
alegoria da caverna", retirado do livro A República, de Platão, em que há a conversa entre
Sócrates e Glauco em que imaginam a história de há, no interior de uma caverna, alguns
prisioneiros que estão ali desde o seu nascimento. Na caverna, esses prisioneiros conviviam
com sombras, as quais eram a única realidade conhecida por eles. Certo dia, um dos prisio-
neiros se torna livre, assim, ele começa a explorar a caverna e percebe que as sombras, na
verdade, formadas a partir da fogueira montada para os prisioneiros. O homem, então, sai
da caverna e acaba por conhecer uma realidade inimaginável e muito mais complexa do que
a que havia vivenciado na caverna por toda a sua vida.

Filosofia da educação 11
Conceitos básicos

1 Nele podemos enxergar a passagem do conhecimento mítico para o conhecimento filo-


sófico, e é possível levar as questões fundamentais a um campo de discussão mais amplo.

PLATÃO. A alegoria da caverna. A República, 514a-517c. Tradução de Lucy Magalhães. In:


MARCONDES, Danilo. Textos básicos de Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2.
ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

Depois de ler A alegoria da caverna, é possível perceber, nitidamente, que o texto é um


mito repleto de metáforas que nos leva a refletir sobre o fazer filosófico e se apreender o
mundo (seja em sua idealização ou sua perspectiva sensível, muitas vezes enganado-
ra), remetendo ao ideal de educação clássica, na visão de Platão, autor do texto. A fim
de responder a algumas das questões fundamentais da época em que estava inserido,
diante do que tinha de buscar, Platão criou essa conversa entre seu mentor, Sócrates,
e um interlocutor, Glauco, para que as pessoas, por meio da metáfora, conseguissem
entender o que ele havia encontrado como possível conceito dentro da política.

Esse mito, embora date de 514-517 a.C., continua atual se trouxermos a metáfora para
os dias de hoje. Você já parou para analisar a rede social Instagram? Questionou se
todos os influenciadores digitais têm realmente a vida que apresentam por meio de
suas fotos e vídeos? Refletiu sistematicamente em quantas vezes você já quis com-
prar algo que viu lá, ou sentiu que a sua vida não tem a maior graça comparada com a
desses influenciadores? Essas questões também são inerentes à vida humana, e, em
um aspecto atual, podem até ser consideradas questões fundamentais, uma vez que a
sociedade moderna está cada vez mais digital.

Nessa condição, quem você seria? Os prisioneiros? O ex-prisioneiro que se libertou?


Os amos da caverna que aceitavam o trabalho de “fazer sobras”? A luz? Vale a reflexão.

SUGESTÃO DE LEITURA

Teoria do Conhecimento – Johannes Hessen

Neste livro, você conseguirá se aprofundar em algumas das teorias do conhecimento apren-
didas aqui.

HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Tradução de João Vergílio Gallerani Cuter. São Pau-
lo: Martins Fontes, 2000.

2. CONCEPÇÕES HISTÓRICO-FILOSÓFICAS
Entender o contexto histórico em que se desenvolvem as correntes filosóficas é funda-
mental para conseguir perceber quais eram as ideias e os pensamentos que norteiam
os filósofos e as correntes de pensamentos deles, pois estavam inseridos num espaço
e numa cultura que os faziam ter questionamentos pertinentes.

A seguir você conhecerá três momentos do pensamento histórico-filosófico: Pensamen-


to Clássico, Pensamento Medieval e Pensamento Moderno.

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2.1. PERÍODO CLÁSSICO GREGO 1
O Pensamento Clássico Filosófico é conhecido também como Filosofia Grega Clássica

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e compreende o período ativo de VII a.C. a VI d.C., entre os pré-socráticos e os pós-so-
cráticos, passando por Sócrates, Platão, seu principal discípulo, e chega a Aristóteles,
pupilo de Platão.

Dentro do Período Clássico está o Período Pré-Socrático, marcado por pensadores


que buscavam entender e conceitualizar os fenômenos da natureza e do universo por
meio da lógica e da razão. Foi nesse período que se surgiram as primeiras noções de
geometria, matemática e física.

É ainda no Período Pré-Socrático, marcado por questões como a cosmologia ou a ori-


gem da existência, que surgem os primeiros nomes da Filosofia, como Tales de Mileto,
com o teorema de Tales; Heráclito, com a ideia de devir; e Pitágoras, com a noção de
realidade com fundamentação em princípios numéricos. Esses são alguns dos princi-
pais nomes do Período Pré-Socrático, mas há alguns outros além deles.

Depois do Período Pré-Socrático, no chamado então, Período Socrático, que tem como
temas a vida na pólis, os valores humanos, o conhecer, chegamos então a ele, Só-
crates. Sócrates é conhecido como o patrono da Filosofia, pois foi ele que buscou se
aprofundar no estudo racional do homem, da moral e da razão, sem recorrer a mitos;
seu objetivo era, então, buscar conceitos através da razão.

O filósofo disse a frase popularmente conhecida, “Sei que nada sei”, para enfatizar que,
quando chegava a uma resposta para seus questionamentos, muitos outros surgiam;
isso era a maiêutica, ou seja, dar luz as ideias, ou a ironia socrática, a arte do diálogo,
da argumentação e da reflexão até alcançar as ideias verdadeiras e inatas. As reflexões
de Sócrates levaram a Filosofia, de maneira acessível, para as pessoas, fazendo com
que elas tivessem a capacidade de questionar a vida, a moral, a política, o bem e o mal.

Platão, seu discípulo, foi um dos responsáveis e o principal por transmitir o conhecimen-
to e as ideias do seu mestre através de diálogos. Ele usava muitas metáforas e criava
alegorias para explicar seus pensamentos, fazendo o outro refletir e chegar à própria
conclusão sobre determinada temática.

Aristóteles, pupilo de Platão, além de estudar Filosofia com seu mestre, também es-
tudou as áreas biológicas, como botânica e zoologia, quando elas ainda não tinham
esse nome. Seus estudos contribuíram muito para o conhecimento científico. Embora
estudioso da Filosofia, ele foi além de metáforas, afirmando a importância de verificar o
empirismo. Foi através de seus estudos que a Ciência ganhou espaço.  

Você verá mais adiante as principais correntes filosóficas e os principais autores per-
tencentes a elas.

2.2. PERÍODO MEDIEVAL


É possível que a fé e a razão caminhem juntas? Embora possa parecer contraditório,
por uma tratar da racionalidade humana e a outra da subjetividade, na Época Medieval

Filosofia da educação 13
Conceitos básicos

1 percebe-se que era possível, sim, ambas se complementarem e iniciarem um pensa-


mento filosófico que se estendeu por quase 10 séculos.

O segundo período histórico-filosófico foi a Filosofia Medieval, posteriormente à Filoso-


fia Clássica. Foi nesse momento histórico que a Filosofia interligou a fé e a razão, pois
historicamente estava no ápice da Idade Média ocidental, época de domínio cultural da
Igreja Católica.

E o que isso quer dizer? Quer dizer que os principais filósofos dessa época eram homens
religiosos, isto é, de ordem religiosas. No geral, seus objetos de estudo eram as relações
entre os dogmas aceitos pelas crenças religiosas de fé e as descobertas racionais.

Dentre os temas estudados pelos filósofos da época medieval estão: a existência de


Deus, a imortalidade da alma humana, o que se entende por salvação e pecado, o livre-
-arbítrio e até a própria existência de Deus.

Embora esses questionamentos fossem todos pertinentes à sociedade e levassem a


uma profunda reflexão, esses conceitos ficavam apenas no âmbito de discussão, pois
não podiam contrapor os escritos bíblicos, isto é, os estudos científicos não aconteciam.
Mesmo assim, as discussões, por vezes, eram proibidas e as pessoas eram obrigadas
a se calarem.

Como a Idade Média foi um longo período da História, a Filosofia Medieval ganhou con-
tribuições, em várias fases, por filósofos de dentro da perspectiva religiosa (cristianismo
católico apostólico romano), causando uma subdivisão dentro do Pensamento Medie-
val, e assim foram criadas diferentes correntes filosóficas.

O Pensamento Medieval tem duas principais fases: a primeira chamada de Patrística,


que teve início com as cartas de Pedro e Paulo, e seu maior pensador é Santo Agosti-
nho; e depois a fase Escolástica, na qual, por necessidade de formação de massa cató-
lica, a Igreja construiu muitas escolas e universidades católicas. Seus principais nomes
são Alberto Magno e Tomás de Aquino.

SUGESTÃO DE LEITURA

O livro O nome da rosa, do autor Umberto Eco, foi adaptado para cinema com o filme de
nome homônimo e é uma grande oportunidade de entender melhor como funcionava o Pen-
samento Medieval no Período Escolástico.  

ECO, Umberto. O nome da rosa. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas
de Andrade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2011.

Mais informações sobre o filme O nome da rosa (1986), dirigido por Jean-Jacques Annaud,
está disponível em: https://www.imdb.com/title/tt0091605/. Acesso em: 11 jan. 2021.

2.3. PERÍODO MODERNO


O Pensamento Moderno dentro da Filosofia começa com o Período do Renascimen-
to e assim transita entre o Medieval e o Moderno. Essa transição marca a crítica do
teocentrismo, isto é, a ideia de Deus como o centro de tudo, e tem-se um retorno ao

14
antropocentrismo clássico, nesse caso a valorização do homem e de suas ideias trazi- 1
das, de certa forma, pelo ceticismo e pela ideia de que o ser humano e seu intelecto é
independente das ideias cristãs.

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Um importante nome da Filosofia Moderna é Maquiavel, que escreveu a famosa obra O
príncipe. Ele traz consigo a ideia e defesa de um pensamento político monárquico, pela
primeira vez sem a ligação com a religiosidade, como era na Época Medieval.

Outro marco histórico da Filosofia Moderna foi a invenção da primeira prensa, feita por
Johannes Gutenberg, que disseminou a informação por meio dos impressos, fazendo
com que mais pessoas, antes não alfabetizadas, se interessassem por aprender a ler e
escrever, e esse fato mudou a história do pensamento moderno e da educação.

De modo geral, o Pensamento Moderno deu espaço para a Ciência e para o conheci-
mento racional, principalmente através do racionalismo, marcado pelo filósofo, cientista
e matemático René Descartes.

Dentro do Pensamento Moderno houve também o empirismo, em que a experiência hu-


mana e a forma de ver o mundo individual e pessoal eram levadas em consideração em
termos filosóficos, e os principais filósofos do pensamento empírico são: David Hume,
John Locke e Francis Bacon.

Um grandioso ponto do Pensamento Moderno foi o contratualismo no âmbito político,


que seria a ideia de um contrato social que formava o governo e a sociedade. Hobbes
e Locke faziam parte dos filósofos defensores dessa ideia, juntamente com Jean-Jac-
ques Rousseau, que também era crítico da ideia, pois acreditava que o ser humano se
afastava da sua natureza ao viver em sociedade.

Depois das ideias renascentistas, surgiram ainda, dentro do Pensamento Moderno, a


ideia do iluminismo, que foi um período extremamente importante para a consolidação
da Filosofia Moderna e também para o futuro da Filosofia, a Filosofia Contemporânea.

Durante esse período, houve muitos pensadores importantes, dentre eles Voltaire, Ale-
xis de Tocqueville, Denis Diderot e Jean Le Rond D'Alembert, sendo os últimos dois os
criadores da enciclopédia.

A enciclopédia surge com a ideia inovadora de levar o conhecimento adquirido a todos


como parte de uma evolução moral, e isso é um grande passo para a ideia de escola
universal e laica: levar luzes a todos – o saber.

3. PRINCIPAIS AUTORES E SUAS CORRENTES FILOSÓFICAS


Na seção anterior, você já foi apresentado às três concepções histórico-filosóficas. A se-
guir, você conhecerá um pouco mais sobre os principais nomes da Filosofia. Tais autores
estão organizados conforme a corrente filosófica que seguiram, ou seja, de acordo com o
pensamento no qual eles eram amparados, no que eles, de fato, acreditavam.

Filosofia da educação 15
Conceitos básicos

1 3.1. PRÉ-SOCRÁTICOS (COSMOGONIA E COSMOLOGIA)


No primeiro período da Filosofia na Época Clássica, existiam alguns pensadores que
fizeram e desenvolveram suas teorias antes do termo “Filosofia”, antes mesmo de Só-
crates, por isso esse período histórico da Filosofia foi denominado Pré-Socrático.

Nessa época os filósofos buscavam conceitos para tentar entender a natureza e os fe-
nômenos naturais, ou buscavam entender o mundo através da natureza. Eles foram os
pensadores que começaram a busca para tentar definir conceitos além das explicações
míticas, isto é, buscavam a racionalidade dentro dos pensamentos e das questões fun-
damentais da época (MARCONDES, 2009, p. 13) – que nesse primeiro momento girava
em torno da origem do mundo.

Durante essa fase da Filosofia, dois termos foram utilizados: o primeiro é cosmogo-
nia (cosmo: universo; gignomai: gênese), ou seja, esse termo buscava explicações e
conceitos por meio da ideia de nascimento entre deuses da mitologia e de forças ge-
radoras (CHAUÍ, 2000, p. 34). Por exemplo, na mitologia grega, Poseidon é conhecido
como o deus dos mares, dos oceanos e das tempestades, o senhor das águas. Por
intermédio desse mito é possível conseguir explicações para algumas questões levan-
tadas sobre as ideias relacionadas a Poseidon.

Os pensadores do Período Pré-Socrático contrariaram essa ideia de cosmogonia e


introduziram o conceito de cosmologia (logos dá origem à palavra “lógica”, “razão”, isto
é, a cosmologia buscava argumentar a origem do mundo e das questões fundamentais
de outra forma, de maneira racional e reflexiva ao enxergar as temáticas, e não através
do conhecimento mitológico (CHAUÍ, 2000, p. 40).

Todo esse conhecimento desenvolvido do Período Pré-Socrático foi demasiadamente


importante na representação da realidade e serviu como base para os filósofos que
vieram nas fases seguintes.

Os nomes mais conhecidos do Período Pré-Socrático são:

Tales de Mileto, nascido em Mileto (624 a.C.-548 a.C.), ficou famoso por acreditar que a
água (CHAUÍ, 2000, p. 41) era o elemento principal, a origem de todas as coisas. “Tudo é
água”; através de observação e reflexão ele chegou a essa conclusão racional de que tudo
que existia vinha da água.

Heráclito de Éfeso, nascido em Éfeso, (540 a.C.-476 a.C.), é considerado o pai da dialética.
“Nada é permanente, exceto a mudança.” Acreditava que uma pessoa nunca se banharia no
mesmo rio, pois ele estava em constante mudança. Para esse pensador, o princípio de tudo
se concentrava no fogo. (CHAUÍ, 2000, p. 42).

Pitágoras de Samos, nascido da cidade de Samos (570 a.C.-497 a.C.), é muito conhecido
através do seu teorema – o teorema de Pitágoras. Para ele os números eram os principais ele-
mentos de reflexão (CHAUÍ, 2000, p. 332). Além de suas contribuições matemáticas, Pitágoras
é o autor do termo “filósofo” – aquele que tem amor ao conhecimento.

Parmênides também foi um pensador importante durante a era pré-socrática. Ele nasceu por
volta de 151 a.C., na cidade de Eleia, na Magna Grécia, hoje no sul da Itália. Diferentemente de

16
1
outros filósofos pré-socráticos, Parmênides não apresentou uma teoria baseada na cosmologia
de um princípio. Pelo contrário, já acreditava em uma organização racional do universo.

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3.2. PERÍODO CLÁSSICO GREGO
O Período Clássico Grego da Filosofia conta com os mais famosos filósofos da história
da humanidade: Sócrates, Platão e Aristóteles. É um período muito importante para a
Filosofia, marcado pelo desenvolvimento cultural.

Sócrates, nascido em Atenas, em 470 a.C., foi um dos pensadores mais importantes de
toda a história da Filosofia. Percebe-se tal importância no fato de a Filosofia ser dividida
em Período Pré-Socrático e Pós-Socrático.

Muitas vezes sua existência chegou até a ser questionada, pois não há escritos de sua
obra (STRATHERN, 1997, p. 12), já que ele valorizava a oralidade. O que se sabe dos
pensamentos e ensinamentos se Sócrates encontra-se nas obras de outros pensado-
res, e principalmente de Platão, seu discípulo, que registrou seus diálogos e ensina-
mentos (STRATHERN, 1997, p. 13).

Sócrates

“Conhece-te a ti mesmo” é uma frase que foi assumida por Sócrates e é encontrada na en-
trada do oráculo de Delfos, que consegue elucidar o pensamento socrático, um pensamento
de autoconhecimento que marcou a Filosofia grega antiga. Essa premissa se interpõe como
elemento que instiga Sócrates, pois ele acredita que para conhecer o mundo é necessário,
primeiramente, conhecer a si mesmo.

“Só sei que nada sei”, outra frase conhecida atribuída também ao pensador Sócrates, le-
va-nos a refletir sobre o saber. Quando o filósofo diz que nada sabe, não é por não saber
de nada ou por falsa modéstia, é por ter conhecimento de que ainda há muitas coisas para
serem descobertas e entendidas, era uma parte de seu método. Ele reconhecia que não
sabia de tudo e reforçava a ideia de autoconhecimento. Só sabe que não sabe de tudo quem
conhece a si mesmo.

O raciocínio socrático foi um marco para a Filosofia, pois marca uma mudança de fase no
pensamento. Enquanto os pré-socráticos buscavam conceitualizar questões pertinentes à
natureza e à criação do mundo, Sócrates traz a ideia do antropocentrismo, de olhar as ques-
tões inerentes ao homem, indagações sobre ética, política, raciocínio e até os sentimentos,
conhecendo a si mesmo (STRATHERN, 1997, p. 22).

A morte de Sócrates foi algo extremamente atípico, pois ele foi condenado ao suicídio. Con-
denado ao suicídio? Sim, exatamente. Isso aconteceu porque Sócrates foi acusado de cor-
romper os jovens atenienses no sentido de que ele estaria influenciando a juventude a não
acreditar nos deuses.

O ato de pensar e de indagar questões inerentes ao ser humano, como política e ética, por
exemplo, incomoda quem está no poder há muito tempo, e esse foi o fator que levou à con-
denação de Sócrates, porque ele começou a fazer com que parte da população refletisse,
questionasse, e por isso ele foi acusado e os políticos atenienses não gostaram.

Filosofia da educação 17
Conceitos básicos

1
Figura 03. A morte de Sócrates - Jacques-Louis David Quando levado ao júri, Sócrates
não fez os apelos que eram comuns
àquela época, pois acreditava que, se
os fizesse, estaria partindo do pres-
suposto de que era culpado (MAR-
CONDES, 2009, p. 22). Portanto, ele
aceitou sua condenação à morte, pois
preferia morrer que desmerecer a Fi-
losofia. Sócrates optou pelo suicídio
após ingerir um copo de veneno.

Mesmo condenado à morte, sabe-


-se pela escrita de Platão, no livro
Fédon, sobre os últimos ensina-
mentos e reflexões de Sócrates a
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Morte_de_S%C3%B3crates#/
media/Ficheiro:David_-_The_Death_of_Socrates.jpg. Acesso em:
respeito da morte e da imortalidade
11 jan. 2021. da alma. Ao pensar sobre a morte,
ele é capaz de vencê-la.

SUGESTÃO DE LEITURA

O livro Fédon, escrito por Platão, narra as últimas reflexões de Sócrates depois da condena-
ção à morte dos seus discípulos e fala sobre a imortalidade da alma.

É um livro extremamente interessante para quem tem vontade de se aprofundar nas refle-
xões de Sócrates através dos escritos de Platão.  

Platão
Platão, o principal discípulo de Sócrates, nasceu em Atenas no ano de 428 a.C., e seu nome
verdadeiro era Arístocles, porém ficou conhecido como Platão devido a seus atributos físicos:
ele era um homem forte e Platon significa “costas largas” (STRATHERN,1996, p. 6).

Ele foi um dos mais importantes pensadores da história da Filosofia. O filósofo ganhou evi-
dência por ter escrito a maioria dos textos conhecidos atualmente sobre Sócrates.

Embora Platão fosse discípulo de Sócrates e tenha escrito sobre os ensinamentos do seu
mestre, ele conseguiu aperfeiçoar ainda mais as ideias de seu antecessor e criar novas,
como, por exemplo, a ideia de dialética, com inspiração de Parmênides, que era uma técnica
de extração de conclusão baseada em ideias opostas.

Dentre as principais ideias de Platão, a que mais marcou foi a teoria das ideias (ou das for-
mas) (STRATHERN,1996, p. 22), que trazia ideias dualistas, o inteligível e o sensível. Dentro
do mundo inteligível de Platão estavam o intelecto como essência e também a sabedoria e o
conhecimento. Já no mundo sensível, era o campo das aparências e do conhecimento através
dos sentidos. Em um dos textos escritos por Platão consegue-se perceber essa ideia entre o
inteligível e o sensível: é a “Alegoria da Caverna”, que está presente no livro A República.

Para conhecer um pouco mais sobre as ideias platônicas e sua obra, uma ótima opção de
leitura é “Platão em 90 minutos”, escrita por Paul Strathern, em que ele apresenta as ideias
platônicas de forma resumida e com uma linguagem acessível.

18
SUGESTÃO DE LEITURA 1

OS FILÓSOFOS através dos textos: de Platão a Sartre. São Paulo: Paulus, 2003-2004. 331

Universidade São Francisco


p. (Coleção filosofia). ISBN 85-349-0980-6.

Aristóteles

Aristóteles, pupilo de Platão, é um dos principais nomes da Filosofia Clássica, juntamente


com Sócrates e seu antecessor, Platão. Nascido na cidade de Estagira, no Império Macedô-
nico, no ano de 384 a.C., Aristóteles é considerado um filósofo da Grécia Antiga, mesmo sem
ser ateniense (MARCONDES, 2009, p. 49).

O filósofo estudou na academia de Platão até se tornar professor no mesmo local. Mesmo
“bebendo na água de Platão”, o pensador era crítico e foi além de Platão (STRATHERN,1996,
p. 7). De maneira bem genérica, pode-se dizer que as teorias desenvolvidas por Aristóteles
questionam algumas das ideias do seu antecessor, pois, enquanto Platão valorizava apenas
o conhecimento advindo do raciocínio intelectual, Aristóteles passou a valorizar também o
conhecimento empírico.

Com a morte de seu mestre Platão, Aristóteles acreditava que receberia o cargo de ges-
tão da Academia de Platão, porém foi recusado por ser considerado estrangeiro (STRA-
THERN,1996, p. 8). A decepção foi tamanha, que o pensador resolveu mudar-se para Atar-
neu, onde foi conselheiro político.

Depois desse período, Aristóteles voltou a Macedônia em 343 a.C., e Felipe II da Macedônia
o convidou para ser tutor do seu filho, Alexandre, o Grande (STRATHERN,1996, p. 11), pois
o rei queria que o filho fosse um respeitado filósofo.

Depois de alguns anos, em 335 a.C., de volta a Atenas, o filósofo fundou sua escola, intitu-
lando-a de Liceu. Os estudos de Aristóteles, como Platão, discutirão o conceito de belo, da
função das artes. Ele escreveu inúmeras obras que são lidas e relidas por muitas pessoas
da atualidade.

Para conhecer um pouco mais sobre sua obra, sua história de uma maneira resumida e as-
sertiva, uma boa oportunidade é o livro Aristóteles em 90 minutos, do escritor Paul Strathern.

GLOSSÁRIO

Ao buscar a palavra arte no dicionário online Michaelis, você encontra mais de 20


definições como resultado. Para conseguir elucidar melhor o conceito que queremos
trazer aqui, escolhemos as principais definições, de acordo com a Filosofia.

arte

ar·te

sf

1 FILOS Segundo Platão, toda forma de conhecimento ou atividade humana racional e utili-
tária, submetida a regras, em oposição ao acaso, ao espontâneo ou ao natural, abrangendo
ciência e filosofia; assim, estabelece dois tipos de arte ou técnica: a) as judicativas, dedica-

Filosofia da educação 19
Conceitos básicos

1 das apenas ao conhecimento, as do mundo inteligível; e b) as dispositivas ou imperativas,


voltadas para a elaboração de uma atividade material, as do mundo sensível.

2 FILOS Segundo Aristóteles, já separando arte, filosofia e ciência, técnica de imitação da


natureza, sustentada por um fim utilitário e uma concepção mimética que não se confunde
com a simples reprodução, mas que corresponde à representação da natureza, de modo que
na obra de arte figure algum ser, sentimento ou fato, por meio da obediência a um conjunto
de regras, em busca da harmonia e da perfeição; mimese.

3 FILOS Na concepção medievalista, símbolo ou manifestação espiritual que permite alcan-


çar a visão direta da perfeição de Deus e cujo caráter doutrinário deveria despertar no cristão
a consciência da morte e o desejo de fugir dos pecados da vida para alcançar a salvação.

4 FILOS Segundo a estética da criação, em ascensão durante os séculos XVII e XVIII, e já


vigorando no movimento romântico, capacidade que tem o ser humano de criar o belo, como
produto da ação individual, do gênio e da sensibilidade do artista, valendo-se de sua faculda-
de de inspiração; exteriorização dos sentimentos de um gênio excepcional, capaz de dominar
a matéria e o pensamento, independentemente de uma finalidade utilitária.

5 FILOS Na concepção estética contemporânea, expressão criadora e processo de cons-


trução que elabora a transfiguração do elemento sonoro, do movimento, da linguagem, dos
gestos, das cores, enfim, da própria realidade, em produtos artísticos; não se trata de pura
receptividade imitativa, concepção inspirada de um criador genial ou de um processo ilusório
sobre a realidade, nem pura criatividade espontânea e livre, mas da construção de um sen-
tido novo para a obra (e a realidade), assim como sua instituição como objeto da cultura, em
um embate contínuo com a natureza e com a sociedade.
Fonte: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/arte/. Acesso em: 11 jan. 2021.

3.3. MEDIEVAIS
A Filosofia Medieval aconteceu durante o período da Idade Média no continente eu-
ropeu. Era um período da expansão do cristianismo e, por consequência, dos valores
cristãos que não só se expandiam, mas também se consolidavam.

Essa vertente da Filosofia serviu como um conciliador entre esta e a religião, isto é, uma
forma de unir dois pensamentos, a razão e a fé. O Período Medieval contou com valioso
conteúdo filosófico. Mesmo sendo conhecido como um período de trevas, foi um mo-
mento de grande reflexão e produção intelectual, e contou com nomes de pensadores
extremamente importantes dentro da Filosofia.

Muitos filósofos da era medieval eram religiosos ou faziam parte do clero. Neste mo-
mento você estudará os dois principais nomes da Filosofia Medieval: Santo Agostinho
e São Tomás de Aquino.

Agostinho

Santo Agostinho (354- 430) foi um filósofo e teólogo, o mais influente pensador ocidental dos
primeiros séculos da Idade Média, pois ele busca utilizar de artifícios racionais para explicar
a fé, no período denominado como Escolástica, dando suporte racional ao cristianismo.

20
O pensador pertencia à corrente filosófica patrística (CHAUÍ, 2000, p. 53), que recebia esse 1
nome justamente por serem os primeiros idealizadores da teologia cristã, que refletiu sobre

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os fundamentos religiosos da Igreja Católica.

Nem sempre ele pertenceu à Igreja, pelo contrário, sempre foi um estudioso e conheceu a
filosofia através de Cícero. Antes de se converter, Agostinho chegou a ter um filho. Ele co-
nheceu o cristianismo por intermédio de Santo Ambrósio, e somente depois dos 30 anos de
idade se tornou membro da Igreja Católica.

Agostinho conseguiu fazer, num momento delicado em que existiam muitas pessoas pagãs,
adeptos da religião católica com a introdução da razão em algumas questões. Conseguiu
influenciar pessoas e mostrar a elas que era possível continuar pensando em questões fun-
damentais, atrelando esses pensamentos às ideias cristãs.

Por meio da prática de disseminar a Filosofia Medieval feita por Agostinho, a Igreja ganhava
espaço também de escolarização através da catequese, e elas praticamente se equivaliam
nessa época. De certa maneira, o conhecimento tinha destaque, e a educação patrística
estimulava a humildade e a resignação para merecer a salvação divina.

Agostinho sofreu a influência de algumas ideias platônicas, como, por exemplo, o dualismo
entre o inteligível e o sensível, porém conseguiu transformar essas ideias dentro do campo
cristão, isto é, adaptou esse dualismo à religião (CHAUÍ, 2000, p. 54).

O filósofo propõe que a filosofia deveria ser uma serva da teologia, ou seja, a razão seria um
valioso instrumento que auxiliaria a fé, pois para ele a fé apenas poderia apontar para a verda-
de absoluta. Pois, ele acreditava que a real justiça só poderia ser encontrada através de Deus.

Tomás de Aquino

São Tomás de Aquino, nascido na Itália, no ano de 1224, foi também, assim como San-
to Agostinho um filósofo e teólogo. Aquino foi o principal filósofo da Filosofia Escolástica
(CHAUÍ, 2000, p. 507). Por ter nascido no fervor da Idade Média, o pensador teve educação
dominicana, ou seja, uma educação voltada para os ideais cristãos, e isso fez com que ele
se tornasse um frade dominicano.

Quando Tomás de Aquino resolveu continuar seus estudos dentro do campo cristão, ele foi
para a Universidade de Paris e recebeu o apelido de “Boi Mudo”, porque quase não falava, era
muito quieto e um pouco robusto. Todavia, essa característica mais tímida se alterou quando
ele conheceu o professor Alberto Magno, também frade e pesquisador de teologia e filosofia.

Alberto Magno percebeu que Tomás de Aquino era um pensador especial, com uma capa-
cidade intelectual excepcional, e enxergou um talento nele a ser explorado. Essa visão de
Magno foi demasiadamente importante, pois Tomás de Aquino tornou-se o maior pensador
da escolástica.

O período escolástico foi fortemente influenciado pelo aristotelismo, constituído pelo ensino
do trívio e do quadrívio, representando os tipos de conhecimento aos quais as pessoas da
corrente escolástica davam mais relevância na época, como, por exemplo, no trívio o ensino
de gramática, lógica e retórica, no quadrívio, música, astronomia, geometria e aritmética.   

Ao estudar o conceito de belo e também a Filosofia platônica, Tomás de Aquino descobriu os


estudos de Aristóteles (CHAUÍ, 2000, p. 244) e conseguiu, mesmo com a proibição por parte

Filosofia da educação 21
Conceitos básicos

1 da Igreja dos livros aristotélicos, juntar a fé e a razão, pois ele enxergava, nos estudos de
Aristóteles, a possibilidade de combater as heresias.  
Figura 04. O triunfo de São Tomás de Aquino –
Benozzo Gozzoli

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_de_
Aquino#/media/Ficheiro:Benozzo_Gozzoli_004a.jpg.
Acesso em: 2 dez. 2020.

Na visão de Aquino os estudos aristotélicos não excluíam o pensamento cristão, pelo con-
trário, o filósofo conseguiu reunir o que havia de bom e juntar no contexto religioso, isto é,
conseguiu unir a razão e a fé.

3.4. MODERNOS
A Filosofia Moderna começa no Renascimento, isto é, o período de transição entre o me-
dievo para a Idade Moderna, o renascimento de uma cultura clássica, e tem como carac-
terística marcante a mudança dos pensamentos teocêntricos para os antropocêntricos.

Um nome muito importante que marca o início do Renascimento na Europa é Nicolau


Maquiavel. Ele era um teórico político, jurista e filósofo, e apresentava grande influência
política. Em sua principal obra, O príncipe, Maquiavel faz uma defesa do que seria um
pensamento monárquico, um pensamento político sem a influência divina, isto é, sem a
influência cristã que era tão comum na Europa Medieval.

Além das ideias de Maquiavel, a Filosofia Moderna foi também estimulante em vários
aspectos. Com a invenção da primeira prensa e o início de uma imprensa, a possibili-
dade de leitura chegou a mais pessoas, influenciando-as a serem alfabetizadas, e isso
trouxe “luz” para a sociedade que vivia naquela época.

Alguns dos nomes mais importantes da Filosofia Moderna surgiram com o Renascimen-
to e suas ideias mudaram a história da Filosofia. Alguns desses nomes são: Descartes,
Hume, Kant, Voltaire, Rousseau, Locke, Smith, Marx, Nietzsche e Diderot e D’Alembert,

22
os quais serão abordados a seguir. Outros nomes que foram muito significativos para o 1
período, são: Espinosa, Hobbes. Bacon, Tocqueville e Freud, que não era filósofo, mas
fez parte e contribuiu com alguns estudos na área.

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Descartes – racionalismo

René Descartes nasceu em Haye, no ano de 1596, e faleceu em Estocolmo, em 1650. Esse
filósofo tem uma importância muito grande para a Filosofia Moderna (MARCONDES, 2009,
p. 81), porque foi responsável pelo início do racionalismo nesta fase.

Descartes, fundador do racionalismo, nasceu em um contexto em que a ideia estava se modi-


ficando, isto é, o pensamento racional ganhava força e já havia uma explosão do pensamento
moderno desse período.

O filósofo estudou em um colégio bastante tradicional chamado Royal Henry-Le-Grand, que


ensinava a educação jesuíta. Depois de sua formação de base, Descartes entra para a uni-
versidade para estudar Direito, porém nunca atuou como advogado, interessando-se mais
pelos estudos filosóficos.

Descartes, através de suas ideias racionalistas, rompeu com a Filosofia aristotélica e criticou
o ensino de tradição escolástica. Além do campo da Filosofia, com 22 anos de idade ele
iniciou os estudos matemáticos com Isaac Beeckman, o que foi de grande valia para que, no
futuro, desenvolvesse seus estudos sobre geometria analítica através do plano cartesiano,
que serviu de grande contribuição para o mundo. Ele se considerava não só filósofo, mas
também cientista (MARCONDES, 2009, p. 81).

Descartes escreveu sobre a ordem natural do mundo. Nesse texto, intitulado como “Tratado
do Mundo” ele fala sobre o heliocentrismo, mas acaba por não publicar seu trabalho temendo
sofrer retaliações devido à experiência de Galileu Galilei em relação à Igreja Católica sobre
a teoria heliocêntrica.

O filósofo funda o racionalismo como teoria do conhecimento, ou seja, como área de conheci-
mento filosófico que se dedica ao conhecimento humano e busca conceituá-lo. Nesse estudo
pretendia chegar a uma forma de conhecimento válido para entender como o ser humano pensa
e entende o mundo, por meio da rigidez analítica e argumentativa (MARCONDES, 2009, p. 81).

O método filosófico que ele criou está baseado no conceito de ideias inatas, que já nasce com
o ser humano. Com o tempo o ser humano vai acessando essas informações e ideias através
do exercício racional (MARCONDES, 2009, p. 88). Essa teoria desenvolvida por ele está re-
gistrada no livro Discurso do método, em que ele descreve os fundamentos do seu método.

John Locke

John Locke, nascido em 1632, no condado de Somerset, na Inglaterra, foi um grande nome
da Filosofia Moderna e ele foi um dos mais importantes empiristas ingleses, (CHAUÍ, 2000,
p. 88) ele acreditava que as pessoas obtinham o conhecimento através de suas experiências.

O filósofo escreveu o primeiro grande livro que fundamentou o empirismo, intitulado Ensaio
sobre o entendimento humano. Locke com sua teoria influenciou outros filósofos empiristas,
como Hume e Berkeley.

Filosofia da educação 23
Conceitos básicos

1
Ele era contrário à ideia inatista de Descartes (CHAUÍ, 2000, p. 146), isto é, Locke não acre-
ditava que o ser humano já nasce com conhecimento inato, mas que as ideias são fruto da
vivência, que o conhecimento é obtido através de experiência. Locke até dizia que “o homem
é uma tábula rasa”, isto é, uma folha em branco, e com a vivência e experiências do dia a dia
as folhas vão sendo escritas.

Depois de John Locke, outros pensadores empiristas ganharam espaço no Período Moderno
da Filosofia, entre eles David Hume.

David Hume

David Hume nasceu no ano de 1711 e foi um dos principais nomes da Filosofia Moderna
(MARCONDES, 2009, p. 111), principalmente no quesito teoria do conhecimento, pois ele
apresentou uma teoria empirista que revolucionou o debate entre empiristas e racionalistas.

A teoria empirista de Hume diz que há uma experiência sensorial nas nossas vidas que pro-
porciona nosso conhecimento de mundo (CHAUÍ, 2000, p. 293). David Hume parte desse
pressuposto, por causa da experiência prática e da organização racional.

Para estabelecer as bases do empirismo e suas teorias de conhecimento, Hume revisa o


método de Francis Bacon, também filósofo empirista, como, por exemplo, a ideia do hábito;
o hábito leva a um conhecimento verdadeiro através do método indutivo.

Segundo Hume, quanto mais passa o tempo da sua experiência, mais fraco fica o conheci-
mento, e esse tempo, segundo o filósofo, entre a memória e o conhecimento, quando você
teve sua primeira ideia, deve ser o mais curto possível. Se você pratica a força do hábito
todos os dias, as ideias vão se fortalecendo; se você não a pratica, o conhecimento vai en-
fraquecendo.

Hume também explora o embate sobre subjetividade e formação de ideias gerais. Enquanto
a subjetividade é o olhar de cada um, o eu subjetivo, a maneira como cada um experimenta
as coisas e vê o mundo, as ideias gerais estão ligadas mais à objetividade, à maneira em
comum de as pessoas verem algo. As experiências são particulares para cada indivíduo, e
cada um entende o conceito de suas experiências através de suas vivências, isto é, de forma
subjetiva. Então, como conseguir as ideias gerais dentro desse pensamento subjetivo?

Através desse questionamento entra a parte lógica do empirismo de Hume. Ele diz que cer-
tas estruturas estão guardadas e são compartilhadas. Embora cada um possa perceber de
maneira diferente os conceitos, é possível tirar uma ideia geral em comum entre o sujeito do
conhecimento individual e as ideias em geral (CHAUÍ, 2000, p. 293).

Por meio dessas ideias, Hume praticamente admite que temos duas concepções dentro da
formação das ideias. Uma é a concepção formal da ideia que é obtida através da experiência.
A outra é uma concepção lógica obtida através do raciocínio, inclusive pelo ensino matemático,
das ciências dedutivas. Não partem do conhecimento empírico, e sim do conhecimento puro.

David Hume rejeita a metafísica dentro do campo da Filosofia. Para ele o que nos dá expe-
riência são os fatos. Impressões fortes vêm das sensações e causam experiências fortes;
impressões fracas geram lembranças, que são conhecimentos fracos.  

24
Jean Jacques Rousseau – contratualismo (contrato social) 1
Rousseau nasceu na Suíça, em Genebra, no ano de 1712. Logo ficou órfão de mãe e aos 10

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anos foi abandonado pelo pai, sendo entregue a um pastor (MARCONDES, 2009, p. 106).
Quando adolescente, mudou-se para a França, onde estudou diversos conteúdos.

O filósofo foi o pensador mais popular da Revolução Francesa e um dos principais influen-
ciadores do pensamento educacional e político moderno. Pertenceu à corrente filosófica do
iluminismo, embora fosse um grande crítico dela.

No ano de 1746, Denis Diderot convidou Rousseau para escrever parte do que viria a ser
uma enciclopédia, algo muito importante para a educação moderna, e a partir daí ele intensi-
ficou sua produção literária filosófica

Rousseau, como filósofo, também estudou as questões fundamentais, as questões da vida, e


para isso contrapõe dois estados: o de natureza e o cívico. Uma frase popularmente atribuída
a ele é “O homem nasce bom e a sociedade que o corrompe”. Embora ele não tenha dito
exatamente isso, com essas palavras, Rousseau afirma que o homem no estado de natureza
é um ser solitário, ele nasce tranquilo, ainda não conhece a bondade ou a maldade. Quando
ele passa a fazer parte da vida em sociedade (civil), passa a se corromper (MARCONDES,
2009, p.106).

Ainda sobre esses dois estados, o filósofo fala sobre as desigualdades, a natural e a civil.
Por exemplo, a forma física como nascemos e como nos formamos, para Rousseau, não
representa uma desigualdade, porque não tivemos escolha sobre ela, foi algo natural, isto
é, a desigualdade física por natureza não causa desigualdade (STRATHERN, 1996, p. 15).

A desigualdade social ou política (cívica), muito criticada por Rousseau, causa desigualda-
des, como, por exemplo, quem manda e quem obedece, quem tem e quem não tem, isto é,
questões sociais.

De certa forma, em O contrato social – uma de suas obras fundamentais, Rousseau diz
que, quando todas as pessoas, a partir de um contrato, abrem mão de suas vontades indi-
viduais, forma-se a vontade geral, que é o que detém o poder absoluto, permitindo que as
pessoas participem abertamente nos assuntos do Estado (CHAUÍ, 2000, p. 517). Isso parece
algo comum a você?

Para Rousseau, com o contrato social, a ideia de antigo governo torna-se secundária, pois os
líderes são os delegados da população em geral, e a vontade de todos asseguraria aos indi-
víduos um sentimento de pertencimento e participação aberta em seu Estado (STRATHERN,
1996, p. 23).

No geral, pode-se dizer que as ideias de Rousseau estão presentes na política e na demo-
cracia moderna, isto é, as ideias do filósofo iluminista ainda influenciam a nossa vida em
sociedade. As ideias contidas em O contrato social são a base da democracia que se tem
hoje, por isso algumas de suas ideias nos parecem tão comuns.

SUGESTÃO DE LEITURA
O contrato social – Jean Jacques Rousseau
Você gostou e ficou curioso para saber um pouco mais sobre as ideias de Rousseau? Uma
boa dica de leitura é a sua principal obra: O contrato social.

Filosofia da educação 25
Conceitos básicos

1 Voltaire – iluminismo

François Marie Arouet, conhecido como Voltaire, foi um dos principais filósofos da corrente
iluminista, fazendo parte da chamada Filosofia Moderna. O pensador nasceu no ano de 1694,
em Paris (CHAUÍ, 1984, p. 9).

O filósofo parisiense foi um defensor das liberdades individuais e da tolerância. Para ele,
deveria ser garantida a todas as pessoas a liberdade de expressão, religiosa e política. Por
esse pensamento, Voltaire foi perseguido pela Igreja Católica e teve de deixar a França por
algum tempo.

Quanto à política, Voltaire não concordava com o Antigo Regime, isto é, o poder absoluto
(quando os três poderes ficavam sob a responsabilidade de um monarca). Portanto, ele era
crítico à monarquia absolutista, pois acreditava que um monarca deveria governar tendo
como base as leis, e como conselheiro, alguém que buscasse a razão, e para ele esse con-
selheiro poderia ser algum filósofo.

Outro ponto discutido por Voltaire é a questão religiosa. Ele acreditava que a razão poderia
provar a existência de um deus, porém as duas ideias (razão e religião) buscavam combater
a intolerância religiosa, até porque os antigos reis governavam com base no que o cristianis-
mo pregava, e não na razão em si. O filósofo conseguiu separar a religião e a fé e não viu
nenhum problema em ter alguma crença, em acreditar em algo, desde que essa credulidade
fosse praticada de maneira racional.

Voltaire é um grande pensador e defensor da liberdade de expressão e da tolerância (CHAUÍ,


1984, p. 14). Ele se preocupou em buscar a razão para todas as questões fundamentais da
vida, defendendo a liberdade de pensamentos e de escolhas. É um filósofo que consegue
traduzir bem com seus legados o que era o iluminismo.

Para resumir Voltaire, há uma frase que foi atribuída a ele, mas não há nenhuma comprova-
ção de que foi ele quem disse, mas que de certa forma resume as ideias do filósofo: “Não
concordo com o que me dizes, mas defendo até a morte o seu direito de dizer”. Possivel-
mente essa frase foi escrita por alguém que consegue transmitir suas ideias de tolerância e
respeito às liberdades individuais.

Diderot e D'Alembert – a enciclopédia

Outros dois grandes nomes do Iluminismo que não poderiam ser esquecidos são: Denis
Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783). Ambos são os principais cria-
dores da Enciclopédia Francesa no século XVIII.

Os dois iluministas foram grandes pensadores da humanidade, e para desenvolver a enciclo-


pédia eles contaram com a contribuição dos trabalhos de pessoas fundamentais da Filosofia,
como Voltaire e Rousseau.

Os iluministas, através da enciclopédia, pretendiam levar “luz” às pessoas, queriam que a so-
ciedade tivesse a oportunidade de saber, de ter o conhecimento de todas as ciências que havia
e estavam sendo estudadas, com o objetivo de tirar as pessoas das “trevas” e levar até elas o
conhecimento racional. Essas ideias começaram a transmitir também um ideal de educação.

26
Kant – criticismo 1
Immanuel Kant nasceu em 1724, na cidade de Königsberg, na Prússia Oriental (MARCON-

Universidade São Francisco


DES, 2009, p. 122), hoje Alemanha. Pertenceu a uma família tradicional protestante e foi um
grande pensador da modernidade. Embora filho de pais protestantes, ele sempre teve uma
relação polêmica com a religião, pois era um defensor do criticismo, que é a ideia de ques-
tionar a possibilidade de conhecimento, ou seja, para obter algum resultado o indivíduo tem
que considerar as análises críticas da possibilidade e do conhecimento e se estrutura a partir
das críticas ao empirismo e ao racionalismo.

Immanuel Kant tentou buscar uma reflexão que considere tanto o empirismo (STRATHERN,
1996, p. 11) quanto o racionalismo. Ele acreditava que se deve averiguar e aprofundar as
pesquisas apenas nos assuntos que apresentam essa necessidade, deixando de lado o que
não é tão importante e o que não contribuiria de forma significativa para a Ciência.

Na tentativa de juntar a dualidade entre empirismo e racionalismo, Kant cria a Teoria dos
Juízos (STRATHERN, 1996, p. 21); para ele os juízos são as formas de conhecimento. O
primeiro deles, o juízo analítico, é a forma de conhecimento segura, em que o predicado não
altera o sujeito. Por exemplo: todo quadrado tem quatro lados iguais. Vê-se aqui que se trata
de uma forma de conhecimento segura.

Entretanto, nem todo conhecimento é seguro como o analítico. Então, Kant também fala
sobre o juízo sintético; neste caso, é uma forma de conhecimento insegura, na qual o pre-
dicado pode alterar o sujeito. Por exemplo: “aquele vaso é azul”; o vaso realmente pode ser
azul, mas será que todo vaso é azul? Não! Podem existir vasos de outras cores, o que torna
esse tipo de conhecimento inseguro.

E a terceira forma de conhecimento é uma tentativa de unir os juízos analítico e sintético, o


que chamamos de juízo sintético a priori, isto é, ela pode ser segura em alguns aspectos e
insegura em outros. Por exemplo: todo corpo é pesado – e sim, todo corpo para existir deve
ter massa, isto é, precisa de peso, o que representa um conhecimento seguro, comprovado
cientificamente –, porém o peso pode variar, o que torna esse conhecimento variável. O peso
na terra pode ser X por causa da força da gravidade, e, quando esse mesmo peso está em
um ambiente onde não há gravidade, o peso torna-se Y.

Em suma, Kant conseguiu, por meio da sua Teoria de Juízos, juntar o dualismo entre empiris-
mo e racionalismo, portanto ele se tornou um marco para a história da Ciência e da Filosofia,
porque ele foi capaz de fazer essa ligação entre dois pontos importantes para a Filosofia de
maneira coerente e assertiva.

Adam Smith

Adam Smith (1723-1790), nascido em Kirkcaldy, na Escócia, foi um filósofo social do ilumi-
nismo escocês e economista. Até hoje ele é considerado o pai da economia moderna, do
liberalismo econômico.

Vale salientar que, no século XVIII, a economia não era uma vertente específica, pois
fazia parte da “Filosofia moral”, por isso Smith foi o primeiro filósofo moral a reconhecer
que as ações de mercado deveriam ter um estudo especial dentro das Ciências Sociais.
A economia política só surge como Ciência no final do século XVIII e início do século XIX
(CHAUÍ, 2000, p. 531).

Filosofia da educação 27
Conceitos básicos

1
Na Universidade de Glasgow, Smith se tornou mestre e se encantou com as ideias do libe-
ralismo clássico, do Direito e da Economia Política. Anos mais tarde, Smith conseguiu uma
bolsa na Universidade de Oxford, mas acabou não se formando, pois criticou a instituição e
os professores.

Smith, com A Teoria dos Sentimentos Morais, busca analisar criticamente a moral e a nature-
za humana de seu tempo, tentando entender as motivações para atuar na sociedade.  

A riqueza das nações é outro livro escrito por Adam Smith que visa explicar o sistema econô-
mico e as mudanças pelas quais a economia passava naquela época, além de sugerir novos
caminhos diante da Revolução Industrial que estava começando.

A Mão invisível também é um conceito de Adam Smith, feita em forma de metáfora da mão
invisível, que se tornaria a figura mais conhecida da economia, e fala sobre a sociedade
pensar em consumir produtos da indústria nacional, e não da indústria internacional. Os con-
ceitos desenvolvidos por Smith nesse livro são utilizados para explicar as leis de mercado da
oferta e da procura.

De modo geral, o economista e filósofo acreditava que o poder deveria estar mais nas mãos
das pessoas do que do Estado e defendia a igualdade de direito para todos, acreditando que
era errado o governo conceder vantagens para alguns à custa de outros.

Smith considerava descabido qualquer lei que contivesse a produção dos homens e refor-
çava a ideia de que as pessoas devessem buscar de maneira livre seus interesses, partindo
do pressuposto de que não se desrespeitasse o direito de outro. Além da defesa de um libe-
ralismo econômico, em seus textos ele deu destaque à divisão de trabalho, que fortalecia a
ideia de setores, e para ele a concorrência é responsável pela riqueza social e pela harmonia
entre interesse coletivo e privado (CHAUÍ, 2000, p. 531). Suas obras são referências para
economistas e filósofos de todo o mundo até a atualidade.

Karl Marx

Karl Marx nasceu em 1818, em Trier, na então Prússia, hoje Alemanha (STRATHERN, 1996,
p. 6). Foi um filósofo, sociólogo, jornalista, economista e teórico político da Alemanha. Até
hoje é possível dizer que seu nome é polêmico, pois foi ele, juntamente com Friedrich Engels,
que criou uma teoria política que serviu como base para o socialismo científico, porém a obra
de Marx vai muito além da ideia de socialismo.

O contexto social que Marx viveu era o da Revolução Industrial, portanto ele busca interpretar
e criticar o mundo capitalista, até mais do que a própria ideia de socialismo. Ele se ocupou
bastante em sua vida acadêmica em tentar entender as relações dentro do capitalismo.

Marx é o fundador de um conceito de materialismo histórico e dialético (STRATHERN, 1996,


p. 18) em que o corpo social é baseado na relação material de produção, isto é, do proleta-
riado (os trabalhadores) e da burguesia (donos de fábricas). Para ele, a relação entre ambos
define uma sociedade capitalista e pode ser chamada de materialista (CHAUÍ, 2000, p. 537).

Para o filósofo essa relação materialista é extremamente contraditória, porque, enquanto os


trabalhadores produzem riqueza, quem enriquece são os donos dos meios de produção, e o
pensador busca criar essa consciência de classe através de seus estudos. Marx apresenta
dois conceitos: estrutura e superestrutura.

28
1
Estrutura é a relação do dono do meio de produção (os proprietários) e de seus trabalhado-
res, que são os que vendem a sua força de trabalho para os donos das fábricas. Superestru-

Universidade São Francisco


tura é tudo que envolve essa relação, como, por exemplo, a cultura. Para Marx, a estrutura
influencia a superestrutura, pois “as relações sociais de produção não são responsáveis ape-
nas pela gênese da sociedade, mas também pela do Estado” (CHAUÍ, 2000, p. 537).

Por exemplo, se trouxermos a teoria de Marx para os dias atuais, a estrutura poderia ser
os dias e horários de trabalho semanais, que influenciaram nas ações que podemos fazer
durante a nossa semana. Algo de lazer, por exemplo, seria colocado para o dia de folga. Em
suma, a cultura que se cria dentro do trabalho influencia também na vida pessoal, ou seja, o
filósofo era um crítico em valorizar mais o trabalho do que a vida pessoal.

Karl Marx acredita que as pessoas devem ter consciência de classe e passar a valorizar
mais a vida do que a produção em massa. Para ele, as pessoas precisam transformar essa
realidade e partir para a luta de classes, transformar as ideias em prática, tendo consciên-
cia de que tudo que foi produzido foi criado pelo homem. Ele busca esclarecer que essas
relações materialistas são contraditórias e que para transformar a história é necessária uma
revolução. Marx procura criar consciência no trabalhador, quebrando a “alienação” (a falsa
consciência feliz) (STRATHERN, 1996, p. 18) para que o trabalhador consiga entender a sua
importância nessa relação material.

Sua obra é extensa e nem sempre fácil de ser interpretada. O filósofo tornou-se popular,
pois a sociedade, em geral, já ouviu falar quem é Karl Marx e tem algumas noções de suas
ideias e obras, mas poucas pessoas de fato o leem e buscam entender o contexto histórico
no qual foi inserido.

As principais obras do autor são: O capital, uma coletânea de quatro volumes em que ele dis-
serta sobre produção e capital, a circulação do capital, a globalização por meio da produção
capitalista e a teoria da mais-valia. A segunda obra famosa feita em parceria com Engels é
O manifesto comunista, em que eles apresentam a teoria de luta de classes e do materia-
lismo histórico. Além dessas duas obras famosas, há outras, como Diferença da filosofia da
natureza em Demócrito e Epicuro, A questão judaica, Miséria da filosofia, A burguesia e a
contrarrevolução, Os 18 de brumário de Luís Bonaparte, Punição capital, A decadência da
autoridade religiosa, População, crime e pauperismo, Manifesto de lançamento da primavera
internacional e Salário, preço e lucro.

Nietzsche

Friedrich Nietzsche nasceu em 1844, em Saxônia, na então Prússia, hoje Alemanha (STRA-
THERN, 1996, p. 8). Era filho de pastor luterano, mas ficou órfão de pai aos 5 anos, sendo
criado com mais dois irmãos por sua mãe. Sua formação foi muito rígida com os princípios
luteranos, porém, no período da adolescência, Nietzsche começou a fazer os primeiros ques-
tionamentos acerca da religião.

Nietzsche foi um filósofo contemporâneo e poeta, e sua obra despertou muita polêmica, pois
ele se dedicou à moral judaico-cristã e nela fez um tipo de comparação das sociedades pré e
pós-cristianismo. Acabou por classificar o cristianismo como fator central do enfraquecimento
humano na era moderna.
Nietzsche, embora fosse um filósofo contemporâneo, tem parte de sua inspiração no Perío-
do Pré-Socrático, aquela fase em que os filósofos se preocupavam com algumas questões

Filosofia da educação 29
Conceitos básicos

1
da natureza em geral e o conhecimento prevalente era o mítico. O filósofo contemporâneo
trabalha com conceito apolíneo (de Apolo) e dionisíaco (de Dionísio) (STRATHERN, 1996, p.
13), em que o primeiro seria o deus grego da lucidez, harmonia e ordem, e o segundo seria o
deus da embriaguez, exuberância e desordem, isto é, eles representavam o oposto entre si.

Em sua obra, Nietzsche diz que, a partir de Sócrates, a sociedade focou mais no conceito
apolíneo do que no dionisíaco isto é, a humanidade se preocupou mais com a razão do que
com a emoção, e isso fez com que fôssemos ao caos, perdendo a humanidade. O objetivo
de Nietzsche busca pelo devaneio, pois para ele a vida é isso.

Uma de suas obras mais polêmicas é O anticristo, pois muitas pessoas fizeram diversas
interpretações sobre ela, umas diferentes das outras. Nessa obra, Nietzsche diz que o cris-
tianismo é responsável por esse sentido infeliz que a humanidade tomou, pois se sustenta
pelo pecado das pessoas, manipulando a salvação como meio de dominação da sociedade,
isto é, o filósofo não era contra Cristo, ele era crítico do cristianismo e dizia que a moral cristã
destruiu a sociedade (MARCONDES, 2009, p. 160).

Um ponto importante em sua obra é a morte de Deus, pois ele diz que a causa principal da
morte dele são as nossas ações, o que construímos de humanidade, pois esquecemos das
origens do que era puro e bonito, ou seja, ele diz que a humanidade matou Deus em nome
de uma razão falha, que o que temos hoje não é aquele Deus puro, pois nas Cruzadas e na
Inquisição, por exemplo, matavam em nome de Deus.

Nietzsche trabalha com a ideia de niilismo, que para o senso comum, é uma espécie de ceti-
cismo, mas para o filósofo o conceito vai um pouco mais além: é uma forma de se distanciar
das crenças impostas pelo cristianismo, de deixar de crer nessa verdade absoluta, descons-
truindo e estabelecendo uma nova base moral onde ela não está interligada com os valores
cristãos, e sim com os éticos.

CONCLUSÃO
Nesta unidade, você estudou os principais conceitos de filosofia em um aspecto geral
para ter uma noção ampla do que significa filosofia e quais são seus fundamentos, em-
bora tenha se percebido o quão complexo é tentar conceitualizar o termo com palavras
e o esforço que muitos teóricos usaram para tentar fazê-lo.

Além da conceitualização, você conheceu também quais são as principais concepções


histórico-filosóficas desenvolvidas durante todos os séculos em que a Filosofia vem
sendo estudada e os pensamentos que dominavam cada período histórico, e como isso
influenciou seus pensadores e suas teorias.

Apresentamos os principais e mais influentes filósofos do mundo e as correntes filosó-


ficas das quais eles participaram, acreditaram e contribuíram para a história da huma-
nidade e da educação.

Vale salientar que foram escolhidos alguns dos principais nomes da Filosofia de todos
os períodos históricos. Trata-se de um resumo de suas teorias e obras, que são, de fato,
muito maiores e mais complexas do que a síntese aqui apresentada. Portanto, se você
se interessou por a teoria de alguns desses filósofos, a sugestão é que se aprofunde
nos estudos desenvolvidos por eles.

30
SUGESTÃO DE LEITURA 1

Filósofos em 90 Minutos – Paul Strathern

Universidade São Francisco


Toda a coleção “Filósofos em 90 minutos” foi escrita por Paul Strathern e apresenta os maio-
res pensadores da Filosofia, de várias correntes filosóficas diferentes, de maneira simples,
didática e resumida.

É uma boa opção para quem deseja conhecer um pouco mais sobre algum pensador
especificamente.

Filosofia da educação 31
Conceitos básicos

1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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STRATHERN, P. Aristóteles em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge
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STRANTHERN, P. Kant em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

STRANTHERN, P. Marx em 90 minutos. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.

Filosofia da educação 33
Conceitos básicos

STRATHERN, P. Nietzsche em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge
1
Zahar, 1996.

STRANTHERN, P. Platão em 90 minutos. Tradução de Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.

STRANTHERN, P. Rousseau em 90 minutos. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.

STRATHERN, P. Sócrates em 90 minutos. Tradução de Cláudio Somogyi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.

34
Filosofia da educação
35
1

Universidade São Francisco


A razão e a consciência

UNIDADE 2

A RAZÃO E A CONSCIÊNCIA
2

INTRODUÇÃO
A habilidade para o conhecimento e a necessidade em conhecermos são característi-
cas humanas, intrínsecas ao existir humano. Desde os primórdios da nossa existência,
buscamos compreender como as coisas são e como funcionam, o porquê de determina-
dos fenômenos, os sentidos e os significados das ações, dos gestos, dos pensamentos.
Procuramos pelas causas, consequências e explicações dos mais diversos aconteci-
mentos, modos de vida e comportamentos que compõem a realidade e a existência hu-
mana. Além disso, claro, procuramos entender e explicar não apenas os fatos relativos
ao plano individual, mas também aqueles que orientam ou definem a vida coletiva.

Podemos lidar com as mais diferentes questões de modos distintos, e cada uma delas
carrega uma forma específica de conhecimento – filosofia, artes, religião, ciência etc.
A filosofia, como já sabemos, é um desses caminhos possíveis e, portanto, dotada de
particularidades, de um olhar específico sobre o mundo, sobre a realidade e sobre as
vivências humanas.

SAIBA MAIS
Há na filosofia, inclusive, um campo específico de análise sobre como se dá o conhecimento,
sobre o ato de conhecer e sobre o que é o conhecimento. Esse campo é a teoria do conhe-
cimento que, de modo geral, investiga a relação existente entre o sujeito cognoscente (o que
conhece) e o objeto conhecido, ou seja, de que forma o homem conhece as coisas, investiga
e compreende a realidade e os fenômenos. Essa teoria considera que há diferentes possibi-
lidades de conhecimento: pela ideia ou intelectual, sensorial e pelas experiências e sentidos,
científico, filosófico etc.

A filosofia é um campo do conhecimento racional, ainda que esta forma não seja exclu-
siva dela e tampouco sua própria definição, nem que conhecimento filosófico se resuma
a isso. Contudo, esse é um dado importante, pois razão e consciência, aspectos e
sentidos próprios do conhecimento, formas particulares que permitem compreender e
indagar a realidade, são dois eixos centrais que guiarão os estudos e as perspectivas
analisadas nesse capítulo.

36
Por sua vez, a filosofia da educação, área
Figura 01. Consciência e razão: dois caminhos
possíveis, mas não únicos, para o conhecimento
do conhecimento que orienta os estudos
aqui, leva ao questionamento e à compre-

Fonte: 123RF.
ensão dos sentidos da educação e da prá- 2
tica educacional nos mais diversos contex-

Universidade São Francisco


tos e condições histórico-sociais. Filosofia
e educação são duas áreas intrínsecas
que dialogam entre si desde suas origens.
Ao antecedermos na história da cultura e
da civilização humana, especialmente oci-
dental, encontramos reflexões sobre como
educar o ser humano e sobre o processo
de formação humana, questões que foram
colocadas pelos mais diferentes filósofos desde a Antiguidade até os dias mais atuais.

No pensamento filosófico, de forma geral, prevalece a ideia de que o ser não nasce
pronto e, portanto, cabe à educação formá-lo, oferecer as condições para que um deter-
minado modo de ser se constitua. Dito de outra forma: o pensamento filosófico concebe
a educação como o meio por excelência pelo qual o ser torna-se humano, pelo qual
potencializa suas aptidões e possibilidades de existência e, sobretudo, é o caminho que
transforma o individuo biológico em ser social e cultural que faz parte e se relaciona com
um determinado contexto. O dever-se da educação, seus pressupostos e finalidades
foram, portanto, temas entre os filósofos.

GLOSSÁRIO
A própria origem etimológica da palavra educação remete à ideia do “devir”, de “trazer à
tona”. Em português, ela vem dos termos em latim educare que significa alimentar, criar,
amamentar e educere que, por sua vez, resulta da junção entre os termos ex (fora) e ducere
(conduzir). O termo educação pode, então, ser compreendido como “condução para fora”,
nesse caso, para fora de si mesmo, para o mundo exterior e coletivo. Por outro lado, carrega
a ideia de doação, de alimento que leva ao crescimento.

A preocupação e as reflexões com os modos como o ser humano pode ser educado,
de que maneira a educação pode extrair do sujeito o que ele tem de melhor e suas fun-
ções para o meio coletivo estão, assim, na origem da filosofia. Portanto, ao passarmos
pela história da filosofia passamos também pela história da educação em seus mais
diversos contextos sociais.
Se a educação está eivada de sentido, de conceitos, valores e finalidades
que a norteiam, acreditamos que a primeira pergunta a ser feita é a que se
refere ao próprio sentido e valor da educação na e para a sociedade. Cabe
começar pela questão mais abrangente e fundamental: que sentido pode ser
dado à educação, como um todo, dentro da sociedade? Da resposta a essa
pergunta segue-se uma compreensão da educação e do seu direcionamen-
to. (LUCKESI, 1994, p. 37).

Assim, na tradição filosófica há diferentes sentidos para a educação, uma vez que os
próprios sentidos de humanização, de formação humana e de sociedade se transfor-
mam ao longo do tempo. O objetivo nesse capítulo é passarmos por algumas dessas

Filosofia da Educação 37
A razão e a consciência

tradições e reflexões, o que permitirá a compreensão de contextos sociais e culturais


específicos e das formas como o conhecimento e a educação foram concebidos sob
diferentes perspectivas.
2
Se a filosofia fornece à educação uma reflexão “sobre a sociedade na qual está situada,
sobre o educando, o educador e para onde esses elementos podem caminhar”, como
afirma Luckesi (1994, p. 21), então, empreendermos pelas tradições filosóficas é um
importante caminho para o desenvolvimento de análises críticas acerca da educação,
dos seus processos e das suas finalidades e que podem, ao final, lançar luz sobre as
práticas educacionais e as teorias dos mais diferentes períodos históricos, inclusive do
nosso tempo. Iniciamos nossos estudos abordando a noção e o lugar da razão como
formas de conhecimento na tradição filosófica.

1. OS CAMINHOS DA RAZÃO
A filosofia olha para a educação e para os processos educacionais com o objetivo de com-
preendê-los constantemente. Por isso, é parte desse modo de conhecer voltar ao tema,
analisar novamente, questionar, reinterpretar, todos esses feitos por meio de um esforço
racional, do olhar e da intepretação racional sobre os mais diferentes fenômenos.

Temos reforçado aqui este aspecto da filosofia como um espaço para o conhecimento
racional sobre a realidade, como uma área do saber que dialoga com a razão como
caminho para o conhecimento, em alguns momentos confiando plenamente nela e, em
outros, desconfiando, ponto que abordaremos mais adiante. Afinal, o que é razão? Em
particular, o que é razão para a filosofia?

Para iniciarmos: razão e filosofia encontram-se juntas desde suas origens. Aristóteles, filó-
sofo do período clássico da Grécia Antiga, defende que só o homem entre todos os animais
possui razão, ou seja, nós nos assemelhamos a outras espécies por sermos também ani-
mais, mas nos diferenciamos por termos razão, pela capacidade e faculdade racional.

Mais adiante na história, Blaise Pascal, filósofo francês do século XVII escreve a céle-
bre frase, repetida até os dias atuais: “o coração tem razões que a razão desconhece”,
levando-nos aos sentidos distintos que a palavra “razão” assume em sua citação. As ra-
zões que o coração têm são sentimentos, emo-
Figura 02. Apreendemos a realidade de
modos distintos: pela razão e pelas experi- ções, paixões que orientam várias das nossas
ências vivenciadas pela emoção/sentimentos atitudes, opiniões, pensamentos, gestos. Por
outro lado, a “razão que desconhece” refere-se
Fonte: 123RF.

à nossa consciência moral, ao intelecto, ativi-


dade que tem motivos próprios e que se distin-
gue das emoções ou dos sentimentos (CHAUÍ,
2000, p. 70-71).

Podemos dizer, portanto, que desde suas ori-


gens a razão é tomada pela filosofia como
capacidade intelectual, ordenada, clara. É um
modo específico de conhecimento e de expres-
são sobre as coisas. A filósofa Marilena Chauí

38
afirma que a “razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna
compreensível” (2000, p. 71) e que isso é possível porque a própria realidade e as
coisas são ordenáveis e organizáveis, são “compreensíveis nelas mesmas e por elas
mesmas, isto é, as próprias coisas são racionais” (CHAUÍ, 2000, p. 71). 2

Universidade São Francisco


SAIBA MAIS
Filosofia, ciência e religião são maneiras diferentes de procurar explicar a realidade. Sobre a
diferença entre razão e revelação, assista ao vídeo indicado a seguir, um pequeno trecho de
uma entrevista com o físico brasileiro Marcelo Gleiser na qual ele reflete sobre as aproxima-
ções e as distâncias entre a religião e a ciência.

MARCELO Gleiser – Ciência e religião: em busca do desconhecido. 29 maio 2014. 1 vídeo


(4 min 17s). Publicado pelo canal Fronteiras do Pensamento. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=24N0pE6H-W8&t=96s. Acesso em: 3 jan. 2021.

IMPORTANTE
A distinção da razão e da capacidade racional de outras atitudes mentais –como sensações,
sentimentos, intuição, memória etc. –, proposta pela filósofa Marilena Chauí, serve aqui para
indicar aspectos e caminhos específicos pelos quais conhecemos o mundo e lidamos com
inquietações, limitações e dúvidas próprias da existência humana.

No caso específico da distinção entre a razão e a crença religiosa, há outras interpretações


que se distinguem da proposta feita por Chauí, em especial, perspectivas que consideram a
fé e a religião também resultados da capacidade racional humana, ou seja, frutos da razão.
Não se justificaria, segundo essa perspectiva, a dicotomia entre razão e fé, por exemplo, uma
vez que ambas resultam da capacidade racional humana para explicar o mundo, ainda que
se constituam como distintas.

Você pode se aprofundar nesse tema lendo o artigo:

LOWY, M. Lucien Goldmann ou a aposta comunitária. Ética e Política – Estudos Avançados, n. 9,


abr. 1995. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/N9tw5HN9fm6YFPr6TLTzhGt/?lang=pt.
Acesso em: 2 maio 2022.

SAIBA MAIS
Em um capítulo da obra Convite à Filosofia, a filósofa Marilena Chauí trata das origens da
razão, seus princípios e a atividade racional. Afinal, de onde veio tal capacidade? Nascemos
com essa habilidade ou a adquirimos ao longo da nossa existência? Será que os princípios
racionais são próprios da natureza humana ou eles nos são dados pela educação e pelos
costumes? São questões que fundamentaram e ainda importam muito nos debates filosófi-
cos e que se relacionam de maneira muito direta com as formas como conhecemos e apren-
demos. Relacionam-se, portanto, com a própria educação.

CHAUÍ, M. Unidade 2 – A razão. In: Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 2000, p. 68-109.

Mesmo o pensamento racional perpassa por momentos históricos específicos. As re-


flexões sobre a razão também se transformam ao longo da história e adquirem novas

Filosofia da Educação 39
A razão e a consciência

perspectivas e, claro, novos dilemas e dúvidas. O objetivo é estudar alguns dos debates
filosóficos sobre as origens e os caminhos da razão e suas relações com o conheci-
mento, com a forma como se dá o conhecimento. Nossa intenção nos tópicos que se
2 seguem não é esgotar o tema, o que seria impossível aqui, visto que razão e filosofia
são parte da história ocidental e, portanto, também têm uma história formada por con-
textos, problemas e respostas específicas e diversas. Apresentaremos algumas linhas
filosóficas principais pelas quais é possível dialogar com outras.

IMPORTANTE
As questões sobre a origem do conhecimento humano e sobre a capacidade do intelecto e do
raciocínio foram temas de reflexão entre os filósofos durante séculos. São duas as respostas
dadas a essas questões: o inatismo e o empirismo.

Inatismo: é a concepção filosófica segundo a qual as ideias ou os princípios verdadeiros


já nascem com o indivíduo, isto é, são inatas e independentes da experiência ou do mundo
sensível. Platão foi um dos seus principais precursores. Segundo a teoria platônica, a alma,
desde seu nascimento, traz consigo um conhecimento prévio que carrega não apenas os
princípios racionais, mas também ideias verdadeiras, formas, essências que foram contem-
pladas no mundo das ideias antes de encarnar no corpo material.

Conhecer, de acordo com Platão, significa alcançar, recordar essa verdade que já existe em
nós e que é anterior à experiência sensível. Razão e verdade são, assim, inatas no ser e é
por isso, segundo o filósofo, que reconhecemos uma ideia verdadeira ao encontrá-la, pois a
distinção entre o verdadeiro e o falso está em nosso espírito (CHAUÍ, 2000, p. 85-87; ARA-
NHA, 2006, p. 125-129).

Empirismo: é a concepção que defende o oposto do inatismo. O conhecimento, assim como


a razão, dá-se a partir da nossa relação com o mundo sensorial, com a experiência. Antes
da experiência, afirmam os empiristas, somos como uma folha em branco. Há um ponto im-
portante aqui: nessa concepção, a razão tem prioridade sobre o mundo sensível, sobre as
experiências vivenciadas. Entretanto, diferentemente da perspectiva inatista, o conhecimento
se inicia pelos sentidos e pelas experiências, pois apenas a partir deles sentimos os cheiros,
diferenciamos as cores e as formas, ouvimos os sons, percebemos as texturas etc. A concep-
ção empirista se concretiza, de fato, a partir do século XVI, mas Aristóteles já defendia, em
seus estudos, que pelas experiências sensoriais poderia se chegar à verdade (CHAUÍ, 2000,
p. 85-87; ARANHA, 2006, p. 125-129).

É importante a atenção a essas duas concepções, pois elas dialogam com as reflexões e
com os autores que veremos mais à frente, além de se relacionarem diretamente com as
práticas que exercemos em sala de aula. Por exemplo: quando dizemos que, para que o
aluno aprenda, é importante que ele leia, estude, faça exercícios, construa o saber pela
experiência, tomamos como pressuposto que o conhecimento vem de fora, refletindo uma
tendência empirista. Porém, se dissermos que é preciso instigar o aluno para que desperte
nele o gosto pelos estudos, consideramos que a aptidão para o conhecimento é algo que
precisa ser despertado, ou seja, que vem de dentro e que, portanto, é inato.

1.1 RAZÃO E FÉ: ASPECTOS DA FILOSOFIA MEDIEVAL


Vamos analisar alguns aspectos da filosofia medieval começando por Agostinho de Hi-
pona, também conhecido como Santo Agostinho. Antes de apresentarmos as principais

40
ideias e reflexões de Agostinho de Hipona, é importante contextualizarmos brevemente
a época em que tal produção se realizou, pois isso auxilia a perceber quais questões e
situações histórico-culturais influenciaram ou importaram à filosofia naquele momento.
2
IMPORTANTE

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O uso do termo filosofia medieval serve para localizarmos historicamente o contexto das
reflexões e das perspectivas de certas correntes importantes no pensamento filosófico, como
a Patrística e a Escolástica.

A própria nomenclatura de “Idade Média” alude a uma concepção pejorativa e até preconcei-
tuosa do momento histórico, muitas vezes representado na filosofia como um hiato entre dois
momentos da razão: o da filosofia clássica grega e o renascimento europeu. Essa compreen-
são desconsidera a complexidade e a particularidade da época, e o próprio termo “Medieval”
costuma ser associado a algo atrasado.

Entretanto, é importante apontarmos que esse também foi um contexto da criação das uni-
versidades, de novas formas de sociabilidades éticas e coletivas, da construção de outras
formas de pensar a fé, Deus e a divindade, da intensa produção filosófica como as mencio-
nadas Filosofias Patrística e Escolástica, da literatura produzida por mulheres como Julian de
Norwich e Margery Kempe etc.

Na cronologia da história da filosofia entre os principais períodos está a Patrística, que


compreende o século I ao VII e que é marcada, entre outras coisas, pelo esforço dos
filósofos em conciliar razão e fé, ou mais especificamente, o pensamento filosófico dos
gregos e dos romanos antigos com o cristianismo, religião recém-surgida. É o contexto
também da queda do Império Romano, período de transformações históricas-culturais
importantes e de intensa instabilidade social e econômica.

GLOSSÁRIO
O termo Patrística faz referência à filosofia dos padres da Igreja. Ela tem início com as Epís-
tolas de São Paulo e com o Evangelho de São João (CHAUÍ, 2000, p. 53).

Enquanto toda uma organização social entrava em decadência (Império Romano), uma
nova unidade política e social se constituía fundamentada na unidade religiosa cristã. A
partir de uma intervenção do Imperador Constantino (306-337), o cristianismo passou
de religião de escravos perseguida pelo Império a religião oficial, antes mesmo da fa-
mosa “conversão de Constantino”.

A instabilidade social gerava insegurança aos indivíduos e havia, portanto, a preocu-


pação em integrar as pessoas à ordem social nascente. A conversão dos bárbaros ou
pagãos ao cristianismo passou a ser um fator importante para que o indivíduo fosse
aceito e integrado à comunidade.

Foi desse contexto que nasceu a filosofia Patrística com a tarefa de harmonizar a
sabedoria filosófica clássica e a judaico-cristã e de explicar racionalmente a doutrina
cristã. Novas questões foram colocadas à filosofia: criação do mundo, Deus como ser
divino formado por Pai, Filho e Espírito Santo, vida e morte, vida pós-morte, a ideia de

Filosofia da Educação 41
A razão e a consciência

Figura 03. Entre os fundamentos da filosofia ressurreição, o pecado original, a existência


Patrística está a tentativa da conciliação entre do mal, a moral humana, o livre-arbítrio, o
fé e razão
juízo final etc. (CHAUÍ, 2000, p. 53; PERISSÉ,

Fonte: 123RF.
2 2008, p. 57-59).

O processo em que o cristianismo passa de


religião perseguida à religião imperial é o pe-
ríodo em que todo o instrumental da filosofia
grego-romana é mobilizado para tentar ex-
plicar e sistematizar esse conjunto de novas
temáticas como um corpo teórico coerente e
lógico. Parte da filosofia já era compreendi-
da como um “exercício espiritual”, no sentido
pleno de atividade teórica com a finalidade
de salvação da alma. Desse modo, não é difícil compreender que na Patrística, os ins-
trumentais categoriais filosóficos eram mobilizados para a defesa (apologia) da nova
visão de salvação.

Agostinho de Hipona

Figura 04. Agostinho de Hipona, de Agostinho de Hipona (354-430) é um dos principais


Philippe de Champaigne (1645-50) pensadores desse período e influência fundamen-
tal para a filosofia Medieval, que se consolidou em
Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 29 mar. 2022.

um período posterior, e também para a Moderna.


Sua reflexão se voltava para o debate sobre o du-
alismo da fé e da razão tendo como inspiração a
filosofia de Plotino, com forte influência platônica
(mundo das ideias e mundo dos sentidos). Agos-
tinho também se interessava pelo ato e pelo sig-
nificado de ensinar, pela construção e pela forma
do conhecimento. Em sua reflexão, a linguagem
aparece como forma de compreensão da realidade.
Portanto, a pergunta central para ele era: em que
medida as palavras nos ensinam algo?

SAIBA MAIS
De Magistro, escrita por Agostinho de Hipona no ano de 389 d.C., tornou-se uma das obras
clássicas da filosofia da educação e da pedagogia. A obra é um diálogo entre ele, Agostinho,
que faz o papel de mestre, e seu filho Adeodato, o aluno. Entre eles há uma constante troca
de palavras e de perguntas formando um intenso diálogo no qual o autor explana sobre ensi-
nar e aprender, sobre o papel das palavras e dos ensinamentos. Ele mesmo lança palavras e
indagações a nós, leitores, em uma tentativa de que o diálogo continue.

42
Agostinho, como mencionamos, segue a direção da filosofia platônica, ou seja, a pers-
pectiva inatista, com profunda distinção antropológica entre corpo e alma. Desse modo,
o princípio é que o conhecimento para se realizar exige “luz interna”. Em outras pa-
lavras, a apreensão deriva de um conhecimento prévio, interno (luz interior) que se 2
sobrepõe e é anterior ao mundo sensível ou às experiências (PERISSÉ, 2008, p. 58;

Universidade São Francisco


PORTO, 2006, p. 6).

É partindo desse princípio que Agostinho reflete sobre a educação e o conhecimento


não a partir dos objetivos, mas sim da linguagem, das palavras. Palavras, segundo o
pensador, ditas ou escritas, são consideradas sinais, e ao entrarmos em contato com
os sinais, nosso pensamento dá significado às coisas.

EXEMPLO
Se ouvimos a palavra árvore, mas não sabemos o que é uma árvore, então, a palavra não faz
o menor sentido, não nos diz nada. Mas se procurarmos pelo seu significado ou se alguém
nos mostrar o que é uma árvore (e o ato de apontar também é um sinal), então, a palavra
terá sentido para o pensamento. Assim, identificamos uma palavra como palavra: “com as
palavras não aprendemos senão palavras” (AGOSTINHO, 1987, p. 321).

O ponto central da questão proposta por Agostinho é: É possível conhecermos pela pa-
lavra? Qual é seu real valor para o ato de ensinar? Nós ensinamos por meio de palavras,
e o pensador reconhece sua importância e sua utilidade para o ensino. Entretanto, ele
nos diz que, ainda assim, elas não são suficientes para a realização plena do trabalho
docente. Por quê? Porque as palavras são frágeis e têm deficiências. Uma palavra cujo
sentido não sabemos não significa nada, o que acontece também quando estamos diante
de palavras em outras línguas que não dominamos. Palavras também podem ser usadas
com sentidos diversos, cujos significados não são compartilhados por todos. Elas podem
ser mal escritas ou mal ouvidas, gerando desentendimentos ou incompreensão.

Como resolver esse dilema? Como, então, é possível conhecermos? A solução está,
segundo Agostinho, em um conhecimento anterior ao empírico ou dos sentidos: trata-se
do conhecimento dado pela verdade interior, pelo mestre que existe dentro de nós.
No que diz respeito a todas as coisas que compreendemos, não consulta-
mos a voz de quem fala, a qual soa por fora, mas a verdade que dentro de
nós preside à própria mente, incitados talvez pelas palavras a consultá-la.
Quem é consultado ensina verdadeiramente e este Cristo, que, segundo
alguém afirmou, habita no homem interior, isto é: a virtude incomutável de
Deus e a sempiterna Sabedoria que toda alma racional consulta. (AGOS-
TINHO, 1987, p. 319, grifo nosso).

Assim, nossa mente já carrega um conhecimento, uma razão, um saber, já contendo o


significado das coisas e das palavras, portanto, um conhecimento prévio. Esse conheci-
mento, continua Agostinho, são os princípios que foram depositados por Deus (o Mestre)
na alma e no intelecto humano. O conhecimento é, assim, o despertar desses princípios,
e é dessa perspectiva que conhecimento e fé são, segundo o pensador, inseparáveis.

Portanto, para compreendermos o mundo, é preciso ultrapassar a realidade material, os


objetos sensíveis, aquilo que é dado pelos sentidos e pela experiência, o que relaciona

Filosofia da Educação 43
A razão e a consciência

a teoria de Agostinho às ideias platônicas do inatismo, mas com uma diferença


fundamental: enquanto para Platão conhecer ou alcançar a verdade é recordar ou
rememorar o conhecimento que já existe em nós (pois a alma já a contemplou no mundo
2 das ideias), para Agostinho, a solução está na inspiração divina ou nos conteúdos da
iluminação divina dados por Deus e fonte de todo o conhecimento.

PARA REFLETIR
Você consegue relacionar essa reflexão de Agostinho com a prática educativa e a função do
professor em nosso contexto? As ideias do filósofo têm relação direta com as teorias e as
práticas que afirmam que a função do docente não é transmitir conhecimento, mas sim con-
duzir o aluno para que ele descubra e acesse o conhecimento que está oculto em seu interior.

SAIBA MAIS
Em Introdução à filosofia da educação, Gabriel Perissé apresenta uma análise da aula agos-
tiniana a partir da obra De Magistro, pontuando a importância e a limitação das palavras para
o ensino e para o aprender, segundo a perspectiva de Agostinho e do trabalho do mestre
em acessar o interior, a subjetividade do aprendiz. O texto apresenta alguns exemplos que
permite ampliar o olhar sobre as ideias do filósofo.

PERISSÉ, G. A aula agostiniana. In: Introdução à filosofia da educação. São Paulo: Autên-
tica, 2008, p. 58-62.

Iluminação
Luz interior e mestre interior são dois princípios citados por Agostinho de Hipona em
diferentes passagens da obra De Magistro e que reforçam continuamente a ideia de que
a fonte do conhecimento se encontra no interior do homem. Aprender consiste, portan-
to, em despertar o intelecto e a razão humana para os conteúdos da iluminação divina.
Esse é um dos princípios da teoria da iluminação divina de Agostinho.

Para compreender os fundamentos dessa reflexão, é importante pontuar que, para o


filósofo, há dois modos possíveis de conhecimento: o sensível e o divino. O primeiro
é dado pelos sentidos, pela observação, pela experiência. É o conhecimento que ad-
Figura 05. Conhecimento sensorial – a teoria quirimos pelo paladar, pelo olfato, pela visão,
do conhecimento enfatiza a subjetividade e a pelo tato ou pela audição. São conhecimen-
interioridade do ato de aprender tos sensoriais que desenvolvemos ao perce-
ber, por exemplo, determinado formato, um
Fonte: 123RF.

cheiro, um som. Esse modo de conhecer tem


também uma verdade, afinal, tais sensações
levam à percepção de como as coisas são.

O ponto, segundo Agostinho, são os


julgamentos que realizamos a partir
dessas percepções, que podem ser falhos
ou insuficientes por serem superficiais e
revelarem apenas a aparência das coisas. Por

44
isso, o conhecimento sensível não possibilita que o indivíduo alcance a verdade de todas
as coisas, assim como não encerra a experiência cognitiva.

Outra característica importante do conhecimento sensorial é seu caráter individual, pois 2


os diferentes sentidos pertencem a cada pessoa. Imagine, por exemplo, que diferentes
pessoas estão em um jardim ou desfrutando de uma refeição: cada uma sente o cheiro

Universidade São Francisco


das flores a partir de seu olfato, que pertence a ela, assim como o gosto da refeição é
sentido individualmente.

IMPORTANTE
A razão tem um papel importante na teoria da iluminação. Apenas o homem a tem, diferente-
mente dos demais animais. Ela é, portanto, a potência mais elevada do homem, fundamental
para nossas possibilidades cognitivas. A razão é consciência, é a capacidade da nossa mente
de julgar, ordenar, discernir, estabelecer conexões entre aquilo que apreendemos pelos sentidos.

Então, como alcançar a verdade das coisas? Como conhecê-las plenamente? Para Agos-
tinho, esse conhecimento apenas pode ser realizado por meio da iluminação de Deus,
do conhecimento divino. Segundo essa reflexão, há verdades que são eternas, inalterá-
veis, e que as experiências mundanas, por serem temporais e materiais, não conseguem
elaborar. Essas verdades são as razões, as formas, as ideias de todas as coisas que
começam a ser, a existir e que foram depositadas em nossa alma por Deus.

Esse conhecimento é o que está no interior do ser, é o que recebemos de Deus, assim
como recebemos d’Ele nossa existência e nossa inteligência. Para Agostinho, o conhe-
cimento do homem tem como finalidade alcançar essa sabedoria divina que está em
seu interior para que participe e experimente a sabedoria de Deus. E como age ou se
manifesta esse mestre que está em nosso interior?
Figura 06. Santo Agostinho, de É ele quem nos instrui, quem ilumina o intelecto de
Antonio Rodríguez
forma que este possa ver a verdade. Assim como
uma fonte de luz é necessária para que nossa visão
enxergue algo, Deus é a “luz” da mente.

Contudo, é importante destacar que, para Agostinho,


o conhecimento não é algo acabado, pronto e que
está depositado em nossa mente. Não é também
um dom ou algo que alcançamos pela recordação
ou pela memória (como na ideia platônica). Para co-
nhecermos é fundamental que o intelecto e a razão
alcancem e se iluminem por essa luz interior. Em ou-
tras palavras, a tese essencial da teoria da ilumina-
ção está na dependência do intelecto humano da re-
alidade inteligível e inalterável (Deus). Portanto, para
a compreensão das coisas do mundo, é necessário
ultrapassar a razão, ou melhor, transcendê-la, pois o
conhecimento da verdade reside em algo acima da
inteligência e da razão humanas (PERISSÉ, 2000,
Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 30
mar. 2022. p. 61-63).

Filosofia da Educação 45
A razão e a consciência

PARA REFLETIR
A partir do que você estudou até agora e das leituras indicadas, observe atentamente a Figu-
2 ra 6. Procure relacioná-la e interpretá-la tomando como referência a teoria da iluminação de
Agostinho. Como você explicaria a ideia contida na imagem?

Tomás de Aquino
Figura 07. São Tomás de Assim como Agostinho, Tomás de Aquino (1224-1274) foi
Aquino um filósofo cristão que refletiu sobre as relações entre a ra-
Fonte: 123RF.
zão e a fé. Entre os dois há pontos de concordância e de
discordância sobre a linguagem, o conhecimento, a razão
humana e o lugar de Deus na nossa apreensão da realida-
de e da verdade.

Entre os temas importantes desse período, destacam-se a


demonstração racional e as provas da existência de Deus,
da alma, do infinito criador e do espírito imortal do homem
por meio do saber filosófico (CHAUÍ, 2000, 53-54). Assim,
razão e fé são campos intrínsecos nesse período histórico
em particular.

SAIBA MAIS
Esse período da filosofia Medieval, do qual Aquino faz parte, é conhecido como Escolástica
(séculos IX-XIII). Diferentemente da Patrística, nesse momento a Europa viveu a intensa
influência da Igreja. Assim, razão e fé são dois temas fundamentais na produção intelectual,
cultural e educacional do período. É quando nascem as escolas e as universidades criadas
para principalmente formar sacerdotes e novos pensadores.

Para Tomás de Aquino, é possível compreendermos os mesmos ensinamentos e verda-


des da Bíblia por meio da razão e da Filosofia. Não há contradição entre razão e fé, uma
vez que ambas derivam da vontade divina. Em outras palavras, é possível conhecer ou
alcançar a verdade pelos dois caminhos, ainda que de modos distintos. Nesse sentido,
Aquino diferencia o que seriam as “verdades da fé” das “verdades naturais”. A primeira
alcançamos pela revelação, que são questões que não são atingíveis nem pela experi-
ência nem pela razão filosófica, pois transcendem a existência humana.

Há outras questões, entretanto, que podem e devem ser alcançadas e explicadas pelo
esforço racional (verdades naturais ou da razão). Um ponto central aqui é que não há
contradição entre elas, pois mesmo quando a razão não alcança a verdade da fé, ainda
assim ela não a contraria, pois ambas nascem da mesma fonte: a sabedoria divina. É
neste sentido que se defende a distinção entre a filosofia e a Teologia, que somente
nesse contexto passa a ocorrer.

46
Uma vez que tanto a revelação quanto a lógica filosófica seriam incutidas por Deus no
ser humano, ambas devem ser fonte de verdade, pois Deus não poderia ter dotado a
inteligência humana de princípios racionais falsos. Em síntese, mesmo que haja distin-
ção entre a razão e a fé, há colaboração entre ambas, e se a verdade da fé não pode 2
ser contraditória às verdades da inteligência, fé e razão são dois tipos diferentes de

Universidade São Francisco


julgamento que, distintas, devem estar articuladas na compreensão do mundo.

Na reflexão aristotélica, em especial aquela que chega à Europa por influência da filo-
sofia árabe, há um caminho intermediário entre o inatismo platônico (que considera todo
o conhecimento é lembrança, pois é inato) e o empirismo. Essa ideia é fundamental
para o modo como Aquino reflete sobre a razão e o conhecimento: ele afirma que há
princípios e verdades universais (manifestos pelo Divino e preexistentes no homem),
mas, em contrapartida, há ação humana dotada da capacidade de conhecer o mundo
que nos cerca, de apreender a realidade sensível. É preciso, entretanto, efetivar essa
capacidade, essa potência para o ato de aprender, e Aquino oferece alguns exemplos
de como fazer isso.

Primeiro, a realidade é passível de ser captada pelos sentidos, mas para conhecê-la é
necessário o intelecto. Por exemplo, temos o sentido da visão, porém, se não abrirmos
os olhos e olharmos ao redor, não podemos ver e conhecer o mundo que nos cerca. Ou
seja, há um caminho necessário entre a capacidade ou a potência em conhecer para o
ato de conhecer (PORTO, 2006, p. 8-9; PERISSÉ, 2008, p. 63-64).

Desse ponto de partida, Aquino reflete sobre a natureza do ensino afirmando que é
preciso considerar a importância dos mestres humanos, em contraposição à ideia de
Agostinho, para quem apenas Deus, fonte do saber e da verdade, pode ser considerado
Mestre. Diferentemente dessa perspectiva, Aquino defende que a existência do Mestre
Divino não impede a existência de mestres humanos.

Entre as características da teoria de Tomás de Aquino está o realismo, que busca ar-
ticular a objetividade e a subjetividade na perspectiva de superar os dualismos. O ato
de entender se apresenta à experiência interna do ser humano como apreensão inte-
ligível do sensível. A abstração é um processo de apreensão do inteligível como ato
da inteligência. A conceituação é consequência do necessário experienciar do ato. O
ato de apreensão do inteligível no sensível se revela como intelecção, uma relação do
universal no particular (coisas singulares). Trata-se de uma profunda transformação na
conceituação tanto do papel da inteligência no conhecer quanto na reflexão como ato
segundo ante à realidade material da vida.

CURIOSIDADE
Tomás de Aquino produziu um texto sobre educação chamado De Magistro, como a obra de
Agostinho de Hipona. O de Aquino é parte da obra Quaestiones disputatae de veritate, no
qual o autor reflete sobre a verdade.

SAIBA MAIS
Na passagem Outras palavras, outras aulas, Gabriel Perissé aborda o papel do professor
da obra de Tomás de Aquino como o mediador, o agente que, pelo uso das palavras e

Filosofia da Educação 47
A razão e a consciência

da linguagem, pode levar o aluno às descobertas racionais. Aos mestres cabe conduzir o
aprendiz (aluno) a pensar por conta própria, a fazer descobertas, a chegar ao conhecido
partindo do desconhecido, a elaborar o raciocínio. Ou seja, o professor não cria ou “infunde
2 no aluno a luz da razão”, seu papel é outro: auxiliar e orientar.

PERISSÉ, G. Outras palavras, outras aulas. In: Introdução à filosofia da educação. São
Paulo: Autêntica, 2008, p. 63-65.

SAIBA MAIS
Em uma obra dedicada às aproximações entre Tomás de Aquino e Paulo Freire, Carlos Jo-
saphat traz uma reflexão acerca das semelhanças e das convergências entre os ideais da
educação (libertadora e humanista) e os processos do conhecimento para esses dois pensa-
dores, ainda que ambos pertençam a contextos histórico-sociais tão distintos.

Uma dessas convergências, aponta o autor, está na convicção comum aos dois pensadores
da educação, ou melhor, do conhecimento como o meio por excelência pelo qual as socieda-
des podem promover a justiça, a garantia de direitos fundamentais e a liberdade que, aliás,
foi considerada por Aquino e Freire um valor supremo, capaz de promover a emancipação
em sociedades e em organizações opressoras. Trata-se uma obra bastante interessante que
contribuirá para o aprofundamento das questões postas neste material didático.

JOSAPHAT, C. Tomás de Aquino e Paulo Freire: pioneiros da inteligência, mestres geniais


da educação nas viradas históricas. São Paulo: Paulus, 2016.

1.2 RACIONALISMO MODERNO


Como estudamos até aqui, os caminhos da razão, as formas de conhecimento, a rela-
ção entre conhecimento inato e sensorial e os ideais sobre a educação e sobre o pro-
cesso de educar foram decisivamente marcados, na Idade Média, pela filosofia Cristã.
Entre as características fundamentais da filosofia Medieval estava a tentativa de con-
ciliação entre razão e fé, entre filosofia e cristianismo e, portanto, esse contexto social
e histórico específico influenciou as questões que foram colocadas pelo pensamento
filosófico e os caminhos para as reflexões que delas surgiram.

Nesse momento, vamos dar um salto para a Idade Moderna, para as reflexões sobre
razão e conhecimento no período pós-renascentista – século XVII até meados do XVIII
–, no qual a ideia de homem como “sujeito do conhecimento e de consciência” ganha
centralidade no pensamento filosófico, bem como questões relacionadas à capacidade
e ao que podemos conhecer e de que forma podemos conhecer.

Para uma melhor contextualização, Chauí (2000, p. 55-57) apresenta alguns pontos
centrais da filosofia nesse período:
` A centralidade do sujeito do conhecimento: se a filosofia Medieval buscava conhecer,
primeiro, a natureza e Deus, na modernidade as reflexões se voltam para o homem,
para a capacidade do intelecto humano em conhecer e demonstrar as verdades do
conhecimento. Por isso o termo sujeito do conhecimento, no qual o conhecimento
volta-se para si mesmo, como “consciência que conhece sua capacidade de conhecer”
(CHAUÍ, 2000, p. 56).

48
` A caracterização do objeto do conhecimento: tudo o que é exterior pode se tornar objeto
do conhecimento, desde que consideradas as representações e que possam ser formula-
das pelo intelecto humano, como ideias, conceitos e teorias. Ou seja, é possível conhecer
a natureza, a sociedade e a política porque são inteligíveis, isto é, passíveis de conheci-
2
mento, e porque elas podem ser representadas pelo intelecto do homem.

Universidade São Francisco


` A apreensão da realidade como algo intrinsecamente racional, que pode, portanto, ser
apreendida pelas ideias e pelos conceitos. É dessa perspectiva que surge, por exemplo, a
ciência amoderna. Assim, se a realidade é racionalmente compreensível, se suas causas
e transformações podem ser conhecidas pelo homem, então, o homem pode dominar, por
meio da técnica e do conhecimento, a natureza e a sociedade. A razão humana passa a
ser tomada como a principal fonte de conhecimento.

Na história da filosofia, esse é o período do grande racionalismo clássico, um momento


no qual predomina uma visão otimista sobre a razão humana como o caminho que pos-
sibilita o conhecimento rigoroso, verdadeiro.

IMPORTANTE
Ao racionalismo ou inatismo se contrapõe o empirismo. Enquanto o primeiro define que a razão é
inata ao homem, que as ideias e as verdades já se encontram no espírito humano, o empirismo
afirma que nascemos como tábula rasa, como folha em branco e, portanto, a razão, as ideias
racionais e a verdade são adquiridas pelos homens por meio da experiência dos sentidos.

Nesse momento, já sabemos que tal embate é tão antigo quanto a própria filosofia. Vamos
dar um passo a mais relacionando cada um deles com os métodos próprios: dedutivo e
indutivo. Essa diferença é importante para compreender de que forma o conhecimento se
realiza e, atualmente, ganha novos contornos na área da educação.

Método dedutivo (racionalismo): o conhecimento é inato, a partir da razão: da nossa capaci-


dade racional damos sentido ao mundo exterior. Nessa perspectiva, pela dedução, partimos
do universal/geral para o particular.

Método indutivo (empirismo): o conhecimento se realiza a partir dos sentidos, da nossa re-
lação com as experiências. Aqui, o caminho se dá pela indução: primeiro, observamos, reco-
lhemos evidências empíricas para, então, generalizar. Ou seja, no método indutivo, partimos
do particular para o universal/geral.

Descartes: a dúvida como método


Figura 08. René Descartes As sementes do racionalismo já existiam historicamente
(1596-1650) desde a filosofia Antiga. Porém, foi o filósofo francês René
Descartes (1596-1650) o principal expoente dessa corrente
Fonte: 123RF.

e, por isso, é considerado um dos nomes fundadores da


filosofia Moderna. Descartes considerava que a razão era
o caminho para se alcançar verdades universais, uma vez
que os sentidos e o conhecimento sensorial fornecem ape-
nas ideias falhas e provisórias que levam ao erro. Assim, o
conhecimento do real e seguro é apreendido somente pelos
caminhos da razão que, a propósito, são parte do espírito
humano, isto é, inata.

Filosofia da Educação 49
A razão e a consciência

SAIBA MAIS
O filme italiano Cartesius, dirigido por Roberto Rossellini (1974) retrata, de modo ficcional, a
vida e o centro do pensamento de Descartes. Na trama, aparecem o esforço racionalista do
2
filósofo diante da fé e as tentativas de demonstrar como a razão é sustentável por si só. É
uma oportunidade para, por outros meios, entrar em contato com a filosofia cartesiana.

Há, ao menos, dois pontos essenciais da obra de Descartes que dialogam mais direta-
mente com o que estamos estudando aqui, isto é, as ideias sobre o conhecimento e a
razão e que são centrais ao racionalismo da filosofia Moderna: a centralidade do sujeito
do conhecimento e o método como uso correto da razão. Esses dois pontos partem – e
respondem – a uma dúvida essencial de Descartes: podemos confiar nos conhecimen-
tos e saberes produzidos pelo homem? Em outras palavras: o conhecimento humano
produz saberes verdadeiros e confiáveis?

SAIBA MAIS
O método cartesiano é a base da ciência moderna tradicional. Ele é composto por quatro
etapas:

01. Verificação: há evidências incontestáveis sobre o que se quer conhecer?

02. Análise: a partir do geral, divide-se em partes menores o objeto estudado.

03. Síntese: organização do objeto estudado partindo sempre do mais simples para o mais complexo.

04. Revisão: todas as conclusões devem ser revisadas continuamente até que se tenha a certeza de
que tudo foi contemplado.

Descartes parte, assim, da dúvida, central no sistema filosófico cartesiano elaborado por
ele. Você provavelmente já ouviu a frase “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), que é
a síntese do método cartesiano. Para chegar a ela, Descartes reflete sobre tudo o que
tinha aprendido até então, todos os saberes e conhecimentos que recebeu dos livros,
dos mestres e dos professores, das viagens, das relações com os outros, das experiên-
cias. Todos esses saberes são colocados em dúvida. Afinal, seriam eles verdadeiros?
Sua resposta é que apenas os saberes que possam ser comprovados racionalmente
são dignos de confiança (CHAUÍ, 2000, p. 115). Por isso, todos as ideias, opiniões e
fatos devem passar pelo crivo da dúvida, pois há apenas uma verdade indubitável:
Essa única verdade é: “Penso, logo existo”, pois, se eu duvidar de que estou
pensando, ainda estou pensando, visto que duvidar é uma maneira de pensar. A
consciência do pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável
que será o alicerce para todos os conhecimentos futuros. (CHAUÍ, 2000, p. 115).

A dúvida é, portanto, a única certeza que temos. Ao mesmo tempo, quando Descartes
afirma que a única verdade é “Penso, logo existo”, ele está indicando racionalmente a
centralidade do “pensar” e do sujeito pensante. Esse é o fundamento do sujeito carte-
siano: o ser dotado de consciência, centro do conhecimento racional, dotado da capa-
cidade de pensar e raciocinar. E tal capacidade é inata ao ser, isto é, para Descartes
nascemos com a capacidade de pensar; o conhecimento racional é, portanto, inato.

50
Figura 09. A dúvida como pressuposto para o
conhecimento

Universidade São Francisco


Fonte: 123RF.

IMPORTANTE
A conclusão de que a razão é inata, de que as capacidades para o pensamento nascem
conosco e de que esse é o caminho para o conhecimento verdadeiro é um dos vários pressu-
postos pelos quais Descartes passa para tentar provar, racionalmente, a existência de Deus.
Ele parte de uma ideia aparentemente simples: se existe em nossa ideia a existência de um
ser perfeito e eterno, a simples percepção dessa existência em nossa ideia permite concluir
que Ele existe (uma vez que a razão é inata).

Prosseguindo, pergunta Descartes: como podemos ter essa ideia perfeita sobre um ente
perfeito e eterno se nós, humanos, somos imperfeitos e mortais? A resposta é que justamen-
te esse ente é a causa da nossa ideia e que ele só pode ser Deus, visto que humanos são
imperfeitos. A razão é inata e, portanto, presente de Deus.

Pascal: a crítica racional à razão


Figura 10. Blaise Pascal Passamos, brevemente, por Blaise Pascal (1623-1662)
logo no início desta unidade quando falamos sobre a razão,
Fonte: 123RF.

suas origens e particularidades. Mencionamos a frase “O


coração tem razões que a própria razão desconhece”, para
exemplificar como a razão e o conhecimento racional são
caminhos específicos para explicar as causas e os sentidos
dos fenômenos e da realidade. Além disso, um dos aspec-
tos da filosofia é a reflexão sobre as faculdades e as habi-
lidades humanas para o conhecimento e de como, muitas
vezes, esse conhecimento é identificado com a razão.

A frase de Pascal corrobora, em grande medida, com essa perspectiva, mas ao mes-
mo tempo levanta a questão se a razão pode, efetivamente, conhecer tudo. Afinal, há
razões do coração que a razão desconhece. Tal posicionamento leva, ainda, à compre-
ensão do lugar da crítica da razão no pensamento de Pascal.

Descartes e Pascal têm em comum a dedicação à matemática, ambos eram literatos


e pensadores profundos. Diferente de Descartes, Pascal dedicou-se à experiência

Filosofia da Educação 51
A razão e a consciência

científica, aos procedimentos dedutivos e à engenharia, por exemplo, inventando


a primeira máquina de calcular. Se Descartes fazia experiências para demonstrar a
verdade racional, Pascal buscava a verdade da experiência.
2
A certeza do saber claro e distinto que advém da lógica matemática como uma certeza
intelectual está marcada pelas contradições do conhecimento humano, que não se limita
ao saber científico. Pascal distingue no conhecimento humano uma dimensão da razão e
espiritual, para a qual utiliza a metáfora do coração (coeur). Essa dimensão não exprime
algo irracional e emocional, mas o centro operativo mais íntimo do ser humano que perce-
be intuitivamente, conhece existencialmente e julga integralmente. Desse modo, tem uma
dinâmica racional que não se limita às certezas da razão analítica cartesiana.

Assim, se o conhecimento humano tem uma dimensão analítica matemática (esprit de gèo-
metric), também tem uma racionalidade derivada da experiência vivida, decorrente da au-
têntica angústia existencial (esprit de finesse). O fundamento último da certeza humana não
seria a própria autoconsciência, nem mesmo uma ideia qualquer de Deus, mas uma aposta
existencial de modo intuitivo e global, que abarca toda a experiência humana. Tal certeza
não é irracional, pois para Pascal, se é um erro confiar apenas na razão, outro erro seria
desprezar a razão. Perceber os limites da razão em conhecer a totalidade da vida humana
somente é possível pela própria capacidade racional. A aposta, em Pascal, é abandonar-se
em alguma coisa incerta, como escolha e decisão da pessoa integralmente.

Para isso, um dado importante de sua obra refere-se à impotência do homem, impo-
tência diante da grandeza do universo e de todos os seus mistérios, que pertencem à
ordem do Divino. O ser é, assim, muito pequeno frente a isso e não consegue, portanto,
alcançar o máximo da razão – que implicaria na compreensão plena e completa do Di-
vino; este é inalcançável à razão, afirma Pascal.

Pascal concebe, assim, a condição miserável humana, o contraditório da existência hu-


mana: somos envolvidos pela ideia do infinito, mas incapazes de compreender seu senti-
do, isto é, seu começo e fim; estamos no mundo submetidos à sorte e ao azar, às diversas
situações, às necessidades materiais, ao acaso, às vontades alheias. Ao mesmo tempo,
somos parte de um todo, o qual também não conseguimos apreender completamente.
Pascal defende que mesmo o menor dos seres – um inseto, por exemplo – ou dos objetos
contém em si infinitos que escapam à razão humana (PASCAL, 1999, p. 41-77). Ainda as-
sim, ele afirma que somos os únicos seres pensantes, racionais, que usam a imaginação
e que têm consciência da morte (PASCAL, 1999, p. 125). Isso é uma profunda grandeza.
A condição humana é marcada pela miséria e pela grandeza, ao mesmo tempo, de forma
dialética. Pascal destaca que “o supremo passo da razão está em reconhecer que há
uma infinidade de coisas que a ultrapassam” (1999, p. 55). Desse modo, em um esforço
filosófico, ele faz uma reflexão racional sobre a razão e seus limites.

SAIBA MAIS
É importante ter em mente que a postura teórica de Pascal não nega a importância da
racionalidade, mas se utiliza dela para explicar os limites da razão. Sobre isso, confira o texto
a seguir, que apresenta as ideias gerais do filósofo de forma bastante clara.

52
OLIVA, L. C. A condição humana segundo Pascal. Revista Cult. São Paulo, [s. d.]. Disponível
em: https://revistacult.uol.com.br/home/a-condicao-humana-segundo-pascal/. Acesso em: 15
jan. 2022.
2
2. O ILUMINISMO

Universidade São Francisco


Figura 11. A liberdade guiando o povo O iluminismo ou esclarecimento (meados do sé-
(1830), de Eugène Delacroix culo XVIII até o início do XIX) é conhecido como

Fonte: 123RF.
século das luzes e, aqui, a ideia de luzes se re-
laciona diretamente com os princípios da razão.
Esse é um período que se sucede à consolida-
ção da filosofia Moderna e que confia na razão
como o caminho seguro e válido – quando não
único – para o conhecimento, e para a organiza-
ção da vida coletiva.

O movimento iluminista revolucionou o pensa-


mento europeu e a organização da vida social e
coletiva nas mais diferentes esferas: na política
com os ideais dos direitos dos homens e da liberdade individual – influência fundamen-
tal na Revolução Francesa (1789) e na criação do Estado Moderno contra o autoritaris-
mo da monarquia e o poder da Igreja; na economia com as reflexões sobre os modos
de produção e as origens da riqueza das nações; no ideal de conhecimento como um
todo delegando à ciência, à técnica, às artes e à educação os espaços por excelência
para libertar o homem dos medos, das superstições, dos preconceitos e como caminho
necessário para o progresso.

Essas e outras transformações tinham como pressuposto a razão e a confiança na ca-


pacidade racional que todo ser humano carrega. É um período que consolida, portanto,
a ideia de que todo homem tem racionalidade e capacidade para aprender, criar e aper-
feiçoar conhecimento. À Filosofia, à ciência e à educação caberia prover aos homens
seu desenvolvimento e, como consequência, o progresso rumo à civilização.

IMPORTANTE
O iluminismo reforça a noção de separação entre natureza e civilização – civilização é en-
tendida aqui como uma etapa de progresso da humanidade que iria das sociedades mais
primitivas e selvagens, consideradas inferiores, até as mais desenvolvidas e perfeitas, em
particular, sociedades europeias. Mais adiante, a ciência antropológica e a própria filoso-
fia, entre outras áreas do conhecimento, vão refutar essa ideia. O que nos interessa nesse
momento é compreender como a razão e o conhecimento racional foram valorizados nesse
período e o lugar que ocuparam como conhecimento verdadeiro e seguro.

Assim, a natureza seria o lugar das coisas imutáveis, das leis naturais e universais. A civili-
zação, por sua vez, seria o reino do agir humano, das liberdades e das vontades individuais,
resultados do desenvolvimento técnico, científico, político, artístico e moral, que seriam mais
“avançados” quanto mais resultassem do uso da razão e da racionalidade.

Filosofia da Educação 53
A razão e a consciência

Como temos visto até aqui, as ideias sobre a racionalidade e a natureza humana, sobre
a capacidade e a autonomia racional do indivíduo foram temas do pensamento filosó-
fico em diferentes momentos, mas que nesse período da modernidade e do projeto
2 iluminista têm seus sentidos modificados; são categorias pensadas a partir de outras
referências e com outros significados. A organização social e política cada vez mais se
distancia do modelo feudal e cristão, e a realidade da vida coletiva passa a ser pensada
como autônoma, condicionada histórica e socialmente e que impõe regras e leis. Assim:
“a legitimação da existência não se sustenta apenas na conformação à lei interior do
espírito, mas também necessariamente num acordo com a lei exterior estabelecida,
autonomamente, pela sociedade” (SEVERINO, 2006, p. 625-626).

Na filosofia, e procurando nos aproximar da filosofia da Educação que nos interessa


mais diretamente aqui, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-
1804) foram duas das principais referências do projeto iluminista, e suas reflexões se
dirigiram, entre outras coisas, ao processo da formação humana, em particular, a um
projeto de educação e pedagogia que considerassem o homem como um ser essen-
cialmente social, que se realiza em sociedade e cuja existência se dá em realidades
concretas, históricas e específicas. Para além disso, a razão e a racionalidade humanas
teriam como finalidade, por meio da educação e da formação, conduzir esse homem à
maioridade, isto é, à sua constituição como sujeito livre e autônomo.

SAIBA MAIS
O oposto à maioridade é a minoridade, dois termos que foram elaborados por Kant em suas
reflexões sobre a autonomia e liberdade individual, alguns dos temas centrais do iluminismo.
Em linha gerais, o filósofo alemão afirma que quando o homem toma consciência da sua
razão e da sua capacidade racional, ele abandona sua menoridade (pela qual ele mesmo é
o responsável), pois ao tomar tal consciência, reconhece-se como um ser ativo, com capa-
cidade para ação e para seguir a lei moral tornando-se, assim, um sujeito autônomo: “Tenha
coragem de te servir de teu próprio entendimento”, afirma Kant (1974, p. 7, grifo nosso).

Essa é uma passagem importante para compreendermos a obra kantiana, pois em sua pers-
pectiva, o homem não nasce como um ser moral, ou seja, não é bom nem mal por natureza;
mas, ao contrário, sua consciência moral se faz a partir do uso da razão e também da educa-
ção. Assim, ele defende que “o homem não pode se tornar verdadeiramente homem senão
pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz” (KANT, 2002, p. 15).

Outro ponto importante diz respeito à própria noção de moral: para Kant, diferentemente dos
filósofos da Idade Média, a moral e o dever não se vinculam à religião, não dependem dela
nem devem ser seguidos segundo os designíos de um ente superior. Uma vez que Kant
considera a razão o principal agente do conhecimento, é por meio dela que o homem é ca-
paz de distinguir e emitir juízos. Ao se fundamentar na razão, a educação leva o indivíduo à
formação do seu caráter moral.

É característico da filosofia nesse momento a concepção do indivíduo como parte de um


todo, integrante de um meio social. As reflexões nesse período consideram, assim, que
a educação e a formação humana deveriam conduzir o homem à liberdade, à autonomia
e à consciência moral, reconhecendo, como consequência, sua individualidade. Por
outro lado, ainda que tais dimensões pertençam ao indivíduo, elas apenas ganhariam

54
consistência na integração desse indivíduo à estrutura social, ou seja, à ordem coletiva.
Desse modo:
A educação prática ou moral (chama-se prático tudo que se refere à liber-
dade) é aquela que diz respeito à construção (cultura) do homem, para que 2
possa viver como ser livre. Esta última é a educação que tem em vista a

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personalidade, educação de um ser livre, o qual pode bastar-se a si mesmo,
constitui-se membro da sociedade e ter por si mesmo um valor intrín-
seco. (KANT, 2002, p. 36, grifo nosso).

Figura 12. A individualidade e o


coletivo

Fonte: 123RF.
SAIBA MAIS
Podemos relacionar essas ideias com a obra de Rousseau, ainda que existam diferenças
fundamentais entre ele e Kant. Rousseau enfatiza a relação entre o indivíduo e o elemento
social partindo, entretanto, do que ele chama de estado de natureza. Para ele, o homem é
naturalmente bom, ou seja, em seu estado natural, ele age de forma livre e justa, mas ao ser
inserido na sociedade, o homem é por ela corrompido. É na vida em sociedade que se origina
a desigualdade entre os homens, um dos mais graves males reconhecidos por Rousseau.
É desse princípio que Rousseau se pergunta como é possível preservar a liberdade – que é
natural do homem – e garantir, ao mesmo tempo, a vida em sociedade? A resposta está na
própria sociedade desde que, por meio de um novo pacto social, reconstruam-se as bases
da igualdade, liberdade e comunidade que eram próprias do homem em seu estado de na-
tureza. Essas possibilidades para que o homem se torne efetivamente bom apenas podem
existir em uma sociedade racional na qual a educação seja coerente com tais princípios e
que possibilite a formação “pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo, a si
mesmo, permanecendo livre” (ROUSSEAU, 1999, p. 71, grifo nosso).

Esses referenciais iluministas – das liberdades individuais, da igualdade, da reorganização


dos modos coletivos de vida (mais racionais e laicos) – influenciam decisivamente os ca-
minhos das sociedades ocidentais. No que diz respeito ao conhecimento e à educação, a
ideia central de uma formação humana que possibilite a autonomia e a liberdade individual
torna-se um dos pressupostos fundamentais das reflexões educacionais que se seguiram.

SAIBA MAIS
Você pode aprofundar as ideias apresentadas aqui a partir das leituras indicadas a seguir.
Elas são representativas do iluminismo e referências fundamentais no modelo de educação
racional e laica que se consolidou a partir de então, na formação de correntes e paradigmas

Filosofia da Educação 55
A razão e a consciência

pedagógicos, além das reflexões sobre a finalidade da escola e da educação escolar para
a formação da autonomia do indivíduo, e também para a vida coletiva. É desse período que
nasce a ideia da educação como um caminho para a formação da cidadania.
2
KANT, I. Sobre a pedagogia. 3. ed. Piracicaba: Unimep, 2002.

Nessa obra, Kant apresenta suas reflexões sobre a educação como um projeto voltado à for-
mação do caráter moral do indivíduo, assim como para a liberdade. Nela, o autor reflete sobre
o processo de educação como um projeto que se dá ao longo da vida, que é contínuo e denso.

ROUSSEAU, J-J. Emílio ou da educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

É o grande tratado sobre educação de Rousseau. Nesse texto, o filósofo francês apresenta sua
concepção da educação voltada para a liberdade tomando como pressuposto as noções do
homem no estado de natureza e na sociedade. É também aqui que encontramos as primeiras
noções positivas sobre a infância, como um período particular da formação humana. Essa ideia
rompe com a configuração anterior sobre a infância, por exemplo, em Descartes, para quem
essa etapa deveria ser rapidamente superada para que o adulto pudesse nascer. Diferente-
mente, Rousseau apresenta uma concepção na qual a infância é considerada é um período
particular da formação humana, mais próxima ao estado de natureza (estado ideal) e diferente
da fase adulta, e na qual um conjunto de disposições naturais e faculdades se manifestam.

Ambas são obras fundamentais para a formação do educador e para uma boa compreensão
das influências do pensamento iluminista.

3. A CONSCIÊNCIA HUMANA
Figura 13. Ser humano: dotado de Temos visto que o pressuposto da filosofia, sua
razão e de consciência ideia originária está na confiança da capacidade ra-
cional do homem, na sua aptidão para o pensamen-
Fonte: 123RF.

to e o conhecimento tanto sobre si mesmo quanto


sobre a realidade que o cerca. A reflexão filosófica e
racional “é a consciência conhecendo-se a si mes-
ma, como capacidade para conhecer as coisas, al-
cançando o conceito ou a essência delas” (CHAUÍ,
2000, p. 45). O homem é, assim, tomado como um
sujeito do conhecimento, cuja consciência conhece,
sabe da sua capacidade de conhecer.

A “ideia” da consciência perpassa, portanto, por


diferentes tradições filosóficas: Agostinho defende
que temos consciência moral; Pascal, por sua vez,
afirma que a razão é a consciência moral e intelec-
tual; Descartes destaca: “Penso, logo existo”, a consciência do pensamento, isto é, saber/
conhecer/reconhecer que pensamos aparece como a primeira verdade e base para todos
os conhecimentos futuros; Kant, por sua vez, afirma que não nascemos com consciência
moral, que ela não é inata, mas que se forma a partir da educação e do esclarecimento;
e assim se segue por outras reflexões e correntes filosóficas.

56
Afinal, o que é a consciência? Chauí oferece algumas considerações e fundamentos im-
portantes sobre a consciência humana e seu significado. Ela afirma que consciência é
a capacidade humana para conhecer, para saber que conhece e para saber
o que sabe que conhecer. A consciência é um conhecimento (das coisas e 2
de si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão). (CHAUÍ, 2000,

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p. 147).

Desse modo, a capacidade de conhecer e o saber sobre essa capacidade caracteri-


zam, de modo geral, a consciência humana. É possível também identificarmos, de acor-
do com Chauí (2000, p. 147-149), dimensões distintas da consciência e modos distintos
pelas quais ela se manifesta. São elas:
` Dimensão psicológica: o eu. É uma dimensão subjetiva, individual, formada pelas vivên-
cias, pelas memórias, pela imaginação que cada pessoa experimenta em sua vida. Por
isso, essa dimensão da consciência é uma maneira única, própria de cada um lidar com
o mundo interior e exterior: diz respeito aos medos, estados de felicidade, lembranças,
opiniões, desejos, dores etc. que cada ser carrega.

` Dimensão ética e moral: é a pessoa. Esta se relaciona à liberdade e à razão. São as


decisões, o agir, o reconhecimento de deveres e direitos, a defesa ou a oposição racional
quanto aos valores do meio social em que vive. Fundamenta-se, portanto, nas noções
de responsabilidade e de liberdade, pois implica na liberdade de agir e de pensar e, ao
mesmo tempo, das liberdades e dos direitos alheios.

` Dimensão política: é o cidadão: resulta da forma como o indivíduo está situado e se


relaciona com seu meio social, com o reconhecimento e pertencimento a uma determi-
nada classe ou grupo, com a defesa dos interesses específicos da posição do seu grupo
ou classe social, mas relacionando-se sempre com a esfera pública, com as leis, com o
poder. Tanto a dimensão política quanto a moral formam-se a partir da relação do eu (in-
dividual/subjetiva) com o meio social em que está inserido (coletivo), sua cultura, conjunto
de regras e normas, leis e valores, direitos e deveres etc.

A consciência humana é, ainda, objeto de estudo da teoria do conhecimento. Isto é,


aqui a consciência é a capacidade ou a atividade do pensar, do refletir, da análise, da
síntese, da representação, enfim, é uma dimensão da atividade intelectual e teórica. A
consciência, nesse caso, é o sujeito do conhecimento, sujeito capaz de interpretar, ex-
plicar e relacionar a realidade com as outras dimensões (psíquica, moral e política) que
vivencia. É, assim, o sujeito pensante que, apoiado em métodos e teoria, busca pelo
conhecimento verdadeiro das coisas.

Diferentemente da dimensão psíquica, o sujeito do conhecimento não resulta ou se fun-


damenta na vivência individual, na consciência do eu. Ao contrário, no sujeito do conheci-
mento a consciência se volta para a universalidade, isto é, para o conhecimento que é vá-
lido para todos, que é universal independentemente da vontade e dos gostos individuais.

EXEMPLO
Por exemplo, talvez você goste de matemática, talvez a odeie ou talvez seja indiferente.
Qualquer uma dessas posições, entretanto, não tira a validade dos conhecimentos matemá-
ticos, pois seus conceitos e procedimentos não dependem e não são afetados pela vontade

Filosofia da Educação 57
A razão e a consciência

ou gosto individual. Pedro e Maria podem discordar sobre a origem do universo; ainda assim,
as opiniões individuais de cada um deles não afeta o conhecimento da física, por exemplo,
sobre a origem da universo. Um grupo de pessoas pode duvidar da eficácia de uma vacina;
2 ainda assim, tais opiniões não invalidam o conhecimento e as pesquisas sobre sua eficácia.

No sujeito do conhecimento, a consciência é aquela capaz de identificar, explicar e repre-


sentar os fenômenos e a realidade por meio dos métodos, dos conceitos, da síntese, dos
procedimentos e da teoria, de forma que eles sejam universalmente válidos, para todos, em
qualquer tempo ou lugar.

Em resumo: “Eu, pessoa, cidadão e sujeito constituem a consciência como subjeti-


vidade ativa, sede da razão e do pensamento, capaz de identidade consigo mesma,
virtude, direitos e verdade” (CHAUÍ, 2000, p. 148).

IMPORTANTE
A consciência está ativa e reflexiva quando reconhece a existência e as diferenças dessas
quatro modalidades da nossa consciência: eu, pessoa, cidadão e sujeito. Esse modo se dife-
re de dois outros estados de consciência:

Passiva: quando, por exemplo, acordamos ou voltamos de uma anestesia, ou nos encon-
tramos em um estado de devaneio, sem a percepção plena do que acontece a nossa volta.

Vívida, mas não reflexiva: quando o eu prevalece e não conseguimos relacioná-lo com a rea-
lidade e com os outros. São os estados nos quais as emoções ou os sentimentos prevalecem
sobre a razão: amor, ódio, raiva, alegria, tristeza etc.

SAIBA MAIS
Com o desenvolvimento científico, o surgimento da psicanálise, da neurociência, dos diver-
sos métodos investigativos sobre a ação e os estados da nossa consciência e a própria refle-
xão filosófica, novas questões têm sido colocadas na era mais contemporânea. Por exemplo,
qual o estágio de consciência reflexiva em uma criança ou em um idoso? Será que a consci-
ência é um atributo exclusivamente humano? Qual é a relação da consciência e as atividades
neuronais?

Não há respostas definitivas sobre tais questões, uma vez que esta é uma área em plena
expansão. Porém, há indícios interessantes que têm colocado novas questões filosóficas e
éticas. Por exemplo: se reconhecermos que há alguma consciência nos animais não
humanos, como fica a questão do sofrimento para esses animais?

Leia a reportagem indicada a seguir, que relata alguns estudos que têm colocado novas
questões sobre a consciência para o pensamento humano.

SAMPEDRO, J. Os animais têm consciência do seu sofrimento? El País, [s. I.], 27 jan. 2019.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/26/ciencia/1548516480_501246.html.
Acesso em: 17 jan. 2022.

58
4. A CRISE DA RAZÃO
Podem a razão e a consciência do sujeito do conhecimento conhecerem tudo, alcan-
çarem a verdade de tudo? É certo que questões como essas são parte da tradição filo- 2
sófica. A perspectiva platônica, por exemplo, afirmava que uma consciência racional, a
prevalência das ideias e da razão sobre os sentimentos e as emoções promoveria uma

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sociedade mais justa. Para o Cristianismo e a filosofia cristã da Idade Média, nosso in-
telecto poderia nos levar ao erro e ao falso, uma vez que nossa vontade é maior do que
o pensamento, fato que origina, segundo essa perspectiva, o pecado original.

Com o surgimento da ciência moderna, a razão se torna preponderante como caminho


para o conhecimento verdadeiro. A partir do Grande Racionalismo Clássico prevalece
a ideia de que pela razão, pela verdade científica poderia se chegar ao verdadeiro
conhecimento objetivo, promover a união entre natureza e homem, criar as condições
para ordens sociais mais justas, iguais e livres. Pelo exame da nossa consciência, pelo
que podemos conhecer, seria possível razão e intelecto controlarem nossa vontade e
promover, como consequência, um conhecimento verdadeiro.

No século XX, entretanto, a filosofia e outras áreas do conhecimento (como a psicaná-


lise) colocam em suspensão a razão como único e verdadeiro caminho para o conhe-
cimento; falamos, então, na crise da razão. Esse tema que ganha destaque nas refle-
xões nesse período já havia sido pontuado por Kant quando este afirma que a Filosofia
atribuiu para si uma tarefa irrealizável, qual seja, a de que a razão e o conhecimento
racional poderiam apreender a totalidade das coisas, de tudo o que existe.

No entanto, o final do século XIX e o subsequente colocam novas questões sobre o assun-
to. Na biologia, a Teoria da Evolução, de Darwin (sobre a origem das espécies, publicado
em 1859), coloca em xeque a pretensa superioridade ou centralidade humana ao afirmar
que homens e símios têm uma mesma origem na natureza. O processo de evolução, se-
gundo essa teoria, seria o resultado da seleção natural dos mais aptos à sobrevivência.

Em paralelo, uma constatação se torna


Figura 14. A teoria da evolução, de Darwin
bastante evidente: a de que o progresso
Fonte: 123RF.

técnico, científico e material não levou,


necessariamente, ao progresso moral da
humanidade. Tal ideia foi profundamente
tratada pelos filósofos da chamada Es-
cola de Frankfurt, em especial Theodor
Adorno, Max Horkheimer e Herbert Mar-
cuse. De suas reflexões surge a noção de
razão instrumental: o uso da razão e da
ciência não para o maior acesso ao co-
nhecimento, mas sim como forma de dominação e de opressão.

Assim, observam os pensadores, o conhecimento racional e científico não promoveu


maior igualdade e liberdade, mas foi usado como técnica para maior concentração
de capital e poder, como recursos de guerra entre nações e, sobretudo, foi pelo uso
de recursos racionais, da ciência e da tecnologia que eventos dramáticos, extremos e

Filosofia da Educação 59
A razão e a consciência

cruéis como o fascismo e o nazismo se realizaram. O conhecimento advindo da razão e


da ciência, dessa forma, foram instrumentos de dominação, controle e repressão.

2 SAIBA MAIS

A crítica à razão instrumental perpassa pelas reflexões de parte dos autores da escola de Frank-
furt como um todo. Max Horkheimer dedicou uma obra específica à crise da razão, chamada
Eclipse da razão, na qual ele descreve diferentes “tipos” de razão, entre elas, a instrumental.

De modo geral, a razão instrumental pode ser definida como a operacionalização da razão para
atingir um determinado fim, isto é, o planejamento e a utilização dos meios racionais para se chegar
a uma determinada finalidade que, segundo o autor, volta-se para a dominação sobre o ser hu-
mano, sobre a natureza e sobre o próprio indivíduo. A razão instrumental torna-se hegemônica no
desenvolvimento das sociedades capitalistas burguesas nas quais as ações, os comportamentos,
a moral e os ideais, por exemplo, tornam-se dependentes de interesses externos à razão objetiva
como os interesses econômicos e ideológicos. O próprio conhecimento científico torna-se perme-
ado por esse tipo de razão quando sua finalidade se volta para as formas de controle, domínio e
opressão: pense, por exemplo, nos gases tóxicos – criados pela ciência – como armas de guerra.

Juntamente com Adorno, Horkheimer afirma que o predomínio da razão instrumental é uma
consequência do iluminismo que estimulou seu desenvolvimento como forma de progresso
sem considerar seu elemento regressivo, isto é, o caráter dominador. Assim, o indivíduo que
tudo tenta controlar acaba sendo controlado.
HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Tradução de Carlos Henrique Pissardo. São Paulo:
Editora da UNESP, 2015.

Há, ainda, outro fator fundamental para pensarmos a crise da razão: o surgimento da
Psicanálise, em particular, a partir das teorias e obras de Sigmund Freud e, nesse pon-
to, é importante relembrarmos o que estudamos sobre a consciência, no tópico anterior.
Freud afirma que, além da consciência, há o inconsciente que se sobrepõe ao nosso
estado consciente, o governa.
Figura 15. O inconsciente humano Freud defende que o ser humano, ao longo
da história, conservou a ilusão de que pode
Fonte: 123RF.

controlar tudo: o que pensa, o que deseja,


o que sente, o que diz, o que faz, o que
deixa de fazer, o que deixa de dizer, pois
acredita que tudo isso estaria sob o con-
trole da consciência. A teoria freudiana – e
a psicanálise – entretanto, afirmam, o con-
trário. É o inconsciente, aquilo que está no
interior da alma e da mente humana e que
se conserva sempre inconsciente, que atua
como uma força invisível sobre a consciên-
cia sem que ela perceba (CHAUÍ, 2000, p. 63-65). A função da psicanálise é, justamen-
te, revelar o que o inconsciente esconde, a forma como ele opera.

O poder do inconsciente, continua Freud, é psíquico e social e exerce controle e poder


sobre nossa consciência. Assim, não somos senhores da nossa própria consciência;

60
a perspectiva de Freud sobre a mente humana e sobre o inconsciente promove uma
ruptura com a tradição cartesiana racionalista da mente humana, revelando um estado
da ação e do ser que não é captado pela razão.
2
SAIBA MAIS

Universidade São Francisco


Assista ao vídeo a seguir, um pequeno trecho de uma fala do neurocientista e educador
Guilherme Brockington, em que o pesquisador reflete sobre razão, emoção e aprendizagem.
Você pode ainda fazer um exercício relacionando a fala de Brockington com o que temos
visto até aqui e com os próprios paradigmas da educação que se consolidam em paralelo às
reflexões sobre a razão.

SER racional ou ser emocional? O que é melhor? | Guilherme Brockington. 23 jan. 2018. 1
vídeo (3min 7s). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=sW62H2fmoyE. Acesso em: 17 jan. 2022.

5. O “MENTALISMO” NA EDUCAÇÃO: EDUCAR A MENTE


Estudamos até aqui algumas das concepções de razão e consciência, de saberes inatos
e empíricos e de como essas ideias influenciaram e foram influenciadas por contextos e
correntes específicos que indicavam, ao mesmo tempo, um ideal de formação humana
e de compreensão dos processos de conhecimento e, consequentemente, de educação.
De certo modo, a compreensão sobre a mente humana é um dos campos que se relacio-
na com parte dessas concepções. Um pressuposto que permeou a Filosofia desde suas
origens é aquele que busca compreender a relação corpo-mente, isto é, a relação que
existe entre essas duas dimensões – o corpo material/físico e a mente, imaterial/não-físi-
ca – os modos de agir da mente, a formação da consciência, a natureza e as funções da
mente humana, sua relação com pensamentos e emoções, os estados mentais.

Esse ramo da filosofia – a filosofia da mente – e as questões relativas ao corpo-mente


foram analisadas especialmente, mas não exclusivamente, pela corrente do dualismo
que considera que mente e corpo são dimensões distintas, entidades diferentes.

Figura 16. Ser: mente e corpo Essa divisão já estava presente em Platão,
que separava o mundo das ideias do mun-
Fonte: 123RF.

do sensível. Na filosofia platônica, o mundo


sensível que apreendemos pelos sentidos
oferece um conhecimento passageiro, ilu-
sório, que não condiz com a verdade, ao
passo que o mundo das ideias, este sim
perfeito, imutável e eterno, pode conduzir
o homem ao verdadeiro conhecimento. As-
sim, a educação ideal seria a educação da
mente, pois a mente é a realidade que se
encontra aprisionada pelo corpo.

Desse modo, quanto mais o homem se dirige ao mundo das ideias, da mente, da con-
templação, mais próximo de seu destino ele se encontra, mais apto a contemplar a

Filosofia da Educação 61
A razão e a consciência

verdade, a beleza e a justiça ele está. Por isso, Platão afirma que, sendo os filósofos
aqueles que lidam com o mundo da contemplação e das ideias, seriam também eles
os melhores e mais aptos governantes. Nessa perspectiva, a sociedade é dividida em
2 três extratos: os que alcançam o estágio da razão (mais elevados); os que alcançam
os estágios da coragem e da generosidade (estágio intermediário – são aqueles que
garantem a defesa da cidade) e, por fim, no mais baixo estágio, aqueles responsáveis
pelo trabalho e tarefas manuais.

Retomamos a filosofia platônica porque ela influenciou os ideais sobre a educação nos
séculos seguintes, a saber a prioridade do aspecto intelectual, ligado à razão e ao pen-
samento sobre outros modos de saber como os sensíveis/empíricos.

Na filosofia moderna, Descartes retoma o dualismo platônico ao estabelecer uma distinção


nítida entre a realidade espiritual e a realidade material e ao propor que o olho da mente é
mais preciso e verdadeiro do que os olhos dos sentidos (lembre-se que, para Descartes, a
alma possui faculdades e conhecimento inatos; pela vontade e pelo uso da razão, o homem
acessaria tais conhecimentos). Mas há em sua obra uma tentativa de conciliação ao afirmar
que, apesar de instâncias distintas, há uma conexão entre mente e corpo.

É possível reconhecermos essas influências do dualismo mente-corpo e da superioridade


da mente sobre o corpo nos modelos de educação e escola que prevaleceram durante
séculos: a superioridade da educação intelectual sobre a técnica, no treino da disciplina
e da vontade; na distinção entre os estudos literários e a educação prática e técnica. Ou
seja, consolidou-se um modelo no qual a educação intelectual ocupa o topo da hierarquia,
enquanto saberes práticos/técnicos são considerados conhecimentos menos elevados.

Ainda que esse modelo de educação prevaleça, de algum modo, até mais recentemen-
te, a dualidade platônica entre corpo/alma ou a concepção cartesiana sobre o homem
se deparam com novas perspectivas que consideram, por exemplo, a influência do meio
social sobre o ser e sua consciência, como a teoria positivista; as análises materialistas
da história e a função da ideologia como nos estudos marxistas ou, ainda, as novas de
compreensão sobre o funcionamento do cérebro, as formas de aprendizagem, modos
distintos de inteligência, entre outros, temas trazidos pelo desenvolvimento da neuroci-
ência e que, claro, impõem novas questões e olhares da filosofia.

SAIBA MAIS
Em um artigo publicado em 1959, Anísio Teixeira apresenta uma crítica às consequências
do dualismo para a educação e também para uma concepção desigual dos indivíduos na
sociedade, a partir da prevalência da noção da mente sobre o corpo.

TEIXEIRA, A. S. Filosofia e educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de


Janeiro, vol. 32, n. 75, jul./set. 1959. p.14-27. Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.
br/artigos/filosofia.html. Acesso em: 19 jan. 2022.

CONCLUSÃO
A proposta dessa unidade foi estudar o percurso da razão e da consciência pela história
da filosofia, apresentando suas principais características e concepções. Estudamos que

62
a construção do pensamento filosófico é um constante diálogo entre os filósofos, entre
perspectivas e o que cada época define como ideal de formação humana, de constru-
ção do homem e de sua consciência.
2
A história da razão e da própria consciência passam, assim, por fases distintas, que
transformam noções, conceitos, teorias e o próprio sentido – ou entendimento – dessas

Universidade São Francisco


duas categorias. Isso não significa, entretanto, que concepções anteriores são substi-
tuíveis ou perdem sua validade. O fundamental é compreender que, em cada contexto
histórico, há paradigmas explicativos que dialogam com os fenômenos e com o conhe-
cimento existentes em tais contextos. Por isso, na Grécia Antiga, na Europa Medieval,
no Iluminismo, na modernidade ou na sociedade contemporânea há formas diferentes
de racionalidade e da razão.

O fundamental é procurarmos no conhecimento filosófico, assim como em outras áreas,


instrumentos que nos permitam compreender melhor e mais profundamente nossa pró-
pria realidade. Ao pensarmos em nosso contexto, podemos nos perguntar: que homem
e que educação queremos formar?

Filosofia da Educação 63
A razão e a consciência

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGOSTINHO, S. De Magistro. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
2
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CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

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JOSAPHAT, C. Tomás de Aquino e Paulo Freire: pioneiros da inteligência, mestres geniais da educação nas
viradas históricas. São Paulo: Paulus, 2016.

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OLIVA, L. C. A condição humana segundo Pascal. Revista Cult. São Paulo, [s. d.]. Disponível em: https://
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SAMPEDRO, J. Os animais têm consciência do seu sofrimento? El País, [s. I.], 27 jan. 2019. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/26/ciencia/1548516480_501246.html. Acesso em: 17 jan. 2022.

SER racional ou ser emocional? O que é melhor? | Guilherme Brockington. 23 jan. 2018. 1 vídeo (3min
7s). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sW62H2fmoyE.
Acesso em: 17 jan. 2022.

64
SEVERINO, A. J. A busca do sentido da formação humana: tarefa da Filosofia da Educação. Educação e
Pesquisa, São Paulo, vol. 32, n. 3, p. 619-634, set./dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/
rhVxLn4XhLWjYJKXB7grswG/?lang=pt#. Acesso em: 4 jan. 2022.
2
TEIXEIRA, A. S. Filosofia e educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, vol. 32,

Universidade São Francisco


n. 75, jul./set. 1959. p. 14-27. Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/filosofia.html. Acesso
em: 19 jan. 2022.

Filosofia da Educação 65
Temas Filosóficos da Educação

UNIDADE 3

TEMAS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO


3

INTRODUÇÃO
Nessa unidade vamos estudar alguns elementos e temas que têm sido objeto de refle-
xão da filosofia da educação (mas não apenas dela) e que dialogam com importantes
e profundas transformações que marcam os séculos XX e XXI. No século passado, o
mundo foi abalado pelas crises econômicas e pela desigualdade social, crise do estado
de bem-estar social, as duas grandes Guerras Mundiais que arrasaram com sociedades
inteiras e mostraram ao mundo ações bárbaras e cruéis que se realizaram com a ajuda
do conhecimento racional técnico-científico; a ciência foi usada como arma de guerra.

Vivenciamos o avanço das tecnologias digitais de comunicação e de informação que


transformaram as relações econômicas, sociais, culturais e políticas, caracterizando
nossa era como a sociedade da informação/comunicação, contexto de valorização eco-
nômica do conhecimento que, assim como a cultura e a educação, é incorporado ao
sistema capitalista e que se transforma em mercadorias.

Em paralelo a todas a essas mudanças, as reflexões sobre o papel da escola e da


educação na formação humana em meio à consolidação de diferentes correntes peda-
gógicas, o questionamento do conhecimento racional-científico como único válido e o
avanço das políticas neoliberais por toda a sociedade, inclusive, sobre a educação. São
temas que, a princípio, podem parecer desconexos, mas um olhar mais atento aponta
para o que os une: a constante – e urgente – necessidade da reflexão sobre a educação
no mundo contemporâneo.

Começamos nossos estudos analisando algumas abordagens alternativas sobre a edu-


cação e a aprendizagem que se destacam no século XX e atualmente se contrapõem à
hegemonia da polarização entre corpo e mente.

1. CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DE EDUCAÇÃO


Sabemos que toda sociedade reflete um ideal ou um projeto de educação do que con-
sidera a finalidade e os objetivos da formação educacional. As sociedades modernas e
contemporâneas, em essência marcadas pela complexidade das relações e da produ-
ção, nascem atreladas ao princípio da superioridade da razão, de um certo tipo de razão
e racionalidade (técnico-científica/instrumental) como caminho para o conhecimento e
para a verdade.

66
É certo que essa noção primeira influencia de modo decisivo a forma como a educação,
em particular a escolar, consolida-se: currículos fundamentados em disciplinas propos-
tas para que o aluno apreenda determinadas habilidades (geralmente voltadas mais
à formação para o mercado de trabalho do que propriamente à formação humana), 3
superioridade do intelecto e do conhecimento intelectual sobre outras formas de conhe-

Universidade São Francisco


cimento, raciocínio lógico, determinados métodos de avaliação de aprendizagem (que
durante muito tempo foram mais reprodutores do que reflexivos), padronização dos
métodos e conteúdos a serem utilizados e ensinados etc.

Esse quadro geral reflete uma determinada concepção filosófica do ideal de conheci-
mento e da formação humana que caracterizam a nossa época. Ao mesmo tempo, é
certo que tal perspectiva, mesmo que hegemônica, não é única, concorre com diferen-
tes outras abordagens e concepções filosóficas. Vamos, nesse momento, tratar de algu-
mas dessas correntes que fundamentam, entre outros pontos, concepções particulares
de educação e formação, sobretudo, infantil.

1.1 ANTROPOSOFIA E A PEDAGOGIA WALDORF


A antroposofia, do grego: anthropos + sofia, que pode ser traduzido como conhecimento
do ser ou sabedoria do homem, é uma concepção baseada nas ideias do filósofo aus-
tríaco Rudolf Steiner (1861-1925), para quem o ser humano é um ser integral, acima
ou além da dimensão material.

Dadas as várias dimensões do homem, cada


Figura 01. Concepção integral do ser humano
ser humano é único, diferente de todos os de-
mais, com consciência de si mesmo e dotado
de autonomia. Essas duas últimas capacida-
des são os pressupostos que diferem o ser
humano de todas as outras espécies. Assim,
essa perspectiva afirma que apenas o homem
tem relação com a construção e a durabilida-
de dos sentimentos; apenas ele é capaz de
realizar representações mentais acerca dos
objetos, fenômenos, ideias; e, importante,
Fonte: 123RF. apenas o homem tem consciência moral dos
seus atos, o que lhe permite agir livremente. Steiner parte, assim, de um princípio: a de
que a existência humana é única e, portanto,
Refletindo sobre as percepções [o homem] consegue conhecimentos sobre
as coisas; refletindo sobre as suas ações, introduz na sua vida uma coerên-
cia racional. E sabe que a sua missão de homem só é cumprida dignamente
se, tanto no conhecer quanto no agir, ele se conduz por pensamentos corre-
tos. (STEINER, 1997, p. 26).

A percepção da consciência, da autonomia e da liberdade como aspectos que individu-


alizam cada ser humano, isto é, que tornam cada ser portador de experiências e exis-
tências únicas e singelas, tornou-se um importante referencial para alguns princípios
e abordagens educacionais, em particular a pedagogia Waldorf, cuja inspiração é a
abordagem de Steiner e da antroposofia.

Filosofia da Educação 67
Temas Filosóficos da Educação

GLOSSÁRIO
A pedagogia Waldorf nasceu na Alemanha, logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
3 com o objetivo inicial de oferecer educação às crianças proletárias, filhos de trabalhadores
da fábrica Waldorf-Astória. Nesse contexto, a Alemanha passava por uma profunda reforma
educacional, resultado das transformações e das consequências do fim da guerra.

Entre as bases dessa abordagem de ensino estão: o desenvolvimento das dimensões física,
anímica e espiritual do ser humano, incentivando a capacidade de agir da criança (querer),
o estímulo às atividades corpóreas (presentes em grande parte das aulas), o estímulo às
atividades artísticas, artesanais e da imaginação, e o posicionamento do pensamento cientí-
fico-abstrato em um segundo plano, de tal forma que ele não seja precocemente estimulado
no aluno do ensino infantil, mas ocupando centralidade apenas no ensino médio.

Nessa abordagem educacional, o pressuposto é a educação integral do indivíduo a


partir de sua compreensão como um ser portador de diferentes dimensões que se in-
ter-relacionam, mas que exigem modos distintos de desenvolvimento. Assim, para a
dimensão física, é necessário um desenvolvimento físico; para a etérica, é necessário
um desenvolvimento anímico; para a do corpo do eu, o espiritual. Trata-se, dessa forma,
de uma visão integrada do ser e de sua realidade, autonomia e capacidade pensante e
atuante no mundo, mas que considera, sobretudo, sua existência no mundo presente:
A Antroposofia gostaria de ser esse conhecimento do mundo; ela gostaria
de falar sobre o mundo e sobre o ser humano de maneira a suscitar, por sua
vez, algo que possa ser compreendido pela consciência moderna, assim
como a consciência antiga compreendeu a Ciência, a Arte e a Religião anti-
gas. A Antroposofia tem sua imensa tarefa através da própria voz do coração
humano. Ela não é senão o profundo anseio do ser humano do presente.
Ela deve existir porque é o profundo anseio do ser humano do presente [...].
(STEINER, 1997, p. 29).

A abordagem educacional que fundamenta a Pedagogia Waldorf, assim como a própria


perspectiva da antroposofia, contempla ainda que a totalidade da realidade e da exis-
tência, dadas suas complexidades e dimensões, não é passível de apreensão por uma
única via, seja racional ou sensorial, visto que tanto o sentido quanto o intelecto perce-
bem apenas uma fração da realidade, e não sua totalidade. Sendo assim, o homem se
relaciona com o objeto a ser conhecido por meio de diferentes sentidos possíveis, mas,
para além dessa constatação, cada sentido implica em uma forma de nos relacionar-
mos conosco e com o mundo que nos cerca.

Assim, o tato, apreensão mais materializada do mundo, mais “direta”, a vida, percepção
do próprio organismo e dos seus estados: disposição, cansaço, dor, mal-estar etc, o mo-
vimento, percepção do que acontece com o corpo quando nos movimentamos, e o equi-
líbrio, percepção a partir da relação do próprio corpo com o centro da gravidade da Terra,
permitem o conhecimento e a apreensão a partir do mundo do nosso próprio corpo.

Por sua vez, sentidos como calor (tanto para percebermos o quente ou o frio, quanto
para sentirmos o ambiente), olfato, paladar e visão implicam na relação e na apreen-
são do mundo exterior ao nosso corpo, mas que está ao nosso redor, nosso mundo.

68
Finalmente, para apreendermos o mundo do outro, recorremos à audição, à palavra,
à percepção da existência e do pensamento do outro (eu e pensamento, respectiva-
mente) (STEINER, 1997, p. 11-13).
3
Figura 02. Os sentidos como conhecimento A abordagem pedagógica, nesse contexto,
afirma que é preciso levar em conta todos

Universidade São Francisco


esses sentidos que, juntamente com a per-
cepção do temperamento de cada ser (se
são mais calmos ou mais agitados, mais
violentes ou passivos, mais faladores ou tí-
midos etc.) e também sua biografia (isto é,
as particularidades de cada etapa do seu
desenvolvimento físico e cognitivo) permi-
tem o desenvolvimento integral e harmonio-
so do indivíduo.
Fonte: 123RF.
Desse modo, a formação plena do ser deve,
como premissa, contemplar a particularidade e a individualidade de cada pessoa e da
etapa de desenvolvimento.

SAIBA MAIS
Os apontamentos anteriores se relacionam diretamente com os princípios do fazer pedagó-
gico segundo a teoria de Steiner e também como fundamento da própria pedagogia Waldorf.
Segundo eles, o conhecimento ou a prática pedagógica devem partir da vida, do indivíduo e
de sua realidade, não do pensamento científico abstrato. Assim:

Não podemos imaginar, no ensino das quatro primeiras séries, erro maior do
que educar os alunos de acordo com um método de ensino em que uma ma-
téria – por exemplo relativa a plantas e animais – possa ser continuada de ma-
neira a, mais tarde, fazer do aluno um botânico ou um zoólogo. Ao contrário,
atinge-se algo bem mais correcto do que o princípio de Spencer ao ministrar,
sobre plantas e animais, um ensino que 40 evite as crianças de se transforma-
rem em botânicos ou zoólogos… ninguém deveria tornar-se botânico ou zoó-
logo pelo que aprende no primeiro grau, e sim pela sua inclinação particular,
que se manifestaria no decorrer da vida por meio da selecção no âmbito de
uma arte pedagógica correcta… Essa escolha deverá também levar em conta
o carma predeterminado, a lei do destino. (STEINER, 1997, p. 14)

Como consequência, o fazer pedagógico exige do educador o conhecimento sobre o desen-


volvimento humano de forma que ele perceba a particularidade do desenvolvimento espera-
do em cada etapa.

O professor necessita de uma verdadeira compreensão do que o homem


realmente é e do que vem a ser enquanto se desenvolve no decorrer da
infância [...] Naturalmente não poderemos educar ou leccionar se, ao fazê-
-lo, de certo modo não formos capazes de captar em espírito o ser global.
(STEINER, 1997, p. 18-25).

1.2 A ABORDAGEM MONTESSORIANA


Outra abordagem alternativa de educação foi trazida pela médica italiana Maria Mon-
tessori (1870-1952) – abordagem montessoriana – que preconiza, entre outros fatores,

Filosofia da Educação 69
Temas Filosóficos da Educação

a centralidade da criança (aluno) no processo de desenvolvimento, de educação e de


formação. Montessori coloca em prática sua abordagem pedagógica em 1907, na esco-
la Casa das Crianças, criada por ela.
3
Durante o século XX e ainda mais atualmente, o método montessoriano foi tema de diferentes
estudos com diversas abordagens – filosófica, educacional, psicológica, neurocientífica etc.
– que buscaram compreender os impactos de suas técnicas para o desenvolvimento infantil.

De modo geral, o método montessoriano trabalha individualmente o desenvolvimen-


to infantil, tomando como pressuposto que cada criança tem um ritmo próprio para
aprender. Ainda assim, a educadora defendia que era possível formar agrupamentos de
crianças mistas e em idades diferentes (diferentemente da ideia das séries escolares
predominante ainda em grande parte do mundo, que separa os alunos pela idade) e
que pela estrutura da sala e dos materiais a individualização do ensino seria possível.

A premissa básica dessa concep-


Figura 03. Individualidade e cooperação
ção era permitir que a criança ti-
vesse tempo para se adaptar ao
ambiente, sem a necessidade de
trocar de sala a cada ano, e esti-
mular a criação de um espaço não
competitivo de aprendizagem,
mas sim cooperativo, visto que a
tendência seria a criança maior
ajudar a menor. A aprendizagem
se daria, ainda, em ambiente livre
Fonte: 123RF.
de punições e/ou de recompen-
sas como modo de favorecimento da cooperação em vez da competição.

Desse modo, ao passo que tal método estimularia a liberdade e a autonomia de cada
criança, também implicaria no reconhecimento dos limites e das liberdades do outro,
aprendizagem que se realizaria pelo compartilhamento do espaço e das experiências
em uma sala com alunos em faixas etárias e desenvolvimento distintos.
Sua liberdade deve ter como limite o interesse coletivo, e como forma aquilo
que denominamos educação das maneiras e dos gestos. Devemos, pois,
interditar à criança tudo o que pode ofender ou prejudicar o próximo, bem
como todo gesto grosseiro ou menos decoroso. Tudo o mais – qualquer ini-
ciativa, útil em si mesma ou de algum modo justificável – deverá ser-lhe
permitido; mas deverá igualmente ser observada pelo mestre; eis o ponto
essencial [...]. (MONTESSORI, 1965, p. 45).

De um modo geral, é possível apreendermos a intenção ou a finalidade da educação na


perspectiva montessoriana a partir do olhar para o que seriam os seis pilares da prática
pedagógica e da formação do aluno.

Autoeducação: toma como princípio o fato de que a criança é livre para aprender e
que a consciência dessa liberdade é um fundamento importante. A autoeducação se
realiza a partir da interação da criança com seu meio, do reconhecimento do erro, das
atividades que a própria criança deseja repetir.

70
Educação cósmica: a noção de cósmico aqui busca atentar para a conexão entre na-
tureza e universo e a percepção de que, pela curiosidade e pela imaginação, é possível
compreender e descobrir sobre o mundo. Nesse aspecto, a pergunta é valorizada como
método e, segundo Montessori, evidente, uma vez que a curiosidade é um traço natural 3
de toda criança.

Universidade São Francisco


Educação como ciência: tal premissa leva em conta o aspecto fundamental das etapas
de desenvolvimento do ser humano, do que é possível e esperado, para que se defina
quais materiais e conteúdos devem ser usados como método para o desenvolvimento.
Figura 04. O ambiente no método montessoriano Ambiente preparado: a constituição do
ambiente, de seu formato e dos materiais

Fonte: 123RF.
que o compõem é uma etapa importan-
te para a criança se sentir segura e so-
bretudo exercer sua liberdade. Assim, o
ambiente deve proporcionar condições
para que a criança possa explorá-lo: en-
contrar o que deseja, acessar todos os
objetos, dormir, tomar água, ir ao banhei-
ro sem a necessidade da autorização de
um adulto.

Adulto preparado: a perspectiva da fun-


ção do professor ou do educador no processo de aprendizagem remete às ideias de
Jean-Jacques Rousseau. Nesse sentido, a criança é o centro da aprendizagem e quem
a conduz a partir de suas descobertas e novas necessidades. O adulto está presente,
porém, mais como um orientador às questões e às demandas colocadas pela criança.

Criança equilibrada: aqui, o pressuposto é a de que a criança, assim como os demais


indivíduos em outras fases da vida, é corpo e mente e que ambos andam juntos. Assim,
o intelecto se desenvolve a partir das mãos que tocam, percebem, sentem as diferentes
formas, tamanhos, barulho, cheiro, peso, textura, e a partir daí se forma a ideia. Em
outras palavras, o conhecimento parte do concreto para o abstrato.

O princípio da teoria montessoriana é concepção de que a criança tem, em si mesma, o


potencial criador de tal forma que ela pode conduzir o próprio aprendizado, é claro que
sob a orientação, quando necessária, de um adulto.

SAIBA MAIS
Nos dois sites indicados a seguir, é possível encontrar artigos e as principais premissas sobre
as abordagens Waldorf e Montessoriana.

Instituto Rudolf Steiner: http://institutorudolfsteiner.org.br/antroposofia/.

Organização Montessori do Brasil: http://omb.org.br/.

Filosofia da Educação 71
Temas Filosóficos da Educação

1.3 A PEDAGOGIA DO BOM SENSO


Outro importante educador que rompeu com padrões que até então eram vigentes – e
que mesmo nos dias de hoje ainda reconhecemos em muitas escolas e métodos que
3 constituem o sistema educacional – foi o francês Célestin Freinet (1896-1966). Histori-
camente, ele pode ser identificado com o que conhecemos como a corrente da escola
moderna e que teve entre seus princípios metodológicos e de ação a proposição da
educação que compreende o aluno como um sujeito ativo no processo de conhecimen-
to, em oposição ao sistema tradicional, enciclopédico e centrado no professor expositor
de conteúdos. Muitas das práticas que Freinet empreendeu em sala de aula, há quase
um século, ainda não foram exploradas em toda sua dimensão pela educação como um
todo – escola, educadores, Estado, sociedade.

SAIBA MAIS
Entre os desdobramentos práticos da experiência de Freinet na escola hoje, estão:

Ateliê: que podemos encontrar na ideia do “faça você mesmo” e que aponta a importância
significativa da experiência e da prática como processos de conhecimento. São espaços
onde as crianças constroem coisas, objetos, materiais etc.

Aula-passeio: o aprendizado ao ar livre, em passeios temáticos ou não, que ajudam a des-


pertar na criança outras formas de aprendizagem, maior consciência sobre seu meio – am-
biental, social e histórico.

Imprensa escolar: incentivo para que o aluno produza textos, leia em grupo, compartilhe e,
com a ajuda do próprio grupo, construa e transforme sua escrita e suas ideias.

CURIOSIDADE
A experiência histórica e da própria biografia de Célestian Freinet é retomada como influên-
cias importantes no desenvolvimento de suas propostas pedagógicas. Freinet era filho de
uma família de pastores e também ele foi, durante parte da sua juventude, pastor de ovelhas.
Para manter a segurança do rebanho, precisou compreender como se comportava o reba-
nho. Então, fez isso observando.

Ele começou a se interessar pela docência já na adolescência, mas a vontade de seguir a


profissão foi interrompida pela I Guerra Mundial, quando foi chamado para lutar (aliás, pa-
cifista, Freinet sofreu as consequências diretas das duas Guerras Mundiais do século XX).

Durante a Guerra, ele foi ferido por uma arma tóxica (gás mostarda) que afetou sua capacidade
de fala – e ser professor implicava em falar muito em sala de aula. Perseguindo a vontade pela
docência, para a qual ele foi desestimulado por causa da deficiência de sua fala, ele lançou
mão de estratégias com as quais ele não precisasse falar tanto, já que não conseguia. Entre-
tanto, elas não foram bem recebidas, e ele foi desligado do sistema público francês de ensino.

Foram nessas circunstâncias que ele montou um projeto de escola em comunidade com uma
cooperativa de trabalho, fundando as bases da escola moderna. Uma década depois, Freinet
abriu, oficialmente, sua própria escola.

72
Ao longo de sua trajetória, Freinet não elaborou um método científico propriamente dito
ou, ainda, construiu uma abordagem pedagógica rígida sobre o que seria o processo
de educar, até mesmo porque tais posturas seriam contrárias ao que o próprio autor
defendia ser alguns dos fundamentos da educação e do processo de educar, a saber: 3
a de que cada indivíduo é único e, portanto, aprende de uma forma e, além disso, a

Universidade São Francisco


de que cada realidade também é única e desafia o docente de formas distintas, a cada
momento. Portanto, não há receitas ou modelos exclusivos ou predeterminados que
atendam a essas questões.

Essa ideia, entretanto, não implica a impossibilidade de adoção de determinadas pre-


missas ou de princípios do saber pedagógico que poderiam orientar a prática docente.
Partindo desse princípio, Freinet organiza, ainda que de forma assistemática, quais
seriam esses princípios denominados invariantes pedagógicas. São invariantes pois,
como indica o próprio nome, não mudam, independem dos gostos e das questões pes-
soais, dos contextos e dos locais; constituem, assim, os fundamentos da educação e
orientam a prática docente.

A partir da sua prática pedagógica, Freinet definiu 30 invariantes pedagógicas que, de


modo geral, articulam-se em torno da natureza da criança (ou seja, de como ela apren-
de, seus interesses e vontades), das reações e expectativas dela (sobre o aprender e
sobre a própria vida) e das técnicas de ensino (que devem orientar e fundamentam a
educação e suas práticas).

SAIBA MAIS

A primeira invariante pedagógica, em Freinet, diz que “a criança é da mesma natureza que
o adulto”. Isto é, todos – crianças e adultos – são movidos pelo desejo de autorrealização,
desejam o próprio sucesso. Partindo dessa ideia, Freinet critica, entre outros pontos, a forma
como as escolas constroem seus processos avaliativos, ranqueando os alunos e constituindo
um espaço de disputa e competição, quando deveria ser um espaço da cooperação, um dos
argumentos centrais na obra do autor acerca da finalidade da educação.

Como afirma Elias (2017, p. 615):

Freinet jamais aceitou a competição (grifo nosso) individual que existia nas
escolas; em seu lugar propôs a vida cooperativa, ideia reforçada no encontro
com Cousinet e Profit, em Montreaux (1924). O primeiro preconiza o traba-
lho em pequenos grupos e Profit propõe a solidariedade pela cooperativa
escolar. Freinet vai mais longe: sua pedagogia circula entre o individual e o
coletivo, procurando desenvolver ao máximo o senso cooperativo.

Você pode consultar todas as invariantes pedagógicas propostas por Freinet acessando o
portal da REPEF (Rede de Educadores e Pesquisadores da Educação FREINET) pelo link:
https://www.freinet-repef.com.br/invariantes-pedagogicos/invariante-n%c2%ba-1/. Acesso
em: 17 maio 2022.

Desses princípios se consolidam as bandeiras e as lutas que Freinet empreendeu du-


rante sua trajetória e que, claro, constroem-se a partir de sua concepção teórica e prá-
tica acerca da pedagogia e da educação. Podemos destacar, por exemplo: a crítica à
escolástica e à aula como conhecemos nos modelos tradicionais. Para Freinet, nesses

Filosofia da Educação 73
Temas Filosóficos da Educação

moldes, a aula significava um momento de interrupção da vida, pois baseada no verba-


lismo intelectual, excessivamente racional e abstrato, torna-se estranha às necessida-
des e/ou às curiosidades dos educandos e de suas realidades. Ao preparar, previamen-
3 te, o currículo, a sequência, os roteiros e as avaliações sem saber quem são os alunos
e suas necessidades, cria-se se um plano de aula estéril.

Outro exemplo está na crítica aos manuais, apostilas e outros materiais que trazem
previamente definidos quais conteúdos os alunos devem assimilar. Aqui encontramos a
importância da experiência e da observação como prática educativa, traço fundamental
da perspectiva de Freinet. Assim, ele defende que é o olhar sobre o aluno que permite
identificar como ele aprende, como constrói seu conhecimento. Por isso, é fundamen-
tal que a criança explore a vida, o mundo e os conteúdos, tendo o professor como me-
diador nesse processo, como o personagem que coopera com seu caminhar.

Resulta dessas perspectivas a importância fundamental da percepção pelo professor


da subjetividade de cada aluno, pois pela observação constante, o educador pode per-
ceber quando, onde e como intervir, como despertar no aluno a vontade de aprender e
superar as dificuldades e os desafios que são próprios do processo de conhecimento.
Justamente por isso, entre suas invariantes pedagógicas, está a premissa de que a
sobrecarga das classes constitui um erro pedagógico; Freinet, aliás, foi um importante
defensor na sociedade francesa do número de 25 alunos por sala.

Partindo, portanto, de sua prática e das observações sobre ela, Freinet estrutura as
bases centrais de seu pensamento e ação sobre a educação e suas finalidades que
acabam por constituir sua proposta pedagógica. De modo geral, elas podem ser obser-
vadas nos seguintes propósitos que devem guiar a prática educativa:

` Autonomia radical: a formação para a autonomia completa do educando é a razão últi-


ma da educação. Portanto, considerá-lo um sujeito no próprio processo de construção do
conhecimento deve fundamentar a prática e a ação educativa.

` Trabalho: atitude vital diante das adversidades e que deve ser compreendida como uma
das finalidades da educação. É importante estudar mais de perto esse tópico, pois ele é
um traço distintivo da perspectiva de Freinet comparada a outras, como as pedagogias
Waldorf e Montessoriana; dizemos, inclusive, que Freinet cria uma pedagogia do trabalho.

O francês é um defensor do conceito trabalho-jogo, ou seja, o trabalho como um meio


lúdico em si mesmo, pelo o qual a criança enfrenta as adversidades e constrói o conhe-
cimento. Mais importante: tal atitude é parte da própria necessidade da criança, uma
vez que ela busca superar os desafios, triunfar e conquistar (a primeira das invariantes
pedagógicas), e é pelo trabalho e pelo esforço que ela alcança tais objetivos.

A escola deve, portanto, constituir-se como um espaço laborioso e cooperativo, uma vez
que a atividade e o trabalho orientam a prática docente e, não menos importante, entre
as funções da educação está a formação de indivíduos que existem e atuam em uma
sociedade do trabalho. Nessa perspectiva, a educação forma para o trabalho criativo e
livre e que, associado aos demais propósitos, como a autonomia, possibilita a formação
de sujeitos críticos capazes de perceber, dominar e transformar o meio em que vivem.

74
IMPORTANTE
A pedagogia do trabalho é construída em Freinet, tendo entre suas referências a perspectiva
marxista. Assim, ele defendia que é pelo trabalho que o ser humano se realiza e se exprime 3
de forma eficaz e, por isso, uma escola que não forma para o trabalho está desligada da vida.
No entanto, essa formação não se volta para o trabalho mecânico e/ou repetitivo. Ao contrá-

Universidade São Francisco


rio, sob a perspectiva da educação, o trabalho é pensado enquanto um meio – e possibilidade
– para emancipação de quem o exerce.

Livre expressão: assim como a livre pesquisa, são atitudes fundamentais para a cons-
trução da autonomia. Algumas das técnicas que Freinet usava em sala de aula, como a
imprensa escolar, buscavam desenvolver essas habilidades no aluno.

Cooperação e autogestão: é o resultado lógico das experiências e das propostas te-


órico-metodológicas acima, em particular, com a própria noção da pedagógica do tra-
balho. Nesse sentido, cabe à educação proporcionar em sala de aula a realização de
trabalho real e produtivo que envolva e interação e cooperação.

São dessas percepções que Freinet desenvolve o que ficou conhecido como a pedago-
gia do bom senso, uma prática educacional pela qual o conhecimento e a aprendizagem
resultam da relação dialética entre ação e pensamento/experiência e teoria, ao mesmo
tempo que a subjetividade e o histórico de cada aluno, bem como seu contexto, intera-
gem com os novos conhecimentos, desafios, adversidades. Desse modo, em Freinet:

A elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de cons-


cientização que condiciona pensamento e ação. Portanto, ao educador cabe fornecer
condições de trabalho e ação, aproximar o educando da realidade para que este possa
desvendá-la e criticá-la, para poder reconstruí-la e reinventá-la, transformando, assim,
a simples esfera da apreensão. (ELIAS, 2017, p. 618).

SAIBA MAIS
No artigo A atualidade da proposta pedagógica de Célestin Freinet, a educadora e pesquisado-
ra Marisa Del Cioppo Elias faz uma análise da atualidade das técnicas e das reflexões criadas
por Freinet na educação contemporânea, sobretudo diante de uma sociedade que se transfor-
ma rapidamente marcada por conquistas tecnológicas e sociais. A autora aponta, entre outras
coisas, a necessidade da formação docente que inclua e prepare os educandos, em sala de
aula, para a cooperação e também para a compreensão, ação e transformação da realidade.
Nesse sentido, a elaboração e o desenvolvimento do conhecimento que se faz pela educação
em sala de aula e na escola – ou que deveria ser feito – estão intimamente ligados à cons-
cientização do educando sobre o próprio meio, sobre a própria realidade; tal conscientização
condiciona, assim, pensamento e ação.

O artigo é parte de um dossiê sobre a obra de Célestin Freinet publicado pela Revista Ibero –
Americana de Estudos em Educação, que traz outros importantes debates acerca do legado
e das propostas pedagógicas do educador francês. Disponível em: https://periodicos.fclar.
unesp.br/iberoamericana/issue/view/608. Acesso em: 17 maio 2022.

Como uma primeira leitura indicamos o artigo de Elias, citado anteriormente.

Filosofia da Educação 75
Temas Filosóficos da Educação

ELIAS, M. D. C. A atualidade da proposta pedagógica de Célestin Freinet. In: Revista Ibero


– Americana de Estudos em Educação, vol. 12, 2017, p. 612-619. Disponível em: https://
periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/9666/6372. Acesso em: 8 maio 2022.
3

SAIBA MAIS
Há documentários e filmes que questionam o modelo educacional ainda em grande parte do
mundo, resultado da conformação da escola ao modelo industrial. A seguir, duas recomenda-
ções para ampliar suas perspectivas sobre o assunto:

Maria Montessori – Educação e Vida (Gianluca Maria Tavarelli, 2007).

O filme conta a história de Maria Montessori, primeira mulher a se formar em Medicina, na


Itália e criadora do método montessoriano que refletiu, entre outras coisas, no Movimento da
Escola Nova.

Quando Sinto Que Já Sei (Brasil) – 2014

Documentário que retrata projetos e novas abordagens sobre a educação em oito cidades
brasileiras que trazem ao processo de formação escolar maior afetividade, cidadania e auto-
nomia ao mesmo tempo em que aponta as necessidades de mudanças na escola tradicional.

2. SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
Iniciamos este tópico propondo que você faça um pequeno exercício: olhe ao seu redor
ou observe de que modo está estudando os conteúdos aqui propostos. É possível que
você esteja lendo um livro impresso e anotando suas observações em um caderno, mas
talvez esteja diante de um livro digital, lendo pelo computador, smartphone ou tablet,
conteúdo que acessou via plataforma ou outra ferramenta digital. Talvez diante da dú-
vida sobre o significado de uma palavra ou conceito, você recorra a uma ferramenta de
busca, como o Google. Pode ser que você vá mais longe e procure por outras teorias,
outras pesquisas e entre em contato com outras percepções, informações, dados pro-
duzidos por pessoas em outros lugares do mundo, de forma muito rápida, em um sim-
ples clique. E, possivelmente, enquanto estuda, também acessa as redes sociais das
quais faz parte, conversa virtualmente com amigos, consulta as últimas notícias, ouve
músicas, confere suas informações bancá-
Figura 05. As tecnologias e o cotidiano rias, atende a alguma demanda do trabalho,
faz compras por aplicativos etc.

Esse é um exemplo trivial que mostra de que


modo as tecnologias, a informação, as redes
e a virtualização estão presentes em nosso
cotidiano. Eles são alguns elementos e re-
flexos da chamada sociedade do conheci-
mento, um dos traços distintivos da nossa
época. A intensificação dos processos comu-
nicativos por meio do uso da informática, o
Fonte: 123RF.
grande desenvolvimento das tecnologias e

76
dos meios de comunicação, a virtualização das relações e as conexões em rede são
algumas das características dessa época que têm como um dos traços fundamentais a
percepção do conhecimento como um valor.
3
IMPORTANTE

Universidade São Francisco


Certamente, é possível afirmar que o conhecimento, desde as origens da humanidade, tem
um valor com determinados sentidos e significados conforme os contextos sociais e cultu-
rais. O que é específico na sociedade do conhecimento é a centralidade das tecnologias de
informação e de comunicação para produção, poder e economia. Para alguns autores como
Castells (1999) e Lévy (2000), a sociedade do conhecimento é a sucessora da sociedade
marcada pelo capitalismo industrial, ou seja, na era contemporânea o conhecimento é va-
lorizado pelo Estado (nações) e pelas empresas; é uma moeda, capital intangível. Nesse
contexto, as tecnologias da informação e da comunicação orientam desde a organização do
trabalho e as relações de produção até a cultura e as relações sociais.

Há diferentes debates e perspectivas no meio acadêmico sobre a sociedade do conhe-


cimento, mas, de modo geral, eles concordam que este é um fenômeno que tem origem
a partir do século XX graças, sobretudo, ao intenso desenvolvimento das tecnologias
de informação. O uso delas e sua constante inovação possibilitaram maior produção,
disseminação, circulação e integração de informação, conhecimento e saberes como
não houve em nenhum outro momento da história.

PARA REFLETIR
A sociedade do conhecimento implica em transformações em níveis variados, mas pro-
fundos que indicam novas formas de acesso à informação, interação e novas formas de
modelos universais:

Os saberes encontram-se, a partir de agora, codificados em bases de dados


acessíveis on-line, em mapas alimentados em tempo real pelos fenômenos
do mundo e em simulações interativas. A eficiência, fecundidade heurística,
a potência de mutações e de bifurcação, a pertinência temporal e contextual
dos modelos suplantam os antigos critérios de objetividade e de universali-
dade abstrata. Mas reencontramos uma forma de universalidade mais con-
creta com as capacidades de conexão, o respeito padrões ou formatos, a
compatibilidade ou interoperabilidade planetária. (LÉVY, 2000, p. 166).

Figura 06. Interação: redes locais e Por sua vez, a disseminação de tais tecnologias
globais pelo conjunto da sociedade mudou a forma como
nos expressamos e nos comunicamos e como a
própria sociedade se organiza. Assim, a intensi-
dade, a variedade e a velocidade da produção e
da circulação de informações orientam e ordenam
práticas e ações em diferentes extratos da socie-
dade: governo, educação, cultura, serviços, ativi-
dades produtivas e trabalho, saúde, economia etc.,
dando forma a novos comportamentos, cognição,
Fonte: 123RF. necessidades e sentidos das ações humanas em

Filosofia da Educação 77
Temas Filosóficos da Educação

um contexto no qual os indivíduos encontram-se cada vez mais conectados em redes


de relações locais e globais.

3 Sociedade da informação e sociedade do conhecimento são dois termos e paradigmas


correlatos e interconectados, mas que possuem algumas diferenças referentes aos sig-
nificados e contextos. De modo geral, ambos se referem ao intenso desenvolvimento
tecnológico e das telecomunicações, em particular a partir dos anos 1970, que promo-
veu a disseminação da informação por todos os tecidos e extratos sociais.

Daniel Bell (1973), sociólogo norte-americano, foi um dos precursores do termo “so-
ciedade da informação” para designar uma nova etapa do capitalismo no qual a infor-
mação ocupa papel central como geradora de riqueza. Bell identifica esse fenômeno,
primeiro, no setor de serviços que, segundo ele, passa por profundas alterações com o
crescimento de cargos e funções vinculados ao conhecimento. Ou seja, o conhecimen-
to torna-se um fator estratégico para o desenvolvimento de tal forma que quem detém o
conhecimento – tecnológico e informacional – e, sobretudo, o conhecimento sobre o co-
nhecimento, detém poder. Trata-se, portanto, de um novo estágio da economia fundado
na produção de informação e conhecimento, no qual o desenvolvimento tecnológico e
das telecomunicações é o cerne da análise.

Dessa constatação nasce a ideia de sociedade do conhecimento, termo que ganha


maior destaque a partir dos anos 1990, especialmente entre acadêmicos das ciências
sociais e humanas, em uma tentativa de ultrapassar as análises eminentemente tecno-
lógicas e econômicas sobre as transformações que caracterizavam essa nova ordem
social. Assim, a noção de “sociedade do conhecimento” aparece como alternativa de
compreensão dos impactos das tecnologias de comunicação e informação na socieda-
de como um todo, nas mais diversas relações, de modo mais integrado e não apenas
ligada à dimensão econômica e do trabalho.

SAIBA MAIS
Um dos exemplos da relação entre sociedade e informação e de conhecimento aparece na
fala do subdiretor geral da UNESCO, Abdul Wahhed Khan, em 2003:

A Sociedade da Informação é a pedra angular das sociedades do conheci-


mento. O conceito de ‘sociedade da informação’, a meu ver, está relacionado
à ideia da ‘inovação tecnológica’, enquanto o conceito de ‘sociedades do co-
nhecimento’ inclui uma dimensão de transformação social, cultural, econômi-
ca, política e institucional, assim como uma perspectiva mais pluralista e de
desenvolvimento. O conceito de ‘sociedades do conhecimento’ é preferível
ao da ‘sociedade da informação’ já que expressa melhor a complexidade e
o dinamismo das mudanças que estão ocorrendo. (...) o conhecimento em
questão não só é importante para o crescimento econômico, mas também
para fortalecer e desenvolver todos os setores da sociedade.

UNESCO - Towards Knowledge Societies. An Interview with Abdul Waheed Khan. United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, [s. I.], jul. 2003. Comunication
& Information. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000141843
Acesso em 24 mai 2022

78
2.1 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E SOCIEDADE EM REDE
A sociedade do conhecimento é também sociedade em rede. Essa é uma das ideias
defendidas por Manuel Castells para explicar as particularidades das sociedades con-
temporâneas que, segundo ele, são sociedades informacionais. Com essa denomi- 3
nação, a perspectiva de Castells aponta para a decisiva influência das Tecnologias de

Universidade São Francisco


Informação e Comunicação (TICs) como a base da produção econômica e das relações
sociais e culturais, o que caracterizaria um novo estágio do capitalismo: já não mais
industrial, mas sim informacional, no qual conhecimento e informação ocupam outros
espaços; são eles próprios fontes de produtividade e acumulação.
No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade
acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento de
informação e de comunicação de símbolos. Na verdade, conhecimentos e
informação são elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento,
visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhe-
cimento e no processamento da informação. Contudo, o que é específico ao
modo informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimentos sobre
os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade. (CAS-
TELLS, 1999, p. 35).

Castells prossegue afirmando que, para além da centralidade das tecnologias de infor-
mação e comunicação, as relações que se dão a partir delas se realizam em um espaço
estruturado em redes. Dito de outra forma: a informação sempre foi fundamental em
qualquer organização social como parte, inclusive, do desenvolvimento. O que é novo
nas sociedades contemporâneas são as interações sociais – que criam, difundem, co-
operam, manipulam informações e conhecimento – e sua organização em rede, em
novas mídias que ultrapassam os limites e os espaços físicos. Ou seja, contemplam as
relações e as interações que acontecem via tecnologia digital e que criam um espaço
de interação e trocas virtual, como as redes sociais.
Figura 07. Sociedade em rede: novo Desse modo, parte das atividades diárias de
ordenamento social
trabalho e de tempo livre, de produção e de
Fonte: 123RF.

consumo, interações com amigos e familia-


res, conhecimento sobre os acontecimentos
locais e do mundo, criação e consumo de
produções artísticas e culturais, e também
a educação se transformam e passam a ser
compartilhadas e vivenciadas em tempo real,
intermediadas pela tecnologia e ordenadas
em redes sem um centro ordenador (CAS-
TELLS, 1999, p. 22-37).

A sociabilidade e a organização social se transformam abrindo-se às novas possibili-


dades (por exemplo, acesso imediato e ilimitado às informações) e revelando novos
desafios, como novas formas de exclusão, a velocidade das mudanças que podem
ocasionar insegurança, a desestabilização da ordem social, a eliminação de postos de
trabalho, o desaparecimento de profissões etc.

Filosofia da Educação 79
Temas Filosóficos da Educação

Figura 08. Sociedade Informacional: estágio do


capitalismo

Fonte: 123RF.

PARA REFLETIR
Em uma sociedade altamente informatizada e com acesso irrestrito e ilimitado às mais varia-
das informações e dados, qual é o sentido e a finalidade da educação? Quais devem ser os
conteúdos, os currículos e as práticas? Como pensar as formações se parte das profissões
vai desaparecer em um futuro próximo, graças às inovações tecnológicas?

Essas têm sido algumas das pautas de reflexão entre filósofos, cientistas e educadores que,
de modo geral, defendem que as escolas não devem apenas educar pela internet, isto é,
com o uso dos meios digitais; mais do que isso, uma das principais tarefas da educação na
atualidade é desenvolver a capacidade autônoma de pensamento e reflexão do aluno de
forma que ele seja capaz de lidar com o volume das informações e dados de modo crítico e
de aplicá-los às tarefas diárias e aos projetos.

Para você, a escola cumpre esse papel atualmente?

Veja as perspectivas do sociólogo Manuel Castells e da filósofa Viviane Mosé sobre esse
tema nos dois vídeos indicados a seguir:

MANUEL Castells – a obsolescência da educação. 2014. 1 vídeo (4min 14s). Publicado


pelo canal Fronteiras do Pensamento. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=eb0cNrE3I5g. Acesso em: 28 jan. 2022.

Nesse vídeo, Castells chama a atenção para o fato de a escola atualmente formar alunos
submissos que não estão preparados para a sociedade em rede, configurando-se como uma
das instituições mais atrasadas e obsoletas da contemporaneidade.

O CONTEMPORÂNEO e a educação – Viviane Mosé. 2018. 1 vídeo (50min 1s).


Publicado pelo canal Café Filosófico CPFL. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=hyVBULSDimI. Acesso em: 28 jan. 2022.

Mosé reflete sobre os desafios contemporâneos da educação escolar a partir de um ponto


inicial: ela não é capaz de resolver os problemas do mundo atual, uma vez que também é
parte do mundo. A pensadora aponta ainda a transformação da sociedade ordenada em pi-
râmides para a sociedade em rede e como isso afeta a produção do conhecimento e da ver-
dade. Também trata das revoluções da memória: qual o sentido de ensinarmos as crianças a
decorarem determinadas datas e afluentes de rios, por exemplo, se todas essas informações
são facilmente encontradas na internet? De acordo com a filósofa, esse é um momento de
reinvenção do conhecimento e do saber.

80
SAIBA MAIS
Um dos grandes problemas do mundo sempre foi a exclusão do saber e do conhecimento.
Em cada contexto, essa exclusão se manifesta de uma forma: na Grécia Antiga o saber per- 3
tencia aos filósofos e pensadores; na Idade Média, à Igreja Católica e às Universidades; no
Iluminismo e na sociedade moderna, o conhecimento se volta, em grande parte, às ciências,

Universidade São Francisco


e a inclusão se faz via educação escolar.

Na sociedade contemporânea, permeada em todos os tecidos sociais pelas tecnologias da


informação e da comunicação, o acesso aos meios se torna um dos pressupostos de inclu-
são e/ou de exclusão à educação e ao conhecimento, ou seja, o acesso aos meios digitais se
torna um critério nas sociedades atuais de desigualdade.

Veja na reportagem indicada a seguir alguns dos efeitos da exclusão digital no Brasil, em
particular, durante a pandemia da COVID-19.

EXCLUSÃO digital: um problema ainda mais óbvio na pandemia. Fundação Universia, 11


nov. 2020. Disponível em: https://www.universia.net/br/actualidad/vida-universitaria/exclusao-
digital-no-brasil-um-problema-ainda-mais-obvio-na-pandemia.html. Acesso em: 27 jan. 2022.

2.2 A SOCIEDADE DAS MÍDIAS: A ERA DA INDÚSTRIA CULTURAL


O intenso desenvolvimento tecnológico da informação e das comunicações como parte
do sistema e da lógica capitalista também foi um dos pressupostos para o reconheci-
mento da sociedade contemporânea como a sociedade da cultura de massa, na qual
predominam as mídias da indústria cultural como meios de difusão da ideologia capita-
lista. Essa é apenas uma das constatações trazidas pela escola de Frankfurt, grupo de
pensadores e filósofos alemães, influência importante na filosofia contemporânea como
um todo e, em particular, para a filosofia da educação.

Para prosseguirmos, é importante compreender os significados de cultura de massa e


indústria cultural, segundo esses pensadores, pois seus sentidos refletem uma concep-
ção do que caracterizariam as sociedades contemporâneas. Em particular, vamos nos
ater às reflexões de dois pensadores da escola de Frankfurt que refletiram sobre esses
temas: Theodor Adorno e Max Horkheimer.

SAIBA MAIS

A escola de Frankfurt foi fundada em 1924, na Alemanha, por pensadores ligados ao Insti-
tuto de Pesquisa Social, de Frankfurt, entre eles: Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert
Marcuse, Walter Benjamin e Jurgen Habermas. Entre as reflexões estava a renovação do
pensamento marxista e sua associação às ideias freudianas como parte do projeto que bus-
cava propor uma Teoria Crítica que fosse capaz de interpretar e apreender a sociedade do
século XX. Uma das discussões dos autores era o reconhecimento de formas de dominação
contemporâneas, em especial, por meio da cultura de massas e da indústria cultural.

Comecemos pela cultura de massa: é uma das expressões da sociedade capitalista


contemporânea, ou seja, um traço típico deste contexto social específico. A cultura de
massa é produzida industrialmente, em grande escala, para ser massiva e rapidamente

Filosofia da Educação 81
Temas Filosóficos da Educação

consumida. A massa, nessa perspectiva, não se confunde com as noções de povo ou


grupo, mas se refere ao conjunto de pessoas que se relacionam por meio do consumo
das mercadorias culturais que são difundidas por mídias ou meios de comunicação
3 de massa: rádio, cinema, televisão, indústria fonográfica, imprensa, revistas de grande
circulação etc. e, mais recentemente, pela internet.

Os produtos da cultura de massa não são dirigidos a um grupo específico, mas pro-
curam atingir a maior quantidade possível de pessoas, independentemente da classe
social ou de formações culturais. Sua disseminação e transmissão são industrializadas
de modo a atingir diferentes camadas socioeconômicas e culturais e manter um enorme
mercado de consumidores. Assim, a cultura se converte em mercadoria de consumo,
como outros produtos do capitalismo.

Para atingir o maior número de pessoas, a produção da cultura é feita segundo alguns
critérios, como a padronização. Pense bem: quando assistimos a um filme, a uma no-
vela ou a uma série, somos levados a acreditar que aquela é uma trama original, única,
mas se analisarmos bem, veremos que todas têm um enredo similar, um modo de de-
senvolvimento da história parecido, um mesmo tempo de duração etc.

Para Theodor Adorno, a padronização facilita o reconhecimento e, como consequên-


cia, o consumo: “para todos, algo está previsto; para que ninguém escape” (ADORNO,
1985, p. 116). Esse é um ponto central da crítica dos frankfurtianos: a cultura deveria ser
o campo do pensamento, da autonomia e da reflexão, mas convertida em mercadoria,
torna-se o campo do consumo, do espetáculo e da obediência:
[...] os meios de comunicação de massa são o oposto da obra do pensa-
mento, que é a obra cultural – ela leva a pensar, a ver, a refletir. As imagens
publicitárias, televisivas e outras nos impedem de imaginar. Elas tudo con-
vertem em entretenimento: guerras, genocídios, greves, cerimonias religio-
sas, catástrofes naturais e das cidades, obras da arte, obras de pensamento.
(MATOS, 1993, p. 71).

A cultura de massa é apenas possível graças ao de- Figura 09. Queda das Torres
senvolvimento da indústria cultural que, de forma ge- Gêmeas
ral, contempla os meios de comunicação de massa. O
termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno
e Max Horkheimer, em 1942, na obra A dialética do
esclarecimento.

Queda das Torres Gêmeas – EUA (set./2001) após ata-


que terrorista, do grupo Al-Qaeda. A diferença de 10 mi-
nutos entre as duas colisões dos aviões com as torres
foi suficiente para que a imprensa chegasse e transmi-
tisse o segundo ataque ao vivo, para o mundo todo

Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em:


1 abr. 2022.

82
SAIBA MAIS
Esclarecimento aqui se relaciona às luzes, isto é, ao iluminismo. Esse momento histórico
identifica na razão – o conhecimento racional técnico-científico – o caminho para o conheci- 3
mento verdadeiro que levaria à liberdade e à autonomia dos homens. Para Adorno e Horkhei-
mer, entretanto, esse ideal não se consolidou; ao contrário, acabou se constituindo em um

Universidade São Francisco


mecanismo de poder, opressão e barbárie. Assim, o mesmo rigor técnico base das ciências e
do conhecimento racional também foi fundamento para os campos de concentração nazistas,
para as guerras, para a criação de bombas nucleares etc.

Duas distinções formuladas pela escola de Frankfurt são importantes para entendermos esse
debate: razão instrumental e razão crítica:

Razão instrumental é a técnico-científica. O termo foi criado por Max Horkheimer e reto-
mado por ele e por Adorno na obra Dialética do Esclarecimento, publicada no contexto após
a Segunda Guerra Mundial, quando a Europa estava em pleno processo de reconstrução
– material, política, cultural e ideológica. Parte dos questionamentos feitos pelos autores diz
respeito à instrumentalização da ciência com outras finalidades diferentes das imaginadas
pelos iluministas (a razão como um projeto de emancipação humana). Na perspectiva frank-
furtiana, a razão instrumental é um meio (mais eficaz) para atingir determinados fins, não
importam quais sejam.

Razão crítica, por sua vez, é o oposto: é o caminho para a análise crítica do que oferece a
razão instrumental, isto é, pela razão crítica percebemos os limites e os perigos do pensa-
mento instrumental, em especial no que diz respeito às ideias de controle e de dominação
sobre a natureza, a cultura e a sociedade. A premissa dessa perspectiva é a de que as mu-
danças sociais e culturais apenas se realizam verdadeiramente se tiverem por finalidade a
emancipação e autonomia do ser humano (CHAUÍ, 2000, p. 60 e 360). Na razão crítica – ou
dialética – considera-se que além da crítica, a subjetividade e a cultura são importantes nas
análises do meio social.

Passarmos rapidamente pelo contexto histórico dessa formulação ajuda a compreender


o pensamento desses autores. Adorno e Horkheimer eram judeus em plena ascensão e
consolidação do regime nazista de Hitler, na Alemanha. Chama a atenção dos autores o
fato de o rádio, um dos meios de comunicação mais populares no período, ser usado por
Hitler como meio para difundir massivamente as ideias e as posições políticas do regime
nazista, alcançando um público muito maior. Exilados nos Estados Unidos, os pensadores
encontraram outro cenário: a plena ascensão do cinema de Hollywood e a intensa produção
de música pela indústria fonográfica não com fins políticos, mas sim econômicos. É da per-
cepção da cultura nesses dois contextos que surge o conceito de indústria cultural.

Assim, afirmam os autores, que tanto no contexto alemão quanto no americano, os


meios de comunicação de massa serviam a interesses que não eram os da arte e da
cultura. Estas seriam esferas, por excelência, da emancipação e da autonomia humana,
mas sob a lógica da indústria cultural, a cultura é convertida em instrumento de con-
sumo e conformismo. Nesse sistema, a finalidade da produção cultural é o consumo
imediato e massivo e, sendo assim, a produção artística e cultural passa a ser definida
pela lógica do mercado, pela possibilidade de ser vendável ou não, pelo lucro. Subor-
dinada à logica da indústria e do capital, a cultura, esfera da criatividade, liberdade e
emancipação humana, é reduzida à mercadoria.

Filosofia da Educação 83
Temas Filosóficos da Educação

Nesse quadro, também a cultura — feita em série, industrialmente, para o


grande número — passa a ser vista não como instrumento de livre expres-
são, crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que
deve ser consumido como se consome qualquer outra coisa. E produto feito
3 de acordo com as normas gerais em vigor: produto padronizado, como uma
espécie de kit para montar, um tipo de pré-confecção feito para atender ne-
cessidades e gostos médios de um público que não tem tempo de questionar
o que consome. Uma cultura perecível, como qualquer peça de vestuário.
Uma cultura que não vale mais como algo a ser usado pelo indivíduo ou
grupo que a produziu e que funciona, quase exclusiva mente, como valor de
troca (por dinheiro) para quem a produz. (COELHO, 1980, p. 7).

A educação para a emancipação


No cerne da crítica à indústria cultural e à cultura de massas está a crítica ao raciona-
lismo, à razão instrumental como promessa de conhecimento e de civilização, e que
também serviu aos interesses de grupos do poder, às formas de opressão e à barbárie.
Dessa constatação geral é que Adorno reflete sobre a educação, inclusive a escolar,
como formação humana, formação para a emancipação do indivíduo e, dessa premis-
sa, propõe pensar a filosofia da educação de um modo bastante particular, partindo de
um único evento histórico: os campos de concentração nazistas.

Figura 10. Sapatos das pessoas mortas em O nazismo é um dos eventos mais trágicos e
Auschwitz bárbaros da história humana e, como obser-
vamos, afetou intimamente Adorno, por ser
Fonte: 123RF.

alemão e judeu. Do olhar sobre os campos


de concentração de Auschwitz, fato histórico
único, ele se propõe a pensar uma educa-
ção universal, seus ideais e finalidades. Sua
justificativa: Auschwitz era a prova de que a
humanidade poderia usar os métodos racio-
nais, a educação e o conhecimento de que
dispunha não para a civilização, mas para
a barbárie. E, continua, para que Auschwitz
nunca mais se repetisse, era preciso pensar
a educação como um projeto de emancipação humana: “A exigência de Auschwitz não
se repita é a primeira de todas para a educação” (ADORNO, 1995, p. 119).

GLOSSÁRIO

Auschwitz foi o maior dos campos de concentração do nazismo, situado no sul da Polônia.
Estima-se que ali mais de um milhão de pessoas, judeus, em sua maioria, foram assassina-
das de modo planejado.

Na crítica à razão instrumental, Adorno aponta exatamente esse caráter racionalista, o uso
de técnicas e de métodos científicos para a barbárie, no qual o caráter ético do conhecimento
e da educação se perde: [...] onde está o ponto de transição entre uma relação racional com
ela [a técnica] e aquela supervalorização, que leva, em última análise, quem projeta um siste-
ma ferroviário para conduzir as vítimas de Auschwitz com mais rapidez e fluência, a esquecer
o que acontece com essas vítimas em Auschwitz (ADORNO, 1995, p. 133).

84
Como poderia a educação conduzir à liberdade e, ao mesmo tempo, impedir que a bar-
bárie novamente aconteça? A solução está na formação de uma educação crítica que
possibilite esclarecer o esclarecimento, isto é, questionar constantemente os ímpetos
da razão e dos seus usos como meios de dominação e opressão. Adorno diz que o es- 3
clarecimento contém dentro de si o germe da regressão (barbárie) e, portanto, acolher

Universidade São Francisco


esse limite da razão, a reflexão sobre esse elemento regressivo, é um dos caminhos
para evitar que a própria razão se destrua. O esclarecimento geral, objetivo da educa-
ção, é aquele capaz de produzir “um clima intelectual, cultural e social que não permita
tal repetição [de Auschwitz]; portanto um clima em que os motivos que conduziram ao
horror tornem-se de algum modo conscientes” (ADORNO, 1995, p. 123).

A educação, nessa perspectiva, não é a mera transmissão de conhecimento e tampouco


deve modelar indivíduos ou formar alunos submissos. Ao contrário, o projeto de educação
proposto por Adorno é essencialmente emancipador capaz de produzir uma “consciência
verdadeira”. Isto é, educar é formar o indivíduo para que ele perceba de forma crítica e auto-
crítica seu meio, sua realidade, as mudanças sociais e culturais nas mais diferentes esferas:
cultural, política, econômica, educacional, nos meios de comunicação de massa etc.

Adorno chama a atenção para a necessidade de a educação voltar-se para a formação


de uma consciência crítica e reflexiva, que se oponha ao conformismo, à passividade e
à aceitação do inaceitável, elementos que promovem a barbárie.

SAIBA MAIS
O oposto da educação voltada para a formação da consciência verdadeira e para a formação
é a semiformação. Nesta, forma-se uma consciência dissociada ou a semiformação, forma-
ção parcial na qual o indivíduo é incapaz de realizar nexos, elaborar experiências cognitivas
profundas e conscientes, incapaz de compreender a realidade e sua complexidade.

A semiformação é, em Adorno, um produto da sociedade contemporânea capitalista na qual


as manifestações da subjetividade, que levaria o indivíduo à autonomia e à emancipação da
sua formação, são anuladas.

Além do esclarecimento geral, um projeto emancipador de educação, segundo Adorno,


deve começar o mais cedo possível, na educação infantil, sobretudo, na primeira infân-
cia. Educar aqui seria ajudar cada pessoa a reconhecer em si mesma, por meio da au-
torreflexão crítica, os mecanismos e as formas de pensamento que, se não questiona-
dos a tempo, podem levá-la à reprodução das desigualdades, das formas de opressão
e da desumanidade. Nesse projeto, a educação volta-se para a formação da personali-
dade, ou seja, para a singularidade do indivíduo que é oposto à massa. Esse é um eixo
central na filosofia da educação de Adorno: a formação da autonomia do pensamento
de forma que cada um seja capaz de pensar por si, de romper com as ideologias domi-
nantes e com o pensamento massificado, ausente de reflexão.

SAIBA MAIS
Para aprofundar sua compreensão sobre a filosofia da educação de Adorno, leia o artigo do
educador e pesquisador brasileiro Bruno Pucci. Neste texto, Pucci retoma os principais escri-

Filosofia da Educação 85
Temas Filosóficos da Educação

tos de Theodor Adorno sobre a educação que, embora não tenha escrito nenhum livro sobre
o tema, produziu artigos e ensaios nos quais reflete sobre a questão educacional. Pucci trata
dos principais argumentos do pensador alemão especialmente voltados para a ideia de um
3 projeto de educação em relação à emancipação.

PUCCI, B. Teoria crítica e educação: contribuições da teoria crítica para a formação do pro-
fessor. Comunicações: Caderno do Programa de Pós-graduação em Educação da UNIMEP,
Piracicaba, ano 7, n. 2, dez./2000.

SAIBA MAIS
O Educação após Auschwitz é um dos textos de Adorno no qual o autor reflete sobre os
princípios e a necessidade de uma educação voltada para a emancipação e para a razão
dialética que incluem a capacidade crítica e a subjetividade do indivíduo. É importante
ressaltar que Adorno não construiu uma metodologia de ensino; seu objetivo era a reflexão
sobre a finalidade da educação. Entretanto, sua concepção de razão dialética – razão crítica
– é um dos pressupostos que influenciou a formação da pedagogia crítica.

ADORNO, T. Educação após Auschwitz. In: ADORNO, T. Educação e emancipação. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1995.

3. A IDEOLOGIA NEOLIBERAL NA EDUCAÇÃO


Há, pelo menos, duas características contraditórias que marcam as sociedades con-
temporâneas e que demandam o olhar e a reflexão crítica: de um lado, o intenso de-
senvolvimento tecnológico que propicia a geração de riquezas, bens, serviços e conhe-
cimentos em uma dimensão extraordinária. De outro, a permanência da desigualdade
social e a exclusão de parte significativa da população aos direitos sociais mais básicos
– educação, moradia e saúde –, bem como aos próprios meios e recursos tecnológicos,
considerados elementos importantes em nossa sociedade.

Figura 11. Ao lado do intenso desenvolvimento tecnológico sobrevive a pobreza, a miséria e


a exclusão
Fonte: 123RF.

Essa contradição é uma das justificativas que embasam as críticas ao sistema capitalis-
ta globalizado, característico da nossa época, e à ideologia do progresso fundamentado
na razão instrumental como única razão válida. Parte significativa dessa reflexão crítica

86
se direciona ao modelo econômico que tendo como objetivo a acumulação do capital
e o controle dos meios de produção se espalha pela sociedade como um fim, levando
essas mesmas lógicas para outras esferas do tecido social como a cultura (indústria cul-
tural) e a educação, cujas finalidades, em princípio, seriam outras. É dessa perspectiva 3
geral que se fundamenta a crítica ao neoliberalismo.

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3.1 PARA INÍCIO DE CONVERSA: O QUE É NEOLIBERALISMO?
Como sabemos, o prefixo neo exprime a noção de novo. Por isso, para falar de neoli-
beralismo, é importante compreender, mesmo que rapidamente, o que é o liberalismo.
Essa não é uma tarefa fácil, visto que o termo “liberal” ou “liberalismo” assume dife-
rentes significados em cada uma das culturas e sociedades. Ainda assim, é possível
traçar um caminho pelo qual o liberalismo como ideologia, isto é, como ideia e prática
dominante, em particular a partir da esfera econômica, consolida-se.

SAIBA MAIS
O liberalismo em sua origem concebe a liberdade como um direito individual, mas essa pre-
missa sofreu diferentes transformações nos seus sentidos e significados ao longo da história,
promovendo debates e reflexões sobre os domínios do indivíduo e os domínios do coletivo.

No vídeo indicado a seguir, a professora Alexandra Godoi faz uma análise sobre algumas delas.

LIBERALISMO: por que tantos significados diferentes? | Alexandra Godoi. 30 maio 2019. 1
vídeo (8min 38s). Publicado pelo canal Casa do Saber. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=uI6j5SWhb6g. Acesso em: 27 jan. 2022.

De modo geral, o liberalismo nasceu no iluminismo como uma teoria política, econômi-
ca e social que trazia os valores individuais de liberdade e igualdade como inatos ao
homem. Como sabemos, o iluminismo caracteriza um período de transição de uma era
para outra. Foi nesse período que nasceram as teorias clássicas do liberalismo em opo-
sição ao Estado absoluto. A Europa ocidental era marcada, até então, pelo absolutismo
monárquico (no qual a monarquia controla o Estado, o poder e a sociedade como um
todo) e pelo domínio da Igreja Católica. O ideal liberal carrega o princípio da liberdade
do indivíduo – política e religiosa – frente a um estado absolutista e totalitário. É desse
contexto que ganha força também a ideia de individualidade que atribui ao indivíduo um
valor por si só, que independe do grupo ou do poder do Estado.

Entretanto, o liberalismo também surgiu a partir de uma luta econômica contra o mer-
cantilismo (no qual o Estado controlava a produção como um todo) e em um período
que assistia ao crescimento de uma nova classe social – a burguesia. Assim, além da
liberdade política e religiosa, especialmente pelos interesses da classe burguesa, pre-
gava-se também a liberdade econômica.

SAIBA MAIS
O filósofo inglês John Locke é considerado uma das principais referências que lançaram as
bases para a doutrina econômica do liberalismo. Em suas reflexões, Locke criticava a origem
divina do poder, assim como a intensa concentração do poder do Estado absolutista que

Filosofia da Educação 87
Temas Filosóficos da Educação

governava a vida dos indivíduos. O princípio da liberdade era um dos que Locke defendia.
Na obra O segundo tratado, o autor oferece as bases para o liberalismo político, defendendo,
entre outros pontos, o direito de os indivíduos escolherem seus representantes.
3
Por sua vez, o liberalismo econômico aparece em sua obra a partir da defesa da não inter-
venção do Estado na economia, da capacidade de o mercado se autorreguar e do direito à
propriedade privada. Sobre esse último ponto, Locke afirmava que a propriedade privada
derivaria do trabalho e se justificaria pela honra do trabalho ou, ainda, pelos benefícios que
determinada produção traria à sociedade.

A liberdade econômica, nesse contexto, consistia no atendimento aos mesmos princí-


pios defendidos pela então nascente classe burguesa, entre eles: o direito à propriedade
privada (inclusive sobre os meios de produção), a livre concorrência e autorregulação
do mercado (a partir da competição, o próprio mercado seria capaz de se “autoajustar”
sem a intervenção de outras instâncias, como o Estado) e a definição do papel do Es-
tado como uma instância destinada a atender às necessidades mínimas da população,
sem maiores intervenções no funcionamento da economia e do mercado.

De modo geral, esses princípios orientaram as sociedades ocidentais pelo século XVIII
até o início do XX, quando o mundo atravessa uma das mais graves e longas crises
econômicas. Tal cenário resultou da quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929,
que afetou todos os países industrializados. Para além desse fato, a intensiva produção
e consumismo, a queda no poder aquisitivo da população, crise na oferta de trabalho e
o continente europeu devastado pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial contribuíram
para o agravamento da crise econômica.

Nesse contexto, o Estado foi chamado a intervir na economia como forma de recupe-
ração das sociedades, período que marcou o Welfare state ou Estado de bem-estar
social: presença forte do Estado na economia, fortalecendo as leis trabalhistas, alta taxa
de impostos e o aumento dos gastos estatais em prol de benefícios sociais: moradia
própria, educação pública, acesso universal à saúde, seguridade social, entre outros.

O Welfare state se manteve como lógica de funcionamento das nações desenvolvidas


até a década de 1970, período que vivenciava a crise do petróleo, o aumento nos gas-
tos estatais e a flexibilização da produção e do consumo, graças ao desenvolvimento
tecnológico. É nesse contexto que ganham força as doutrinas neoliberais (ainda que o
termo tenha sido criado antes), em que se defende a liberalização do mercado de um
lado, e a diminuição do Estado, de outro. Se o liberalismo clássico se fundamentava
na importância do individualismo, isto é, na concepção do indivíduo como portador de
direitos fundamentais (como liberdade e igualdade), o neoliberalismo, por sua vez, con-
centrava sua defesa na liberdade da esfera econômica como prática ideal – mercados e
economia autorregulados, baixa participação do Estado na economia, drástica redução
do gasto público, privatizações de estatais.

SAIBA MAIS
Um dos fatos históricos mais importantes do neoliberalismo é o Consenso de Washington
(1989), um conjunto de regras e práticas fundamentadas nas teorias da chamada escola

88
de Chicago, que estabelecem diretrizes para a ajuda econômica e o desenvolvimento dos
países da América Latina. É desse documento que nasce o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Mundial, que condicionam os empréstimos financeiros aos países em desen-
volvimento ao atendimento de uma série de prerrequisitos como a reorientação dos gastos 3
públicos, privatização de empresas estatais, eliminação de barreiras fiscais, livre comércio,

Universidade São Francisco


segurança jurídica à propriedade privada, juros determinados pelo mercado, entre outros,
resultando na mínima participação do Estado sobre as decisões econômicas e de mercado.

Também o neoliberalismo, como conceito, não tem uma única definição nas ciências e
tampouco um único entendimento sobre seus efeitos. Mas, de modo geral, as reflexões
acerca desse modelo pelos cientistas, filósofos e pesquisadores ganham maior atenção
a partir dos anos 1990 – embora tenha sido tema de análise também em décadas ante-
riores – diante das consequências da implementação do neoliberalismo.

Assim, esse período vivenciou o aumento dos oligopólios e das transnacionais, a des-
regulamentação do mercado, a privatização de estatais, a influência das multinacionais
nas decisões de Estado, a redução dos investimentos sociais, a livre concorrência, a
perda de direitos trabalhistas e a precarização do trabalho, enquanto ganhava dimensão
a defesa do Estado mínimo, sobretudo, na garantia dos direitos e demandas sociais.

Em paralelo às transformações econômicas e à intensiva acumulação de capital, as


ideias contidas na lógica do neoliberalismo se estendiam para além do campo econômi-
co, influenciando e designando uma série de fenômenos políticos, culturais, geográficos
e educacionais. A ideologia do neoliberalismo “se converte na forma como a sociedade
contemporânea se apresenta a si mesma” (ANDRADE, 2019, p. 213), e se reflete nos
modos como essa sociedade se estrutura e nos comportamentos sociais que exige
como norma.
[...] que o neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma política econô-
mica, é em primeiro lugar e fundamentalmente uma racionalidade e, como
tal, tende a estruturar e organizar não apenas a ação dos governantes, mas
até a própria conduta dos governados. [...] O termo racionalidade não é em-
pregado aqui como um eufemismo que nos permite evitar a palavra “ca-
pitalismo”. O neoliberalismo é a razão do capitalismo contemporâneo, de
um capitalismo desimpedido de suas referências arcaizantes e plenamente
assumido como construção histórica e norma geral da vida. (DARDOT; LA-
VAL, 2016, p. 17).

Diferentes pensadores procuraram entender a essência e as consequências da lógica


neoliberal pelo conjunto da sociedade demonstrando sua transversalidade, isto é, a
forma como tal lógica atravessa a sociedade como um todo, aplicando a racionalidade
econômica capitalista pelas mais diversas instituições sociais. Assim, a lógica de fun-
cionamento do mercado, a ideia de “eficiência”, a empresa como modelo ideal e hege-
monia da racionalidade técnica ultrapassam a esfera econômica e passam a formatar
as ações do Estado e das políticas públicas, da cultura e da educação e dos modelos
de gestão, atuando, inclusive, sobre a construção da subjetividade (ANDRADE, 2019).
No lugar da ênfase do ser como indivíduo e cidadão (liberalismo clássico), predomina a
concepção do indivíduo como consumidor (neoliberalismo).

Filosofia da Educação 89
Temas Filosóficos da Educação

SAIBA MAIS
Como apontado, as reflexões sobre o neoliberalismo, suas essências e consequências nas
3 sociedades contemporâneas são múltiplas e partem de diferentes perspectivas. No artigo
indicado a seguir, Daniel P. Andrade analisa os principais argumentos e definições sobre o
neoliberalismo sob a ótica das ciências sociais. Ele apresenta as diferentes correntes que
se constituíram nos últimos anos, a partir de autores como Karl Marx, Max Weber, Pierre
Bourdieu, Michael Foucault e outros, para demonstrar as diferentes percepções da ideologia
neoliberal pelo conjunto da sociedade que compreende desde seus efeitos sobre o trabalho
e sua precarização até as formas de controle e de disciplina das condutas dos indivíduos, de
modo que eles se conformem às normas e ideologia vigentes.

A leitura do artigo possibilita compreender um quadro mais geral das reflexões sobre o neo-
liberalismo.

ANDRADE, D. P. O que é o neoliberalismo? A renovação do debate nas ciências sociais.


Revista Sociedade e Estado, São Paulo, vol. 34, n. 1, jan./abr. 2019. Disponível em: https://
www.scielo.br/j/se/a/RyfDLystcfKXNSPTLpsCnZp/?lang=pt#. Acesso em: 27 jan. 2022.

3.2 NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO


Há, portanto, uma mudança importante entre os ideais do liberalismo clássico do século
XVII e o neoliberalismo do final do século XX e início do XXI: enquanto o primeiro tem
como base principal a defesa da liberdade do indivíduo, o segundo prioriza a liberdade
econômica e a ideia do indivíduo enquanto consumidor. Porém, como tal ideologia efe-
tivamente influencia na concepção e na organização da educação, nas suas finalidades
e nos sistemas educacionais?

Marrach (1996) afirma que a educação ocupa um papel importante e estratégico na


retórica e na ideologia neoliberal: “No discurso neoliberal a educação deixa de ser parte
do campo social e político para ingressar no mercado e funcionar a sua semelhança”
(MARRACH, 1996, p. 43). Nessa perspectiva, a ideologia neoliberal determina quais
seriam as características e os objetivos básicos da educação.
` Formar mão de obra qualificada para o mercado de trabalho, de modo que o indivíduo
seja preparado para atender às necessidades do mundo empresarial e possa se ajustar
a elas. Assim, no cerne da formação do ser está a profissionalização, isto é, a aquisição
de determinadas competências como a linguagem técnica, informática, raciocínio lógico,
técnicas de organização, atributos valorizados pela lógica industrial.

` Tornar a escola e a educação esferas importantes na transmissão dos valores da ideolo-


gia dominante. Aqui a educação ocupa um papel doutrinário: o de transmitir e conformar o
indivíduo a uma determinada visão de mundo. A educação exerce um papel essencial na
construção da realidade simbólica e, assim, sua posição se torna estratégica.

` Incentivar que a escola funcione como uma empresa, estruturada em técnicas de geren-
ciamento, para se tornar mais eficiente (MARRACH, 1996, p. 43-44).

Desse modo, aproxima-se a esfera da educação e da formação humana a um ethos


empresarial, adequando seus mecanismos e seu funcionamento à semelhança do fun-
cionamento do mercado. Nessa perspectiva, a educação se volta para a transmissão de

90
conhecimentos e saberes que se adequam às necessidades do mercado de trabalho.
Nesse processo, perde-se o conteúdo político da educação que se converte em um
serviço definido pelo mercado. Assim, termos como produtividade, eficiência, eficácia,
qualidade, descentralização, conceitos comuns no meio empresarial, passam a ser par- 3
te também da retórica educacional.

Universidade São Francisco


Para alguns estudiosos, esse deslocamento do sentido social da educação para o sen-
tido econômico e do mercado implicou em transformações de práticas e vivências no
meio educacional, assim como da própria concepção de educação sob a lógica neoli-
beral. Assim, países que adotaram as premissas do Consenso de Washington, regras
e práticas que condicionavam a ajuda financeira aos países da América Latina ao aten-
dimento de determinadas regras e condutas teriam refletidas no campo educacional
algumas práticas específicas, como:
` A tendência à privatização das instituições de ensino em diferentes modalidades.

` Deslocamento do Estado como principal agente financiador da educação.

` Novas formas de controle das práticas educacionais que voltam o enfoque para avalia-
ções específicas (exemplo: ENEM).

` Seleção de professores e de alunos e avaliação de cursos segundo critérios essencial-


mente quantitativos.

` Maior ênfase às práticas em detrimento das teorias.

` Enfoque nos fins a serem atingidos como forma de definição dos meios a serem usados.

` Investimento em cursos de formação técnica e profissionalizante com vistas a atender às


demandas específicas do mercado de trabalho.

` Ações educativas tecnizadas.

` Ênfase na formação rápida e, preferencialmente, a distância oferecida geralmente por


instituições privadas e mercantilizadas.

` Fetichização da educação, isto é, a educação transformada em mercadoria.

` Adoção de termos relacionados à sociedade do conhecimento como norteadores das


ideias que devem ser trabalhadas pela educação – usualmente, termos de origem na
língua inglesa, como knowledge society, know-how, knowledge workers etc. (SAMPAIO;
SANTOS; MESQUIDA, 2002, p. 172).

Os exemplos indicam de que modo a lógica, que é própria do mercado e do consumo,


transformam-se em fins e em práticas da educação; esta, por sua vez, passa a respon-
der às demandas e às necessidades que lhe são externas. Para Chauí (1999), a educa-
ção sob a ideologia neoliberal também se transforma em mercadoria e vira um negócio
disputado por organizações privadas a partir da ausência do Estado como garantidor
do direito à educação. Na reflexão de Chauí, o direito à educação, assim como outros
produtos da economia, passa a ser definido pelo mercado como um produto e serviço a
serem vendidos. Assim, a educação que, em sua origem, na Grécia, voltava-se para a
formação do ser, transforma-se em um grande negócio. Assim,

Filosofia da Educação 91
Temas Filosóficos da Educação

[...] razão, verdade, história são tidas por mitos, espaço e tempo se tornaram
a superfície achatada de sucessão de imagens, pensamento e linguagem
se tornaram jogos, constructos contingentes cujo valor é apenas estratégico
(então) essa instituição [a escola] não forma e não cria pensamento, despoja
3 a linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e a ad-
miração que levam à descoberta do novo, anula toda a pretensão de trans-
formação histórica como ação consciente dos seres humanos em condições
materialmente determinadas. (CHAUÍ, 1999, [n. p.]).

OBJETO DE APRENDIZAGEM

Figura 12. Mapa Mental – Neoliberalismo e Educação

Criação de Força
Habilidade e Atitudes
de Trabalho para o
Funcionais
mercado
Mercandilização
Níveis básicos de
Prioridade do Escolas livres
Competência em
Ensino Fundamental para lucrar com a
área geral
educação
Condições para
o trabalhador se
adaptar ao mercado Neoliberalismo
e Educação no
Brasil
Docência limitada às Controle sobre o
normas e padrões trabalho docente

Escolas responsáveis
Salários vinculados Descentralização
Controle sobre o pelos resultados
ao desempenho do
Trabalho docente
aluno
Monitoramento do
desempenho
Substituição do
aumento salarial por
bônus e gratificações
Controle das politicas educacionais
por agências externas, como o Banco
Mundial

Fonte: elaborado pela autora.

CONCLUSÃO
As sociedades contemporâneas têm imposto novos desafios à escola e à educação,
questionando a centralidade do papel na sociedade e os pesos que caem sobre a ins-
tituição escolar diante de um mundo que está em plena transformação. Viviane Mosé
afirma que a escola não é solução para as crises vivenciadas pela sociedade e pelo
mundo contemporâneo, uma vez que ela é parte desse mundo e também se encontra
no centro da crise.

Os temas tratados nessa unidade permitem compreender os desafios que estão pela
frente e apontam contribuições importantes para a criação de uma formação humana
voltada para autonomia, liberdade e criatividade. Como observaso, essa é uma das
grandes contribuições do pensamento e da reflexão filosófica: possibilita um olhar críti-
co e reflexivo sobre o meio e sobre nossas práticas.

92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MANUEL Castells – a obsolescência da educação. 7 abr. 2014. 1 vídeo (4min 14s). Publicado pelo canal Fronteiras
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Universidade São Francisco


news/news/towards_knowledge_societies_an_interview_with_abdul_waheed/. Acesso em: 22 jan. 2022.

Filosofia da Educação 95
Filosofia e os novos desafios

UNIDADE 4

FILOSOFIA E OS NOVOS DESAFIOS


4

INTRODUÇÃO
No decorrer deste livro, você viu conceitos básicos da Filosofia ao longo da história da
humanidade, aprendeu sobre algumas formas de conhecimento e como elas se iden-
tificam com a Educação, além de estudar os principais filósofos e os grandes nomes
ligados à Educação e suas teorias.

Nesta última unidade, você conhecerá um pouco sobre os novos desafios para a Filo-
sofia e de que maneira podemos relacioná-los com a Educação e com a Pedagogia na
atualidade.

Você estudará também, de maneira breve, sobre a transição da Filosofia moderna para
a Filosofia contemporânea, que ocorre entre os séculos XVIII e XIX e solidifica-se nos
séculos XX e XXI, além de entender como esses pensamentos filosóficos influenciaram
e influenciam a Educação atual.

Para isso, falaremos sobre a Escola de Frankfurt, que teve início no século XX, e como
ela foi um marco para a ideia de Educação que se tem hoje. Por meio dela, você saberá
quais eram os pensamentos predominantes, quais eram as pautas estudadas e quais
os principais nomes ligados à escola.

Ainda nesta unidade você estudará sobre a Indústria Cultural, como a ideia está ligada ao
conceito de alienação de uma sociedade e a produção de arte como objeto de consumo.

Através desse panorama sobre a Filosofia contemporânea você chegará à Educação


e como os conceitos que foram abordados até aqui se relacionam com ela. Será que a
escola, assim como a arte na Indústria Cultural, tornou-se um objeto de consumo? E a
Educação? E a Pedagogia?

Todas essas indagações nos fazem refletir sobre qual é o papel do professor dentro
da contemporaneidade e como a Filosofia pode contribuir para uma educação, de fato,
transformadora.

1. NOVAS TENDÊNCIAS PARA A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA


Para falarmos sobre as novas tendências da Filosofia contemporânea, vale a pena in-
vestigar um pouco o significado da palavra “contemporâneo”. Quando falamos nela, o
que lhe vem à mente?

96
GLOSSÁRIO

con·tem·po·râ·ne·o

adj
4
1. Que é do mesmo tempo; que existiu ou viveu na mesma época; coetâneo, coevo, temporâneo.

Universidade São Francisco


2. Que é do tempo atual.

sm

1. Homem do mesmo tempo.

2. Homem do nosso tempo.

Informações complementares

VAR.: contemporão.

Etimologia

lat contemporanĕus.

MICHAELIS: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. https://michaelis.uol.com.br/moder-


no-portugues/busca/portugues-brasileiro/contempor%C3%A2neo/. Acesso em: 27 jan. 2021.

Através do significado contido no dicionário Michaelis, você pode observar que “con-
temporâneo” tem ligação com atualidade, o que é do nosso tempo, mas será que para
a Filosofia e para a História a palavra tem o mesmo significado?

Quando se trata da palavra “contemporâneo” na História e na Filosofia o sentido é um


pouco modificado, pois ele incorpora também uma parte do passado até os dias atuais.
Alguns historiadores acreditam que o período contemporâneo inicia no final do século
XVIII e início do século XIX e se estende até a atualidade. Para a filósofa Marilena Chauí
a Filosofia contemporânea tem início em meados do século XIX: “(...) a Filosofia contem-
porânea vai dos meados do século XIX até nossos dias e que, por estar próxima de nós, é
mais difícil se ser vista em sua generalidade, pois os problemas e as diferentes respostas
dadas a eles parecem impossibilitar uma visão de conjunto” (CHAUÍ, 2000, p. 59).

Pensa-se, então, que o período contemporâneo, para alguns historiadores, começou


com a Revolução Francesa, e com ela houve a ascensão da burguesia e a consolidação
dos ideais iluministas.

Filosofia da educação 97
Filosofia e os novos desafios

SAIBA MAIS

Figura 01. Queda da Bastilha

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Francesa#/
media/Ficheiro:Anonymous_-_Prise_de_la_Bastille.jpg. Acesso em: 23 fev.
2021.

A Revolução Francesa, como o próprio nome diz, aconteceu na França, entre os anos de
1789 e 1799. Durante esse período, percebia-se um grande movimento político e social no
país que, por consequência, teve um impacto que perdurou na história da França e abrangeu
toda a Europa. A desigualdade social que ocorria no país motivou a revolução, pois a nação
vivia em regime de monarquia absolutista e a maioria da população pagava altos impostos e
vivia em condições precárias.

Assista ao vídeo sugerido a seguir e veja um resumo do que foi a Revolução Francesa.
https://www.youtube.com/watch?v=I8q0S_XGwdg&t=415s. Acesso em: 23 fev. 2021.

Pode-se dizer que o iluminismo foi um movimento intelectual que surgiu na Europa
depois do período medieval. O foco principal era usar a razão, que remete à luz, para
fazer as reflexões que antes eram feitas, em geral, pelos pensadores religiosos. O anti-
go período era visto como “trevas”, portanto a luz do iluminismo surgia com o intuito de
“combater” as trevas.

Mediante o progresso científico ocorrido no iluminismo, houve a Revolução Industrial e


o capitalismo se consolidou. Juntamente com ele, por meio dos processos de produção
mais eficazes e rápidos, novos itens de consumo passaram a surgir, entretanto a mes-
ma tecnologia que era capaz de produzir carros também era capaz de produzir armas.
Esse “progresso” passou a ser criticado, segundo Chauí (2000, p. 59), porque serviu
como cenário para tornar legítimos colonialismos e imperialismos – com a perspectiva
de superioridade de cultura e que os “adiantados” poderiam então aculturar os “atrasa-
dos” –, fortalecendo a ideia eurocêntrica como o padrão cultural a ser seguido.

98
Ainda no século XIX, contrapondo-se ao capitalismo, surgiu o pensamento socialista,
em que, resumidamente, através da ótica da economia, ocorreu o processo histórico-
-social da exploração, da força de trabalho e seus desdobramentos, o que mobilizou os
trabalhadores a entenderem qual era sua classe, ganhando, assim, consciência.

Porém, é somente no século XX que as ideias do período contemporâneo se solidifi- 4


caram, principalmente no âmbito dos direitos humanos, tendo em vista a tragédia que

Universidade São Francisco


foram as duas Guerras Mundiais, e os pensadores buscaram entender o que havia
acontecido de errado em relação ao século XIX e as consequências negativas que as
tecnologias haviam provocado para a humanidade, como, por exemplo, a bomba de
Hiroshima e Nagasaki, os campos de concentração nazistas, ditaduras, invasões comu-
nistas, etc. (CHAUÍ, 2000, p. 60).

SAIBA MAIS

Você sabe o que são os direitos humanos?

Pode-se dizer que os direitos humanos são os direitos básicos que devem ser assegurados
para todos os seres humanos, sem distinguir classe social, raça, nacionalidade, religião,
cultura, orientação sexual e gênero.

Para entender mais sobre o que são os direitos humanos, assista ao seguinte vídeo:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Canal: Parabólica – Pedro Rennó.


https://www.youtube.com/watch?v=tqmp8PDDeaM. Acesso em: 23 fev. 2021.

A seguir, você estudará sobre a Escola de Frankfurt e sobre a Indústria Cultural, conhe-
cerá os principais pensadores da época e verá como é possível ligar suas ideias com
a Educação.

1.1. ESCOLA DE FRANKFURT


A Escola de Frankfurt encontra-se no século XX e também no século XXI. Ela surgiu
no ano de 1924 como uma escola filosófica dentro do departamento de pesquisa social
da Universidade de Frankfurt (ARANTES, 1980, p. 6). Compreendia o pensamento de
vários filósofos da época e tinha uma forte influência marxista, porém não o marxismo
ortodoxo, ligado a partidos e sindicatos. Pelo contrário, eles eram capazes inclusive de
fazer críticas a esses movimentos (ARANTES, 1980, p. 7).

Vale salientar que a Escola de Frankfurt surgiu em um período histórico entre as Duas
Grandes Guerras, na Alemanha, e teve como nomes importantes alguns pensadores
como Theodor Adorno e Max Horkheimer, que faziam críticas ao regime fascista italia-
no, ao nazismo alemão e ao socialismo soviético, ou seja, criticavam regimes tanto da
direita quanto da esquerda.

É possível perceber então que, mesmo tendo como base as ideias marxistas, a Es-
cola de Frankfurt critica o governo socialista soviético de Stalin e tudo que tem como
base o totalitarismo.

Filosofia da educação 99
Filosofia e os novos desafios

Dentro desse contexto, você conhecerá três pensadores muito importantes para a Es-
cola de Frankfurt, dentre outros grandes estudiosos que contribuíram demasiadamente
para a escola e sua filosofia.

Theodor Adorno
4
Figura 02. Theodor Adorno Theodor Wiesengrund-Adorno nasceu no ano de
1903, em Frankfurt, na Alemanha, e foi um gran-

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Theodor_W._Adorno#/
de pensador que pertenceu à Escola de Frank-

media/Ficheiro:Adorno.jpg. Acesso em: 23 fev. 2021.


furt. (ARANTES, 1980, p. 10). Na Universidade
de Frankfurt estudou Filosofia, Musicologia, Psi-
cologia e Sociologia.

No ano de 1924, Adorno e alguns colegas funda-


ram o então “Instituto de Pesquisas Sociais” na
Universidade de Frankfurt, que mais tarde seria
chamado de “Escola de Frankfurt”.

Por conta no nazismo, Adorno se refugiou na


Inglaterra, onde se tornou professor de Filosofia
na Universidade de Oxford, porém, mais tarde,
refugiou-se nos Estados Unidos e passou a es-
tudar mídia a fim de conhecer a cultura, a arte e
o consumo do país. Mais adiante, ainda nos Es-
tados Unidos da América, foi convidado por Max
Horkheimer para dar aulas em Princeton (ARANTES, 1980, p. 10).

Juntamente com Horkheimer, Adorno escreveu Dialética do iluminismo, que também foi pu-
blicado como Dialética do esclarecimento, em que ambos desenvolveram a Teoria Crítica
(ARANTES, 1980, p. 10). Nessa obra, ambos esclarecem o conceito de Indústria Cultural
(sobre o qual você verá mais adiante), conceito esse que fazia parte da Escola de Frankfurt.

A Teoria Crítica tratava-se justamente de uma crítica à academia e aos modelos culturais em
voga e à recente hegemonia americana na cultura que surgia. Essa teoria também propunha
uma nova visão/interpretação do socialismo e revisava os conceitos da psicanálise e da so-
ciologia, tentando apresentar formas de romper com a alienação e a exploração do operário
e da população em geral.

SUGESTÃO DE LEITURA

Dialética do esclarecimento: Theodor Adorno e Max Horkheimer

O livro Dialética do esclarecimento é uma obra muito importante para entender o período
contemporâneo, pois ele faz uma análise de como a sociedade chegou ao ponto em que
está, isto é, como, após o iluminismo e a tentativa de universalização de conhecimento, a
chegada da tecnologia, as pessoas enquanto sociedade resolveram apoiar regimes autoritá-
rios como, por exemplo, o fascismo e o nazismo. Reflete sobre a Indústria Cultural e o poder
de dominação em massa.

É uma obra densa, com muitos conceitos importantes que conseguem transmitir a essência
do período contemporâneo.

100
SAIBA MAIS

Vídeo: Escola de Frankfurt. Theodor Adorno. Brasil Escola

Gostaria de conhecer um pouco mais sobre Theodor Adorno?


4
Assista ao vídeo do Brasil Escola disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3pT-
m8W1TK2k. Acesso em: 27 jan. 2021.

Universidade São Francisco


Max Horkheimer

Figura 03. Max Horkheimer Max Horkheimer nasceu no ano 1985, em


Stuttgart, na Alemanha (ARANTES, 1980, p.
11). Filho de pais judeus, aos 16 anos pausou
seus estudos para trabalhar numa indústria
juntamente com seu pai. Quando iniciou a
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/

Primeira Guerra Mundial, ele teve de servir


seu país no exército.
commons/9/94/Max_Horkheimer.jpg

Ao fim da Primeira Guerra, Horkheimer re-


tomou seus estudos e formou-se em Psico-
logia e Filosofia. Conheceu Theodor Adorno
em Frankfurt, pessoa com a qual ele funda-
ria mais à frente a então Escola de Frankfurt.

Seus pensamentos são considerados mar-


xistas não ortodoxos, pois ele, embora con-
cordasse com as ideias de Marx, era tam-
bém crítico a elas. Juntamente com Theodor
Adorno publicou, em 1944, a obra Dialética
do esclarecimento, em que, juntos, desenvolveram a Teoria Crítica, na qual falavam sobre
duas ideias por meio de uma análise contextualizada com o momento histórico vivido (Guer-
ras) e também com os pensamentos iluministas, tentando entender o que havia dado errado
com a tecnologia e por que, mesmo com tanto desenvolvimento, o mundo ainda apresentava
vários problemas de cunho social e econômico.

Em suma, pode-se dizer que nessa obra os autores dizem que o esclarecimento acaba por
ser o anseio que os sujeitos têm de dominar a natureza a seu favor, isto é, ter conhecimento,
dominar as técnicas, e com isso conclui-se que o esclarecimento é uma forma de totalitarismo,
pois seu objetivo é a dominação, e é exatamente nesse ponto que iniciam as críticas de ambos
contra os regimes totalitários, como o fascismo, o nazismo e, de certa forma, até o comunismo.

SAIBA MAIS

Para conhecer mais sobre Max Horkheimer acesse o vídeo a seguir que trata um pouco so-
bre a Teoria Crítica e o marxismo. Trata-se de um trecho de um vídeo de 1969, com legendas
em inglês e português.

HORKHEIMER, Max. Teoria Crítica e marxismo, 1969. 1 vídeo (1 min 57 s). Publicado por Vicfiori.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=o-WWvteGCWM. Acesso em: 27 jan. 2021.

Filosofia da educação 101


Filosofia e os novos desafios

Walter Benjamin

Figura 04. Walter Benjamin Walter Benjamin nasceu no ano de 1892, em Berlim,
na Alemanha, em uma família de judeus. Ele foi filó-

commons/c/cc/Walter_Benjamin_vers_1928.jpg.
sofo, crítico literário e ensaísta. Segundo Baixo: “A

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
4 filosofia da história de Walter Benjamim bebe em três
fontes diferentes: o romantismo alemão, o messia-
nismo judeu e o marxismo” (BAIXO, 2002, p. 1). Isto
é, para tentarmos entender suas ideias é necessário
que saibamos o contexto no qual ele viveu, pois atra-
vés dessas três concepções ele criou uma nova.

Benjamin estudou Filosofia, mas com a ascensão


do nazismo, ele emigrou para Paris no ano de 1935
(ARANTES, 1980, p. 10). Quando o regime nazis-
ta invadiu a França, o pensador tentou fugir para a
Espanha, com o objetivo de viajar para os Estados
Unidos, porém, quando chegou à fronteira, os espa-
nhóis não lhe deram a passagem. Receoso de ser entregue aos nazistas, ele se suicidou com
uma dose de morfina que tinha levado consigo (ARANTES, 1980, p. 6).

A história dele sendo um alemão judeu está intimamente ligada às suas ideias, e o pensador
contribuiu com a Escola de Frankfurt, pois parte de sua obra tenta entender a sociedade por
meio da cultura de massa e da indústria cultural, conceitos extremamente importantes que
ainda influenciam o mundo atual. As ideias de Benjamin você verá mais profundamente no
próximo item, intitulado “Indústria Cultural”, em que conhecerá o conceito de “aura” e a per-
cepção dele sobre o assunto.

Além desses três grandes nomes, outras duas figuras importantes do período contemporâ-
neo são Herbert Marcuse e Erich Fromm.

Herbert Marcuse

Figura 05. Herbert Marcuse Herbert Marcuse nasceu na Alemanha,


na cidade de Berlim, em 1898, e era filho
de judeus. Foi um estudioso na área de
Literatura e Filosofia e recebeu influência
de Husserl e de Heidegger.

No ano de 1932, ele passou a fazer par-


te do Instituto de Pesquisas Sociais de
Frankfurt (Escola de Frankfurt), coman-
dado por Theodor Adorno e Max Horkhei-
mer. Porém, devido ao crescimento do
nazismo, ele se mudou para Nova Iorque.

De visão política voltada para a esquerda,


Marcuse fez várias críticas à sociedade
capitalista em suas obras. Uma delas é
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/ Eros e civilização (1955).
commons/6/69/Herbert_Marcuse_in_Newton%2C_
Massachusetts_1955.jpeg. Acesso em: 23 fev. 2021.

102
Ele partia do princípio de que, com o avanço da sociedade industrial, as falsas necessidades
de consumo acabam por fazer parte da mentalidade do indivíduo e que os meios de comu-
nicação de massa induzem a sociedade a desejar o consumo cada vez mais. Portanto, suas
ideias se fazem pertinentes, inclusive, nos dias de hoje, pois, além dos meios de comunica-
ção que já existiam naquela época, surgiram outros que reproduzem o mesmo pensamento. 4

Universidade São Francisco


Erich Fromm

Figura 06. Erich Fromm Erick Fromm nasceu no ano de 1900, em


Frankfurt, na Alemanha e foi psicanalista, fi-
lósofo e sociólogo. Filho de judeus, Fromm
foi pesquisador no Instituto de Pesquisa So-
cial da Universidade de Frankfurt (Escola de
Frankfurt).

Por conta da ascensão do nazismo na Ale-


manha, Fromm mudou-se para Genebra, na
Suíça, e depois para os Estados Unidos, onde
se tornou cidadão americano e trabalhou em
algumas instituições, como, por exemplo, o
Instituto de Pesquisas Sociais da Universida-
de de Colúmbia, na cidade de Nova Iorque.
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/7/72/Erich_Fromm_1974.jpg. Acesso em: O psiquiatra e filósofo produziu inúmeras
24 fev. 2021. obras, dentre elas Psicanálise da sociedade
contemporânea e Análise do homem.

Devido a sua formação, Fromm entendia que a Psicologia e a Sociologia eram capazes de estudar
as questões da sociedade contemporânea, portanto fazia uma análise psicanalítica da sociedade.

1.2. INDÚSTRIA CULTURAL


Indústria Cultural é um termo desenvolvido por Theodor Adorno e Max Horkheimer na famo-
sa obra Dialética do esclarecimento. O termo “indústria” está ligado, segundo o dicionário
online Michaelis ([s. d.], [n. p.]), à “série de atividades despendidas para transformar maté-
ria-prima em produto comerciável”. Dessa forma, quando associamos o termo “indústria”
com a palavra “cultura”, há uma visão de cultura feita em escala como objeto de consumo.

É justamente nesse sentido que Adorno e Horkheimer criaram a expressão “Indústria


Cultural” para se referirem à produção da cultura com um produto de consumo, servindo
como um objeto alienador da realidade. Vale relembrar que eles escreveram essa obra
em 1944, ano em que a Segunda Guerra estava vigente e quando havia uma ascensão
no nazismo, que se propagou devido à comunicação massiva e à propaganda nazista.

Dessa forma, Indústria Cultural engloba uma crítica feita pelos autores em relação às
classes sociais dominantes, que utilizavam os meios de comunicação de massa, a cul-
tura e as artes para dominar o povo, aliená-los sobre o que de fato acontecia e também
com objetivo comercial. Nessa ótica, Adorno e Horkheimer acreditavam que os produtos
dessa indústria da cultura eram problemáticos, pois visavam apenas o lucro, e a arte

Filosofia da educação 103


Filosofia e os novos desafios

em si perdia suas características reais. Na visão deles, os produtos culturais são pro-
duzidos com o intuito de venda, geração de receita e de forma massiva, como numa
indústria em larga escala (ARANTES, 1980, p. 16).

Mas será que esse conceito criado por Adorno e Horkheimer está distante da realidade atual?
4
Reportagem
Compositores de música sertaneja moram juntos para produzir hits. Fantástico

A reportagem do programa “Fantástico” fala sobre uma espécie de “república” na qual compositores de
música sertaneja moram e produzem músicas do gênero em tempo integral.

Os compositores moram em uma casa em Goiânia, onde produzem muitas canções durante o dia, funcio-
nando como uma fábrica de composições. As canções são vendidas a cantores, tanto iniciantes quanto
músicos já consagrados. Todas as composições têm objetivo comercial e não necessariamente artístico.

Observando tal fato, será que o conceito de “Indústria Cultural” criado por Adorno e Horkheimer ainda se
encontra atual?

COMPOSITORES DE MÚSICA SERTANEJA MORAM JUNTOS PARA PRODUZIR HITS. G1, 2019. Dis-
ponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/04/08/compositores-de-musica-sertaneja-moram-
-juntos-para-produzir-hits.ghtml. Acesso em: 27 jan. 2021.

Outro pensador que também contribuiu para a Escola de Frankfurt e para o contexto de
Indústria Cultural foi Walter Benjamin. É autor do livro A obra de arte na era de sua re-
produtibilidade técnica, no qual fala sobre o conceito de “aura” – algo único, singular, da
própria obra de arte, e quando a arte é reproduzida em escala perde essa aura, fazendo
com que a própria obra perca seu valor artístico (ARANTES, 1980, p. 15).

Quando Benjamin fala sobre a reprodutibilidade, ele tem o cuidado de visualizá-la, em


partes, como algo positivo. Ele dizia que muitas das técnicas artísticas, quando repro-
duzidas, também contribuem positivamente, promovendo uma espécie de democratiza-
ção de arte, assim mais pessoas conseguem ter acesso ao que antes era restrito a um
grupo de pessoas muito menor. Entretanto, essa reprodutibilidade faz com que a obra
perca sua essência, sua aura (ARANTES, 1980, p. 15).

Por exemplo, a reprodução de uma das obras de arte mais famosas do mundo, como
a Monalisa, fez com que a obra de Leonardo da Vinci se popularizasse, que pessoas
do mundo inteiro que não têm condições de ir até o Museu do Louvre, em Paris, co-
nhecessem a pintura. Porém, somente na pintura original encontra-se a singularidade
da obra, segundo Benjamin. Na obra original, é possível notar sua autenticidade, sua
singularidade, ou seja, sua aura.

Atualmente, através da internet, é possível visitar museus do mundo inteiro por meio
virtual, conhecer as obras de arte mais famosas sem sair de casa. Mas será que essa
reprodução traz a mesma essência de realmente estar no próprio museu? Essa é a
ideia de reprodutibilidade que Benjamin descreveu em seu livro, mostrando o contraste
da reprodução em massa das obras de arte.

104
Experiência virtual: casa de Anne Frank online

A casa de Anne Frank é um dos pontos turísticos mais procurados em Amsterdã, na Holanda, pois ela
serviu de anexo secreto para a família de Anne e mais quatros pessoas, durante o período da Segunda
Guerra Mundial. O grupo ficou confinado por mais de dois anos, fugindo do Holocausto.
4
Através da internet, é possível conhecer a casa toda, que se transformou em um museu que conta a
história da garota judia. O diário em que ela relata sua vivência durante esses dois anos está exposto lá.

Universidade São Francisco


É possível também fazer um passeio por meio de realidade virtual, tecnologia que aproxima a experiência
da visita virtual para mais perto da realidade.

Você pode fazer essa visita através do link: https://www.annefrank.org/en/museum/web-and-digital/. Aces-


so em: 27 jan. 2021.

Figura 07. Mapa conceitual

Theodor Adorno

Max Horkheimer

Walter Benjamin

INDÚSTRIA CULTURAL

Produção de cultura como um objeto de consumo servindo


como um alienador da realidade.

Fonte: elaborada pela autora.

2. FILOSOFIA E OS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO ATUAL


Como você já estudou neste livro, a Educação faz parte da vida dos seres humanos há muitos
séculos, pois os grandes pensadores já refletiam sobre as formas de adquirir conhecimento.

É claro que, conforme o tempo passa, a sociedade muda e traz novas demandas a se-
rem pensadas e repensadas referentes à vida e à prática pedagógica.

Quando se busca a palavra “educação” no dicionário online Michaelis, um dos significa-


dos apresentados é: “Processo que visa o desenvolvimento físico, intelectual e moral

Filosofia da educação 105


Filosofia e os novos desafios

do ser humano, através de métodos próprios com o intuito de assegurar-lhe a integra-


ção social e a formação da cidadania”. Ainda sobre o significado da palavra, se procu-
rarmos no dicionário de Filosofia de Abbagnano, temos: “EDUCAÇÃO (gr. 7iOü.5eíoe;
lat. Educatio; in. Education; fr. Éducation; ai. Erziehung; it. Educazioné). Em geral, de-
signa-se com esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que
4
são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de
homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do
ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado
e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura (v. CULTURA, 2), uma
sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração
para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão cha-
mam-se educação. (...)” (ABBAGNANO, 2007, p. 305-306).

Nesse aspecto, podemos perceber que a educação visa o desenvolvimento dos seres
humanos de maneira ampla (física, intelectual e moral) e também a integração dos
sujeitos dentro de uma sociedade. Observando essas definições e as ideias contidas
nelas, a educação pode ser utilizada como uma maneira de dominação e/ou de liberta-
ção, a depender do que é ensinado e de como é ensinado.

Você já parou para pensar que tipo de educação vem sendo desenvolvida no Brasil?
Para refletir sobre isso, vale fazer um breve panorama histórico.

A necessidade de educação escolar teve início no Brasil com a chegada dos portu-
gueses e com o processo de colonização – a educação era, então, um trabalho que
tinha como objetivo catequizar os índios e aculturá-los, impondo, inclusive, a língua
portuguesa como obrigatória. A estrutura educacional desse período era política, pois
visava a desvalorização da cultura local, já que o índio era considerado um selvagem a
ser domesticado, imagem semelhante à que se tinha dos negros escravizados quando
chegaram ao Brasil – vistos como mercadoria e sem o direito de estudar –, fato que
continuou a acontecer por muitos anos.

Com o passar dos séculos, mudanças significativas ocorreram na história da Educação,


que começaram desde esse primeiro período do Brasil Colônia, indo para o início do Im-
pério, Primeira República, Era Vargas, Ditadura até o Pós-ditadura e o momento em que
vivemos hoje (SOUZA, 2018, [n. p.]). Com isso, avanços aconteceram, como a criação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), gratuidade do ensino, ensino
fundamental obrigatório, atendimento em creches e educação infantil, além de outros
programas, como, por exemplo, o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE)
e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), entre outros.

SAIBA MAIS
Gostaria de entender um pouco mais sobre a história da Educação?

Através da revista Educação Pública e do texto “Educação e história da Educação no Brasil”,


você pode compreender, de maneira sintetizada, o processo de Educação no Brasil desde a
época colonial até os dias atuais.

Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/23/educao-e-histria-da-edu-


cao-no-brasil. Acesso em: 27 jan. 2021.

106
Ou através da série especial “História da Educação no Brasil”, da revista Nova Escola.

Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1910/serie-especial-historia-da-educa-


cao-no-brasil#. Acesso em: 27 jan. 2021.
4
De acordo com tudo que aprendemos até agora, você pensa que o Brasil está no cami-

Universidade São Francisco


nho certo quando se trata de Educação? Esta é uma pergunta muito comum e nela ca-
bem muitas respostas. Se pararmos para pensar em como era a Educação e como ela
avançou, dizemos que sim, que estamos no caminho certo, pois há progressos signifi-
cativos quando olhamos o todo. É o suficiente? Ainda não. Dados do IBGE nos mostram
que, em 2019, no Brasil, ainda havia 11 milhões de pessoas analfabetas, o equivalente
a 6,6% da população brasileira, porém o número é 0,2% menor que no ano anterior, o
que nos mostra que, mesmo lentamente, o percentual de analfabetos diminuiu.

Mesmo representando 6,6% da população brasileira, 11 milhões de pessoas analfabe-


tas é ainda um número grande de pessoas não alfabetizadas, e isso significa que ainda
há muito o que ser feito pela Educação brasileira.

Nesse cenário atual, a Filosofia se faz necessária tanto quanto se fez necessária desde
o período clássico, pois é através dela que retomamos os pensamentos, por meio da
reflexão, e encontramos caminhos para avançar.

As demandas filosóficas a serem pensadas na atualidade estão ligadas à cultura, pois


desde que a Educação chegou ao Brasil por parte dos colonizadores, o ensino se apro-
xima mais do que vem do norte global do que das demandas regionais.

Antes de começarmos uma discussão mais aprofundada, conheça o significado de cul-


tura, segundo o dicionário.

GLOSSÁRIO
cul·tu·ra
sf
1 AGR Ato, processo ou efeito de trabalhar a terra, a fim de torná-la mais produtiva; cultivo,
lavra.

2 AGR Ato de semear ou plantar vegetais.

3 AGR A área cultivada de um sítio.

4 AGR Produção agrícola com técnicas especiais; cultivo.

5 BIOL Ato de cultivar células ou tecidos vivos numa solução com nutrientes, em condições
adequadas, a fim de realizar estudos científicos.

6 Criação de determinados animais.

7 ANTROP Conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento,


adquiridos e transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo social.

Filosofia da educação 107


Filosofia e os novos desafios

8 Conjunto de conhecimentos adquiridos, como experiências e instrução, que levam ao de-


senvolvimento intelectual e ao aprimoramento espiritual; instrução, sabedoria.

9 Requinte de hábitos e conduta, bem como apreciação crítica apurada.


4 MICHAELIS: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: https://michaelis.
uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/cultura/. Acesso em: 27 jan. 2021.

Para Abbagnano (2007), o conceito de cultura se aprofunda ainda mais:


CULTURA (in. Culture, fr. Culture, ai. Kultur, it. Cultura). Esse termo tem dois
significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do ho-
mem, sua melhoria e seu refinamento. F. Bacon considerava a C. nesse
sentido como ‘a geórgica do espírito’ (De augm. scient., VII, 1), esclarecendo
assim a origem metafórica desse termo. No segundo significado, indica o
produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar
cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo
nome de civilização (v.). A passagem do primeiro para o segundo significado
ocorreu no séc. XVIII por obra da filosofia iluminista, o que se nota bem neste
trecho de Kant: ‘Num ser racional, cultura é a capacidade de escolher seus
fins em geral (e, portanto, de ser livre). Por isso, só a C. pode ser o fim último
que a natureza tem condições de apresentar ao gênero humano’ (Crít. do Ju-
ízo, § 83). Como ‘fim’, a C. é produto (mais que produzir-se) da ‘geórgica da
alma’. No mesmo sentido, Hegel dizia: ‘Um povo faz progressos em si, tem
seu desenvolvimento e seu crepúsculo. O que se encontra aqui, sobretudo,
é a categoria da C, de sua exageração e de sua degeneração: para um povo,
esta última é produto ou fonte de ruína’ (Pbil. der Geschichte, ed. Lasson, p.
43). (ABBAGNANO, 2007, p. 225)

O significado que consegue nos levar a refletir sobre Educação é: “Conjunto de conhe-
cimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos
socialmente, que caracterizam um grupo social”. Ou até: “formação do homem, sua me-
lhoria e seu refinamento”. Entretanto, não se deve reduzir cultura simplesmente a esse
conjunto de conhecimentos transmitido e adquirido por grupos sociais ou a formação do
homem e sua melhoria; é o que afirma Geertz no trecho a seguir:
O homem não pode ser definido nem apenas por suas habilidades inatas,
como fazia o iluminismo, nem apenas por seu comportamento real, como faz
grande parte da ciência social contemporânea, mas sim pelo elo entre elas,
pela forma em que o primeiro é transformado no segundo, suas potencialida-
des genéricas focalizadas em suas atuações específicas (...). Assim como a
cultura nos modelou como espécie única – e sem dúvida ainda nos está mo-
delando – assim também ela nos modela como indivíduos separados. É isso
o que temos realmente em comum – nem um ser subcultural imutável, nem
um consenso de cruzamento cultural estabelecido. (GEERTZ, 1989, p. 37-38)

Dessa forma, percebemos que a cultura não é estática, muito pelo contrário, ela é dinâ-
mica e muda conforme a sociedade muda, portanto está em constante evolução.

O desafio para a Filosofia contemporânea é conseguir agregar as demandas culturais de


forma inclusiva, que propague o debate saudável sobre várias questões importantes refe-
rentes à reflexão de preconceitos, inclusão social, práticas educativas de maneira geral.

108
Para isso, deve-se levar em conta o que Silva (2005, 2005, p.85) chama de multicultu-
ralismo. O autor diz que não é possível separar as questões culturais do poder – nesse
contexto, cabe a educação colonial, por exemplo. O autor acredita que, assim como a
cultura contemporânea, o multiculturalismo é ambíguo, pois “é um movimento legítimo
de reivindicação dos grupos culturais dominados no interior daqueles países para terem
4
suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional” (SILVA, 2005,
p. 85), porém, ainda segundo Silva, existe o outro lado, que pode ser visto como “uma

Universidade São Francisco


solução para os ‘problemas’ que a presença de grupos raciais e étnicos coloca, no interior
daqueles países, para a cultura nacional dominante” (SILVA, 2005, p. 85). Mesmo mos-
trando os dois lados do multiculturalismo, Silva acreditava que não seria possível separar
a cultura das relações de poder, pois quem tinha mais poder fazia com que diferentes
grupos, de diferentes grupos, se relacionassem e convivessem no mesmo espaço.

Dessa forma, é papel da Filosofia levantar questões sobre temáticas de cunho cultural
e social, com a finalidade de incluir as diversas culturas que estão presentes no nosso
país de maneira realmente representativa, mostrando que não há uma cultura superior
a outra, todas estão nos mesmos níveis, mas historicamente fomos levados a acreditar
que a cultura que vinha do Norte Global era superior à nossa, fazendo com que os pa-
drões de lá se repetissem aqui.

Ainda na visão de Tomaz Tadeu da Silva (2005), a perspectiva crítica do multiculturalis-


mo pode ser dividida em duas partes, uma visão pós-estruturalista (1) e uma materia-
lista (2). Na primeira, a diferença está basicamente no processo linguístico discursivo,
por exemplo, para ele a diferença é sempre uma relação, pois para algo ser diferente
ela tem de se diferir de algo que seria “não diferente” – e as relações de poder fazem
com que essa diferença adquira a ideia do que é “normal” ou não (SILVA, 2005, p. 87).
A perspectiva materialista é inspirada no marxismo e, na visão do autor, “enfatiza, em
troca, os processos institucionais, econômicos, estruturais que estariam na base da pro-
dução dos processos de discriminação e desigualdade baseados na diferença cultural”
(SILVA, 2005, p. 87). O autor ainda explica sobre o multiculturalismo materialista, com
um exemplo referente à discussão do racismo:
Assim, por exemplo, a análise do racismo não pode ficar limitada a processos
exclusivamente discursivos, mas deve examinar também (ou talvez principal-
mente) as estruturas institucionais e econômicas que estão em sua base. O
racismo não pode ser eliminado simplesmente através do combate a expres-
sões linguísticas racistas, mas deve incluir também o combate à discriminação
racial no emprego, na educação, na saúde. (SILVA, 2005, p. 87-88)

Nesse sentido, a Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabeleceu como obrigatório


o ensino da temática “História da Cultura Afro-Brasileira”, com a finalidade de ensinar no
conteúdo programática “a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil” (Lei n. 10.639) (BRASIL, 2003, [n. p.]).

Através de iniciativas como a dessa lei, percebe-se que a Educação brasileira tenta
trilhar um caminho de uma educação mais inclusiva, que visa resgatar a cultura que
até então não havia sido mostrada nos livros didáticos, pois eles eram sempre feitos
na perspectiva ocidental. As leis educacionais brasileiras surgiram, então, para garantir

Filosofia da educação 109


Filosofia e os novos desafios

que essas pautas sejam colocadas em discussão e que promovam o pensamento crí-
tico dos alunos, fazendo com que eles se sintam representados e conheçam a cultura
brasileira que está ligada principalmente à cultura africana, indígena e europeia.

No entanto, Silva ainda destaca, em uma visão mais conservadora, o multiculturalismo


4 pode ser visto como “um ataque aos valores da nacionalidade, da família e da heran-
ça cultural comum (...) pretende substituir o estudo das obras consideradas como de
excelência da produção intelectual ocidental pelas obras consideradas intelectualmente
inferiores produzidas por representantes das chamadas ‘minorias’” (SILVA, 2005, p. 89).
Essa visão do autor demonstra uma preocupação ainda atual por parte da sociedade, que
não enxerga com bons olhos a inclusão de temáticas como racismo, igualdade de gênero,
entre outras, como prática reflexiva dentro da sala de aula, portanto esse acaba por ser
um dos desafios da Filosofia na Educação atual: conseguir combater o preconceito em
temas importantes que merecem ser refletidos no âmbito educacional.

2.1. EDUCAÇÃO OU MERCADO?


Quando pesquisamos o significado de educação, ele vem atrelado à noção de desen-
volvimento, mas você já parou para pensar no que significa de fato “desenvolvimento”?
Quando se procura o significado dela no dicionário, surgem mais de 10 interpretações.

GLOSSÁRIO
de·sen·vol·vi·men·to

sm

1 Ato ou efeito de desenvolver(-se); desenvolução.

2 Passagem gradual (da capacidade ou possibilidade) de um estágio inferior a um


estágio maior, superior, mais aperfeiçoado etc.; adiantamento, aumento, crescimento,
expansão, progresso.

3 Aumento das condições ou qualidades físicas (força, tamanho, vigor, volume etc.); cresci-
mento.

4 Aumento da capacidade ou competência (moral, psicológica, espiritual, intelectual etc.);


amadurecimento, crescimento, evolução.

5 REL Exercício ou aprimoramento da capacidade mediúnica.

6 Exposição, apresentação, explanação, explicação ou exame minucioso, em sequência ló-


gica (escrita ou oral), de um tema qualquer; detalhamento, elaboração.

7 Revelação gradativa de; desenrolamento, evolução, prosseguimento.

8 Em um texto (normalmente constituído por introdução, desenvolvimento e conclusão), essa


segunda parte que abrange o assunto principal e corresponde à exposição detalhada e pro-
funda do eixo narrativo, descritivo ou argumentativo.

9 ECON Crescimento econômico de um país ou região, acompanhado por alterações na


estrutura política e social, que resulta em melhoria do padrão de vida da população.

110
10 GEOM Representação da superfície de um corpo sólido sobre um plano.

11 MAT Expressão de uma função qualquer na forma de uma série.

12 MAT Transformação de uma expressão em outra equivalente, mais extensa, porém mais 4
acessível ao cálculo.

Universidade São Francisco


13 ECOL V sucessão.

14 MÚS Execução de um tema (em especial, na sonata ou na fuga), motivo ou ideia, por mo-
dificações rítmicas, melódicas ou harmônicas; parte da música em que tal execução ocorre;
crescimento.

15 TOPOGR Extensão exata e efetiva de uma estrada; prolongamento.

MICHAELIS: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: https://michaelis.uol.


com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/desenvolvimento/

Para Abbagnano (2007) o significado é:


DESENVOLVIMENTO (in. Development; fr. Développement; ai. Entwicklung;
it. Sviluppo, Svolgimentó). Movimento em direção ao melhor. Embora essa no-
ção tenha precedentes no conceito aristotélico de movimento (v.) como passa-
gem da potência ao ato ou explicação do que está implícito (CÍCERO, Top., 9),
seu significado otimista é peculiar à filosofia do séc. XIX e está estreitamente
ligado ao conceito de progresso (v.). (...). (ABBAGNANO, 2007, p. 252)

A palavra “desenvolvimento” está ligada ao significado de crescimento, algo maior, su-


perior. Mas será que o desenvolvimento é sempre bom? Será que todo desenvolvimen-
to gera somente benefícios?

A ideia de Educação, quando vinculada ao desenvolvimento, deixa subentendido que,


por vezes, a educação é o único caminho para desenvolver uma sociedade, e órgãos
como a Organização das Nações Unidas (ONU), através de iniciativas como Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), reforçam essa ideia, pois entre os objetivos dessas agendas globais está a
educação para todos.

É claro que iniciativas como essas são boas, pois visam desenvolver a sociedade de
maneira sustentável, criar oportunidades para todos. Mas você já parou para pensar no
real sentido dessa educação para todos?

Como acabamos de ver, a ideia de desenvolvimento está, quase sempre, ligada a algo
positivo e que através desse conceito é possível “evoluir” como sociedade.

No entanto, a ideia de desenvolvimento na área da Educação deve ser cautelosa, pois,


caso contrário, repete-se o conceito eurocêntrico utilizado na época colonial, que Amaro
(2003, p. 42-47) chama de “conceito eurocentrado”, em que “a experiência histórica dos
países europeus considerados desenvolvidos” era levada em consideração como o que
deveria ser seguido.

Filosofia da educação 111


Filosofia e os novos desafios

Nesse aspecto, quando falamos em “desenvolvimento” na área educacional, seguindo


esse conceito eurocêntrico, fazemos da Educação um objeto de monocultura, no qual,
em qualquer lugar no mundo, aprende-se os mesmos conteúdos, fazendo com que as
pessoas se eduquem para serem capazes de alimentar um sistema de produção de
massa e acompanhar a industrialização – tornando a educação um produto para servir
4
à demanda do mercado.

Portanto, há um grande desafio para a atualidade: como educar sem aculturar? Como
“desenvolver” a educação de um povo de forma inclusiva?

Essas questões não são fáceis de serem respondidas, uma vez que vivemos em um
mundo globalizado e para conseguirmos suprir as necessidades do dia a dia, como
alimentação, moradia, segurança, precisamos buscar essa educação que nem sempre
visa ensinar para educar, e sim ensinar para satisfazer a uma demanda de mercado.

Esse conceito está intimamente ligado à teoria do desenvolvimento econômico, pois, para
que uma sociedade consiga se desenvolver economicamente, é necessário que ela alar-
gue sua industrialização. “(...) a teoria do desenvolvimento econômico era concebida
como um simples alargamento da teoria econômica assente no crescimento e na indus-
trialização” (GÓMEZ, 2007, p. 16). Ou seja, para desenvolver a economia é “necessário”
formar pessoas qualificadas para conseguir acompanhar o crescimento industrial.

Seguindo essa linha de raciocínio, o grande e principal desafio da Filosofia na Educação


atual é conseguir ser multicultural, respeitando as diferenças, sendo inclusiva e agregadora
para o maior número de pessoas, visando uma educação libertadora e não aprisionante.

Documentário: Escolarizando o mundo: o último fardo do homem branco


O documentário Escolarizando o mundo (Schooling The World: The White Man's Last Burden) busca
redirecionar o olhar do espectador para uma visão diferente de Educação. De forma crítica, faz reflexões
muito fortes sobre o modelo educacional ocidental que é replicado no mundo todo e levanta a questão:
será que essa Educação ocidental que tanto replicamos é libertadora ou molda os seres humanos para
serem produtos do capitalismo?

O documentário está disponível, gratuitamente, no YouTube através do link: https://www.youtube.com/


watch?v=6t_HN95-Urs&t=1570s. Acesso em: 27 jan. 2021.

SUGESTÃO DE LEITURA

A escola não é uma empresa – Christian Laval

No livro escrito pelo francês Christian Lavan e traduzido por Mariana Echalar, a educação é
discutida através do avanço neoliberal, e o autor disserta sobre como grandes órgãos, como
o Banco Mundial, por exemplo, pressionam os sistemas de educação para se moldarem ao
capitalismo contemporâneo.

LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2019.

112
2.2. AS MULHERES NA FILOSOFIA: UMA NOVA TENDÊNCIA?
Seria a Filosofia uma área predominantemente masculina? Havia mulheres filósofas na
Antiguidade? E na atualidade? Questões como essas por vezes surgem na mente de
quem estuda Filosofia, pois, quando começamos a estudar os conceitos básicos e os
principais pensadores, deparamo-nos, quase sempre, com nomes de homens, como os 4
principais filósofos da humanidade. Então, afinal, há mulheres filósofas?

Universidade São Francisco


Sim, há atualmente grandes nomes femininos que representam a Filosofia na contem-
poraneidade, porém esse fato não é exclusivo do período contemporâneo. Já existiam
filósofas mulheres há muito tempo, inclusive na Antiguidade. É exatamente isso que
mostra a seguinte obra:

SUGESTÃO DE LEITURA
Filósofas: a presença das mulheres na Filosofia. Organizadora: Juliana Pacheco

O livro Filósofas: a presença das mulheres na Filosofia, idealizado e organizado por Juliana
Pacheco, traz 19 capítulos que contam um pouco sobre a vida e a obra de 19 filósofas que
fazem parte da história da Filosofia desde a Antiguidade até o presente momento.

Vale salientar que existem muito mais que 19 mulheres filósofas, porém a autora teve de
escolher os principais nomes para sua obra.

Você pode baixar o livro em versão digital através do link:

http://docs.wixstatic.com/ugd/48d206_3d0d3201e32a4ef6bff8c18b7b85719a.pdf. Acesso
em: 27 jan. 2021.

No livro Filósofas: a presença das mulheres na Filosofia, você pode conhecer nomes
de filósofas de várias partes do mundo, alguns menos conhecidos e outros bastante
famosos, como Hannah Arendt, Simone de Beauvoir e Angela Davis.

Hannah Arendt

Figura 08. Hannah Arendt


Hannah Arendt nasceu na Alemanha, em 1906,
commons/b/b1/Hannah_Arendt_1933.jpg. Acesso

mas mudou-se muito jovem para a Prússia com a


Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/

sua família, que era judaica. Ela foi uma importante


filósofa da contemporaneidade. Por ser judia, pôde
ver de perto os horrores do nazismo, o que fez com
que ela estudasse o totalitarismo.

À frente de sua época, Hannah é uma das mais impor-


tantes filósofas do período contemporâneo.

Para saber um pouco mais sobre ela, assista ao vídeo:


em: 24 fev. 2021.

Para refletir sobre Hannah Arendt – Canal Curta!

https://www.youtube.com/watch?v=EWpnkVJsyEs.
Acesso em: 24 fev. 2021.

Filosofia da educação 113


Filosofia e os novos desafios

Simone de Beauvoir

Figura 09. Simone de Beauvoir A francesa Simone de Beauvoir nasceu em Paris,


no ano de 1908, e foi uma importante escritora, filó-

commons/c/c1/Simone_de_Beauvoir2.png. Acesso
sofa e feminista. Cursou Filosofia na Universidade
4 de Sorbonne e com apenas 23 anos já era profes-

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
sora universitária.

A filósofa é autora do famoso livro O segundo sexo – sua


principal obra –, que representou fortemente uma deses-
truturação dos padrões sociais daquela época. Sua obra
foi extremamente importante, pois combatia várias ques-
tões ligadas à opressão feminina e ao patriarcado.
em: 24 fev. 2021.
Para saber mais sobre Simone de Beauvoir, assista
ao vídeo:

Dia Internacional da Mulher. Saiba quem foi Simone


Beauvoir – Personalidades Antigas – Canal Objetos
Antigos.

https://www.youtube.com/watch?v=06fAe25K8fs. Acesso em: 24 fev. 2021.

Angela Davis

Figura 10. Angela Davis Angela Davis nasceu em 1944, no Alabama, nos
Estados Unidos da América. Ela se formou filósofa
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/66/

e é escritora, professora e ativista.

O pensamento de Davis é influenciado por Marx e


Angela_Davis_en_Bogot%C3%A1%2C_Septiembre_

pela Escola de Frankfurt, mas sua luta e militância


vão além. Ela participa de muitos movimentos so-
ciais nos quais defende a igualdade de gênero e a
igualdade racial.
de_2010.jpg. Acesso em: 24 fev. 2021.

Sua obra e luta influenciaram e ainda influenciam


várias filósofas brasileiras da atualidade, como, por
exemplo, Lélia Gonzales e Djamila Ribeiro.

Para saber mais sobre Angela Davis, assista ao vídeo:

Angela Davis: quem é e por que ela é importante.


Jaqueline Conceição – Canal Casa do Saber.

https://www.youtube.com/watch?v=HGa8d3uFOt4.
Acesso em: 24 fev. 2021.

Nesta unidade, por tratarmos de contemporaneidade, falaremos de alguns nomes de


filósofas contemporâneas brasileiras, como: Lélia Gonzalez, Marilena Chauí, Sueli Car-
neiro e Djamila Ribeiro.

114
Lélia Gonzalez

Figura 11. Filósofa Lélia Gonzales Lélia de Almeida nasceu em Minas


Gerais, no ano de 1935. Na década
de 1960, casou-se com Luiz Gon-
zalez, de quem herdou o sobreno- 4
me. Lélia era filha de pai negro e

Universidade São Francisco


mãe indígena, o que a motivou em
sua luta.

No ano de 1942, Lélia mudou-se


para o Rio de Janeiro. Graduou-se
em Filosofia e História; depois se
tornou mestre em Comunicação
Social e doutora em Antropologia.

A pensadora se destacou como in-


telectual e foi ativista nas áreas de
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%A9lia_Gonzalez#/media/
raça, classe e gênero – seus estu-
Ficheiro:L%C3%A9lia_Gonzalez_by_Cezar_Loureiro.jpg. Acesso
em: 27 jan. 2021. dos e sua vida inspiraram muitas
outras mulheres negras a seguirem os estudos pelo caminho da Filosofia também.

Em uma de suas obras, intitulada Racismo e sexismo na cultura brasileira, a filósofa debate
o mito da democracia social no Brasil e se baseia na psicanálise (Freud e Lacan) para tentar
entender o racismo no Brasil e o que ela chama de neurose cultural brasileira.

Infelizmente, Lélia morreu jovem, em 1994, por causa de problemas cardiovasculares, mas
certamente sua obra é fundamental para entender o Brasil e contribui muito para a Educação
contemporânea, principalmente no combate ao racismo.

SAIBA MAIS

Vídeo: Lélia Gonzalez: o racismo estrutural. Jaqueline Conceição


Nesse vídeo, Jaqueline Conceição explica brevemente sobre racismo estrutural e sobre a
ideia de neurose cultural brasileira que Lélia Gonzalez falava em sua obra.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=X2ruqJntOWc&t=304s. Acesso em: 27 jan. 2021.

Vídeo: A história e o legado de Lélia Gonzalez


Uma breve explanação sobre a história e o legado de Lélia Gonzalez.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fv5_xRpHV2s. Acesso em: 27 jan. 2021.

Marilena Chauí

Marilena Chauí nasceu em 1941, na cidade de São Paulo, e é uma importante filósofa brasi-
leira. Além de professora e autora, foi também Secretária Municipal da Cultura de São Paulo,
no período de 1989 a 1992.

A pensadora graduou-se em Filosofia no ano de 1965, período da ditadura militar brasileira.

Filosofia da educação 115


Filosofia e os novos desafios

Figura 12. Marilena Chauí Ela tem mais de 30 livros publicados


e atualmente é professora titular da
Universidade de São Paulo (USP).

4 Suas pesquisas no âmbito acadêmi-


co, tanto no Brasil quanto no exterior,
são focadas em Spinoza e Merleau-
-Ponty.

Dentre tantas obras, uma que se des-


taca para quem quer iniciar os estu-
dos em Filosofia é Convite à Filoso-
fia, na qual a autora convida o leitor
a conhecer a Filosofia e alguns de
seus conceitos básicos através dos
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ea/
Marilena_chau%C3%AD_flickr.jpg. Acesso em: 24 fev. 2021. principais filósofos da história e refletir
sobre as questões fundamentais.

Marilena Chauí é uma mulher fundamental na contemporaneidade, que auxilia no saber filo-
sófico e contribui positivamente para a Educação atual, pois através de suas obras é possível
entender Filosofia de uma maneira prática e perceber o quanto a disciplina é importante para
o mundo e para o Brasil atual.

SAIBA MAIS

Vídeo: Escritos de Marilena Chauí. O que é cultura?

No vídeo indicado a seguir, a filósofa Marilena Chauí explica o que é cultura. Esta, e é uma
boa oportunidade para você conhecer um pouco sobre a pensadora.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-YQcFNoiDMw. Acesso em: 27 jan. 2021.

Sueli Carneiro

Figura 13. Sueli Carneiro Sueli Carneiro nasceu em 1950, na cidade de São
Paulo, e ingressou na Universidade de São Paulo
File:SueliCarneiro.jpg; . Acesso em: 24 fev. 2021.

(USP), no curso de Filosofia, no ano de 1971. A fi-


lósofa é militante nos movimentos feminista e negro;
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/

além disso, sua produção intelectual é voltada para


questões de raça e gênero.

Sueli é fundadora do Geledés – Instituto da Mulher


Negra –, uma organização independente feminista e
negra de São Paulo que atua na área social e como
organização não governamental.

A filósofa é doutora em Educação também pela


USP e autora de diversas obras, incluindo livros e
artigos científicos.

116
Uma de suas obras mais importantes é Racismo, sexismo e desigualdades no Brasil (2011),
na qual reflete, por meio de diversos textos, e convida o leitor a refletir criticamente sobre a
sociedade brasileira e como as relações sociais no Brasil são estruturadas através do sexis-
mo e do racismo.
4
Sem dúvida, Sueli Carneiro é uma filósofa contemporânea que auxilia a compreender a so-
ciedade brasileira atual e contribui para uma educação transformadora que visa igualdade

Universidade São Francisco


de gênero e racial.

SAIBA MAIS

Vídeo: Ela transformou sua indignação em luta contra o racismo

Nesse vídeo, a filósofa e doutora em Educação, Sueli Carneiro, fala brevemente sobre a
trajetória contra o racismo e como ela transformou sua indignação em luta.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PnEa-U4P06E Acesso em: 27 jan. 2021.

Vídeo: Sueli Carneiro: Ciência e racismo

Nesse pequeno vídeo, Sueli Carneiro fala sobre a relação entre a Ciência e o racismo e tam-
bém discorre sobre o conceito de epistemicídio.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gBYk4ePmS6s. Acesso em: 27 jan. 2021.

Djamila Ribeiro

Figura 14. Djamila Ribeiro Djamila Ribeiro nasceu em 1980, na ci-


dade de Santos, São Paulo. Graduou-se
em Filosofia pela Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), no ano de 2012,
e na mesma instituição tornou-se mestre
em Filosofia Política, em 2015.

Em 2016, foi Secretária Adjunta de Direi-


tos Humanos e Cidadania em São Paulo
e atualmente é colunista do jornal Folha
de São Paulo e da revista Elle Brasil.
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
Djamila é coordenadora do Selo Sueli Ri-
commons/4/47/Djamila_Ribeiro.jpg. Acesso em: 24 fev.
2021. beiro e da Coleção Feminismos Plurais.
A filósofa é autora também de diversas
obras, como Lugar de fala, Quem tem medo do feminismo negro? e de um dos livros mais
vendidos pela Amazon, Pequeno manual antirracista, dentre outras obras.

Em Pequeno manual antirracista, Djamila fala sobre alguns conceitos, como racismo, negritu-
de e branquitude, além de discorrer a respeito de violência racial e cultura. Em 11 capítulos,
a filósofa reflete e argumenta por que a prática antirracista é urgente e necessária.

Em suas obras, Djamila escreve sobre feminismo, racismo e sexismo. Na tese de mestrado, a
filósofa dissertou sobre a teoria feminista a partir da análise de Simone de Beauvoir e Judith Buther.

Filosofia da educação 117


Filosofia e os novos desafios

Djamila Ribeiro é uma importante pensadora contemporânea que discute temas extrema-
mente relevantes para a sociedade brasileira atual, como sexismo, feminismo e racismo.
Sua forte presença nas redes sociais consegue aproximar jovens e promover debates sobre
essas questões que, na atualidade, devem ser consideradas fundamentais em busca de uma
4 sociedade mais justa e igualitária.

SAIBA MAIS

Vídeo: Precisamos romper com os silêncios. Djamila Ribeiro. TED x São Paulo Salon
Participação da filósofa contemporânea Djamila Ribeiro no evento TED x São Paulo, falando
sobre romper silêncios, inclusão social e lugar de fala.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6JEdZQUmdbc. Acesso em: 27 jan. 2021.

Vídeo: O feminismo negro: entrevista com Djamila Ribeiro

Entrevista com Djamila Ribeiro sobre o feminismo negro.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0k1mh7N8Caw. Acesso em: 27 jan. 2021.

SUGESTÃO DE LEITURA
O que é lugar de fala? – Djamila Ribeiro

Nesse livro, Djamila Ribeiro fala sobre um conceito que vem sendo bastante discutido: o
lugar de fala. Na obra, ela questiona quem tem direito a voz em uma sociedade majoritaria-
mente branca, masculina e heterossexual, e nos faz pensar em outros lugares de fala e na
importância de mostrar diversas perspectivas, dando voz a quem realmente deve falar.

Figura 15. Mapa conceitual – Filosofia e os desafios para a Educação atual

MULHERES DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Lélia Gonzalez

Marilena Chauí

Sueli Carneiro

Djamila Ribeiro

Fonte: elaborada pela autora.

118
3. CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA PARA UMA EDUCAÇÃO
TRANSFORMADORA
Através deste livro, você já percebeu que, embora seja difícil conseguir conceituar Fi-
losofia, ela é provocadora e serve para nos fazer refletir sobre diversas questões que
4
circundam a vida humana. Ela está presente na política, na ética, na estética, portanto
está presente o tempo todo, inclusive na Educação.

Universidade São Francisco


O ato de pensar em Filosofia, levantar questões, indagar, refletir, nos tira da zona de
conforto e nos faz enxergar várias temáticas de maneira diferente, com uma visão mais
questionadora, que visa à busca pelo conhecimento, pelo saber.

Na Educação, o processo não é diferente; os pensadores que discutiram sobre essa


temática estão presentes em toda a história da humanidade, na busca de aprender e
também de transmitir conhecimento.

A Filosofia vem contribuindo para a Educação há muito tempo, desde a era clássica,
mas, quando se fala de contemporaneidade, ela se fez extremamente presente na Es-
cola de Frankfurt, pois lá grandes pensadores contemporâneos criaram o conceito de
Indústria Cultural e faziam críticas aos governos totalitaristas e como esses governos
utilizavam-se da cultura de massa para ganharem mais poder.

Um exemplo dessa temática é a propaganda nazista, que tinha apelo emocional mostrando
uma Alemanha próspera, mas, para isso estimulava o preconceito e o discurso de ódio nas
pessoas. O resultado, a própria História conta: o maior massacre da história da humanidade.

E o que isso tem que ver com a Educação? Tudo!

É papel da Filosofia contribuir para uma formação mais crítica, humanitária e justa. É
através dela e de seus princípios que se abre espaço para o diálogo, pois, quando há
diálogo, há, então, uma tentativa de exposição de ideias, de construção e desconstru-
ção de conceitos, há espaço para pensar, há espaço para tentar compreender o mundo
de maneira diferente.

A escola deve ser esse ambiente aberto para a conversa e para discussões de todos
os âmbitos, pois é nela que o aluno se insere com os seus conhecimentos em busca de
escolarização e da expansão desse conhecimento. Cabe à instituição de ensino, então,
acolher e promover esses debates.

Levando em consideração os dados do IBGE (2019, [n. p.]), a maioria dos estudantes
brasileiros está na rede pública de ensino. Na fase de creche e pré-escolar, são 74%
das crianças, no ensino fundamental 82%, e ensino médio 87%. (IBGE, 2019, [n. p.]).
Isso significa que a maioria das crianças e dos adolescentes brasileiros frequenta a
escola de ensino público e que para conseguirmos uma melhora global na educação é
necessário, mais do que nunca, investir na escola pública.

Não é incomum alguém ouvir um parente idoso dizer que antigamente a escola pública
era boa e que tinha qualidade, e que hoje em dia não se vê isso. Esse pensamento
do senso-comum é recorrente em muitos lugares, mas verdadeiro é relativo, pois

Filosofia da educação 119


Filosofia e os novos desafios

antigamente a escola pública não era para todos, era seletiva e elitista. Por não ser
obrigatória, muitas pessoas de origem mais humilde não terminavam o então “primeiro
grau” (hoje, ensino fundamental) e já começavam a trabalhar. Atualmente, a escola
pública está longe de ser perfeita e de atingir níveis altos de qualidade em exames
externos e internacionais, mas é melhor do que era antes, porque, hoje, ela consegue
4
englobar a maior parte da população, mais crianças estão na escola e um pouco mais
distantes do trabalho infantil.

Essas crianças que chegam às escolas todos os dias juntamente com sua mochila,
trazem consigo também seus sonhos (os que sabem sonhar), suas angústias e suas
histórias. A escola é, por vezes, o espaço de acolhimento, de alimentação, de discus-
são, de amizade, de integração, de inclusão e de ensino e aprendizagem. Portanto, o
papel do educador e da gestão escolar em si tem se tornado a cada dia mais complexo
e desafiador, pois a instituição de ensino não é apenas um lugar de absorção de conhe-
cimento e conteúdo; há muito tempo, ela tem sido, muitas vezes, a segunda casa das
crianças e adolescentes que ali passam e onde esses jovens acabam por despejar seus
problemas pessoais.

Por mais que o contexto da Indústria Cultural tenha sido criado na Escola de Frankfurt
no século passado, ele nunca esteve tão próximo de escolas da atualidade, devido à
globalização e à propagação desenfreada da internet. É possível enxergá-lo pratica-
mente a todo tempo nas redes sociais, porque através delas o mercado tomou outra
forma, e a melhor maneira de vender, seja um conceito, um serviço ou produto, está nas
plataformas digitais. A propaganda nem sempre tem “cara” de propaganda, pois, por
vezes, o produto aparece como indicação de um influenciador digital.

De certa forma, é possível dizer que a Indústria Cultural se reproduz nas redes sociais,
já que os algoritmos são capazes de nos direcionar para determinada postagem de
acordo com as publicações que curtimos, compartilhamos e comentamos, e assim esta-
mos cada vez mais conectados e mais doentes emocionalmente. Ainda relacionando a
Indústria Cultural da Escola de Frankfurt com a atualidade, a propagação de fake news
tem feito um papel semelhante à propaganda nazista, pois dissemina a desinformação
e o discurso de ódio.

O grande problema é que todos esses conflitos do período em que vivemos não estão
somente no campo virtual, eles saem das telas e chegam dentro das salas de aula e
nesse momento o que o professor deve fazer? Qual é o papel do professor? Qual o
papel da escola? Qual o papel da Filosofia?

Quando a educação é valorizada, professores têm formação continuada, plano de car-


reira e vivem em constante manutenção do conhecimento e aprimoramento, assim são
capazes de lidar com os múltiplos debates em sala de aula. Porém, sabe-se que nem
sempre a prática funciona dessa maneira, portanto responder à indagação anterior não
é tão simples quanto parece, mas a Filosofia pode ajudar.

Todas as questões aqui levantadas são atuais e pertinentes ao cenário de mundo glo-
balizado, são questões que precisam ser refletidas e discutidas dentro do ambiente
escolar, por isso a Filosofia se torna imprescindível, pois é nela que conseguimos a
base para discutir sobre política, ética, estética, ontologia e epistemologia, ou seja, tudo

120
que se faz presente em uma escola. É nela que os debates atuais sobre igualdade de
gênero, sexualidade e questões étnico-raciais vão ser baseados. Através da Filosofia os
alunos poderão debater formas de conhecimento e tornar-se cidadãos críticos e aptos
a discutir as demandas da sociedade atual.

Através dos campos da Filosofia é possível, então, utilizar de conhecimento para com- 4
preender a contemporaneidade.

Universidade São Francisco


Figura 16. Mapa conceitual – uma educação transformadora

CONTRIBUIÇÃO DA FILOSIFIA PARA UMA EDUCAÇÃO


TRANSFORMADORA

` INDAGAR
EDUCAÇÃO
FILOSOFIA ` REFLETIR
EMANCIPADORA
` QUESTIONAR

Fonte: elaborada pela autora.

CONCLUSÃO
Nesta quarta e última unidade, você pôde refletir criticamente sobre as novas tendên-
cias da Filosofia contemporânea e conheceu o conceito de contemporaneidade no sen-
tido do senso-comum e também para a História e para a Filosofia.

No primeiro tópico, você conheceu a Escola de Frankfurt, uma importante instituição do


século XX que se baseava em conceitos do marxismo não ortodoxo para criticar regi-
mes totalitários, como o nazismo, o fascismo e o regime socialista soviético.

Na escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer criaram o conceito de Indús-


tria Cultural, que criticava a produção de cultura como um objeto de consumo que servia
como alienador da sociedade. Neste contexto, Walter Benjamin também contribuiu para
a Escola de Frankfurt e para os estudos sobre a Indústria Cultural, pois ele acreditava
que, mesmo uma obra de arte perdendo sua “aura” quando replicada, servia positiva-
mente como democratização artística.

No tópico 2, você refletiu criticamente sobre os desafios para a Educação contemporânea


e pôde pensar mais profundamente sobre o que é, de fato, uma educação libertadora e
os interesses na educação como um objeto de consumo, assim como a Indústria Cultural.

Além disso, você viu que as mulheres da filosofia não são exatamente uma tendência
contemporânea, que elas já existiam desde a Antiguidade, e conheceu as principais

Filosofia da educação 121


Filosofia e os novos desafios

filósofas brasileiras da atualidade: Lélia Gonzalez, Marilena Chauí, Sueli Carneiro e


Djamila Ribeiro.

No terceiro e último tópico, você refletiu sobre as contribuições da Filosofia para uma
Educação transformadora e pôde relacionar a Filosofia e a Educação novamente. Per-
4 cebeu que a função da Filosofia é levantar questionamentos, fazer indagações sobre
as questões fundamentais da vida e assim tentar buscar conceitos e respostas para
essas perguntas. Dessa forma, não há como excluir a Educação da Filosofia, porque
ambas caminham juntas. Através da Filosofia consegue-se enxergar caminhos para a
Educação atual. Pensando nas temáticas presentes na contemporaneidade e levando
esses questionamentos para a sala de aula, conseguimos fazer da escola um espaço
democrático que busca igualdade de gênero, sexual, étnica e respeito pelas diferenças;
a escola torna-se, então, um espaço de transformação e de busca pela equidade.

122
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