O Som Que Não Se Escuta: A Representação Sonora Descritiva No Cinema Silencioso e o Caso de "O Homem Com A Câmera" de Dziga Vertov

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XXIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – Natal – 2013

O som que não se escuta: a representação sonora descritiva no cinema


silencioso e o caso de “O homem com a câmera” de Dziga Vertov

MODALIDADE: COMUNICAÇÃO

Renan Paiva Chaves


Unicamp – [email protected]

Claudiney Rodrigues Carrasco


Unicamp – [email protected]

Resumo: A discussão deste texto se insere no campo dos estudos do som de cinema. Com foco no
período silencioso, propomos uma ferramenta de abordagem para os documentos sonoros descritivos de
filmes, em seu formato inaudível, em especial, mas não apenas, aos que carecem de partituras
completas e indicações precisas. Tal ferramenta se estabelece a partir da concepção de poética de Luigi
Pareyson e da teoria dos modos de representação de Bill Nichols. Por fim, exemplificamos a proposição
com apontamentos analíticos referentes ao script sonoro/ musical de “O homem com a câmera” (1929)
de Dziga Vertov.

Palavras-chave: Som fílmico. Música de cinema. Cinema silencioso. Documentário. Dziga Vertov.

The inaudible sound: the descriptive sound representation in silent cinema and the case of the Dziga
Vertov’s "Man with a Camera"

Abstract: The discussion of this paper belongs to the field of film sound studies. With a focus on the
silent period, we propose a tool approach to descriptive sound documents of films in its format
inaudible, especially those that do not have scores and precise indications. This tool is established from
Luigi Pareyson’s concept of poetics and from the theory of the modes of representation developed by
Bill Nichols. Finally, we exemplify the proposition with analytical notes for the sound / musical script
of Dziga Vertov’s "Man with a Camera" (1929).

Keywords: Film sound. Film music. Silent cinema. Documentary. Dziga Vertov

1. Introdução

Apesar de na primeira fase do cinema silencioso ainda não haver uma


preocupação estilística proeminente entre conteúdo musical e narrativa fílmica, pode-se
apontar que a música portou-se como uma variável inerente ao cinema em sua irrupção e
desenvolvimento. Nos seus primeiros anos, as complexas relações advindas da grande
variedade de tipos de filme, locais de exibição e normas para música não propiciaram uma
prática musical uniforme, todavia foi a partir dessas experiências que o aspecto audiovisual
começou a ser desenvolvido (CARRASCO, 1993; CARRASCO 2003; HICKMAN, 2006).
Entre os últimos anos da década de 1890 e princípios do século XX, a
incorporação da música ao cinema esteve mais atrelada a funcionalidades do que à estilística
ou à estrutura fílmica. Contudo, no começo dos anos de 1900 já se notam as primeiras
tentativas de uma associação mais efetiva entre imagem e som: a música, além de criar um
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clima geral para a apresentação de filmes, começa a refletir sobre a especificidade de cada
filme ou sobre planos e sequências (HICKMAN, 2006); a música para filme passa a ser
encarada como objeto de uma profissão específica, ou seja, os músicos de cinema se
diferenciavam das outras eventuais categorias; trechos de músicas já são selecionados de
antemão pelo músico, de maneira que correspondam a cada momento do filme, em
detrimento a um primeiro momento no qual as músicas eram tocadas integralmente sem
muita preocupação (CARRASCO, 1993).
Enfim, mesmo que de forma embrionária e sob uma multiplicidade de
experiências sonoras, a música começa a se inserir à narrativa fílmica, apesar de os músicos
desfrutarem de grande liberdade de execução e do fato de que ainda, de forma geral, a
produção das imagens acontecesse com relativa independência da música (MARKS, 1997).
Contudo, é apenas quando os realizadores do cinema se interessam pelo acompanhamento
musical e quando seu potencial comercial é notado que as relações entre música e filme se
fortificam de maneira saliente e começam a ser formalizadas.
Nesse período, localizado aproximadamente entre meados da primeira década do
século XX e os anos 1910, com a massificação da audiência do cinema, a edição de material
musical para uso em acompanhamentos foi extremamente ampliada. Essas produções foram
catalogadas e publicadas em forma de coletâneas e antologias, que classificavam as músicas
essencialmente por clima, situação dramática, tempo e métrica (MARKS, 1997), fundando
assim as primeiras tipologias de música para cinema. Elas serviram, em um primeiro
momento, para guiar os músicos na seleção e acompanhamento de música para os filmes,
todavia os realizadores também passaram a utilizá-las, fosse como parâmetro para descrever
o acompanhamento desejado ou para escolher músicas específicas para cada sequência ou
intenção dramática. Essas indicações ou anotações feitas, chamadas de cue sheets, foram
sofisticadas com o passar dos anos, alcançando alto nível de detalhamento. Cabe pontuar que
as cue sheets não se limitaram ao âmbito do musical e nem ao uso da partitura, elas se
apresentavam como manual de instruções, e, em muitos casos, fundamentavam-se em
exemplos, analogias e referências escritas de sons musicais e não musicais.
De maneira congruente a esses fatos, aumentaram as ideias sonoro-musicais e
partituras originais compostas especificamente para cada filme. A respeito desse momento, já
se discute os diferentes paradigmas do cinema e a conquista de uma autenticidade artística
sobre a qual se pode notar distintos domínios, como o ficcional, o não ficcional (documental)
e o experimental (vanguardas europeias dos anos 1920). Um dos aspectos dessa nova arte que
estava deixando de ser marginal e que iniciava sua consolidação como objeto de estudo e
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como produto industrial, e que tem se mostrado essencial ao entendimento dos formatos
audiovisuais, é a relação entre música/ som e filme. Assim, neste trabalho, propomos uma
maneira de analisar os materiais sonoros, em sua forma documental escrita, referentes ao
cinema silencioso. Utilizaremos como exemplo de análise o script sonoro/ musical escrito
por Dziga Vertov para o filme “O homem com a câmera” (1929).

2. Poética e estética: a representação e a experiência do som


Ao lidar com a temática do som em ausência de sua materialidade, ou seja, ao
lidar com os documentos sonoros em seu formato inaudível, cabe posicionar-se entre uma
dimensão que se conjuga em meio ao caráter representativo eminente das referências sonoras
e à apreciação, fruição e experiência da escuta do som que não se cristaliza nos ouvidos.
Quando nos deparamos especificamente com assuntos referentes ao som do
cinema silencioso, o tipo das fontes primárias é determinante para a ponderação entre a
dimensão representativa e experiencial da metodologia de abordagem. Se lidamos com um
filme que possui uma partitura que compreende a totalidade do sonoro do filme, é razoável
considerar a escuta como referencial de análise, já que se pode atingir com certa fidedignidade
o resultado sonoro proposto originalmente. Caso parecido, porém menos preciso, acontece
quando o filme possui uma cue sheet que baseia a construção do sonoro a partir de alguma
antologia existente e de possível acesso para consulta. Há casos de cue sheets que mesclam
trechos de partitura, referência a antologias e referências emotivas (paixão, ação, medo...): aí
existem outras possibilidades de ponderação entre o representativo e o experiencial. Há
abordagens que se aproximam também de uma teoria da recepção, quando as fontes de
pesquisa são, por exemplo, relatos e materiais de divulgação originais do filme. Neste caso, o
limite do experiencial pauta-se na representação da experiência relatada na fonte.
Neste trabalho, propomos uma maneira mais pautada numa noção ligada ao
representativo que ao experiencial. O que nos permite abordar, ainda dentro de uma
concepção artística, os documentos que se caracterizam pela ausência de informações
facilmente reproduzíveis com fidedignidade, e não apenas partituras mais completas e
originais compostas para os filmes.
Luigi Pareyson (1989) afirma que à arte e à sua atividade é indispensável uma
poética, já que o conceito de arte (que se liga ao estético) pode não existir para certos artistas,
mas um ideal, seja ele expresso ou não, se faz presente na arte, sendo ela (a poética) um
programa declarado num manifesto, numa retórica ou implícito no próprio exercício artístico
e que traduz um determinado gosto, que por sua vez projeta a espiritualidade de uma pessoa
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ou época no campo da arte. Em contrapartida, ainda segundo Pareyson, o estético, no seu


potencial mais concreto, parte da experiência direta ou do testemunho alheio aprofundado e
interpretado, incumbindo-se do significado, da estrutura, da possibilidade e do alcance
metafísico dos fenômenos advindos dessa experiência. Embora seja difícil evitar uma
intersecção entre poética e estética quando as reflexões da obra mesclam o especulativo da
experiência imagética e analítica e o normativo representativo do programa, a busca da
explicação de como o produto artístico está ligado ao seu tempo e como realiza a aderência
operando sua eficácia é preponderantemente poética quando lidamos com o tipo de objeto que
aqui damos destaque.
Portanto, neste caso (quando as fontes não são fácil e fidedignamente
transportadas para o domínio da experiência), mais do que entender o representado pelo
significado da representação, vale entender o representado a partir da maneira discursiva e
imagética que ele é representado. Assim a solução metodológica se debruçaria sobre a
compreensão dos modos operativos, normativos e representativos que regem a articulação do
sonoro/ musical do filme, ou seja, uma abordagem mais poética que estética, mais
representativa que experiencial.

3. Modos de representação: uma ferramenta para análise do som inaudível

Propomos aqui uma ferramenta para analisar as fontes que carecem de um olhar
mais ligado ao representativo e poético que ao experiencial e estético. Nossa incursão neste
tipo de análise se limita aqui naquilo que comumente se denomina documentário. A trajetória
e a formação de uma tradição do aspecto sonoro do domínio ficcional e documental parecem
diferenciar-se. Neste sentido, ainda faltam estudos sobre o som do cinema documentário para
considerações mais conclusivas a respeito das diferenças entre os dois domínios. Desta forma,
apesar de ser passível de aplicação no domínio ficcional, a ferramenta proposta se liga mais
precisamente ao domínio documental.
3.1. Os modos de representação do documentário
No artigo “A voz do documentário” (2005: 50), Bill Nichols, pensando o cinema
como representação, cunha o conceito de “voz” no documentário, que é
aquilo que, no texto, nos transmite o ponto de vista social, a maneira como ele nos
fala ou como organiza o material que nos apresenta. [...] Voz talvez seja algo
semelhante àquele padrão intangível, formado pela interação de todos os códigos de
um filme.
No livro Introdução ao documentário, Nichols (2008) propõe seis principais modos de
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representação no documentário, que conjugam diferentes aspectos das “vozes” do


documentário: 1) Modo Poético: Sacrifica as convenções de montagem em continuidade e a
ideia de localização específica no tempo e espaço para explorar associações e padrões que
envolvem ritmos temporais e justaposições espaciais. Representa a realidade em uma série de
fragmentos, impressões subjetivas e associações; 2) Modo Expositivo: Agrupa fragmentos do
mundo histórico numa estrutura retórica ou argumentativa. Enfatiza a impressão de
objetividade e do argumento bem embasado; 3) Modo Observativo: Privilegia a observação
espontânea da experiência vivida; 4) Modo Participativo: Enfatiza o encontro real, vivido,
entre cineasta e tema. A presença do cineasta assume importância acentuada, desde o ato
físico de captar a imagem até o político de unir forças com aqueles que representam seus
temas; 5) Modo Reflexivo: nesse modo nós acompanhamos o relacionamento do cineasta
conosco, falando não só do mundo histórico como também dos problemas e questões da
representação. As montagens desconstroem a impressão de acesso desimpedido à realidade e
convida-nos a refletir sobre o processo pelo qual essa impressão é construída; 6) Modo
Performático: Tenta demonstrar como o conhecimento material propicia o acesso a uma
compreensão dos processos mais gerais em funcionamento na sociedade.
3.2. Empréstimo teórico para o campo do sonoro
Nas ideias de Nichols, o que está em jogo é a totalidade do produto fílmico (som e
imagem). Apesar de seus argumentos lidarem com exemplos preponderantemente visuais, sua
teoria dos modos de representação ilumina um caminho interessante para a análise sonora do
cinema silencioso, sobretudo por ressaltar o caráter representativo das escolhas e não somente
o produto final ou o som como fruição, o que nos dá margem para pensar o som para além da
experiência aural. Possibilitando, assim, analisar a articulação sonora do filme, mesmo sem o
referencial auditivo. Sua teoria se prende mais ao domínio documental, mas a ideia de voz e
modo de representação pode ser expandida para concepções que se aproximem do domínio
ficcional.

4. Exemplos analíticos do script sonoro/ musical de Dziga Vertov para o filme


“O homem com a câmera” (1929)
4.1. O som no modo participativo
Há uma sequência no final da parte II do filme na qual uma câmera filma um
cameraman filmando uma carruagem cheia de pessoas. As duas câmeras acompanham a
carruagem numa quase perseguição. O diálogo entre o filmar e o ser filmado e o observar e
ser observado ocorre, e o cineasta busca representar seu próprio encontro direto com o mundo
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que o cerca, de uma maneira dialética. Na montagem, intercalam-se planos de imagens


advindas da câmera que filma o cameraman, que por sua vez também filma, e planos
advindos da câmera do cameraman que enquadra a carruagem com as pessoas, de uma
maneira reflexiva na questão geracional das imagens. No script sonoro, Vertov pede, para tal
sequência, uma música que tenha um tema cômico. De uma maneira geral as pessoas
filmadas nesse encontro com o cineasta reagem com gargalhadas e risos e com certo
estranhamento. A escolha de Vertov parece, então, pertinente: um tema cômico. Dessa
escolha podemos tirar pelo menos uma conclusão. De fato Vertov está inserido, influencia e é
influenciado por seu tema e objeto no mundo do qual mostra: a câmera faz as pessoas
reagirem e a escolha do tema cômico representa a percepção, não só da reação dessas
pessoas, mas, pensando na questão do modo participativo, reflete diretamente a dialética
desse encontro, o que foi percebido dele, ou pelo menos, o que lhe interessa transformar em
filme. Portanto, a música, nessa perspectiva, não está lidando necessariamente com o plano
no qual ocorre a ação e tampouco se faz presente com a função de transformar o sentido da
imagem: ela vive de maneira participativa, trazendo as impressões do contato do cineasta
com o mundo filmado.
4.2. O som no modo reflexivo
Na primeira sequência do filme, os elementos que dialogam entre si no modo
reflexivo são apresentados: o cameraman que filma o filme a ser mostrado, o público que
chega à sala de exibição para assistir ao filme e o filme que é preparado para a exibição. Por
mais que não haja uma reflexão desenvolvida nessas sequências, já há uma proposição de que
o modo reflexivo entrará em operação.
Vertov faz cinco indicações sonoras para tal trecho: a) antes dos créditos, durante
os créditos, ao longo do plano do cameraman que filma, até a entrada do cameraman na
“arena” (na sala de exibição, atrás da cortina) a indicação é para haver uma “música alegre e
alta [volume]”; b) ao longo dos planos na sala de exibição a música deve ser a mesma que a
anterior, só que bem mais calma e tranquila e menos intensa, produzida por dedos tocando
levemente instrumentos de corda, enquanto se houve um tique-taque de relógio; c) ao longo
dos planos da orquestra e do projetor “nenhuma música é escutada, apenas o tique-taque do
relógio”; d) desde o momento em que a orquestra começa a tocar até o início do filme a ser
exibido deve haver uma “música alegre de boas-vindas”; e) o filme dentro do filme começa e
o “tique-taque do relógio está no centro acústico” e uma (outra) música o acompanha. O mais
interessante de notar nesse trecho é como o espectador é transportado para a questão do
representado e levado a fazer parte do filme que eles vão ver: essa é a função do som do
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tique-taque do relógio. A noção de relação entre um mundo imaginário, um histórico e um da


representação ocorre por esse som: em um primeiro momento só existe a música,
posteriormente essa música começa a compartir espaço com o som do tique-taque, então o
filme começa e uma segunda música começa a soar junto com a orquestra, para então termos,
com as primeiras sequências do filme dentro do filme, o tique-taque no centro acústico, ou
seja, numa posição de destaque, acompanhado por outra música. O tique-taque é o elemento
que está presente tanto no momento anterior ao do começo do filme como no próprio filme,
ou seja, o público envolto ao plano sonoro do tique-taque comparte existência com as pessoas
que são mostradas no filme, pelo menos no plano sonoro, subjetivo. E assim como o
espectador é metalinguisticamente representado na sala de exibição, as pessoas que estão no
filme dentro do filme são representações, selecionadas por quem filma. É o som que faz esse
primeiro link entre pessoas do mundo histórico e representação de pessoas do mundo
histórico, e começa, portanto, a desenvolver essa questão da representação, cara à
reflexividade cinematográfica, que une o cineasta e o espectador num mesmo eixo de
conflito.
4.3. O som no modo poético
Aquilo que é representado pelo modo poético perde seu sentido mais objetivo e
concreto e ganha conotações que não são frutos diretos de uma retórica, numa direção em que
o cineasta e seu fazer artístico fundem-se e confundem-se com o seu próprio filme e
posicionamento. Há um exemplo emblemático no filme deste modo de representação.
No início da segunda parte, Vertov joga um forte olhar sobre as fábricas da
sociedade que mostra. Em seu script sonoro lê-se: “marcha alegre e feliz, reforçada conforme
os planos das fábricas [aparecem]”. Dificilmente podemos concluir que Vertov via as
fábricas negativamente ou como entrave na sociedade (seus escritos também reforçam essa
noção). Nesse aspecto, a análise de cunho representativo se mostra evidentemente mais eficaz
que a experiencial (“marcha alegre e feliz”, auditivamente, pode não ser considerada
indubitavelmente “alegre e feliz”). Podemos afirmar que no filme as fábricas são umas das
estruturas mantenedoras da cidade, e se relacionam com todos os outros segmentos
representativos de seu mundo histórico, já que pela mão dos trabalhadores dessas fábricas é
que surge a materialidade do mundo histórico que rege as relações sociais. A “marcha” é um
elemento de união de diversos aspectos da cidade ao longo do filme, e de maneira geral,
assim como no trecho descrito acima, remete a aspectos positivos da sua sociedade. As
associações explícitas em outros trechos são: marcha rápida e trem, marcha staccato e
trabalhador, marcha e clube dos trabalhadores. A marcha une e relaciona, portanto, quatro
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elementos dentro de uma esfera e lógica social: o trabalhador, a fábrica, o trem (transporte) e
o lazer do trabalhador. Vertov, a partir de uma via poética une temas com a marcha, dando-
lhes significados, não óbvios se os referenciais são apenas as imagens.

5. Considerações finais

O cinema silencioso, principalmente o domínio documental, carece de análises


que considerem a existência de documentos sonoros referentes às produções fílmicas. Dentre
os documentos sonoros, as partituras e as cue sheets completos (com eixo temporal e certa
exatidão no referencial sonoro) são os mais privilegiados. Entretanto, existem os documentos
que trabalham com o som fílmico, mas em um caráter mais descritivo, distantes de uma
notação musical padronizada. Eles também devem servir de fonte de análise fílmica.
Apresentamos aqui uma ferramenta de análise para tais documentos, que se
mostraram importantes para os avanços de nossos estudos cinematográficos, em especial do
cinema silencioso. Tal ferramenta presa mais pelo cotejo representativo e poético da descrição
sonora que pelo experiencial e estético. Enfim, apesar de ela ter se mostrado valorosa em
nossa pesquisa, carece de aprofundamento e enriquecimento teórico e de aplicação em maior
quantidade de filmes, para que resultados mais reveladores e criticáveis sejam alçados.

Referências:

CARRASCO, Claudiney. Trilha musical: musica e articulação filmica. 1993. 190p.


Dissertação (Mestrado em Cinema). Universidade de São Paulo.
. Sygkhronos: a formação da poética musical do cinema. São Paulo: Via Lettera:
FAPESP, 2003.
HICKMAN, Roger. Reel music: exploring 100 years of film music. New York: Norton,
2006.
MARKS, Martin. Music and the silent film: contexts and case studies, 1895-1924. New
York: Oxford, 1997.
NICHOLS, Bill. A voz do documentário. In: RAMOS, F. P. Teoria contemporânea do
cinema: documentário e narrativa ficcional. Volume 2. São Paulo: Senac, 2005. p. 47-67.
______. Introdução ao documentário. 3. ed. Campinas: Papirus, 2008.
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
VERTOV, Dziga. O homem com a câmera. 68 minutos. Local de publicação: URSS, 1929.

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