O Som Que Não Se Escuta: A Representação Sonora Descritiva No Cinema Silencioso e o Caso de "O Homem Com A Câmera" de Dziga Vertov
O Som Que Não Se Escuta: A Representação Sonora Descritiva No Cinema Silencioso e o Caso de "O Homem Com A Câmera" de Dziga Vertov
O Som Que Não Se Escuta: A Representação Sonora Descritiva No Cinema Silencioso e o Caso de "O Homem Com A Câmera" de Dziga Vertov
MODALIDADE: COMUNICAÇÃO
Resumo: A discussão deste texto se insere no campo dos estudos do som de cinema. Com foco no
período silencioso, propomos uma ferramenta de abordagem para os documentos sonoros descritivos de
filmes, em seu formato inaudível, em especial, mas não apenas, aos que carecem de partituras
completas e indicações precisas. Tal ferramenta se estabelece a partir da concepção de poética de Luigi
Pareyson e da teoria dos modos de representação de Bill Nichols. Por fim, exemplificamos a proposição
com apontamentos analíticos referentes ao script sonoro/ musical de “O homem com a câmera” (1929)
de Dziga Vertov.
Palavras-chave: Som fílmico. Música de cinema. Cinema silencioso. Documentário. Dziga Vertov.
The inaudible sound: the descriptive sound representation in silent cinema and the case of the Dziga
Vertov’s "Man with a Camera"
Abstract: The discussion of this paper belongs to the field of film sound studies. With a focus on the
silent period, we propose a tool approach to descriptive sound documents of films in its format
inaudible, especially those that do not have scores and precise indications. This tool is established from
Luigi Pareyson’s concept of poetics and from the theory of the modes of representation developed by
Bill Nichols. Finally, we exemplify the proposition with analytical notes for the sound / musical script
of Dziga Vertov’s "Man with a Camera" (1929).
Keywords: Film sound. Film music. Silent cinema. Documentary. Dziga Vertov
1. Introdução
clima geral para a apresentação de filmes, começa a refletir sobre a especificidade de cada
filme ou sobre planos e sequências (HICKMAN, 2006); a música para filme passa a ser
encarada como objeto de uma profissão específica, ou seja, os músicos de cinema se
diferenciavam das outras eventuais categorias; trechos de músicas já são selecionados de
antemão pelo músico, de maneira que correspondam a cada momento do filme, em
detrimento a um primeiro momento no qual as músicas eram tocadas integralmente sem
muita preocupação (CARRASCO, 1993).
Enfim, mesmo que de forma embrionária e sob uma multiplicidade de
experiências sonoras, a música começa a se inserir à narrativa fílmica, apesar de os músicos
desfrutarem de grande liberdade de execução e do fato de que ainda, de forma geral, a
produção das imagens acontecesse com relativa independência da música (MARKS, 1997).
Contudo, é apenas quando os realizadores do cinema se interessam pelo acompanhamento
musical e quando seu potencial comercial é notado que as relações entre música e filme se
fortificam de maneira saliente e começam a ser formalizadas.
Nesse período, localizado aproximadamente entre meados da primeira década do
século XX e os anos 1910, com a massificação da audiência do cinema, a edição de material
musical para uso em acompanhamentos foi extremamente ampliada. Essas produções foram
catalogadas e publicadas em forma de coletâneas e antologias, que classificavam as músicas
essencialmente por clima, situação dramática, tempo e métrica (MARKS, 1997), fundando
assim as primeiras tipologias de música para cinema. Elas serviram, em um primeiro
momento, para guiar os músicos na seleção e acompanhamento de música para os filmes,
todavia os realizadores também passaram a utilizá-las, fosse como parâmetro para descrever
o acompanhamento desejado ou para escolher músicas específicas para cada sequência ou
intenção dramática. Essas indicações ou anotações feitas, chamadas de cue sheets, foram
sofisticadas com o passar dos anos, alcançando alto nível de detalhamento. Cabe pontuar que
as cue sheets não se limitaram ao âmbito do musical e nem ao uso da partitura, elas se
apresentavam como manual de instruções, e, em muitos casos, fundamentavam-se em
exemplos, analogias e referências escritas de sons musicais e não musicais.
De maneira congruente a esses fatos, aumentaram as ideias sonoro-musicais e
partituras originais compostas especificamente para cada filme. A respeito desse momento, já
se discute os diferentes paradigmas do cinema e a conquista de uma autenticidade artística
sobre a qual se pode notar distintos domínios, como o ficcional, o não ficcional (documental)
e o experimental (vanguardas europeias dos anos 1920). Um dos aspectos dessa nova arte que
estava deixando de ser marginal e que iniciava sua consolidação como objeto de estudo e
XXIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – Natal – 2013
como produto industrial, e que tem se mostrado essencial ao entendimento dos formatos
audiovisuais, é a relação entre música/ som e filme. Assim, neste trabalho, propomos uma
maneira de analisar os materiais sonoros, em sua forma documental escrita, referentes ao
cinema silencioso. Utilizaremos como exemplo de análise o script sonoro/ musical escrito
por Dziga Vertov para o filme “O homem com a câmera” (1929).
Propomos aqui uma ferramenta para analisar as fontes que carecem de um olhar
mais ligado ao representativo e poético que ao experiencial e estético. Nossa incursão neste
tipo de análise se limita aqui naquilo que comumente se denomina documentário. A trajetória
e a formação de uma tradição do aspecto sonoro do domínio ficcional e documental parecem
diferenciar-se. Neste sentido, ainda faltam estudos sobre o som do cinema documentário para
considerações mais conclusivas a respeito das diferenças entre os dois domínios. Desta forma,
apesar de ser passível de aplicação no domínio ficcional, a ferramenta proposta se liga mais
precisamente ao domínio documental.
3.1. Os modos de representação do documentário
No artigo “A voz do documentário” (2005: 50), Bill Nichols, pensando o cinema
como representação, cunha o conceito de “voz” no documentário, que é
aquilo que, no texto, nos transmite o ponto de vista social, a maneira como ele nos
fala ou como organiza o material que nos apresenta. [...] Voz talvez seja algo
semelhante àquele padrão intangível, formado pela interação de todos os códigos de
um filme.
No livro Introdução ao documentário, Nichols (2008) propõe seis principais modos de
XXIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – Natal – 2013
elementos dentro de uma esfera e lógica social: o trabalhador, a fábrica, o trem (transporte) e
o lazer do trabalhador. Vertov, a partir de uma via poética une temas com a marcha, dando-
lhes significados, não óbvios se os referenciais são apenas as imagens.
5. Considerações finais
Referências: