Tese Aline Pagotto 1

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - FCHS


UNESP – CAMPUS DE FRANCA

ALINE MARIA DE CARVALHO PAGOTTO

FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)

FRANCA
2015

1
ALINE MARIA DE CARVALHO PAGOTTO

FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da


Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita
Filho”, Campus de Franca, São Paulo, para a obtenção
do título de Doutora em História.
Agência financiadora: CAPES
Orientação: Prof. Dr. Alberto Aggio

FRANCA
2015

2
Pagotto, Aline Maria de Carvalho.
Forjando a revolução: a cultura política priista (1946-1988) /
Aline Maria de Carvalho Pagotto. – Franca : [s.n.], 2015.

XXX f.

Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual


Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
Orientadora: Alberto Aggio

1. Mexico - Historia. 2. Mexico - Politica e governo.


3.Partidos politicos. I. Título.
CDD – 972

3
ALINE MARIA DE CARVALHO PAGOTTO

FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)

Tese apresentada à Faculdade Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual


Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Franca, São Paulo, como pré-
requisito para a obtenção de Título de Doutora em História.

Presidente:__________________________________________________________
Prof. Dr. Alberto Aggio

Examinador 1:________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Sorrilha Pinheiro, UNESP (FRANCA)

Examinador 2:________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Raquel Portugal UNESP (FRANCA)

Examinador 3:________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Sampaio, UNESP (ASSIS)

Examinador 4:________________________________________________________
Profa. Dra. Adriane Vidal, UFMG (BELO HORIZONTE)

Franca, 05de Outubro de 2015.

4
AGRADECIMENTOS

Quando o doutorado chega ao fim é sempre uma vitória, seja pelas evidentes questões
profissionais, como também pelas “libertações” pessoais. Ainda mais se levarmos em conta a
difícil realidade brasileira da graduação e da pós-graduação. Por isso repito: é sempre uma
vitória. Todavia, deve ser ela compartilhada com pessoas e instituições que nos ajudaram ao
longo do caminho. Por essa razão, começarei minha lista de agradecimentos.

Primeiramente, agradeço a todos do Programa de Pós-Graduação em História da


FCHS – UNESP/Franca pela atenção com que me receberam nesses anos de pesquisa. Em
especial, à Maísa Helena de Araújo. Estendo-me também aos demais setores da UNESP, pois
alguns de seus funcionários acompanharam-me atenciosamente desde o primeiro ano de
graduação em 2003; principalmente, Andréa Beatriz, Jacimar, Laura Jardim, Sebastião
Granzoti, Valdinho, Viviane e Zé Livreiro.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)


pelo fomento à pesquisa em seus três anos. Assim como, deixo aqui minha gratidão ao
programa da CAPES chamado Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE). Todos
foram muito atenciosos ao longo do processo e os técnicos, até mesmo, me ligaram várias
vezes para a atualização do mesmo. Indubitavelmente, a verba disponibilizada ajudou a
amadurecer a pesquisa.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Alberto Aggio. Agradeço às exímias correções
em numerosos artigos, trabalhos, relatórios e do texto final. Agradeço também à
acessibilidade para quaisquer questões, bem como o apreço, a confiança e a preocupação; com
respeito, afirmo que aquilo que me foi transferido em orientação será o alicerce de minha vida
profissional.

Agradeço à banca geral de qualificação composta pelos professores Dr. Marcos


Sorrilha Pinheiro e Dra. Ana Raquel Portugal. Agradeço a atenção e dedicação de ambos à
leitura do relatório de qualificação, contendo o primeiro capítulo, garantindo análises críticas
que engrandeceram a pesquisa. Agradeço, sobretudo, pela sugestão da mudança do título da
pesquisa, realmente deu outro sentido a ela.

Agradeço à concessão de documentos históricos por parte da profa. Dra. Doralícia


Carmona Dávila da Universidade Autônoma de Guanajuato (UAG), que com afabilidade
compartilhou seus dados e trabalho de uma vida inteira.
5
Agradeço à carinhosa e respeitosa recepção do prof. Dr. Benjamin T. Smith na
Universidade de Warwick, Coventry, Reino Unido, compartilhando comigo seus inúmeros
documentos e reflexões acerca do período pós-revolucionário mexicano.

Agradeço também às correções e críticas construtivas de Saúl Jerónimo da UAM,


Azcapotzalco. Com certeza, elas me ajudaram a amadurecer e a compreender melhor o
complexo período aqui analisado. Esse contato me foi viabilizado pelo querido prof. Dr.
Carlos Alberto Barbosa, um exemplo de educação. Conhecer vocês me deixou muito
esperançosa, pois vi que a academia pode ser sim um espaço de gentilezas e respeito.

Estendo os agradecimentos aos colegas de pós-graduação da UNESP/Franca (e de fora


dela), em especial, Bruna Campos Gonçalves, Camila Savegnago, Claudia Aparecida
Francisco, Débora Leonel Soares, Elder Massa, Elisa Maria Verona, Helena Papa, Paulo R.
Oliveira, Pedro Russo, Plauto Daniel e Renata Ribeiro Francisco.

Agradeço também aos amigos de graduação e de fora dela, especialmente, à Amanda,


à Bianca, ao Carlos, à Cecília, à Clara, à Claudia, ao Daniel, à Débora, à Eleonora, ao Elder, à
Isabel Maria, à Janaina, ao Jackson, ao Jorge, à Juliana, à Lays, ao Levi, ao Leonardo, à
Luciana, à Luiza, à Natasha, à Olésia, ao Pedro, ao Pedro, à Priscila, à Rafaela, à Raphaela, ao
Raul, à Renata, ao Renato, ao Régis, ao Roberto, à Rochelle, ao Ulysses e às outras inúmeras
queridas pessoas que provavelmente esqueci. Lembrem-se minha memória é péssima.

Agradeço também às famílias que me receberam no exterior. Primeiramente, agradeço


a querida família da Juliana. Adorei passar um tempo com vocês e vivenciar a rotina de amor
e cumplicidade que estabeleceram. Como fruto dessa união belíssima, o amável e peralta
Levi, que criança linda; e agora, há mais um bebezinho. Através de você conheci a
batalhadora Paulina, que presente. Finalmente, agradeço à família da querida Isabel Maria
Cobo, uma professora batalhadora e cheia de garra. Adorei conhecer sua família, a Alba e
seus pais. Por seu intermédio, conheci muitas pessoas legais, como a Blanca Michaela, a Jane,
o Javier, o Rafael e muitas outras pessoas.

Agradeço também à minha família. Agradeço à querida presença de todos. Sr. José
Luís Pagotto e Sra. Marlene de Carvalho Pagotto, obrigada por tudo. Estendo esse
agradecimento aos barulhentos irmãos de alma e sangue: Ariadne, Bianca, Bruna, Gabriel,
Igor, João Pedro, Junior, Natália Carvalho e Victor. Esqueci alguém? Espero que não. Os
nomes estão em ordem alfabética. Então, gosto de todos da mesma forma. Quero que saibam

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que são (todos, sem exceções) motivos de muitas alegrias, apesar das preocupações. Hoje
compreendo que aprendemos juntos nessa caminhada de aperfeiçoamento.

Por último e não por menor importância, dirijo-me aos queridos companheiros de
aperto, peleja e risadas, Silvia e Thiago. Thiago, obrigada pela carinhosa companhia. Nosso
mundo se completou com você. Silvia, meu amor, nada disso teria sentido sem você.
Obrigada por existir.

Obrigado a todos.

Aline Pagotto

Araraquara, 2015.

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“A história, cujo objeto precípuo é observar as mudanças que afetam a
sociedade, e que tem por missão propor explicitações para elas, não escapa ela
própria à mudança. Existe, portanto, uma história da história que carrega o
rastro das transformações da sociedade e reflete as grandes oscilações do
movimento das idéias. É por isso que as gerações de historiadores que se
sucedem não se parecem: o historiador é sempre de um tempo, aquele que o
acaso o fez nascer e do qual ele abraça, às vezes, sem o saber, as curiosidades,
as inclinações, os pressupostos, em suma, a “ideologia dominante”, e mesmo
quando se opõe, ele ainda se determina por referência aos postulados de sua
época.”
RÉMOND, René. Uma história do presente. In: Por uma história política. 2°
Ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003. p. 13.

“Busca e achado momentâneo de nós mesmos, o movimento revolucionário


transformou o México, fê-lo “outro”. Sermos nós mesmos sempre é chegar a
ser esse outro que somos e que trazemos escondido no nosso interior, mais do
que tudo como promessa ou possibilidade de ser. Assim, em certo sentido, a
revolução criou a nação; em outro, não menos importante, estendeu-a a raças e
classes que nem a Colônia nem o século XIX puderam incorporar. Mas, apesar
de sua fecundidade extraordinária, ela não foi capaz de criar uma ordem vital,
que fosse ao mesmo tempo visão do mundo e fundamento de uma sociedade
realmente justa e livre. A revolução não fez de nosso país uma comunidade,
nem sequer uma esperança de comunidade: um mundo em que os homens se
reconhecem nos homens e onde o “principio de autoridade” – isto é, a força,
qualquer que seja sua origem e justificação – ceda lugar à liberdade
responsável. Realmente, nenhuma sociedade conhecida atingiu um estado
semelhante.”
PAZ, Octavio. O labirinto da Solidão e Post scriptum. 3° Ed. São Paulo: Paz
e Terra, 1992. p. 155.

8
PAGOTTO, Aline Maria de Carvalho. Forjando a revolução: a cultura política priista
(1946-1988). 2015. 250 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo, 2015.

RESUMO

A presente pesquisa analisa a cultura política priista mexicana nos idos de 1946 a 1988. O
termo “priista” refere-se ao Partido Revolucionário Institucional (PRI), que predominou no
cenário político-cultural do país ao longo do mencionado recorte de tempo. Contudo, o
mesmo não surgiu em 1946, como se pode concluir. Foi inaugurado, em 1929, como uma
alternativa política ao caótico período pós-revolução, recebendo o seguinte nome: Partido
Nacional Revolucionário (PNR, 1929-1938). Após a inauguração do PNR, sucedeu o
firmamento do Maximato (1929-1936) e a escolha de presidentes pnristas até 1938. Neste
ano, o então presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940) realizou uma reforma no partido, pois
julgava que o mesmo havia se distanciado dos anseios da Revolução Mexicana (1911-1920).
A mudança acabou sendo estrutural e ideológica, deixando-o com uma roupagem mais
radical. Isso resultou, inclusive, na alteração da sua nomenclatura, que passou a chamar-se
Partido da Revolução Mexicana (PRM, 1938-1946). Mas, elegeu apenas um presidente, o
Ávila Camacho (1940-1946). Afinal, em 1946, seu sucessor, Miguel Alemán (1946-1952),
estabeleceu uma nova reforma, alegando que os ideais da revolução haviam sido cristalizados
pelas instituições do Estado. O PRM foi, então, rebatizado e ganhou o seguinte nome: Partido
Revolucionário Institucional. Tal mudança representou, sobretudo, uma guinada do partido à
direita. A partir disso, o PRI elegeu presidentes até o ano 2000. Diante de tantas discussões
acerca desse complexo período mexicano, esta pesquisa assimila a perspectiva do sociólogo
italiano Giovanni Sartori, a qual apregoa a existência de um sistema de partido hegemônico
pragmático figurado pelo PRI e firmado de 1929 a 2000. Além disso, parte-se aqui do
pressuposto de que, a partir de 1946, tornou-se necessário ao partido formular uma cultura
política, que orientasse e disciplinasse seus correligionários diante de suas novas mudanças
estruturais e ideológicas. Conseqüentemente, o priismo emergiu e se consolidou como um
importante instrumento político. Mas, vigorou somente até 1988. Quando o então presidente
Carlos Salinas (1988-1994) promoveu novas modificações no PRI e no governo, derrubando
muitos dos mecanismos arbitrários do PRI. Assim, a cultura política tornou-se desnecessária,
já que não mais acompanhava o governo mexicano e o quadro dirigente do partido. Deste
modo, a pesquisa aqui apresentada traça um caminho rigorosamente pontual. O primeiro
capítulo analisa a história do México ao longo do século XX, uma vez que sua complexidade
e peculiaridade exigem tal cuidado. O segundo, por sua vez, debruça-se acerca da trajetória
priista, buscando, sobretudo, compreender a emergência e a consolidação do priismo. O
terceiro e último capítulo apresenta a cultura política priista e, além disso, constata algo
importante: no período designado, o priismo acabou forjando a noção de Revolução
Mexicana, já que sua continuidade dependia desse distanciamento conceitual, mas, para não
quebrar radicalmente com alguns grupos políticos, promoveu a idéia de uma “revolução” que
se institucionalizou.

Palavras-chave: México contemporâneo. PNR. PRM. PRI. Cultura política priista.

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PAGOTTO, Aline Maria de Carvalho. Forjando la revolución: la cultura política priista
(1946-1988). 2015. 250 f. Tese (Doctorado en Historia) – Facultad de Ciencias Humanas y
Sociales, Universidad Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo, 2015.

RESUMEN

Esta investigación analiza la cultura política mexicana PRI entre 1946 y 1988. El término
"PRI" se refiere al Partido Revolucionario Institucional (PRI), que se impuso en la escena
política y cultural del país durante el tiempo que el recorte mencionado. Sin embargo, no
surgió en 1946, como puede concluirse. Abrió sus puertas en 1929 como una alternativa
política al período posterior a la Revolución Mexicana, obteniendo el siguiente nombre:
Partido Nacional Revolucionario (PNR, 1929-1938). La apertura del PNR obedeció el
firmamento de Maximato (1929-1936) y la elección de presidentes pnristas hasta 1938. Este
año, el entonces presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940) llevó a cabo una reforma en el
partido, ya que pensaban que se había distanciado de los deseos de la Revolución Mexicana
(1911-1920). El cambio resultó ser estructural e ideológico, dejándole con un atuendo más
radical. Esto dio lugar incluso en el cambio de su nomenclatura, que llegó a ser llamado el
Partido de la Revolución Mexicana (PRM, 1938-1946). Pero tuve sólo un presidente electo, el
Ávila Camacho (1940-1946). Después de eso, en 1946, su sucesor, Miguel Alemán (1946-
1952), estableció una nueva reforma, alegando que los ideales de la revolución se habían
cristalizado por las instituciones del Estado. El PRM fue entonces renombrado y ganó el
siguiente nombre: Partido Revolucionario Institucional. Este cambio representó, sobre todo,
un giro del partido a la derecha. A partir de esto, los presidentes priistas fueron electos hasta
el año 2000. Con tantas discusiones sobre este complejo periodo mexicano, esta investigación
asimila la perspectiva del sociólogo italiano Giovanni Sartori, que proclama la existencia de
un sistema de partido hegemónico pragmático representado por el PRI y firmado entre 1929 y
2000. Además, a partir de 1946, se hizo necesario formular una cultura política del partido
para que orientase y disciplinase sus partidarios frente a sus nuevos cambios estructurales e
ideológicos. En consecuencia, el priismo surgió y se consolidó como un importante
instrumento político. Pero sólo duró hasta 1988. Cuando el entonces presidente Carlos Salinas
(1988-1994) promovió nuevas modificaciones en el PRI y el gobierno, volcando muchos de
los mecanismos arbitrarios de PRI. Por lo tanto, la cultura política se ha convertido en
innecesaria, ya que ya no acompañaba el gobierno mexicano y el partido gobernante. Por lo
tanto, la investigación presentada en este documento esboza un camino preciso. El primer
capítulo analiza la historia de México durante el siglo XX, ya que su complejidad y
singularidad requieren esa atención. El segundo, por su parte, se centra en el camino PRI,
buscando sobre todo para entender el surgimiento y consolidación de priismo. El tercer y
último capítulo presenta la cultura política del PRI y, por otra parte, señalar algo importante:
en el período señalado, el priismo acaba forjando la idea de la Revolución Mexicana, ya que
su continuidad dependía de esta brecha conceptual, promoviendo la idea de "revolución
institucionalizada".

Palabras clave: México contemporáneo. PNR. PRM. PRI. Cultura política del PRI.

10
PAGOTTO, Aline Maria de Carvalho. Forging the revolution: the PRI political culture
(1946-1988). 2015. 250 f. Thesis (Doctorate in History) – Faculty of Social Science and
Humanities, University of Estate of São Paulo "Julio de Mesquita Filho", Franca, São Paulo,
Brazil, 2015.

ABSTRACT

This research analyzes the PRI political culture back in 1946 till 1988. The term "PRI" refers
to the Institutional Revolutionary Party (PRI) from Mexico, which won the political and
cultural scene of the country during the mentioned time. However, it did not emerge in 1946,
as can be concluded. It opened in 1929 as a alternative to the chaotic post-revolution period,
obtaining the following name: National Revolutionary Party (PNR 1929-1938). The opening
of PNR obeyed the firmament of Maximato (1929-1936) and the election of pnristas until
1938. This year, the President Lazaro Cardenas (1934-1940) started a reform in the party
because it was growing apart of the main objectives of the Mexican Revolution (1911-1920).
The change turned out to be structural and ideological, leaving it with a more radical outfit.
This resulted in even a change of nomenclature, which came to be called the Party of the
Mexican Revolution (PRM, 1938-1946). But had only an elected president, Avila Camacho
(1940-1946). After all, in 1946, his successor, Miguel Aleman (1946-1952) established a new
reform, claiming that the ideals of the revolution had crystallized in the state institutions. The
PRM was then renamed and became: Institutional Revolutionary Party. This change
represented, above all, a turn of the party to the right wing. Then, it elected presidents till
2000. With so many discussions on this complex Mexican period and PRI‟s presidents, this
research comprehends the perspective of an Italian sociologist, Giovanni Sartori, which
proclaims the existence of a hegemonic pragmatic party system, played by the PRI and
existent between 1929 and 2000. In addition, from 1946, it became necessary to develop a
political culture of the party to the party supporters, so it would discipline and guide them
through the new structural and ideological changes. Consequently, this political culture
emerged and consolidated as an important political tool. And only it lasted until 1988 when
the then president Carlos Salinas (1988-1994) promoted further changes in the PRI and the
government, overturning many of the arbitrary mechanisms of PRI. Therefore, the political
culture has become unnecessary as no longer accompanied the Mexican government and the
ruling party framework. Therefore, the research presented in this paper outlines a strict way
point. The first chapter discusses the history of Mexico during the twentieth century, as their
complexity and uniqueness require such care. The second, meanwhile, focuses on the PRI,
looking especially for understanding the emergence and consolidation of PRI. The third and
final chapter presents the political culture of the PRI and, moreover, to point out something
important: the period indicated, the PRI has just forged the idea of the Mexican Revolution,
since its continuity depended on this conceptual gap, but not a radical break with any political
groups, they promoted the idea of "institutionalized revolution".

Key Words: contemporary Mexico. PNR. PRM. PRI. PRI political culture.

11
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 .........................................................................................233
FIGURA 2 .........................................................................................233

12
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1: O MÉXICO NO SÉCULO XX ................................................. 51


1.1. O Porfiriato (1876-1911) ................................................................................ 61
1.2. A Revolução Mexicana (1911-1920).............................................................. 73
1.3. Da Dinastia Sonorense ao Cardenismo (1920-1940)...................................... 89
1.4. “Virando à direita”: a nova fase mexicana (1940-1968) .............................. 100
1.5. O esvaecimento do milagre (1968-2000)...................................................... 118
1.6. O decênio panista e o retorno do PRI (2000-2012) ...................................... 132

CAPÍTULO 2: A TRAJETÓRIA PRIISTA .................................................... 134


2.1. O surgimento do PNR................................................................................... 138
2.2. Primeira Reforma: a formação do PRM ....................................................... 151
2.3. Segunda Reforma: a formação do PRI ......................................................... 164
2.4. Ascensão e crise do priismo ........................................................................ 176

CAPÍTULO 3: FORJANDO A REVOLUÇÃO ........................................ 196


3.1. Estrutura ....................................................................................................... 200
3.2. Contracorrente .............................................................................................. 213
3.3. Cultura política e suas nuanças ..................................................................... 223
3.4. Forjando a revolução ................................................................................... 252

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 260

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 264

13
INTRODUÇÃO

14
Introdução

A história contemporânea do México no século XX destacou-se, especialmente, por


dois episódios: a Revolução Mexicana (1911-1920) e o longevo governo do Partido
Revolucionário Institucional (PRI, 1929-2000). No início do século, a revolução foi sentida
como a única alternativa ao porfiriato (1884-1911) e às condições abjetas que vivia grande
parcela da população. A emergência dessa conflagração agrária, nacional e popular resultou
em importantes conquistas de âmbito político e social. Todavia, os combates excruciantes
implicaram na devastação do território mexicano e em muitas mortes, conjugando resultados
típicos de cataclismos sociais. Esperava-se que, após o processo revolucionário, a cena
política mexicana alcançasse a almejada estabilidade. Mas, revelou-se cada vez mais volúvel,
apresentando, inclusive, conflitos e altercações em torno de um debilitado Poder Executivo1.
Nesse exato momento, emergiu o PRI, que, prontamente, se estabeleceu como partido
hegemônico, vigorando por ininterruptos setenta e um anos. “Um recorde de nível mundial”,
como afirma o cientista social Dr. Adrián Galindo da Universidade Autônoma do Estado de
Hidalgo (UAEH)2.

O caminho trilhado pelo PRI na política mexicana admitiu duas formações


precedentes: o Partido Nacional Revolucionário (PNR, 1929-1938) e o Partido da Revolução
Mexicana (PRM, 1938-1946). O PRI – propriamente dito – apareceu somente em 1946,
momento em que se iniciou sua predominância. O leitor poderia concluir que os três partidos
foram idênticos, mas suas respectivas formações representaram momentos históricos e
partidários distintos, tal qual explicitaremos a seguir.

No período de 1929 e 1938, o México ainda vivia uma intensa efervescência política e
social, que levou a constantes enfrentamentos – não raramente, armados – dentro da própria
classe política advinda do movimento revolucionário. Nesse contexto, o ex-presidente
Plutarco Elías Calles (1924-1928) fundou, em 1929, o PNR que elegeu presidentes
consecutivamente até 1936. O PNR caracterizou-se como um partido “amalgama”,
interessado em firmar alianças com as diversificadas forças políticas, para, assim, manter-se

1
Referimo-nos à Dinastia sonorense (1920-1934) e ao inesperado assassinato de Álvaro Obregón, em 1928.
2
GALINDO, Adrián Castro. Estado fallido y militarización. Disponível m:<http://www.aacademica.com/000-
062/961>. Acesso em: 02/02/2015.
15
no poder. Com tais diretrizes, passou a ser chamado internamente de “partido oficial do
Estado”. Para mantê-las, empregou algumas ações corporativas, por exemplo, o controle da
classe operária através da Confederação Regional Operária Mexicana (CROM). Mas, sua
existência, obviamente, não exterminou os problemas mexicanos.

Após a vitória de Lázaro Cárdenas (1936-140), em 1936, adveio o exílio de Elías


Calles e a mudança de nomenclatura do partido, que passou a se chamar Partido da Revolução
Mexicana (PRM). O partido tornou-se setorial, direcionando-se unicamente aos setores da
sociedade, especialmente, ao camponês e ao operário. Essa foi uma característica, inclusive,
que persistiu por muitos anos. Filiavam-se organizações políticas e não pessoas. Além disso, a
presidência de Cárdenas representou um sexênio de consolidação política e reformas sociais
diretamente conectadas aos ideais da revolução. Sua política reformista de esquerda chegou a
nacionalizar a exploração petrolífera e a regulamentar a reforma agrária; garantindo-lhe uma
aguda pressão política da ala conservadora do novo PRM e do novo partido conservador,
Partido Ação Nacional. Por essa razão, Cárdenas escolheu como sucessor, o moderado
Manuel Ávila Camacho (1940-1946).

Sob a liderança de Ávila Camacho, o “partido oficial” passou por uma série de
mudanças estruturais, que lhe garantiram uma nova roupagem: a democrata. No entanto, essas
modificações foram formalizadas no seio do partido pelo seu sucessor, Miguel Alemán
Valdés. E, assim, deu-se vida ao PRI. Essa nova formação significou, sobretudo, a exclusão
dos militares da vida política mexicana, já que não poderiam participar dela ativamente.
Significou também uma mudança de discurso. Afinal, entre 1940 e 1980, o setor operário
adquiriu grande força no interior do partido, assumindo uma retórica voltada à causa operária.
Logo, o setor agrário, que havia imperado entre 1930 e 1940, acabara perdendo espaço.
Instaurou-se, por assim dizer, um novo momento no país.

Para Carlos Alberto Barbosa, o período de 1940 a 1968 exprimiu estabilidade política
e crescimento econômico, com evidente contração da oposição (apesar da fundação do PAN,
em 1939) e centralização política em torno do Poder Executivo3. Estabeleceu-se também um
procedimento informal denominado tapadismo, no qual o presidente vigente indicava seu
sucessor. Isso acabou, inclusive, se tornando uma marca do período. O mesmo ocorreu com a
noção de “nacionalismo revolucionário”, que foi primeiramente formulado por Cárdenas e,
depois disso, assimilado e promulgado ao longo de todo o período pós-revolucionário.

3
Cf. BARBOSA, Carlos A. S. A Revolução Mexicana 1910-1920. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 111.
16
O governo priista havia encontrado, portanto, uma “fórmula política” que permita seu
crescimento e consolidação no poder. No entanto, ao focar-se exclusivamente a este
procedimento, não se atentou às rápidas mudanças pelas quais passava a sociedade mexicana.
Nesse momento, o país cresceu demográfica, econômica e culturalmente. O intenso
desenvolvimento econômico e a conseqüente prosperidade levaram a historiografia
mexicanista a definir esse período como “Era de Ouro”. Do mesmo modo, o “boom”
populacional ocasionou mudanças significativas no quadro demográfico, como a expansão
das zonas urbanas e o firmamento de um país predominantemente urbano. Houve também o
crescimento do número de escolas, colégios e universidades. Com maior acesso à cultura, o
movimento estudantil ressurgiu mais forte e determinado. Esse grupo passou a pedir,
sobretudo, a mudança do modelo econômico adotado a partir da Segunda Guerra Mundial,
afirmando que ele havia aumentado a distribuição desigual de riquezas e era incapaz de gerar
empregos em ritmo adequado para absorver os aumentos demográficos4. Denunciavam
também a tendência autoritária, estável e corporativa do regime. Sendo assim, iniciou-se uma
convulsão social que degringolou no fatídico episódio de Praça das Três Culturas 5. No dia 2
de outubro de 1968, estudantes, em sua maioria da classe média, juntamente ao setor operário,
manifestaram-se contra o modelo vigente, alegando que ele reafirmava os laços de
dependência externa. Reivindicavam o estabelecimento dos valores democráticos da
Constituição de 1917, deixando implícito que o governo priista desonrava a revolução.
Todavia, a intensa repressão culminou no Massacre de Tlatelolco, acontecimento no qual
muitos jovens foram brutalmente assassinados.

Esse conflito obviamente nunca foi esquecido e, com certeza, definiu os anos
porvindouros. A partir dele, iniciou-se uma série de questionamentos acerca do governo
priista, piorando com os recorrentes escândalos de corrupção e suspeitas crônicas quanto aos
processos eleitorais.

Nos meados da década de 1980, ocorreu uma secessão no PRI, que originou o Partido
da Revolução Democrática (PRD). A liderança do novo partido ficou a encargo do filho do
ex-presidente Cárdenas, Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano. Nas eleições de 1988, a disputa
presidencial ficou, então, entre Carlos Salinas de Gortari (PRI) e Cárdenas (PRD). Cárdenas
tornou-se, rapidamente, o favorito, representando a primeira real ameaça ao PRI. Mas, o

4
Cf. COSÍO, Daniel Villegas. Historia mínima de México. Séptima reimpresión. México: El Colegio de
México, 1994. p.169.
5
A Praça das Três Culturas é também conhecida como Praça de Tlatelolco. Fica na Cidade do México, DF.
17
resultado das eleições acabou deveras questionado. Durante a contagem de votos, ocorreu
uma pane no sistema, que interrompeu o processo por aproximadamente duas horas – daí a
famosa resposta do governo: “se cayó el sistema”6 – e no fim do dia, quando o “sistema
voltou”, Salinas foi declarado presidente. Prontamente, espalharam-se rumores de fraude
eleitoral por todo o país. A partir de 1990, o governo priista ficou ainda mais desacreditado.
Por essa razão, o recém-eleito presidente Carlos Salinas tomou algumas decisões políticas
com o intuito de remediar a situação, como a criação do Instituto Federal Eleitoral7, que tinha
como incumbência fiscalizar as eleições presidenciais. Substituiu também o modelo
vanguardista de “nacionalismo revolucionário”, para o neoliberal, resultando em diversas
privatizações8. Apesar dessas iniciativas e da porvindoura presidência do priista Ernesto
Zedillo Ponde de Leon (1994-2000), a situação apenas piorou e, por conta disso, as eleições
da virada do milênio tiveram um resultado surpreendente.

No dia 2 de Julho de 2000, o panista Vicente Fox de Quesada venceu as eleições à


presidência mexicana. Após setenta e um anos, o PRI deixava o Poder Executivo. Fox
governou de 2000 a 2006 e, posteriormente, passou o encargo ao seu correligionário Felipe
Calderón Hinojosa, que governou de 2006 a 2012. As eleições de 2006 foram muito
controvertidas, já que novamente incorreram acusações de fraude eleitoral. Inobstante grande
parte da população mexicana esperasse resultados distintos dessa nova gestão, esses dois
sexênios apresentaram aumento da inflação e escândalos de corrupção, assim como,
implicaram em um aumento significativo da violência e dos grupos de narcotraficantes. Isso
levou ao surgimento de milícias justiceiras, como as autodefesas. Apesar disso, acreditava-se
que o “partido oficial” demoraria a reaparecer no cenário político do México. Au contraire.
Nas eleições de 2012, a disputa presidencial ficou entre Andrés López Obrador (PRD) e
Enrique Peña Nieto (PRI) e, no mês de julho de 2012, anunciou-se a vitória do priista com
39% dos votos. Peña Nieto trouxe consigo antigos temores de abalos à democracia.

Este breve retrospecto expõe características bem diferentes de um mesmo partido. A


princípio, apresentou-se com um partido mais preocupado em unificar os variados grupos
políticos do país, para, assim, estabilizar a política e resistir no poder. Nesse momento, a
política adotada resumiu-se ao “nacionalismo revolucionário”. Em seguida, mostrou-se como

6
A frase em espanhol afirma: “caiu o sistema”.
7
O Instituto Federal Electoral (IFE) foi inaugurado em 90 por Carlos Salinas. Mas, em 10 de Fevereiro de 2014,
houve uma reforma institucional, que modificou seu nome, chamando-o Instituto Nacional Electoral, para,
assim, torná-lo uma autoridade nacional.
8
Cf. AGUILAR, Sergio Mendez; BENITEZ, José Luíz. Problemas sociales, políticos y económicos de
México. MEXICO: UNAM, 2006.
18
um reencontro aos ideais da revolução, ambicionando, portanto, concretizar suas
reivindicações. Assim, adotou uma lógica corporativa, com inclinações socialistas. Por essa
razão, alguns mexicanistas, como Hanz W. Tobler, afirmam que esse período representou a
“fase tardia” da Revolução Mexicana. Finalmente, empreendeu-se, num âmbito geral, uma
política liberal social moderada, alicerçada no autoritarismo, no nacionalismo e no
reformismo9; com exceção de Luís Echeverría Álvarez (1970-1976), que instaurou um
modelo econômico próprio chamado de desenvolvimento compartilhado10.

As reformas estruturais foram uma marca desse partido. No período de 1929 a 1990,
passou por duas importantes reformas: a primeira em 1938 e a segunda em 194611, que
acabaram, inclusive, mudando sua nomenclatura. Além delas, sofreu mais oito modificações
estruturais dentre as décadas de 1950 e 199012, que resultaram na manutenção de sua
nomenclatura e na alteração de seus documentos básicos: “Estatuto do Partido”, o “Programa
de Ação” e a “Declaração de Princípios”. Pode-se afirmar, portanto, que o conjunto de
mudanças atingiu o partido estrutural, política e ideologicamente.

Algumas dessas alterações foram sentidas pelo governo mexicano, e dois exemplos
claros disso resumem-se às reformas que originaram o PRM e o PRI. No fim da década de
1930, por exemplo, o “partido oficial” formou uma instituição política completamente
diferente daquela que se estabeleceria uma década depois. Isso, obviamente, refletiu no
governo mexicano, já que o mesmo partido predominou no cenário político-cultural da época,
ocupando a maioria dos cargos públicos municipais, estaduais e federais, e, por conta disso,
qualquer mudança estrutural mais intensa acabava – quase sempre – reorientando a

9
Cabe aqui uma advertência: o PRI e o Poder Executivo não estiveram sempre em comum acordo. O PRI
articulava-se de acordo com suas normas e doutrinas que, às vezes, não combinavam com a lógica do governo
federal.
10
Esse modelo de Echeverría ambicionava um grande desenvolvimento econômico, mas, com a redistribuição de
riquezas.
11
A primeira reforma originou o Partido da Revolução Mexicana (PRM) e a segunda formou o Partido
Revolucionário Institucional (PRI).
12
Cf. OCAMPO, Rigoberto. El sistema político mexicano. México DF: Publicaciones Cruz O., 1990. p.177-
179. [Conforme Rigoberto Ocampo, após a reforma que originou o PRI, em 1946, as porvindouras assembléias
do partido acabaram modificando seus documentos básicos, o Estatuto, o Programa de Ação e a Declaração de
Princípios. No ano de 1952, a assembléia modificou os documentos básicos com o intuito de “democratizar” a
estrutura priista. Em 1965, o presidente Carlos Madrazo liderou a reforma que adotou um novo sistema de
seleção interna aos candidatos municipais e estaduais. Em 1968, a assembléia modificou pela quinta vez o
estatuto do partido. Nos idos de 1971 e 1972, houve novamente reformas nesses documentos. Em 1978, os
mesmos documentos passaram por reforma, para que o partido se direcionasse então unicamente aos
trabalhadores. E, finalmente, em 1990, após o escândalo de Salinas, em 1988, a assembléia designou que a
seleção de candidatos realizar-se-ia através da “consulta na base”, recusando o “nacionalismo revolucionário” e
permitindo a existência de correntes internas.]
19
administração federal13. A presidência de Lázaro Cárdenas (1936-1940) e a reforma do PNR,
em 1938, exemplificam claramente o exposto. O partido passou a ser PRM e tornou-se mais
radical. Consequentemente, o governo acabou se tornando mais radical também, alicerçado
em uma política socialista, que aumentou enormemente o número de terras distribuídas aos
camponeses.

O recorte cronológico deverá ser compreendido com base nos processos expostos
acima. Ademais no período entre 1946 e 1988, o PRI tornou-se um partido politicamente
hegemônico e, consequentemente, promovedor de uma cultura política que passou a moldar o
México e seu regime democrático. Essa cultura política respaldou-se – especialmente – na
égide de que as principais reivindicações e valores promulgados durante a revolução haviam
sido cristalizados pelas instituições do Estado mexicano. Havia nela, portanto, uma dupla
legitimação: a revolução e a instituição, em alusão à Revolução Mexicana e às instituições do
Estado moderno. Ao utilizar desses dois termos tão caros ao imaginário político mexicano,
legitimou-se. O priismo prolongou-se de 1946 até 1988, esmorecendo num momento de
eleições polêmicas e intensas reformas políticas, que mudaram, inclusive, a ideologia do
partido14. No fim da década de 1980, as instituições que estavam estruturadas nessa cultura
política, desde 1946, deixariam de funcionar.

Quando falamos em “cultura política” referimo-nos a um conceito que nasceu nas


ciências sociais, mas acabou sendo assimilado pela história. Essa assimilação ocorreu após
um processo de reestruturação da história política, que começou nos meados de 1980, sob a
liderança de René Rémond da Universidade de Paris X-Nanterre. Todavia, a história – em um
âmbito geral e não somente a política – já havia passado por outra complexa e extensa
renovação.

A história política, cuja perspectiva priorizou o estado, as instituições, as revoluções e


os grandes personagens, predominou ao longo de todo o século XIX. A partir do século XX,
contudo, tal domínio foi questionado, fundando-se, então, um movimento de renovação.
Logo, a história de perspectiva política passou a ser concebida como a porta-estandarte do
saber tradicional.

13
Mantemos, portanto, um posicionamento diferente daquele adotado pela historiografia, que concebe o “partido
oficial” com uma instituição absolutamente autônoma em relação ao Estado mexicano. De fato, o PRI não era o
Estado, mas existia sim uma relação entre eles, que, às vezes, se estreitava ou se espaça, seguindo os interesses
do partido e/ou do Estado.
14
Cf. DOMINGUEZ, Humberto Chávez. La estrutura del estado neoliberal en México.
Disponível:<http://portalacademico.cch.unam.mx/materiales/prof/matdidac/sitpro/hist/mex/mex2/HMII/Salinato.
pdf>.Acesso em: 15/01/14.
20
O movimento de renovação da história começou, em 1929, com a inauguração da
revista francesa Annales. Para Peter Burke, “a revista até hoje, com mais de oitenta anos,
continua a encorajar inovações”15. Seus fundadores – Lucien Febvre e March Bloch –
buscaram difundir “uma abordagem nova e interdisciplinar da história”16. Essa abordagem
criticou o conhecimento histórico tradicional, que priorizou a política, a eventualidade e os
heróis de batalha, em uma narrativa episódica, linear e superficial17. Apresentavam-na,
sobretudo, como uma crônica dos acontecimentos. Suas ideias espalharam-se pelo milieu
acadêmico parisiense e, por isso, foram chamados para assumir cátedras no Collège de France
e na Sorbonne.

Os Annales objetivaram, principalmente, substituir o saber tradicional por uma


compreensão teórico-metodológica embasada na longa duração, que privilegiasse a análise de
conjuntura das civilizações e suas mentalidades. Propunham ainda o estabelecimento de uma
história-problema e interdisciplinar, que dialogasse com a antropologia, a geografia, a
psicologia, a sociologia, entre outras. Tal qual se percebe na afirmação de Lucien Febvre:
“historiadores sejam geógrafos. Sejam juristas, também, sociólogos e psicólogos”18.

Esse movimento pode ser dividido em quatro etapas. A primeira delas ocorreu entre
1920 e 1945 e caracterizou-se como um grupo pequeno e subversivo, que se rebelou contra a
história tradicional19. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), obteve o devido
reconhecimento e, por conta disso, passou a ditar as regras da história. Iniciava-se, assim, a
segunda fase, que trouxe novos conceitos (estrutura e conjuntura) e métodos (história serial)20.
Foi marcada pela publicação de “O mediterrâneo” de Fernand Braudel, em 1947, que causou
um verdadeiro furor no meio intelectual. O livro estabelecia uma inovadora concepção de
tempo histórico, para a qual existiam três fases de tempo, a curta, a média e a longa duração.
Nos meados da década de 1960, estabeleceu-se a terceira fase, que ficou marcada pelas
altercações e divergências internas. Tal qual afirma Burke, “(eles eram) uma „escola‟
unificada apenas aos olhos de seus admiradores externos e seus críticos domésticos, que
perseveravam em reprovar-lhe a pouca importância atribuída à política e à história dos

15
BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989. A Revolução Francesa da historiografia. 2° Ed. São Paulo:
Edunesp, 1991. p.8.
16
Ibidem, p.23.
17
Ibidem, p.26.
18
FEBVRE apud BURKE, op. cit., p.08.
19
BURKE, op. cit., p.8.
20
Ibidem, p.8.
21
eventos”21. Nesse cenário, tornou-se tão plural que pouco restara das especificidades
anteriores. Assim, sobressaíram-se os nomes de Jacques Le Goff e Pierre Nora. A partir de
1989, então, firmou-se a quarta fase. Nela, alguns membros do grupo transferiram-se da
história socioeconômica para a história sócio-cultural22. Mas, não obtiveram o costumeiro
impacto acadêmico. Seus destaques foram Georges Duby e Jacques Revel.

Conforme Peter Burke,

A história dos Annales pode assim ser interpretada em termos da existência


de três gerações, mas serve também para ilustrar o processo cíclico comum
segundo o qual os rebeldes de hoje serão o establishement de amanhã,
transformando-se, por sua vez, no alvo dos novos rebeldes. Mesmo assim,
algumas de suas preocupações básicas permanecem, pois a revista e os
indivíduos a ela associados oferecem o mais sistemático exemplo, neste
século, de uma interação fecunda entre a história e as ciências sociais.23

Esse compêndio acerca dos annales ajudar-nos-á compreender o descrédito pelo qual
passou a história política. Não obstante tenham promovido uma oportuna reestruturação do
conhecimento histórico, sua metodologia fez com que a história assumisse – intencionalmente
– características muito distintas daquelas assumidas por sua vertente política; sem abrir-lhe
espaço para que aderisse à renovação. Pensavam nela, portanto, como o conhecimento
tradicional per se, que estava ultrapassado e logo cairia em desuso.

Em meio à nova atmosfera, a renovação prezava a cientificidade da história,


repudiando qualquer característica événementielle. Partiam do pressuposto de que a história
política acabava por assumir uma perspectiva “oficial”, que retomava episódios heróicos e
nacionalistas, sem análises profundas em relação ao contexto. Caracterizavam-na, portanto,
como anedótica, elitista, factual, idealista, individualista, linear, psicologizante, etc.

Para René Rémond, houve uma severa condenação à história política, que define do
seguinte modo:

Factual, subjetiva, psicologizante, idealista, a história política reunia assim


todos os defeitos do gênero de história do qual uma geração almejava
encerrar o reinado e precipitar a decadência. Se se imaginar ponto por ponto
o contrário desse retrato cruel, ter-se-á o essencial do programa que a
história regenerada se atribuía. Estava, portanto, escrito que a história

21
BURKE, op. cit., p.8.
22
Idem, p.9.
23
Idem, p.9.
22
política arcaria com os custos da renovação da disciplina: história obsoleta,
subjugada a uma concepção antiquada, que tinha tido o seu tempo. Havia
chegado a hora de passar da história dos tronos e das dominações para a dos
povos e das sociedades. Quanto aos historiadores que tivessem a fraqueza de
ainda se interessar pelo político, e praticar essa história superada, fariam
papel de retardatários, uma espécie em via de desaparecimento, condenada à
extinção, na medida em que as novas orientações prevalecessem na pesquisa
e no ensino.24

Para a historiadora Marieta de Moraes Ferreira, a “marginalização” da história política


ocorreu, sobretudo, em razão das inúmeras críticas direcionadas ao Estado, pois era
compreendida com um mero instrumento das classes dominantes, sem autonomia. Sendo
assim, o político passava a ser um reflexo das injunções econômicas, destituído de dinâmica
própria25.

A autora faz referência aos anos 1960, nos quais os paradigmas totalizadores, como o
estruturalismo, o marxismo e o funcionalismo, avançaram por toda a Europa, aumentando
ainda mais a marginalização da dimensão política. Nesse ponto, Rémond afirma que Karl
Marx e Sigmund Freud foram os principais responsáveis por acabar com o pequeno prestígio
que restava à história política26.

Como se nota no excerto:

Marx e Freud, cada um à sua maneira e por vias diferentes, contribuíram


igualmente para acabar com o prestígio da história política. Um, fazendo da
luta de classes, ela mesma resultante do processo econômico, o motor da
história, desclassificou o político. O outro, pondo em plena luz o papel do
inconsciente e atribuindo à libido, às pulsões sexuais, grande parte da
responsabilidade pelos comportamentos individuais, ocultou a ambição e o
apetite de poder próprios do político. 27

Pensava-se que a história política logo desapareceria. Na década de 1980, porém,


ocorreu uma paulatina reintrodução da perspectiva política nos estudos históricos e, em
seguida, a mesma retomou atividade. Para Rémond, esse retorno deve ser compreendido por

24
RÉMOND, R. (org.) Por uma história política. 2° Ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003. p. 18-19
25
FERREIRA, Marieta Moraes. A nova velha história: o retorno da história política. Estudos históricos. Rio
de Janeiro: FGV/CPDOC, n° 10, 1992. p. 266.
26
RÉMOND, op. cit., p. 20.
27
Ibidem, p.21.
23
intermédio de duas perspectivas: as transformações do século XX e a própria dinâmica da
pesquisa histórica28.

Os conflitos recorrentes do século XX, sobretudo, pós-1960, desajustaram a economia


e obrigaram os Estados a intervir, aumentando seu controle. De certo modo, isso indicou que
a pressão de um conjunto de interesses, se bem direcionados, podia alterar o curso da
economia29. Se a pressão política podia mudar o rumo da economia, logo, os interesses
econômicos modificariam também o curso da política. Como afirma Rémond: “uma escolha
política que pode nada dever a análise econômica, como a decisão de nacionalizar grandes
setores de produção ou de troca, terá sobre a economia consequências incalculáveis”30.
Concluir-se-ia, portanto, um dado importante: a política era sim autônoma e não dependia do
interesse das classes dominantes.

Neste ponto, é necessário mencionar que, além das crises do século XX, o retorno do
político manteve-se atrelado à mudança de papel do Estado31. Na sociedade contemporânea, a
política organizou-se em torno do Estado e estruturou-se em função dele, assim seu poder
representou o grau supremo da organização política e principal ambiente de competição32.
Conforme Rémond, o próprio contexto proporcionou o retorno da dimensão política
no campo da história e os principais fatores foram:

(...) a experiência das guerras, cuja experiência não pode ser justificada e
entendida apenas com base nas dimensões econômicas; a pressão cada vez
mais perceptível das relações internacionais na vida interna dos Estados
lembrou que a política tinha uma incidência sobre o destino dos povos e as
existências individuais; contribuíram para dar credito à ideia de que o
político tinha uma consciência própria e dispunha mesmo de certa autonomia
em relação aos outros componentes da realidade social. Assim como, a crise
dos paradigmas totalizantes, como marxismo, funcionalismo e
estruturalismo, deram vazão para que a dimensão política voltasse à tona na
história.33

Alguns historiadores perceberam a nova abertura ao político e compreenderam sua


importância nos estudos históricos, passando, inclusive, a lhe defender no ambiente
acadêmico. E, no fim da década de 1980, promoveram outro movimento de renovação, que

28
RÉMOND, op. cit., p.21.
29
Ibidem, p. 23.
30
Ibidem, p. 24.
31
FERREIRA, op. cit., p. 267.
32
RÉMOND, op. cit., p. 23.
33
Ibidem, p. 25.
24
analisou e sistematizou o emprego da dimensão política na história. A conjunção dos
movimentos fez dessa vertente um ramo extremamente produtivo da historiografia.
Obviamente que as características assumidas por ela distaram em muito daquela imperatriz do
século XIX.

O movimento de renovação da história política teve precursores e o historiador


Rémond faz questão de citá-los: Albert Tribaudet, André Siegfried, Charles Seignobos,
François Goguel, Georges Weill, Jean-Jacques Chevallier e Marcel Prélot. Tais autores
propiciaram as condições necessárias para a política não desaparecer por completo. Seus
diferentes papéis no meio acadêmico viabilizaram a percepção da política em contanto com
outras ciências, que não a história. Isso lhe garantiria, posteriormente, a característica da
pluridisciplinaridade.

Como afirma Rémond:

É uma verdade geral a utilidade, para todo ramo do saber, de abrir-se a


outros e acolher contribuições externas, mas o objeto da história política,
sendo por sua natureza interdisciplinar, torna isso uma necessidade mais
imperativa que em outros casos. É impossível para a história política praticar
o isolamento: ciência-encruzilhada; a pluridisciplinaridade é para ela como o
ar que ela precisa para respirar.34

Nesse período, a história política se encontrou, portanto, com várias ciências: a


antropologia, a ciência política, a geografia, a lingüística, a psicologia, a sociologia, entre
outras. Essa pluridisciplinaridade assegurou a utilização de novos conceitos e técnicas de
investigação, sua renovação tornou-se, então, algo factível. E, assim sendo, o movimento se
estabeleceu na Universidade de Paris X-Nanterre e na Fundação Nacional de Ciências
Políticas da França, com os seguintes destaques: Jean-Pierre Rioux, René Rémond e Serge
Berstein.

Seu fortalecimento deu-se mediante a publicação de “Por uma história política” (1988)
de Rémond. Na verdade, foi apenas organizado pelo autor, já que recebeu a contribuição
intelectual de vários historiadores, como Aline Coutrot, Antonine Proust, Jean-François
Sirinelli, Jean-Jacques Becker, Jean-Noel Jeanneney, Jean-Pierre Azéma, Michel Winock,
Pierre Milza, Philippe Levillan e o próprio Rémond. A obra, em si, propôs a renovação da

34
RÉMOND, op. cit., p. 29.
25
história política e, para isso, realizou uma excelente análise da política na historiografia, com
os aspectos a serem reestruturados e a reinserção de temas polêmicos na investigação
histórica, como a associação política, a biografia, as eleições, a guerra, as idéias políticas, os
intelectuais, a mídia, a opinião pública, o discurso político, os partidos políticos, a política
interna e externa, a religião e o tempo presente. Além disso, apresentaram novos métodos para
o estudo desses temas.

“Por uma história política” conjetura uma renovação alicerçada, especialmente, nos
conceitos e métodos das Ciências Políticas. Para Rémond, essa aproximação fez com que a
história política se interessasse por fenômenos sociais que, até então, negligenciara35. A
perspectiva política atualizada renovou o horizonte do historiador e, assim, noções como
cultura política, imaginário político e representações passaram a ser aplicados em contextos
remotos, possibilitando uma nova luz aos acontecimentos e fenômenos cujas peculiaridades
ainda intrigam a humanidade36.

Segundo Rémond:

Assim também o estudo dos partidos e dos grupos de pressão, quando se


transpõe os seus ensinamentos para períodos remotos, descobre analogias
instrutivas com as facções revolucionárias, os clubes políticos ou as
formações parlamentares da monarquia constitucional, mas também
particularidades reveladoras da diferença dos tempos e situações que
mostram a diversidade das modalidades imaginadas para funções perenes.37

Ao ocupar-se dessas novas temáticas integrou todos os atores políticos e, por assim
dizer, abandonou duas de suas principais críticas: o elitismo e o individualismo. Além disso,
assumiu outras características importantes, como exemplo, a utilização de uma vasta
documentação histórica e a adoção da pluralidade de ritmos, que combinou o recente imediato
e o passado mais longínquo, desistindo de ater-se apenas a curta duração. Como afirma
Ferreira: “há inúmeros acontecimentos que advêm em um ritmo imediato, mas existem outros
que se inscrevem em uma longa duração, como a história das formações políticas e das
ideologias, no qual a cultura política ocupa um lugar importante”38.

35
RÉMOND, op. cit., p. p. 30.
36
Ibidem, p. 30.
37
Ibidem, p. 31.
38
FERREIRA, op. cit., p. 269.
26
Apesar desse extenso e complexo movimento de renovação, a história política ainda
lida com grande descrédito. Afinal, os historiadores continuam aprisionados aos primeiros
escritos dos Annales, como se o movimento estivesse em 1929, e à história cultural social, que
caiu em voga, crendo que a história política permanece cativa do passado e da perspectiva
oficial. Ignoram, portanto, o processo complicado pelo qual passou.

Segundo Ferreira,

Os clichês de que nada de respeitável pode ser feito fora das alamedas reais
do social e do econômico continuam a ser repetidos, ignorando-se as
mudanças profundas que têm marcado esse campo de trabalho. Em 1988,
François Furet chamou a atenção para isto ao reconhecer que, a despeito da
reintrodução na história das questões da política, "esta partida ainda não
tinha sido ganha", pois a massa da École des Annalles, mesmo os
historiadores da geração seguinte à sua, continuavam ligados à história
social, à história das mentalidades.39

É essencial afirmar que essa renovação não hostilizou a história estabelecida pelos
Annales. No entanto, os historiadores que foram surgindo e se atrelando ao movimento de
perspectiva política acabaram por estabelecer premissas mais radicais e métodos bem
particulares; como ocorreu com o historiador Pierre Rosanvallon40. Rosanvallon garante um
novo olhar ao horizonte da história política renovada, que muito nos interessa e garante,
inclusive, um dos aportes teóricos desta pesquisa. Alongar-nos-emos, assim, um pouco mais
acerca de suas ideias e métodos.

Pierre Rosanvallon (1948, Blois, França) é um historiador conhecido pela perspectiva


fortemente arraigada ao político. Antes de firmar uma sólida carreira acadêmica, deixou
pegadas visíveis pela estrada da militância. Após graduar-se na Escola de Estudos Avançados
em Comércio, em 1969, assumiu o cargo de tesoureiro na Confederação Francesa
Democrática do Trabalho (CFDT). Em 1972, foi convidado para exercer o encargo de
assessor político da CFDT.

No final da década de 1970, alguns colegas militantes convidaram-no para concorrer a


cargos públicos. Mas, Rosanvallon recusou a proposta e, em seguida, retomou a vida
acadêmica. Tendo isso em vista, em 1976, ingressou na Universidade de Paris-Dauphine. Foi
admitido como diretor de pesquisa (1978-1982) e, logo, vinculou-se ao círculo de Cornelius
39
FERREIRA, op. cit., p. 270.
40
Ibidem,. p. 270.
27
Castoriadis, Claude Lefort e François Furet. Em 1979, publicou “O capitalismo utópico: a
história da idéia de mercado”. A partir disso, foi nomeado professor na Escola de Estudos
Avançados em Ciências Sociais, em 1983, e posteriormente, em 1989, diretor de estudos. No
início da década de 1990, assumiu a direção do Centro de Pesquisas Raymond Aron, na qual
ficou até 2005. Rosanvallon ocupa também, desde 2001, a cátedra de história moderna e
contemporânea do político no Colégio da França, na cidade de Paris.

Essa trajetória diferenciada que intercalou sua atuação no mundo da política e sua vida
acadêmica acabou por dar bons frutos, como é o caso do livro “Por uma história do político”.
A obra traz dois textos que são – ao mesmo tempo – acessíveis e formidáveis: “Por uma
história filosófica do político” e “Por uma história conceitual do político”. E, embora tenham
poucas páginas, promulgam uma nova compreensão do político nos estudos históricos.

Através da análise da democracia e de seu vínculo com as principais questões da


sociedade contemporânea, “Por uma história do político” promove uma nova abordagem
teórico-metodológica da história Política. Nessa obra, Rosanvallon afirma que a concepção de
“político” adotada pela história ainda está muito atrelada à noção da Ciência Política, para a
qual a política constitui apenas uma subárea do sistema social.

Conforme o próprio autor, para que seja profícua ao campo da história, precisará
assumir uma definição própria, na qual o político se refira a um conjunto de procedimentos a
partir dos quais desabrocha a ordem social41. Sendo assim, o político e o social são
indissolúveis, este derivando daquele seu significado, forma e realidade.

Para Rosanvallon,

O político pode ser definido então como uma esfera de atividades


caracterizada por conflitos irredutíveis. O político resulta da necessidade de
estabelecer uma norma para além do ordinário, norma que, entretanto, não
pode de modo algum ser derivada de algo natural. Pode ser definido,
portanto, como processo que permite a constituição de uma ordem a que
todos se associam, mediante deliberação das normas de participação e
distribuição. “A atividade política”, como afirma Hannah Arendt em idêntica
linha, “está subordinada a pluralidade da atividade humana... A atividade
política diz respeito à comunidade e com o modo pelo qual ser diferente
afeta as respectivas partes”.42

41
ROSANVALLON, Pierre. Por uma História do Político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 39.
42
ROSANVALLON, op. cit., p. 42.
28
Além disso, Rosanvallon assevera que há uma recorrente confusão entre os termos
“política” e “político”, que são ditos como meras derivações de gênero e, na verdade,
possuem significados teóricos distintos. O mundo da política seria uma resultante do mundo
do político, operada na mobilização dos mecanismos simbólicos de representação. A partir
disso, percebe-se que a teoria política tradicional vive uma crise séria, já que não consegue
acompanhar as transformações da democracia contemporânea. E, sendo assim, o momento
exige uma remodelagem da política, que deve ser feita com base em comparatismos e,
consequentemente, na própria história. Percebe-se, portanto, que o autor defende uma história
política mais atrelada ao político, do que à política.

Cabe aqui um addendum: essa compreensão acerca do político está em constante


ampliação. Afinal, a transição de uma sociedade corporativa à sociedade moderna ocasionou
o que Rosanvallon designou como “déficit de representação”. De acordo com ele, o político
foi chamado para representar uma sociedade que não tinha um rosto definido. E, embora
algumas medidas tenham sido tomadas para que a sociedade moderna seja representada, ainda
não foram suficientes para dar um rosto a ela.

Rosanvallon define ainda que isso originou ao “imperativo da representação”, no qual


todos são – obrigatoriamente – representados, sem exceção. Para citar um exemplo, ele
menciona o princípio de igualdade ligado ao advento de uma ordem social. A igualdade
figura, em verdade, como subversora de toda tentativa de legitimar a diferença em razão de
alguma ordem natural. Se não existem limites na imposição da igualdade, não existem
diferenças para lutar ou resistir.

Nesse caso,

A vida social é caracterizada por dois processos, baseados em novas


reivindicações por igualdade econômica e pela redução das diferenças
antropológicas. Esses dois aspectos da modernidade levam assim a uma
ampliação considerável do domínio prático do político, quando comparado a
perspectiva aristotélica.43

Para que essas questões sejam resolvidas, Rosanvallon sugere uma nova vertente da
história política, a “história filosófica do político”. Essa história apreende o político como um
princípio ou um conjunto de princípios que influenciam as relações das pessoas na vida
comunitária e no mundo. Seu objetivo está na compreensão dos sistemas representativos, ou

43
ROSANVALLON, op. cit., p. 43.
29
seja, na forma como eles foram idealizados e desenvolvidos, permitindo, assim, aos
indivíduos e/ou grupos conceber uma vida comunitária. Conforme as representações nascem,
compreende-se como uma época, um país ou um grupo social elabora respostas àquilo que,
com maior ou menor precisão, percebem como um problema.

A história filosófica do político fornece uma descrição histórica da atividade


intelectual na interação entre a realidade e a representação. Tornando possível a identificação
do que Rosanvallon chama de “constelações históricas”, segundo o qual “em torno delas as
novas racionalidades políticas e sociais se organizam, representações de vida pública sofrem
mudanças decorrentes das transformações das instituições e das formas de relacionamento e
de controle social”44.

Não obstante tenhamos aludido a relação existente entre essa história e o político,
ainda não especificamos sua conexão com a Filosofia. Ela é filosófica por refletir conceitos
incorporados à “auto-representação” da sociedade, como: a igualdade, a soberania, a
democracia, etc. Isso permite organizar e verificar a inteligibilidade dos eventos e seus
princípios subjacentes. Por essa razão, prioriza dois momentos históricos: 1) a perda da
autonomia da ordem social como organismo corporativo e 2) o subsequente período
democrático.

De acordo com Rosanvallon, essa história não pode se limitar a uma análise das ideias
clássicas, como ocorre na história das ideias, pois seu fundamento preocupa-se com o estudo
das ideias, clássicas ou não, junto ao seu contexto histórico-político, como a história das
mentalidades45. Os grandes textos seriam importantes apenas para ilustrar as questões
suscitadas em uma época e as respostas então oferecidas.

A história de Rosanvallon preocupa-se, na verdade, em incorporar todos os elementos


que produzem uma cultura política. Isso não exclui os grandes textos teóricos, mas, exige uma
leitura/interpretação diversificada, que envolve discursos parlamentares, emblemas, jornais,
literatura, movimentos de opinião, panfletos e símbolos. Ou seja, “não há objeto que possa ser
considerado alheio para esse tipo de história do político”46.

E complementa:

44
ROSANVALLON, op. cit., p. 44.
45
Cf. VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. Brasília: Brasiliense, 1987. [Conforme Vovelle, a história
das mentalidades é o estudo da relação dialética entre, de um lado, as condições objetivas das vidas dos homens
e, de outro, a maneira como eles a narram e mesmo como a vivem]
46
Ibidem, p. 45.
30
Ela consiste em reunir todos aqueles materiais empregados, cada um de
modo separado, por historiadores das ideias, das mentalidades, das
instituições e dos eventos. Por exemplo: a relação entre o liberalismo e a
democracia durante a Revolução Francesa não pode ser resolvida como um
debate de alto nível travado entre Rousseau e Montesquieu. Deve-se fazer
um esforço para entender o que as pessoas que citaram estes autores como
autoridades leram de fato nas obras deles; estudar o calhamaço das petições
enviadas à Assembleia Nacional; imergir no mundo dos panfletos, inclusive
os satíricos, reler debates parlamentares, familiarizar-se com práticas dos
clubes e comitês. Também é necessário estudar a história das palavras e o
desenvolvimento da linguagem (democracia não significa a mesma coisa em
1789 e 1793, por exemplo). Essa história é naturalmente multifacetada.47

O cerne da questão é, portanto, compreender os clássicos não somente como uma


expressão, mas também como a formalização de um momento histórico, político e/ou
filosófico específico. Afinal, “se os grandes textos gozam de status particular nessa história, é
porque a sua peculiar qualidade é, precisamente, a de estabelecer uma conexão entre um texto
e um problema” 48. O foco, portanto, deve ser esse. E as mais diversas temáticas não poderão
se restringir unicamente a perspectiva de dois grandes clássicos, por exemplo.

A história filosófica do político apresenta uma abordagem original, tanto em sua base
teórica, quanto em seus métodos. E, tal abordagem possui uma dupla característica: a
interação e a compreensão. A interação refere-se à análise do modo pelo qual uma cultura
política, suas instituições e eventos, estabelecem formas políticas estáveis. Segundo o
Rosanvallon, “isso é feito mapeando as sobreposições, divergências, distorções,
convergências e lacunas que caracterizam a formação de modelos políticos e determina o que
é equívoco ou ambíguo acerca deles ou, ainda, em suas realizações”49. Já a abordagem
compreensiva se refere à apreensão de uma questão situando-a no contexto de sua
emergência, de modo que se torna impossível ao historiador manter uma perspectiva
objetivista.

Para o autor, “a abordagem compreensiva busca apreender a história em seu fazer-se,


ou seja, enquanto ela mantém suas potencialidades – e antes, portanto, que ela se efetive no

47
ROSANVALLON, op. cit., p. 45.
48
Ibidem, p. 46.
49
Ibidem, p. 48.
31
modo histórico e passivo, como um fato necessário”50. Isso pressupõe a capacidade do
estudioso de aproximar-se do objeto com uma “empatia controlada”.

Rosanvallon justifica essa ideia de empatia científica pela noção da invariância, no


que se refere à imutabilidade da realidade do pesquisador e seu objeto de estudo. Por isso,
sugere que o trabalho do historiador direcione-se rumo a um novo tipo de comprometimento
intelectual. Fato esse que não haveria de implicar em elaborar uma noção profundamente
comprometida, com preferências ou suposições, tomando por realidade a representação de
grupos sociais e/ou atores com quem tem maior identificação.

O objetivo é tornar essa história conceitual em um meio para compreender o


presente. É possível que isso soe um lugar-comum: o que é interessante na
história do passado é sua capacidade de lançar luz sobre o presente. Olhando
a questão mais de perto, porém, as coisas não são tão simples. Com efeito,
muitos livros de história preferem reinterpretar a história a partir dos termos
do presente, ou mesmo do futuro, conforme imaginam que ele será. Essa
inversão de termos de compreensão me parece particularmente
surpreendente no campo da história política.51

A história filosófica do político sugere, portanto, que se rompam as barreiras e os pré-


conceitos existentes, desde o início do século XX, com relação à investigação histórica do
político. Para que, assim, a compreensão do passado e a investigação do presente façam parte
de um mesmo ofício ou de um mesmo processo intelectual. Além disso, a nova concepção
viabiliza uma escrita que admite a interpretação, o comentário e a erudição; estabelecendo
uma “história de ressonâncias”, que intercala as experiências do pesquisador àquelas
experimentadas pelo objeto de estudo.
Rosanvallon sugere ainda uma polêmica reconciliação entre o trabalho intelectual e o
envolvimento cívico-político. A perspectiva proposta considera a vida acadêmica parte
integral da experiência cívica, o que conduz a uma nova forma de comprometimento; algo
com maior substância.
Por essa razão, o mesmo autor afirma que “o objetivo é alcançar o ponto em que a
distinção entre conhecimento e ação desaparece.”52. E, conclui, “é em razão disso que não

50
ROSANVALLON, op. cit., p. 48.
51
Ibidem, p. 53.
52
Ibidem, p. 56.
32
detecto uma diferença clara entre as minhas publicações acadêmicas e aquilo que escrevo
enquanto engajamento social e político mais direto”53.

O trabalho do historiador do político é parte e parcela desse processo cívico.


O conhecimento torna-se então uma forma de ação, que torna o trabalho
intelectual per si uma forma de prática política. Trata-se de uma forma de
entendimento político que, pela sua contribuição à elucidação das
antinomias, participa da tentativa de definir o que pertence propriamente ao
domínio do político. O que está em jogo aqui é a conexão entre erudição e
envolvimento, entre o compromisso do trabalho e o compromisso no
trabalho.54

Essa história identifica, sobretudo, a intersecção entre os conflitos humanos e suas


representações de mundo, considerando o político como um terreno no qual a sociedade se
transforma. Por essa razão, conduz à compreensão do pano de fundo contra o qual as
categorias promovem uma ação, na qual são simultaneamente construídas e transformadas.
Busca-se uma análise mais aprofundada das principais questões de uma determinada
sociedade, ou seja, como elas refletem a ordem social, delineiam seus sistemas e os tipos de
desafios.
Rosanvallon afirma que essa perspectiva fixa-se como algo semelhante a

(...) pensar a democracia retomando o fio de sua história. Contudo, não se


trata somente de dizer que a democracia tem uma história; é preciso
considerar, de modo mais radical, que a democracia é uma história e como
tal indissociável de um trabalho de explorações e experimentações, de
compreensão e elaboração de si mesma.55

Finalmente, a história filosófica do político tem como principal intuito refazer a


extensa genealogia das questões políticas contemporâneas, para assim, torná-las inteiramente
compreensíveis. Deste modo, a história assume o papel de reviver uma sucessão de presentes,
assimilando-os como variadas experiências do passado. Trata-se de reconstruir o modo pelo
qual os indivíduos e os grupos elaboraram uma compreensão de suas situações, assim como,
compreender os repúdios e adesões a partir dos quais formularam seus objetivos e, em
seguida, considerar a maneira pela qual suas visões de mundo limitam e organizam o campo
de suas ações. Em suma, sua intenção é “seguir o fio das experiências e das tentativas, assim

53
ROSANVALLON, op. cit., p. 56.
54
Ibidem, p. 56.
55
Ibidem, p. 76.
33
como, dos conflitos e das controvérsias, através dos quais a polis tentou encontrar sua forma
legítima”56.
A partir dessa compreensão, passaremos a uma questão muito importante: a
assimilação do conceito de cultura política pela história política renovada. Como já
afirmamos, ele nasceu nas ciências sociais na década de 1960 e, trinta anos depois, foi
assimilado pelos estudos históricos. Contrariamente ao que se pensa, não foi
analisado/sistematizado pelo livro célebre de René Rémond e, não obstante tenha sido
mencionado na introdução e na conclusão, falou-se apenas que haveria de ser uma vertente
futura. Essa renovação iniciada por Rémond constituiu um primeiro e importante passo à
porvindoura assimilação, pois consentiu que alguns conceitos e valores de outras ciências
(como a antropologia, a política, a filosofia, lingüística, a psicologia, sociologia, entre outros)
fossem emprestados à história política, para que, assim, perdesse o caráter narrativo,
monolítico, teleológico e factual.

O “encontro” entre essa nova história política e a ciência política possibilitou a


instrumentalização do conceito mencionado acima, o que viabilizou, portanto, sua inserção na
historiografia. Mas, seu estudo exige a elaboração de uma sólida base conceitual que,
obviamente, delimita e fundamenta sua viabilidade metodológica em relação à temática
proposta.

A cultura política per se foi estruturada/sistematizada no século XX, mas, abrolhou no


final do século XVIII, como algo semelhante ao que concebemos hoje em dia. Conforme
Rodrigo de Pato Sá Motta, em suas viagens aos Estados Unidos, Aléxis de Tocqueville
elaborou a noção de “habitus do coração”, para a qual a força de organização política estaria
relacionada aos hábitos e aos costumes de um povo e não somente às suas instituições57. Essa
ideia foi aproveitada e examinada pelos cientistas sociais do século XX.

O conceito propriamente dito surgiu na década de 1960, momento no qual foi


publicado o clássico “A cultura cívica: atitudes políticas e democracia em cinco nações”
(1963) dos estadunidenses Gabriel Almond e Sidney Verba. O livro apresentou uma análise
extensa de cinco nações, a Alemanha, os Estados Unidos da América, a Inglaterra, a Itália e o
México. Os dois últimos foram incluídos como sociedades em transição (e, portanto, menos
“evoluídas”).

56
ROSANVALLON, op. cit., p. 78.
57
MOTTA, Rodrigo P. S. A História Política e o conceito de cultura política. Anais do X Encontro Regional
de História. Mariana: 1996. p.15.
34
Almond e Verba elaboraram um sistema que assimilou três tipos de cultura política: a
cultura política paroquial, a cultura política da sujeição e a cultura política participativa. A
cultura política paroquial refere-se às sociedades simples, nas quais dificilmente se identifica
uma separação entre as estruturas políticas e as religiosas. Essas sociedades seriam
caracterizadas ainda pela baixa participação política, pois os atores políticos têm uma visão
muito limitada de suas estruturas, não conseguindo elaborar demandas individuais e/ou
coletivas, como exemplo, os autores citam as comunidades tribais da África. A cultura
política de sujeição refere-se às sociedades em que os indivíduos dirigem suas avaliações,
percepções e sentimentos, prioritariamente às estruturas executivas e administrativas, que
estão encarregadas de elaborar e responder demandas individuais e coletivas; como exemplo,
os autores citam a monarquia francesa e afirmam: “assim, o monarquista francês tem
conhecimento das instituições democráticas, mas, simplesmente não confere legitimidade a
elas”58. E, finalmente, a cultura política da participação cujos sistemas de avaliação,
percepção e sentimento, equilibram-se entre ambas as estruturas, a política e a administrativa,
nos aspectos de entrada e saída do sistema político. Indivíduos da política participativa
podem ser favoráveis ou não-favoráveis às mais variadas classes de objetos políticos.
Tendem, portanto, a assumir um papel político mais ativo, de modo que sua percepção do
todo pode variar entre a aceitação e a rejeição.

Essas culturas políticas haveriam de ser, em verdade, resultado da junção de duas


dimensões básicas: 1) a orientação que será adotada ao objeto político (a cognitiva, a afetiva
ou a avaliação) e a 2) o objeto ao qual se destinam essas orientações (as estruturas de
incorporação das demandas individuais e/ou coletivas, as estruturas executivas e
administrativas encarregadas de dar resposta às demandas individuais e/ou coletivas, a
percepção do sujeito como ator político e o sistema político como totalidade). Como afirmam
os autores,

Caracterizar a cultura política de uma nação significa, na verdade, o


preenchimento da matrix para uma amostra válida de sua população. A
cultura política torna-se a freqüência de diferentes tipos de orientação, como
a cognitiva, a afetiva, e avaliativa, rumo ao sistema político geral, o aspecto
de suas entradas e saídas, e o “eu” como ator político. 59

58
ALMOND, Gabriel; VERBA, Sidney. The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy in Five
Nations. 3° ed. London: SAGE, 1989. p. 14.
59
Ibidem, p.16.
35
Essas definições não acabam por aqui. Os modelos de cultura política podem assumir
uma forma mais complexa à medida que seus grupos e/ou atores políticos assumem papéis
divergentes, levando ao que os autores afirmam como modelo “sistemicamente misto”. Por
exemplo, o modelo de cultura participativa contém indivíduos que se orientam como súditos
ou paroquiais e vice-versa. Assim, a cultura política assume uma forma híbrida, sendo
transitória ou não, como a cultura paroquial-súdita, a cultura súdita-participante e a cultura
paroquial-participante.

Para Almond e Verba, as culturas políticas são heterogêneas e, por conta disso, a mais
desenvolvida sociedade participativa contém uma subsistente estrutura de paroquiais e
súditos. Haverá sempre uma persistente e significante diferença de orientação política. Para
designar esses elementos “divergentes”, os autores utilizam do termo “subcultura”.

Segundo eles:

O termo subcultura pode ser utilizado para se referir ao estrato da população


que é persistentemente orientado no sentido da política de inputs e outputs,
mas também é abertamente orientado para a política estrutural. Como ocorre
nos EUA com a esquerda do Partido Democrático e a direita do Partido
Republicano, que aceitam a estrutura governamental e a política americana,
mas diferem persistentemente uns dos outros em relação à violência
doméstica. Referimo-nos a isso como subcultura.60

Após essas definições de culturas mistas e suas subculturas, Almond e Verba


apresentam sua tese: a cultura política mais avançada seria aquela que, sendo híbrida,
assimilaria todas as características benéficas das outras culturas. Logo, a cultura cívica
cumpriria esse papel de formação parfait. Seu civismo não seria aquele dos livros didáticos de
educação moral e cívica, que informavam como o cidadão devia ou não agir em uma
democracia. Essa cultura cívica não seria apenas uma questão moral, mas também uma
ponderação filosófica e política. O cidadão favorável a ela deveria ser um “ativista político-
racional”, orientado pela razão e não pela emoção. E, portanto, bem informado, para que,
assim, tomasse decisões sábias.

Como afirmam:

60
ALMOND; VERBA, op. cit., p.27.
36
A cultura cívica compartilha muito dessa noção de ativismo-racional; isto é,
na verdade, como essa cultura e mais alguma coisa. Significa a participação
de indivíduos no processo de input. Na cultura cívica descrita nesse trabalho
encontrar-se-ão altas freqüências de ativismo político, de exposição na
comunicação política, de discussão política e de preocupação com questões
políticas.61

A cultura cívica, como o leitor pode concluir, passou por severas críticas na segunda
metade do século XX, que lhe condenou, inclusive, ao ostracismo. Essas críticas argüiam o
fato dela estabelecer uma tipologia dos sistemas políticos, pois as instituições democráticas e
o civismo seriam, nesse caso, fenômenos praticamente indiscerníveis. Afirmavam também
que tal cultura formou o paradigma da “boa democracia”, já que analisou as sociedades
ocidentais, principalmente a estadunidense, como sólidas e estáveis, garantindo a elas certo
“tom” de superioridade. Assim, o modelo “perfeito” tinha uma cultura cívica
obrigatoriamente forte e consolidada. Do mesmo modo, contestaram seu caráter behaviorista,
ou melhor, comportamental-funcionalista, visto que focava nas atitudes e orientações dos
cidadãos nos assuntos do político. E, finalmente, asseveravam que ela procurava estabelecer
uma relação entre cultura e estrutura política, que dificilmente combinaria.

Houve ainda severas críticas às análises a respeito da Itália e do México. Os países


não-atlânticos foram avaliados como regiões em transição, que não possuíam uma cultura
cívica enraizada. No caso do México, as críticas evidenciaram deficiências típicas da
complexa pesquisa transnacional. E, se concentraram em três questões: os dados utilizados, as
ambigüidades, os erros de tradução e os problemas de validade ou equivalência. Os dados
coletados à análise da cultura política mexicana embasaram-se em questionários que foram
espalhados por todo o território na década de 1950. As perguntas possuíam, entretanto, graves
erros de tradução (que foram percebidos muitos anos depois), e isso, certamente, deslegitimou
suas respostas. Se a tradução inglês/espanhol tinha problemas, logicamente, a tradução
espanhol/inglês também possuía e, por conta disso, as amostras foram desqualificadas pela
crítica.

Essas críticas foram muito importantes, pois alguns aspectos realmente precisavam
mudar. Todavia, a noção de cultura política foi elaborada no período do pós-guerra, o que fez
com que ela assumisse algumas questões desse contexto, como o nacionalismo exacerbado e a
busca pela vigência da democracia. O caráter nacional apareceu em razão da necessidade de

61
ALMOND; VERBA, op. cit., p. 29-30.
37
se identificar aquilo que haveria de mais comum na cultura compartilhada por indivíduos de
uma mesma comunidade ou nação. Já a questão democrática estava atrelada à compreensão
do papel político dos Estados-nação. Afinal, constatava-se que os indivíduos e grupos
políticos conduziam cada vez mais suas atividades em função dos “valores nacionais”.

Conforme Karina Kuschnir e Leandro Piquet Carneiro,

A cultura política, portanto, remete a uma orientação subjetiva em relação a


um determinado sistema político. E preciso ressaltar, porém, que a utilização
da noção por parte de seus autores está vinculada a uma preocupação quanto
às condições de desenvolvimento dos sistemas políticos democráticos. Dessa
forma, em sua própria gênese, o conceito de cultura política não pode ser
dissociado da idéia de um modelo de comportamento político nas
democracias participativas. Diferentemente dos antropólogos, cuja noção de
cultura traz implícita a idéia de relativização, Almond e Verba entendem que
a cultura política democrática – ou cultura cívica, para usar a terminologia
dos autores - é uma conquista da sociedade Ocidental. Seu projeto é entender
como essa cultura tem sido absorvida (ou não) nas sociedades
contemporâneas.62

Após a identificação dessas lacunas nos estudos de cultura política, o conceito caiu em
ostracismo por quase três décadas. Mas, foi retomado pelos cientistas sociais nos meados da
década de 1980. No campo da história, acompanhou a renovação de Rémond em 1988 e, logo
depois, foi incorporado/sistematizado nos estudos de Jean-François Sirinelli e Serge Berstein.
Nos anos seguintes, continuou a ser debatido por historiadores renomados, como: Ângela de
Castro Gomes, Eliana Regina de Freitas Dutra, Giacomo Sani, Joan Botella, Joseph V. Femia,
Maria Helena Rolim Capelato, Margareth Sommers, Rodrigo de Patto Sá Mota, entre outros.

Essas novas formações do conceito mudaram bastante suas características. Tornaram-


lhe mais flexível, aumentando sua abrangência analítica. Fizeram-lhe também um instrumento
propício ao estudo de história política. E, assim sendo, passaremos à definição conceitual de
Berstein, pois, além dela nortear os historiadores contemporâneos, embasa esta pesquisa.

De acordo com Serge Berstein, inicialmente, acreditou-se que a cultura política era
uma “chave universal” e, por isso, abriria qualquer porta63. Com o tempo, percebeu-se que ela
representava um fenômeno de múltiplos parâmetros, que não direcionavam a uma

62
CARNEIRO, Leandro; KUSCHNIR, Karina. As dimensões subjetivas da política: a cultura política e a
antropologia. Revista estudos históricos, São Paulo, v.13, n.24, p.227-250.
63
BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean François. Para uma
história cultural. Lisboa: Estampa, 1998.p.350.
38
interpretação determinista e unívoca, mais sim à compreensão de um complexo sistema de
acepções, ideologias, representações e símbolos. A partir dessa conscientização, os
historiadores passaram a sistematizá-la, para que, assim, conviesse aos estudos históricos.

O historiador Jean-François Sirinelli foi o primeiro a esquematizar a cultura política


em seus estudos e, por conta disso, acabou inaugurando uma nova vertente no campo da
história. Nesse momento, Sirinelli definiu o conceito como a representação de “uma espécie
de código e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um partido ou, mais
largamente, difundidos no seio de uma família ou de uma tradição política”64. Isso levou ao
entendimento de “uma leitura comum do passado e de uma projeção do futuro vivida em
conjunto”65.

Em seguida, Serge Berstein elaborou uma nova definição conceitual, que se revelou
mais organizada e complexa. E, segundo ela

(...) [a] cultura política [é] um grupo de representações, portadoras de


normas e valores, que constituem a identidade das grandes famílias políticas
e que vão muito além da noção reducionista de partido político. Pode-se
concebê-la como uma visão global do mundo e de sua evolução, do lugar
que aí ocupa o homem e, também, da própria natureza dos problemas
relativos ao poder, visão que é partilhada por um grupo importante da
sociedade num dado país e num dado momento de sua história.66

A compreensão acima parte do pressuposto de que o pesquisador de cultura política


encontra no passado um universo de informações importantes, que são assimiladas como
comprovações. Trata-se de “garimpar” o que está oculto no contexto, para então, encontrar
em um discurso, por exemplo, as “palavras-chave” que, em geral, codificadas, afirmam mais
do que aparentam.

Para a completa identificação da cultura política, contudo, Berstein sugere as “grelhas


de análise”. Essas grelhas permitem a visualização da cultura como um todo e, por conta
disso, asseguram a absorção das seguintes questões: a base filosófica ou doutrinal, a leitura

64
RIOUX; SIRINELLI, op. cit., p.350.
65
SIRINELLI, Jean-François. Pour une histoire des cultures politiques. Voyages en Historie. Besançon :
Annales littéraires de lÚniversité de Besançon, 1995.
66
BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. IN: AZEVEDO, Cecília; BICALHO, Maria Fernanda
Batista; KNAUSS, Paulo; (orgs). Cultura Política, Memória e Historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
p.31.
39
comum e normativa do passado histórico, a visão institucional, a concepção de sociedade
ideal e o discurso codificado.

Percebe-se que o conceito não é uma mera questão territorial, como muitos cogitaram
inicialmente. E, em um único país, há uma pluralidade (quase infinita) de culturas políticas,
cujas áreas de abrangência correspondem às zonas de valores compartilhados. Se, porventura,
alguma delas cresce e fica muito ampla, temos o que Berstein definiu como “cultura política
dominante”67. Ainda assim, ela coexiste com outras culturas políticas, cujas “referências e
conjeturas de futuro são absolutamente diferentes das suas”68.

Para Berstein, a cultura política surge como uma solução aos problemas enfrentados
pela sociedade em que emerge e para os quais apresenta alternativas. Assim, aparece em um
momento de crise que ameaça seu grupo, oferecendo, portanto, uma resolução. Mas, será
operacional apenas no momento em que suscitar adesões de setores importantes da sociedade
e, por isso, ela demora a se impor. Nessas crises, as culturas preexistentes, às vezes, se
encontram e se influenciam mutuamente, o que as fortalece e suscita uma adaptação às
mudanças da sociedade. Podemos, assim, concluir uma questão muito importante: as culturas
políticas são vagarosas, mas se adaptam e, por isso, não morrem.

Assim conclui:

Noutros termos, é necessário o espaço de pelo menos duas gerações para que
uma ideia nova, que traz uma resposta baseada nos problemas da sociedade,
penetre nos espíritos sob forma de um conjunto de representações de caráter
normativo e acabe por surgir como evidente a um grupo importante de
cidadãos.69

Além da cultura política se estabelecer na longa duração, Berstein afirma que ela é
difundida por canais de socialização política tradicionais, como: a escola, o exército, a família
e os partidos políticos. Apesar disso, não ocorrem transmissões somente pela via doutrinária,
como se pensou de início. Na verdade, sua ação é variada, porque sua composição recebe
inúmeras influências, como normas e raciocínios, que, ao serem repetidos, acabam
interiorizados.

De acordo Berstein:
67
BERSTEIN, op. cit., 1998, p.354.
68
Ibidem, p. 355.
69
Ibidem, p. 356.
40
A cultura política assim elaborada e difundida, à escala das gerações, não é
de forma alguma um fenômeno imóvel. É um corpo vivo que continua a
evoluir, que se alimenta, se enriquece com múltiplas contribuições, as das
outras culturas políticas quando elas parecem trazer boas respostas aos
problemas do momento, os da evolução da conjuntura que inflecte as ideias e
os temas, não podendo nenhuma cultura política sobreviver a prazo a uma
contradição demasiado forte com as realidades.70

O escopo da cultura política na história, segundo Berstein, reside em fornecer uma


resposta ao problema das motivações do político, compreendendo as razões pelas quais os
cidadãos adotam uma ou outra conduta política. Essa questão, que mal agitou os historiadores,
apresenta-se, contrariamente, como o foco da ciência política. Afinal, parte-se do pressuposto
de que, ao adquirir uma cultura política, o indivíduo adulto se transforma num núcleo rígido,
que informa suas referências em razão do mundo que expressa. Deste modo, seu estudo se
legitima a partir da dupla função que exerce: é um fenômeno, ao mesmo tempo, individual,
uma vez que interiorizado pelo indivíduo, e coletivo, posto que partilhado por grupos
numerosos.

E, complementa:

A força da cultura política como elemento determinante do comporta-mento


do indivíduo resulta, em primeiro lugar, da lentidão e da complexidade da
sua elaboração. Adquirida no decurso da formação intelectual, beneficia do
caráter de certeza das primeiras aprendizagens. Reforçada pela confrontação
destas com os acontecimentos surgidos durante a existência humana,
continua a aumentar em poder de convicção e no papel de chave de leitura
do real. A habituação do espírito à sua utilização como grelha de análise
acaba por torná-la um fenômeno profundamente interiorizado e que, como
tal, é impermeável à crítica racional, porque esta faria supor que uma parte
dos postulados que constituem a identidade do homem fosse posta em
causa.71

Em suma, Berstein afirma que os estudos de cultura política são muito úteis ao campo
de história. Afinal, permite-nos descobrir, no âmbito individual, as raízes e as filiações
individuais, que restituídas por uma construção lógica e imparcial, demonstram as motivações
do político. Além disso, permite-nos compreender, no âmbito coletivo, a coesão dos grupos

70
BERSTEIN, op. cit., 1998, p. 357.
71
Ibidem, p. 360.
41
organizados em torno de uma cultura e, sendo assim, apreender a razão pela qual o coletivo
partilha uma visão comum de mundo, em uma leitura semelhante de passado e perspectiva
idêntica de futuro, cujas crenças, normas e valores, constituem um patrimônio individual,
garantindo-lhes canções, gestos, símbolos e vocabulários.

E, conclui,

As possibilidades abertas pelo enfoque nas culturas políticas são amplas e


férteis, e apenas recentemente começaram a ser exploradas pela
historiografia brasileira. Estudos inspirados por esse campo conceitual
permitem uma compreensão mais rica e sofisticada do comportamento
político, indo além da tradicional ênfase no interesse e na adesão a idéias
como fatores motivadores. Os estudos dedicados à cultura política revelam
outras dimensões explicativas para os fenômenos políticos, como a força dos
sentimentos (paixões, medos), a fidelidade, as tradições (família, religiões) e
a adesão a valores (moral, honra e patriotismo).72

O catalão Joan Botella, outro teórico norteador desta pesquisa, afirma que um ponto
importante da cultura política é a hegemonia, ou seja, o predomínio de um determinado
corpus de idéia numa sociedade. Idéias essas ligadas a existência de um determinado setor
dominante (mas, sem ter que existir uma determinada mecânica entre as características desse
grupo dominante e as idéias que expressam).

Conforme o autor, a hegemonia – aparentemente inquestionável – é, portanto,


consequência da ação contínua da multiplicidade de instituições predominantemente privadas,
as mesmas que Antonio Gramsci denominou como sociedade civil73.

Por isso, afirma:

Não é desmedido sugerir a pertinência de um enfoque desse estilo para a


compreensão das culturas políticas. Particularmente, a homogeneização da
indústria cultural e do entretenimento a mercê da exportação generalizada da
produção estadunidense, reforçada por pautas de comportamento de tipo
passivo (é progressivamente el espectador o protagonista mais visível da
nossa sociedade).74

72
BERSTEIN, op. cit., 1998, p.363.
73
BOTELLA, Joan. Em torno al concepto de cultura política: dificultades y recursos. In: CASTILLO, Pilar;
CRESPO, Ismael. Cultura política: enfoques teóricos y análisis empíricos. Valencia: Tirant lo Blanch, 1997. p.
34
74
BOTELLA, op. cit., p. 35.
42
Botella realiza ainda duas importantes críticas aos estudos de cultura política, as quais
levamos em consideração. Em primeiro lugar, Joan adverte que as culturas são mais
maleáveis do que se imagina, afinal, as mudanças econômicas, políticas e sociais podem
produzir alterações em um breve período de tempo, o que definitivamente as influenciam.
Deste modo, a ideia de culturas milenares, com vagarosas modificações, pode ser adequada
em certos contextos, mas inadequada em outros. Em segundo, assinala o pequeno espaço
atribuído às subculturas. Nesse caso, afirma que assim como os mecanismos de socialização
política são importantes para a transmissão da cultura política, também o são para a
subcultura. Afinal, desenvolve-se contra os valores sociais e políticos dominantes,
expressando características e valores próprios dos grupos sociais minoritários e, a priori,
dominados. Por conta disso, cria um instrumento próprio, ou seja, uma subcultura, para que,
assim, isole-se das influências ideológicas dominantes e permita-se estabelecer uma
identidade e/ou um discurso específico.

Em suma, a cultura política distanciou-se da alcunha de “ideologia” ou “conjunto de


tradições” ao assimilar novos elementos em sua composição. Assim, pode-se afirmar que
surge como resposta aos dilemas enfrentados no interior da sociedade e, por isso, admite a
elaboração de diretrizes e soluções para sanar tais problemas. Ao longo dos anos, torna-se
mais complexa devido a sua capacidade de se adaptar às novas questões emergentes. Adapta-
se, todavia, não morre. E sua difusão ocorrerá de diferentes modos: nas assembleias, nos
discursos, no seio da família, nos clubes e grupos políticos, nos partidos, nos jornais e
periódicos, entre outros.

No seu interior, as representações configuram um conjunto de elementos que inclui


ideologia, linguagem, memória, imaginário e iconografia, e mobilizam, portanto, os mitos, os
símbolos, os discursos, os vocabulários e uma rica cultura visual (cartazes, emblemas,
caricaturas, cinema, fotografia, bandeiras e etc.). Deste modo, implicam também em
reapresentar uma presença que pode ser sensorial ou perceptiva e/ou fazer presente algo
ausente, como afirma Falcon, “re-apresentar como presente algo que não é diretamente dado
aos sentidos”75.

A cultura política nos estudos históricos viabilizou a retomada de antigos e polêmicos


enfoques temáticos, como o partido, que, antes da renovação de Rémond, seria impossível.
Conforme Botella, “é sabido que a existência de „organizações e instituições socializadoras‟ –

75
FALCON, Francisco. História cultural: uma nova visão sobre a sociedade e a cultura. Rio de Janeiro,
Campus, 2000. p. 46.
43
dentre as quais, os partidos políticos – é crucial para a transmissão das culturas políticas, uma
vez que rompe com a noção de cultura política como „variável independente‟”76.

A procedência lógica dessa afirmação admite que o partido político seja apreendido
como uma representação monográfica específica de determinada sociedade e, ao mesmo
tempo, portadora de uma cultura política peculiar, uma subcultura do todo social, que requer a
pesquisa sobre as diferentes subculturas que dão forma à própria cultura política do partido77.
Há, portanto, a demanda de uma análise que caminhará desde a formação do partido até o
estabelecimento de suas subculturas, com o intuito de compreender tudo o que ele compõe e
engloba. Para Botella, acaba por se tornar um “(...) fator dinâmico da cultura política,
explicando suas possíveis mudanças e sua evolução através do tempo”78.

O estudo de cultura política, contudo, ainda recebe severas críticas da historiografia.


Por essa razão, o historiador, se não for cauteloso, possuindo um heterogêneo (no sentido de
que deverá beber da água de diferentes fontes) e sólido respaldo teórico, acabará em um
dilema semelhante ao de Epicuro, visto que se deixará levar pela retórica censora. Essas
críticas dividem-se em dois grupos: 1) o primeiro grupo afirma que a cultura política pode ser
um conceito muito abrangente e, por isso, pode levar a qualquer conclusão que se queira
(sujeito a manipulação de hipótese e resultado) e 2) para que o conceito não seja muito
abrangente, deve ser ele utilizado em regiões diminutas e não, por exemplo, em âmbito
nacional. Mas, o conceito dificilmente consegue ser comprovado em pequenas regiões, pois
exige muito tempo e vasta documentação. Então, o dilema se estabelece: ou o conceito é
abrangente em demasia, sendo passível de manipulação, ou é ineficaz por ser utilizado em
regiões pequenas e, portanto, sendo de difícil comprovação.

A partir dessa explicação, a pesquisa aqui exposta analisa a cultura política priista
mexicana nos idos de 1946 a 1988. Partimos do pressuposto de que, a partir de 1946, tornou-
se necessário ao partido formular uma cultura política, que orientasse e disciplinasse seus
correligionários diante de suas mudanças estruturais, políticas e ideológicas. Sabe-se, porém,
que a cultura política é resultado de um processo lento e gradual de afirmação e consolidação,
o que se iniciou, sobretudo, com os primeiros passos do partido. Em seguida a isso, a cultura
política priista emergiu e se firmou como um importante instrumento político de legitimação,
trazendo consigo novos símbolos culturais que eram sugeridos continuamente como

76
BOTELLA, op. cit., p. 31.
77
GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. Trad.Gabriel Bogossian. São Paulo: Hedra, 2008. p.87.
78
Botella, op. cit., p. 31.
44
alternativas ao Maximato e ao radicalismo cardenista. Analisar a cultura política priista
implicará, então, em compreender seus principais símbolos, que se fundamentaram,
sobretudo, na ideologia priista do século XX. Algumas delas sofreram alterações ao longo do
tempo, mas não o suficiente para serem desconsiderados. Além disso, elas não estão presentes
durante todo o período exatamente. Isso demonstra como uma cultura política pode ganhar ou
perder significados, símbolos e representações. No caso mexicano, os signos culturais que
permaneceram e continuaram a influenciar a sociedade foram enormes, mas alguns vão
diminuindo com o tempo e ganham-se outros novos ao longo do caminho. Em razão do
grande número de permanências, não há como analisar de forma aprofundada cada um desses
signos e representações, mesmo por que fugiria do objetivo principal dessa pesquisa. E, sendo
assim, preferimos aprofundar na abordagem das suas principais nuanças. De qualquer forma,
ela vigorou somente até 1988. Quando o então presidente Carlos Salinas (1988-1994)
promoveu novas modificações no PRI e no governo, derrubando muitos dos mecanismos
políticos estruturados pelo partido. Assim, a cultura política tornou-se desnecessária, já que
não mais acompanhava o governo mexicano e o quadro dirigente do partido.

Além desse conceito, esta pesquisa compartilha das ideias promovidas pelo cientista
político Giovanni Sartori em “Partidos e sistemas partidários” (1976). Nesse livro, Sartori
analisa, obviamente, os sistemas partidários em suas mais variadas formas; o que inclui, para
uma análise comparativa, os países latino-americanos, Chile e México.

O México do século XX, segundo Sartori, é um sistema partidário não-competitivo,


hegemônico e pragmático. Todavia, um sistema não-competitivo consiste em questões muito
mais complexas do que a simples vitória de um determinado candidato sem oposição, como
pode concluir o leitor. Essa situação implica em um cenário no qual os candidatos e
opositores são privados de direitos iguais e, por isso, sofrem obstruções, vivem atemorizados
e padecem com punições quando se manifestam. Portanto, não há um marco jurídico que
viabiliza a competição justa entre os partidos.

Conforme Sartori, o sistema não-competitivo admite dois tipos de partidos políticos: o


único e o hegemônico. O partido único ocorre quando existe (e se permite) apenas um partido
no cenário político e, sedo assim, apresentam-se de três formas, o autoritário, o pragmático e o
totalitário. Já o partido hegemônico permite a existência de outros partidos, porém, exercendo
sempre um papel secundário; que pode ou não vir a ser relevante sob aspectos substantivos. O
sistema hegemônico não é, evidentemente, uma estrutura multipartidária ou

45
“semicompetitiva”, mas, na melhor das hipóteses, um sistema em dois níveis, no qual,
segundo Sartori, “um partido tolera e distribui de maneira discricionária, uma fração de seu
poder a grupos políticos subordinados”79. Assim, a fórmula utilizada pode aparentar uma
política competitiva, mas não permite a disputa clara e a contestação efetiva e,
consequentemente, não há alternância política.

Existem dois subtipos de partido hegemônico: 1) o partido ideológico-hegemônico e


2) o partido pragmático-hegemônico. No partido ideológico-hegemônico, os partidos
secundários são realmente satélites e não se percebe ao certo até onde eles têm real
participação nas tomadas de poder, embora ocupem cargos administrativos governamentais e
parlamentares. Todavia, há um pluralismo simulado, ou melhor, um “mercado partidário
simulado”80. Isso ocorre para que se apazígue a oposição, uma vez que a disposição
hegemônica fortalece somente a comunicação política com relação à quantidade e à qualidade
do influxo de informações e, logicamente, não permitindo a expressão da oposição. Ainda
assim, “o partido hegemônico sabe mais e ouve mais, mas, não relaciona as reivindicações
com seu atendimento. Qualquer que seja a informação, o partido hegemônico pode impor sua
própria vontade”81, tal qual afirma Sartori.

O partido pragmático-hegemônico é especificado a partir da análise do regime priista


que se estabeleceu no México ao longo do século XX, como já especificamos. O PRI
representa nesse período, segundo Sartori, um exemplo claro de hegemonia pragmática, com
seu pluralismo unipartidário. Afinal, assemelha-se ao partido do tipo amálgama, que inclui e
agrega diferentes causas e grupos, porém, figura como único protagonista real no cenário
político, muito embora cercado por uma legião de partidos satélites. Daí, sua duradoura e
esmagadora (quase) imobilidade, que se sobressai à representação ínfima da oposição
mexicana.

Conforme o autor,

O PRI mexicano vem operando e conformando sua atual estrutura desde


1938. Foi precedido – de 1929 a 1937 – pelo PNR, que foi reconstruído em
1938 sob o nome de PRM em 1946. A pesar do mito revolucionário expresso
por todas as denominações sucessivas, o PRI é claramente pragmático e,
portanto, inclusivo e agregativo. (...) É também, como pretendo mostrar
79
SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Trad. Waltersin Dutra. 2° Ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1982. p. 258.
80
Ibidem, p. 260.
81
Ibidem, p.260.
46
agora, o único protagonista de uma disposição ou arranjo num partido
único.82

A partir dessa explanação, Sartori inicia sua tese. Nas eleições mexicanas de 1958 a
1973, percebe-se a força estrondosa do PRI e a representação tímida da oposição
materializada pelo PAN, PARM83 e o PPS84. De 1938 a 1958, o PRI chegou a receber por
volta de 90% das cadeiras do parlamento. Após a reforma eleitoral85 de 1963, o quadro
melhorou muito pouco: o partido passou a receber entre 70% a 80% das cadeiras.
Aparentemente, o sistema mexicano foi liberalizado, mas o teto de vinte cadeiras atribuído
aos partidos menores equivale a estabelecer uma barreira fixa que congela o papel secundário
dos partidos de “dentro” e de “fora”.

Sartori explica:

O PAN já tinha 20 cadeiras em 1964 e foi, na verdade, prejudicado pela


nova disposição; 14% da votação correspondeu a 9,4% das cadeiras no
congresso de 1970, e a proporção não se modificou significativamente em
1973. É certo que a situação se inverte para os dois outros partidos, que
passa a conseguir mais cadeiras do que votos, mas sua força é insignificante.
Acrescentemos imediatamente que o PRI pode ser (moderadamente)
generoso no congresso, porque este é relativamente pouco importante. O
México é, com efeito, governado por um presidente de uma maneira que se
assemelha à do ditador do tipo romano. Como disse um autor, “os mexicanos
evitam a ditadura pessoal aposentando seus ditadores a cada seis anos”. Os
números importantes são, portanto, os relacionados às eleições presidenciais,
nas quais os candidatos do PRI tiveram em 1958, 1964 e 1970, nada menos
de 90,4%, 89% e 85,8% do total de votos.86

O nível mais elevado de poder era o do presidente, que resolvia as principais questões
da nação. As outras decisões ficavam a encargo de um comitê central de sete membros do
PRI. Para Sartori, as regras tornam-se evidentes: o PRI tinha que ganhar, não importava
como87. Se havia qualquer dúvida quanto à “ampla margem de vitória necessária ao PRI, as
urnas eram falsificadas ou substituídas"88. Se a cooptação dos grupos dissidentes falhava,

82
SATORI, op. cit., p.261-262.
83
Partido Autêntico da Revolução Mexicana
84
Partido Popular Socialista
85
Essa reforma eleitoral permitiu que partidos minoritários recebessem um máximo de vinte cadeiras, com
relação à porcentagem recebida de votos.
86
SATORI, op. cit., p. 262
87
Ibidem, p. 262
88
Ibidem, p. 262
47
ocorria repressão. Nesse caso, o PAN e sua direita conservadora mantinham viva a imagem de
um PRI de esquerda e revolucionário. E os pequenos grupos da esquerda seriam fortemente
reprimidos, se causassem algum problema nessa ordem priista.

De acordo com Sartori,

Para que minha exposição não seja mal-entendida, devo dizer que estou
apenas interessado em mostrar que o padrão mexicano enquadra-se na
definição de um sistema hegemônico. Não estou sugerindo de modo algum,
portanto, que eleições livres e realmente competitivas pudessem afastar o
PRI do poder. Na realidade, há provas esmagadoras do contrário. A questão
não é a possibilidade de que o PRI venha a perder se for permitida uma
oposição livre e total, mas sim que a organização hegemônica mantém o
partido unido e que a passagem para um sistema competitivo colocaria em
risco sua unidade, pois eliminaria as penalidades proibitivas impostas pela
fórmula hegemônica às visões e divisões partidárias. Como democracia, o
México é, no máximo, uma quase-democracia ou uma democracia
esotérica.89

Por fim, o sistema de partido hegemônico pragmático desenvolvido por Sartori nos
meados da década de 1970 resume-se a uma estrutura que, de certa forma, se faz dependente
do processo eleitoral, com relação ao desempenho do partido hegemônico e sua oposição,
para que, assim, possa exercer sua preeminência. Há, contudo, uma evidente simulação de
mercado partidário (como parte dessa estrutura), que ilude os cidadãos mexicanos e,
especialmente, os partidos secundários, quanto à existência de uma “voz da oposição”.

Assim sendo, partimos do pressuposto de que o México viveu um regime hegemônico


durante o século XX. Contudo, existe – hoje em dia – uma grande discussão, sobretudo, nas
ciências sociais, acerca desse tema. Alguns estudiosos afirmam que esse sistema elaborado
por Giovanni Sartori tornou-se inviável no momento em que incidiu a vitória panista. A
opinião é compreensível, portanto, será aqui respeitada. Mas, entendemos que, entre 1946 e
2000, o México experimentou o sabor agridoce do sistema de partido hegemônico, o que
acabou com a derrota de 2000. Quiçá, não seja mais essa a realidade mexicana – e isso
deixaremos aos cientistas políticos –, mas foi definitivamente sua realidade durante o longevo
governo priista.

Esta pesquisa de doutorado foi divida em três capítulos, que correspondem às esferas
de interesse da tese aqui apresentada. O primeiro capítulo denominado “O México no século

89
SATORI, op. cit., p. 263
48
XX” contextualiza a formação do regime democrático mexicano no decorrer do século XX e,
por essa razão, é dividido em cinco partes: a “República restaurada e o Porfiriato” (1876-
1911); a “Revolução Mexicana” (1911-1920); a “Dinastia sonorense e o Maximato” (1920-
1940); a “Era de Ouro” (1940-1969), o “Esvaecimento do milagre” (1969-1990) e,
finalmente, “O decênio panista e o retorno do PRI” (2000-2012).

O segundo capítulo chamado “A trajetória priista” apresenta o contexto histórico e


político de emergência do priismo, ou melhor, o momento em que surgiu e se consolidou a
cultura política priista. Para isso, recupera-se a trajetória do PRI levando em consideração
suas antigas formações: o PNR e o PRM. Assim, é dividido em quatro partes: “A família
revolucionária: o nascimento do PNR (1929-1938)”; “A primeira reforma: o cardenismo e o
PRM (1938-1940)”; “A segunda reforma: o surgimento do PRI e o advento do priismo (1940-
1969)” e, por fim, “A ascensão e a crise do priismo (1969-1988)”.

O terceiro capítulo analisa a cultura política priista propriamente dita. Para isso,
começa com um resgate da estrutura do partido, o que foi e como se organizava, e, em
seguida, esquematiza esse conjunto de representações que deram sentido ao sistema de partido
implantado no México. Por conta disso, o mesmo foi dividido em quatro partes: “A estrutura
„oficial‟”; “A contracorrente”; “A cultura política priista e suas nuanças” e “Forjando a
Revolução”.

Com o propósito de auxiliar a exposição da tese aqui formulada utilizamos os anexos,


que contém uma série de documentos mexicanos importantes, sobretudo, as cartas, os
discursos e manifestos dos presidentes priistas de 1946 a 1988.

49
CAPÍTULO 1
O MÉXICO NO SÉCULO XX:
DA REVOLUÇÃO MEXICANA À DERROTA DO PRI

50
O México no século XX:
Da Revolução mexicana à derrota do PRI

A historiografia especialista em México fundamenta o prenúncio do século XX a partir


das últimas décadas do século XIX, cujas inquietações e problemáticas haveriam ocasionado a
eclosão de uma revolução social90. Após a Reforma (1854-1861), o México deu início a uma
nova etapa da historiografia, abandonando a perspectiva dualista (conservadora e liberal) dos
últimos anos e consolidando alguns aspectos científicos. Esses historiadores foram, em sua
maioria, embasados nos ditames positivistas, cuja compreensão favoreceu o emprego de uma
vasta documentação histórica, assim como, defendeu o enfoque temático de tempos remotos,
por exemplo, os períodos “pré-cortesiano” e “colonial”. Além disso, o triunfo liberal no
campo de batalha refletiu na historiografia, uma vez que se passou a realizar estudos que
privilegiavam a perspectiva liberal e enalteciam o partido no poder (porfirista). Isso
definitivamente contribuiu para o estabelecimento de uma história oficial, dogmática e
parcial, que modelava heróis e inventava mitos.

Os historiadores voltados ao firmamento dessa história foram Alfonso Toro Castro,


Antonio García Cubas, Francisco del Paso y Trancoso, Guillermo Prieto, Joaquín García
Icazbalceta, José Fernando Ramírez, Justo Sierra Méndez, Julio Ortiz de Zárate, Luís Pérez
Verdía, Manuel Orozco y Berra e Nicolás León Calderón. Nesse cenário, Alfonso Toro se
sobressaiu ao publicar a primeira história geral da época em “México através dos séculos
(1884-1889)”, que constituiu, como afirma Eugenio Hoyo, “um grande monumento ao
liberalismo”91. Já Garcia Cubas e Guilhermo Prieto foram os precursores da história oficial.
Mas, as publicações em um âmbito geral foram inspiradas na consolidação do liberalismo e,

90
Cf. BARTRA, Armando; CÓRDOVA, Arnaldo; GILLY, Adolfo; MORA, Manuel Aguilar, SEMO, Enrique.
Interpretaciones de la Revolución Mexicana. 6° Edición. Ciudad de México: Nueva Imagen, 1983; HOYO,
Eugenio Cabrera. Historiografia mexicana. Revista Sobretiro de Humanas, Nuevo León, n° 20, p. 230-241.
1979; KNIGHT, Alan. Interprating Mexican Revolution. University of Texas Magazine on Mexican studies,
paper number 88-02. 2000. Disponível: <http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/tpla/8802. pdf>. Acesso em:
14/03/2014; KNIGHT, Alan. Revisionismo, anti-revisionismo y política. ¿Hay espacio para una nueva
interpretación de la revolución? Aportaciones totémicas. Revista electrónica Sincretismos sociológicos, México,
Año 3, Número 4, Mayo. 2012; MATUTE, Alvaro. Orígenes del revisionismo historiográfico de la
revolución mexicana. Revista Signos históricos, número, 3, volumen II, p. 29-48, Junio. 2000; MIJANGOZ,
Eduardo Días. La historiografía de la revolución: entrevista con Gloria Villegas. Revista de Estudios históricos
TzinTzun, n° 14, p. 144-158, Julio-Diciembre. 1991.
91
HOYO, Eugenio Cabrera. Historiografia mexicana. Revista Sobretiro de Humanas, Nuevo León, n° 20, p.
230-241. 1979. p. 232-233.
51
muito embora outras influências tenham ocorrido ao longo do século XX, nota-se a
persistência de algumas dessas características nos dias atuais.

No período de 1900 a 1910, os historiadores mantiveram tais características. A partir


de 1911, contudo, essa perspectiva cedeu espaço para uma nova tendência historiográfica, que
emergiu juntamente à eclosão da Revolução Mexicana. A “história revolucionária”, como
define o historiador Alan Knight, ramificou-se em três importantes gerações: os observadores
e/ou participantes, os acadêmicos comprometidos e os acadêmicos técnicos (ou
revisionistas)92.

A primeira geração compôs-se de analistas observadores e/ou participantes, que


chegaram a lutar ou a fazer política, ou mesmo, que exerceram a função de comentaristas
engajados durante a revolução. Essa geração pode ser dividida entre os intelectuais mexicanos
de esquerda, como Andrés Molina Henríquez, Gilberto Magaña, Heriberto Frías, Isidro
Falabella, Jesus Silva Herzog e Mariano Azuela, e os de direita, como Francisco Bulnes e
Jorge Vera Estañol. Os “revolucionários” e os “observadores” redigiram manifestos,
memórias e novelas, que eram publicados no período e, por isso, tinham a função de
transmitir – mediante uma retórica parcial – as informações da revolução, tal qual fizeram
Álvaro Obregón, Gabriel Gavira Castro e Salvador Alvarado Rúbio. Além disso, a primeira
geração inclui os comentaristas estadunidenses, Ernest Gruening e Frank Tannenbaum.
Tannenbaum acabou se tornando um grande nome da historiografia da Revolução Mexicana,
cuja importância o faz ser lido e mencionado nos dias atuais.

Essa geração foi responsável, conforme Knight, por compor uma imagem da
revolução, na qual a pensavam como um movimento agrário, nacionalista, popular e rural; e
tal imagem ainda é muito forte. Entretanto, a noção estabelecida muito se influenciou pelo
“furor revolucionário” do momento, já que os historiadores escreviam enquanto a revolução
acontecia. Suas interpretações eram, portanto, “comprometidas”, mas foram os responsáveis
por transmitir as primeiras sensações do contexto. Por essa razão, Knight lhes nomeia: a
“velha ortodoxia”.

Segundo Knight,

92
KNIGHT, Alan. Interprating Mexican Revolution. University of Texas Magazine on Mexican studies,
papernumber88-02.2000.Disponível:<http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/tpla/8802.pdf>. Acesso em:
14/03/2014. p.01.
52
Uma geração inicial de escritores foram participantes/observadores; eles
lutaram, politizaram, ou eram comentadores engajados. Isto inclui escritores
mexicanos de direita e de esquerda, e comentaristas estadunidenses
altamente influentes, como Frank Tannenbaum e Ernest Gruening.93

A segunda geração surgiu no final da década de 1940 e compôs-se de historiadores


acadêmicos, que se alicerçavam na retórica erudita e no estabelecimento de uma abordagem
narrativa. A lógica utilizada buscou a objetividade e a imparcialidade e, por conta disso, seus
estudos passaram a abordar outros temas, além da revolução, como exemplo, as elites
nacionais, o governo e os grandes eventos. Isso fez com que tal historiografia não aderisse às
grandes generalizações históricas e se mantivesse significativamente vinculada à velha
ortodoxia, por exemplo, a noção de revolução continuou a ser aquela instituída por Frank
Tannenbaum.

Essa mesma geração concebeu a Revolução Mexicana como um movimento social


agrário, espontâneo, popular e rural, caracterizado pelo conflito entre camponeses e
latifundiários, bem como, marcado por um forte sentimento nacionalista e, até mesmo,
xenofóbico. Para eles, a revolução havia derrubado o porfiriato e, em seguida, estabelecido
um regime nacionalista, radical e reformista, que, apesar dos seus problemas, representava
“certo” avanço mexicano. De acordo com Knight, “mesmo quando essa geração se
concentrava nos grandes homens e nos grandes eventos, os pressupostos ainda eram os da
velha ortodoxia”94. Por fim, os principais nomes mexicanos do período foram Berta Ulloa,
Daniel Cosío Villegas, José C. Valadés e Roberto Blanco Moheno. E, os estrangeiros foram
Charles Cumberland, Robert Quirk e Stanley Ross.

No fim da década de 1960, percebe-se o advento de uma terceira vertente


historiográfica, que o mexicanista Alan Knight chama de “baby-boomer”. Essa geração se
referiu aos historiadores nascidos após a revolução e que, em geral, não se deixava influenciar
pelo furor revolucionário. Deste modo, pode-se afirmar que ela era mais numerosa e muito
mais técnica em termos acadêmicos. Conforme Knight, “eles eram os baby-boomers da
historiografia mexicana. Eram mais numerosos, sem dúvidas, mais profissionais, e talvez
mais sinceros (e/ou mesquinhos)”95.

93
KNIGHT, op. cit., p.01.
94
Ibidem, p. 03.
95
Ibidem, p. 03.
53
Seguindo a voga mundial da historiografia, essa geração especializou-se em tópicos e,
por isso, avançou sobre os arquivos púbicos a fim de documentar sua pesquisa.
Coincidentemente, os arquivos mexicanos se tornaram mais acessíveis à comunidade
científica na época, que, contrariamente aos seus predecessores, evitou a tradicional
concentração nas elites e líderes míticos, para realizar a “história dos de baixo”.

A característica mais marcante desta geração foi, sem dúvida alguma, o aumento
considerável do número de historiadores. Segundo Knight, isso ocorreu devido ao
crescimento do ensino de nível superior em âmbito mundial e consequente aumento dos
alunos de mestrado e doutorado96. Além disso, estava na moda nos anos 1960 estudar
temáticas latino-americanas, o que definitivamente ajudou.

No que se refere a isso Knight afirma que:

Foi também consequência do ciclo historiográfico inevitável, que, com o


passar do tempo e a abertura dos arquivos, os temas “contemporâneos”
retrocederam, escaparam das garras irresponsáveis de jornalistas e
comentaristas instantâneos e encontraram refúgio com sérios historiadores.
Nos dez anos de 1946 a 1955, por exemplo, a Hispanic American Historical
Review publicou dezessete artigos acerca do pós-colonial do México, dos
quais apenas dois (em uma breve nota) com foco no Porfiriato ou
Revolução; durante a época de 1956 a 1975 publicaram quarenta e três
artigos (sugerindo apenas um aumento global modesto no interesse pelo
período pós-colonial do México), mas destes, nada menos do que vinte e três
analisaram o Porfiriato e a Revolução (ou seja, uma proporção de 10:13).97

Essa grande quantidade de estudos referentes à história do México contemporâneo


constituiu também um reflexo do contexto histórico e político do país. O fim dos anos 1960, e
daí em diante, foram anos em que governo priista e seu "milagre econômico" pareciam ruir.
Isso gerou um reboliço no meio intelectual e popular, que, até então, haviam conhecido
apenas a “paz” do PRI. Por essa razão, o episódio de Tlatelolco (1968) haveria de ser
compreendido como a “última gota”, que lhes incitaria a (re)pensar a história mexicana, para,
assim, revelar e/ou desmistificar aspectos encobertos.

Conforme Knight,

96
KNIGHT, op. cit., p. 04.
97
Ibidem, p. 04.
54
Além disso, o final dos anos 1960 e algum tempo depois foram anos em que
o sistema político mexicano e o "milagre econômico" pareciam vacilar
(olhando para trás a partir da perspectiva de hoje, nós só podemos nos
perguntar o porquê de todo aquele barulho). Mas, não é de se estranhar que
aqueles que, como ocorreu com os historiadores, trabalhando no pós-1968
mexicano, haviam conhecido apenas a paz do PRI, seu milagre, Tlatelolco
(1968), e as invocações rituais oficiais da revolução que pareciam voar em
face da realidade mexicana, deveriam questionar o que era a Revolução,
sentindo o desejo de desmascarar e desmistificar isso.98

Começaram a surgir, portanto, muitos artigos, livros, papers e teses, que tinham por
escopo compreender e justificar a revolução. Como eram muitos, seria praticamente
impossível que seguissem um mesmo modelo teórico-metodológico. Assim sendo,
apareceram novos modelos científicos, tal qual a conhecida história quantitativa mexicanista,
que se consolidou por intermédio dos historiadores James Wilkie, John Henry Coatsworth e
Peter H. Smith.

A história oral também apareceu no cenário acadêmico mexicano, como um dos


possíveis trajetos para se chegar à “história dos de baixo”. E os principais historiadores foram
Ann Craig e Eugenia Meyer. Do mesmo modo, a história regional virou uma grande tendência
historiográfica e alguns historiadores que estavam em outras vertentes aderiram a ela. Nesse
grupo, encontramos historiadores como Allen Wells, Ann Craig, Arturo Warman, Carlos
Martínez Assad, Daniela Spencer, David Brading, David La France, Dudley Ankerson,
Enrique Montalvo, Francisco Paoli, Frans Schryer, Gilbert Joseph, Heather Fowler Salamini,
Héctor Aguilar Camín, lan Jacobs, Jean Meyer, John Womack, Mark Wassennan, Paul
Friedrich, Romana Falcón, Stuart Voss e Thomas Benjamin99. Para Knight, o decano dessa
história (e da micro-história) foi Luís González100.

Nesse grupo, percebe-se ainda o surgimento de estudos históricos do trabalho e dos


camponeses. Essas pesquisas foram realizadas por historiadores como Barry Carr, John M.
Hart, Joe C. Ashby, Pablo González Casanova, Ramón Ruiz e Rodney Anderson, que se
concentraram, sobretudo, na análise das grandes indústrias têxteis e das confederações
nacionais, como exemplo, a COM, a CROM e a CTM. De acordo com Knight, a história
camponesa é mais “bem-servida”, parcialmente por receber auxílio dos estudos regionais,
como ocorre com as pesquisas de Beatriz Rojas, Friedrich Katz, Herbert Nickel, Heriberto

98
Cf. KNIGHT, op. cit., p. 04.
99
Ibidem, p. 05.
100
Ibidem, p. 05.
55
Moreno García, John Coatsworth, John Tutino, Juan Felipe Leal, Manuel Plana, Marco
Bellingeri, Maria Vargas Lobsinger e Mari-José Amerlinck de Bontempo. Já David Brading,
Frans Schryer e lan Jacobs resgataram os rancheiros do esquecimento, contudo, ainda são
necessários estudos sobre a questão agrária no centro e norte do México, pois, segundo
Knight, o sul teve grandes trabalhos como os de Allen Wells, Gilbert Joseph e Thomas
Benjamin. Além disso, houve uma importante ramificação estudiosa da questão Estado-Igreja,
que foi dominada pela análise pontiaguda do revisionista Jean Meyer.

Nota-se que, apesar da grande produtividade, a historiografia mexicanista dessa época


passou a elaborar sínteses históricas do México, nas quais a perspectiva referente ao “micro”
acabou sendo generalizada para servir ao “macro”. Alguns autores procuraram lançar uma
interpretação sintética genuína, como: François-Xavier Guerra, Hans Wemer Tobler, Jean
Meyer, John Hart, Ramón Ruiz e o próprio Alan Knight. Mas, caberá aqui um addendum:
apesar de Alan Knight dar a entender que era um revisionista, chegou a afirmar alguns anos
mais tarde que era, na verdade, um conservador, um antirevisionista. Tal qual se constata na
citação a seguir: “sou, sem pudor, conservador ou antirevisionista. Quero dizer, creio que
Tannenbaum e sua geração captaram o caráter essencial da revolução de 1910, como um
movimento popular e agrário – precursor da revolução estadista posterior ao decênio de
1920”101.

Percebe-se também que esses historiadores são, em suma, estrangeiros e no que se


refere a isso Knight afirma que:

Eu atribuo isso, em parte, a um conjunto de considerações muito práticas: os


europeus têm menos acesso a fontes primárias, daí são levados a síntese; eles
também operam em um mundo acadêmico, onde a história mexicana é um
rinconcito bastante obscuro e exótico, portanto, eles são levados a ensinar e
escrever, em um nível mais elevado de generalidade para justificar sua
existência acadêmica. Quando o norte-americano mexicanista pode, por
vezes, sentir uma sensação de claustrofobia acadêmica, a neurose
ocupacional do mexicanista europeu é mais provável uma agorafobia;
prevalece a sensação itinerante em um vasto terreno vazio, onde
ocasionalmente encontramos colegas perdidos há muito tempo, como
Stanley encontrou Livingstone nas selvas do Congo.102

101
KNIGHT, Alan. La Revolución Mexicana: del porfiriato al nuevo régimen constitucional. Vol. I. México:
Grijalbo, 1996. p. 15.
102
KNIGHT, op. cit., 1996, p. 07.
56
As generalizações históricas citadas por Alan Knight podem ser vistas como
interpretações conclusivas, que são, em verdade, características típicas do revisionismo
historiográfico. Essa mesma compreensão é dividida por Carlos Alberto Barbosa e Maria
Aparecida de Souza Lopes no artigo “A historiografia da Revolução Mexicana no limiar do
século XXI: tendências gerais e novas perspectivas”. Conforme os autores, o grupo foi assim
denominado, pois utilizava uma nova abordagem metodológica, que lhes permitia elaborar
severas críticas às interpretações clássicas103. Cabe aqui lembrar, contudo, que esse grupo foi
heterogêneo e dividiu-se, sobretudo, em dois grupos: 1) os historiadores que analisaram
criticamente seus predecessores e, por isso, chegaram a negar o título de “revolução” aos
acontecidos de 1911 a 1920; e 2) os historiadores que, além de questionar o episódio,
propuseram uma nova abordagem teórico-metodológica alicerçada, especialmente, na história
regional.

Ao contrário de Knight, cujo comentário historiográfico pára no revisionismo, Barbosa


e Lopes avançam com sua análise, identificando, inclusive, uma quarta geração de
historiadores, a geração da “revolução resgatada”. Esse grupo se sobressaiu, principalmente,
por realizar críticas severas às tendências revisionistas que tendiam a minimizar a raiz agrária
e popular do movimento de 1910. No fim da década de 1980, portanto, aumentou-se a
publicação de livros que analisavam a revolução de forma antirevisionista. E, nesse grupo,
encontramos alguns historiadores renomados, como exemplo, Alan Knight, John M. Hart e
Hans W. Tobler.

Esses historiadores começavam seus livros sempre com uma breve exposição do
porfiriato a fim de embasar as posteriores causas da revolução, uma vez que a busca analítica
pelos seus momentos antecessores indica-nos que procuravam compreender as “verdadeiras
raízes” revolucionárias, as reais questões socioeconômicas e a grande diversidade ideológica e
regional. Assim sendo, percebe-se que seus objetivos eram, sobretudo, resgatar o caráter
eminentemente agrário e popular da revolução.

Tendo isso dito, caberá aqui asseverar que a historiografia mexicanista não se ateve
somente às questões da revolução, embora tenha ela se sobressaído no que se refere aos outros
temas. Como se sabe, a história do século XX no México analisou, especialmente, o processo
revolucionário e o governo pós-revolucionário, que constituiu, em suma, em um regime de

103
BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio; LOPES, Maria Aparecida de Souza. A historiografia da Revolução
Mexicana no limiar do século XXI: tendências gerais e novas perspectivas. Revista História, São Paulo,
UNESP, V.20, p. 163-199, 2001. p. 174.
57
partido hegemônico exercido por mais de setenta anos. Nesse caso, a historiografia
“revolucionária”, como define Alan Knight, prevaleceu, pois objetivava encontrar no passado
insurgente algumas respostas ao sistema político vigente, em toda sua complexidade e
singularidade. Após o episódio de Tlatelolco, em 1968, alguns historiadores (afirmamos
“alguns”, pois a maioria acreditava que essa abordagem não era do milieu histórico e, por
conta disso, encontramos nesse grupo a contribuição de alguns cientistas sociais) passaram a
elaborar análises críticas referentes à realidade sociopolítica da época; assim, suas
interpretações ramificaram-se do seguinte modo: 1) os estudiosos que interpretavam o
governo priista como um regime ditatorial; 2) aqueles que lhe concebiam como um regime de
partido único; e, finalmente, 3) aqueles que o compreendiam como um regime de partido
hegemônico.

A idéia de que o país vivia uma ditadura apareceu primeiramente em uma entrevista
do ensaísta peruano Mario Vargas Llosa, que a chamou de “ditadura perfeita” 104, pois não era
sentida como tal e perdurava há quase um século105. Mas, tomou força após o episódio de
1968. Como se nota, essa interpretação manteve-se (e se mantém) atrelada ao pensamento
político de esquerda, e embora Llosa tenha posturas diferentes hoje em dia, na época estava
absorvido por esse pensamento.

A partir desse episódio, então, observa-se a publicação de obras que promulgavam tal
compreensão, como se nota a seguir: “El presidencialismo mexicano” de Jorge Carpizo; “La
transición de la democracia en México” de Octavio Rodríguez Araújo e “Medios de
comunicación y elecciones” de Carola García Calderón e Leonardo Figueira Tapias. Além
deles, existem publicações mais atuais, a partir de 2000, que partem da mesma compreensão,
como: “La guerra y las palabras” de Lopes Volpi, “La transición y el pantano” de José Luis
Tejeda e “Partido revolucionário Institucional 1946-2000” de Victor Manuel Muñoz Patraca.
No Brasil, encontramos também essa mesma perspectiva analisada no artigo científico “Do
PRI ao sistema plural de transição” de Nelson Rojas, que foi publicado na Revista Lua Nova
de 1997, n°40/41. Essa perspectiva acabou sendo muito debatida e, com o tempo, acabou
perdendo força, uma vez que seus adeptos diminuíram ao longo da presidência panista.

O regime de “partido único” surgiu nos meados de 1970, como alternativa ao


pensamento anterior. Definitivamente, não se apresentou tão forte quanto aquela idéia emitida
104
Alguns anos mais tarde Llosa afirmou: “ainda bem que eu estava errado ao falar em ditadura perfeita. Não era
tão perfeita e acabou caindo. Fico muito contente por isso. Durou 75 anos. Mas, de fato foi a ditadura mais sutil,
mais hábil”.
105
Cf. SETTI, Ricardo. Conversas com Llosa. Peru: Panda Books, 2010. p. 101.
58
por Llosa, mas recebeu a contribuição de vários estudiosos. Esse grupo (em geral, articulou-se
com posições políticas, geralmente, mais moderadas, recebendo, inclusive, o apoio de alguns
priistas106) asseverava que a ideia da ditadura não se sustentava, já que havia uma alternância
de poder no país, embora ocorresse em eleições “viciadas” e com figuras do mesmo partido.
Por essa razão, adotaram uma nova compreensão: o regime de partido único. Mas, o conceito
per se foi elaborado pelo francês Maurice Duverger, a fim de nomear os sistemas políticos da
China e da Rússia. Isso garantiu, portanto, embasamento suficiente na argumentação
levantada pelos estudiosos contrários a tal perspectiva.

Nesse período, observa-se, então, a publicação de livros que assimilaram essa


temática: “Antecedentes del partido único en México” de Justo Sierra; “Caciquismo y poder
político en el México rural” de R. Bartira; “Las elecciones en México” de Pablo Gonzaléz
Casanova; “Los Orígenes del partido único en México” de Alejandra Lajous; “México en el
siglo XX” de Gloria María Delgado Cantú; “Mexican democracy: a critical view” de Kenneth
F. Johnson e “Yucatán: sociedad, economía, política y cultura” de Enrique Montalvo. Além
deles, existem também publicações a partir do ano 2000, que ainda divulgam tal
compreensão, como: “1968: eles só queriam mudar o mundo” de Regina Zappa e Ernesto
Soto; “México: crisis y oportunidad” de Juan Olmedo; “Proctecionismo político en México”
de Raúl Torres Mejía e “Responding to crisis in contemporary Mexico” de Claire Bruester.

Por fim, a “hegemonia priista” apareceu como última interpretação e alternativa às


outras duas compreensões. Esse grupo compreendia que as ideias de “ditadura” e “partido
único” eram irrisórias, já que havia alternância de poder e o país não possuía um sistema
político semelhante ao que se estabeleceu na URSS. Por essa razão, os estudiosos passaram a
utilizar da concepção de “hegemonia” para que, assim, indicasse que o sistema se diferenciava
exatamente por não possuir uma alternância partidária. Além disso, houve uma forte
influência do italiano Giovanni Sartori, que elaborou, no fim da década de 1970, a concepção
do sistema político mexicano alicerçado em um partido hegemônico pragmático, tal qual
vimos na introdução. Assim, os livros que utilizaram dessa mesma ideia serão elencados a
seguir: “Del autoritarismo a la democracia” de Victor Manuel Muñoz Patraca; “El desafio de
la reforma institucional del México” de Riodan Roett; “El sindicalismo mexicano frente a la
reforma del Estado” de Aldo Muñoz Armenta; “La frontera norte de Mexico y el siglo y
medio de atropedo yaqui” de Manuel Servín Massieu; “La lucha por la hegemonia em
México” de Miguel Basáñez; “Memorias presentes” de Antonio Haas; “Mexico al inicio del
106
Carlos Salinas de Gortari afirmou em 1988: “chegou ao fim a era de partido prácticamente único”.
59
siglo XXI” de Alberto Assiz Nassif, “Partido Revolucionário Institucional: crisis y
refundación” de Francisco Reveles Vázquez e, finalmente, o artigo “Eleições de 1988:
retórico ou rumo pluripartidário” de Maria Teresa Sadek, na Revista Lua Nova de 1989, n°17.

Como já informamos na introdução, partimos do pressuposto de que se instaurou, após


a Revolução Mexicana, um regime hegemônico que perdurou até o ano 2000. Mas,
lembramos novamente que há – hoje em dia – uma grande discussão acerca desse tema. Uma
parte dos mexicanistas afirma que o preceito estabelecido por Giovanni Sartori tornou-se
inviável a partir do momento que ocorreu a vitória panista. Todavia, elucidamos nesta tese
que, no período de 1946 e 2000, o país viveu um regime de partido hegemônico, finalizado
com a derrota do PRI em 2000. Essa pode não ser a realidade mexicana de hoje, mas ela
ocorreu durante o governo priista de 1946 a 2000.

1.1 O Porfiriato (1876-1911)

Os momentos antecessores à revolução referem-se ao que a historiografia mexicanista


designou como “era porfiriana” ou “porfiriato” em alusão ao governo ditatorial do general
José de la Cruz Porfírio Díaz Mori, nos idos de 1876 a 1911. Porfírio Díaz nasceu em 15 de
setembro de 1830, na cidade de Oaxaca de Juaréz, estado de Oaxaca, México. Foi filho do
criollo José Faustino Díaz e da mixteca Petrona Mori107. Iniciou sua carreira militar, em 1846,
como voluntário na guerra entre Estados Unidos e México. Dez anos mais tarde, lutou contra
o ditador Antonio López de Santa Anna y Pérez de Lebrón, visando destituí-lo do poder. Por
essa razão, apoiou o Plano de Ayutla e a promulgação da Constituição de 1857. Durante a
Guerra da Reforma (1854-1857), lutou em favor do liberalismo, assim como, posicionou-se
contra o poderio econômico e político que a igreja católica representava no país.

Alguns anos após a Reforma, aconteceu a invasão francesa (1862), que estabeleceu o
império de Fernando Maximiliano (1864-1867). Benito Pablo Juárez García foi o principal
líder da luta contra a invasão e responsável, sobretudo, pela destituição do império e
Restauração da República (1867-1876). Por essa razão, Juárez venceu as eleições
presidenciais de 1867, sendo reeleito ao mandato de 1871 a 1875, interrompido pela sua
morte em 1872. Uma vez eleito, procurou estabelecer a ordem no país e legitimar sua
autoridade e, para isso, nomeou ministros que lhe ajudariam na batalha, como Porfírio Díaz e

107
Cf. DÍAZ, Porfírio. Memorias del General Porfírio Díaz. Texas: Whitt & Co., 1929.
60
Sebastián Lerdo de Tejada. No início de 1867, promulgou a Constituição de 1857. Essa Carta
defendeu a abolição da escravatura, as liberdades de comércio, imprensa e propriedades
individuais, e o direito de voto (claro, a partir dos dezoito anos aos homens casados e a partir
de vinte e um anos aos solteiros) .

No fim do primeiro mandato, contudo, o governo passou a gerar alguns


descontentamentos, o que auxiliou Porfírio Díaz em suas porvindouras investidas. Afinal,
havia se candidatado à presidência em 1867 e, após sua derrota, promovera uma rebelião
contra Juárez, com o apoio de Félix Díaz e Gerônimo Treviño; mas, o motim não chamara a
devida atenção. No ano de 1870, porém, o capital estrangeiro pouco se interessara pelo
território mexicano, a educação pouco avançara e o nacionalismo permanecera no plano das
idéias. Nesse caso, a “Lei de desamortização das propriedades rurais e urbanas das
corporações civis e religiosas do México” ou, como era conhecida, a “Lei Lerdo”
(promulgada por Miguel Lerdo de Tejada), acabou agravando a tensão popular, pois exigia
que a Igreja vendesse todas as suas propriedades, assim como, proibia novas compras. Além
disso, atingiu os bens das corporações civis, o que afetou particularmente as terras indígenas e
os ejidos, objetivando fazer do México um país de pequenos e médios proprietários. Assim
sendo, Díaz candidatou-se às eleições de 1871, mas, Juárez foi reeleito. Descontente com o
resultado, Díaz elaborou o elaborou o Plano da Noria108, que resultou em uma série de
sublevações por todo o país. Seus motivos firmaram-se, sobretudo, na fraude eleitoral.
Todavia, Juárez faleceu vítima de apoplexia (o termo médico antigo para o Acidente Vascular
Cerebral). E, Sebastián Lerdo de Tejada foi nomeado presidente interino, sendo, portanto,
responsável por invocar as próximas eleições.

Lerdo de Tejada foi eleito presidente ao mandato de 1872 a 1876. Manteve-se


basicamente com o mesmo programa político de Juárez, ou seja, o Poder Executivo
fortemente centralizado. Não obstante, passou a tomar uma série de atitudes dentro do
governo que acabaram lhe garantindo uma severa oposição. Lerdo promoveu uma reforma de
leis que, para a mídia nacional, favorecia aos EUA , assim como, diminuía os direitos dos
estados da federação em detrimento de um governo centralizado e, por fim, a lei anticlerical
ficou ainda mais rígida.

108
O Plan de la Noria, foi firmado em novembro de 1871, cujas reeleições indefinidas colocavam em perigo as
instituições nacionais. Vários estados estavam privados de suas autoridades legitimas e submetidos a governos
impopulares e tirânicos, impostos pela ação direta do Executivo. Por esta razão, Porfírio Díaz lançou este plano
governamental, para renegar as reeleições e enaltecer a democracia.
61
No final de seu mandato, ofereceu a anistia política a Díaz e seus aliados. Contudo,
muitos dos anistiados foram obrigados a exilar-se; Díaz foi obrigado a residir nos Estados
Unidos. Em Nova Orleans, Díaz redigiu o Plano de Tuxtepec, que firmava um levante contra
Lerdo, desconhecendo-o como presidente mexicano e proibindo-o de se reeleger à
presidência. Esse plano salientava, especialmente, os grandes malefícios da reeleição à
democracia mexicana. Mas, Lerdo foi reeleito em 1876 e, em seguida, derrubado, pois o ato
de reeleger-se lhe trouxera grande impopularidade. Logo, foi obrigado a fugir aos Estados
Unidos, onde morreu sozinho treze anos depois. No México, Díaz assumiu a presidência,
cargo no qual ficaria até 1880.

O advogado José María Iglesias também não reconheceu a reeleição de Lerdo de


Tejada e, por essa razão, auto-proclamou-se, simultaneamente à Díaz, presidente do México
(28 de outubro a 23 novembro de 1876). Iglesias acabou recebendo o apoio do governador e
da elite de Guanajuato. Mas, “cavou a própria cova” ao afirmar publicamente que não se
identificava com o Plano de Tuxtepec, o que ocasionou sua perseguição por parte de Díaz e
seus aliados. Levando-o a abandonar o México. Durante essa perseguição em Guanajuato, a
presidência interina ficou sob o comando de Juan Nepomuceno Méndez, que governou de 11
de dezembro de 1876 a 17 de fevereiro de 1877.

O primeiro mandato de Díaz objetivou apaziguar os ânimos em todo o território


nacional, para assim, promover o desenvolvimento econômico109. Nesse momento, as
questões políticas ficaram de lado, com exceção da “não-reeleição”, que havia sido prometida
em campanha. A presidência de Díaz obteve, portanto, uma severa oposição, embora tenha
conseguido eleger Manuel González Flores ao próximo mandato (1880-1884).

Durante a presidência de Manuel González, aumentou-se a construção de vias férreas


no país, assim como, instaurou-se a primeira conexão submarina mexicana, saindo de
Veracruz com destino aos Estados Unidos. Apesar dessas medidas, o governo acabou gerando
contrariedades devido à corrupção. Para Carlos Barbosa, “González fez um bom trabalho na
primeira metade da sua administração, mas, a segunda foi desastrosa, marcada por rebeliões
populares e perda de prestígio”110. A mídia nacional tratava o governo como uma
administração irrisória; principalmente, após cessar o pagamento da dívida externa e,

109
Vale lembrar que o crescimento econômico é analisado pelo aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Já o
desenvolvimento econômico é pensado a partir dos índices de educação, pobreza, saúde e renda. Hoje em dia,
utiliza-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para comparar diferentes economias.
110
BARBOSA, op. cit., p. 27.p.32
62
consequentemente, entrar em divergência com os EUA. Essa situação conflituosa ajudou Díaz
em sua reeleição ao próximo mandato (1884-1888).

Para Ana Maria M. Correa, seu reaparecimento nas eleições fez com que a imprensa
ironizasse o slogan de sua campanha anterior, que repudiava a reeleição (“Sufrágio efetivo,
não reeleição”) e, assim, afirmavam a necessidade de um novo slogan, mais condizente com a
realidade mexicana, como: “Sufrágio efetivo não, reeleição” 111.

De acordo com o mexicanista José Godoy, o segundo mandato de Díaz foi marcado
pelo auxílio de intelectuais aos quais denominava “científicos”, por apoiarem-se, segundo eles
mesmos, em métodos científicos para a administração pública112. Além disso, realizou uma
série de reformas na Constituição de 1857, que, inclusive, lhe garantiu a permanência na
presidência até o ano de 1911 (e o aumento do mandato de quatro para seis anos, em 1892).
Díaz centralizou ainda mais o Poder Executivo e promoveu a “paz”, já que reprimia
severamente quaisquer tentativas de sublevações, fossem elas camponesas, indígenas,
militares ou operárias. Por essa razão, instituiu a “Lei de fuga”, que consistia no ato de
simular a fuga de um detento “indesejável”, para então, executá-lo. Estabeleceu também o
pagamento da dívida externa, o que gerou maior estabilidade financeira, reorientando as
relações comerciais ao continente europeu.

Porfírio Díaz consolidou uma interpretação “oficial” de seu governo, segundo a qual,
para Barbosa, “havia pacificado e colocado ordem no país; valorizava sua riqueza natural; e
113
aproveitava a mão-de-obra existente e o investimento estrangeiro” . Para contribuir com
isso, anistiou os conservadores (que haviam lutado em 1857 e 1867) e alforriou a Igreja
católica. Entretanto, aferrolhou a mídia e o Congresso. Não obstante isso, o país – em um
âmbito geral – acabou mesmo mais estável, com um aumento considerável da produção e uma
intensa aceleração do desenvolvimento econômico. Houve ainda o crescimento do comércio,
da indústria e do transporte, assim como, investiu-se com maior afinco na construção de
estradas, ferrovias e linhas telegráficas, implicando na dependência econômica mexicana das
grandes potências estrangeiras.

111
CORRÊA, Anna M. Martinez. A Revolução Mexicana 1910-1917. São Paulo: Editora Brasiliense,
1983.p.12.
112
GODOY, José F. Porfírio Díaz, the president of México. The master builder of a great common wealth.
New York and London: The Knickerbocker Press, 1910.p. 38.
113
BARBOSA, op. cit., p. 27.p. 35.
63
Para os historiadores Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, “o porfiriato cresceu
economicamente por, sobretudo, diversificar a economia mexicana”114. Mas, Díaz foi
responsável por um conjunto de medidas que desenvolveram o país, como: a definição da
fronteira setentrional; a incorporação do país ao mercado mundial; o aumento do investimento
de países estrangeiros, direcionados principalmente à malha ferroviária (20 mil Km de
ferrovia) e à mineração (estima-se que foram investidos, em 1910, 3,4 bilhões de pesos); o
crescimento da renda per capita de 1%, em 1880, a 5.1%, em 1893; o crescimento das
exportações em seis vezes e o das importações em três vezes, em 1910; o crescimento do
orçamento nacional em 1896, igual a 7 milhões de pesos e, em 1906, aproximando-se de 24
milhões de pesos115.

Dentre 1884 a 1888, ocorreu aquilo que a historiografia convencionou chamar de “pax
porfiriana”. Esse nome refere-se ao crescimento da produção (e, embora alguns tipos de
produção tivessem pouco crescimento, ainda assim, haviam aumentado), à estabilidade
política (após os longos anos de disputas e guerras, que se desenrolavam desde 1846) e, por
fim, à aceleração do desenvolvimento econômico e tecnológico. Nesse momento, a oposição
era praticamente inexistente, porém, tal inexistência ocorrera, na maioria das vezes, com já
evidenciamos, em razão de uma violenta e silenciadora censura. E, sendo assim, mexicanos da
situação lhe chamavam de “caudilho indispensável” ou “general necessário”.

Para o mexicanista Alan Knight, o porfiriato direcionou a um tipo de estabilidade e


paz que nunca haviam sido experimentadas no México. Contudo, a pax porfiriana, afirma
Knight, “é uma paz com falhas”, já que era, na verdade, “um misto de coerção recorrente,
com consentimento popular”116.

E continua:

(...) contudo, a continuidade do governo, local e regional, e a ausência de


uma guerra civil séria, contrastaram com o endêmico conflito político dos
anos da Independência. Díaz conhecia os velhos anos: ele havia lutado
contra os conservadores e seus aliados, em 1860, contra seus amigos liberais,
como Juárez e Lerdo, em 1870, e, finalmente, batalhando para a presidência.
Liberal por filiação, Díaz tinham mais apetite por poder que aderência aos

114
AGUILAR; Héctor Camín; MEYER, Lorenzo. À sombra da Revolução Mexicana: história do México
contemporâneo 1910-1989. São Paulo: Edusp, 2000.p. 15.
115
Cf. AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 15.
116
KNIGHT, op. cit., p. 1-36.
64
princípios morais e, uma vez presidente, criou um regime forte e
centralizado ao redor de sua própria pessoa.117

Nos meados de 1893, Díaz promulgou a primeira de um conjunto de leis que ficaram
conhecidas como “Lei dos Baldios” (1893-1902). Essas leis tiveram por escopo viabilizar a
colonização das terras improdutivas, para que, assim, fossem arrendadas, aumentando,
consequentemente, a produção nacional. Era necessário, contudo, uma empresa que avaliasse,
medisse e dividisse os terrenos considerados aptos. Os próprios colonos acionavam essas
companhias responsáveis pela análise territorial e os honorários seriam pagos com um terço
do terreno ou do valor total. Após a análise, os terrenos baldios eram doados gratuitamente
aos colonos que, tecnicamente, fossem capazes de deixá-los produtivos.

No início de 1894, Díaz anunciou a “Lei sobre ocupação e alienação dos terrenos
baldios”. Essa lei tinha por objetivo categorizar “os terrenos da nação”, para assim, definir –
especificamente – quais eram cabíveis à “Lei dos Baldios”. Em suma, estabeleceu-se que os
territórios nacionais eram compreendidos do seguinte modo: 1) os terrenos baldios; 2) as
excedências; 3) as demasias e 4) os terrenos nacionais. Os baldios referir-se-iam aos
territórios da República que não haviam sido destinados para utilização pública. As
excedências representariam os territórios particulares, possuídos por vinte anos ou mais, que
iriam além das determinações territoriais estabelecidas nos títulos. Já as demasias abarcariam
as propriedades particulares com extensões maiores que aquelas estipuladas nos títulos;
contudo, esse excesso estaria dentro do limite estipulado pelo próprio título e, sendo assim,
haveria sido ajustada à extensão titulada. Finalmente, os territórios nacionais implicariam nos
terrenos baldios encontrados, que seriam analisados por comissões oficiais ou companhias e
que não haveriam sido suspendidos publicamente.

Conforme se lê na lei de 1894:

Artigo 2 °. São todas as regiões da República que não são destinados ao uso
público, pela autoridade habilitada a fazê-lo pela lei, nem cedidos pela
mesma a titulo oneroso ou lucrativo. Artigo 3 °. Eles são excessos os
terrenos possuídos por indivíduos com título primário, e em extensão maior
do que este determina, sempre que o excesso esteja dentro dos limites
indicados no título, e, por conseguinte, inteiramente confundido com a
extensão titulada . Artigo 4 °. As excedências são propriedades de terras
privadas para 20 anos ou mais, fora do limite que marca o título primário.
Artigo 5 °. São nacionais as terras públicas descobertos, demarcadas e

117
Ibidem., p. 34.
65
medidos por comissões oficiais ou empresas autorizadas a fazê-lo, e que não
foram vendidos legalmente.118

A mesma lei revogou ainda o artigo que proibia a venda das terras colonizadas aos
estrangeiros. Conforme Ana Corrêa, dentre 1890 a 1906, “as companhias se apropriaram, a
títulos honorários, de 16.800.000 hectares”119. Deste modo, conclui que “a ação das
companhias demarcadoras foi sentida em todo o território mexicano, sendo que a área medida
equivale à quarta parte desse território”120.

Os latifundiários começaram a importar máquinas avançadas com o intuito de


aumentar sua produção, fazendo dela algo mais rentável. A construção de ferrovias e o
aumento da malha ferroviária deixaram o transporte mais rápido, mas, a adoção dessas
máquinas aumentou sua velocidade. Alguns produtos mexicanos, como o açúcar, o álcool e o
melado, melhoraram em nível de qualidade e produção e, por isso, passaram a ser mais
exportados. Aumentou-se, portanto, a qualidade, a quantia e a velocidade. Por outro lado,
contudo, as consequências foram drásticas. As fazendas que não atingiam o mesmo grau de
modernização eram fechadas, alegando falência. Do mesmo modo, as novas tecnologias
reduziam a necessidade de mão-de-obra, muito embora, a instalação das máquinas atraísse um
grande número de trabalhadores – carpinteiros, marceneiros e ferreiros. Após suas instalações,
eram dispensados e ficavam à mercê de novos trabalhos. Alguns deles conseguiam trabalhos
braçais nas mesmas usinas que ajudaram a inovar. Mas, outros migravam a fim de encontrar
emprego em novas regiões.

Nesse caso, a população camponesa foi a que mais padeceu. Afinal, cultivava em
terrenos comunais, ou seja, em territórios nacionais, que estavam com suas famílias há muitos
anos. Após a promulgação dessa lei e o firmamento dessas terras como propriedade nacional,
as plantações canavieiras avançaram sobre seus territórios e, com o auxílio do Estado,
conseguiram impor-se. Ao serem expulsos de suas terras, passaram a trabalhar nas fazendas
mais próximas, acumulavam dívidas e, consequentemente, ofereciam sua mão-de-obra como
pagamento, as famosas tiendas de raya. Isso ocorreu com maior intensidade na região sul do
país, sobretudo, no estado de Morelos.

118
DUBLAN, Manuel; LOZANO; José María. De las disposiciones Legislativas. Desde la Independencia de la
República. México: Imprenta del Comercio Dublan, 1896.
119
CORRÊA, op. cit., p. 20.
120
Ibidem, p. 20.
66
Durante o governo de Díaz, houve maior incentivo à expropriação de terras, pois,
objetivava-se aumentar a economia e sua produção e ampliar a mão-de-obra disponível para
trabalhar nas fazendas. Esse foi o principal problema do período, muito embora a
expropriação ocorresse desde a República e sendo apenas acelerada com a promulgação da
lei. De acordo com Knight, “em 1821, 40% das terras voltadas à agricultura nas regiões centro
e sul do país, pertenciam às aldeias comunais; em 1910, às vésperas da revolução, apenas 5%
delas. Logo, 90% dos camponeses não possuíam terras”121.

Segundo Barbosa, “os beneficiários dessa política foram, obviamente, os latifundiários


ricos, em detrimento dos peões pobres, trabalhadores sem terras e camponeses”122. O autor
afirma ainda que, nesse momento, nota-se “o surgimento de uma classe média agrária
chamada de rancheiros”123; que ajudou a desagregar a oposição campesina, com base no velho
e efetivo caciquismo.

Além da questão campesina, abrolhou o problema indígena. A historiografia chama,


ainda que, dubiamente, o conflito entre o governo e essa tribo, como a “Pacificação dos
Yaquis”. Esse conflito iniciou-se em 1870, mas intensificou-se entre 1890 a 1909.
Intensificou-se, em verdade, após a convocatória do governo de Díaz para a colonização do
território yaqui, sobretudo, o Vale dos Yaqui e Vale de Maio. Os Yaquis124, então, insurgiram-
se em defesa de sua terra. Apesar da resistência, a tribo perdeu a importante batalha de
Mazocoba (1900) e, por conta disso, acabou sendo transladada para Yucatán, a fim de
trabalharem em fazendas de henequén125. A mudança teve por principal intuito desarraigar os
yaquis, para que, assim, se promovesse uma forçosa pacificação. Todavia, a separação
geográfica acabou não perdurando muito tempo e, a partir de 1911, muitos deles retornaram
ao estado de Sonora126.

Na região urbana também houve resistência. No fim do século XIX, o operariado era
visto como um segmento suscetível ao álcool, ao ócio e às espertezas, e, por essa razão,

121
KNIGHT, op. cit., p. 30.
122
BARBOSA, op. cit., p. 41.
123
Ibidem, p. 41.
124
Os Yaquis consistem em uma tribo indígena do estado mexicano de Sonora. Encontram-se assentados no
largo do rio Yaqui; daí seu nome. Alguns documentos históricos evidenciam que os yaquis ocupam esse mesmo
território desde o período remoto do Descobrimento, momento em que foram avistados pela primeira vez por
Diego de Guzmán (1533).
125
Henequén é uma planta da família Agave típica do México. Suas folhas são muito conhecidas por serem
fibrosas e, por isso, são chamadas de Henequén, que traduzido pode significar corda ou lã. No México, as
fazendas de Henequén estão concentradas em Yucatán, Veracruz e Tamaulipas.
126
Cf. ABBONDANZA, Ermanno. La cuestión Yaqui en el segundo porfiriato, 1980-1909. Una revisión de la
historia oficial. Revista Signos Históricos, México, núm. 19, enero-junio, p. 94-126, 2009.
67
necessitado de muitos afazeres e disciplina. Sendo assim, eram obrigados a trabalhar em
condições péssimas: baixos salários, sem descanso semanal e férias, não tinham segurança e
tinham uma jornada de trabalho que atingia de 15 a 18 horas diárias. Deste modo, os operários
passaram a se organizar em associações e sindicatos, recorrendo às greves (como as que
ocorreram em 1892, 1895 e 1898) para lutar por leis que estabelecessem e regulamentassem
direitos e normas trabalhistas127.

O descontentamento com o regime de Porfírio Díaz alastrou-se, portanto, entre os


camponeses, indígenas e operários. Todavia, não parou neles. Na primeira década do século
XX, a insatisfação atingiu também a classe média. Afinal, o desenvolvimento acelerado da
economia e da tecnologia mexicana durante o porfiriato proporcionou a ascensão de um setor
progressista da sociedade, que, por sua vez, mantinha contato com centros urbanos mais
adiantados, como, por exemplo, o europeu e o estadunidense, e, por isso, sustentava críticas
severas à Díaz e seus assessores científicos. Esses progressistas compreendiam a forte tensão
que pairava sobre a sociedade mexicana, antevendo os riscos de seu prolongamento. Eles
ideavam o estabelecimento de uma “verdadeira” democracia liberal, já que aquela
estabelecida pelo porfiriato somente se “autoproclamava” liberal e, em verdade, mantinha
posturas deveras conservadoras.

Os progressistas eram, basicamente, representados por intelectuais influenciados pelo


anarco-sindicalismo e liberalismo, mas, que estavam mais conectados à causa social, como:
Alfonso Cravioto, Antonio Díaz Soto y Gama, Benjamín Millán, Enrique Flores Magón,
Evaristo Guillén, Federico Pérez Fernández, Humberto Macías Valadez, Juana B. Gutiérrez
Mendoza, Juan Sarabia, María del Refugio Vélez, Ricardo Flores Magón, Rosalío
Bustamante, Santiago de la Hoz e Tomás Sarabia. Esses nomes reuniram-se no Clube Liberal
“Ponciano Arriaga”, que surgiu no início do século XX128.

No início do século XX, dois fatores aumentaram consideravelmente o


descontentamento da população mexicana em relação ao porfiriato. Primeiro, os investidores
estrangeiros passaram a abandonar o país, já que estavam atônitos com alta inflação e a
criação de novos impostos para compensar as isenções fiscais. E, segundo, às vésperas do

127
Cf. GARCÍA, M. Luna. El movimiento obrero en el estado de México. Primeras fábricas, obreros y huelgas
(1830-1910). 2° Edición. México: Universidad Autónoma de México, 1996; e VÁLDÉS, José C. El Porfirismo.
Historia de un régimen. México: Universidad Autónoma de México, 1987.
128
Cf. Manifesto de el Club Liberal “Ponciano Arraiga”. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademe
xico.org/Textos/5RepDictadura/1903MCL.html>. Acesso em: 12/12/13
68
sexto mandato129, Díaz aceitou – pode-se afirmar, impulsivamente – conceder uma entrevista
ao jornalista estadunidense James Creelman da renomada Pearson´s Magazine. Essa entrevista
gerou muita polêmica, pois afirmara que seu caminho na política mexicana chegava ao fim, já
que o país estava preparado para implantar a democracia liberal. Díaz ainda chegou a afirmar
que a democracia do país não estava sendo prejudicada por seu governo ininterrupto e sim,
auxiliada.

Como se lê a seguir:

É um erro supor que o futuro da democracia no México tenha sido


prejudicado pela longa continuidade de um presidente. Posso dizer com
grandes certezas e sinceridades que ao longo da presidência não fui
corrompido de minhas ideologias políticas. Acredito que democracia pode
ser um único e verdadeiro governo, embora na prática possa-se unicamente
elevar e desenvolver pessoas perante ela. 130

Após a “Entrevista Creelman”, como ficou conhecida, a oposição mexicana


ressuscitou e personificou-se em Bernardo Reyes e Francisco I. Madero. Bernardo Reyes, o
antigo Ministro de Guerra de Díaz, infiltrou-se em algumas áreas da vida política mexicana,
como o Exército, as lojas maçônicas e os pequenos comerciantes. Dentre 1908 e 1909, o
reyismo fundou alguns clubes e jornais. Mas, em 1909, calou-se ao ceder às pressões do
presidente vigente.

Francisco I. Madero tinha uma trajetória diferente daquela efetuada por Reyes. Havia
estudado na Europa e nos Estados Unidos e, por isso, ao retornar ao México, aumentou o
império maderista ao incorporar novas máquinas nas plantações algodoeiras, adquirir mais
terras e utilizar de técnicas avançadas de irrigação. Madero tinha ainda uma perspectiva
voltada à política mexicana e, por isso, falava constantemente sobre a democracia, o sufrágio
universal e a campanha de “não-reeleição”. Portanto, objetiva candidatar-se à presidência,
sem permitir, no entanto, que suas metas políticas desfizessem o “império” da família
Madero.

129
Os mandatos presidenciais de Porfírio Díaz seguem a ordem estabelecida adiante: o primeiro mandato
presidencial ocorreu de1876 a 1880; o segundo mandato ocorreu entre 1884 a 1890; o terceiro aconteceu entre
1890 e 1896; o quarto de 1896 a 1902; o quinto de 1902 a 1908 e, finalmente, o sexto seria de 1908 a 1914, mas
foi interrompido pela revolução.
130
LÚJAN, José María. Entrevista Díaz – Creelman. México: Cuadernos del Instituto de Historia, Série
Documental, Número 02, 1963, p.51.
69
No início de 1909, o Clube Central Antireelecionista foi fundado, anunciando o novo
personagem político da oposição, Francisco Madero e, prontamente, tornou-se alvo do
favoritismo nacional. No mês de Maio, o clube consolidou-se no Partido Antireelecionista.
Depois disso, abriram-se trinta e sete clubes em nome do partido. Nesse período, Madero
chegou a cruzar o México com uma pequena comitiva a fim de propagar seus interesses
políticos. Ao longo de 1909, passou por Nuevo León, Veracruz e Yucatán (onde haviam
ocorrido algumas manifestações e fortes opressões do governo). Passando ainda por Colima,
Jalisco, Querétaro, Puebla, Sinaloa e Sonora.

Nos meados de 1910, Madero formalizou sua candidatura à presidência e, depois,


rumou ao norte do país, para então, continuar com sua campanha. Foi preso ao chegar a
Monterrey e, em seguida, conduzido a San Luís de Potosí, para que, assim, fosse julgado por
sedição. Neste contexto, como a situação esperava, Díaz foi reeleito. Após o processo
eleitoral, Madero recebeu auxílio do amigo, então Ministro da Fazenda, José Ives Limantour,
que lhe transferiu à prisão domiciliar. No mês de outubro, fugiu aos Estados Unidos, aonde
escreveu o Plano de San Luís de Potosí. Nesse plano, afirmou que a via legal não havia sido
suficiente para que se acabasse com o circuito de reeleições ao qual o México estava
aparentemente condenado. Por essa razão, conclamar-se-ia a população às armas. E,
notavelmente, a revolução recebia data e hora para ocorrer – às 18 horas do dia 20 de
novembro de 1910.

No plano havia menções às questões da terra e, no 3° artigo, percebe-se que Madero


procura mencionar os ejidos, sem especificar, no entanto, quais seriam os casos exatos de
devolução de terras e/ou indenização.

Como se nota no trecho a seguir:

Art. 3°.- (...) Abusando da lei de terreno baldio, muitos pequenos


agricultores, em sua maioria indígenas, foram despojados de suas terras, e
por acordo do Ministério do Desenvolvimento, ou decisões judiciais da
república. Sendo justo retornar aos antigos donos das terras, que foram
retirados tão arbitrariamente. São declarados, contudo, sujeitos a revisão
essas disposições e decisões. (...) Só no caso em que essas terras passaram
para uma terceira pessoa antes da promulgação deste plano, os antigos
proprietários receberão uma indenização por aqueles em cujo benefício foi
verificado o despojo.131

131
DEPARTAMENTO DEL DISTRITO FEDERAL. Plan de San Luís de Potosí. Dirección General de Acción
Cívica. Publicación Núm. 113, con motivo del XXII aniversario de la Revolución Mexicana. (1932) Disponível
em: <http://www.bibliotecas.tv/zapata/1910/z05oct10.html>. Acesso em: 21/06/2012
70
Na primeira iniciativa, Francisco I. Madero não atingiu suas metas; mesmo porque
ninguém apareceu. A revolução ocorreu em sua segunda convocação, em fevereiro de 1911.
Iniciar-se-ia, então, “a fase maderista”, tal qual define Barbosa, afirmando ser ela “uma fase
política, que se desenrolou de novembro de 1910 a fevereiro de 1913” 132.

Após esta exposição, concluímos que o período histórico mexicano conhecido como
porfiriato ou era porfiriana (1876-1911) representou, especialmente, uma avalanche de
inovações que esboroou a sociedade mexicana no fim do século XIX e início do XX. O
México abriu-se ao capital estrangeiro, o que, para Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer,
foi responsável pela implantação e consolidação do capitalismo133. Neste cenário, a sociedade
encontrava-se ainda caciquista, oligárquica e desajustada, entorpecida pelas novidades mas
jugulada por suas tradições conservadoras. Esses trinta e cinco anos de governo foram
responsáveis por grandes avanços, como a estabilização política e o desenvolvimento
econômico-tecnológico. Mas, Díaz assumiu – cada vez mais – o papel de “velho oligarca”, o
que acarretou em uma centralização de poder. Seu governo promulgou a “Lei dos Baldios”,
levando a um aumento de investidores na economia agrária mexicana, que, por sua vez,
direcionou ao aprimoramento tecnológico dos meios de produção e, obviamente, ao
crescimento da produção em si. Não obstante, a mesma lei acabou por ejetar grupos
camponeses e indígenas de terras comunais que cultivavam há muitos anos (no caso dos
yaquis, agricultavam no largo do rio há mais de três séculos). Isso gerou um grande desgosto
no campo. Na área urbana, o governo construiu redes de comunicação telegráfica, aumentou a
malha ferroviária e perpetrou reformas estruturais. Mas, o operariado não usufruiu dessas
melhorias e, por isso, recorreu às greves com o intuito de reivindicar melhores condições de
trabalho e aumento de salário. A classe média também ficou insatisfeita quando conseguiu
experimentar algumas realidades mais avançadas que a mexicana, passando, assim, a
arquitetar severas críticas ao governo de Porfírio Díaz. Foi, então, nesse cenário de
crescimento acelerado e inovações e, ao mesmo tempo, de contrariedades e desordem, que se
instaurou a revolução.

1.2 A Revolução Mexicana (1911-1920)

132
BARBOSA, op. cit., p. 62.
133
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 16.
71
O porfiriato aconteceu, como apreendemos no item anterior, nos idos de 1876 a 1911.
Após seu colapso no início do século XX, a história da revolução pode ser periodizada da
seguinte forma: a) o movimento de Francisco I. Madero (1911-1913); b) o regime do Gen.
Victoriano Huerta (1913-1914); c) a guerra civil (1914-1916) e, finalmente, d) a grande
coalizão (1916-1920). O primeiro momento refere-se ao episódio em que as elites mexicanas
se agruparam e se organizaram com o intuito de derrubar o porfiriato e, em seguida, passaram
a lutar entre si pelo poder, com apoio popular. O segundo é assim demarcado em referência ao
golpe militar do general Huerta, que, em meio às constantes disputas das elites, aplicou o
golpe e passou a ser presidente. Já o terceiro refere-se à organização das elites e camadas
populares, em resposta, principalmente, ao golpe militar de 1913, a fim de tomar o Poder
Executivo na Cidade do México e impor suas exigências. Por fim, o último período é deste
modo situado em alusão à derrota dos grupos populares e rurais e ao estabelecimento de uma
nova coalizão entre a classe média, os industriários, os latifundiários e os pequenos
comerciantes.

Este trabalho parte do pressuposto de que a Revolução Mexicana configurou-se em


uma conflagração de caráter agrário, nacional e popular, mas que se distanciou do paradigma
de revolução marxista. Isso é dito em alusão ao fato de que não ocorreu um levante nacional,
uníssono e homogêneo, que pelejou para destituir violentamente uma superestrutura
antiquada134. No caso do México, a revolução ocorreu em âmbito nacional no sentido de ela
ter sido um movimento social que ocorreu de forma alastrada e fragmentada por todo o país.
Alguns segmentos tinham aspirações (quase unicamente) regionais e, por essa razão, muito
pouco entendiam e/ou queriam da superestrutura, se suas reivindicações fossem atendidas.
Como afirma F. Tannenbaum: “(ocorreu) não uma revolução nacional no sentido de que todo
o país participou do mesmo movimento e ao mesmo tempo. Ela foi local, regional e em
alguns momentos, até mesmo, por estados. Não foi monolítica e, muito menos,
unidirecional”135. Deste modo, pode-se afirmar que a compreendemos como um evento que
foi disseminado e multidirecional.

Além do mais, a revolução per se não foi resultado apenas da miséria abjeta ou da
falta de desenvolvimento econômico. Muito pelo contrário. Foi resultado, sobretudo, das três

134
Cf. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Vol. 1. Tomo 1. Tradução de Reginaldo Santana.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
135
TANNENBAUM, Frank. Peace and Revolution. New York: Columbia University Press, 1968. p. 121-122.
72
questões elencadas a seguir: 1) a desordem do crescimento econômico; 2) as mudanças
políticas que estavam ocorrendo; e, finalmente, 3) o desapego delas pelas questões de cunho
social. A primeira refere-se à ausência de um programa para a expansão econômica, o que,
por consequência, viabilizou uma evidente divisão entre as regiões do país, que separavam o
avanço e a carência dele. Já a segunda questão remete às diversas mudanças políticas
promovidas pelo porfiriato, que garantiram, inclusive, a proveitosa estabilidade política, após
longos anos de combate (desde a Independência em 1810). Contudo, algumas dessas
mudanças foram polêmicas e geraram contrariedades, embora houvesse apaziguado ânimos,
como exemplo: a reforma da Constituição de 1857, a fim de permitir a reeleição presidencial.
Isso possibilitou a vigência de um regime ditatorial que perdurou por longos trinta e cinco
anos, o que consistiu, sem dúvidas, numa das razões pelas quais Madero iniciou seu levante e
fundou o Partido Nacional Antireelecionista. Enfim, o terceiro ponto refere-se ao fato do
porfiriato ter adiado a promulgação de reformas sociais, por exemplo, ao evitar a reforma da
Lei dos Baldios para que as terras expurgadas fossem restituídas às camadas populares.

No dia 20 de novembro de 1910, Madero realizou a primeira chamada à revolução,


mas não atingiu suas metas; conforme já exposto. Isso não impediu que ele fosse ouvido e
compreendido por todo o território mexicano e, a partir disso, começou a “fase maderista”.
Nos meses porvindouros, a revolução e seus ideais seriam disseminados intensamente,
especialmente, nos seguintes estados: Baixa Califórnia, Chihuahua, Cidade de Juárez e
Sonora. E, apesar de cada vez mais desgastado, o exército de Porfírio Díaz mantinha-se forte
contra as sublevações. No mês de maio, os maderistas passaram a vencer os combates
travados, como ocorreu com Pancho Villa e José Orozco, em 09 de maio de 1911, na Cidade
de Juárez. Isso fez com que os combatentes acelerassem o processo de assinatura do “cessar-
fogo” e, no dia 21, assinaram um acordo de paz acatando a formação de um governo
provisório. Nos dias seguintes, as tropas rebeldes continuaram a tomar as cidades que
resistiram.

No dia 25, Díaz renunciou à presidência e, em seguida, foi substituído pelo presidente
interino Francisco Leon de la Barra. Na famosa carta de renúncia, escreveu que seria
respeitada a vontade do povo e, sendo assim, abandonaria a presidência.

Como se lê, no excerto a seguir:

Neste conceito, respeitando, como sempre respeitei, a vontade do povo e em


conformidade com o artigo 82 da Constituição Federal, venho ante a
73
Suprema Representação da Nação, demitir-me, sem reservas, do cargo de
Presidente Constitucional da República, com que me honrou o povo
mexicano; e o faço com tanta razão por saber que para mantê-lo terei que
continuar a derramar sangue mexicano, matando o crédito da nação,
derrubando suas riquezas, secando suas fontes e expondo sua política a
conflitos internacionais.136

O mapa da revolução maderista era o seguinte: em Chihuahua, Abraham Gonzaléz, os


Pascual Orozco e Pancho Villa; em Sonora, José María Maytorena; e, em Coahuila, Eulálio e
Luís Gutiérrez. Na baixa Califórnia, com José María Leyva; em Guerrero, os irmãos
Figueroa; em Zacatecas, com Luís Moya. Esses líderes regionais acatavam a Francisco
Madero como líder nacional e sucessor de Díaz.

A questão agrária esteve fortemente presente no discurso de Madero, atraindo líderes


populares voltados à causa rural. Um destes líderes, Emiliano Zapata, aderiu à revolução
apenas em março de 1911, mas representou a ala camponesa na revolução até seu assassinato.
Antes de aprofundarmo-nos nesse assunto, contudo, é importante elaborar uma breve
exposição acerca da vida de Zapata, para compreender algumas de suas posturas ao longo do
processo revolucionário.

Emiliano Zapata (1879-1919) foi um camponês mestiço de origem humilde, que


recebeu pouca instrução. Trabalhou como peão e adestrador de cavalos no estado de Morelos,
região sul do México. Após a promulgação da Lei dos Baldios e seu impacto social, Zapata
passou a promover ideias acerca da restituição de terras aos usurpados e da distribuição das
excedências. Em seguida, foi acusado de sedição e aprisionado. Tão logo liberto, em 1909,
Zapata formulou o lema “Terra e Liberdade” e, sob essa insígnia, passou a organizar
camponeses, com a intenção de ocupar e repartir terras. Ainda que o governador de Morelos
enviasse tropas, dificilmente impetravam grande mal. Com o tempo, outras lideranças
surgiram pelo país compactando o movimento em prol da distribuição de terras. O primeiro
deles foi Genovevo de la O, em Cuernavaca, e, depois dele, vieram Gabriel Tepepa, Rafael
Merino e Torres Burgos.

136
Carta de la renuncia. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revolucion/1911
RPD.html>. Acesso em: 12/12/13. [No texto original, lê-se: “en tal concepto, respetando, como siempre he
respetado la voluntad del pueblo, y de conformidad con el artículo 82 de la Constitución Federal vengo ante la
Suprema Representación de la Nación a dimitir sin reserva el encargo de Presidente Constitucional de la
República, con que me honró el pueblo nacional; y lo hago con tanta más razón, cuando que para retenerlo
sería necesario seguir derramando sangre mexicana, abatiendo el crédito de la Nación, derrochando sus
riquezas, segando sus fuentes y exponiendo su política a conflictos internacionales”]
74
No mês de março de 1911, Zapata aliou-se a Madero e, com a morte infeliz de Torres
Burgos, passou a ser o Chefe do Exército do Sul. Após a queda de Díaz, solicitou que se
cumprissem as promessas de Madero, quais sejam: as distribuições e restituições de terras.
Mas, Madero adiou o quanto pôde e, a fim de ganhar tempo, pedia que o exército do sul se
desmobilizasse. Em novembro de 1911, Zapata elaborou o Plan de Ayala, no qual declarava
Madero como um líder incapaz de cumprir os objetivos da revolução e que, por isso, deveria
renunciar à presidência. Essa situação de conflito e negociação durou um ano, pois, em
fevereiro de 1913, Madero foi assassinato a mando do general Victoriano Huerta. Zapata
recusou ao convite de participar do golpe e uniu-se aos opositores constitucionalistas
liderados por Venustiano Carranza. Juntamente a Pancho Villa, Zapata lutou até a expulsão do
general Huerta.

Durante a Convenção de Águas Calientes, em outubro de 1914, Zapata aproximou-se


ainda mais de Villa contra as posturas abertamente moderadas de Venustiano Carranza.
Contudo, a aliança Zapata-Villa não durou muito e, logo, se apartaram. Os zapatistas
mantinham-se mobilizados, porém, muito desgastados, após três anos de batalhas. O governo
carrancista ofereceu, inclusive, uma recompensa pela cabeça de Zapata, com o intuito de
desencorajar novos levantes. A guerra prosseguiu até 1919 e, em 09 de abril, o general Jesús
Guajardo convidou Zapata para uma reunião, fingindo simpatizar-se com seus ideais e, ao
entrar no recinto, Guajardo atirou diversas vezes contra ele. Depois, entregou seu corpo à
Carranza, para assim, receber a recompensa.

Além de Zapata, existiu outro importante líder camponês: José Doroteo Arango, o
Pancho Villa (1878-1923). Não se sabe ao certo a razão pela qual Pancho Villa entrou no
banditismo. Alguns estudiosos afirmam que sua irmã haveria sido violentada, o que lhe faria
optar pela vida de “justiceiro”; uma questão sem provas. Todavia, essa imagem de “Robin
Wood mexicano” fez com que ele fosse admirado por camponeses nortistas, sobretudo, nos
estados de Chihuahua e Dourado.

Após a morte de Madero, em 1913, o general Huerta implantou um regime militar, que
foi combatido pelas forças de Carranza, Obregón, Villa e Zapata. Um ano depois, Huerta
renunciou e fugiu para os Estados Unidos. Os líderes vitoriosos sem entrar em acordo
acabaram entrando em conflito novamente. Villa foi alvo de constantes ataques, mas acabou
resistindo a todos eles. Em seguida, os Estados Unidos reconheceram o governo de Carranza

75
e, além de fornecer armas, permitiram que utilizassem a ferrovia estadunidense para derrotar
as forças villistas. Assim, Villa se tornou o maior inimigo dos Estados Unidos.

A primeira ação de vingança contra os “gringos” foi estrondosa, uma vez que Villa
ordenou o fuzilamento de dezessete texanos que estavam no México para reativar as minas de
Chihuahua. Isso foi muito mal visto pela opinião pública estadunidense, mas o presidente
Woodrow Wilson decidiu não enviar uma ofensiva. No dia 09 de março de 1916, contudo,
Villa assassinou 500 homens em Columbus, EUA. Logo, o presidente Wilson ordenou que o
general John Pershing organizasse um grande ataque para, assim, punir o exército villista.
Não obstante, ninguém o encontrou. Com o tempo, os estadunidenses acabaram abandonando
o solo mexicano, pois a ocupação causava incômodos para ambos os países.

A partir de 1920, Villa decidiu abandonar a vida de justiceiro e revolucionário,


procurando dedicar-se unicamente a sua fazenda de Canutillo. Paulatinamente, começou a
recuperar tesouros roubados e enterrados durante as batalhas da revolução. Alguns estudiosos
afirmam que Villa havia enterrado seus “tesouros” numa cova falsa na cadeia montanhosa de
Sierra Madre e, por isso, fazia excursões solitárias às montanhas, durante vários dias, para
buscá-los; mas, isso também nunca foi comprovado. Nos meados de 1920, Álvaro Obregón
foi eleito e, imediatamente, passou a suspeitar de um retorno villista. Por essa razão, planejou
uma emboscada: no dia 20 de julho de 1923, Villa foi atingido por 47 balas em seu automóvel
pela polícia secreta e pelos pistoleiros contratados por familiares de vítimas.

Retornemos ao tema da revolução. Em outubro de 1911, Madero venceu as eleições.


E, no dia 06 de novembro de 1911, assumiu a presidência mexicana. O principal objetivo foi
estabelecer uma República, que respeitasse as liberdades democráticas (expressão, indivíduo,
imprensa etc.). Tão logo assumiu a presidência, aumentou sua horda de inimigos. Isso ocorreu
por mudar a estratégia política que havia mantido até então e, após sua vitória, assumiu
atitudes contraditórias em relação àquela que articulava durante a revolução.

Nos primeiros meses, o presidente Madero anistiou e firmou acordos com os


científicos do porfiriato. Do mesmo modo, absteve-se de resolver algumas questões de ordem
social e, por conta disso, seu governo voltou-se – cada vez mais – às demandas político-
econômicas dos conservadores. O gabinete ministerial ficou assim: Manuel Calero como
Secretário de Relações Exteriores; Abraham González como Secretário de Governo; Ernesto
Madero como Secretário da Fazenda e Crédito Público; José González Salas como Secretário
de Guerra e Marinha; Manuel Vázquez Tagle como Secretário de Justiça; Rafael L.

76
Hernández como Secretário de Fomento, Colonização e Indústria; Manuel Bonilla como
Secretário de Comunicações e Obras Públicas e, finalmente, Miguel Díaz Lombardo como
Secretário de Instrução Pública e Belas Artes. Desses, apenas Manuel Bonilla e Abraham
González lutaram com Madero durante a revolução. O resto do ministério compunha-se de
liberais da diminuta elite intelectual e conservadores moderados (os científicos). Silva Herzog
nos conta que, nessa época, os partidários da revolução afirmavam sorrateiramente que “o
presidente Madero governaria com seus inimigos, contra seus amigos revolucionários”137.

Madero conservava a idéia de que o problema do país era unicamente político e que,
sendo isso inteiramente resolvido, as outras questões de ordem econômica e social
caminhariam por si só. Ficava evidente que, com sua vitória nas eleições, ele acreditava que
esse problema estava inteiramente resolvido. Mas, esquecia-se de que seus lemas de
campanha (ainda muito utilizados) como o sufrágio efetivo, a não-reeleição e a liberdade
democrática, entre outros, eram muito pouco usufruídos pelas camadas populares e, portanto,
muito pouco se resolvia para eles. Com vinte dias de presidência, recebeu um aviso de que os
rebeldes do sul estavam elaborando um plano político. Após a derrota de Porfírio Díaz,
Zapata solicitou que se cumprissem as promessas de Madero. Mas, o presidente recém-eleito
adiou o quanto pôde e, nesse ínterim, pedia que Zapata e seu exército, primeiramente, se
desmobilizassem.

Em novembro de 1911, Zapata finalizou o Plano de Ayala, no qual declarava Madero


incapaz de cumprir os objetivos da revolução, afirmando, principalmente, que seu governo era
muito diferente daquele discurso proferido em 1910. E, sendo assim, ele deveria renunciar à
presidência, para entregá-la ao general Pascual Orozco.

Esse plano não afirmava Zapata como líder da Revolução Libertadora, muito embora
isso fosse divulgado pela mídia mexicana. Zapata era apenas um possível substituto. O plano
propriamente dito não se direcionava ao poder, mas sim à restituição de terras e, por isso,
afirmava que as aldeias e os camponeses deveriam receber suas terras, conforme havia sido
prometido. E, o trecho a seguir evidencia isso:

7º. Em virtude da imensa maioria dos povos e cidadãos mexicanos, não são
donos além do chão em que pisam. Sofrem os horrores da miséria, sem
poder melhorar sua condição social, nem poder dedicar-se a industria ou a
agricultura por ser monopolizado em poucas mãos. (...) a fim de que os
137
HERZOG, Jesús Silva. Breve historia de la Revolución Mexicana – los antecedentes y la etapa maderista.
México: Fondo de Cultura Económica, 1969. p. 65.
77
povos e cidadãos obtenham ejidos, colônias, fundos legais, e se melhore em
tudo e para todos e para sempre a falta de prosperidade e bem-estar dos
mexicanos.138

Além de Zapata, surgiram outras oposições. Alguns grupos insurgiram e se


mobilizaram contra Madero, como: o grupo porfirista de Bernardo Reyes; o nortista dos
irmãos Emílio e Francisco Vázquez Gómez; o sulista comandado pelo general Pascual
Orozco; o Exército, e, por fim, um grupo de governadores. Para combater as sublevações (e
não mais lutar ao lado de revolucionários), Madero formou um exército com o impassível
general Victoriano Huerta; para isso, porém, teve que contratar novos empréstimos.

Ao longo de 1912, o governo maderista recebeu constantes ataques, sobretudo, por


parte do grupo de ex-porfiristas liderados por Bernardo Reyes e Félix Díaz. Em outubro,
Félix Díaz arquitetou um levante em Veracruz, mas, não obteve sucesso e acabou preso,
juntamente a Bernardo Reyes, que já havia sido aprisionado por armar um levantamento no
começo do ano139. No dia 9 de fevereiro de 1913, o general Manuel Mondragón conjeturou
um levante que libertaria Reyes e Díaz da prisão e, em seguida, tomaria o poder no Palácio
Nacional. E, após a libertação, o exército sublevante seguiu seu plano. Em frente ao palácio,
iniciou-se um combate entre o esquadrão ex-porfirista e o exército leal ao governo de
Madero, no qual, inclusive, Reyes morreu e o general Lauro Villar, Chefe Comandante de
Madero, acabou ferido. Em seguida, Díaz e Mondragón tomaram a Ciudadela, com a ajuda de
Gregório Ruíz e Fidencio Hernández. Mas, passaram a ser combatidos por Huerta, que
substituíra Villar, e Henry Lane Wilson, embaixador estadunidense, que, aparentemente,
simpatizava-se com ambos, Díaz e Huerta. Um dia depois, Díaz e Huerta procuraram chegar a
um acordo. E, Madero pressentia o perigo de um acordo entre ambos, por isso, retirou o
general Huerta do cargo e lhe ofereceu a Felipe Ángeles. Contudo, o Ministro da Guerra
impôs o cargo à Huerta e Madero cedeu.

Nos dias seguintes, ocorreram reuniões privadas entre Díaz e Huerta em um casebre de
Cidade de Juárez. A aproximação entre eles levou à simulação de um combate, com o intuito
de que as tropas de Huerta não fossem tão prejudicadas. Apesar das artimanhas, Huerta

138
CENTRO DE ESTUDIOS DE HISTORIA DE MÉXICO. Plan de Ayala. México: CONDUMEX, 1985. p.
2-3.
139
Cf. HARRISON, J. P. Henry Lane Wilson, el trágico de la decena. Disponível em: < http://codex.colmex.
mx:8991/exlibris/aleph/a18_1/apache_media/LQ1KQGU5HBQVBFCTVU87SX8IEJ29LK.pdf > . Acesso em:
13/04/14; RODRIGUEZ, J. La decena trágica. Nuevo León: Impresión del Obrero, 1913; SILVA, José Valero.
La decena trágica. Disponível em: <http://www.historicas.unam.mx/publicaciones/revistas/moderna/vols/
ehmc03/021.pdf>. Acesso em: 13/04/14.
78
acabou sitiando os sublevados na Ciudadela. E, cada vez mais, o embaixador Henry Lane
Wilson envolvia-se com o que ocorria no México, denunciando a inaptidão do presidente,
alegando simpatia para com Díaz e realizando constantes ameaças de intervenção. Em 16 de
fevereiro, foi estabelecido um pacto de cessar-fogo por vinte e quatro horas, mas os rebeldes
violaram-no. Madero acusou Huerta de ineficiência, por isso, lhe cobrou posturas efetivas e,
mesmo sendo avisado da traição de Huerta, preferiu dar-lhe voto de confiança. No dia 17,
Gustavo Madero (irmão do presidente) descobriu a farsa de Huerta e, sendo assim,
aprisionou-o. Em seguida, o levou até Madero, para que seu irmão fosse informado do que
ocorria e lhe castigasse. Mas, o presidente Madero acreditou nos apelos do general e lhe
concedeu mais um voto de confiança.

No dia 18 de fevereiro, o general Huerta se desmascarou e começou um levante contra


o presidente. Logo, Madero e Pino Suárez (vice-presidente) foram aprisionados. Gustavo A.
Madero acabou sendo morto em um restaurante, onde vários homens lhe cercaram e, em meio
a vários xingamentos, apunhalaram-no. Como se não bastasse, ainda atiraram contra seu
corpo já sem vida, e não satisfeitos, esquartejaram-no. Diante disso, Zapata e outros
revolucionários foram convidados a participar do levante huertista. Mas, obviamente, a
maioria deles recusou. Esse episódio que ocorreu de 9 a 18 de fevereiro de 1913 acabou
conhecido como “a dezena trágica”.

No dia 19 de fevereiro, Huerta assinou o Pacto de Ciudadela, no qual estabeleceu um


governo provisório. E, para aparentar legalidade, nomeou como interino Pedro Lascurián,
responsável pelo mandato mais curto da história mexicana. Alguns minutos depois de assumir
a presidência, Lascurián demitiu-se com o intuito de passá-la a Huerta. O mandato em si
durou quase uma hora. Quando Huerta assumiu a presidência, os ex-porfiristas (ainda vivos),
em suma, conservadores e militares, voltaram ao poder. O governo estabelecido por Madero
acabou-se por completo, o que deu vazão ao estouro de uma nova revolta, popular e rural, que
se preparava amiúde. No dia 22, Madero foi obrigado a assinar sua renúncia à presidência
mexicana. Mas, assinou somente porque Huerta havia lhe prometido que, se assinasse,
pouparia sua vida, a do vice-presidente e de suas respectivas famílias. Nesse mesmo dia, os
prisioneiros foram conduzidos a um carro que supostamente lhes levaria a Veracruz, para que,
assim, embarcassem em um trem rumo aos Estados Unidos. Ao chegarem a Lecumberri,
porém, foram todos assassinados.

79
No final de fevereiro de 1913, iniciou-se o governo contrarrevolucionário de Huerta
(1913-1914), que chegou à presidência, como evidenciado, sem muita “resistência”. Apenas
um homem da região nordeste fazia oposição aberta ao general-presidente. O governador de
Coahuila, Venustiano Carranza, afirmava que não aceitava o governo recém-estabelecido.
Esse novo personagem afirmava também que a ascensão de Huerta representava o
rompimento da ordem constitucional da República e, sendo assim, em 26 de março de 1913,
redigiu um novo plano político. O Plano de Guadalupe, além de desconhecer Huerta,
declarava Carranza como o “Primeiro Chefe da Revolução”. Nele, tal qual ocorrera com os
planos de Díaz e Madero, não havia espaço para as reformas sociais. No excerto a seguir,
percebe-se a recusa ao governo huertista, assim como, a nomeação Venustiano Carranza
como a liderança máxima do Estado:

Primeiro - Se desconhece o general Victoriano Huerta como Presidente da


República. Segundo - Se desconhece também os Poderes Legislativo e
judicial da Federação. (…) Quarto - Para a organização do Exército
encarregado de se fazer cumprir nossos propósitos, nomeamos como
Primeiro Chefe do Exército, que se denominará "Constitucionalista", o
cidadão Venustiano Carranza, Governador do Estado de Coahuila.140

Carranza deu início, então, a terceira etapa da revolução, a fase constitucionalista. Esse
nome foi utilizado em referência a Constituição de 1857, pois apoiavam a implantação da
carta elaborada por Benito Juárez. Em 18 de abril de 1913, os constitucionalistas que aderiram
a esse novo movimento assinaram o Pacto de Monclova (referência à Estação de Monclova,
em Coahuila), com o intuito de formalizar a aliança entre eles. Essa nova formação conseguiu
importantes adesões, como Álvaro Obregón, Pancho Villa e Zapata. Mas a divisão geográfica
era a seguinte: na região norte, havia a “Divisão do Norte” liderada por Villa, que agia em
Chihuahua, Durango e Zacatecas; o “Exército do Nordeste” de Pablo González, que operava
em Coahuila, Nuevo León, Tamaulipas e Tampico; o “Exército do Noroeste” liderado por
Obregón, que atuava em Sinaloa e Sonora e, por fim, o “Exército da Libertação” liderado por
Zapata, que atuava no sul do país. De acordo com Barbosa, “o motivo ideológico desse grupo,
vinculado a uma pequena burguesia agrária e urbana, fora derrotar os últimos vestígios do

140
MAGAÑA, Gildardo. Emiliano Zapata y el Agrarismo en México. Tomos I a V. Instituto Nacional de
Estudios Históricos de la Revolución Mexicana. México, 1a ed. 1937. Edición facsimilar 1985. Tomo III. p. 91-
93.
80
Antigo Regime e ascender na política local e nacional, mas, existiam altercações nele
também, como a disputa Villa-Carranza” 141.

Nesse período, o governo de Huerta aproximou-se astutamente daqueles que


representavam o Antigo Regime, como os ex-porfiristas, os científicos, a Igreja, os
progressistas e os ex-reyistas. Esse suporte considerável do exército huertista acabou
proporcionando sua vitória nas primeiras batalhas. E, cabe aqui mencionar, que Huerta, nessa
época, já não recebia apoio dos EUA, afinal, a presidência havia passado às mãos do
democrata Woodrow Wilson (1913-1921). Inclusive, essa falta de apoio quase levou ambos
os países a um combate mais sério, pois, Wilson ameaçou intervir no México por diversas
vezes, chegando, até mesmo, a tomar, em 21 de abril de 1914, o Porto de Veracruz, a
principal receita do país, a fim de fragilizar o Estado (e também para encontrar Villa, como já
mencionado). A tática huertista, sem suporte internacional, vingou apenas até os primeiros
meses de 1914.

O exército constitucionalista passou a se equipar e organizar gradativamente, para


assim, agir numa forte contraofensiva. Aproveitaram-se, em verdade, da perda de forças de
Huerta, que lutava incessantemente desde o golpe. Dentre maio a julho, conseguiram
importantes vitórias, principalmente aquelas lideradas por Obregón e Villa. Em 8 de julho de
1914, Huerta acabou renunciando à presidência e, assim, entregando-a ao presidente interino
Francisco Sebastián Carvajal y Gual (15 de julho a 13 de agosto de 1914).

No dia 13 de agosto de 1914, Francisco Carvajal e o exército constitucionalista


assinaram os Tratados de Teoloyucan, no qual se afirmava, sobretudo, a desmobilização das
forças huertistas e a nomeação de Carranza como “Comandante Revolucionário de
México”142. A partir disso, os principais chefes militares da revolução organizaram-se para
formar uma assembleia, cujo objetivo seria discutir programas e assuntos do novo governo,
como havia sido prometido pelo próprio Carranza. A primeira delas ocorreu na Câmara dos
Deputados, em Cidade de México, mas, alguns dos chefes se recusaram a participar,
alegando que a mesma deveria ocorrer em um território neutro. E, diante disso, a reunião
passou a acontecer em Aguascalientes.

A Convenção de Aguascalientes ocorreu no dia 10 de outubro de 1914 e dela


participaram os revolucionários que haviam lutado contra o regime huertista, como os

141
BARBOSA, op. cit., p. 75.
142
Cf. TRATADOS DE TEOLOYUCAN. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/6/2883
/16.pdf>. Acesso em: 07/08/2013.
81
carrancistas, obregonistas, villistas, zapatistas, entre outros. Nesta mesma reunião, decidiu-se
que o Poder Executivo não mais seria ocupado por Venustiano Carranza, deixando, então, a
encargo dos interinos Antonio Irineo Villarreal (31 de outubro a 4 de novembro de 1914) e
Eulálio Gutiérrez (3 de novembro a 16 de janeiro de 1915). Foram debatidas as questões
sociais que haviam sido evitadas, até então, porém, sem chegar a maiores conclusões. Logo,
Emiliano Zapata e Pancho Villa foram nomeados respectivamente Chefe do Exército do Sul e
Chefe da Divisão do Norte143.

Obregón e Carranza não reconheceram a autoridade dessa convenção e, por isso,


abandonaram Aguascalientes. Depois disso, villistas e zapatistas partiram rumo à Cidade do
México para tomar o poder central, o Palácio Nacional, o que acabou acontecendo em
dezembro de 1914. Quando as tropas villistas-zapatistas ocuparam a principal cidade
mexicana destituíram Gutiérrez da presidência interina. Esta passou às mãos de Roque
González Garza (16 de janeiro a 10 de junho de 1915) até que ocorreu sua renúncia em favor
de Francisco Lagos Cházaro (10 de junho a 10 de outubro de 1915). Por conta da ocupação do
palácio, Lagos transferiu a sede do governo federal para Toluca, e, poucos meses depois,
renunciou à presidência, que retornou a Carranza. Isso ocorreu simultaneamente à realidade
estabelecida pelo exército villista-zapatista. Como afirmamos, em dezembro, as forças de
Villa e Zapata tomaram a Cidade do México. Logo, estabeleceram um Conselho Executivo da
República Mexicana, com um presidente e um Conselho de Governo. Para Barbosa, o CE
“passou a legislar por todo o território nacional, o que nega a tese de localismo do movimento
zapatista”144. Esse mesmo CE promulgou leis que viabilizaram a distribuição e restituição de
terras, e leis eleitorais, fiscais e trabalhistas.

Segundo o mesmo autor,

Nos primeiros anos de revolução, o país não havia se machucado tanto,


quanto às despesas e destruições. Mas, em fins de 1914, o país já estava
muito destruído e sem recursos para continuá-la. Contudo, com a Cidade do
México sob novo controle, a Convenção passou a ocorrer por lá, até seu fim
definitivo em Outubro de 1915. Emiliano Zapata e seu exército do sul foram

143
Cf. RAMÍREZ, A. Hurtado. Aguascalientes vivió la convención revolucionaria. Disponível em: <http://ww
w.aguascalientes.gob.mx/segob/archivohistorico/docs/convencion.pdf>. Acesso em: 12/03/13; REYES, F.
Heroles. La convención de Aguascalientes. Disponível em:<http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/700/38.pdf
>. Acesso em: 12/03/13.
144
BARBOSA, op. cit., p. 85.
82
os responsáveis por dar um caráter social à revolução, que, em primeira
instância, teve e fez questão de manter um caráter unicamente político.145

No fim de janeiro de 1915, Obregón recuperou a cidade para os constitucionalistas.


Apesar de Roque González continuar presidente interino, Carranza voltou ao cargo de
Comandante Revolucionário do México. Para controlar as sublevações e as greves, enviou às
regiões mais intensas e sensíveis grupos de militares e políticos. Os grupos militares
obrigatoriamente jugulavam qualquer conflito. Mas os políticos rumavam às regiões
turbulentas a fim de regulamentar as novas leis de caráter social, para, então, tranquilizar as
camadas populares. Tal qual ocorreu com a promulgação da Lei Agrária em 6 de janeiro de
1915 e, nos dois meses porvindouros, a jornada política do general Salvador Alvarado, em
Yucatán, para regulamentá-la. Nessa lei, estabelecia-se que o ejido seria o novo sistema de
tenencia, assim como, a reparação das injustiças cometidas durante o porfiriato. Seu escopo
era devolver os territórios àqueles que haviam sido desapossados. Para isso, a população
despojada enviaria uma solicitação formal à Comissão Agrária Local (que existiria em cada
região) e, mediante uma análise meticulosa, firmar-se-ia um veredicto, que seria enviado,
juntamente à documentação do processo, para uma Comissão Agrícola Nacional. Esse
processo de restituição não teve a adesão esperada e, em junho de 1915, Carranza expediu um
manifesto à nação afirmando que a Comissão era necessária e que ela aceleraria as
restituições, fosse pela distribuição das terras do governo, pela reivindicação dos lotes que
haviam sido anexados ilegalmente, pela compra e expropriação de grandes lotes ou pelos
meios possíveis de aquisição legal. E, mesmo assim, a Comissão demorou a ser
verdadeiramente instalada, ocorrendo apenas em 8 de março de 1916. Na área urbana,
Obregón ficou responsável por firmar uma série de acordos com o operariado da Casa do
Operário Mundial (COM, fundada em 1912). Mediante isso, conseguiram um exército de
operários que combateriam aos camponeses, caso fosse necessário (e logo após o recuo das
forças camponesas, Obregón desmobilizou o exército e prendeu seus líderes). Contudo, a
situação de Villa e Zapata já não era a mesma. Seus exércitos estavam devastados e
esfalfados. No final de 1915, ambos perderam várias batalhas e, por isso, recuaram e se
separaram, uma vez que Zapata voltou ao sul e Villa rumou ao norte.

Os adeptos de Carranza compunham-se de intelectuais conservadores que dificilmente


estariam envolvidos na revolução pela ala radical. Eram eles: Alfonso Cravioto, Félix

145
Ibidem, p. 77.
83
Palavicini, Luís Cabrera e Luís Manuel Rojas. Todos de Coahuila e/ou do centro-sul do país.
Os obregonistas eram diferentes e habitualmente tomavam atitudes mais radicais. Existia,
portanto, uma fissura entre eles, pois os carrancistas afirmavam que os obregonistas eram,
com afirma Barbosa, “sem cultura e educação, selvagens e radicais”146.

Nos meados de 1916, houve todo um processo de “preparação” do Estado mexicano


para que se consolidasse o governo carrancista (1917-1920). Em 25 de outubro, Benjamín
Hill e Obregón fundaram o Partido Liberal Constitucionalista (PLC), resultado de uma série
de reuniões das quais fizeram parte os maderistas: Alejo González, Cesaleo Castro, Eduardo
Hay, Eduardo Neri, Jesús Ureta, José Inocencio Lugo, Manuel García Vigil e Pablo González.
Esse grupo estabeleceu Carranza como seu candidato presidencial. Além disso, de 1 de
dezembro de 1916 a 31 de janeiro de 1917, ocorreu uma Assembleia Constituinte; mas, a
carta foi promulgada somente no dia 5 de fevereiro. E, sendo assim, conseguiu garantir a
vigência da democracia, promovendo, inclusive, a educação laica, os direitos trabalhistas e a
legislação agrária.

Conforme o excerto abaixo:

Art. 27.- A propriedade das terras e águas compreendidas dentro dos limites
do território nacional, corresponde originariamente a nação, a qual, teve e
tem o direito de transmitir o domínio delas aos particulares, constituindo a
propriedade privada. Esta não poderá ser expropriada por causa da utilidade
pública e mediante indenização..147

Para Alan Knight, “o constante aparecimento de Obregón no cenário mexicano, muitas


vezes, se sobressaindo à imagem do Comandante Revolucionário, preanunciou uma ruptura
que ocorreria mais à frente”148. Nesse caso, Knight se refere à cisão que ocorreu entre
Carranza e Obregón, levando à presidência interina de Adolfo de la Huerta (1 de junho a 30
de novembro de 1920) e, mais à frente, a presidência de Álvaro Obregón (1920-1924).

No dia 1 de maio de 1917, Carranza foi eleito presidente. Sua carreira política no
México pode ser periodizada da seguinte forma: 1) Presidente Municipal de Cuatrociénegas,
em Coahuila (1894-1898); 2) Governador de Coahuila (1911-1913); 3) Comandante

146
BARBOSA, op. cit., p. 90.
147
CONSTITUICION POLÍTICA DE MÉXICO. Disponível em: < http://www.juridicas.unam.mx/infju
r/leg/conshist/pdf/1917.pdf>. Acesso em: 08/07/2013.
148
KNIGHT, op. cit., p. 101.
84
Revolucionário do México (1914-1917), um cargo paralelo às presidências interinas
escolhidas pela Convenção de Aguascalientes e, finalmente, 4) Presidente do México (1917-
1920), quando ficou legitimamente encarregado do Poder Executivo.

O governo de Carranza coincidiu com um período muito preocupante da história


mundial: a Primeira Grande Guerra (1914-1918). Essa guerra teve consequências profundas:
15 milhões de soldados europeus ficaram feridos, 8 milhões foram mortos, 7 milhões
acabaram incapacitados. A Alemanha, por exemplo, perdeu 15,1% da população masculina
ativa, já a França perdeu 10,5% dela. Sem recursos e devastada, a Europa foi obrigada a
importar produtos para subsistir e, consequentemente, os países latino-americanos que não
estiveram diretamente envolvidos com o conflito acabaram assumindo esse papel,
aumentando a exportação e melhorando a economia.

No México, o período da Grande Guerra implicou em um importante crescimento


econômico, sobretudo, pelo aumento da demanda por produtos básicos, assim como, pelo
crescimento da arrecadação fiscal, pois, agora existia uma estabilidade política que viabilizava
isso. O presidente recém-eleito, contudo, acabou não cumprindo algumas das promessas
realizadas durante a luta revolucionária, não dando a devida importância aos artigos de cunho
social. Carranza chegou a devolver alguns territórios aos latifundiários e convocou ainda uma
nova assembleia, para reformar a constituição. Nesse sentido, os exércitos de camponeses da
região norte e sul não acataram a ordem de desmobilização, continuando na luta, apesar de
bem desgastados.

No primeiro semestre de 1918, a COM acabou perdendo a importância de outrora,


afinal, os conflitos recorrentes entre os dirigentes sindicais acabaram por desvirtuar os
objetivos e os interesses da organização. Sendo assim, em 12 de maio de 1918, surgiu a
Confederação Regional Operária Mexicana (CROM); a primeira organização sindical
mexicana de caráter nacional. Ela surgiu após uma série de reuniões em Tampico e Veracruz,
que discutiram as principais estratégias da futura organização. Em março, a reunião ocorreu
em Saltillo e nela se firmou que a CROM promoveria um sindicalismo “regulamentado”,
contrapondo a ação direta e agressiva de antigamente. Tal perspectiva levou, inclusive, a
fundação do Partido Trabalhista Mexicano149 (PLM, 1919-1940), liderado por Álvaro
Obregón e Plutarco Elías Calles.

149
Na língua original, lê-se: Partido Laborista Mexicano. O Partido Laborista Mexicano (PLM) foi fundado, em
1919, por Luís L. Morones, um conhecido sindicalista do período. O partido fazia-se “braço direito” da CROM
85
No início de 1919, o exército de camponeses ainda se fazia resistente e Carranza havia
desistido de qualquer negociação, oferecendo, até mesmo, um preço pela cabeça de Zapata.
Em 09 de abril, o general Jesús M. Guajardo, a pedido de Pablo González, convidou o
insurgente para uma reunião, na qual supostamente conversariam sobre suas afinidades
revolucionárias. Quando Zapata o encontrou, porém, Guajardo disparou diversas vezes contra
ele; a seguir, entregou seu corpo a Carranza em troca da recompensa oferecida (e, na verdade,
acabou recebendo metade do que havia sido oferecido).

No jornal El democrata, publicando no dia 9 de abril de 1919, dizia-se assim: “Tenho


a profunda pena de pôr ao conhecimento de vocês, que hoje, as uma e meia da tarde, foi
assassinado o Comandante General Chefe Emiliano Zapata, por tropas do chamado Coronel
Jesús M. Guajardo, quem com toda premeditação, assassinou ao covardemente”150.

Após a morte de Zapata, iniciaram-se vários conflitos por todo o país. Dentre eles,
Pancho Villa despontou com o Plano de Rio Florido, cujo programa político sugeria o retorno
da Constituição de 1857. Mas não recebeu a devida atenção. Assim, o Exército de Libertação
do Sul do finado Zapata começou a desintegrar-se, sobretudo, em seguida à deposição de
Carranza.

Nos meados de 1919, o presidente vigente e Obregón passaram a disputar realmente o


Poder Executivo. Com receio, Carranza solicitou o adiamento das candidaturas, para que,
assim, atrasasse as eleições. E, conseguiu. Obregón foi obrigado a se retirar do cenário
político; contudo, arquitetou sua candidatura mesmo à distância. Em junho de 1919, escreveu
um artigo chamado “Manifesto à nação” no jornal O Democrata, no qual afirmou que seria
candidato à presidência e que, diferentemente de seus opositores, não firmaria “acordos” de
qualquer índole.

Como se percebe, no trecho a seguir:

Apresento-me, pois, no tablado político para dizer à nação: sou candidato a


presidência da República na próxima campanha eleitoral; não tenho
compromisso de nenhuma índole, nem dentro, nem fora do país. Não vou me
deter em formular um programa cheio de espelhismos, que um dia
reclamei.151

e, a partir de 1920, tornou-se o partido mais importante do México. Afinal, elegeu candidatos como Álvaro
Obregón e Elías Calles. Todavia, o assassinato de Obregón acabou levando-o ao fim.
150
EL DEMOCRATA. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revolucion/1919P
MZ.html>. Acesso em: 12/12/13.
151
MANIFESTO A LA NACIÓN. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revol
86
Neste mesmo manifesto, Obregón afirmou que esse seria um momento para se
repensar o Partido Liberal, já que, em razão de suas constantes falhas, permitia que o Partido
Conservador tomasse conta da cena política, como ocorria sempre. Seria esse, então, um
momento propício a se formar um novo partido político, que abrangesse todos os segmentos
da complexa sociedade mexicana. Por essa razão, fundou o Clube Liberal, que acoplaria as
mais variadas vertentes políticas, a fim de estabilizar o país e, ao mesmo tempo, contemplar
todas as opiniões152. Além disso, havia outros candidatos à presidência de 1920.
Candidataram-se: Alfredo Robles Domingues pelo Partido Nacional Cooperativista (nomeado
de Carranza); Ignácio Bonillas pelo Partido Liberal Democrático e Pablo González pela Liga
Democrática. Mas, Obregón era o candidato com maior apoio popular, pois angariou uma
aliança política com indivíduos e as organizações mais importantes do México, como a
CROM, o governador de Morelos, Gildardo Mangaña, e o governador de Sonora, Plutarco
Elías Calles.

Carranza atrapalhou recorrentemente a campanha eleitoral de Obregón. Em abril de


1920, chegou a determinar a intervenção militar do estado de Sonora, pois afirmava que o
mesmo havia se empossado do Rio Sonora, que, em verdade, constituía uma propriedade
nacional, como justificava. A intenção era clara: assustar aos aliados de Obregón. Mas,
ocorreu exatamente o contrário. O governador, Elías Calles, e a população sonorense ficaram
revoltados e, no dia 23 de abril, iniciaram um novo levante revolucionário, no qual Calles
lançou o Plano de Água Prieta, um manifesto político que criticava o governo estabelecido
após a revolução e exigia a deposição de Carranza. Dias depois, Obregón foi capturado e
condenado por sedição. Mas, conseguiu fugir em seguida e, no caminho à Cidade do México,
deparou-se com um exército de comandantes e personalidades políticas que o apoiavam e
almejavam a mesma deposição.

Com a insurreição de Obregón, Carranza passou a estudar cautelosamente os caminhos


a serem tomados. Afinal, o descontentamento se alastrava rapidamente. Alguns dias após o
levante de Sonora, até mesmo, seu assistente tentou matá-lo, o que lhe fez abandonar a Cidade
do México e rumar a Veracruz, a fim de se fortalecer e, depois, voltar para lutar. Mas, a
realidade afinou seus planos. Foi combatido por todo o caminho, ocorrendo, então,

ucion/IM/1919%20Jun6ElDemocratap.1,2,3,6.pdf>. Acesso em: 13/02/2013.


152
Nota-se que tal iniciativa de Obregón funcionou como alicerce ao porvindouro Partido Nacional
Revolucionário (PNR). Mas, inicialmente o Clube funcionou paralelamente ao PLM.
87
assassinatos, deserções e saques. Antes mesmo de chegar à Puebla, abandonou seus pertences
e seguiu com uma pequena comitiva rumo a Veracruz, mas, no trajeto encontrou um exército
obregonista liderado pelo general Rodolfo Herrero, que lhe aprisionou e executou em 21 de
maio de 1920. Depois de dez dias, anunciou-se a presidência interina de Felipe Adolfo de la
Huerta (1 de junho a 30 de novembro de 1920). Seu mandato (que somou apenas seis meses)
focou-se no apaziguamento das forças rebeldes e na organização do governo para que, assim,
convocasse as próximas eleições. Quando convocadas, Álvaro Obregón foi eleito presidente
com 113.751 de votos, o que significou um alto índice de aprovação. Com essa vitória, a
história mexicana começava uma nova fase: a dinastia sonorense.

1.3 Da Dinastia Sonorense ao Cardenismo (1920-1940)

O período obregonista ficou conhecido por ajustar a reforma agrária e restabelecer as


relações diplomáticas com os Estados Unidos. Ficou conhecido também por restabelecer o
equilíbrio das forças políticas do país, chegando a anistiar tanto os conservadores quanto os
rebeldes perseguidos pelos governos anteriores. Sua política viabilizou a formação e o registro
de vários partidos políticos e, apesar dessa pluralidade crescente, a estabilidade não se
apresentou de modo efetivo; por exemplo, nesse momento, ocorreu a fundação do Partido
Comunista Mexicano (PCM), que, até então, era clandestino153.

De acordo com Pablo González Casanova, o decênio de 1920

(...) foi, ao contrário do que se pode pensar, um período cuja principal


característica foi a abundância de partidos. E, apesar dessa abundância, não
existia um sistema de partidos que faria da vida política estável. Foi um
decênio que se distinguiu pela debilidade da Presidência da República, do
Executivo, frente aos estados e ao Congresso da União. Quando Obregón
assumiu o poder, em 1920, dois partidos se sobressaíram em suas pautas: o
Partido Laborista Mexicano (PLM) e o Partido Nacional Agrarista (PNA).154

153
Cf. CANO, Andaluz. La gestión presidencial de Plutarco Elías Calles. México: UNAM, 2006; RIVERA,
José Castro. La clase obrera en la historia de México: en la presidencia de Plutarco Elías Calles. 4° Ed.
México: Siglo XXI, 1987.
154
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La democracia en México. 27° Edición. México: Editora Era, 2004. p. 44.
88
O restabelecimento das relações entre Estados Unidos e México foi sentido em dois
importantes momentos da presidência. Em primeiro, no dia da posse de Obregón, em que
políticos estadunidenses compareceram à cerimônia. Em segundo, ao se firmar, em 1923, o
Tratado de Bucareli que pretendia negociar as exigências estadunidenses aos danos
ocasionados pela revolução em seu território. Discutido entre maio e agosto daquele ano e
promulgado em setembro de 1923, sua vida útil não ultrapassou o primeiro ano, quando o
então presidente Elías Calles deliberou seu cancelamento.

Ao longo da presidência obregonista, houve uma revolta liderada por Adolfo de la


Huerta, que, após a presidência provisória, ocupava o cargo de Ministro das Finanças. Em
1922, de la Huerta negociou a dívida externa mexicana e, por conta disso, enxergou-se como
legatário do presidente vigente. Mas compreendeu prontamente que os planos de Obregón
direcionavam-se ao Secretário de Governo Elías Calles. Em 1923, de la Huerta levantou-se
em armas, mas não obteve grandes resultados e acabou fugindo aos Estados Unidos. Em
seguida, Calles foi oficialmente anunciado como o novo candidato à presidência pelo PLM.
Tendo isso dito, cabe aqui afirmar que, após Obregón, ele seria o terceiro presidente mexicano
oriundo do estado de Sonora, o que foi devidamente notado pela historiografia e, portanto,
designado como Dinastia sonorense (1920-1928).

O apoio obregonista a Calles promoveu ainda mais sua reputação de político radical
(daí a alcunha de “candidato operário”); o que, às vezes, deixou evidenciar em alguns
discursos de campanha: “Não serei tão cauteloso e moderado”, afirmava Calles, “mas seguirei
a política do General Obregón”155. E mais: “sou um revolucionário que não claudicou...
defenderei os princípios consignados na nossa Constituição, sobretudo, os artigos de 27, 123 e
130... colocarei todas as minhas energias e meu caráter todo, para elevar o nível moral,
intelectual e econômico das classes trabalhadoras”156. Essa reputação radical avançou por toda
a nação levando, inclusive, à manifestação de alguns grupos políticos mais conservadores. A
igreja, por exemplo, não gostou da candidatura de Calles, e chegou a afirmar que “suas raízes
árabes indicavam um comportamento pior que o soviético”157. E, assim sendo, pediram a
Obregón que não desse a ele seu apoio, afirmando: “Senhor presidente, valores fortes, como

155
ELIAS CALLES. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México:
INEP, 2015.
156
Ibidem.
157
Ibidem.
89
os vossos, servem de sentinela para guardar a honra nacional, e uma desonra será se prestar
vosso apoio para que ele salte ao poder”158.

No dia 1 de julho de 1924, Calles foi eleito presidente do México. Seu governo ficou
conhecido pela ampliação das rodovias, da malha ferroviária e do sistema de irrigação. Assim
como, tornou-se popular pelas seguintes construções: a primeira linha aérea nacional; a Escola
de Agronomia de Chapingo; a Escola Médico-veterinária; o Banco Nacional do México e o
Banco Ejidal e Agrícola. E, no âmbito legislativo, legalizou o divórcio e o fim das isenções
fiscais. Mas, cabe lembrar que sua administração também ficou conhecida pela “política de
terror” que exerceu. Afinal, os levantes camponeses e as greves urbanas foram severamente
reprimidos, sendo seus insurgentes, em grande maioria, fuzilados.

Durante seu governo, Calles expediu uma lei adicional que regulamentou as
instituições religiosas (lê-se: Igreja Católica) no México. A “Lei Calles”, como ficou
conhecida, inseriu duras disposições anticlericais ao artigo 130 da Constituição de 1917. Nela
afirmava-se que a Igreja seria reconhecida oficialmente apenas mediante o cadastro e o
pagamento de tributos. Além disso, limitou o número de sacerdotes por diocese, assim como,
estabeleceu que todo sacerdote ou líder religioso deveria se registrar nas prefeituras, para
então, receber um alvará. Estabeleceram-se também penalidades severas ao descumprimento
das mesmas, nas quais os religiosos estavam sujeitos a uma multa de 500 pesos, com direito a
cárcere de cinco anos àqueles que criticassem o governo publicamente. Encerraram-se cultos
e atividades de 142 igrejas e 73 conventos, pois seus líderes foram expulsos do país. A lei
ocasionou, portanto, uma cisão entre o Estado e a Igreja, o que acendeu, indubitavelmente, a
Guerra Cristã (1926-1929). Guerra essa que foi travada entre as forças do governo callista e
as milícias cristãs, com seus arcebispos, bispos, padres, presbíteros e leigos, resistentes às
diretrizes e normas estabelecidas pela nova lei, que restringiu, portanto, a participação da
Igreja católica no Estado e na sociedade mexicana.

Nos meados de 1925, Obregón mudou-se para o estado de Sonora, mas, continuou a
intervir nos assuntos nacionais. Dentre 1924 e 1926, Calles e Obregón mantiveram uma
parceria política, o que, para alguns, aparentava uma antiga “diarquia”159. A partir de 1926,
contudo, ocorreram pequenas rusgas entre Obregón e alguns políticos callistas. Afinal, o ex-

158
Ibidem.
159
Cf. DELGADO, Gloria María Cantú. Historia de México: México en el siglo XX. México: Pearson
Educación, 2003; GARCÍA, Gastón Cantú. El pensamiento de la reacción mexicana (la derecha). Tercero
Tomo. México: UNAM, 1997; MEYER, Lorenzo. Agenda ciudadana. Disponível em: <http://www.lorenzomey
er.com.mx/documentos/pdf/010621.pdf >. Acesso em: 14/12/13.
90
presidente almejava a aprovação de uma emenda que viabilizasse a reeleição “não-
consecutiva”. Mas, Calles e seus homens defendiam um governo civil, sem reeleições,
passando a manter-se, portanto, em oposição declarada ao general Obregón. Alguns grupos
políticos se manifestaram contrários à reforma e seus principais líderes foram perseguidos e
executados, como ocorreu com os generais Arnulfo R. Goméz e Francisco R. Serrano. Isso
levou, obviamente, a aprovação da emenda e, depois disso, o ex-presidente defendeu e
promoveu sua reeleição, o que culminaria em vitória.

Álvaro Obregón foi reeleito em 1 de julho de 1928, e, após dezessete dias,


assassinado. No dia 17 de julho, ocorreu um almoço no restaurante La Bombilla, em San
Angelo, para celebrar sua vitória. No fim do almoço, Obregón retirava-se do restaurante,
quando foi assassinado pelo católico insurgente José Leon Torral – seminarista contrário às
políticas anticlericais160.

Após a morte de Obregón, Calles conjeturou um acordo entre os governantes,


conservadores e progressistas, no qual afirmava que nenhum militar se candidataria à
presidência provisória ou constitucional. Sua intenção era neutralizar os militares, para assim,
facilitar o trabalho do Congresso, por uma única razão: acreditava que, com o assassinato de
Obregón, a “era dos caudilhos” havia terminado161. Deste modo, sugeriu à presidência
interina, o advogado Emílio Portes Gil. Conforme Pablo González, “Calles como presidente
deu três passos importantes: o primeiro foi impedir a sua própria reeleição; em segundo,
retirou-se da escolha de uma pessoa ou candidato determinado; em terceiro, propôs que o
candidato não fosse um caudilho e sim um civil”162.

Compete aqui mencionar que, com a morte de Obregón, Calles passou a receber apoio
da maioria do Congresso e, sendo assim, mudou o antigo Bloco Revolucionário Obregonista,
que começou a ser chamado de Bloco Nacional Revolucionário. No dia 22 de novembro de
1928, conjeturou a formação do Partido Nacional Revolucionário (PNR), juntamente a Aarón
Sáenz, David Orozco, Emílio Portes Gil, Gonzálo N. Santos, José Manuel Puig Casauranc,
Luís L. León, Manlio Fabio Altamirano e Manuel Pérez Treviño. Nos primeiros encontros,

160
Cf. BARBOSA, Carlos Alberto S. A fotografia a serviço de Clio. Uma interpretação da história visual da
Revolução Mexicana (1900-1940). São Paulo: EDUNESP, 2006; BETLHE, Leslie. História da América
Latina: de 1870 a 1930. 1° Reimpressão. Volume V. São Paulo: EDUSP, 2008; MAYER, Alicia (coord.).
México en tres momentos: 1810-1910-2010. Primera Edición. México: UNAM, 2007.
161
MEDINA, Luis Peña. Hacia el nuevo Estado, 1920-1994. México: Fondo de Cultura Económica, 1996.p. 70.
162
GONZALEZ, op. cit., p. 57.
91
firmaram um comitê que estabeleceu Calles como presidente, Luís L. León como secretário e
Manuel Perez Trevinõ como tesoureiro.

No mês de janeiro de 1929, iniciou-se a I Convenção do PNR. Esse encontro teve por
intuito estabelecer um programa de partido, definindo diretrizes e normas e, por conta disso,
acabou somente no mês de março. Tendo isso feito, apresentou-se o PNR à sociedade
mexicana. O novo partido uniu diferentes segmentos sociais, objetivando que a disputa
política fosse institucional e não pelas armas, como, até então, havia sido. De acordo com
González, “Calles introjetou na classe política o convencimento de que seus interesses e
ambições estariam mais bem resguardados em uma grande aliança, que evitaria o desgaste
político, produto do enfrentamento entre facções e dos efeitos desastrosos dos avanços
militares”163.

Assim, Calles foi oficialmente nomeado presidente do PNR e passou a ser chamado
por muitos de “Chefe Máximo da Revolução”. Afinal, continuava a ser uma voz influente no
governo mexicano, mesmo após o fim do mandato presidencial. Sua liderança ultrapassou,
inclusive, o encargo e o poder resguardado ao Executivo.

Para o historiador Luís Medina Peña,

O PNR nasceu assim como uma grande aliança destinada a arbitrar a


distribuição pacífica de cota de poder nacional e local para os integrantes.
Não foi um partido de classe nem um partido ideológico e muito menos um
partido totalitário. No fim das contas, resultou em um partido de comitês,
mais importante por seus quadros que por seus membros. Nasceu com o
pluralismo instalado em seu interior, o que sublinhou suas funções de
arbitragem e negociação. Buscava ser o mais inclusivo possível e por ele
desenhava princípios ideológicos gerais com os quais os grupos estatais
podiam estar de acordo.164

A presidência provisória de Portes Gil (1928-1930) conservou o programa político


callista (mas com um “tom” mais moderado) e, por isso, se permitiu dividir e restituir terras,
assim como, fortalecer organizações campesinas e operárias. No início de 1929, passou a
apaziguar e solucionar problemas do período antecessor, para, então, convocar as próximas
eleições. Portanto, conferiu autonomia à Universidade Nacional do México, já que a mesma
não se submetia às ordens do Estado, bem como, não apoiava a formação do PNR. Assim

163
GONZALEZ, op. cit., p. 59.
164
MEDINA, op. cit., p. 73.
92
como, expediu uma lei adicional, em 22 de junho, permitindo à Igreja manter sua prática
religiosa. Em 27 de junho, participou da primeira missa pública do México.

Nos meados de 1929, anunciou o primeiro candidato do PNR, o michoacano Pascual


Ortiz Rúbio, um diplomata com formação acadêmica em história e geografia. Ortiz Rúbio
exercia o cargo de Embaixador no Brasil, quando recebeu o convite para concorrer à
presidência pelo PNR. Conforme afirmou posteriormente, “(Calles) chamou-me ao exercício
do governo no qual compartilharei o poder com o PNR, que lançaria minha candidatura e
cujos princípios me acolheriam por completo”165. Para alguns historiadores, a nomeação
ocorreu em razão de sua neutralidade, o que lhe fazia mais “manejável” na campanha eleitoral
contra o obregonista Aarón Sáenz166.

No dia 17 de novembro de 1929, Pascual Ortiz Rúbio foi eleito presidente, mas seu
mandato durou apenas até 1932. Afinal, Ortiz Rúbio sofreu uma série de atentados, assim
como, discordou das orientações dadas e/ou outorgadas por Calles. Para substituí-lo, o mesmo
convocou o jogador de baseball Abelardo Rodríguez, que governou de 4 de setembro de 1932
a 30 de novembro de 1934, consistindo, portanto, no último presidente interino do México.

O governo de Rodríguez focou-se em reformas, como as estipuladas a seguir: em


primeiro, anulou a reeleição “não-consecutiva” (1933); em segundo, modificou a lei de
Patrimônio Ejidal e Monopólio (1933); em terceiro, firmou a Lei de Beneficência Privada
(1933); em quarto, construiu o Banco Hipotecário e de Obras Públicas (hoje, Banco Nacional
de Obras e Serviços Públicos, Banobras, 1933); em quinto, enviou ao Congresso a Lei
Orgânica da UNAM e, finalmente, em sexto lugar, decretou que o Estado teria controle sobre
o Banco do México. No dia 4 de novembro, outorgou o salário-mínimo. Quase um ano
depois, em outubro de 1934, reformou o 3° artigo da Constituição de 1917, para que, assim,
se estabelecesse um sistema de educação socialista, o que gerou – novamente – um conflito
entre Estado e Igreja167.

165
RÚBIO PASCUAL ORTIZ. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD.
México: INEP, 2015. [No texto original: llamó me al ejercicio de un Gobierno en el que yo comparta el poder
con el PNR (Partido Nacional Revolucionario) que lanzaría mi candidatura y a cuyos postulados me acogería
en todas sus partes...”]
166
Cf. 5 de Febrero de 1930. Disponível em: < http://pri.org.mx/TransformandoaMexico/Efemerides/Efemerid
easpx?y=11187>. Acesso em: 13/02/14; Informes presidenciales: Pascual Ortiz Rubio. Disponível em: <
http://www.diputados.gob.mx/sedia/sia/re/RE-ISS-09-06-06.pdf>. Acesso em: 13/12/13.
167
Cf. DIÁRIO OFICIAL. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revolucion/193
3SMI.pdf>. Acesso em: 13/12/13; DIÁRIO OFICIAL. Disponível em: http://www.memoriapoliticade
mexico.org/Textos/6Revolucion/1934EDS.pdf>. Acesso em: 13/12/13.
93
O período histórico que começa com a presidência de Portes Gil e finaliza com o
mandato de Abelardo Rodríguez foi denominado pela historiografia como “Maximato”, em
alusão à Elías Calles e seu poder descomedido. Como mencionado anteriormente, Calles
chegou a ultrapassar o poder resguardado ao Executivo, acarretando em um governo dualista
(Calles e o presidente eleito) de longos dez anos168. Esse dualismo teve fim somente com a
consolidação de novas forças políticas, tal qual ocorreu com os grupos de camponeses e
operários. Nessa época, eles se fortaleceram e mudaram de perspectiva política, o que os
distanciou progressivamente de Calles.

Conforme Medina Peña:

O cenário político exigia algo mais arbitrário daí a criação de um novo


caudilho, um caudilho institucional. E existia um dilema no período: aceitar
ao Calles ou recair no caos. Todo o segredo do governo de Calles, o
Maximato, segundo o qual o governo era compartilhado entre ele e o
presidente, residiu no feito de que era produto de uma necessidade política,
que começou a ser definido pela morte de Obregón e ficou mais agudo com
os jogos dos amigos políticos e dos principais atores políticos. O Maximato
cobriu os anos que correram entre 1930 e 1935 e correspondem não somente
a época em que se quis que o PNR tivesse vigência política real, senão
também ao sexênio de Obregón. O PNR se concebeu no plano das ideias
como o substituto coletivo da figura caudilhesca.169

Na II Convenção do PNR, em 1933, seus correligionários escolheram o próximo


candidato à presidência, Cuahutemóc Lázaro Cárdenas. Além disso, designou-se também um
novo plano de governo, o Plano Sexenal, que regulamentou a intervenção do Estado em suas
diferentes esferas, como a industrial, a rural, a sindical, entre outras. Esse plano foi
organizado para que se cumprisse em um período mínimo de seis anos e, assim sendo, a cada
ano cumprir-se-ia uma etapa.

Conforme apontado abaixo:

O Plano Sexenal acontecerá em seis etapas anuais e sucessivas, cada uma


delas será devidamente pensando e planejado pelo Executivo na União, com
a colaboração do Partido, e cujos alinhamentos serão expostos ante o país

168
Nessa época, o PNR recebeu um segundo nome: o “Partido Oficial do Estado”; e por isso, seus
correligionários diziam fazer parte de uma “família revolucionária” e, inclusive, se chamavam de “irmãos”.
169
MEDINA, op. cit., p. 75.
94
pelo C. Presidente da República, o primeiro de janeiro do ano
correspondente.170

No dia 1 de dezembro de 1934, Cárdenas assumiu a presidência. E, nos primeiros


meses de governo, o presidente recém-eleito já percebia uma cisão no interior do “partido
oficial”, com as seguintes vertentes políticas: a oligarquia callista e o radicalismo cardenista.
De acordo com Aguilar Camín, “a oligarquia callista rejeitava o cardenismo, pois havia se
habituado à especulação comercial, à espoliação de fazendas da velha classe latifundiária, às
empresas pessoais subsidiadas e engordadas com recursos públicos”171. Por conta disso,
Cárdenas aproximou-se daqueles que estavam insatisfeitos com o poderio de Calles,
sobretudo, operários e camponeses.

O principal conflito entre as duas “alas” do governo ocorreu no dia 15 de junho de


1935, momento no qual o ex-presidente realizou uma série de críticas à divisão do gabinete e
ao radicalismo cardenista. No dia 18, contudo, o presidente recém-eleito solicitou a renúncia
de todos os membros do gabinete e, até mesmo, a deposição de Calles do PNR. Este percebeu
tarde demais que havia uma base de apoio a Cárdenas no PNR e, quando isso ocorreu, fugiu
aos Estados Unidos. A partir disso, a dirigência do “partido oficial” ficou a encargo do ex-
presidente, Emílio Portes Gil. Mas, ele logo renunciou ao cargo em razão da pressão e da
resistência do gabinete; como havia feito enquanto presidente. A partir disso, o partido ficou,
então, sob a tutela do próprio presidente, o que acabou caracterizando o período pela forte
expressão da presidência, uma vez que controlava o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o
próprio PNR.

Com o PNR nas mãos, Cárdenas iniciou uma reforma no partido. Durante a greve pela
nacionalização das petrolíferas, em 1938, o PNR adotou uma nova denominação: Partido da
Revolução Mexicana (PRM). Essa mudança se concretizou pela coalizão dos seguintes
setores: o setor camponês, representado pela Liga de Comunidades Agrárias (LCA) e pela
Confederación Nacional Camponesa (CNC); o setor operário, composto pela Confederação
dos Trabalhadores Mexicanos (CTM), a Confederação Rural e Operária Mexicana (CROM), a
Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e, do mesmo modo, os dois grandes sindicatos
filiados às centrais: o de mineiros e o de eletricistas; o setor popular; e o setor militar, no qual
ficavam incluídos todos os membros das Forças Armadas. Segundo Medina Peña, a gestão de

170
PLANO SEXENAL. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD.
México: INEP, 2015
171
AGUILAR, op. cit., p. 110.
95
Cárdenas incitou uma mudança de paradigmas que transformou o PNR, um partido de
comitês, no PRM, um partido de setores172.

O PRM tinha uma abordagem política diferente daquela adotada pelo PNR, como se
nota a seguir:

Para ele propõe: vigiar a sistemática aplicação dos preceitos constitucionais


e das leis agrárias em vigor, procurando as reformas que para tais
ordenamentos se estimem pertinentes, a fim de transformar por completo o
regime da propriedade rural, y para satisfazer totalmente as necessidades das
terras e águas dos núcleos de população que carecem de tais elementos, o
que eles não obtêm em quantidade suficiente. (…) O programa mínimo do
partido, em matéria de cooperativismo, compreende os seguintes pontos
principais: a) Fomentar a organização de cooperativas entre os pequenos
agricultores; b) Organizar as cooperativas de consumo entre os camponeses,
para evitar assim a exploração de que são objeto por parte de
intermediários.173

Após a criação do PRM, Cárdenas atingiu alguns objetivos políticos que


engrandeceram sua presidência e a sua imagem. De um lado, ele reduziu a burocracia política,
promovendo uma disciplina mais rígida; e do outro, “completou a obra”, como afirma
Medina, “de instaurar o presidencialismo ao „estilo mexicano‟, juntando a administração
presidencial ao estilo do Maximato, com a primazia política arbitral de „Chefe de Estado‟”174.

De acordo com Barbosa,

(...) o PNR, que havia sido criado tendo em vista principalmente às questões
políticas, não dava mais conta da complexidade social do país. Em 1938, o
antigo partido foi transformado no novo Partido da Revolução Mexicana
(PRM), com uma estrutura semicorporativa, formada por quatro setores:
camponês, operário, popular e militar.175

O período cardenista representou, sobretudo, a consolidação política tardia dos


pressupostos propagados durante a revolução. Contudo, não designou somente bem-
aventuranças. A partir de 1938, as reformas sociais foram brecadas: houve menor
investimento do exterior; as companhias estrangeiras saíram do país, pois, receavam as greves

172
MEDINA, op. cit., p. 81.
173
PACTO, PRINCIPIOS Y PROGRAMA DEL PRM. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015
174
MEDINA, op. cit., p. 100.
175
BARBOSA, op. cit., p. 108.
96
e a nacionalização; a malha ferroviária encontrava-se extremamente deteriorada e a baixa
tecnologia atrapalhava a produção nacional. Desde 1935, a inflação aumentava anualmente.
Em 1936, aumentou em 26% e, em 1939, 9%. De 1934 a 1940, o salário-mínimo diminuiu em
21% ao ano. Além disso, em 12 de abril de 1939, ocorreu um acidente grave na linha férrea
Guadalajara-Laredo, no qual dois trens colidiram e ocasionaram a morte de cinquenta
pessoas, o que provocou a comoção nacional e tornou mais grave a situação.

Esse apanhado de acontecimentos promoveu o aumento da oposição ao governo, pois,


a ala conservadora estava farta, sobretudo, das seguintes questões: a alta da inflação, as aulas
de educação sexual176, e as velhas estradas ferroviárias. E, no fim de seu mandato, Cárdenas
passou a ser pressionado por uma nova vertente conservadora, o Partido Ação Nacional
(PAN), inaugurado em 17 de setembro de 1939.

No mês de novembro de 1939, ocorreu a III Convenção do partido, que deliberou o 2°


Plano Sexenal (1941-1946) e a candidatura de Ávila Camacho. Cárdenas acabou sugerindo a
candidatura de um político da ala moderada, contrariando seus aliados que almejavam a
candidatura de Francisco J. Múgica, conhecidamente radical. E, um ano depois, as eleições
ocorreram em clima de violência, com assaltos, queima de veículos, saques às lojas e alguns
feridos. Nelas, Camacho concorreu, sobretudo, com o Juan Andreu Almazán do Partido
Revolucionário Unificação Nacional (PRUN), apoiado também pelos partidos PLM e PAN.
Estima-se que Almazán fora o grande favorito às eleições de 1940. O resultado, contudo, foi o
seguinte: Camacho recebeu 2.476.641 votos pelo PRM (93,89%); Almazán recebeu 151.101
pelo PAN, PLM e PRUN (5.72%) e Rafael Sánchez Tapia (um candidato independente)
ganhou apenas 9.842 votos (0.39%). Após a vitória de Camacho, os almazanistas
manifestaram-se inconformados com as eleições e declararam-na “uma grande farsa”.

Para Barbosa, a fase tardia da Revolução Mexicana pode ser evidenciada,


principalmente, em três questões:

Em primeiro lugar, a elite política cardenista fora formada essencialmente


por membros que lutaram durante a revolução e traziam consigo as
experiências da luta revolucionária e de suas bandeiras de transformação
social. Eram, em geral, elementos atuantes nas alas radicais ou jacobinas do
constitucionalismo, muitos deles os principais responsáveis pela introdução
das leis progressistas na Constituição de 1917. Em segundo lugar, as

176
A educação socialista propagada por Cárdenas estabelecia a educação sexual na grade curricular das escolas
mexicanas. Essa proposta foi abertamente repudiada pela oposição conservadora, que afirmava induzir os jovens
à prática sexual.
97
reformas sociais e políticas implantadas sob Cárdenas significaram a adoção
prática dos artigos mais avançados da Constituição de 1917. Foi com a
realização tardia das reformas que a revolução adquiriu dimensão social. Por
último, a realização das reformas cardenistas só foi possível porque o
Exército Federal – instrumento de poder da oligarquia – havia sido
definitivamente eliminado pelas forças camponesas em 1914.177

Em suma, o governo de Lázaro Cárdenas ficou marcado pelas seguintes questões: a


fuga de Elías Calles; a criação do PRM e a política de cunho social. Como dito anteriormente,
a vitória de Cárdenas e a reforma do PNR obedeceram diretamente ao abandono da política
por Calles e a mudança estratégica do partido, que se tornou um partido setorial, logo,
direcionado aos principais setores da sociedade. Essa peculiaridade continuou por longos
anos: filiavam-se organizações políticas e não pessoas. Além disso, o cardenismo significou
um período de consolidação política e reformas sociais vinculadas aos ideais da Revolução
Mexicana. Sua política reformista nacionalizou as petroleiras mexicanas e legitimou a
reforma agrária; garantindo-lhe uma forte pressão política da ala conservadora do PRM e do
novo partido conservador, o PAN, assim como, lhe garantiu também a alcunha de
“corporativo” e “comunista”. Por essa razão, Cárdenas escolheu como sucessor o moderado
Ávila Camacho (1940-1946), muito embora, seus aliados pedissem a indicação do radical
Francisco J. Múgica. Após as eleições, o Executivo ficou a encargo de Camacho (1940-1946),
cujo primeiro discurso ponderou acerca da história do México, afirmando que já não
precisava ser um terreno de constante luta armada, mas sim de conciliação178.

1.4 “Virando à direita”: a nova fase mexicana (1940-1968)

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e o avanço do fascismo na Europa, o


México (e, de modo geral, a América Latina) passou a exportar mais matérias primas. Isso
gerou um relativo crescimento interno, já que o capital estrangeiro investido era maior (o que
viabilizou, inclusive, a implantação de novas ferramentas e maquinarias), reativando,
portanto, a agricultura, a indústria e a mineração. Nesse cenário, o presidente recém-eleito

177
BARBOSA, op. cit., p. 109.
178
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015
98
empregou o modelo de substituição das importações, o que, para alguns estudiosos, como
Gilbert Joseph, mudou o foco do governo da zona rural à zona urbana179.

A presidência de Ávila Camacho diminuiu ainda a participação militar na política


mexicana e, sendo assim, expediu uma lei que proibia essa prática, com exceção dos militares
que haviam se aposentado ou exonerado. Mas, cabe aqui uma explicação: embora Elías Calles
tivesse firmado um acordo com o gabinete a fim de que os militares se distanciassem da
política, não havia firmado uma lei que os proibisse de participar dela, portanto, muitos ainda
se candidatavam aos cargos públicos. O “setor militar” foi eliminado do PRM e, em seu lugar,
se colocou o “setor popular”, mais especificamente a Confederação Nacional de Organizações
Populares (CNOP). Seu escopo era, sobretudo, organizar a classe média, diferenciando-a em
escalas, como: artesãos, pequenos e médios agricultores, comerciantes, estudantes, entre
outros180. Isso ocorreu possivelmente para que se evitasse o advento de uma extrema direita,
como sucedia na Europa.

Nesse mesmo período, o ejido deixou de ser prioritário e, sendo assim, a distribuição
de terras foi interrompida. A Confederação Nacional Campesina (CNC), conhecidamente
cardenistas, acabou sendo destituída e, consequentemente, os camponeses beneficiados foram
despojados de suas propriedades. No âmbito urbano, o sindicalista Fidel Velásquez e a
Confederação dos Trabalhadores do México (CTM) se sujeitaram às exigências
conservadoras do governo, para desgosto do operariado, que não aceitava tal aliança. Do
mesmo modo, a educação socialista foi suspendida e se formou o Sindicato Nacional dos
Trabalhadores da Rua (também conhecido como SINATRACA181), cuja função era agrupar o
pessoal que trabalhava dentro do sistema nacional de educação. Além disso, em 1941,
anunciou-se a conversão do Departamento do Trabalho (que havia sido criado por Madero182)

179
Cf. CYPHER, James. Estado y capital en México. Política de desarrollo en 1940. México: Siglo XXI, 1997;
JOSEPH, Gilbert; NUGENT, Gabriel (coord.). Every day form of state formation: revolution and the
negotiation of rule in modern Mexico. EUA: Duke University Press, 1994; RUBESTEIN, Anne. Bad
language, naked ladies and other threats to the nation. A political history of comic books. EUA: Duke
University Press, 1998; VAUGHAN, Mary Kay. Cultural politics in Revolution: teachers, peasants, and
schools in México 1930-1940. EUA: University of Arizona Press, 1997.
180
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
181
Sindicato Nacional de los Trabajadores de la Calle (SINATRACA)
182
Cabe aqui afirmar que a questão do operariado começou a ser resolvida a partir de 1911, com a criação do
“Departamento do Trabalho” pelo então presidente Francisco I. Madero. Esse departamento ficou responsável
pela veiculação de informações referentes ao trabalho por toda República, assim como, com o encargo de
auxiliar “equitativamente” nas contendas entre patrão e operário. Já o firmamento de uma lei voltada unicamente
à questão do “trabalho” ocorreu após a publicação do “Decreto sobre o descanso semanal e a jornada máxima de
trabalho”, em 1914. No ano seguinte, anunciou-se a “Lei do Trabalho”.
99
em Secretaria do Trabalho e Previdência Social, cujo objetivo era mediar os conflitos entre
“patrão e operário” e “Estado e operário”.

Camacho ainda expediu uma lei adicional, cuja intenção foi reorganizar as eleições
mexicanas, regulamentando, por exemplo, a existência de novos partidos políticos, para que,
assim, se oferecesse expressão às demais correntes ideológicas, sem prejudicar a unidade
nacional. Deste modo, foram criadas as seguintes organizações: o “Conselho de Padrão
Eleitoral” (CPE); a “Comissão Federal de Vigilância Eleitoral” (CFVE); a “Comissão Local
Eleitoral” (CLE) e os “Comitês Distritais Eleitorais” (CDE)183.

No fim de seu mandato, o “partido oficial” aparentava um partido completamente


diferente daquele fundado por Cárdenas. Durante a IV Convenção, portanto, anunciou-se uma
nova mudança de nomenclatura: o PRM passou a se chamar Partido Revolucionário
Institucional (PRI). Esse “novo” partido se sustentaria no princípio da colaboração de classes,
no apoio ao regime operante e na integração dos setores agrário, operário e popular, com o
lema: “democracia e justiça social”. Depois disso, anunciou-se ainda o “Plano Federal de
Governo 1946-1952”, postulando Miguel Alemán Valdés como o próximo presidenciável. Em
verdade, Alemán Valdés foi o verdadeiro responsável por sancionar o partido e os programas
políticos denominados “Declaração de Princípios”, o “Pacto do PRI” e o “Programa do
Partido Revolucionário Institucional”.

Essa mudança ocorreu mediante a alegação de que o PRM havia cumprido sua missão
histórica e, sendo assim, precisava elaborar novas metas: 1) a exclusão dos comunistas do
partido; 2) a conservação e ampliação das organizações operárias; 3) o fim da luta de classes;
e, finalmente, 4) o início de uma nova época, com o aperfeiçoamento institucional em
resposta à Guerra Fria e o triunfo dos moderados no âmbito nacional.

Conforme Medina,

Ao concluir a guerra mundial foi necessário reformar o partido da revolução.


Em 18 de janeiro de 1946, diante de pouco mais de 2.000 delegados,
declarou-se dissolvido o PRM por se considerar cumprida sua missão
histórica, e aprovou a Declaração de Princípios, programa de ação e estatutos
do Partido Revolucionário Institucional – PRI.184

183
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
184
MEDINA, op. cit., p. 130.
100
Para Pablo González, contudo, assim que abandonou o programa cardenista, o PRI
representou “uma inevitável contradição de conceitos com que foi concebido e nomeado:
Partido da Revolução Institucional185.

Por isso, afirma que

A mudança do PRM ao PRI, gradativa e global, foi de um partido em que o


peso do proletariado e das bases populares eram consideráveis, por mais
próximo que estivesse; o outro, no qual acabou a ingerência das
organizações obreras, desapareceu o debate político interno nos centros de
trabalho e fundaram as assembleias da base, característico do novo processo
de hierarquização do Estado.O regime do PRI maquinou um estado
autoritário e centralizado; capaz de administrar toda a luta política; inclusive
a sindical.186

As eleições de 1946 ocorreram, portanto, com a mesma desconfiança do processo


antecedente. Nelas, concorreram Miguel Alemán (PRI), Ezequiel Padilla Peñallosa (o Partido
Democratico Mexicano, o PDM, e o PAN), Enrique Calderón (Partido Popular, PP) e Agustín
Castro (Partido da Força Popular, PFP). Em 7 de julho, apresentou a seguinte configuração:
Alemán venceu com 1.786.901 (77.9%) votos e Padilla recebeu 443.357 (19.3%) votos. Já
Calderón obteve 33.952 (1.5%) e Augustín com 29.337 (1.3%)187. Por essa razão, os
padillistas acusaram este processo de fraudulento e, no dia 12 de agosto, foram indignados às
ruas, sem, no entanto, causar grande impacto no cenário político.

Ao longo do mandato de Alemán Valdés, o México aumentou consideravelmente a


construção de obras públicas, de estradas ferroviárias e de sistemas de irrigação. Mas conteve
a distribuição de terras, de modo que reformou o 27° artigo da Constituição de 1917,
resguardando os direitos dos fazendeiros. Nesse momento, as indústrias automotivas e
elétricas se espalharam por todo o território nacional. Foram construídas novas escolas de
alfabetização, concretizando, assim, o lema de campanha: “a guerra ao analfabetismo”. Foram
inauguradas também escolas incentivadoras e propagadoras da cultura mexicana, como o
Conservatório Nacional de Música. Do mesmo modo, foram fundadas as seguintes
instituições: o Banco Nacional do Exército, o Colégio Técnico de Educação, a Comissão
Nacional de Cinematografia, a Comissão Nacional de Turismo, a Diretoria Geral de Educação
Normal, o Instituto Nacional das Belas Artes e Literatura, o Instituto Nacional Indigenista, o

185
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. El Estado y los partidos políticos en México. México: Era, 1981. p.60.
186
Ibidem, loc. cit.
187
Cf. ZAVALA, Silvio. Apuntes de historia nacional 1808-1974. México: Editora Efe, 1980.
101
Instituto de Pedagogia e, finalmente o Instituto de Investigação Científica. Além disso,
impulsionou-se a cultura com o apoio aos artistas e poetas, como David Alfaro Siqueiros,
Diego Rivera e Octavio Paz. E, foram inauguradas as primeiras instalações das cidades
universitárias da UNAM; as quais, hoje, são conhecidas como C.U. (“Cidades
universitárias”). Por conta dessas numerosas mudanças, Alemán Valdés recebeu, em 1951, o
título Doctor Honoris Causa pela Universidade Autônoma de Sinaloa (UAS). Um ano depois,
foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

O período alemanista não implicou somente em boas conquistas. Nessa época, o


México possuía uma dívida externa de 346 milhões de dólares. Mas, a situação legada dos
governos anteriores não viabilizou outra opção, senão realizar uma nova negociação. Isso
levou à desvalorização da moeda, cuja cotação deixou o dólar a US 8,65 pesos. Nas zonas
urbanas, o governo também adotou uma política conservadora “antigreve” 188, o que fez do
movimento operário um “alvo fácil”.

No dia 29 de dezembro de 1950, Alemán reformou o artigo 145 do Código Penal,


adicionando o polêmico delito de “Dissolução Social”.

Nele, afirmava-se que:

Será aplicada a prisão de dois a doze anos e multa de mil a dez mil pesos ao
estrangeiro ou mexicano que, de maneira falada ou escrita, ou por qualquer
outro meio realize propaganda política entre estrangeiros ou mexicanos,
difundindo ideias, programas ou normas de ação a soberania do Estado
mexicano (...) se perturbar a ordem pública quando os atos determinados no
parágrafo anterior tendam a produzir rebelião, sedição ou motim.189

Essa reforma institucionalizou a coerção à manifestação social. Inclusive, sua anulação


haveria de ser uma das bandeiras do movimento estudantil de 1968. Após o novo “delito”, foi
criada a Diretoria Federal de Segurança, que teria como encargo a espionagem dos inimigos
do regime priista190.
Para González, no governo de Alemán

188
Essas greves operárias ocorriam, na maioria das vezes, devido aos baixos salários e às posturas
antidemocráticas dos sindicatos, cujos líderes eram conhecidos como “charros”, significando “ilegítimos” ou
“corruptos”.
189
ALEMÁN, Miguel Valdés. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
190
Cf. RODRÍGUEZ, Octavio Araújo. La reforma política y los partidos en México. 12° Edición. México:
Silgo XXI, 1997; TORRES, David Mejía. Proteccionismo político en México. México: UNAM, 2001.
102
(...) o país recebeu um ar de mudança, de maneira tenaz e agressiva criou as
condições favoráveis ao desenvolvimento estabilizador. E, por isso,
submeteu os trabalhadores e camponeses a ações de repressão e concessão,
durante um processo de acumulação e corrupção; o auge dos novos ricos.
Um auge do qual teve parte a aprovação da reforma do artigo 27 da
constituição; que afirmava o direito de amparo aos donos das terras e
ampliou o tamanho legal da pequena propriedade, dando vazão ao
neolatifundismo.191

No fim de seu mandato, Alemán arguiu a respeito da reeleição presidencial, mas, não
conseguiu legitimá-la. Foi obrigado, portanto, a escolher um sucessor, o Secretário de
Governo Adolfo Ruíz Cortines, que, em razão da idade, possivelmente não terminaria o
mandato, dando vazão ao retorno de Alemán. Em 14 de outubro de 1951, Ruíz Cortines, com
seus setenta e um anos de idade, anunciou a candidatura pelo PRI. Na “Cidade dos Esportes”,
proclamou também que o lema de campanha seria: “Austeridade e trabalho 1952-1958”,
focando especialmente na questão da geração de empregos, para a movimentação da
economia mexicana.

Nas eleições de 1952, concorreram os seguintes candidatos: Ruíz Cortines (Partido


Nacionalista Mexicano, PNM, e PRI); o católico Efraín González Luna (PAN)192; o
conservador Miguel Henríquez Guzmán (Partido Constitucionalista Mexicano, PCM) e o
comunista Vicente Lombardo Toledano (Partido Comunista Mexicano, PCM, e Partido
Operário e Camponês Mexicano, POCM).

Para a historiadora Elisa Servín,

A candidatura de Ruíz Cortines era postulada também pelo Partido


Nacionalista Mexicano, tanto que Henríquez Guzmán contava com o apoio
das organizações sem registro oficial: o Partido Constitucionalista Mexicano,
integrado por um grupo de velhos constituintes de 17 e o Partido da
Revolução, cujo dirigente e fundador, o general Cándido Aguilar, renunciou
a sua própria candidatura em Maio de 1952, para unir-se em coalizão a
Henríquez. Por sua parte, Lombardo Toledano era também candidato do
Partido Comunista e do Partido Operário Camponês Mexicano, ambos sem
registro oficial.193

191
GONZÁLEZ, op. cit., p. 61.
192
Em 1951, Efraín González foi o primeiro candidato à presidência pelo PAN.
193
SERVÍN, Elisa. Las elecciones presidenciales de 1952. Disponível em: < http://www.historicas.unam.mx/
moderna/ehmc/ehmc23/285.html> . Acesso em: 12/12/13.
103
No dia 6 de julho, anunciou-se a vitória de Adolfo Ruíz que recebeu 74,32% dos votos
mexicanos. O sétimo presidente eleito pelo PRI. No dia seguinte, houve manifestações e
discussões entre lideranças políticas, uma vez que a oposição acreditava ter ocorrido
(novamente) fraude eleitoral. No dia 1 de dezembro de 1952, portanto, o presidente recém-
eleito publicou uma lista de todos os seus bens, para que, assim, a população soubesse o que
possuía antes de assumir a presidência. Depois, solicitou o mesmo ao seu gabinete, com mais
de 250 mil funcionários, pois, segundo ele, iniciar-se-ia uma época de “honradez”194. Isso
ocorreu, sobretudo, devido à incredulidade da população no governo priista, já que o período
antecessor havia aniquilado a pouca confiança que sobrava.

Ainda em julho, Ruíz Cortines enviou ao Congresso uma proposta que eventualmente
reformou os artigos 34 e 115 da Constituição de 1917, concedendo o direito de voto à mulher.
No dia 11 de dezembro, anunciou o Plano Agrícola de Emergência, para elevar a produção e o
cultivo de produtos alimentícios básicos195. Por fim, reorientou a exploração de petróleo,
construindo as refinarias de Azcapotzalco e Pemex.

Durante a mesma presidência, as distribuições de terra foram reduzidas pela metade,


no que se referem às já diminutas distribuições dos governos camachista e alemanista. No
entanto, mantiveram-se as construções de obras públicas, como: as escolas primárias e
secundárias, a malha ferroviária, as rodovias e as represas (a famosa represa Falcón foi
inaugurada no mês de outubro de 1953). Foi expedida uma lei que normatizou as
responsabilidades do serviço público, uma vez que existia um nível crítico de corrupção nesse
setor. Estabeleceu-se um programa social de habitação pelo Instituto Nacional de Habitação.
Reduziram-se os impostos, como o Imposto sobre as Pessoas (ou, em espanhol, o Impuesto
Sobre la Gente, ISR), diminuindo o custo de vida. Reduziram-se também os gastos públicos,
para que se pudesse resgatar a economia e, nesse sentido, desacelerar a inflação monetária.
Criou-se ainda a Comissão Nacional de Energia Nuclear, com o intuito de que o país
avançasse nessa área. Finalmente, concretizou-se o programa “Marcha ao mar”, no qual se
promoveu a exploração consciente das zonas costeiras nacionais.

Esse período não foi somente de “bem-aventuranças”, muito pelo contrário. Ao longo
da presidência, Ruíz Cortines aumentou o controle do movimento camponês e operário e, para

194
ALEMÁN, Miguel Valdés. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
195
Cf. BEEZLEY, William; MEYER; Michael. The oxford history of Mexico. New York: Oxford Press, 2010;
HODGES, Donald. Mexico under siege. London: Zed books, 2002; PANSTERS, Wil G. Violence, coercion
and state making in twenty century Mexico. California: Stamford University Press, 2012.
104
isso, inaugurou a Confederação Revolucionária de Operários e Camponeses (CROC). A
confederação implicou numa instituição pró-governo “aglutinadora” de vários sindicatos, a
principal oposição à CTM. Deste modo, o presidente retirou (astutamente) da cena política as
principais ameaças ao Estado196.

A partir de 1954, o peso desvalorizou ainda mais em relação ao dólar, que havia
chegado a 8,65 e, agora, passava a 12,50. Essa situação diminuiu o poder aquisitivo da
população, que já não era grande, e incitou ameaças de greve geral. No início de 1955,
convocaram-se as eleições para deputados, governadores e senadores. E, mesmo com as
medidas impopulares tomadas pelo governo priista, o partido já havia incorporado em suas
filas milhões de charros e mulheres, equivalendo, naquele momento, aos votos da conquista.
Apesar de expressiva, a supremacia do PRI não se fez sentir em todo o território. No Distrito
Federal, por exemplo, ficou evidente o favoritismo panista durante as eleições municipais,
que havia recebido 43% dos votos.

Nos meados de 1958, ocorreram três manifestações importantes no país, o que


definitivamente invalidou a perspectiva tradicional do movimento estudantil de outubro de
1968 como o único questionador do regime priista. A primeira delas consistiu numa invasão
de terras da região norte pela União Geral dos Operários e Camponeses do México
(UGOCM), a qual o governo coagiu e desocupou prontamente. Ocorreu também o levante dos
professores cardenistas que criticavam o governo priista vigente e, portanto, conclamavam a
uma greve geral. Esse movimento foi reprimido pela força policial e militar, mas, diante da
condenação pública, o governo decidiu negociar e, por fim, concedeu o aumento salarial
solicitado. Houve ainda a greve das ferrovias, a mais perigosa à estabilidade política
nacional197. Foi duramente reprimida e solucionada apenas no governo de López Mateos, que,
até então, atuava como Secretário do Trabalho e, por isso, lidava diretamente com as greves.

Conforme Lorenzo Meyer,

(…) as políticas de Ruíz Cortines continuaram insistindo no


desenvolvimento industrial através da proteção ao empresário privado e da
manutenção de um bom ritmo no gasto governamental, sim modificar os

196
Além dessa confederação, cabe-nos aqui informar que o próprio PRI foi outro ponto de apoio fundamental ao
governo na desmobilização dos grupos operários e camponeses.
197
Cf. CORDOVA, Arnaldo. La política de masas y el futuro de la izquierda en México. Primera
Reimpresión. México: Era, 1986; ALEGRE, Robert F. Las rieleras: gender, class and memory in the railroad
movement, 1958-1959. EUA: University of Nebraska Press, 2013; SERVIN, Elisa; REINA, Leticia. Cycles of
conflict and centuries of change.EUA: Duke University Press, 2007.
105
mecanismos de distribuição do ingresso, exceto por certo controle de preços
sobre os artigos de consumo popular.198

No fim de seu mandato, Ruíz Cortines introduziu uma prática política que ficou
conhecida como “tapadismo”. Esse método permitia que o presidente vigente escolhesse seu
sucessor. Antes disso, o cargo de Secretário de Governo era muito visado, pois sabia-se – “à
boca pequena” – que o secretário vigente teria grandes chances de ser o próximo candidato à
presidência nacional. No tapadismo, a escolha do candidato ficava às escuras, o que
provocava uma luta desenfreada entre os possíveis competidores. A disputa ficava cada vez
mais intensa ao aproximar-se a data do “Quinto Informe Presidencial”, momento no qual o
presidente em vigência anunciava seu sucessor.
Para González Casanova,

Todas as forças políticas do país, as de oposição e as de governo, dedicaram-


se, então, a discutir bizantinamente o programa de governo exigido pela
conjuntura nacional, tendo como único resultado que o presidente Ruíz
Cortines pudesse decidir, sozinho e sem qualquer discórdia pública, quem
seria seu sucessor. Começou assim a tradição de unanimidade na decisão
maior da política mexicana que é, como em toda parte, quem vai herdar o
poder, quem e como o transmite. Esta é uma das chaves da estabilidade
política do milagre mexicano: seu eficaz mecanismo sucessório.199

De acordo com Lorenzo Meyer, o principal problema deste sistema inventado pelo
governo priista residiu no fato de que o candidato “destapado”, no fim do quinto ano de
governo, dificilmente, se faria conhecer. Sua verdadeira moral e capacidade política
apareceriam no decorrer de seu próprio mandato presidencial.
Como afirma,

Uma das peculiaridades do nosso sistema político, é que, até agora, a


verdadeira identidade do tapado não aparece ao descobri-lo, senão tempos
depois, quando já é tarde para reagir. Quando o presidente saliente deu o
sinal e a maquinaria do imparável partido oficial continuou a andar, o
cidadão comum pretende conhecer algo, mas não muito, sobre a verdadeira
natureza e projeto político de quem será distinto. Em verdade, o “destape”,
o curriculum oficial que a imprensa publica e os discursos e gestos da
campanha eleitoral que se segue, não permitem revelar a verdadeira e intima

198
MEYER, Lorenzo. La encrucijada. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/documentos/pdf/9_
la_encrucijada.pdf>. Acesso em: 12/12/13. p.1277.
199
MEYER, Lorenzo. La encrucijada. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/documentos/pdf/9_
la_encrucijada.pdf>. Acesso em: 12/12/13. p.1277.
106
identidade de quem até pouco tempo era um leal e fiel colaborador e
interprete do Senhor presidente.200

Mediante isso, Ruíz Cortines contrariou a tradição do partido e não nomeou como
candidato, o Secretário de governo Ángel Carbajal. No dia 4 de novembro de 1957, anunciou
a candidatura de Adolfo López Mateos ao período de 1958-1964, recebendo o apoio do
Partido Autêntico da Revolução Mexicana (PARM), Partido Popular (PP) e Partido
Nacionalista Mexicano (PNM). E, sendo assim, o principal opositor foi o empresário Luís
Héctor Álvarez (PAN).

No dia 6 de julho de 1958, López Mateos foi eleito presidente do México, com
90.43% dos votos (6.767.754 votos). Luís Héctor recebeu somente 9.44% dos votos (705.303
votos) e os candidatos “não-oficiais” receberam 0.13% da votação. Alguns dias depois, o
PAN falou mal do processo eleitoral, afirmando que as autoridades haviam cometido
“ilegalidade parcial” e/ou “desenfreada e pública atividade imposicionista”201, logo, as
eleições eram ilegítimas.

Em 1 de dezembro de 1958, contudo, a cerimônia de posse ocorreu e López Mateos


assumiu a presidência, demonstrando-se um presidente muito carismático. Durante o discurso,
afirmou que combateria as desigualdades sociais, mas, rememorou que o país vivia um
período único da história mexicana, com estabilidade política e progressivo crescimento
econômico. Conforme Aguilar e Meyer, esse período de crescimento e estabilidade significou,
em verdade, a consolidação política de um monólogo institucional. Por essa razão, os autores
afirmam que:

(...) o que “ajudou” a estabilidade política foi o monólogo institucional. Em


1940 e 1968, o México viveu o triunfo de uma espécie de monólogo
institucional. Todas as negociações deviam dar-se no interior do aparelho do
Estado através de seus canais e instrumentos, com suas organizações sociais
e piramidais, seu partido rolo-compressor e suas autoridades arbitrárias. O
que fugia dessas normas de negociação intramuros era violentamente
reprimido: vide greves ferroviárias e invasões de terras da UGOCM no Norte
(1958).202

200
MEYER, Lorenzo. El tapadismo, juego perverso. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/docu
mentos/pdf/21enero1993.pdf>. Acesso em: 12/12/13.
201
LÓPES, Adolfo Mateos. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
202
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 85
107
López Mateos assumiu uma política mais “social”, em relação aos demais presidentes.
Lançou o programa social de “Reforma Agrária Integral”, que distribuiu 16 milhões de
hectares aos camponeses, o maior número desde Lázaro Cárdenas. No âmbito urbano, houve
ainda a reforma do 123° artigo Constituição de 1917, para que, assim, se reajustasse o salário-
mínimo203. Mas, continuou com as construções e reformas estruturais, como aeroportos,
malha ferroviária, redes elétricas, telefônicas e telegráficas. Ao longo do seu mandato,
inaugurou ainda o Museu de Antropologia, o Museu do Vice-Reinado no Convento de
Tepotzotlán, o Museu da Cidade do México, o Museu de Arte Moderna e o Museu de
Ciências Naturais. Estabeleceu também a Comissão Nacional de Livros e Textos Gratuitos
(conaliteg), o Centro Hospitalar de 20 de Novembro, o Conjunto Urbano Nonoalco
Tlatelolco, o Conjunto Habitacional Unidade Independência e o Instituto Politécnico
Nacional.

No início de 1959, a greve ferroviária ainda não havia cedido às pressões do governo
e, por isso, continuava a todo vapor. Mas, para que a situação fosse resolvida, ordenou-se a
ação da força policial, o que resultou na prisão e/ou no desaparecimento de seus líderes
políticos. Os líderes aprisionados acabaram acusados de dissolução. Com isso, acreditava-se
que ela havia acabado. Todavia, em março, iniciou-se outra greve e esta se alastrou com
maior força pelo território nacional. No mês de abril, outros manifestantes foram presos pelo
mesmo delito. No entanto, os ferroviários logo acabaram jugulados pela polícia mexicana, o
que levou, inclusive, ao assassinato do líder Rubén Jaramillo e sua família, executados em
1961. Por essa razão, afirmamos que, se houve algo constante nesse período designado como
a “era de ouro” do México, foi – indubitavelmente – o autoritarismo; um produto da tradição
autoritária do país, mas presente, nesse período, em toda a América Latina.

No mais, López Mateos viajou bastante ao exterior para divulgar a cultura mexicana.
Isso aumentou a exportação em 32% e as importações em 9.8%; reduzindo o saldo negativo
da balança comercial. Afinal, firmaram-se tratados comerciais com a Grécia, a Indonésia, a
Itália e a Polônia. Além disso, recebeu a visita do presidente estadunidense J. F. Kennedy que,
após a vitória da Revolução Cubana, ofereceu a “Aliança ao Progresso”, cujo propósito fora,
explicitamente, agenciar reformas políticas e sociais e, implicitamente, evitar outras
insurreições na América Latina.

203
Cf. HERZOG, José Silva. Una vida en la vida de México. Segunda Edición. México: Siglo XXI, 1993;
CAREY, Elaine. Plaza of sacrifices: gender, power and terror in Mexico of 1968. EUA: University of New
Mexico Press, 2005.
108
No início de 1960, o presidente ainda ofereceu o país para sediar os XV Jogos
Olímpicos. Em seguida, nacionalizou a empresa estrangeira “Mexican Light and Power Co”,
vigorante no país desde 1898, que passou a chamar-se “Companhia Mexicana de Luz e
Força”. Essa nacionalização ocorreu inesperadamente, mas ainda mais inesperadas foram suas
normas que previam a distribuição de uma parte do lucro ao operariado e uma bonificação no
fim de cada ano.

Em 1962, foram reformados os artigos 54 e 63 da Constituição de 1917, para que,


segundo López Mateos, “vigorasse a vida democrática”204. Essas duas mudanças firmavam
que os partidos políticos que tivessem 2,5% das votações nacionais teriam direito a eleger
cinco deputados à Câmara. Assim, a cada meio por cento a mais se arrumaria mais um
deputado. Logicamente, isso indicava que outros partidos mexicanos, além do PRI, teriam
maior representatividade no cenário político.

No ano de 1963, o presidente López Mateos tomou algumas medidas a fim de


distanciar os ex-presidentes do Executivo, afinal, eles cumpriam o papel de Conselheiro
Político do presidente vigente e, por isso, envolviam-se demasiadamente nas questões
políticas do país. Alemán e Cárdenas, por exemplo, pressionavam-no para que tomasse
posturas políticas mais condizentes com suas respectivas ideologias, palpitando sobre todas as
questões do Estado, assim como, coagindo-o quanto a certos projetos sociais. Cárdenas,
inclusive, chegou a exigir publicamente algum posicionamento do governo em relação ao
delito da dissolução. A partir disso, López se reuniu com os ex-presidentes e lhes concedeu
tarefas individuais no Estado, que iam desde o cargo de Conselheiro Informal a Conselheiro
do Gabinete da Cozinha, com o intuito de limitar seus aconselhamentos a um tema específico.
Sendo assim, no mês de dezembro de 1963, outorgou cargos públicos a todos os ex-
presidentes: Aberlardo L. Rodríguez, Adolfo Ruíz Cortinéz, Emilio Portes Gil, Lázaro
Cárdenas; Miguel Alemán, Pascual Ortiz Rubio e Roque González Garza.

Na VII Convenção do PRI, em 17 de novembro de 1963, anunciou-se a candidatura


presidencial do Secretário Gustavo Díaz Ordaz Bolaños, considerado um dos líderes da ala
conservadora do partido. Esse novo candidato advinha de família tradicional mexicana, a
mesma de Porfírio Díaz, e, muito embora fosse tio do carismático artista Roberto Gómez
Bolaños, criador do personagem Chaves, possuía a fama de carrancudo e maçante. Após o
anúncio, afirmou em discurso: “Com a Constituição como guia, sem admitir retrocessos nem

204
LÓPES, Adolfo Mateos. Reforma e l e c t o r a l p a r a v i g o r i z a r l a v i d a d e m o c r á t i c a . In: CARMONA,
Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
109
claudicações, muito menos absurdas precipitações, o povo mexicano marcha até as grandes
metas que a revolução lhe traçou; a paz e a liberdade e o progresso para melhor realizar a
justiça social”205.

Sua candidatura recebeu o apoio do PPS206 e do PARM e, em maio de 1964, recebeu o


apoio de Cárdenas, que afirmou: “Nós, os homens da revolução, senhor licenciado, desejamos
que o senhor realize seu programa social, que o povo conheceu por você mesmo"207.Cabe
aqui mencionar, porém, que Cárdenas era, no período, a maior autoridade moral da esquerda
no país, o que, dependendo do líder político, poderia significar uma forte influência no
interior do Estado.

Conforme Medina Peña,

Em 1964, López Mateos entregou a presidência à Díaz Ordaz. López Mateos


era muito carismático e tinha grande percentagem de aceitação popular, já
Díaz Ordaz era carrancudo e muito pouco querido. O contraste do sucessor
não poderia ser mais marcado. Formado na irritadiça escola de política de
Camacho, Díaz Ordaz foi um homem autoritário, sem carisma e de uma
arraigada atitude conservadora, oposto ao seu antecessor. De qualquer modo,
a questão é que a personalidade de Díaz Ordaz, que Cosío Villegas chamou
de estilo pessoal de governar, provou ser um elemento fundamental para os
eventos políticos ao longo do sexênio e as consequências posteriores.208

No início de 1964, muitos grupos políticos declararam-se contra a candidatura de Díaz


Ordaz. O historiador Jacinto Rodríguez Murguía encontrou no Arquivo Geral da Nação o
artigo anônimo “O PRI e a propaganda, uma tirania impossível”. Nesse documento, o autor
desconhecido elaborou severas críticas ao governo priista, afirmando-o, principalmente, um
governo democrático de tirania invisível.

Como se nota a seguir:

Como complemento deste capítulo e para acentuar a necessidade de que o


PRI disponha de um instrumento organizado tecnicamente que desenvolva

205
DÍAZ, Ordaz. Discurso de Díaz Ordaz, como candidato del PRI a la presidencia de la
R e p ú b l i c a . In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP,
2015.
206
O Partido Popular decidiu, em 1960, transformar-se em uma organização marxista-leninista e agregar o
nome “socialista”, mediante o qual se tornou: Partido Popular Socialista. Configurou, contudo, na única opção
oficial à esquerda mexicana, já que o Partido Comunista Mexicano (PCM) foi legalizado somente em 1979.
207
HERZOG, op. cit., 1993. p. 35.
208
MEDINA, op. cit., p. 159.
110
em seu favor uma propaganda institucional e não acidental, se elucubra esta
idéia: pela ação da propaganda política podemos conceber um mundo
dominado por uma tirania invisível que adota a forma de um governo
democrático. (…) As ditaduras reprimem pela força as ideias e as expressões
populares. Em um governo democrático, este controle deve alcançar
qualidade de arte, toda vez que intente manejar cidadãos livres, capazes de
se resistir a ação das autoridades e capazes também de chegar o contágio de
sua resistência aos demais.209

A situação estava tão crítica que o presidente do próprio PRI, Carlos Alberto Madrazo,
em 1964, acabou propondo uma nova reforma partidária. Suas propostas foram modestas, mas
fortes o suficiente para convulsionarem do interior partido. Afinal, seus correligionários não
estavam “preparados” para debater a representatividade priista e a ausência de contato entre
as bases e o povo. Madrazo renunciou ao cargo, em 1965, e, posteriormente, tornou-se um
forte personagem político, mas, morreu, em 4 de julho de 1969, em um acidente aéreo, que
deu abertura, inclusive, a teorias conspiratórias.

No dia 5 de julho de 1964, as eleições garantiram a vitória de Díaz Ordaz, que recebeu
8.368.446 de votos (88.81%). O opositor José González Torres (PAN) recebeu 1.034.337
(10.97%) e os outros candidatos, não oficiais, receberam apenas 19.412 votos (0.22%). No
mesmo dia, aconteceu um terremoto que provocou sérios danos às regiões de Guerrero e
Michoacán. Neste ponto, vale ressaltar que, no período, ocorria o enrijecimento das políticas
com os EUA em toda a América Latina, sobretudo, devido ao triunfo da Revolução Cubana e
a disseminação do Movimento de Libertação Nacional. Mesmo assim, Díaz Ordaz foi
convidado pelo presidente estadunidense Lyndon B. Johnson, para visitar seu rancho.

No início da presidência Díaz Ordaz, o sociólogo Pablo González Casanova publicou


um livro que incendiou o México. Em 1965, González publicou “A democracia no México”,
que, segundo Medina Peña, para a época foi ambicioso e insólito210. Mas logo se tornou
cartilha de alguns dos movimentos da nova esquerda, que surgiram sob a liderança de
Cárdenas. Seu principal intuito foi compreender as estruturas de poder no México e, por isso,
chegou a apontar o autoritarismo, o presidencialismo e o tradicional modelo econômico que
havia desestabilizado o país. Tornou-se, assim, a “bíblia” daqueles que ambicionavam uma
argumentação astuta acerca da democracia mexicana.

209
A N Ó N I M O . E l P R I y l a p r o p a g a n d a . I n: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
210
MEDINA, op. cit., p.159.
111
Essa nova esquerda fundou o Movimento de Libertação Nacional (MLN) que tinha por
objetivo organizar toda a esquerda mexicana. O movimento se organizou mediante o
manifesto de Lázaro Cárdenas, morto em 1970, que chamava a esquerda a se mobilizar dentro
de um movimento de libertação. Segundo Medina Peña, “as movimentações, contudo, logo se
restringiram ao círculo universitário”211. Seus integrantes haviam fundado a Escola Nacional
de Ciências Políticas e Sociais, UNAM, assim como, agrupavam-se em torno de revistas e
periódicos, como o “El espectador”, a “Revista de la Universidad”, a “Plural” e a “Vuelta”.
Eram eles: Carlos Fuentes, Enrique González Pedrero, Francisco López Cámara, Victor
Flores Oléa e Octavio Paz. Pode-se afirmar que a principal oposição ao governo encontrava-
se, portanto, nas universidades. Por conta disso, Díaz Ordaz praticamente congelou os
subsídios às universidades, embora o aumento constante da população estudantil tenha
reduzido os ingressos em tempos reais. A oposição, contudo, não se resumiu somente à
academia e abrangeu também outra parcela da classe média bem-educada: enfermeiros,
médicos e residentes.

Para Medina Peña,

Desde 1965, o novo governo atrapalhado na lógica de desenvolvimento


exigia que se mantivesse intocada a lógica da legislação fiscal, muito
favorável ao setor privado, e iniciou seu mandato com uma política de
limitados gastos públicos, principalmente no q se refere à saúde e a
educação. Nesse caso, ainda, quem perdeu mais foi à universidade. Onde a
nova esquerda e o movimento de libertação estavam concentrados.212

No período de novembro de 1964 a outubro de 1965, ocorreu um levante de médicos,


residentes, estudantes e enfermeiras, que exigiam melhores condições de trabalho. Para tanto,
iniciaram um movimento social que se alastrou por todo o país, com o intuito de denunciar
um dos elementos base do regime PRI: o corporativismo. Conforme o historiador Horcasistas
Pozas, esse foi um movimento novo no México, com que “iniciou uma nova tradição de
mobilização de grupos urbanos, que não buscavam reformar os sindicatos existentes, mas
criar novas e autônomas organizações de trabalho fora da estrutura corporativista do
Estado”213.

211
Ibidem, p. 163.
212
MEDINA, op. cit., p. 164.
213
POZAS–HORCASITAS, Ricardo. La democracia en blanco: el movimiento médico en México, 1964–
1965. México: Siglo XXI Editores, 1993. p.15.
112
O movimento médico começou em novembro de 1964, após os estudantes, as
enfermeiras e os residentes do prestigiado Hospital “20 de Noviembre”, localizado na Cidade
do México, serem informados de que não receberiam a bonificação anual. Sendo assim,
entraram em greve e ainda criaram um grupo político, com a integração dos profissionais de
saúde que se interessavam pelas melhorias sociais. Na ausência de diálogo com as autoridades
do hospital, os médicos decidiram deixar suas atividades regulares, para atender somente os
casos de emergência. Passaram-se somente algumas horas até que todos fossem demitidos.
Isso produziu uma grande reação de solidariedade de outros hospitais (como o Hospital
Juárez, Hospital Geral e o Hospital São Fernando), que também aderiram à greve. Mas, em 26
de agosto de 1965, a polícia atropelou a paralisação, aprisionando mais de 500 médicos, dos
quais 150 foram ameaçados de morte. Os líderes Emílio Martínez Manatou, Faustino Pérez,
Norberto Treviño e José Castro, abandonaram o país. Por fim, em outubro, o movimento
“Blanco”, como o chamavam, havia acabado, mas deixava um importante recado: a academia
não era a única insatisfeita com o governo mexicano.

Durante a presidência de Díaz Ordaz, ocorreram outras manifestações. Mas, as


principais delas ocorreram por conta dos grupos estudantis, que, inclusive, sofreram com
repressões violentas, com direito a execuções e prisões. A manifestação mais conhecida
aconteceu no dia 2 de outubro de 1968, na Praça das Três Culturas (e conhecida também
como a Praça de Tlatelolco), Cidade do México (DF). Em meados do mesmo ano, a polícia
passou a invadir as instituições de ensino superior com forte movimento estudantil, para
assim, aprisionar, assustar e reprimir quaisquer ameaças. Por essa razão, em 26 de julho de
1968, a Federação Nacional de Estudantes Técnicos (FNET) organizou uma manifestação
estudantil com o intuito de denunciar as invasões das escolas 2 e 5 do Instituto Politécnico
Nacional (IPN). Aproximadamente cinco mil estudantes se uniram na Praça da Ciudadela
para denunciar as invasões, porém, o resultado disso levou a várias horas de confronto entre
estudantes e policiais. Alguns dias depois, os estudantes reuniram-se em torno das abóbadas
1, 2 e 3 da Escola Nacional Preparatória (o antigo Colégio de San Ildefonso) a fim de
arquitetar a próxima ofensiva. No dia 29 de julho, portanto, aconteceu um enfrentamento
muito mais agressivo que o anterior. No dia 30, as forças armadas intervieram, o que resultou
em muitos estudantes feridos, desaparecidos e aprisionados. A partir disso, o movimento
estudantil passou a sofrer coerções muito mais violentas, justificando, portanto, o desastroso
efeito das manifestações de 23 a 27 de setembro.

113
No dia 2 de outubro de 1968, estudantes, em sua maioria da classe média, juntamente
ao setor operário, manifestaram-se contra o modelo vigente, alegando que ele reafirmava os
laços de dependência externa. Reivindicavam também o estabelecimento dos valores
democráticos da Constituição de 1917, deixando implícito que o governo priista desonrava a
revolução. Díaz Ordaz ordenou que a polícia realizasse o cerco da praça, sobretudo, o topo
dos prédios, para que, então, atirassem contra os manifestantes. Essa levante acabou
resultando em um sangrento embate chamado pela historiografia de “Massacre de Tlatelolco”
ou “A noite de Tlatelolco”, em referência ao livro de Elena Poniatowska.

Não se sabe ao certo o que ocorreu. Especula-se, hoje em dia, acerca de uma possível
dissimulação da violência universitária, para assim, assaltá-los e aniquilá-los. Outros
mencionam atos de provocações entre grupos políticos, que teriam levado ao enfrentamento
descontrolado. Fala-se também em um complô externo, cujo principal culpado seria o
próximo presidente mexicano Luís Echeverría Álvarez. Recentemente, surgiu a interpretação
de que ocorrera uma falha na comunicação entre a polícia e as forças armadas, sendo que a
ordem principal seria desalojar a praça. Seja qual for a razão, o episódio mudou o quadro
político mexicano. Depois do ocorrido, surgiu uma série de partidos e organizações políticas,
como o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e
o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST). Surgiram também os grupos políticos Liga
Operária Marxista (LOM) e Ponto Crítico (PC).

Conforme Medina Peña,

A maioria das interpretações parte do pressuposto de que um presidente de


poder ilimitado, encarnou a maldade e resolveu aniquilar toda uma geração.
Hoje em dia aparecem interpretações que falam de erros de ambos os lados,
do Conselho Nacional de Huelgas e do governo. Muitos falam que o atrito
começou, em 1966, devido à greve contra o diretor do campus, César
Sepúlveda e que terminou com a renúncia do reitor Ignácio Chávez,
respeitado pelo campus, pela esquerda independente e pelo grupo médico.
Também falam que poder ter começado pela briga de sucessão entre o
médico, adorado pela esquerda independente, Emilio Martinez Manatou, e o
advogado Luís Echeverría, que vinha de um grupo conhecido por querer
crescer na faculdade a qualquer custo.214

O desfecho da manifestação de 1968 foi eventualmente qualificado pela historiografia


como “massacre”, no sentido de ter sido uma ação policialesca responsável pela execução de

214
MEDINA, op. cit., p. 211.
114
muitos estudantes universitários. Depois disso, as “imagens” do PRI e do presidente ficaram
absolutamente destruídas. Em verdade, Díaz Ordaz já não era de altos índices de aceitação
popular e, por isso, o sucedido agravou ainda mais sua situação. Esse episódio estabeleceu um
marco na história do México que mudou a forma como se sentia e se entendia a Revolução
Mexicana. E, conforme Barbosa, a repressão governamental trouxe grande desilusão, o que
motivou a busca por uma nova compreensão do Estado pós-revolução e incentivou a
revalorização dos projetos vencidos215.

Para Aguilar Camín e Lorenzo Meyer,

O 2 de outubro de 1968 assinalou o início de uma nova crise no México.


Revelou um momento em que o país deixou de celebrar e buscar as
conquistas e os milagres para começar a se confrontar diariamente com as
insuficiências silenciadas e os fracassos. Não foi um período de crise
estrutural que colocasse em dúvida a existência da nação, mas de crise
política, moral e psicológica. A primeira rebelião como expressão dessa crise
foi da elite juvenil. Foi a primeira do México urbano e moderno. E os
estudantes e os profissionais recém-formados eram prova de que o país
agrário, provinciano, priista e tradicional ia ficando para trás. Os rebeldes de
1968 eram filhos e filhas da classe média gestada pelas 03 últimas décadas.
O massacre de Tlatelolco representou o choque de uma sensibilidade política
e social imobilista e monolítica com as testemunhas frescas e irredutíveis de
uma realidade desnacionalizada e dependente, em rápida transculturação
neocolonial, extraordinariamente sensível às causas e aos símbolos que lhes
eram contemporâneos. A repressão de 1968 e o massacre de Tlatelolco
foram as respostas petrificadas do passado a um movimento que recolhia as
pulsões do futuro, que era em si mesmo a presença embrionária de outro país
e outra sociedade, cujas flutuações principais seriam cada vez mais
difíceis.216

Por fim, o período de 1940 a 1968 foi designado pela historiografia como a “Era de
ouro” pela sua relativa estabilidade política e progressivo crescimento econômico, que, como
exposto anteriormente, estabeleceu uma espécie de monólogo institucional, com severa
coerção aos movimentos sociais. Nesse cenário, a indústria avançou relativamente e isso
gerou empregos. Empregos esses que foram alvos de greves reivindicadoras por melhorias no
próprio ambiente de trabalho e nos salários. Construíram-se novas estradas de ferro, redes
elétricas e rodovias; o mesmo ocorreu com a educação e a saúde. Devido ao crescimento das
zonas urbanas, surgiu uma ampla classe média, que se dividiu quanto ao governo priista.
Àqueles que não estavam à margem da sociedade ajuizavam viver um momento próspero. E,

215
BARBOSA; LOPES; op. cit., 2001, p. 163-198.
216
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 271.
115
àqueles que estavam à margem, acreditavam viver um período nocivo à democracia
mexicana.

Para Aguilar e Meyer,

Quanto ao crescimento econômico, o período de 1940 a 1968 é o da


construção da base industrial “moderna” do país, período em que se
aceleram a substituição de importações, a subordinação da agricultura à
indústria, a urbanização, o crescimento sustentado de 6% anuais em média e
o equilíbrio de preços e salários. De 1940 a 1960, o México foi se tornando
numa sociedade cada vez mais urbana e num ritmo tal que acabaria
superando as previsões e a capacidade das autoridades para dar uma forma
ordenada aos grandes aglomerados urbanos, particularmente à capital. A
tônica da vida cultural, social e econômica, foi a mudança, a transformação
acelerada e, inclusive, caótica do entorno material e psicológico dos
mexicanos. Estavam à sombra da revolução.217

Nos meados da década de 1960, portanto, aumentaram-se os questionamentos em


relação à estabilidade política priista e ao crescimento econômico, que não havia
encaminhado a um desenvolvimento pleno, como se imaginava. Os antigos problemas sociais
persistiam e, muito pior, agregavam-se outros novos, sendo resultado da modernização
induzida a qualquer preço. Após 1968, a consciência nacional ficou abalada, passando a
denunciar constantemente as arbitrariedades e o corporativismo priista. No final de seu
mandato, Díaz Ordaz percebia que a recuperação do PRI no cenário político mexicano
dependia inteiramente de seu sucessor, Luís Echeverría.

1.5 O esvaecimento do milagre (1968-2000)

Os últimos anos do período histórico denominado “Era de ouro” ou “O milagre


mexicano” (1940-1970) resultaram em um processo de “autocrítica” da sociedade, que passou
a denunciar as oligarquias enriquecidas no pacto do “desenvolvimento a qualquer custo”. Isso
estimulou, consequentemente, o inconformismo. A partir da década de 1970, portanto,
iniciou-se outro período histórico, que se convencionou chamar “esvaecimento do milagre”,
em alusão à queda do antigo programa priista de crescimento econômico e estabilidade
política. Após Díaz Ordaz (1964-1970), podemos elencar os vindouros sexênios do seguinte

217
Ibidem, p. 271.
116
modo: Luís Echeverría Álvarez (1970-1976), José López Portillo (1976-1982), Miguel de la
Madrid Hurtado (1982-1988), Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) e, finalmente, Ernesto
Zedillo Ponce de Léon (1994-2000).

É importante lembrar, entretanto, que essa “aversão” ao regime priista não começou
apenas com o movimento estudantil de 1968, como afirma a historiografia tradicional. Esse
episódio do movimento estudantil representou, em verdade, uma tomada de consciência da
classe média mexicana, que, após agressões, execuções e exílios, se levantou em oposição ao
governo, questionando a democracia, a desvalorização do peso, os escândalos de corrupção, o
“delito da dissolução”, o próprio regime priista e a violência indiscriminada. Ao longo de
muitos anos, porém, a historiografia afirmou que tal tomada de consciência estudantil havia
sido a única conscientização do país e, por isso, consistiria em um grande marco da história
mexicana. Não obstante, precisamos lembrar dos grupos políticos que se formaram e se
organizaram no fim da década de 1950, como os camponeses nortistas da UGOCM e os
ferrocarrilheiros. Isso pode ter sido esquecido muito possivelmente por não serem da elite
acadêmica.

O período do “esvaecimento” começa, então, com a presidência de Echeverría


Álvarez. Nas eleições de 5 de julho 1970, anunciaram a vitória do priista (e que, além do PRI,
recebeu o apoio do PPS e PARM), com 11.708.065 votos (82.83%). Seu principal opositor
Efraín González Morfín (PAN) recebeu 1.945.070 votos (13.78%). Já os votos nulos somaram
178.857 (2.12%) e os de candidatos “não-oficiais” 89.406 (1.27%).

No início de seu mandato, Echeverría defrontou-se com uma crise dos setores
“modernos”, que, aliás, o próprio modelo priista de “crescimento a qualquer custo” havia
produzido. Os maiores beneficiários desse modelo – banqueiros, empresários e comerciantes
– estavam irritados com o “populismo”218 echeverrista (mais verbal que real). Por essa razão,
planejaram um golpe financeiro, em 1976, ocasionando a retração dos investimentos e fuga de
capitais, que teve como desfecho, uma desvalorização ainda maior do peso.

Na época, inaugurou-se a Comissão de Estudos do Território Nacional, o Instituto de


Comércio Exterior e a Secretaria de Turismo e Reforma Agrária. Além disso, o governo
comprou empresas que estavam em processo de falência, para que, assim, os empregos

218
Esta palavra está entre aspas, pois compreendemos que ela representa uma base conceitual complexa e
delicada que deve ser mais bem estruturada antes de ser utilizada em textos acadêmicos. Não obstante isso, nossa
pesquisa científica não se aproxima de tal tema e por conta disso, não nos aprofundaremos na questão. Mas,
deixamos aqui nossa compreensão quanto ao enredamento que representa.
117
resistissem à crise. Mas esse esquema acabou não dando certo por conta da corrupção
escancarada. Logo, o governo foi obrigado a abandonar o câmbio fixo adotado no fim da
década de 1950, que estabelecia o dólar estadunidense com um valor equivalente a 12,50
pesos mexicanos e, por isso, no último sexênio, o câmbio chegou a 20 pesos por dólar,
aumentando a dívida externa219.

Após o episódio de 1968, aumentou-se a “guerra de baixa intensidade”, como chama


Medina Peña, na qual a repressão governamental buscou conter os movimentos da oposição
(ou melhor, o movimento de outros partidos e grupos políticos, que não o PRI), ocasionando a
execução, a tortura e o desaparecimento de muitas pessoas. Por outro lado, adotou-se uma
política progressista, que investiu em petróleo e energia elétrica e promoveu políticas de
cunho social, repartindo 16 milhões de hectares aos camponeses, assim como, garantindo
asilo político a cubanos, espanhóis e sul-americanos220.

Para Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, a presidência de Echeverría foi marcada por
uma severa crise econômica e política, que se agravou com o monopólio industrial, a queda da
produção agrícola, as invasões de terras e as greves gerais.

E, assim, continuam:

Por cinco anos o país foi afetado pela inflação, desemprego, endividamento
externo, contratação de crédito e a desconfiança do capital privado pelo
estilo “pseudo-populista” adotado pelo Echeverría. No entanto, o que foi
ruim para a economia, não foi ruim para a burguesia industrial, financeira e
agrícola do México. Os empresários e banqueiros mexicanos sempre tiveram
influencia sobre o Estado para obter o atendimento de suas demandas. Nos
anos setenta, aprenderam a regatear energicamente, em público, o que não
lhes era concedido amigavelmente em privado. Em 1973, a independência
política dos empresários, banqueiros e agricultores em relação ao Estado
gerou uma divergência aberta, que levou, inclusive, ao assassinato do
empresário Eugenio Garza Sada do grupo Monterrey.221

Essa contenda aberta entre governo e elite empresarial ocorreu, sobretudo, devido às
greves que se espalharam rapidamente por todo o território nacional, sem que o governo as
resolvesse de fato. Nesse primeiro sexênio, aconteceram 17 greves em importantes indústrias,

219
MEDINA, op. cit., p. 220. [O governo de Echeverría instaurou ainda um modelo econômico próprio chamado
desenvolvimento compartilhado Esse modelo ambicionava um grande desenvolvimento econômico, mas, com a
redistribuição de riquezas. No caso dos outros presidentes, fazia-se muita menção ao modelo do “nacionalismo
revolucionário”, especialmente nos governos de López Portillo e de la Madrid.]
220
MEDINA, op. cit., p. 220.
221
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 273.
118
como a Medalla de oro, a Nissan e a Rivetex. Pode-se afirmar, portanto, que se estabeleceu a
supremacia de Fidel Velásquez e seus companheiros da CTM. A principal delas ocorreu, em
1975, com a emergência do grupo sindical dos eletricistas, dando início àquilo que ficou
conhecido como a “Tendência democrática”. Tal movimento tornou-se o núcleo de
mobilizações operárias contra as seguintes questões: a burocracia sindical, as correntes
antinacionalistas, a esquerda ortodoxa e o isolamento das mobilizações populares. De acordo
com Aguilar e Meyer, “o governo não conseguiu manter o controle de toda a área do
proletariado industrial”222. E, com a inflação, quebrou-se o equilíbrio que existia nessa esfera
sindical: a garantia de salários e trabalhos estáveis e a rede de benefícios compensatórios
começaram a cambalear.

A retórica echeverrista inaugurou a noção de “abertura política”, o que ajudou


bastante nesse período de crise e conflito pós-1968. Nos discursos, Echeverría falava em
promover uma “abertura” na democracia mexicana, para que, assim, houvesse maior
tolerância à oposição e suas reivindicações. Isso ocasionou uma “transformação da linguagem
pública”, conforme Aguilar e Meyer, que, inclusive, “levou a uma surpreendente oxigenação
do ambiente, configurando, sobretudo, em uma reafirmação ideológica e institucional do
Estado mexicano, desgastado pela crise política de 1968”223.

O historiador Medina Peña complementa a informação acima assegurando que a


mudança mencionada acabou direcionando o governo priista aos meios de comunicação em
massa. Afinal, “buscavam um público que havia abandonado o Estado e seus meios
tradicionais de informação”224; e sendo assim, procuravam restaurar a credibilidade e
recompor sua audiência. Por isso, “a renovação dos instrumentos de legitimação ideológica
foi um aspecto importante dessa mudança e, nos anos 1970, o Poder Público colocou o maior
empenho no uso da publicidade e na comunicação de massa”225.

Logo, em 1971, essa “abertura política” foi colocada à prova.

O momento de maior credibilidade da abertura ocorreu na noite de 1971.


Na tarde desse dia, um grupo paramilitar, organizado secretamente por um
departamento governamental, dissolveu a pauladas e tiros, metralhadoras e
armas pesadas uma manifestação estudantil na Cidade do México. O
presidente Echeverría prometeu, pela televisão, que os culpados seriam

222
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 273.
223
MEDINA, op. cit., p. 277.
224
Ibidem, p. 220.
225
Ibidem, p. 220.
119
punidos. Esse foi um momento espetacular, porque provocou a destituição
de altos funcionários, entre eles o prefeito da Cidade do México, Alfonso
Martínez Rodríguez, embora a investigação nunca tenha sido concluída e os
responsáveis não tenham sido indiciados.226

No final de seu mandato, a PEMEX, inaugurada, em 1938, pelo ex-presidente Lázaro


Cárdenas, descobriu novas jazidas de petróleo, o que a colocou rapidamente no topo da lista
de exportadoras. No fim de 1975, o país retomou a conhecida estabilidade. Em seguida, o PRI
anunciou seu próximo presidenciável, o Secretário da Fazenda José López Portillo y Pacheco.
E, imediatamente, recebeu o apoio do PPS e PARM. Seu lema de campanha foi “A solução
somos todos” e, a partir de janeiro de 1976, incluiu uma estratégia de publicidade política que
aderiu aos logotipos, às correspondências, às persuasões telefônicas e aos comerciais, que se
declaravam contra a corrupção, a desunião nacional e o abstencionismo eleitoral.
López Portillo foi um “candidato-eleito”, pois sua principal oposição, o PAN, não
apresentou candidato à presidência, em razão de um duelo interno entre novos e velhos
correligionários. Concorreu apenas contra pequenos candidatos, os “não-oficiais”, como
Valentín Campa (PCM) e Pablo Emílio Madero (candidato independente). Sendo assim, nas
eleições de 04 de julho de 1976, López Portillo recebeu 16.727.993 de votos (92%)227.
O presidente recém-eleito assumiu o Executivo em meio a uma séria crise econômica.
Em discurso, chegou a responsabilizar todo o país pela situação e, assim sendo, pediu
paciência e compreensão, para que se colocasse em prática um novo plano de
desenvolvimento econômico, cujas etapas seriam divididas em três passos de dois anos cada
um: a) a recuperação, b) a consolidação e c) o crescimento acelerado228. Nota-se que, apesar
da crise, López Portillo tinha algumas questões a seu favor, como exemplo, seu carisma, que
rapidamente conquistou a simpatia popular. Outro fator importante residiu no fato de que,
concomitantemente à crise internacional do petróleo, descobriram-se novas reservas
petrolíferas no Golfo do México, elevando o país a um dos primeiros lugares na exportação
mundial.
Seu governo começou com uma grande reforma da administração pública, mediante a
qual outorgou a Lei Orgânica, que trouxe consigo os seguintes códigos: Agricultura e recursos
hidráulicos; Assentamentos humanos e obras públicas; Patrimônio e fomento industrial;
Programação e pressuposto e, finalmente, o Código de Pesca. No âmbito agrário, houve ainda

226
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 277.
227
LÓPEZ, Portillo. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
228
Idem.
120
a substituição do imposto sobre o ingresso mercantil, para o Imposto do Valor Agregado
(IVA)229. Seguindo a mesma lógica, anistiou presos políticos e reformou a Lei Federal de
Organizações Políticas e Processos Eleitorais, que reconheceu o indivíduo político como uma
pessoa jurídica e, em seguida, outorgou o registro de vários partidos “não-oficiais”, como o
sinarquista Partido Democrata Mexicano e o marxista Partido Comunista Mexicano, que
vivia na clandestinidade desde 1919.
Por volta de 1977, López Portillo restabeleceu as relações diplomáticas com a Espanha
(mas, somente após a morte de Franco) e se solidarizou com o Panamá, na problemática que
surgiu referente ao canal. Em 1979, recebeu a visita do Papa João Paulo II, reafirmando a
autoridade da hierarquia eclesiástica. Assim como, recepcionou a visita do presidente
estadunidense Jimmy Carter, embora este tivesse apoiado aos sandinistas. Pode-se afirmar
que, durante seu mandato, recebeu sessenta e seis mandatários estrangeiros, bem como,
visitou vinte países230.
O auge da exportação do petróleo tornou possível a análise e o estabelecimento de
programas que reativassem a economia nacional, como: a Aliança para a produção, a
COPLAMAR (um programa de características mais sociais que econômicas), o Plano de
Global de Desenvolvimento231, o Plano Nacional de Desenvolvimento Agropecuário e,
finalmente, o Sistema de Alimentação Mexicano. A renda petroleira permitiu ainda que se
promovesse a utilização de recursos e tecnologias nacional, com a formulação dos Planos
Nacionais de Desenvolvimento Industrial, Plano de Desenvolvimento Urbano, Plano de
Emprego e Plano de Turismo. Do mesmo modo, possibilitou que se empreendessem obras
públicas, com o intuito de aprimorar a infraestrutura nacional, como a construção de novas
refinarias.
Aumentou-se ainda o gasto com a educação primária, secundária e superior,
proporcionando a cobertura de toda a demanda da educação mexicana e, inclusive,
inaugurando o Colégio Nacional de Educação Profissional e Técnica, a Universidade
Pedagógica Nacional e o Instituto Nacional para Educação de Adultos. Assim como, criou-se

229
Idem.
230
LÓPEZ, Portillo. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
231
Plano esse que inclusive promoveu a nacionalização dos bancos mexicanos.
121
232
a Produtora Nacional de Rádio e Televisão (PRONARTE) , regulamentando a intervenção
do Estado na televisão.

Durante seus anos de boom do petróleo, o México viveu o incrível paradoxo


de que tudo o que podia fazer o país crescer com rapidez haveria de colocá-
lo também em risco de falência. O ambicioso plano de investimentos do
Estado durante o governo de López Portillo trouxe consigo os gastos e a
inflação que devoraram a moeda e suas finanças. Os bancos privados
converteram sua busca de rendimentos seguros em especulação e dolarização
agressiva de suas operações. A desintegrada indústria nacional cresceu
abruptamente, mas ao custo de um fluxo insustentável de importações e de
uma debilidade crescente frente ao exterior. 233

No início de 1981, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) impôs


a vários países o aumento do preço do barril de petróleo, que, antes custava U$ 3,00 dólares,
passaria a custar, em 1982, US 34,00. No mês de maio, porém, o Secretário de Patrimônio e
Fomento Industrial, J. A. de Oteyza, foi obrigado a ordenar o aumento do valor do petróleo,
pois o diretor da PEMEX, Díaz Serrano, havia diminuído o preço. Isso desajustou o barril
mexicano em relação ao mercado mundial e, consequentemente, ocasionou a renúncia do
diretor.
O novo preço não foi bem recebido pelos clientes, gerando um prejuízo de dez
milhões de dólares. E, a queda na venda do petróleo desestabilizou mais uma vez a economia
mexicana, que já sofria com o crescimento das importações (41,9%), em detrimento da
diminuição das exportações. Por essa razão, em 9 de março de 1982, fundou-se o Programa de
Ajuste da Política Econômica, que reduziu o gasto público e estabeleceu maior flexibilidade
às taxas de interesse, com o intuito de promover a economia, impedindo a dolarização e a
fuga de capitais234.
No Sexto Informe, López Portillo definiu seu próprio governo como sendo de
empenho “claro-escuro” e, segundo Aguilar e Meyer,

Na parte luminosa do desenho, recordou que gasto público e dívida externa


faziam parte não apenas da coluna do “deve”, mas também da do “haver” e
que com esses recursos se havia dado um enorme salto na indústria
petrolífera, cujas reservas comprovadas de 6.338 bilhões de barris de 1976
haviam alcançado 72 bilhões em 1982.A exportação do petróleo daquele ano
232
A PRONARTE mantinha-se, portanto, mediante o suporte estatal. Outra empresa importante no país recebeu
o nome de Televisa, fundada em 1973. Seu nome representa a fusão de dois canais importantes, o Telesistema
Mexicano e o Televisión Independente de México.
233
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 287.
234
LÓPEZ, Portillo. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
122
era de 1.5 milhões de barris, rendendo 14 bilhões de dólares a mais que em
1976. Entre 1977 e 1982, quase duplicaria a oferta de eletricidade, nos
últimos quatro anos o produto industrial havia crescido a uma taxa de 9 por
cento e o aumento na média de empregos havia sido de 5,5 por cento, cifra
sem paralelo no país, que fez baixar temporariamente o desemprego aberto
de 8,1 para 4,5 por cento.(...) conquanto às sombras. Referiu-se ao impacto
negativo da entrada da economia internacional na mais grave e prolongada
crise desde a Grande Depressão de 1929, a queda estrondosa dos preços de
todas as exportações mexicanas, a vigência das taxas de juros mais altas da
história, a restrição do crédito e a perpetuação das medidas protecionistas
nos países industrializados. Quanto às exportações, lembrou López Portillo,
o México havia enfrentado, assim como outros países em desenvolvimento,
uma redução muito acentuada nas cotas de boa parte de seus produtos
básicos e clássicos de exportação. Esse havia sido o caso, entre 1980 a 1981,
principalmente do café em grãos, do algodão em rama, do chumbo refinado
e, certamente, da prata.235

Após a agitada presidência, o presidente López Portillo atrasou o quanto pôde o para
anunciar do próximo candidato. No início de 1982, divulgou que seu sucessor seria Miguel de
la Madrid Hurtado. Contrariando, portanto, a vontade do Secretário de Estado e presidente do
PRI, Javier García Paniagua. Nessa disputa eleitoral, havia a coalizão PRI, PPS e PARM,
contra os novos e velhos partidos opositores: PAN, Partido Socialista Unificado do México
(PSUM), Partido Democrata Mexicano (PDM), PRT, Partido Socialista dos Trabalhadores
(PST) e Partido Social Democrata (PSD). Sendo assim, nas eleições de 4 de julho de 1982,
anunciou-se a vitória de de la Madrid, que recebeu 70,99% dos votos. Essa transição política é
retratada da seguinte forma pelos historiadores Aguilar e Meyer: “no final de 1982, na
iminência de sua mudança de governo, depois do maior boom que experimentara em suas
relações com o mercado mundial, o país da Revolução Mexicana viu diluírem-se no ar os
acordos centrais de sua estabilidade”236.
A presidência de de la Madrid Hurtado (1982-1988) ocorreu, portanto, ao longo de
uma das mais rigorosas crises mexicanas do século XX. A queda da receita do petróleo
provocou um grande prejuízo na economia mexicana, trazendo sérias consequências: o
aumento da dívida externa em mais de 800 milhões de dólares; a fuga de capitais; a
desvalorização do peso e o aumento da inflação em quase 100%. Por essa razão, o presidente
promoveu uma mudança do aparato corporativo com o intuito de implantar o neoliberalismo,
que chamou de “alterações estruturais”, significando que a empresa privada teria a maior

235
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 284.
236
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 289.
123
responsabilidade na promoção do desenvolvimento nacional e que aconteceria a adesão da
economia mexicana ao livre comércio internacional237.
Para Aguilar e Meyer,

Visto em seu conjunto, o governo de Miguel de la Madrid parecia ter dois


rostos, que pretendia complementares. Um olhava para o futuro, com
aspiração reformista; outro, para o passado, com anseio de restauração. Um
princípio central do projeto parecia ser que não havia futuro estável para o
México se não se restaurasse o acordo essencial da sociedade com o Estado
e, mais particularmente, o acordo do capital privado com o setor público.
Política e ideologicamente contrários à nacionalização bancária de 1° de
setembro de 1982, os membros do novo governo viram nessa medida o fim
de um contrato social, o ponto terminal ou de não-retorno da confiança
empresarial e da simbiose do capital privado com o governo.238

Pode-se afirmar, contudo, que seu governo foi conservador e não empreendeu reforma
política, com exceção da reforma do 115° artigo da Constituição de 1917, que criou a figura
dos regidores com representação proporcional nas assembleias. No mês de janeiro de 1983,
firmou o Programa Imediato de Recuperação Econômica (PIRE), o Sistema Constitucional de
Planejamento Democrático e o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Esses planos
propunham, sobretudo, quatro metas: conservar e fortalecer as instituições democráticas;
vencer a crise; recuperar a capacidade de crescimento; e, por fim, iniciar mudanças
qualitativas nas estruturas econômicas, políticas e sociais do país. Por consequência, houve
congelamento de salários e mais uma desvalorização do peso, que, em 1987, melhorou e
chegou ao câmbio de 2,25 pesos por dólar (a menor da história)239.
Firmou-se o lema de tolerância zero à corrupção com as seguintes prisões: o policial
El negro Arturo Durazo Moreno e o político Roberto Martínez Vara (sobrinho de López
Portillo), acusados de peculato ante a Procuradoria-Geral da República. No mês de julho de
1983, o ex-candidato priista à presidência e ex-diretor da PEMEX, Jorge Díaz Serrano, foi
julgado e preso por cinco anos, sendo acusado de comprar dois petroleiros superfaturados.
Pode-se afirmar que de la Madrid objetivava com isso uma dupla empreitada: garantir
credibilidade para com sua política de combate à corrupção e, ao mesmo tempo, vingar-se de
Díaz Serrano que havia disputado a candidatura à presidência pelo PRI. Apesar desse combate
à corrupção, seu governo ficou conhecido pelas execuções de periodistas da oposição, tal qual

237
MADRID, Hurtado Miguel. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
238
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 294.
239
MADRID, Hurtado Miguel. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
124
ocorreu com Manuel Buendía, que havia denunciado a existência de um esquema de
cooperação entre os funcionários governamentais e o narcotráfico240.
Pode-se afirmar, portanto, que, ao longo do mandato de de la Madrid, a sociedade
mexicana tornou-se uma nebulosa de contrariedades, repleta de exaustão e suspeições, que
não produziu movimentos políticos independentes, mas, sim, alternativas institucionais241.
Afinal, a população guardava na memória as experiências traumáticas de 1958 e 1968. Por
isso, “as pessoas não foram às ruas e sim às urnas; não para a esquerda, e sim para a
direita”242, tal qual afirma Aguilar Camín e Lorenzo Meyer.
A partir de 1986, o neopanismo (um movimento católico e conservador) consolidou-se
no cenário político mexicano, o que indicou o crescimento do PAN no âmbito nacional,
garantindo, inclusive, sua vitória nas eleições municipais das principais cidades de
Chihuahua. Houve ainda o escândalo das eleições ao encargo de governador. Como se sabe, o
panista Francisco Barrío era o favorito ao cargo de governador de Chihuahua, mas, com o
intuito de conter o avanço panista, impuseram a vitória do priista Fernando Baeza. Mais uma
vez, o PRI foi acusado de fraude eleitoral e, assim sendo, sua legitimidade passou a ser ainda
mais questionada. Por conta disso, expediu-se o Código Federal Eleitoral a fim de que se
promovesse maior controle dos processos eleitorais e aumentasse a representação
proporcional de deputados, o que praticamente passou a renovar o senado.
Além da péssima popularidade do PRI, ocorreram rusgas internas que levaram a uma
divisão do próprio partido. Sendo assim, em 1987, aconteceu uma cisão, na qual seus
dissidentes foram liderados por Cuahutémoc Cárdenas Solórzano, filho do ex-presidente
Lázaro Cárdenas, que formou com seu grupo de ex-priistas a Frente Democrática Nacional e,
posteriormente, tornou-se o Partido da Revolução Democrática (PRD). E, por conta disso, o
PAN conseguiu ainda mais espaço para se fortalecer com o carismático presidenciável
Manuel J. Clouthier.
Para Aguilar e Meyer, nesse período

Instalou-se um enfrentamento intragovernamental entre os que defendiam a


necessidade de respeitar as vitórias eleitorais da oposição e os que defendiam
a necessidade, priista por excelência, de uma democracia dirigida, destinada
a impedir que uma conjuntura adversa produzisse mudanças políticas
estruturais que tornariam o país vulnerável à pressão estrangeira e à
chantagem oligárquica de capitalistas e empresários, aos quais já eram dadas

240
Idem, passim.
241
Idem, passim.
242
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 298.
125
concessões por outros canais. No debate entre as duas correntes triunfou a
ultima, em especial depois de a oposição panista sair vitoriosa nas eleições
municipais de 03 de julho de 1983 em Chihuahua. Foi uma vitória
esmagadora nos municípios que concentravam 70 por cento da população do
maior Estado fronteiriço com os EUA.243

No fim do seu mandato, o deficit do setor público manteve-se em níveis similares aos
de 1982, a inflação chegou a 131% e, em 1987, chegou a 159.2% (a maior da história). A
economia contraiu-se e a dívida externa aumentou em 30%, por isso, cresceu o emprego
informal, já que apenas 35% da força de trabalho estavam empregadas no setor moderno da
economia. Os salários apresentavam índices de 40% mais baixos que os de 1980244. Em meio
a essa situação caótica, muitos intelectuais da oposição passaram a publicar artigos críticos ao
PRI e ao seu sistema complexo e peculiar de governar, por isso, oferecendo-lhe nomes, como:
“democracia falida”, “ditadura perfeita”, “o ogro filantrópico”, “a hegemonia priísta”, entre
outros. No mês de novembro de 1983, por exemplo, houve a publicação do “Por uma
democracia sem adjetivos” de Enrique Krauze. Em1985, Carlos Pereyra publicou “Sobre a
democracia mexicana”. Em 1988, Cuauhtemóc Cárdenas, Manuel J. Clouthier e Rosario
Ibarra publicaram o artigo “Pela democracia” e, logo em seguida, outros intelectuais
escreveram o manifesto chamado “Por uma democracia pluripartidista, até uma nova
República”. Esse manifesto encontra-se na Revista “Proceso”, Número 616, no dia 22 de
agosto de 1988. Como assinantes constam: René Avilés F, Fabio Barbosa, Roberto Borja,
Fausto Burgueño, Jorge G. Castañeda, Luís Cervantes J., Gerardo de la Torre, Marcela de
Neymet, Rodolfo Echeverría M., Félix Goded A., Juvenal González, Jorge Meléndez, Carlos
Monsiváis, Octavio Paz, Joel Ortega J., Humberto Parra, Emiliano Ramos, Benito Rey R.,
Enrique Rojas Bernal, Evaristo Pérez Arreola, Eduardo Valle.
De acordo com Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, o período que segue de 1934 a 1988

(...) vivenciou a consolidação do presidencialismo mexicano sob Lázaro


Cárdenas (1934-1940) e Ávila Camacho (1940-1946), o governo impositivo
dos mandatos de Alemán, Ruiz Cortinez e López Mateos (1946-1964) e uma
nova fase nos anos setenta. Nesse período, sem perder seu papel como centro
inconteste da vida política do país, o presidente age e funciona efetivamente
como um grande coordenador de interesses e de agencias burocráticas (“A
função de um presidente do México é recolher as bandeiras da sociedade”,
comentou, em certa ocasião, o presidente Luís Echeverría). Os presidentes
mexicanos dos anos oitenta tinham um poder absoluto muito maior que seus

243
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 298.
244
MADRID, Hurtado Miguel. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
126
predecessores em recursos e atribuições, mas um poder relativo de governo
sobre o conjunto da sociedade menor que o de seus antecessores. 245

Nas eleições de 06 de julho de 1988, disputaram a presidência mexicana os


candidatos: Carlos Salinas de Gortari (PRI), Cuauhtemóc Cárdenas (FDN, PPS, PARM,
PFCRN, PVEM), Manuel Clothier (PAN), Gumersindo Magaña (PDN), María del Rosario
Ybarra de la Garza246 (PRT) e Heberto Castillo Martínez (PMS). Ao longo da corrida
presidencial, era evidente a preferência de Cuauhtemóc Cárdenas, que, com o lema “Com um
México na nação, o pueblo ao governo”, conquistou progressivamente a população mexicana.
Cárdenas rapidamente se tornou a figura mais popular das eleições e, em 1987, inclusive,
configurou na primeira ameaça real ao poderio priista. Contudo, os resultados das eleições
fizeram com que ela fosse a mais questionada da história mexicana. No dia das eleições, a
contagem de votos apontava a vitória de Cárdenas. No entanto, ocorreu uma pane no sistema
das urnas que paralisou a contagem por horas – daí a famosa frase: “se cayó el sistema” ou,
em português, “o sistema caiu” – e no fim do dia, quando finalmente o sistema “retornou”,
Salinas foi declarado presidente. Diante de eleições tão controversas, a polêmica expressão
deixou subentendida a fraude eleitoral. Após a vitória de Salinas, a imagem do PRI ficou
ainda mais manchada, a ponto do processo eleitoral ser repensado. Logo, fundou-se o Instituto
Federal Eleitoral247 a fim de impossibilitar novas fraudes.
Para Luís Medina Peña, os últimos anos de mandato priista tiveram resultados
contrários àquilo que se pretendia. A soberania nacional, tão cara a ideologia oficial, tornou-
se vulnerável, pois as últimas crises financeiras fizeram do país cada vez mais dependente do
exterior, sobretudo, dos EUA. Essa situação se resumia por três questões: os termos do FMI, a
venda de petróleo de 1982 em desvantagem, o vizinho do norte tentando construir uma
reserva petroleira e, portanto, rompendo a solidariedade com os países produtores de petróleo.
A presidência Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) rompeu com o discurso priista.
Afirmava-se ter por base o “liberalismo social”, mas, veremos mais à frente que, em verdade,
o salinismo concretizou as reformas neoliberais que o governo antecessor não conseguiu
realizar, apesar de propagandeá-las. No dia 2 de dezembro de 1988 (um dia após a posse), por
exemplo, estabeleceu o Programa Nacional de Solidariedade (PRONASCO), cujo principal
intuito era o reajuste econômico do país e o estabelecimento de um sistema político embasado

245
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 332.
246
María del Rosario, mais conhecida como Rosario Ibarra de Piedra, foi a primeira mulher a concorrer pela
presidência mexicana.
247
Instituto Federal Electoral (IFE): instituição encarregada pelo desenvolvimento dos processos eleitorais da
federação mexicana.
127
na justiça social. Seu governo ficou conhecido por levar serviços básicos às comunidades
rurais, como água potável, energia elétrica, asfalto, postos de saúde e lojas de suprimentos.
Depois, renegociou a dívida externa e seguiu as diretrizes impostas pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Mas o momento não foi somente de “bem-
aventuranças”, como se julga. Ele foi marcado também por sérios escândalos de corrupção,
denúncias de nepotismo e suspeitas de ligações com o crime organizado. Inclusive, em 2009,
o ex-presidente de la Madrid em entrevista causou escândalo e polêmica em todo o país, após
afirmar que Salinas havia enriquecido durante sua presidência por conta da corrupção e, não
satisfeito, afirmou que seu irmão, Raúl Salinas, tinha vínculos com a fuga de capital de 1989 e
com líderes criminosos do narcotráfico.
Salinas de Gortari chegou a executar um novo programa político no México, no qual
haveria de vender as empresas paraestatais, para, assim, amortizar a dívida pública interna,
que, em 1988, era de 19% e, em 1994, chegou a 6%, resultando na diminuição dos gastos
públicos e, consequentemente, aumentando a receita às questões sociais. Essas empresas
operavam com deficit e se mantinham somente em razão de uma injeção constante dos fundos
públicos, que vinham da dívida externa, excedente petroleiro ou, por exemplo, no caso de
1970-1982, por intermédio da emissão de notas e moedas sem “valor” (o que levou o deficit
público a mais de 10% do valor do PIB, ou seja, 70% desse mesmo deficit advinham das
paraestatais).
A primeira privatização ocorreu, em 1990, com a empresa de telefonia Telmex, que
havia sido privatizada em 1974. A Telmex recebia muitas queixas na Procuradoria de Defesa
do Consumidor, que se referiam, sobretudo, à espera de aproximadamente dez meses por
linha telefônica, quando era instalada. Após a privatização, a cada dez lugares oito tinham um
telefone. No dia 21 de maio de 1990, expediu-se a reforma nos artigos 28 e 123 da
Constituição de 1917, que viabilizou a privatização dos bancos nacionais.
No início de 1994, houve o firmamento do Tratado de Livre Comércio (TLC), o que
deixou ainda mais evidente a política neoliberal salinista. Nesse caso, o governo acreditou ser
necessária uma redefinição da relação comercial mexicana com seu principal parceiro
comercial, os EUA, pois ela datava de 1930. As negociações começaram, em 1990, com o
presidente George H. W. Bush, e continuaram por três anos, sendo estabelecido após as
eleições estadunidenses, nas quais venceu o democrata Bill Clinton. Após seu fechamento,
houve uma rebelião campesina, em Chiapas, mencionando os ideais zapatistas, assim como,

128
reivindicando melhores condições de vida e reforma agrária. Formou-se, então, o Exército
Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).
Por fim, o governo salinista também ficou conhecido pela forte repressão, um fator
que se estabeleceu como marca priista nesses setenta e um anos de presidência ininterrupta.
Isso repercutiu em diversas áreas da política nacional e, inclusive, levou a uma disputa no
interior do próprio “partido oficial”. Como ocorreu com Luís Donaldo Colosio Murrieta,
candidato priista à presidência de 1994 a 1998, mas, durante sua campanha eleitoral no bairro
Lomas Taurinas em Tijuana, Baixa Califórnia, no dia 23 de março de 1994, foi assassinado
por Mario Aburto Martínez, preso, em 1995, e sentenciado a quarenta e dois anos de prisão.
Há várias suspeições quanto à morte de Donaldo, mas nenhuma delas foi comprovada. A
principal delas afirma que o presidente Salinas havia encomendado o assassinato, para que,
assim, indicasse como presidenciável alguém de sua confiança, tal qual Ernesto Zedillo Ponce
de León.
Para Carlos Alberto Barbosa, esse período de 1988 a 1994 foi marcado pela
reivindicação da herança legítima da Revolução Mexicana.
Por isso, afirma:

No final de 1988, devido a uma secessão dentro do PRI, foi criado o Partido
da Revolução Democrática, que disputou as eleições presidenciais tendo
como candidato o filho de Lázaro Cárdenas. Este chega a obter uma
expressiva votação, embora o candidato priista, Carlos Salinas de Gortari,
fosse eleito. Foi durante a presidência de Salinas de Gortari, em 01 de
Janeiro de 1994, que eclodiu a rebelião do EZLN, no estado de Chiapas.
Tanto o PRD quanto o EZLN reivindicavam a herança legitima da
revolução.248

Com o término do mandato de Salinas, em 1994, a presidência mexicana ficara sob a


responsabilidade do priista Ernesto Zedillo, que ganhou as eleições com apenas 48% dos
votos, marca relativamente baixa em relação àquelas atingidas no passado. Fora, então, um
governo marcado pela péssima imagem do PRI, assim como, caracterizado pela severa crise
financeira que recebera o nome de “efeito tequila”. Esta configurara a maior responsável
pelos variados conflitos que ocorreram no interior do “partido oficial”, dentre eles a principal
contenda sucedeu entre o presidente vigente, Ernesto Zedillo, e seu antecessor, Salinas de
Gortari.

248
BARBOSA, op. cit., p. 112.
129
O “efeito tequila” ou “erro de dezembro” ocorreu em razão da ausência de reservas
internacionais de petróleo, o que suscitou nos dois primeiros dias da nova presidência. Por
conta disso, o peso desvalorizou mais uma vez e o dólar aumentou seu valor em 114%,
chegando a custar 8,70 pesos, e, por conta disso, muitas empresas faliram, gerando um alto
índice de desemprego. Mas sua resolução veio em seguida, quando o presidente Bill Clinton
solicitou ao Congresso uma linha de crédito de 20 milhões de dólares ao governo mexicano,
para, assim, garantir seus compromissos financeiros. E, mesmo assim, o presidente Zedillo
perdeu espaço no governo mexicano.

1.6. O decênio panista e o retorno do PRI (2000-2012)

O PRI foi, então, derrotado nas eleições presidenciais pela primeira vez desde 1929.
No dia 2 de julho de 2000, o panista Vicente Fox de Quesada venceu as eleições. Vicente Fox
governou de 2000 a 2006 e, depois, passou o cargo ao panista Felipe Calderón Hinojosa, que
governou de 2006 a 2012. As eleições de 2006 foram muito controvertidas, já que novamente
incorreram acusações de fraude eleitoral. Inobstante grande parte da população mexicana
esperasse resultados distintos dessa nova gestão, esses dois sexênios apresentaram aumento da
inflação e escândalos de corrupção, assim como, implicaram em um aumento significativo da
violência e dos grupos de narcotraficantes. Isso levou ao surgimento de milícias justiceiras,
como as autodefesas. Apesar disso, acreditava-se que o “partido oficial” demoraria a
reaparecer no cenário político do México. Nas eleições de 2012, porém, a disputa presidencial
ficou entre Andrés López Obrador (PRD) e Enrique Peña Nieto (PRI) e, no mês de julho,
anunciou-se a vitória do priista com a porcentagem de 38,21% dos votos mexicanos.

Em suma, o politólogo Leonardo Curzio afirma que as peculiaridades históricas e


geopolíticas do México edificaram um projeto nacional que se alicerçou em seis elementos
fundamentais para a compreensão do regime não-democrático do país e, ao mesmo tempo,
que evitou o excesso de autoritarismo e conjurou o militarismo, são eles: a) a estabilidade
política que garantiu a longevidade do PRI num regime autoritário, que começou a modificar
em 1997, e concluiu em 2000, com a eleição do PAN; b) o desenvolvimento econômico
baseado na economia mista, junto à ideia de que a estabilidade e o crescimento fariam do país
um território forte e que, por isso, redimensionaram seus principais problemas ao futuro; c) o
130
conteúdo social do governo, ou, regime, é clientelista e suas seis décadas funcionam com a
relação de permuta, ou seja, apoio político ao Estado em troca de gerências e obras públicas;
d) o estabelecimento de uma orientação nacionalista, no sentido de que reivindicou o
mexicano como continuação do indígena, com a intenção de se estabelecer uma cultura
nacional; e) a política exterior baseada na “não-intervenção” e na autodeterminação dos
povos, que estabeleceu uma soberania relativa perante o colosso norte-americano; f) a
doutrina nacional de defesa ofensiva, amparada na submissão dos militares ao poder civil –
que dará ao país segurança, pois, navegará sem repressões maciças ou guerras civis, pelo
tempestuoso mar da guerra fria e seu mais funesto produto na América Latina, os regimes de
segurança nacional249.

A propósito do papel do PRI na história mexicana, Aguilar e Meyer, afirmam que

Um ator fundamental é o partido do Estado, o velho Partido Nacional


Revolucionário, transfigurado com Cárdenas no Partido da Revolução
Mexicana e, com Alemán, no Partido Revolucionário Institucional. Nos
últimos anos de sua era institucional, o partido chegou a uma situação que
poderíamos chamar de inanição revolucionária. A riqueza de sua presença na
vida mexicana é, no entanto, tão fora de dúvida quanto à ausência de uma
história que a revele. A história da era priista estaria incompleta se não
mencionasse pelo menos as quatro funções-chaves que o partido do Estado
desempenhou nas décadas do milagre e da transição mexicana. Ele
funcionou porque é fundamentalmente uma coalizão pragmática de
interesses, a encarnação pontual do que alguns chamam de interclassismo da
revolução, a possibilidade de reunir, numa tarefa política, interesses de todas
as classes, conversadores e revolucionários, camponeses pobres e grandes
latifundiários, operários e empresários, de modo que na negociação
pragmática, a portas fechadas, cada parte obtenha algo e as que não
obtiverem ganhem ao menos esperança. 250

A partir dessa explanação, compreende-se a razão pela qual há um recorte cronológico


no título desta pesquisa. Recorte esse que designa a reforma do PRM, em 1946, com o então
presidente Alemán, ou seja, o surgimento do PRI, até a polêmica vitória de Salinas de Gortari,
em 1988, aqui compreendida como o prenúncio da derrocada priista. Partimos do pressuposto
de que, após a reforma partidária, o PRI tornou-se um partido politicamente predominante,
que instaurou um regime partidário e, por consequência, estabeleceu uma cultura política
dominante que passou a moldar o México e seu regime democrático; a mesma cultura que o
encaminhou à derrota em 2000. Essa perspectiva apreende, portanto, que o retorno do PRI ao

249
AGGIO; LAHUERTA; op. cit., p. 299.
250
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 337.
131
Poder Executivo, em 2012, infere uma arraigada e predominante cultura política que, mesmo
depois de suas desventuras no decorrer do século XX, lhe trouxera de volta à cena política
mexicana.

132
CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA PRIISTA
O CONTEXTO DE EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DO PRI

133
A trajetória priista:
O contexto de emergência e consolidação do PRI

O México apresentou, ao longo do século XX, a maior estabilidade política da


América Latina. Após a Revolução Mexicana (1911-1920) e a Dinastia de Sonora (1920-
1928), Plutarco Elías Calles fundou, em 1929, o Partido Nacional Revolucionário (PNR) –
conhecido também como “partido oficial do Estado”251 – que, em seguida, se sobrepôs às
demais instituições políticas do cenário e instaurou um sistema próprio de governo;
compreendido aqui como um sistema de partido hegemônico pragmático. Após sua fundação,
elegeu presidentes ininterruptamente até a virada do milênio, em 2000, e, como afirma o
sociólogo Pablo González Casanova, “a partir disso, nenhum golpe de Estado e/ou
insurgência popular conseguiu impor um grupo da oposição”252.

O complexo sistema implantado pelo “partido oficial”253 no México, especialmente,


no pós-1946, fugiu – indubitavelmente – dos caminhos trilhados pelos modelos clássicos do
século XVIII e XIX. Logo, dificilmente seria compreendido a partir dos renomados teóricos
dos setecentos e oitocentos, como John Locke, Montesquieu e Voltaire.

Conforme González:

Os partidos, o voto, as eleições, os três poderes a “soberania dos Estados


federais” e, em geral, todo o aparato da democracia tradicional agem de tal
forma que as decisões políticas nada ou pouco têm a ver com os modelos
teóricos da “luta de partidos que institucionaliza a mudança do poder”, ou
com uma “federação de Estados livres e soberanos”. A dinâmica política, a
institucionalização da mudança, os equilíbrios e controles, a concentração e
distribuição do poder fazem dos modelos clássicos elementos simbólicos que
encobrem e sancionam uma realidade distinta.254

251
O partido oficial, em verdade, chamou-se Partido Nacional Revolucionário (PNR, 1929-1938). Contudo, o
mesmo sofreu duas reformas estruturais importantes que modificaram sua nomenclatura. Em 1938, foi
renomeado Partido da Revolução Mexicana (PRM, 1938-1946) e, logo depois, em 1946, passou a se chamar
Partido Revolucionário Institucional (PRI, 1946-2015).
252
GONZALEZ, op. cit., 1982. p.10.
253
O partido ficou no comando do governo federal mexicano por setenta e um anos (1929-2000); se contarmos,
obviamente, o período de suas três formações: PNR, PRM e PRI. Além disso, o partido estabeleceu um sistema
hegemônico, garantindo que ele predominasse em todas as eleições nacionais, não apenas na presidencial.
254
GONZALEZ, op. cit., 2004. p.16.
134
O sistema político priista tornou-se funcional exclusivamente por suas peculiaridades,
não implicando em um modelo fechado e sólido, que repudiou o novo e conservou suas raízes
oligárquicas, como se pode imaginar. Ao contrário. Ele constituiu um organismo vivo, que
assumiu características específicas em cada momento do partido ou do sexênio presidencial;
de acordo com o que lhe comprazia estrategicamente. Por essa razão, nota-se, em 1936, um
sistema passível de assimilar um novo programa político e renunciar ao passado conservador,
caciquista e oligárquico. A partir de 1940, entretanto, percebe-se que o mesmo assume uma
nova roupagem, que assimila facilmente o passado conservador, mas rejeita o novo programa
cardenista. Afinal, a cada sexênio o presidente recém-eleito podia mudar a agenda do governo
federal, se assim lhe conviesse; de tal modo que havia uma renovação da “lógica política” e
da própria acepção de poder, o que, segundo Gonzalez, “unia a realidade e os mitos, com a
preocupação de não cair em meras formas e mistificações políticas e com a lógica de atender
ao recurso da unidade nacional ou a sobrevivência nacional”255. Isso fez com que alguns
mandatos fossem inteiramente diferentes uns dos outros, como se nota com Lázaro Cárdenas
(1934-1940) e Ávila Camacho (19140-1946).

O discurso oficial seguiu a “lógica de poder” admitida pelo partido e pelo quadro
dirigente em determinando momento. Por essa razão, nota-se que em certos períodos
assimilou a “alternativa socialista” de Cárdenas e, noutros, avocou a retórica liberal-moderada
de Alemán ou a perspectiva de “desenvolvimento compartilhado” de Echeverría. No caso dos
ideais de esquerda, o PRI manteve sempre (estrategicamente) mensagens e signos que
remetiam ao passado revolucionário. Seu discurso, na maioria das vezes, apoiava as
revoluções nacionais e populares, criticava a “intervenção” estadunidense e “bem-dizia” a
reforma agrária. Em geral, mantinha uma boa relação com os outros países do globo e, por
conta disso, jamais encontrou uma oposição internacional forte o suficiente para respaldar a
interna.

Esse sistema político instaurado no México estabeleceu um Poder Executivo forte e


centralizado, um Poder Legislativo débil e um Poder Judiciário levemente autônomo,
configurando, portanto, na única forma de controle do desmedido Executivo. O Estado
admitia a “lógica de poder” outorgada pelo “partido oficial”, que, em alguns momentos, era
tão influente nas políticas e práticas do governo federal que aparentava um quarto poder do
Estado, e, consequentemente, estabelecia seu objetivo central: o crescimento econômico “a
qualquer custo” e o “desenvolvimento estabilizador”, como o próprio PRI definia. Mas, cabe
255
GONZALEZ, op. cit., p. 11.
135
aqui informar que a voz do partido, às vezes, não se assimilava àquela do Estado; ou seja, o
partido e o Estado nem sempre falavam a mesma “língua”.

Por conta dessa estrutura peculiar, a sociedade mexicana aniquilou algumas questões
atreladas ao passado colonial que outros países latino-americanos não conseguiram, como o
poderio desmedido da Igreja Católica e o militarismo. A sociedade enfrentou e conjeturou a
derrocada da igreja, com a promulgação da Lei Calles e o desdobramento do que ficou
conhecido como “Guerra Cristã”. Já os militares foram retirados paulatinamente da vida
política do país.

As crises econômicas e políticas da segunda metade do século XX (sobretudo, as de


1958, 1968 e 1976) foram “controladas” por um aparato priista que soube manejar os
símbolos, com medidas de repressão e concessão aos grupos opositores (que eram, em suma,
camponeses, intelectuais, operários, etc.). “Tudo isso regido por um Poder Executivo forte
cuja faculdade se concentrava em um regime presidencial”, como nos recorda González
Casanova256. Para que esse “sistema” vingasse, então, o partido do Estado formou e divulgou
uma cultura política dominante, amplamente estendida, que fez a sociedade assimilar e
pronunciar a “língua oficial”, absorvendo, inclusive, os mitos nacionais do Estado.

Em suma, o sistema de governo priista criado, em 1929, e amoldado ao longo de


setenta anos “funcionou” devido às suas características peculiares: o Estado autoritário e
manipulador, com um Poder Executivo centralizado, um Poder Legislativo débil e um Poder
Judiciário autônomo, cuja principal função seria regular o poderio do desmedido Executivo. O
principal objetivo seria estabelecer um crescimento econômico contínuo e um
“desenvolvimento estabilizador”. Quiçá, somente uma estrutura política de características tão
“estranhas e particulares”, como assevera González, conseguiria movimentar uma “sociedade
tão desigual, desde suas regiões territoriais às classes sociais”257.

256
GONZALEZ, op. cit., p. 12. [O Poder Executivo era forte, mas a força do Estado era muito relativa. Tal qual
afirma González: “O estado mexicano é um estado neokeynesiano, sem sabê-lo. A partir da grande crise dos
anos trinta, ele se juntou a um sistema financeiro de perspectiva múltipla; começou a adquirir uma série de
empresas - algumas de expropriação -, e fundou outras em vários setores de produção e serviços. Assim,
dificilmente se concebe desenvolvimento econômico com independência do estado. A força do estado mexicano
é relativa, no entanto. Opera em um país dependente aonde quase dois terços das importações e exportações vão
para um mercado único; Estados Unidos. Não se trata de uma dependência geral de país para país; mas país e
Estado às empresas de capital estrangeiro e mexicano. Os objetivos sociais do Estado operam dentro de uma
economia em que a concentração de capital é muito alto. Caem diante da pressão do capital estrangeiro,
monopólico e transnacional, e diante do capital monopólico mexicano.”]
257
GONZALEZ, op. cit., p. 12.
136
2.1 O surgimento do PNR

Desde o fim do século XIX, o México já compreendia, com o então presidente Porfírio
Díaz, que precisava do reconhecimento dos homens fortes da região e dos líderes militares da
ala liberal, para assim, legitimar seu poder. No início do século XX, portanto, não seria
diferente. E, como afirma o historiador Luís Medina Peña, “tal realidade se impôs à retórica
democrática de Francisco I. Madero”258. Mas o desenrolar do processo revolucionário
postergou essa acepção. A partir de 1920, o jogo político continuou sem regras e, ao longo de
nove anos, ocorreram alternâncias de poder sanguinolentas em meio à intensa efervescência
social. A única alternativa seria “estruturar um mecanismo político-partidário que convocasse
e reunisse todas as forças políticas identificadas com os objetivos e reivindicações da
Revolução Mexicana”259, como afirma Luís Javier Garrido. Assim, o plano seria criar o
partido da revolução, para que se conseguisse a almejada arbitragem política, agregando,
inclusive, as novas e velhas forças político-sociais do período. Como afirma Medina Peña em
relação à criação do “partido oficial”:

Toda revolução do século XIX e XX, como a soviética e a chinesa, tiveram


um partido que fundamentou e concretizou a revolução. No caso do México,
a Revolução Mexicana originou um partido 10 anos depois; uma instituição
centralizada e rígida.260

A criação do PNR normalmente é atribuída à morte de Álvaro Obregón e à


engenhosidade política de Elías Calles. Não obstante, Obregón já trabalhava a idéia de
estabelecer um grande partido que unisse a todos os mexicanos revolucionários. Isso ocorria
desde seu primeiro mandato presidencial (1920-1924). Portanto, o planejamento de um novo
partido não era novidade. “A novidade”, afirma Medina, “estava em tudo o que haveria de
ocorrer para que o partido existisse”261.

Na Convenção de Aguascalientes de 1914, Álvaro Obregón já se sobressaia como um


importante general revolucionário, detentor de evidentes ambições políticas. De acordo com
Garrido, primeiramente, Obregón criou uma organização de civis e militares com o intuito de

258
MEDINA, op. cit., p. 25.
259
GARRIDO, Luis Javier. El Partido de la Revolución Institucionalizada: la formación del nuevo Estado en
México (1928-1945). 11° Ed. México: Siglo XXI, 2005. p.45.
260
GARRIDO, op. cit., p.50.
261
MEDINA, op. cit., p. 30.
137
pressionar Carranza a mudar seu programa político, para então, focar-se nas necessidades
sociais262. Assim, surgiu a Confederação Revolucionária, futuro partido obregonista. A
Confederação cresceu e, assim, passou a ser integrada por importantes figuras políticas, como
chefes militares, membros de gabinete, governadores pré-constitucionais, etc. Logo, atingiu
seu objetivo: o decreto de 6 de janeiro de 1915. Pouco tempo depois, a antiga Confederação
tornou-se o Partido Liberal Constitucionalista (PLC) – a principal intenção do partido era
unificar a política revolucionária e postular a presidência de Carranza.
O PLC debutou como um partido de herança liberal, com a esperança de tornar-se a
voz da Revolução Mexicana. Ele se declarava a favor do sufrágio, da não-reeleição, da
reforma agrária, da proteção do direito dos operários, da segurança social, da administração
pública embasada na justiça, na separação dos poderes, na soberania dos estados e na
autonomia municipal. O PLC era, então, uma nova oportunidade. Carranza, porém, sentiu
essa iniciativa como uma futura disputa política. Quando eleito destituiu o jornal “O
Gladiador” do PLC e também retirou Obregón do cargo político que ocupava. Foi obrigado a
viver longe da vida política do país, em sua fazenda, por quase dois anos. Mas, em junho de
1919, ele rompeu o silêncio e informou sua candidatura às eleições de 1920, vencendo as
eleições com grande margem de votos.
Apesar das iniciativas de Obregón, ele conjeturava e refletia acerca da possibilidade de
se fundar um partido revolucionário, mas sem nomear sua idéia. Calles foi o responsável por
organizar e oficializar o PNR. Mas vale frisar que essa idéia já era debatida no contexto
político-cultural e, inclusive, havia uma contenda na época que afirmava que Calles roubara a
idéia de Obregón.
O período obregonista ficou conhecido, afirmado anteriormente, por organizar a
reforma agrária e restabelecer as relações diplomáticas com os EUA. Ficou conhecido
também por amenizar as forças políticas do país, anistiando conservadores e radicais. Sua
política viabilizou a formação e o registro de vários partidos políticos e, apesar disso, ainda
imperou a instabilidade política. E, após seu quadriênio, a presidência passou às mãos de Elías
Calles (1924-1928).
O governo callista promoveu a construção de várias obras públicas e a ampliação de
ferrovias e rodovias, assim como, anunciou a legalização do divórcio e o fim das isenções
fiscais. Mas, sua administração ficou conhecida mesmo pela “política do terror”, como

262
GARRIDO, op. cit., p. 51.
138
designa a historiografia, uma vez que os camponeses e os operários passaram a ser
severamente reprimidos, sendo, em sua maioria, fuzilados.

Calles expediu ainda uma lei adicional que regulamentou as instituições religiosas no
México. A “Lei Calles”, como ficou conhecida, fez valer as disposições anticlericais
constantes no 130° artigo da Constituição de 1917. A partir disso, a Igreja seria reconhecida
oficialmente apenas mediante um cadastro federal e o subsequente pagamento de tributos.
Logo, encerraram-se cultos e atividades em igrejas, mosteiros e conventos, pois seus líderes
foram expulsos do país. Essa nova lei acabou gerando um conflito entre o Estado e a Igreja, o
que levou uma insurreição travada entre os callistas e as milícias cristãs, resistentes às
diretrizes e às normas estabelecidas pela nova lei.

Entre 1924 e 1926, Calles e Obregón “dividiram” o Poder Executivo, o que, para a
historiadora Maria Cantú Delgado, “aparentava uma antiga diarquia” 263. Em 1925, Obregón
mudou-se para a fazenda de sua família, em Sonora. A partir de 1926, contudo, passaram a
ocorrer altercações entre Obregón e Calles. O ex-presidente pretendia aprovar a reeleição
“não-consecutiva”. Mas, Calles defendia um governo civil, sem reeleições, passando,
consequentemente, a declarar-se contra Obregón. Aqueles que se declararam abertamente
contrários aos objetivos obregonistas, foram perseguidos e executados. Isso pressionou a
oposição, que acabou aprovando a emenda de reeleição e, assim sendo, Obregón declarou-se,
mais uma vez, candidato às eleições de 1928.
Em julho de 1928, Obregón reelegeu-se e, dezessete dias depois, foi assassinado.
Calles, até então, presidente, concedeu a investigação do assassinato aos obregonistas e
apressou-se na institucionalização do partido. No dia 1 de setembro, fez um pronunciamento
no qual afirmava que não se reelegeria, pois a “era dos caudilhos” tinha chegado ao fim,
dando início a nova “era das instituições”. Diante disso, reuniu todos os governantes
mexicanos e estabeleceu um acordo, segundo o qual nenhum militar se candidataria à
presidência provisória ou constitucional. Em seguida, foram sugeridos como candidatos à
presidência provisória, o ex-governador de Tamaulipas, Emilio Portes Gil, e o governador de
Coahuila, Eduardo Neri. Em 25 de setembro de 1928, o Congresso da União declarou a

263
Cf. DELGADO, Gloria María Cantú. Historia de México: México en el siglo XX. México: Pearson
Educación, 2003; GARCÍA, Gastón Cantú. El pensamiento de la reacción mexicana (la derecha). Tercero
Tomo. México: UNAM, 1997; MEYER, Lorenzo. Agenda ciudadana. Disponível em: <http://www.lorenzomey
er.com.mx/documentos/pdf/010621.pdf >. Acesso em: 14/12/13.
139
presidência interina de Portes Gil, que assumiria em dezembro. Para Medina Peña, a principal
função do novo presidente seria organizar as próximas eleições e resolver o conflito cristão264.

Durante sua ascensão à presidência, Portes Gil declarou (estrategicamente) que o


governo federal estava aberto às novas formações políticas e, sendo assim, receberiam com
“bons olhos” o estabelecimento de partidos, com programas políticos e setor fixo de opinião.
Segundo Garrido, o referido personagem acreditava que isso ajudaria “a impedir que o Estado
se tornasse um grande eleitor”265. Nesse mesmo dia, anunciou-se ainda a existência de um
Comitê organizador, que estava encarregado de elaborar os estatutos, princípios e regimento
do novo Partido Nacional Revolucionário (PNR). O Comitê, que se deu, então, a conhecer,
estava formado por oito políticos próximos ao ex-presidente Calles. E, sendo assim,
integravam-no: Aarón Sáenz, Bartolomé García Correa, Basilio Vadillo, David Orozco, Luís
L. León, Manuel Pérez Treviño, Manlio Fabio Altamirano e o próprio Elías Calles, como
presidente do Comitê.

Na manhã seguinte, os jornais mais importantes do México noticiaram a nova


formação política e, junto a ela, adicionaram um convite do próprio Comitê, no qual
chamavam as agrupações, formações e partidos, para participarem da I Convenção do PNR. A
convenção ocorreria na cidade de Querétaro e no começo de março de 1929. Nela, os
integrantes discutiriam as temáticas sobre o estatuto do partido, seu programa político e o
candidato presidencial às eleições de 1930.

Antes de falarmos sobre a Convenção e os documentos oficiais debatidos nela, caberá


aqui refletir acerca dos objetivos dessa formação partidária. Sabe-se que a idéia de estruturar
uma “frente revolucionária”, como os pnristas chamavam, não encontrou muita resistência na
sociedade mexicana e a notícia da nova formação passou quase despercebida pelas camadas
populares. Além disso, as justificativas de Calles para o PNR eram muito convincentes: após
a revolução, as eleições haviam se convertido em sangrentos enfrentamentos, pois os
mecanismos estabelecidos pelo governo não eram apoiados por diversos grupos políticos e,
por conta disso, os resultados eleitorais sempre sofriam com a insurreição e a resistência de
grupos políticos. Por essa razão, a história do país descreve, em alguns momentos, a
existência de duas Assembleias Legislativas, funcionando ao mesmo tempo, ou a existência
de dois governos municipais em uma mesma cidade. Para o ex-presidente, faltavam disciplina
e organização políticas.

264
MEDINA, op. cit., p. 50.
265
GARRIDO, op. cit., p. 55.
140
Conforme Javier Garrido,

Aparentemente, os callistas acreditavam que em um país semifeudal e


agrário como o México, no qual não havia práticas democráticas e no qual a
grande maioria da população era analfabeta, um regime pluripartidarista
constituía um obstáculo para modernizar o país. A tradição caudilhista e
autoritária do México eram para eles legítimas e o partido da revolução
devia, por conseguinte, permiti-los organizar e enquadrar do mesmo jeito as
elites e as massas. Ainda que carecessem de uma idéia clara do que seria
esse partido.266

Deste modo, pode-se afirmar que o principal intuito do novo partido seria aglutinar
todos os grupos revolucionários, para que, assim, se alcançasse a almejada organização
política do país, abandonando, então, antigas alegorias políticas. Nota-se que as influências
doutrinárias eram praticamente inexistentes; existia, contudo, a influência de modelos
políticos europeus, como os partidos da URSS e da Itália. Conforme Garrido, “o
fortalecimento na Europa de modelos políticos tão distintos, como no regime comunista
soviético e no regime fascista italiano, ambos embasados na existência de partido único, tinha
sem dúvida certa influência sobre os dirigentes políticos mexicanos”267.

O historiador Jean Meyer também afirma que o PNR teria como principal intuito
aglutinar as formações e organizações revolucionárias do país, de tal modo que se assemelhou
a um partido único europeu.
Como sugere:

Não cabem dúvidas de que Calles mandou juntar informações e refletiu


pessoalmente sobre todos os sistemas políticos contemporâneos; o que mais
lhe interessou resultou o fascista italiano. Phil Weigand, em um trabalho,
menciona um exemplar dos estatutos do Grande Partido Fascista, traduzido
em espanhol, com notas à mão pelo sonorense. De Paris, em 1930, Marte R.
Gómez mandou a Calles um extenso memorando sobre a vida de Benito
Mussolini, o homem, o regime e sua obra. Sua fórmula é: tudo no Estado,
nada fora dele, nada contra ele, como emanação representativa da pátria.268

Os aliados do ex-presidente Calles acreditavam fielmente na consolidação do PNR,


como um aparato estatal forte. Influenciados amplamente por algumas idéias da época,
consideraram necessário organizar um partido político, no qual, segundo eles, as massas

266
GARRIDO, op. cit., p. 72.
267
Ibidem, p. 72.
268
MEYER, Jean. EL PNR/PRM como la nueva maquinaria electoral. In: MEDINA, Luís Peña. El siglo del
sufragio. México: Cultura Económica, 2010. p. 118.
141
“atomizadas pelo liberalismo individualista poderiam assumir a democracia social e
coletiva”269. O principal objetivo seria, portanto, organizar um partido permanente que, sem
desejar ser um “partido oficial”, fosse uma grande organização, que rompesse com os
modelos políticos da democracia burguesa: uma “frente revolucionária”. De acordo com Puig
Casauranc, Calles almejava “unificar no PNR as tendências revolucionárias do país: as forças
dispersas, os partidos locais, a maioria dos grupos políticos e organizações sindicais”270.

Durante a Convenção de Querétaro, os fundadores do partido e seus novos aliados


discutiram a natureza de três importantes documentos do PNR: a declaração de princípios, o
estatuto do PNR e o programa político. Somente dois partidos não participaram dela: o
obregonista PLM e o comunista PCM. Em seu último dia, o PNR nasceu oficialmente,
afirmando possuir a legitimidade revolucionária e a disciplina necessária para (re)organizar o
contexto sociopolítico mexicano.

Esses documentos regulamentavam o PNR, mas deixavam evidenciar a vontade


callista de fazer dele um movimento político extremamente amplo e, por conta disso,
acabavam assumindo uma retórica ambígua, imprecisa e, sobretudo, eclética. Em verdade, os
mesmos haviam sido divulgados na imprensa nacional, logo após a posse de Portes Gil, mas
somente agora seriam discutidos. Eles foram redigidos principalmente pelos callistas Basílio
Vadillo, Luís L. León e Puig Casauranc.

A “Declaração de princípios do PNR” evidenciava um objetivo maior de conciliação


e, por isso, omitia questões polêmicas, como a reforma agrária. Sua declaração aceitava o
sistema democrático e a Constituição de 1917, comprometendo-se em lutar pelo sufrágio
universal e o triunfo da maioria nas eleições, assim como, buscava a estabilidade dos
governos emanados da sua ação política. Além disso, a declaração evidenciava um partido
moderado, sobretudo, no âmbito social. O mesmo reconhecia, inclusive, que “o programa
material e cultural do México estava subordinado a condição econômica e mental do povo e
que era importante executar os preceitos contidos nos 27° e 123° artigos da Constituição”,
para os quais “a organização deveria reconhecer nas classes operárias e camponesas o fator
social mais importante da coletividade mexicana”271.

Ainda na declaração, o PNR afirmava que a nova meta do governo seria a soberania
nacional, portanto, dedicar-se-ia primeiramente a reconstrução nacional, para então, recuperá-

269
GARRIDO, op. cit., p. 73.
270
GARRIDO apud PUIG, op. cit., p. 75.
271
GARRIDO, op. cit., p. 75.
142
la da destruição do período revolucionário. No fim do extenso material, a declaração realiza a
seguinte constatação: “reconhece-se que, a partir de então, o governo deverá integra-se
essencialmente apenas aos homens da ideologia revolucionária. Neste aspecto, atenderá
primordialmente a organização econômica do país e a quitação de suas finanças” e, continua,
“no que se refere à política financeira, atenderemos à Nação, para que se resolva material e
moralmente, mediante o cumprimento de suas obrigações internas e externas”272.

O “Programa político do PNR” era praticamente o mesmo do governo callista, mas


com uma roupagem muito mais conservadora e marcada por múltiplos arcadismos. Foi
dividido em cinco capítulos – agricultura, comunicação, educação, fazenda e indústria –, que
continham propostas ambivalentes, onde imperavam os postulados revolucionários e os
anseios por um México próspero. Isso ocorria definitivamente por conta da pluralidade dos
redatores. O capítulo de educação, por exemplo, mesclava as idéias positivistas, com assuntos
clássicos do Velho Mundo e radicais da Revolução Mexicana.

De acordo com o Programa, o setor industrial deveria favorecer somente as indústrias


nacionais; já a indústria estrangeira seria protegida apenas se ela estivesse em sua totalidade
no México. Em relação à questão agrária, defendia os ejidos e a distribuição de terras. Ao
contrário do que se pode concluir, esse trecho não agradou as organizações camponesas e,
para elas, o PNR não possuía um programa agrário. No capítulo da comunicação, os redatores
se expressaram melhor com uma série de projetos ambiciosos, que falavam da construção de
novas rodovias e ferrovias, afirmando a importância do transporte aos cidadãos livres do
território273. Aos fazendeiros, o programa afirmava o seguinte: “o governo sob liderança
pnrista ia restabelecer e manter a ordem na economia e nas fazendas nacionais através da
coordenação das atividades de produção, de circulação e de consumo” 274. Tendo isso dito, o
documento finaliza: “neste aspecto, o PNR lutará para que de forma segura, mesmo que lenta,
se faça a reforma da organização agrária atual, propondo-se a fortalecer a fazenda municipal,
até que constitua a verdadeira base econômica do município e consolide seu progresso
cultural e material”275.

O “Estatuto do PNR” foi redigido por Basílio Vadillo e já indicava um partido de


estrutura débil, mas, profundamente centralizado. Para Javier Garrido, Vadillo havia sido

272
GARRIDO, op. cit., p. 76.
273
PROYECTO DE DECLARACION DEL PNR. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
274
Ibidem.
275
Ibidem.
143
embaixador do México na URSS e, sendo assim, era muito provável que tivesse tomado como
modelo alguns aspectos do Partido Comunista soviético276. Estruturalmente, o PNR dividia-se
em dois: 1) a estrutura direta (formada pelos Comitês Estaduais, Municipais, Executivo
Nacional e Diretivo Nacional) e 2) a estrutura indireta (formada pelos diversos partidos
nacionais, regionais e municipais recém-anexados ao PNR); de tal modo que o próprio partido
já se dizia uma “confederação de partidos”. Com isso, objetivava-se: unificar os elementos
revolucionários e submetê-los a uma disciplina rígida, definindo e consolidando cada vez
mais a doutrina e as conquistas da própria revolução. Para tanto, deveria encaminhar aos
cargos de representação apenas aqueles, cuja filiação e integridade moral revolucionária,
garantiriam seus postulados.

No estatuto, o PNR reconhecia a autonomia das organizações políticas municipais e


estaduais e, apesar disso, estabeleceu uma série de comitês cujo objetivo seria organizar a
política nacional. Deste modo, instituiu o Comitê Municipal (CM), o Comitê do Distrito
Eleitoral (CDE), o Comitê das Diretorias do Estado (CDE), o Comitê Nacional de Diretorias
(CND) e o Comitê Executivo Nacional (CEN). Os comitês funcionavam de acordo com a
localidade e a intensidade das problemáticas enfrentadas pelo PNR. Ou seja, os assuntos
locais referentes ao PNR seriam resolvidos pelos comitês municipais e, se a questão pnrista
ficasse progressivamente mais séria, passaria de comitê em comitê até atingir o CEN. O CEN
seria, portanto, o comitê mais importante do PNR. O CND seria o segundo mais importante e,
por isso, constituía-se de representantes locais. Seus indivíduos eram eleitos através do CEN,
que o tutelaria por seis anos consecutivos, uma vez que sua responsabilidade era controlar e
dirigir os programas do PNR. Além disso, a Convenção Nacional do PNR configurava a
reunião anual mais importante do partido, nas quais os pnristas poderiam introduzir reformas
partidárias e designar seu candidato à presidência pelo partido. Sua formação seria constituída
de “delegados” de todos os partidos, numa proporção de 1 para cada 10.000 habitantes. Para
escolher o candidato, os delegados poderiam propor seus eleitos na véspera do encontro.
Durante a convenção, fariam discursos em defesa de seus escolhidos e, apenas depois,
ocorreria a votação. Mediante isso, pode-se afirmar que o PNR passou a ser, então, concebido
como o verdadeiro “representante da nação”, o “herdeiro da Revolução Mexicana” e o
“Partido Oficial do Estado”.

Para Medina Peña, os documentos oficiais não puderam fugir muito daquilo que havia
sido feito por Obregón e Calles, então, o novo partido foi obrigado a aceitar a democracia
276
GARRIDO, op. cit., p. 80.
144
como forma de governo, a defender o sufrágio universal e a conjeturar uma perspectiva
política voltada ao social. No seu programa de ação, portanto, ficava clara a assimilação da
filosofia política callista: a educação socialista, o apoio à industrialização e aos pequenos
empresários agrícolas e a política agrária conservadora.

Neste ponto, cabe informar que não houve uma oposição acirrada ao longo do
encontro pnrista. No dia 3 de março de 1929, porém, ocorreu uma diminuta manifestação
liderada por José Gonzalo Escobar, Francisco R. Manzo e Jesús M. Aguirre. Quando os
callistas souberam da revolta recearam que os militares conseguissem dissolver a cerimônia,
que já ocorria há três dias e, por conta disso, apressaram-se em findá-la. A revolta
escobarista, como ficou conhecida, era uma tentativa de se opor ao projeto imposto pelo
callismo, mas, em verdade, não procurava mais que instituir a presidência de Escobar. Na
sessão vespertina, Perez Treviño comunicou a tentativa de golpe de Escobar e,
consequentemente, os oradores pnristas condenaram a rebelião.

Diante disso, Javier Garrido conclui:

Em 04 de Março de 1929, o quarto e último dia da convenção, o partido


nasceu como uma ampla frente de todos os revolucionários, agrupando 148
partidos de 28 entidades da República. Assim que aprovados os documentos
oficiais, os delegados firmaram um pacto afirmando que estavam decididos a
viver sob uma disciplina partidária. No outro dia, as 00h20min, o Presidente
da Convenção Felisberto Gómez, declarou formal e legalmente a
constituição do PNR. A Ata afirmava que nascia no país um agrupamento
político que teria como sede a Cidade do México e cujo órgão oficial seria a
revolução. Os convencionistas procederam então a nomear o candidato do
PNR e, assim, não houve debates quando o dirigente Manuel Reyes propôs
ao engenheiro Pascual Ortiz Rúbio. Para a convenção, porém, Calles era o
“Chefe Máximo da Revolução”, presidente do futuro partido do estado, e a
quem até o presidente estava subordinado.277

Após a presidência interina de Portes Gil, Calles empenhou-se em angariar apoio


político regional e nacional ao primeiro candidato pnrista Pascual Ortiz Rúbio, a fim de
derrotar o opositor José Vasconcelos. Logo que Ortiz Rúbio venceu as eleições, Calles
retirou-se da vida política mexicana. Alegando, inclusive, que havia se aposentado. Todavia,
os callistas, os obregonistas e os escobaristas acabaram entrando em conflito e,
consequentemente, Calles foi obrigado a retornar com o intuito de restabelecer a ordem no
Congresso.

277
GARRIDO, op. cit., p. 75.
145
A debilidade do PNR foi também seu alicerce de fundação: a aliança política entre
distintos grupos revolucionários. O presidente do CEN tinha um poder limitado, podia arbitrar
casos pequenos, regionais e municipais, intervir na candidatura de deputados federais e
senadores e, finalmente, orientar e disciplinar o Congresso. Os inevitáveis conflitos nos altos
escalões da classe política só poderiam ser resolvidos por Calles, como se fosse um segundo
presidente. Esse poder “informal” de Calles fez com que Ortiz Rúbio renunciasse ao cargo de
presidente, alegando, inclusive, que havia uma interferência excessiva de Calles nos assuntos
do Executivo. Após sua demissão, Abelardo L. Rodríguez assumiu a presidência. As medidas
mais relevantes da sua administração incluem a fundação de bancos e o restabelecimento da
educação socialista. Seu mandato presidencial acabou em 1934, momento em que Lázaro
Cárdenas assumiu o governo, um personagem forte que abalaria as estruturas do PNR.

Durante a II Convenção do PNR, em 1933, já se percebia duas vertentes opostas


dentro do partido: o conservadorismo callista e o radicalismo cardenista. O resultado disso
foi a promulgação do Plano Sexenal, um programa político referente ao próximo mandato
presidencial (1934-1940). Em geral, o plano tinha uma agenda conservadora, mas, assumia
também questões bem radicais, o que já indicava o interesse do Congresso em manter a
unidade e em incorporar as novas forças sociais. Conforme Medina, “o plano sexenal marcou
o início de um giro de 180° frente às políticas agrária, operária e social, até então, seguidas
pelos governos e inspiradas pelas diretivas callistas”278.

Esse documento articulou noções e propósitos claramente socialistas, particularmente


nos trechos referentes à educação, ao trabalho e ao problema agrário. Na educação, por
exemplo, estabeleceu-se que o Estado aplicaria uma educação socialista. No tocante ao setor
operário, afirmava que o partido estimularia a organização e a proteção dos trabalhadores,
favorecendo a contratação coletiva e estabelecendo o seguro social. Além disso, estimularia a
formação de cooperativas. Em relação ao setor agrário, assegurava que o principal intuito
seria a satisfação das necessidades da população. Nesse caso, apoiaria a extensão da
propriedade ejidal, com o fracionamento de latifúndios. Fora essas questões polêmicas, o
plano anunciava ainda a candidatura de Cárdenas, que já entrava em conflito com Calles e
seus aliados. Respeitando a maioria, Calles apoiou sua candidatura e convenceu Pérez
Treviño, então presidente do PNR, a não candidatar-se279.

278
MEDINA, op. cit., p. 80
279
Os presidentes do PNR podem ser divididos do seguinte modo: 1° Calles (4 de março de 1929); 2° Manuel
Peréz Treviño ( Abril a fevereiro de 1930); 3° Basilio Vadillo (fevereiro a abril de 1930); 4° Emilio Portes Gil
146
Ao longo de sua campanha eleitoral Cárdenas manifestou o desejo de dar ao seu
mandato uma base político-social própria. Desde o início, o discurso cardenista se orientou a
captar o apoio dos operários e camponeses com a retórica socialista, criticando
tangencialmente as políticas callistas. Cárdenas procurou definir sua própria perspectiva
política, sem seguir a lógica liberal ou a comunista soviética. Para ele, o Estado não era um
vigilante opressor, mas sim um regulador da economia, que deveria equilibrar as diferenças
sociais por intermédio de políticas favoráveis, tanto aos operários, quanto aos camponeses.
Em seguida à campanha, Cárdenas elegeu-se presidente. A cisão no interior do “partido
oficial” ficou cada vez mais evidente e, consequentemente, o presidenciável aproximou-se dos
que se opunham ao callismo, camponeses e operários.

Os cardenistas eram minoria no Congresso, no gabinete e no “partido oficial”. Nesses


ambientes políticos, a situação era de constante tensão, pois Calles e seus aliados
frequentemente criticavam as políticas cardenistas. Em junho de 1935, o Chefe Máximo
decidiu entregar à imprensa declarações que condenavam as divisões no congresso e a
“maratona de radicalismos” que havia se desencadeado. Mas, Cárdenas agiu com rapidez. À
surdina, passou a agrupar e organizar o sentimento anticallista da população em geral;
apoiando-se nos camponeses e operários.

Segundo Medina Peña,

A crise política em junho de 1935 entre Calles e o presidente Cárdenas foi


motivada pela natureza radical das políticas sociais, que havia assumido o
governo. E Cárdenas havia de ganhar, pois suas novas relações de força
internas e externas atuavam já a favor de políticas sociais radicais e de um
estado interventor. A fim de contas foi um conflito de poder no qual Calles
percebeu tardiamente que o novo presidente havia estabelecido sua própria
base social e política. Sem que Calles e seus aliados desconfiassem,
Cárdenas criou uma base de apoio à margem do PNR.280

Antes de passarmos ao próximo tópico deste capítulo, é pertinente elaborar um


compêndio acerca da formação e consolidação do PNR. O período de 1929 a 1934 foi
denominado pelos mexicanistas como “Maximato”, como já exposto. Isso ocorreu para que se

(abril a outubro de 1930); 5° Lázaro Cárdenas del Río (outubro de 1930 a agosto de 1931); 6° Peréz Treviño
(agosto de 1931 maio de 1933) ; 7° Melchior Ortega (maio de 1933); 8° Peréz Treviño (junho a agosto de 1933);
9° Carlos Riva Palacio (agosto de 1933 a dezembro de 1934); 10° Matías Ramos (dezembro de 1934 a junho de
1935); 11° Portes Gil (junho de 1935 a agosto de 1936) e finalmente, 12° Silvano Barba González (agosto de
1936 a dezembro de 1938).
280
MEDINA, op. cit., p.82.
147
deixasse evidente a forte presença de Elías Calles, cumprindo seu papel de “Chefe Máximo da
Revolução”. Após o estabelecimento do PNR, Calles acabou adquirindo um poder ainda
maior do que o reservado ao Executivo, ocasionando um governo federal dualista (pois,
Calles governava junto ao presidente eleito) de longos dez anos281. Para o ex-presidente, o
cenário exigia algo mais arbitrário, daí a criação de uma nova figura caudilhesca: o caudilho
institucional. Esse dualismo chegou ao fim somente com a consolidação de novas forças
políticas, representadas por grupos camponeses e operários, e não pelo choque entre figuras
políticas de peso, como normalmente se afirma.

Em suma, o PNR não estabeleceu um sistema político de partido único, com afirmam
alguns mexicanistas. No entanto, seu esquema político anulava as demais formações
partidárias, contrarrevolucionárias ou não, ao alegarem que elas eram ilegais. Logo, o partido
acabava imperando no cenário político mexicano, aparentando um legítimo partido único
(mas, não o era). Faziam parte desse sistema apenas os partidos que se sujeitavam a seguir as
diretrizes e normas impostas pelo Estado, como os porvindouros PAN e PARM. E, sendo
assim, o partido se apresentava como a instituição política oriunda da Revolução Mexicana,
assim como, designava-se a legítima representação das massas populares revolucionárias;
portanto, as organizações que não se atrelavam ao PNR constituíam uma oposição à
revolução.

A organização do PNR estabelecia um partido político com uma dupla estrutura: 1) a


estrutura direta, que repousava sobre a “base territorial”, com comitês e convenções e 2) a
estrutura indireta, que era preenchida pelos partidos nacionais, estatais e municipais. O CEN
foi o principal comitê no interior do partido, sua função baseava-se na mediação entre Estado
e as mais variadas forças, partido e organizações, que haviam se atrelado ao PNR. A ação de
todas as organizações era autônoma, como realização de propaganda ou o estabelecimento de
candidatos aos cargos municipais, mas em assuntos de importância deveriam submeter-se à
autoridade nacional ou estatal.

O PNR declarava-se revolucionário e, como efeito, se convertia no herdeiro da


Revolução Mexicana. Ao utilizar da palavra “nacional” e apropriar-se das cores da bandeira,
estabeleceu-se como a instituição política do Estado, que “bem-recebia” e organizava as
forças políticas do México. Nos discursos, os dirigentes afirmavam que o partido havia
assimilado os desígnios e valores pátrios, que surgiram no território desde as primeiras

281
Nessa época, o PNR recebeu um segundo nome: o “Partido Oficial do Estado”; e por isso, seus
correligionários diziam fazer parte de uma “família revolucionária” e, inclusive, se chamavam de “irmãos”.
148
civilizações, e, por conta disso, era o único capaz de transformar o país. Seu fundador, Elías
Calles, não resistiu à tentação e acabou fazendo do partido um instrumento político
exclusivamente seu. Desde sua formação, o “partido oficial” ficou à mercê de suas vontades.
Assim, seus acordos, comitês e diretorias estavam abaixo da autoridade do Chefe Máximo da
Revolução, como era chamado.

A instituição do PNR, de fato, amenizou o clima de insurreição que ocorria desde o


início do século XX, estabilizando a política e fortalecendo o aparato estatal. Nesse período, o
partido fixou-se como o centro das principais decisões políticas do país e, devido aos
mecanismos de controle e coerção, Calles estabeleceu-se como a principal autoridade do
partido e do Estado. Seu regime foi teoricamente pluralista, mas combateu incessantemente as
principais formações e movimentos políticos da oposição. Nesse período, os únicos partidos
de oposição, o PLM e PCM, acabaram perdendo sua força política. Em 1934, o PNR possuía
aproximadamente um milhão de filiados e, por conta disso, acabou sendo a organização mais
poderosa da nação. Apesar dos esforços de seus dirigentes, o partido não foi popular. Por se
identificar com o callismo, não gozou de prestígio entre as massas. Os escritores, pintores e
poetas, por exemplo, não se manifestaram em relação à formação do PNR. E, sendo assim,
acredita-se que ela praticamente passou despercebida por uma parcela da população. Para
eles, o PNR não passava de instrumento eleitoral da oligarquia e, por isso, não sustentava
moralmente os postulados da revolução.

Concluímos este subitem, portanto, com a constatação do renomado historiador Héctor


Aguilar Camín em “México: a cinza e a semente”:

O PNR foi um partido essencialmente de cúpula, um pacto de senhores da


guerra, caciques regionais, generais e políticos civis. Não se agruparam com
a idéia de ser um partido único, mas de ser o “Partido da Revolução”, em
oposição ao “Partido da Reação”, em uma lógica que reproduzia a luta do
século XIX entre liberais e conservadores. O PNR estreou derrotando, graças
ao controle governamental das eleições, a candidatura independente de José
Vasconcelos, antigo ministro do regime revolucionário, tratado, no entanto,
como símbolo da reação. A manipulação eleitoral, é preciso dizer, não foi
uma invenção de revolucionários. Era a tradição vigente em um país sem
cidadania real nem instituições democráticas enraizadas, um país de
costumes corporativistas e feudais.282

282
CAMIN, Héctor Camín. A cinza e a semente. Tradução de BEI. São Paulo: BEI Comunicação, 2002. p. 34.
149
2.2. Primeira Reforma: a formação do PRM

Lázaro Cárdenas assumiu a presidência em 1 de dezembro de 1934. Nessa época, já se


notava uma séria divergência política no PNR; de um lado, estavam os conservadores
callistas e, de outro, os radicais cardenistas. Essa contenda degringolou na porvindoura crise
política de 1935-1936 e, por conseguinte, no exílio de Elías Calles.

No dia 15 de junho de 1935, Calles publicou no El Nacional uma série de críticas à


divisão do gabinete e ao radicalismo cardenista. Três dias depois, o presidente Cárdenas
outorgou a renúncia de todos os callistas do governo e, inclusive, obrigou a deposição do
Chefe Máximo. Este percebeu tardiamente que havia uma forte base cardenista no PNR e,
poucos dias depois, saiu do país. A partir disso, a presidência do PNR ficou sob a
responsabilidade de Portes Gil, que não aguentou a pressão e acabou renunciando; mais uma
vez. Logo, o PNR ficou sob a tutela de Cárdenas, dando forma àquilo que caracterizou seu
mandato: a presidência fortemente centralizada, controlando o Executivo, o Legislativo, o
Judiciário e o “partido oficial”. Após a expulsão de Calles, Cárdenas iniciou uma série de
mudanças políticas no interior do PNR e, consequentemente, no seu plano de governo, que
levou a o rebatismo do partido e à formação do PRM.

Antes de mencionarmos a formação e consolidação do PRM, passaremos aos três


últimos anos do PNR. Assim, a primeira questão a ser debatida será a formação da
Confederação de Trabalhadores Mexicanos (CTM), cuja trajetória definitivamente influenciou
a evolução do PNR, tendo sido planejada durante a crise política de 1935-1936 e as constantes
paralisações camponês-operárias do período. Seus líderes ainda estavam atrelados à
Confederação Regional Operária Mexicana (CROM)283, quando resolveram desligar-se dela e
formar um grupo dissidente: o “CROM depurada”. A partir de 1936, porém, Fernando
Amilpa, Fidel Velazquez, Jesús Yurén e Vicente Lombardo Toledano, decidiram formar uma
nova confederação sindical; oficializada em 24 de fevereiro de 1936.

A paulatina eliminação dos callistas da cúpula do poder e a divulgação do plano


presidencial de reorganizar as massas garantiram às formações e aos grupos políticos a

283
A CROM surgiu em maio de 1918 e constituiu a primeira confederação sindical mexicana a abranger todo o
território nacional. Nos meados da década de 1930, Vicente Lombardo Toledano saiu da CROM e fundou a
CTM, uma nova confederação atrelada ao Estado cardenista. Com o tempo, a CTM acabou se sobressaindo à
CROM.
150
sensação de que teriam maior abertura no cenário mexicano. O primeiro passo seria
reorganizar os camponeses e, o segundo, estruturar uma grande central operária; mas, o
contexto histórico fez com que a ordem desses passos fosse alterada.

A constituição da nova central operária ocorreu em um ambiente controvertido, mas


contou com a adesão das principais organizações populares. As principais confederações do
período atrelaram-se a nova formação: a Confederação dos Trabalhadores do México
(CNDP), Confederação Geral dos Operários e Camponeses Mexicanos (CGOCM) e a
Confederação Sindical Unitária do México (CSUM). Essas organizações, e outras mais,
participaram do I Congresso Nacional da Unificação Operária, que ocorreu de 21 a 24 de
fevereiro de 1936, e acabaram formando a CTM.

O governo cardenista já havia manifestado em diversas ocasiões suas preocupações


quanto à criação da nova central operária, principalmente, se anexasse aos camponeses, o
“calcanhar de Aquiles” de Cárdenas. Afinal, ele já havia afirmado no início de 1936 que os
camponeses deveriam ser organizados pelas instituições estatais. Lombardo Toledano e seus
aliados continuaram a organizar a CTM, com a retórica de que a central abrangeria
camponeses e operários. Isso causou um “mal estar” entre o PNR e a CTM, atingindo uma
dimensão política na qual Cárdenas se viu obrigado a reiterar sua oposição ao projeto de
Toledano em uma coletiva de imprensa realizada no trem presidencial, em La Pila, Cidade do
México (DF), no dia 27 de fevereiro de 1926.

A relação política entre a CTM e o PNR não foi, portanto, cordial. Quando perguntado
sobre a formação da CTM, Portes Gil começou dizendo que aplaudia a iniciativa e, logo
depois, realizou uma série de críticas aos dirigentes cetemistas, arguindo, inclusive, que eles
haviam criticado o PNR quando almejou organizar os camponeses. Em resposta, a CTM
redarguiu que, enfim, o “partido do Estado” assumia os constantes intentos de organizar
politicamente os camponeses. Geralmente, as críticas da CTM direcionavam-se mais ao
presidente do PNR, Portes Gil, chamando-o frequentemente de corrupto e representante das
velhas práticas callistas. Os dirigentes do PNR ignoraram amplamente a inauguração da CTM
e não deram maior publicidade à formação.

O desenvolvimento da CTM influenciou a evolução do PNR. Apesar do esforço de


Cárdenas, o PNR ainda era visto como um partido caudilhesco. E, a CTM acabou assumindo
um importante papel no contexto político mexicano. No fim de 1936, a Central tornou-se o
principal pilar da política de massas do presidente, afinal, conseguia reunir em si diferentes

151
setores, como: açucareiros, eletricistas, ferrocarrilheiros, empregados públicos, mineiros,
professores, entre outros. Apesar de sua promessa, os líderes cetemistas seguiram organizando
os camponeses e, em meados de 1936, algumas atividades da CTM eram claramente
reservadas ao público agrário. Com sua rápida consolidação, a CTM assumiu o primeiro lugar
na organização de massas; uma vez que, possuía mais de 2 milhões de membros. O PNR, por
sua vez, não reconhecia a organização cetemista como uma competição política.

Além dessa influência cetemista, a “política de abertura” exercida por Lázaro


Cárdenas também influiu na reforma do PNR. O presidente passou a ampliar a abrangência
política do partido, a fim de conquistar esses novos grupos políticos que estavam cada vez
mais fortes e organizados. A partir de 1937, os dirigentes pnristas assumiram uma série de
acordos que resultaram na “abertura” à participação de camponeses e operários. O CEN,
seguindo ordens do presidente, informou, via telegrama, as novas diretrizes e normas de
democracia interna.

Segundo Javier Garrido,

Os telegramas pediam absoluta imparcialidade dos órgãos partidários no


processo eleitoral, a fim de que todos os pré-candidatos tivessem as mesmas
chances e, insistentemente, enfatizaram a importância da participação
popular, pois recomendavam promover a filiação dos camponeses e
operários ao PNR.284

Essa nova política objetivou limitar a ação e a força dos callistas remanescentes, assim
como, angariar uma maior participação camponês-operária no partido, para que, então,
impedisse o aumento da fissura já existente. Deste modo, os dirigentes do partido avisaram
aos filiados que deveriam aceitar, a partir de agora, a participação das organizações
camponesas e operárias em suas assembleias, garantindo-lhes credenciais definitivas.

Além disso, Cárdenas solicitou outra “abertura”: a organização no partido de mulheres


e jovens285. Nesse sentido, os dirigentes passaram a ampliar a participação de ambos os
seguimentos; embora as mulheres ainda não votassem, o CEN anunciou que participariam de
eleições internas. Imediatamente, algumas organizações feministas atrelaram-se ao PNR,
como ocorreu, por exemplo, com a Oficina de Ação Feminina (OAF).

284
GARRIDO, op. cit., p. 205.
285
CÁRDENAS, LÁZARO. Segundo Informe de Cárdenas. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
152
A “política de abertura” pretendeu, portanto, refazer a imagem do PNR, imprimindo
uma organização política voltada unicamente às massas. O CEN ficou responsável por
transmitir essa propaganda ao maior número possível de mexicanos e, por conta disso, o
mesmo passou a editar jornais que arrazoavam acerca de temas caros à política cardenista,
como a “A unificação camponesa” (200.000 exemplares), “A escola e o camponês” (210.000
exemplares), “Os quatorze pontos da política operária presidencial” (200.000). O próprio El
Nacional passou a ter uma tiragem digna da grande indústria editorial mexicana e algumas
das reportagens acima eram, inclusive, republicadas em um semanário chamado Los doce.

O PNR havia mudado em muitos quesitos, o que deixava os callistas remanescentes


indignados. Apenas uma questão não mudava: a nomeação de candidatos. Algumas práticas
da época de Calles não abandonavam o PNR, pois seu presidente, Portes Gil, garantia que elas
continuassem intactas. Mas Lázaro Cárdenas tinha outros planos e, assim sendo, mudou o
processo de eleições internas; um assunto muito arriscado e polêmico na época.

As eleições internas ocorreriam da seguinte forma: os principais setores do partido


escolheriam entre si um candidato e, em seguida, convocar-se-ia uma Assembleia Nacional,
na qual os filiados votariam em um dos candidatos designados pelos setores 286. O vencedor
receberia o cargo ao qual concorrera. Seguir-se-ia tal lógica aos encargos internos e públicos,
como as candidaturas municipais, estaduais e nacionais. Em geral, o novo procedimento
representou mais uma abertura do partido, uma vez que os líderes camponeses e sindicais
poderiam atrelar-se à sua estrutura política. Com a mudança radical, a oposição veio de
próprio Portes Gil ao arguir que o partido não escutava seus fiéis seguidores e, por isso,
afastava cada vez mais aos dissidentes. Ele acabou renunciando pela pressão interna que
sofreu e, em seguida, fugiu a Nova Iorque.

Após a renúncia de Portes Gil, a presidência do PNR ficou sob a responsabilidade de


Silvano Barba González. Ele seria o último presidente do partido, antes da primeira mudança.
Após sua posse, a administração cardenista tornou-se ainda mais voltada às questões sociais
e, por conta disso, passou a realizar os seguintes feitos: reformou e ampliou a lei de
expropriação (1936); permitiu o exílio de León Trotsky (1936); nacionalizou as ferrovias
(1937) e, finalmente, reformou e ampliou a lei de reforma agrária (1937). Além disso, o
movimento camponês-operário organizou-se de acordo com o projeto cardenista. Logo, a

286
Esta decisão foi positiva e elogiada pela CTM; chamavam-na de firme passo à “democracia funcional”.
153
CTM e CNC287 foram incorporadas ao aparato estatal. A CNC foi organizada pelo próprio
PNR, e instituída oficialmente pelo PRM, mas a CTM, apesar de manter a política cardenista,
seguia como uma organização relativamente independente.

O PNR havia mudado e seus correligionários questionavam-se quanto à continuidade


do partido. Os três primeiros anos de Cárdenas na presidência abalaram as estruturas do
mesmo e, com o intuito de conter os questionamentos, o presidente resolveu adotar duas
medidas: a primeira implicou na criação da “Frente Popular Mexicana” e a segunda resumiu-
se no estabelecimento do setor militar dentro do partido. No final de 1936, os dirigentes da
CTM e do PCM começaram a discutir a criação de uma Frente Popular no México. Cárdenas
astutamente adiantou-se e, assim que percebeu as movimentações, chamou-os a discutir no
interior do PNR, respaldados, obviamente, pela política de “portas abertas”. No dia 21 de
fevereiro de 1937, o CEN aprovou a iniciativa e criou-se oficialmente a Frente Popular
Mexicana, com uma aliança entre o CTM, PCM e PNR.

A formação do setor militar representou um dos últimos passos do PNR. A partir dele,
o partido passou a funcionar com quatro setores: o agrário, o operário, o popular e o militar.
Essa mudança foi anunciada ao longo do “Manifesto do Presidente da República sobre a
transformação do PNR”, em 18 de dezembro de 1937, na qual afirmou que o setor do exército
participaria da estrutura do partido, não como uma instituição deliberativa ou como uma casta
particular odiosa, mas, segundo o próprio Cárdenas, “como uma reintegração cidadã que com
disciplina e pensamento elevado de dignidade e patriotismo, que é norma do exército,
continue apoiando as opiniões majoritárias e assegurando a manutenção e a integridade da
Constituição de 1917”288.

Para Medina Peña, a constituição do quarto setor

(...) foi inquestionavelmente um triunfo pessoal de Cárdenas, que dava


grande atenção a realização de seu projeto. A autoridade presidencial sobre o
exército foi sem dúvida um fator decisivo para ele permitir as autoridades
vencer as últimas resistências finais do inverno de 1937-1938, mas a
agravação das tensões internacionais que teve lugar ao começar 1938 –
sobretudo, a conexão Áustria e Alemanha – contribuiu provavelmente a

287
A Confederação Nacional Camponesa (CNC) foi fundada em agosto de 1938. Constituiu uma organização de
ejidatários, assalariados, produtores agrícolas e reivindicadores de terras. Começou a ser organizada pelo PNR
no Comitê Organizador da Unidade Camponesa (COUC) e, assim que surgiu o PRM, ela se estabeleceu
oficialmente. Por um longo período, foi a única confederação que representava o setor agrário.
288
CÁRDENAS, Lázaro. MANIFESTO DEL PNR. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
154
convencer aos oficiais inimigos do projeto sobre a necessidade de preservar
a unidade das forças armadas e de participar das atividades do futuro PRM,
como propunha o presidente.289

A Assembleia Nacional do PNR, que formaria o PRM, começou no primeiro mês de


1938. Nesse momento, a CTM foi incorporada ao partido, mas reiterou continuamente sua
necessidade de autonomia e liberdade de ação. O PCM não cedeu e acabou à margem do que
acontecia. No mês de março, o PRM começou a tomar forma: em primeiro lugar, o partido se
organizaria em setores e, em segundo, o partido teria um setor militar. Nada muito diferente
do que havia sido promulgado até então. O partido também funcionaria com quatro setores,
mas, aqui, o setor camponês era o principal, pois tinha um alto número de sindicalizados. O
setor operário era o segundo mais importante e, apesar de sua autonomia, apoiava o governo
plenamente em sua política interna e externa. Já o popular era mais débil estruturalmente e
não lhe restava outro caminho, senão aceitar a nova formação.

Houve também a inclusão da política de “democracia funcional”, com o artigo 56 do


estatuto do PRM. Nesse documento, afirmava-se que, com exceção do presidente e dos
governadores, a candidatura seria realizada de acordo com o peso dos setores. No caso dos
municípios, os prefeitos e o Conselho Regional ficariam responsáveis por distribuir as
chefaturas aos quatro setores, que estariam responsáveis por convocá-los e organizá-los,
quando necessário. A seleção à candidatura dos deputados federais tornou-se responsabilidade
do novo Comitê Central Executivo (CCE) do PRM; nota-se, portanto, que o CEN recebeu
uma nova nomenclatura. Em relação à escolha de candidatos aos cargos de governador,
senador e presidente, o estatuto previa Assembleias Setoriais que elegeriam “delegados”.
Esses seriam relativos ao número de sindicalizados e assim que tal assembleia escolhesse seu
candidato, realizava-se a Assembleia Nacional, organizada e vigiada pelos delegados, para
que, assim, se designasse um único vencedor.

No final da Assembleia, Cárdenas assumiu uma posição importante para a agenda do


partido: a estatização do petróleo. No dia 18 de março de 1938, o presidente expropriou as
instalações estrangeiras. Mas a formação da Petróleos Mexicanos (PEMEX) aconteceu apenas
em 7 de junho de 1938. Após a estatização, criou-se oficialmente o Partido da Revolução
Mexicana (PRM).

Para Javier Garrido,

289
MEDINA, op. cit., p.150.
155
O PRM nasceu como uma ruptura e como uma continuidade em relação ao
PNR. Ao abrir a sessão, Barba González expressou que o CEN do PNR se
retirava com a satisfação de haver colaborado com o regime de Cárdenas.
Por sua parte, Lombardo Toledano em uma ampla exposição explicou na
forma mais explicita possível quais eram as bases de sua união com o PRM.
Lombardo dizia que o novo partido nascia em circunstâncias transcendentais
para a vida futura do México e, por isso, era importante mencionar
claramente o que se esperava dele. O PRM tinha para os cetemistas uma
dupla responsabilidade: a aliança dos setores revolucionários do México, que
se destinaria aos operários. Nessa sessão, os 393 delegados firmaram um
Pacto Constitutivo e, as 15h30min de 30 de março de 1938, Barba declarou
constituído legitimamente o PRM.290

O novo emblema do “partido oficial” seguia a mesma lógica anterior, as cores da


bandeira mexicana ao fundo e as siglas do partido intercalando a cor branca e preta. Nos
jornais do país, difundia-se a imagem de um camponês, um operário, um soldado e um
homem de classe média levantando vigorosamente a bandeira do PRM.

No “Pacto, Princípios e Programa do PRM”, os membros dos quatro setores


acordaram em não realizar qualquer ato de natureza autoritária, principalmente, no quesito
político-eleitoral, mas sim em seguir os estatutos, regulamentos e acordos da nova formação.
O Pacto ainda afirmava que o PRM compunha-se de organizações agrárias e sindicatos
trabalhistas, como a CTM, a CROM, a CGT291, o SME292 e a STMMRM293. Além disso, o
novo “partido oficial” atrelava-se à marinha, ao exército e aos elementos do setor popular,
como o polêmico contingente feminino.

Conforme o Pacto, o PRM objetivava

(...) vigiar a sistemática aplicação dos preceitos constitucionais e das leis


agrárias em vigor, promovendo reformas aos ordenamentos que julguem
pertinentes; a fim de transformar por completo o regime da propriedade rural
e satisfazer totalmente as necessidades da questão agrária. O programa
mínimo do partido, em matéria de cooperativismo, compreende os seguintes
pontos principais: a) Fomentar a organização de cooperativas entre os
pequenos agricultores; b) Organizar as cooperativas de consumo entre os
camponeses, para evitar assim a exploração de que é objeto por parte de
intermediários.294

290
GARRIDO, op. cit., p. 246-247.
291
Confederação Geral do Trabalho (CGT).
292
Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME).
293
Sindicato de Trabalhadores Mexicanos Mineradores da Revolução Mexicana (STMMRM).
294
PACTO, PRINCIPIOS Y PROGRAMA DEL PRM. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
156
Na Declaração de Princípios, afirmou-se que o partido aceitava “o sistema
democrático de governo”, mas reconhecia também a existência da luta de classes, que se
concebia como um fenômeno inerente ao regime capitalista e, por isso, se sentia na
obrigatoriedade de resguardar os direitos dos operários. Assim, considerava como meta
fundamental a preparação da população mexicana à implantação da “democracia dos
trabalhadores”, visando o regime socialista.

Mediante um rigoroso senso revolucionário, o PRM propunha-se a travar uma luta


política em favor da “emancipação do proletário” e, sendo assim, agiria com vistas a:
cooperar com as centrais sindicais; impulsionar a reparação técnica ao operariado; promover
reformais legais, conforme os direitos alcançados; lutar pelo direito de greve; lutar pela
previdência social; vigiar a aplicação dos preceitos constitucionais referentes à questão
trabalhista; entre outras questões. Com o vocabulário radical, o partido enfatizava a condição
de inferioridade que a mulher havia sido obrigada a experimentar e, nesse sentido, afirmava
que lutaria para que ela fugisse dessa condição.

No estatuto do PRM, assinalou-se claramente uma dupla estrutura política – direta e


indireta – e o caráter predominante desta última. O setor popular formar-se-ia de artesãos,
estudantes, membros de cooperativas, profissionais liberais, pequenos comerciantes,
trabalhadores independentes e elementos cujos interesses confluíam na revolução295. A
estrutura direta do PRM repousava, mais solidamente do que no passado, sobre os quatro
setores. Os principais comitês do PRM eram, indubitavelmente, o Comitê Central Executivo
(CCE) e o Conselho Nacional (CN). O CCE formar-se-iam de seis membros, que ocupariam
seus cargos por três anos. A presidência do partido e a “Secretaria de Ação Feminina” seriam
nomeadas pela Assembleia Nacional; ao passo que seriam nomeados pelos próprios setores,
os secretários de “Ação Operária”, “Ação Agrária”, “Ação Social e militar”, “Ação Popular e
Cultural”.

O CCE tinha a função de dirigir os trabalhos do partido, estabelecendo, inclusive, o


programa anual de administração pública, que seria submetido à aprovação da Assembleia, na
qual também se designava o candidato presidencial. O CN far-se-ia composto por 32
membros, que assumiria a seguinte configuração: seis membros por cada setor, seis membros

295
DECLARACIÓN DE PRINCIPIOS Y PROGRAMA DEL PRM. In: Pacto constitutivo, declaración de
principios e estatutos. Turanzas del Valle: La impresora, 1938. P. 5-8.
157
da CCE, um deputado e um senador – e seu objetivo seria interpretar os estatutos, convocar as
assembleias e orientar o CCE. Cada entidade deveria possuir um Conselho Regional (CR) e
um Comitê Executivo Regional (CER), cuja atribuição essencial seria executar os acordos das
assembleias e dos conselhos, repetindo-se a mesma organização a nível municipal296.

A preeminência de caráter indireto do partido se manifestou mais claramente no


aspecto eleitoral. Os procedimentos estipulados para se eleger candidatos prmistas buscavam,
primordialmente, a legitimação popular, algo que havia faltado durante o período callista. As
eleições à candidatura presidencial eram responsabilidade da Assembleia Nacional, que estava
integrada aos delegados setoriais. O número de delegados por setor ficava a critério da CN,
com exceção dos militares cujo número era estabelecido pelo Departamento de Defesa
Nacional do PRM. As propostas de candidatura eram realizadas em papéis frente à mesa
dirigente da Assembleia Regional e, sendo assim, os setores designariam um candidato, que
concorreriam em Assembleia Nacional, como afirmamos acima.

A primeira eleição ao CCE do PRM havia sido nos dias precedentes a AN; e também
foi a primeira oportunidade para se estabelecer uma controvérsia entre os setores, porque se
afrontavam duas candidaturas: o “homem de confiança de Cárdenas” Luís I. Rodríguez e o
comunista Juan José Ríos. A autoridade presidencial estava mais firme do que nunca e os
delegados dos quatro setores aceitaram, então, a candidatura de Rodríguez, que se converteu,
assim, no primeiro presidente do PRM; o presidente do partido que presidira o CCE.
Após a criação do PRM, Cárdenas atingiu alguns objetivos políticos que
engrandeceram sua presidência e a sua imagem. De um lado, reduziu a burocracia política,
promovendo uma disciplina mais rígida; e do outro, “completou a obra”, como afirma
Medina, “de instaurar o presidencialismo ao „estilo mexicano‟, juntando a administração
presidencial ao estilo do Maximato, com a primazia política arbitral de „Chefe de Estado‟”297.

O período cardenista representou, sobretudo, a consolidação política tardia dos


pressupostos propagados durante a revolução. Contudo, não designou somente bem-
aventuranças. A partir de 1938, as reformas sociais foram brecadas: houve menor
investimento do exterior; as companhias estrangeiras saíram do país, pois, receavam as greves

296
Resumidamente os órgãos de direção do PRM eram assim: a Assembleia Nacional decidia o Conselho
Nacional, que determinava o Comitê Central Executivo. A Assembléia Regional determinava o Comitê
Executivo Regional e o Conselho Regional. O CER determinava e tutelava o Comitê Municipal. Os quatro
setores estavam presentes apenas no CN e no CCE. O resto dos comitês e conselhos não tinham a presença do
setor militar; então, Cárdenas, em verdade, limitou a ação dos militares na política nacional ao criar um setor
específico deles.
297
MEDINA, op. cit., p. 158.
158
e a nacionalização; a malha ferroviária encontrava-se extremamente deteriorada e a baixa
tecnologia atrapalhava a produção nacional. Desde 1935, a inflação aumentava anualmente.
Em 1936, aumentou em 26% e, em 1939, 9%. De 1934 a 1940, o salário-mínimo diminuiu em
21% ao ano. Além disso, em 12 de abril de 1939, ocorreu um acidente grave na linha férrea
Guadalajara-Laredo, no qual dois trens colidiram e ocasionaram a morte de cinquenta
pessoas, o que provocou a comoção nacional e tornou mais grave a situação. Esse apanhado
de acontecimentos promoveu o aumento da oposição ao governo, pois, a ala conservadora
estava farta, sobretudo, da alta da inflação e das aulas de educação sexual298 e das velhas
estradas ferroviárias. No fim de seu mandato, Cárdenas passou a ser pressionado por uma
nova vertente conservadora, o Partido Ação Nacional (PAN), inaugurado em 17 de setembro
de 1939299.

Nos idos de 1939, o principal assunto do PRM era a sucessão presidencial. O mesmo
deveria nomear seu candidato a presidência através de eleições internas. Existiam dois
candidatos que deixavam evidente a nova cisão do partido300: o Secretário de Defesa Nacional
Manuel Ávila Camacho, o Secretário de Comunicações e Obras Públicas Francisco Múgica e
o Comandante Rafael Sánchez Tapia. Múgica representava a continuidade do cardenismo em
seus aspectos socialistas; contudo, Ávila Camacho e Sánchez Tapia apresentavam-se como
candidatos moderados. Os outros pré-candidatos, como Almazán e Amaro, eram de extrema
direita e, por conta disso, não receberam votos suficientes para aspirar à candidatura do PRM,
procurando apoio fora dele.

No mês de novembro de 1939, ocorreu a III Convenção do “partido oficial”, que


deliberou o Segundo Plano Sexenal (1940-1946) e a candidatura de Ávila Camacho. A
Assembleia ocorreu tranquilamente e nela participaram 1.478 delegados, sendo que 714 eram
do setor camponês, 351 do setor operário, 310 do setor popular e 103 do setor militar. O
Segundo Plano sexenal fora dividido em quatorze partes: 1) a distribuição de terras e
produção agrícola, 2) a economia industrial, 3) a fazenda e crédito público, 4) as
comunicações e as obras públicas, 5) o trabalho e a previsão social, 6) a educação pública, 7)
a salubridade, 8) a assistência pública, 9) as relações exteriores, 10) o governo, 11) a

298
A educação socialista propagada por Cárdenas estabelecia a educação sexual na grade curricular das escolas
mexicanas. Essa proposta foi abertamente repudiada pela oposição conservadora, que afirmava induzir os jovens
à prática sexual.
299
ACTA CONSTITUTIVA DEL PAN. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2°
Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
300
A mesma divisão de sempre: conservadores e radicais.
159
publicidade, 12) a defesa nacional, 13) o departamento do distrito federal e, finalmente, 14) o
planejamento e coordenação.

A campanha eleitoral resultou em um período de mudanças importantes ao PRM. O


amplo movimento da oposição ao regime que se estabeleceu, sobretudo, após a escolha de
Camacho, e a crise político-econômica que se iniciou com o estouro da Segunda Guerra
Mundial, forçou o governo de Cárdenas a reformular seu papel. Já que a oposição interna
compunha-se de conservadores e radicais, que haviam apoiado à candidatura de Múgica.
Camacho assumiu uma postura de “tolerância política”, discursando, sobretudo, à classe
média. Isso destoava na campanha agressiva dos grupos radicais e pró-fascistas que
apareciam.

As eleições ocorreram em clima de violência, com assaltos, queima de veículos,


saques às lojas e alguns feridos. Nelas, Camacho concorreu, sobretudo, com o Juan Andreu
Almazán do Partido Revolucionário Unificação Nacional (PRUN), apoiado também pelos
partidos PLM e PAN. Estimava-se que Almazán fosse o grande favorito às eleições de 1940.
O resultado, contudo, foi o seguinte: Camacho recebeu 2.476.641 votos pelo PRM (93,89%);
Almazán recebeu 151.101 pelo PAN, PLM e PRUN (5,72%) e Rafael Sánchez Tapia (um
candidato independente) ganhou 9.842de votos (0,39%). Os primeiros resultados oficiais
proclamaram vencedor por uma ampla margem de votos Camacho, mas os setores da
população ficaram com a impressão de que havia ocorrido fraude eleitoral.

Após a vitória de Camacho, os almazanistas manifestaram-se inconformados com as


eleições e declararam-na uma grande farsa. As eleições de 1940 foram as mais violentas da
história. Temendo uma revolta dos almazanistas, o governo trouxe grupos camponeses para
vigiar a ordem na cidade. O PRM tinha sobre o PRUM a vantagem (ou a possibilidade) de
apoiar-se no aparato estatal e a manhã da votação as ruas estavam ocupadas, quase por
completo, por grupos da CTM e do PRM.

Em suma, o governo de Lázaro Cárdenas ficou marcado pelas seguintes questões: a


fuga de Elías Calles, a criação do PRM e a política de cunho social. Como dito anteriormente,
a vitória de Cárdenas e a reforma do PNR obedeceram diretamente ao abandono da política
por Calles e a mudança estratégica do partido, que se tornou um partido setorial, logo,
direcionado aos principais setores da sociedade. Essa peculiaridade continuou por longos
anos: filiavam-se organizações políticas e não pessoas. Além disso, o cardenismo significou
um período de consolidação política e reformas sociais vinculadas à Revolução Mexicana.

160
Sua política reformista nacionalizou as petroleiras mexicanas e legitimou a reforma agrária; o
que lhe garantiu uma forte pressão política da ala conservadora do PRM e do novo partido
conservador, o PAN; assim como, lhe garantiu também a alcunha de “corporativo” e
“comunista”. Por essa razão, Cárdenas escolheu como sucessor o moderado Ávila Camacho
(1940-1946), muito embora, seus aliados pedissem a indicação do radical Francisco J.
Múgica. Após as eleições, o Executivo ficou a encargo de Camacho (1940-1946), cujo
primeiro discurso ponderou acerca da história do México, afirmando que já não precisava ser
um terreno de constante luta armada, mas sim de conciliação301.

2.3. Segunda Reforma: a formação do PRI

Após a vitória de Ávila Camacho, em 1940, o “partido oficial” passou a tomar um


rumo cada vez mais diferente; e isso teve relação direta com o contexto mundial. Nesse
período, havia começado a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o que significou a quebra
de importantes países da Europa e o avanço de direitas conservadoras sob a égide fascista.
Como afirmamos, a América Latina, a partir de 1939, aumentou sua exportação de matéria
prima à Europa. E, com o México não foi diferente. Para aumentar a produção mexicana, os
países europeus investiram mais no país, o que gerou relativo crescimento econômico,
reativando a agricultura, as indústrias e a mineração.

Além disso, havia um grande receio de que o PRM e seu plano de governo fizessem
do país algo semelhante à URSS. Por essa razão, Camacho e seus aliados redirecionaram
paulatinamente o partido e sua ideologia política, que assumiu uma roupagem moderada,
muito embora mantivesse algumas insígnias revolucionárias para não romper radicalmente
com alguns de seus filiados. Essa mudança, então, começou com a destituição do setor militar
e, em seguida, deu-se a reorganização de todos os setores do partido, integrou-se o CNC e a
CTM ao Estado, assim como, criou-se a Confederação Nacional de Organizações Populares
(CNOP) e a Câmara Nacional da Indústria de Transformação (CANACINTRA). A reforma
iniciada acabou levando ao rebatismo do “partido oficial”, que mudaria, novamente, de nome
e orientação política.

Conforme Rogélio Hernandez,

301
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
161
Entre os anos 1929 a 1946, o partido foi um instrumento do governo federal.
Mas, ainda contava com um desenho e projeto que era incompatível com o
desenvolvimento econômico necessário ao país, pois ele exigia colaboração
e união entre setores. O PRM nasceu como um partido no qual as
organizações das massas tinham demasiada influência e eram capazes de
impor condições. Se a Declaração de princípios afirmava um partido
socialista, o estatuto atribuía às corporações um peso indubitável; capaz de
frear ou obstaculizar as medidas governamentais.302

A presidência de Camacho promoveu, portanto, uma série de mudanças estruturais no


PRM, que lhe garantiram uma nova roupagem política. No entanto, essas modificações foram
oficializadas em uma nova estrutura partidária apenas pelo seu sucessor, o futuro presidente
Miguel Alemán Valdés. A partir dele, adveio o PRI. Antes dele, Ávila Camacho preparou a
política nacional para que o partido aceitasse (com maior facilidade) rumar a um novo
horizonte político-econômico. Mas as mudanças geraram críticas. A oposição acusava a nova
política do PRM de estadista. Isso atingiu tamanha proporção que, no início da década de
1940, o Poder Judiciário promoveu a separação oficial entre o PRM e o Estado, afirmando
que o mesmo não era parte do Poder Executivo, muito menos dos outros poderes da nação. E,
apesar dessa separação, o PRM continuou sendo um partido hegemônico no cenário político
mexicano.

No dia 10 de dezembro de 1940, Camacho tomou uma atitude impactante: acabou com
o setor militar do PRM. Foi o novo presidente do CCE, Antônio Villalobos, que anunciou o
fim do setor. No final do discurso, Villalobos afirmou que o PRM passaria por uma análise
cuidadosa nos próximos anos, a fim de identificar e solucionar suas debilidades, já que o
mesmo caminhava há um bom tempo por trajetos unicamente políticos e sociais, esquecendo-
se de questões culturais e econômicas da sociedade mexicana. Anos depois, o presidente
justificou sua atitude afirmando que a participação militar na política nacional era algo
deveras preocupante e que, conscientes disso, os próprios militares não apoiavam a criação do
setor.

Esse corte militar passou quase despercebido pela população mexicana, uma vez que,
logo após seu anúncio, houve um acordo entre o presidente e os militares, segundo o qual
qualquer membro do Exército poderia aliar-se aos outros setores do “partido oficial”, como o
setor camponês ou o setor popular. Filiando-se “segundo sua vocação, simpatia, militância ou
302
HERNANDÉZ, Rogélio. La historia moderna del PRI: entre la autonomía y el sometimiento. Foro
Internacional, México, vol. XL, n° 2, p. 278-306, abril-junio de 2000. p.279.
162
fisionomia. Mas, os militares identificados com Camacho filiar-se-iam ao setor popular,
conforme as instruções presidenciais”303, como afirma Javier Garrido.

Para Medina Peña, a escolha do presidente Camacho de acabar com o setor militar
evidenciou, na verdade, sua força política e a preeminência do Poder Executivo em relação a
qualquer outro setor prmista. Tal poderio havia sido alcançado por Cárdenas e, por conta dele,
Camacho e seus aliados continuaram a promover novas mudanças no partido sem que
passassem pela burocracia interna.

No início da década de 1940, Camacho também promoveu a reorganização do setor


popular. No dia 16 de dezembro de 1941, anunciou em discurso que seria formado um novo
comitê com o fim de reestruturar o mencionado setor, dando prioridade aos pequenos
empresários e às indústrias. A partir disso, estimulava-se o estabelecimento de Confederações,
Ligas e Uniões por todo o território mexicano, já que eles dariam forma a nova CNOP. Essa
idéia de unificar o setor popular recebeu inúmeras críticas e, definitivamente, não passou
despercebida pela população. O sindicato dos professores foi o primeiro a recusar essa
política camachista e, por isso, realizou muitos protestos. A oposição à unificação logo se
articulou e, em 1942, lançou o “Pacto do Magistério”, no qual anunciavam a união de vários
sindicatos que se opunham ao CNOP. Justificavam-se afirmando que a unificação nacional do
setor popular reduziria sua autonomia. O CCE, por sua vez, respondia às argüições afirmando
que o momento de crise pedia posturas menos radicais, que estabelecessem uma ampla
unidade entre os setores, aumentando e melhorando a produção nacional.

No dia 28 de fevereiro de 1943, inaugurou-se a CNOP. Esta confederação foi liderada


pelo Major Antônio Nava Castillo, o que evidencia a persistência dos militares na política
mexicana. Em discurso, Nava afirmou que a CNOP era a favor do sufrágio feminino, da
capacitação política da juventude, da pequena propriedade agrícola, do estabelecimento de um
programa de habitação às classes urbanas e contra o imperialismo estadunidense.

Conforme Javier Garrido,

Quando surgiu a CNOP ficou evidente a presença da nova classe média. No


que se refere aos efeitos políticos dentro do partido, a CNOP foi igualmente
exitosa ao converter-se em semeadora de uma nova classe política e servir de
equilíbrio as representações dos congressistas dos outros setores. Até os

303
GARRIDO, op. cit., p. 304.
163
anos 1970, os cargos dirigentes de instituições como a CNOP tornaram-se
“obrigatórios” para futuras candidaturas importantes em âmbito nacional.304

A partir de 1943, o CCE também mexeu com duas grandes centrais mexicanas, a CNC
e a CTM. Foram integradas ao Estado e se tornaram as sedes nacionais dos agrupamentos,
ligas e sindicatos, camponeses e operários, que deveriam, a partir de então, inscrever-se nelas
para serem reconhecidos. No caso da CNC, ela foi estabelecida como a única organização
camponesa do país, o que auxiliou na integração dos ejidatários, operários agrícolas e
pequenos proprietários, mas, significou também a diminuição de representatividade de seus
líderes.

No que se refere à CTM, pode-se afirmar que a central passou a ser responsável pelas
“desordens” da política prmista. Conforme Garrido: “tudo quanto se encontrava de censurável
no PRM começou a ser atribuído às teses e às práticas dos dirigentes cetemistas e, assim, foi-
se desenvolvendo uma campanha quase permanente para limitar a força central”305.

Na época de Cárdenas, os líderes camponeses e sindicais passaram a fazer parte da


estrutura estatal, adquirindo alguma “força política”. Após a vitória de Camacho e a
promulgação de suas novas políticas, essa força política foi muito reduzida, a ponto de quase
ser anulada. Consequentemente, os líderes repudiaram as mudanças e sublevaram-se contra
elas. As sublevações foram resolvidas com um antigo método callistas: o exército. Inclusive,
Camacho chamou o mesmo para acabar com as insurreições por várias vezes e, a partir disso,
utilizou-se da força militar “sempre que uma negociação se tornou difícil”, como conclui
Garrido306.

Após a integração cetemista ao aparato estatal, continuou-se a luta pelos interesses do


operariado, mas seguindo, agora, o cronograma e a lógica do Estado. Isso era muito criticado
pela oposição que argumentava a ineficiência do discurso dos cetemistas, sempre em
consonância com os ditames estatais.

Para Medina Peña, havia no setor operário um complexo mecanismo de mediação, que
se desenvolveu também nos outros setores e, por isso, reforçou a estrutura indireta do PRM.
Como afirma a seguir:

304
GARRIDO, op. cit., p. 315
305
Ibidem, p. 316.
306
Ibidem, p. 317.
164
A complexa rede de mecanismos de mediação que se foi desenvolvendo no
setor operário do partido, igualmente como nos outros setores, reforçou
solidamente a estrutura indireta do PRM. Como uma base operária
amplamente disciplinada, o partido oficial pode conservar uma parte
importante de sua imagem de 1938. No entanto, foi o meio de legitimação da
política de unidade nacional.307

A presidência de Camacho ficou conhecida também por uma política que combinou
coerção e concessão308. Essa agenda camachista começou com a necessidade de se amenizar
as características soviéticas do “partido oficial” e, ao mesmo tempo, fugir da ala
conservadora. O próprio presidente não era comunista, muito menos de extrema direita e, por
conta disso, pretendia estabelecer uma vertente prmista moderada. Logo, promoveu a política
de “apaziguamento de ânimos”309, como chamava.

A política de apaziguamento permitiu a continuidade de algumas práticas políticas do


cardenismo, para que prevalecesse a imagem de “partido popular”. Por essa razão, o CCE
manteve a organização de eventos cívicos, culturais e esportivos. Entretanto, abandonou
projetos ovacionados ao longo da campanha eleitoral, o aumento da distribuição de terras, a
autonomia dos sindicatos e ligas agrárias, a capacitação de políticos jovens, a reforma
eleitoral, o sufrágio feminino, entre outros. E, promoveu o fortalecimento da estrutura indireta
do “partido oficial”, com o controle das centrais nacionais, como a CNC e a CTM, e a
organização do setor popular. Este setor acabou assumindo um papel político muito
importante, uma vez que se compôs de sujeitos oriundos da classe média mexicana,
seguidores das diretivas camachistas e não dos princípios prmistas.

A oposição foi praticamente inexistente nesse período. A oposição da direita era


representada pelo PAN, que, após as mudanças políticas de Camacho, encontrava-se mais
calmo. A oposição da esquerda reservava-se ao PCM, que, embora não fosse atrelado ao
Estado, ainda assim apoiava algumas de suas políticas. O rompimento total dar-se-ia apenas
com a formação do PRI. A principal crítica da esquerda direcionava-se, em verdade, ao
“Delito de Dissolução Social”, já analisado. Além do delito, essa oposição criticava também a
utilização do passado revolucionário para enaltecer o “partido oficial”. Camacho lembrava

307
MEDINA, op. cit., p. 165.
308
Cf. ESCOBEDO, Juan Francisco. Resonancias del México: autoritarismo. México: Universidad Iberoame-
ricana, 2000; GONZALEZ, Francisco Ayerdi. Sistema político mexicano. Ciudad de Mexico: UNAM, 2007;
MIJAREZ, Mario Raúl. Mexico: the genesis o its Political decomposition. USA: Palibrio, 2013.
309
PARTE DEL DISCURSO SOBRE LA UNIDAD NACIONAL. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
165
constantemente da revolução em seus discursos, a fim de imprimir a idéia do partido como
resultado desta luta e, portanto, uma conquista nacional. Comumente, os discursos prmistas
mencionavam a necessidade de se cultivar o “nacionalismo revolucionário”, sendo
promulgado como algo benéfico à sociedade mexicana.

Conforme Javier Garrido,

Havia também uma reorientação ideológica ocorrendo. E ela acabou sendo


manifestas nos discursos, declarações, informes e entrevistas tanto de
membros do CCE, como da maior parte dos dirigentes setoriais. Os
documentos oficiais do partido estavam de fato revogados e as únicas
referências à que aludiam os chefes do partido eram as ideias presidenciais.
O Segundo Plano Sexenal foi deixado de lado sem que se desse explicação
alguma e as reformas propostas não foram tomadas em consideração pela
nova administração. A realização integral da distribuição de terras, o
estabelecimento de cooperativas, o estado controlando a econômica
nacional, a nacionalização total e definitiva da indústria petroleira, o controle
dos preços de artigos de primeira necessidade, são algumas das
obrigatoriedades que o Camacho ignorou. O governo deu “marcha ré” aos
cardenistas e o CCE do PRM, consentiu silenciosamente.310

Nesse período, a oposição externa ao partido foi praticamente inexistente, mas a


interna quase ruiu com o mesmo. Entre 1943 a 1945, ocorreram tantas mudanças em sua
estrutura que se desenvolveu uma crise interna. Afinal, alguns políticos haviam se aliado ao
partido exclusivamente pela orientação cardenista. Havia, então, várias cisões dentro dele,
que reivindicavam desde sua extinção ao retorno de Cárdenas.

A disputa pela candidatura presidencial começou com um ano de antecedência. No


início de 1945, o partido já havia postulado as eleições entre três candidatos, o Secretário de
Governo Miguel Alemán (moderado), o Secretário de Relações Exteriores Ezequiel Padilla
(conservador) e o Chefe de Departamento do Distrito Federal Javier Rojo (cardenista).
Alemán logo foi escolhido por Camacho e o anúncio foi aceito sem uma oposição
demasiadamente preocupante. E com o fim da Segunda Guerra Mundial, o cenário mexicano
encontrava-se estabilizado, sobretudo, em razão da política de apaziguamento de Ávila
Camacho. O PRM dominava a cena política e as forças opositoras não representavam
verdadeiras ameaças. Assim, a sucessão presidencial, ao contrário da anterior, ocorreria em
clima de tranquilidade.

310
GARRIDO, op. cit., p. 317.
166
Durante a campanha eleitoral, Alemán Valdés realizou um importante discurso
chamado “Discurso de nomeação pelo PRI”. No dia 18 de janeiro de 1946, anunciou a nova
formação partidária, arguindo que o “partido oficial” e o país haviam atingido uma nova etapa
da vida política mexicana e, por conta disso, o programa cardenista tornara-se obsoleto. Logo
depois, surgiu o PRI. Um partido para o qual a revolução era “ânsia de constante
melhoramento e progresso do país”311.

Conforme exposto abaixo:

Declaramos que os ideais revolucionários da Revolução Mexicana já foram


cristalizados pelas instituições que constituem parte integrante da vida
nacional, porque se enraizaram na consciência pública, e que tais instituições
devem manter-se e aperfeiçoar-se. Entre elas encontra-se o ejido, o direito
dos trabalhadores à greve, a previdência social, o direito nacional a
propriedade e a exploração do solo, o direito do governo de vigiar e dirigir a
educação pública, a liberdade de expressão e de pensamento, a liberdade de
associação, a liberdade de crenças, a liberdade política e a atividade
econômica. Em conseqüência, o partido reafirma sua fé nestas instituições e
lutará para que subsistam e vigorem.312

Após essa declaração, Alemán afirmou que o PRI não seria mais uma máquina
imposicionista, mas sim um órgão vivo, cuja estrutura autêntica transpareceria sua função
cívica e democrática313. Contra as antigas práticas callistas e cardenistas, estabeleceria uma
nova lei eleitoral que viabilizava aos cidadãos organizarem-se em seu interior. A partir disso,
pode-se afirmar que o principal compromisso priista seria “lutar por uma vitória eleitoral
democrática, sem coerção, sem enganos ou violência; respeitando o veredicto do povo,
mesmo que ele fosse hostil ao partido”314. Sabemos, porém, que as acusações de fraude
eleitoral não cessariam.

De acordo com Alemán, a nova fórmula tinha tudo para dar certo, mas, seu sucesso
dependeria unicamente da integridade moral e do nacionalismo de seus membros. Afinal, sua
estrutura abrangeria todos os segmentos da sociedade mexicana, como afirma Garrido:
“trabalhadores, camponeses, classe média, funcionários do governo, intelectuais, jovens e

311
ALEMÁN, Miguel. Discurso de su postulación por el PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
312
Ibidem.
313
Ibidem.
314
Ibidem.
167
mulheres estarão todos agrupados nesta instituição revolucionária: o nosso objetivo deve ser a
grandeza do México e da Revolução”315.

E, então, concluiu:

Reitero à nação minha candidatura à campanha eleitoral, e se o povo eleger-


me presidente, como Chefe de Governo, vou apresentar a cada momento
esse padrão de moralidade política: não há mais compromissos com a
pessoas ou mais interesse do que os interesses do povo mexicano, não há
maior ambição do que servir o meu país honestamente.316

No dia 20 de janeiro de 1946, o partido de Lazaro Cárdenas deixava de existir, dando


lugar ao PRI. Para formalizar suas diretrizes e normas, a cúpula do “novo” partido publicou o
“Pacto, Declaração de Princípios e Programa do PRI”, ou seja, os três principais documentos
do partido foram redigidos e resumidos em um só, não sendo tão complexos e extensos
quanto àqueles do PNR e PRM. Esse “caderno” priista foi redigido e assinado por seis
importantes (e estratégicos) personagens do período, perfilados a seguir: Alemán Valdés
(presidente vigente), Antonio Nava Castillo (CNOP), Fidel Velásquez (CNC), Gabriel Leyva
Velásquez (CTM), Genaro Lapa (Sindicato do Trabalhador Mineiro, STM), Manuel Elizondo
(CGT), Miguel Ávila Camacho (ex-presidente), Miguel Miranda (Confederação Nacional dos
Eletricistas, CNE), Juan José Rivera Rojas (Confederación Proletária Nacional, CPN), entre
outros.

O Pacto do PRI assegurou que o partido acolhesse, “em absoluto e sem reserva
alguma”317, o sistema democrático de governo. Por essa razão, o mesmo reconhecia que para
alcançar seu objetivo deveria seguir uma conduta impecável. Iniciava-se, portanto, um novo
processo de purificação da esfera “política oficial”, que objetivava, especialmente, moralizar
suas estruturas e setores318. Para tanto, o partido investiria na educação cívica e na formação
política. Em seguida, reconheceu a existência da luta de classes como um fenômeno inerente

315
ALEMÁN, Miguel. Discurso de su postulación por el PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
316
Ibidem.
317
PACTO, DECLARACIÓN DE PRINCÍPIOS Y PROGRAMA DEL PRI. In: CARMONA, Doralícia
Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
318
Ibidem.
168
ao modo de produção capitalista e, por conta disso, afirmou que haveria de reconhecer e
apoiar a maneira que a classe operária escolhia para reivindicar seus direitos319.

A Declaração tocava ainda em assuntos caros (e complicados) à sociedade mexicana.


No que se refere à questão feminina, o documento afirmava que a mulher vivia há milênios
numa posição social de inferioridade e, sendo assim, o partido lutaria ao seu lado em busca de
uma retificação imediata, “como ato de justiça, uma exigência da revolução”320. Essa luta
envolvia, em suma, o reconhecimento dos direitos das mulheres no âmbito civil, político e
trabalhista. Quanto à questão agrária (o calcanhar de Aquiles do México), o partido
posicionava-se do seguinte modo:

A sociedade mexicana possuía uma realidade social especial, que exigia


maior atenção ao setor mencionado, e, consciente disso, o partido lutaria
para aumentar seu nível econômico, intelectual e moral, melhorando as
aspirações e a qualidade de vida dos camponeses e pequenos proprietários.321

Ainda conforme o documento, o PRI adotaria algumas posturas para incentivar o


progresso do setor agrário, conforme especificado a seguir:

(...) b) Trabalho para o avanço da tecnologia agrícola entre latifundiários e


pequenos produtores e ao desenvolvimento da indústria da agropecuária e
afim; c) Fazer o crédito agrícola, de modo que os bancos agrícolas oficiais
atendam às necessidades de crédito de forma rápida e indolor, para que os
agricultores possam aumentar sua demanda e oportunidade; d) Esforçar-se
para a criação da previdência agrícola e a segurança social dos trabalhadores
agrícolas; e) Exigir a execução das leis da terra, para garantir aos
camponeses o merecido respeito e a inerente dignidade de vida; f) Cooperar
com a educação rural; g) Promover o progresso material e moral das
comunidades rurais; h) lutar para a libertação total das mulheres rurais. 322

A Declaração argumentava também a questão operária, afirmando que, nesse aspecto,


o partido manteria um estrito “senso revolucionário”, com o intuito de servir lealmente à
emancipação do proletariado, sentindo-o como o mais alto triunfo da causa social323. No

319
PACTO, DECLARACIÓN DE PRINCÍPIOS Y PROGRAMA DEL PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
320
Ibidem.
321
Ibidem.
322
Ibidem.
323
Ibidem.
169
documento, o partido afirmou ainda que a consciência de classe haveria de significar a
unificação dos assalariados e, para isso, executaria ações concretas e imediatas:

a) Cooperar com os sindicatos na realização de suas aspirações; b)


Promoverá tudo o que estabelecer uma preparação técnica, especifica aos
trabalhadores, em acordo com o ramo industrial que pertencerem, e
cooperará com o Executivo Federal e com os governos estaduais para que se
estabeleçam escolas de especialização técnica, condicionadas pelas
necessidades da produção agrícola regional; c) Procurar que a aplicação dos
preceitos constitucionais em matéria de trabalho se amplie cada vez mais em
beneficio da massa trabalhadora; d) Promover as reformas necessárias na
Constituição e na Lei Federal do Trabalho de acordo com as conquistas do
proletariado; [e assim por diante].324

No Programa do Partido, discutiu-se outro ponto importante: o entendimento do PRI a


respeito de regime democrático. No artigo 17 da Declaração, afirmou-se que a política
exercida pelo partido apoiava as democracias e respeitava, em absoluto, o direito dos povos
fracos. Frente aos regimes ditatoriais latino-americanos, o partido declarava-se solidário às
democracias agredidas. Por essa razão, haveria de lutar contra qualquer forma de opressão em
prejuízo das liberdades do homem ou dos direitos da classe trabalhadora. Lutaria também com
todo empenho contra o imperialismo e suas agressões aos povos menos privilegiados,
conscientizando o México e outros países, então, a evitar o progresso das forças
contrarrevolucionárias325. E, nesse sentido, finalizou seu programa afirmando que: “lutaria
com todas as suas energias pela liberalização econômica do país, até que desaparecesse
completamente do México seus aspectos semi-coloniais”326.

O caderno priista deixava evidente que o “novo” partido seria constituído por todos os
cidadãos comprometidos com a Revolução Mexicana, abandonando a característica prmista
de aceitar apenas os setores. Agora, o controle destes ficava a encargo dos principais órgãos
diretivos do partido, a Assembleia Nacional (AN) e o Conselho Nacional (CN). A AN passou
a ser o órgão priista mais importante, uma vez que foi presidida por importantes líderes do
partido, os chamados “delegados”327. O CN tornou-se o segundo órgão de maior autoridade
do PRI, já que possuía indivíduos do CCE, do movimento dos jovens priistas, dos setores

324
PACTO, DECLARACIÓN DE PRINCÍPIOS Y PROGRAMA DEL PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
325
Ibidem.
326
Ibidem.
327
HERNANDÉZ, op. cit., p. 282.
170
nacionais e, a partir de então, do movimento feminista. Este configurava, portanto, no único
instrumento passível da influência de camponeses e operários.

O CCE representava o centro diretivo do partido e, sendo assim, era conduzido por
nove membros: o presidente, o secretário geral e os outros sete secretários do PRI (os
secretários de Ação Agrária, Ação Feminina, Ação Jovem, Ação Operária, Ação Popular e
dois de Ação Política); muito diferente do que ocorria no PRM, momento no qual o CCE era
integrado apenas pelo presidente prmista e um representante de cada setor.

Cabe aqui um addendum: os setores foram organizados por secretarias, que possuíam
aproximadamente 32 delegados. Algumas das secretarias estabelecidas já existiam, mas outras
foram inauguradas, como a feminina, a jovem e a política. Esta última havia sido criada
exclusivamente para vigiar a disciplina política dos deputados e senadores eleitos ao
Congresso da União. Os membros do CCE eram escolhidos da seguinte forma: o presidente
do partido era eleito durante a AN, mas os outros membros eram designados pelo CN. Como
se pode notar, diminuía-se no interior do partido, em larga escala, a influência das
organizações camponesas e operárias, em relação ao que havia ocorrido no PRM. Essas
mudanças garantiram a centralização do poder em um CCE dominado pela figura do
presidente mexicano, que podia aprovar ou revogar algumas decisões importantes. Aliás,
todos os órgãos priistas estavam subordinados ao presidente. Além do comitê central,
existiam os comitês municipais e regionais, que seguiam as mesmas diretrizes, o que mudava
de um para outro era apenas a importância do assunto que manejava.

A figura centralizada do presidente pouco dizia do “novo” partido. Afinal, isso havia
ocorrido nas três formações. A principal mudança envolveu a liderança regional. A partir de
então, os governadores receberiam maior autonomia em seu território. Cada governador seria
responsável pela estrutura do partido em sua jurisdição e, nesse sentido, gozaria de plena
liberdade para atuar politicamente, desde que não interferisse nos planos nacionais do PRI. Os
governadores receberiam, então, uma autonomia impressionante para realizar acordos
particulares e, para isso, contavam com o apoio federal. Essa relação direta, ainda que
subordinada, entre os governadores e o presidente, garantiu o funcionamento do partido.

Com relação à autonomia estatal, Hernandéz afirma que

Ao repousar nos órgãos diretivos, o PRI teve que entregar praticamente todo
seu aparato aos governadores. Isso significava que o mandatário tinha
liberdade suficiente para resolver problemas, controlar organismos e
171
conduzir o partido. Mas, essa liberdade teve suas limitações. Sua liberdade
chegava até onde os planos nacionais não fossem atingidos, o que implicava
em resolver problemas que, às vezes, iam muito além da divisa do estado. A
autonomia estatal nunca serviria para que o governador rebaixasse seu
correligionário, mas sim para controle nacional.328

Além da autonomia, os governadores receberam grande “poder”, já que poderiam


obrigar a câmara municipal, em sua jurisdição, a aplicar determinada prática política. E
poderiam fazê-lo como bem entendesse. Essa constituía a melhor forma de alavancar uma
liderança política no partido. A política tornou-se, portanto, muito mais “familiar”, levantando
uma brumosa política: o poderio das lideranças e os limites das instituições priistas tornavam-
se nebulosos, difíceis de serem definidos. Mediante isso, criava-se um método político que
deixava subentendido o seguinte que qualquer ato e resolução em nome da “família priista”
haveria de ser compreendido.

A forma priista diferenciada de se fazer política acabou gerando um tipo específico de


militante, que dependia em absoluto dos órgãos locais diretivos. Produziu-se uma militância
que conhecia inteiramente a estrutura do PRI e a política eleitoral local. Criou-se um político
“esperto” para tarefas lícitas e ilícitas, sempre “úteis” às tarefas do governo priista. Esse
indivíduo deveria servir ao partido independentemente do cargo que nele ocupasse, por isso,
esperava-se dele uma liderança à prova de qualquer dificuldade. Em troca de suas vitórias,
receberia maiores responsabilidades no interior do próprio partido. Pode-se concluir, assim,
que o método peculiar instaurado pelo PRI foi, em verdade, resultado de sua forte estrutura
diretiva, uma vez que garantiu o controle priista da política local e a verticalização do partido.

Outra novidade importante foi o estabelecimento de eleições primárias internas para a


seleção de candidatos priistas (prefeitos, deputados, governadores, senadores e presidente). O
processo seria convocado e fiscalizado pelo CCE. A nova formação procurava se distanciar
das críticas recebidas pela cúpula prmista, que argumentavam as decisões arbitrárias dos
setores. Mas os conflitos ocorreriam de qualquer modo.

As organizações do partido firmaram o “Pacto das Centrais”, segundo o qual todos os


atos eleitorais seriam regidos pela “direito da maioria”. Esse documento oficializou o acordo
no qual as centrais priistas auxiliariam no processo eleitoral interno, evitando, assim, a
ocorrência de conflito durante o evento. Com relação ao Pacto, Medina Peña afirma que “o
eterno desejo de harmonia setorial levou ao estabelecimento de um pacto, no qual se firmava

328
HERNANDÉZ, op. cit., p. 284.
172
que a escolha de candidatos deveria respeitar o „direito das maiorias‟; voltando aos métodos
anteriores”329.

O novo processo gerou muitos conflitos, pois os antigos cardenistas afirmavam que
haviam perdido influência política. E, respeitando este posicionamento, o partido promoveria
uma nova mudança. Durante a II Convenção do PRI (fevereiro de 1953), os dirigentes priistas
reformaram alguns aspectos importantes do seu estatuto. Reconhecia-se que os secretários de
Ação Camponesa, Operária e Popular seriam selecionados pelo próprio setor e, a partir de
então, não teriam mais faculdades para influenciar o presidente do partido. Além disso, as
eleições internas seriam substituídas pelas convenções. Logo, o CCE seria substituído pelo
Comitê Executivo Nacional (CEN), que nada teria de diferente em relação ao antigo órgão.
Sua mudança, contudo, indicava a necessidade de se desfazer dos últimos aparatos
cardenistas. Enfim, o partido reconhecia que sua força residia nas corporações e, por isso, lhe
concedia espaço para concorrer às candidaturas.

Para Rogélio Hernandez, a partir de 1950, as grandes corporações passaram a tomar


conta das eleições internas do partido, para garantir que os eleitos das centrais fossem os
verdadeiros escolhidos aos cargos disponíveis330. Sendo assim, “esta prática recorrente, tão
esmagadora e hábil, ofuscou as estruturas do partido, no âmbito municipal, estadual e
nacional. A militância priista passou a ser realizada, em sua maioria, pelos sindicalizados, que
eram forçados a executá-la pela liderança do sindicato”331. Por essa razão, conclui que “o PRI
se tornou uma concha de líderes estatais, nacionais e dirigentes de corporações. De fato,
porém, as corporações não se ocupavam dos trabalhos pequenos do partido e, por isso, exigia
a militância da estrutura dirigente”332.

Finalmente, pode-se afirmar que, na transição partidária de PRM para PRI, ocorreram
muitas mudanças na “estrutura oficial”. A partir delas, o PRI se consolidou como um partido
hegemônico e assumiu a prática corporativa, recorrendo ao autoritarismo e ao imaginário da
Revolução Mexicana sempre que seu “esquema político” se encontrasse em perigo.

329
MEDINA, op. cit., p. 159.
330
HERNANDÉZ, op. cit., p. 288.
331
Ibidem, p. 288.
332
Ibidem, p. 288.
173
2.4. Ascensão e crise do priismo

O partido aqui analisado sofreu duas importantes reformas em 1938 e 1946, que
mudaram, inclusive, seu nome. A partir de 1950, passou por oito alterações (1952, 1965,
1968, 1971, 1972, 1978 e 1990) em seus documentos básicos (o “Estatuto do Partido”, o
“Programa de Ação” e a “Declaração de Princípios”)333.

No dia 1 de dezembro de 1946, Alemán Valdés (1946-1952) foi eleito presidente do


México. Em seu discurso de posse, anunciou a prometida reforma constitucional, visando,
sobretudo, concretizar os anseios e conjeturas estabelecidos na Declaração priista. Nesse
documento, o presidente recém-leito afirmou:

Para cumprir com os propósitos estabelecidos anteriormente encaminho ao


Congresso uma série de iniciativas legislativas, que buscam: a) a alteração
do artigo 27 da Constituição; b) Projeto de Irrigação; c) Alterações à Lei
relativa ao crédito agrícola; d) A promulgação da “Lei de Iniciativa”, que
institui a Comissão Nacional de Colonização; e) Alterações à Lei do Banco
Nacional de Desenvolvimento Cooperativo; f) Projeto de lei que cria o
Banco Nacional do Exército e da Marinha; g) Adição ao artigo 115 da
Constituição, permitindo que as mulheres votem em eleições municipais; h)
Reformas à Lei Orgânica do Distrito Federal, ao Código Tributário da
Federação, à Lei do Orçamento de Investimentos, à Lei do Serviço de
Inspeção Fiscal e à Lei de Finanças do Distrito Federal.334

O presidente Alemán assumiu a presidência promovendo mudanças, pois era sabido


que a sociedade mexicana esperava por elas. Afinal, o país encontrava-se em um momento
muito delicado, com a alta inflação, a elevada dívida externa e a acelerada desvalorização do
peso. Isso castigava as camadas camponesas, operárias e populares, que praticamente
ignoravam as reportagens acerca da nova formação do partido, mas, esperavam que a política
mexicana seguisse outro rumo. Mediante isso, Alemán instaurou um novo modelo político-
econômico, o “desenvolvimento estabilizador”. Seu principal intuito era controlar a economia
e a política mexicana, suscitando o contínuo crescimento econômico e a imobilidade política.

333
A partir deste item, o capítulo fará referência a alguns eventos e personagens históricos já citados
anteriormente. Isso ocorrerá devido à necessidade de se recapturar o mesmo contexto histórico para analisar a
emergência e a consolidação do PRI; o principal intuito deste segundo capítulo.
334
ALEMÁN, Miguel. Discurso de toma de protesta. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
174
Para manter tal “imobilidade”, faria o que fosse necessário, mesmo que isso significasse
adotar atitudes fortemente autoritárias.

Para Aguilar e Meyer,

A preocupação dominante do cardenismo havia sido assentar as bases de


uma sociedade mais justa e congruente com a revolução. Para o jovem grupo
de civis chegados ao poder em 1946 com o presidente Alemán, a obsessão
foi primeiro criar a riqueza mediante a substituição das importações
industriais tradicionais e depois reparti-la de acordo com as demandas da
justiça social. Ninguém estabeleceu uma data para este segundo estágio, e os
dirigentes públicos e privados do país só pareciam interessar-se pela
primeira parte da equação: acumular capital. As cifras traduzem seu singular
entusiasmo.335

O fim da Segunda Guerra Mundial fez com que o México perdesse os mercados
externos angariados durante o conflito e, por conta disso, as novas manufaturas reservaram-se
ao mercado interno, pois as barreiras tarifárias limitavam a concorrência externa. Essa decisão
protetora garantiu que as indústrias emergentes se consolidassem e se expandissem sem
exigir-lhes uma produção altamente competente. Camín e Meyer concluem que “essa falta de
exigência faria a economia mexicana voltar-se para si mesma e impediria os produtores
nacionais de ampliar seus mercados além de suas fronteiras, condição que frearia o
surgimento de uma verdadeira industrialização moderna e independente”336.

A industrialização mexicana não foi planejada. Em seu processo, faltavam bens de


produção, que deveriam ser importados. Mas, as exportações não “esperavam” essa aquisição
e acabavam saindo do país com maior velocidade do que as importações entravam. A
maquinaria necessária era adquirida, então, não somente pela exportação agrícola e
mineradora, mas também pelo aumento do turismo e pela entrada de novas indústrias no
país337. Havia também uma nova política governamental que instituía a construção de
franquias no solo mexicano às empresas que pretendessem vender seus produtos no país com
isenção fiscal, gerando, assim, aumento do investimento estrangeiro e aumento de empregos.
“A ênfase industrializadora trouxe novos e necessários investimentos em infraestrutura –

335
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 222.
336
Ibidem, p. 222.
337
Ibidem, p. 223.
175
comunicação e energia – e na agricultura, fonte fundamental de exportações para financiar a
estratégia econômica”338, como afirmam os historiadores Camín e Meyer.

Além de suscitar o crescimento econômico, havia o interesse em promover o


“continuísmo priista”. Para tanto, foi necessário adotar uma política “antigreve”, com a
devida reformulação do Código Penal. Assim, surgia o controvertido artigo da “Dissolução
Social”, contra todos os líderes independentes e os opositores aos desígnios do governo. Esse
delito havia sido estabelecido durante a guerra, pois o governo afirmava que pretendia
defender-se dos “nazis” e de possíveis ameaças, porém, algumas lideranças camponesas e
sindicais passaram a ser acusadas de “ameaça à nação”, por possuírem um ideário comunista e
prováveis projetos subversivos, sendo, portanto, caçados e aprisionados por aproximadamente
doze anos.

A nova política recebeu, obviamente, duras críticas, já que alguns cardenistas sentiam
que estavam perdendo o poder no interior do partido. E, sendo assim, o partido passaria por
novas mudanças. Na Convenção, aprovou-se outra reforma, mas, desta vez, sem mudança de
nome. A essência dessa reforma foi ideológica, ateando-se às questões do direito do “homem
de bem”, da família, da liberdade religiosa, da liberdade de imprensa, da importância da
autonomia do município, entre outros.

Segundo González,

O PRI se converteu desde então em um partido de funcionários


representativos, procuradores e conciliadores, em que os principais chefes
ordenam os chefes menores e estes representam aqueles, de maneira pessoal
e burocrática, mas embasada também em „contingentes‟ de massas
representadas.339

A partir disso, afirmavam que o PRI estava “pronto” e, sendo assim, não seria
necessário qualquer forma de aperfeiçoamento, uma vez que havia restado apenas o que se
afinara e ajustara em seu “sistema”. Todavia, sabemos que o partido continuou a sofrer uma
série de modificações até a década de 1990.

Para González a nova formação do partido:

338
GONZALEZ, op. cit., p. 223.
339
Ibidem, p. 62.
176
(...) nasce e se desenvolve como parte do estado autoritário, negociador e
concessor, que forma uma imensa corporação de massas, inserta nas leis do
desenvolvimento capitalista, em que o capital monopólico tende a
incrementar seu poder e sua influências próprias, e no interior do estado, mas
sem atingir o que ele tem de poder corporativo e de poder de massas
organizadas, integradas e administradas, que chegue a quebrar-se ou romper-
se. A grande corporação mantém sua força econômica, política e ideológica,
com uma organização autoritária e negociadora, repressiva e concessionária,
oligárquica e popular, representativa de funcionários, líderes ou chefes
políticos, e de massas.340

Durante o governo de Adolfo Ruíz Cortinez (1952-1958), a referida estratégia chegou


a controlar a inflação. Isso amenizou os ânimos do país, uma vez que a inflação e a
desvalorização provocavam a insatisfação do operariado, o que resultava em greves e
manifestações, induzindo o fortalecimento sindical e a eclosão de enfrentamentos agressivos
entre civis e militares. Apesar disso, o presidente implantou uma política severa de controle
de gastos, sobretudo, após ter sido acusado de vencer eleições forjadas, assim como, acusado
de ser um político corrupto, o que o fez, inclusive, publicar uma lista seus bens perfilados,
para que a população soubesse exatamente o que possuía.

A partir de 1956, portanto, o México começou a sentir as benesses da estabilidade


cambial, que se manteve ao longo de todo o decênio. Consequentemente, o governo pôde
investir na construção de obras públicas, como escolas, ferrovias, hospitais e rodovias.
Reformou a Constituição de 1917, permitindo o sufrágio feminino e, reorientou a exploração
de petróleo, construindo a refinaria de Azcapotzalco. Inaugurou ainda a Confederação
Revolucionária de Operários e Camponeses (CROC), cujo objetivo era formar uma instituição
pró-governo de ação aglutinadora, que anexaria diversos sindicatos ao Estado mexicano.
Fixou-se como a principal oposição à CTM. Desta forma, o presidente conseguiu retirar da
cena política as principais ameaças ao sistema priista.

O sistema político eleitoral mexicano tinha alguns elementos que iam mais além do
nascimento do PRI e, inclusive, da época dos caudilhos revolucionários. Do período que vai
de 1940 a 1979, o PRI imperou como o centro do Estado institucional com uma só oposição:
o PAN. Pode-se dizer que os outros partidos funcionavam como parte do Estado, ocupando
seu interior e exterior. Os partidos antigos e o PCM não contavam como oposição efetiva até
o ano de 1978. Sua ação era reduzida a pressões políticas e a influências mediadas pelo
próprio PRI e o Estado. Em 1978, a oposição passou a receber seus direitos de volta, com a

340
GONZÁLEZ, op. cit., p. 112.
177
reforma política que promulgou uma Lei de Organizações Política e Processos Eleitorais
(LOPPE). Antes disso, o PAN era a principal e única oposição ao PRI no cenário político
mexicano. Outros partidos acabavam apenas coligando-se ao PRI durantes as eleições, como
era constantemente o caso do PARM e do PPS.

No fim da década de 1950, instituiu-se uma prática política mexicana muito


conhecida, o tapadismo. Em geral, a prática permitia que o presidente vigente escolhesse seu
sucessor. Antes disso, o cargo de “presidenciável” ficava, normalmente, sob a
responsabilidade dos cargos dirigentes mais elevados do PRI, que passava por um processo
eleitoral na AN. Com o tapadismo, a escolha do candidato ficava às escuras até que o
presidente anunciasse seu nomeado. Isso passaria a ser feito no Quinto Informe Presidencial
de cada sexênio, quando o presidente realizava um balanço de sua presidência e afirmava,
portanto, o futuro responsável pela nação. Cabe aqui um addendum: o tapadismo não estava
atrelado ao regime político mexicano, mas sim às regras informais e às práticas dos atores
desse sistema político. Após essa “inovação”, o processo eleitoral passou a ser
constantemente acusado de fraude.

Nesse mesmo período, iniciaram-se três manifestações intensas no México. A primeira


foi a invasão de terras nortistas pela UGOCM, que o governo violentamente sufocou e acabou
desocupando o território. Houve também o levante dos professores da esquerda, que
chamavam o país a uma greve geral. O levante resultou em um conflito violento entre
policiais e manifestantes e na porvindoura negociação, com a obtenção do aumento salarial. A
última manifestação, e mais demorada, foi a greve dos ferroviários, que foi duramente
reprimida e findou somente no governo de López Mateos.

No início do seu mandato, o presidente López Mateos (1958-1964) focou-se em


resolver a greve ferroviária. Para resolvê-la, apelou ao delito da dissolução. Então, ordenou
uma ação policial para conter a insurreição, mas acabou ela resultando na prisão de inúmeros
ferroviários e, até mesmo, no desaparecimento de líderes populares, como Rubén Jaramillo e
sua família. Alguns remanescentes do movimento dos professores que voltaram a se
manifestar acabaram presos também. Apesar disso, sua administração foi conhecida
exatamente por incitar o equilíbrio político. Assim como, foi distinguida pela alta
popularidade de López Mateos, que recebia apoio de todas as camadas. Para se ter uma idéia:
o ex-presidente Cárdenas, o mais popular dentre todos, havia recebido apoio das camadas

178
camponesas e operárias, já López Mateos recebia apoio das camadas camponesas, operárias e
populares.

A partir da década de 1960, o presidente tomou duas atitudes que fizeram seus aliados
pasmarem, ofereceu o México para sediar os XV Jogos Olímpicos de 1968 e nacionalizou
uma companhia estrangeira que mantinha sede no país desde 1898, a Mexican Light and
Power Co. Essa companhia passou a chamar-se Companhia Mexicana de Luz e Força e suas
diretrizes assimilavam a distribuição de uma parte do lucro ao operariado e uma bonificação
ao fim de cada ano. Pode-se notar que a mudança sexenal do quadro dirigente modificava
também os programas e valores do Poder Executivo, que executa um plano de governo
específico da sua gestão. Algumas características, contudo, mantinham-se intactas o
autoritarismo e o nacionalismo revolucionário.

No fim de 1963, López Mateos “destapou” o próximo presidenciável priista, Gustavo


Díaz Ordaz Bolaños. Esse candidato era de família tradicional (a mesma de Porfírio Díaz) e,
por isso, apresentava-se como um líder da ala conservadora do partido, não sendo tão
carismático quanto o seu antecessor. Sua nomeação acabou iniciando uma crise interna que
fez com que o presidente do próprio PRI, Carlos Alberto Madrazo Becerra, propusesse um
novo aperfeiçoamento estrutural ao partido. No período de 1952 a 1990, esta foi a única
proposta de reforma direcionada ao “partido oficial”.

A nomeação de Carlos Madrazo à presidência do PRI (1964-1965) fez com que ele
recebesse atenção da imprensa em âmbito nacional, não pelas “magnificências” do cargo, mas
sim por representar uma nova leva de políticos favoráveis à mudança do sistema priista. Sua
carreira política começou em 1930 como um líder estudantil, que se inspirava na causa
“cristera”. Desde muito jovem, participou de assembleias estudantis organizadas e
financiadas pelo PRI. E, sendo passim, passou a manter conexões políticas com importantes
lideranças do partido, como Jorge Rojo Gómez, Lázaro Cárdenas, Luís I. Rodríguez, Garrido
Canabal, Manuel Ávila Camacho e Miguel Orrico de los Llanos. Sua afinidade com Gustavo
Díaz Ordaz resultou na subsequente nomeação ao cargo de Governador de Tabasco, em 1958,
e, depois, na nomeação à presidência do partido.

A proposta de Madrazo consistiu na primeira sugestão advinda do próprio “partido


oficial” e não como uma determinação do Presidente da República (e, neste caso, percebemos
como a vida política do PRI e do Estado, por vezes, se entrelaçaram). Suas propostas foram
modestas, mas fortes o suficiente para convulsionarem o partido, pois, seus correligionários

179
não estavam “preparados” para discutir as temáticas propostas. Por essa razão, a principal
base de apoio de Madrazo foi exclusivamente os dirigentes locais e a militância popular do
partido. Isso explica a razão pela qual a proposta não seguiu adiante, uma vez que o principal
líder do PRI, o Presidente da República, não o havia apoiado.

Para Rogélio Hernandéz, a reforma de Madrazo acabou não dando resultado. Ainda
assim, sua iniciativa foi sentida por todo o partido, já que foi uma proposta redigida no
interior de sua instituição.

Conforme o excerto:

A reforma frustrada de 1965, além dos próprios conteúdos, teve a qualidade


de haver se desenvolvido nas entranhas do partido para acabar com seu papel
de instrumento manejável do Executivo. Foi uma chamada de atenção não só
sobre as limitações do PRI, senão de que existia uma base militante que
queria independência real do presidente.341

No mês de novembro de 1965, Carlos Madrazo renunciou à presidência do PRI e,


posteriormente, tornou-se um forte personagem político, mas morreu, em 1969, em um
acidente aéreo, o que deu vazão a inúmeras especulações.

No início da presidência de Díaz Ordaz (1964-1970), o presidente teve três


“surpresas”. No fim de 1964, ocorreu o levante dos enfermeiros, médicos e residentes
mexicanos da Cidade do México, que exigiam melhores condições de trabalho e, por conta
disso, iniciaram uma greve que durou quase dois anos. Os manifestantes denunciavam o
autoritarismo e o corporativismo priista. Além disso, em 1965, Pablo González Casanova
publicou “A democracia no México”, que logo se tornou cartilha dos novos movimentos da
esquerda. Por fim, formou-se ainda o movimento da nova esquerda mexicana, chamado
Movimento Livre Nacional (MLN), cujo objetivo fundamental era (re)organizar a esquerda
mexicana. Essa situação denunciava o descontentamento da sociedade mexicana, que clamava
por mudanças e, além disso, deixava evidente o esgotamento do modelo de “desenvolvimento
estabilizador”, com seu autoritarismo e imobilidade política.

Ao longo da presidência, ocorreram outras manifestações que fizeram cair ainda mais
o índice de popularidade de Díaz Ordaz. A principal delas acabou resultando no Massacre de
Tlatelolco, como acabou conhecido na época. No dia 2 de outubro de 1968, estudantes e

341
HERNANDEZ, op. cit., p. 292.
180
operários marcaram uma manifestação na Praça das Três Culturas (ou Praça de Tlatelolco),
para aproveitar da atenção que a Cidade do México estava recebendo, devido à proximidade
dos XV Jogos Olímpicos. Os manifestantes reivindicavam um novo modelo político-
econômico, alegando que o vigente reafirmava os laços de dependência externa. Além disso,
solicitavam o firmamento pleno da Constituição de 1917, argumentando que o governo priista
desonrava a revolução. Ao tomar ciência da manifestação, Díaz Ordaz ordenou à polícia que
realizasse o cerco completo da praça e, em seguida, comandou a ação que recebeu o nome de
“massacre estudantil”.

As porvindouras consequências desta ação haveriam de ser incalculáveis. Afinal, a


classe média tomaria agora a frente de um novo e intenso embate com o partido do Estado.
Após a chacina estudantil, aumentaram-se os questionamentos em relação ao modelo priista
de “desenvolvimento estável”, uma vez que o emprego da “verdadeira” democracia não
resultaria em uma imobilidade política de aproximadamente quarenta anos e, muito menos,
implicaria em um dubitável crescimento econômico que apenas haveria de aumentar a
concentração de renda às classes já abastadas. Essa situação acendeu uma intensa crise
política interna e externa ao PRI, especialmente, por duas razões: 1) a “ação policial”
comandada pelo presidente Díaz Ordaz, que já possuía um péssimo índice de aprovação,
acabava por macular diretamente a imagem do próprio PRI; e 2) a tomada de consciência da
sociedade mexicana, sobretudo, da classe média, em relação aos problemas sociais existentes
e aos novos que se agregavam a cada sexênio. Por fim, a situação que se desenvolveu poderia
levar a uma catástrofe ainda maior, não fosse a “esperteza política” do próximo presidente
mexicano, Luíz Echeverría Alvarez (1970-1976).

Para Camín e Meyer, desde o começo do regime pós-revolucionário, alguns setores


politizados do México manifestavam-se contra a falta de democracia e, em 1968, deu-se
apenas mais um capítulo dessa extensa história.

Em julho daquele ano, uma brutal escalada repressiva contra manifestações


estudantis com pouco ou nenhum conteúdo político exacerbou o profundo e
tradicional descontentamento político desses setores, encarnados agora nos
jovens universitários que eram, por sua vez, a expressão da transformação
demográfica da sociedade mexicana. Em setembro, o conflito havia
desembocado na agitação mais aberta, constante e generalizada da história
contemporânea do México. Amplos contingentes se manifestavam nas ruas,
atacavam abertamente o presidente, seus colaboradores mais próximos e o
próprio sistema como antidemocráticos. (...) Depois de uma série de
demonstrações, repressão e tentativas fracassadas de negociação, às vésperas
181
da abertura dos jogos, o presidente e seus consultores políticos, julgaram
intolerável o desafio ao princípio de autoridade e no dia 02 de outubro de
1968, o exército e a polícia puseram fim ao protesto mediante um massacre
indiscriminado de manifestantes na Praça de Tlatelolco.342

O modelo de desenvolvimento seguido ao longo do período pós-revolucionário


beneficiou a acumulação acelerada de capital, mas não resolveu “o conflito da relação
privilegiada entre a grande burguesia nacional e estrangeira e a elite política”343, como
recorda Aguilar Camín e Lorenzo Meyer. Na verdade, o sistema político mexicano sempre
manteve controle de todos os atores e setores políticos, inclusive, do setor privado da
economia. Entretanto, essa lógica empregada exige que, com o tempo, os grupos empresariais
adquiram maior autonomia diante do Estado, para que, assim, nalguns períodos de crise
possam reunir forças para obrigar a retração do Estado. Esta foi, então, a história exata da
presidência de Echeverría Alvarez.

No começo da década de 1970, Echeverría defrontou-se com a pesada crise política


em decorrência do outubro de 1968. Mais à frente, acabou encontrando ainda uma severa
crise econômica, uma vez que, com o intuito de driblar crise política e atender às
reivindicações da classe média, implantou um novo modelo econômico chamado de
“desenvolvimento compartilhado”, que não obteve grandes resultados.

Em 1971, Echeverría anunciou uma Lei de Arrecadação Federal, afirmando que havia
chegado o momento de financiar os gastos públicos, sobretudo, pelo sistema tributário,
enfatizando o projeto de modernização do país. Pretendia-se, então, uma intensa reforma
fiscal. Essa reforma haveria de calcular a renda das pessoas físicas, somar seus rendimentos e
determinar o imposto devido. A taxação era muito alta, e como afirma Aguilar e Meyer,
“nunca na história mexicana o Estado havia proposto uma taxação tão alta e permanente das
camadas de altas rendas”344. Obviamente que isso fazia parte do modelo de desenvolvimento
compartilhado instaurado pelo presidente, que almejava o crescimento econômico, mas
redistribuindo suas riquezas.

Os setores “modernos” do país, como chamavam aos banqueiros, empresários e


comerciantes, reagiram instantaneamente contra a nova lei. Em janeiro de 1971, a

342
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 249-250.
343
Ibidem, p. 251.
344
Ibidem, p. 253.
182
Confederação Patronal da República Mexicana (COPAMEX) publicou um manifesto opondo-
se à disposição, arguindo, até mesmo, que ela era abusiva e inconsistente.

A partir disso, a relação entre o Poder Executivo e tais setores ficou tão intensa que
acabou resultando em um enfrentamento aberto e, por conseguinte, no golpe financeiro de
1976. Antes disso, o governo federal tentou recuar. Propôs reuniões com representantes dos
respectivos setores, para negociar algumas questões polêmicas. Mas, os encontros não
trouxeram resultados profícuos. A partir de 1973, adotou-se uma nova lei fiscal menos
abrangente, que afetou, sobretudo, a classe média (que já não estava satisfeita). Neste ano, o
lucro empresarial atingiu a maior média desde 1960. Segundo Camín e Meyer: “embora a
porcentagem do produto interno bruto captado pelo Estado tenha aumentado (foi de 14%), o
mesmo aconteceu com o déficit fiscal do governo federal, e o Estado teve que recorrer a um
aumento de 29% em seu endividamento externo”345.

Ao decidir implantar uma reforma fiscal de menor abrangência e focada unicamente


na classe média, o governo de Echeverría perdeu a “razão de ser”. Afinal, a reforma havia
sido muito divulgada durante sua campanha eleitoral e, sendo assim, consistia na principal
razão pela qual tinha sido eleito. No fim do mandato, a situação tornou-se insustentável,
acarretando em um conflito aberto entre os “setores modernos” e o Presidente da República.

Os maiores beneficiários do “modelo compartilhado” encontravam-se irritados com a


dúbia retórica echeverrista (mais verbal que real) e, por isso, planejavam um golpe financeiro
que, em 1976, ocasionou em uma maior retração dos investimentos. Se o conflito era
inevitável, Echeverría poderia ter, ao menos, cumprido sua reformar fiscal à risca. Mas,
escolheu ceder à pressão dos setores e, por conta disso, o fim do mandato trouxe consigo uma
dívida externa de 20 milhões de dólares, um deficit comercial de 1,749 milhão, uma
desvalorização de 100% do peso mexicano, uma espessa fuga de capitais e, como se não
bastasse, escassez de jazidas de petróleo. A economia estancou e a sociedade passou a
questionar ainda mais a viabilidade do sistema priista. De acordo com Aguilar e Meyer,
“correram os rumores mais descabelados sobre uma catástrofe política e econômica. Foram os
piores momentos do governo de Echeverría e um dos mais difíceis do regime pós-
revolucionário”346.

345
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 254.
346
Ibidem, p. 255.
183
Os mesmos autores definem o fim do mandato de Echeverría Alvarez da seguinte
forma:

A presidência de Echeverría foi marcada por uma severa crise econômica e


política, que se agravou com o monopólio industrial, a queda da produção
agrícola, as invasões de terras e as greves gerais. O confronto entre o
governo e o setor privado cruzou o mandato e resultou no decreto
presidencial de 19 de novembro de 1976, em virtude do qual foram
expropriadas de 72 famílias, algumas muito poderosas, 100 mil hectares das
cobiçadas terras dos vales dos rios Yaqui e Mayo. De nada serviram, nessa
ocasião, os ruidosos protestos da COPARMEX, nem a paralisação do
trabalho decretada pelo setor privado em Sonora e Sinaloa. As terras foram
distribuídas entre mais de oito mil ejidatários.347

Após a conturbada presidência de Echeverría, o próximo candidato foi destapado


somente no fim de 1976 e, ainda assim, acabou sendo anunciado como “candidato-eleito”.
Isso ocorreu em razão da inexistência de candidatos opositores ao PRI no processo eleitoral,
já que o PAN passava por uma séria crise interna. Por fim, López Portillo (1976-1982) acabou
concorrendo apenas contra candidatos independentes, ou seja, os “não-oficiais”, como diziam.
E sua vitória foi esmagadora, recebendo 92% dos votos.

López Portillo, como se pode imaginar, assumiu a presidência em meio a uma séria
crise político-econômica. Como já dissemos, em seu primeiro discurso, o presidente recém-
eleito responsabilizou todo o país por sua situação crítica e assim pediu paciência e tempo
para colocar em prática um novo modelo de desenvolvimento. Todavia, cabe aqui um
addendum: López Portillo acabou somando duas importantes questões a seu favor: seu
carisma político, que apaziguou os ânimos da sociedade mexicana e a descoberta de novas
jazidas no Golfo do México, que apareceram exatamente no momento da crise mundial do
abastecimento de petróleo.

Seu governo começou ainda com uma grande reforma administrativa, mediante a qual
outorgou a chamada Lei Orgânica, que trouxe consigo novos programas: Agricultura e
recursos hidráulicos; Assentamentos humanos e obras públicas; Patrimônio e fomento
industrial; Programação e pressuposto e, enfim, o Código de Pesca 348. Houve ainda a anistia
de presos políticos e a reformou da Lei de Organizações Políticas e Processos Eleitorais, cujo

347
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 255.
348
LÓPEZ, Portillo. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
184
principal intuito foi reconhecer o “político” como pessoa jurídica e, em seguida, outorgar o
registro de vários partidos “não-oficiais”, como o sinarquista Partido Demócrata Mexicano
(PDM) e o conhecido PCM, que era considerado “não-oficial” desde 1919.

O governo de Portillo logo retomou o conhecido anseio mexicano de diversificar as


relações econômicas. A exportação de gás e petróleo reservava-se apenas aos Estados Unidos
e, a partir de 1978, o país passou a negociar com Canadá, Espanha, França, Israel, Japão e
Suécia. Mas, a relação não se resumia a enviar petróleo. O produto chegou a ser usado como
elemento de política com a América Latina, mediante a qual o México dispôs-se a apoiar
efetivamente os governos e partidos reformadores. Nesse momento, o país ainda buscava
estabelecer uma política vantajosa com os Estados Unidos, que não lhe sufocasse o
desenvolvimento.

Essa retomada da exportação do petróleo viabilizou o estabelecimento de programas


cujo intuito seriam reativar a economia, como ocorreu com os planos de desenvolvimento
agrário, agropecuário, econômico, industrial e urbano. Igualmente, possibilitou que se
empreendessem obras públicas, com o intuito de aprimorar a infraestrutura nacional, como
ocorreu com as novas refinarias.
Aguilar Camín e Lorenzo Meyer afirmam que nesse período o governo de López
Portillo estava saindo da contração econômica e desordem política e, sendo assim,
compreendeu as novas jazidas como uma alavanca para superar a estagnação e retomar o
desenvolvimento econômico.
Como afirmam abaixo:

O descobrimento de novas jazidas de petróleo na metade dos anos setenta


permitia essa expectativa: as reservas comprovadas do país aumentaram de
aproximadamente 10 bilhões de barris para mais de 70 bilhões em poucos
anos. A Pemex, que começava a ser uma incipiente importadora de gasolinas
e derivados de petróleo, ascendeu, em poucos meses, à condição de
exportadora liquida de petróleo bruto com hierarquia mundial, assim como a
indústria petrolífera mexicana do início dos anos vinte. (...) A convergência
dessa descoberta com o momento em que o mundo vivenciava sua primeira
crise energética importante deu lugar à certeza governamental, mas
compartilhada por amplos setores da população, de que o México poderia
comprar uma saída definitiva para seu problema.349

349
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 270
185
A partir de 1980, o México havia adquirido maior autonomia política em relação aos
Estados Unidos, que lhe fazia pressão para participar do GATT350. López Portillo recusou a
adesão por ser o debate, como afirma Aguilar e Meyer, “um produto das pressões
imperialistas e contrárias ao interesse nacional”351.
No início de 1981, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) impôs
a vários países o aumento do preço do barril, que, antes custava US 3,00 dólares, e passaria a
custar, em 1982, US 34,00. O novo preço não foi bem recebido pelos clientes, gerando um
prejuízo de dez milhões de dólares. Em seguida, o México sediou uma conferência
internacional entre os chefes de Estado e de Governo dos países industrializados do Norte e
alguns líderes do Sul. Seu principal desígnio era realizar um acordo de cooperação econômica
entre as nações pobres e ricas. Mas os países, sobretudo, os Estados Unidos, não estavam
dispostos a negociar. Em 1982, o país declarou que não conseguia mais pagar sua dívida
externa, o que resultou em um empréstimo de emergência estimado em 1,85 bilhão. Isso
deveria ser pago com petróleo em um valor abaixo do preço exigido pela OPEP. Para Aguilar
e Meyer, “era o princípio de uma nova crise e o fim de uma política que fora anunciada, em
seu início, como o verdadeiro caminho da independência econômica”352.

López Portillo atrasou o quanto pôde para destapar o próximo presidenciável e, no


início de 1982, anunciou Miguel de la Madrid. Opondo-se à vontade da cúpula dirigente do
partido, que ambicionava a candidatura de Javier García Paniagua (o então presidente do
PRI).

O fim desse sexênio presidencial é relatado por Luís Medina Peña como o prenúncio
de uma aguda crise financeira. Apesar da queda do valor do petróleo, o presidente “podia
mudar os padrões de gastos ou modificar a taxa cambial, chegando a declarar que o presidente
que desvalorizava era desvalorizado”353. Isso gerou, segundo o autor, um processo que chama
de “super deficit” e, sendo assim, justifica:

Os fatores negativos que concorreram para delinear esse fenômeno foram


segundo Baker e Brailowsky: 1) o excesso de demanda interna, que superou
em muitas vezes os recursos em moedas estrangeiras obtidos com o petróleo:
um terço do deficit; 2) o aumento das taxas de juros e a fuga de capitais: em
torno de 40 por cento de deficit; e 3) a liberação das importações: outros 30

350
General Agreement of Tariff and Trade (GATT).
351
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 265.
352
Ibidem, p. 266.
353
MEDINA, op. cit., p. 175.
186
por cento do déficit. Somando-se a tudo isso ao congelamento do crédito
externo por temor dos bancos de uma possível insolvência do México, o ano
terminal da gestão de José López Portillo, 1982, foi de vertiginoso
aprofundamento dos traços adversos da economia e da política.354

Para o historiador Daniel Cosío Villegas, a partir de 1982, o PRI tinha uma tarefa
importantíssima: reafirmar a legitimidade de seu sistema. Como evidenciado no excerto de
Villegas abaixo:

Ao finalizar o decênio dos anos 1970, o México parecia afirmar seu caráter
de potência intermediária e buscar diminuir os laços de dependência em
relação ao seu vizinho do norte. O bom êxito desta empresa não dependia
somente dos atos voluntários, mas sim da capacidade do grupo dirigente para
solucionar os graves problemas internos do país: suscitar uma economia
eficiente, aumentar a criação de empregos, propiciar uma vida política mais
democrática e conseguir uma distribuição mais equitativa do produto social;
em suma, reafirmar a legitimidade do sistema.355

A presidência de de la Madrid Hurtado (1982-1988) ocorreu em meio a mais rigorosa


crise mexicana do século XX. Como dito anteriormente, a queda da receita do petróleo
provocou um grande prejuízo na economia mexicana, trazendo sérias consequências: o
aumento da dívida externa em mais de 800 milhões de dólares e, novamente, com fuga de
capitais e desvalorização do peso. O novo governo começava, portanto, “com recessão,
estrangulamento financeiro, fechamento dos mercados monetários e comerciais
internacionais, desemprego com quedas salariais, queda nos gastos públicos e uma recessão
econômica para 1983 que já estava estimada entre 0 a 5%”356, como recorda Aguilar Camín e
Lorenzo Meyer.
Essa era a terceira vez que o governo vigente herdava do predecessor uma crise
econômica. Por essa razão, o presidente recém-eleito assumiu uma nova política que
convencionou chamar de “alterações estruturais”, passando às empresas privadas a
responsabilidade do desenvolvimento nacional e, em seguida, aderindo ao livre comércio
internacional. A severa crise era sentida por toda a sociedade mexicana e o presidente de la
Madrid reconhecia sua abrangência; de tal modo que em seu primeiro discurso falou sobre

354
MEDINA, op. cit., p. 175.
355
COSÍO, Daniel Villegas. Historia mínima de México. 7° Reimpresión. México(DF): El Colegio de Mexico,
1998. p. 181.
356
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 289.
187
ela: “Vivemos uma situação de emergência. Não é momento para vacilações nem querelas; é
hora de definições e responsabilidades. Não nos abandonaremos à inércia. A situação é
intolerável. Não permitiremos que a pátria se desintegre em nossas mãos”357.
Havia um sentimento generalizado de haver atingido o “fundo do poço”, no que se
refere, sobretudo, à imobilidade política e à viabilidade do sistema. No início do sexênio, a
cúpula dirigente “rezava” para que o presidente conseguisse chegar ao Primeiro Informe
Presidencial sem a interrupção de uma nova convulsão social e, consciente dessa situação, ele
passou a promover a idéia de que seu projeto político faria surgir um “novo México”,
moralmente limpo e não-patrimonial. Esse novo país (idealizado pelo presidente) não seria
mais centralizado, nem de apelo popular ou corporativo, e sim

Liberal e democrático, nacionalmente planejado e conectado às questões


sociais do país. E não o Estado frouxo, subsidiador e feudalizado que havia
administrado até então o pacto histórico da revolução de 1910-1917, mas um
Estado pequeno, enxuto, com limites claros a suas faculdades interventoras,
economicamente realista, não-deficitário e administrativamente moderno.358

As aspirações de de la Madrid faziam-no aparentar possuir duas caras, como


demonstra Aguilar e Meyer, “uma que olhava o futuro, com aspirações reformistas, e outra
presa ao passado, com anseio de restauração”359. Esse duelo interno fez com que o governo
que prometia um “novo México”, adotasse algumas atitudes polêmicas, como a gradual
privatização dos bancos mexicanos. A partir de 1983, o governo passou a privatizar
parcialmente, colocando à disposição do capital privado 34% das ações dos bancos. Depois,
foi gradativamente realizando acordos e pagando indenizações à ex-banqueiros, concedendo-
lhes acesso privilegiado à aquisição de empresas.
Após a implantação desse projeto de governo, no quadro geral do país, os mexicanos
não tinham mais aquele fervor “nacional revolucionário” e continuavam a buscar o estilo
americano de vida. Mas, o processo de democratização havia começado. Afinal, o processo
eleitoral municipal que ocorreu de 1984 a 1986, acabou reservando a maioria dos cargos ao
PAN.
Na presidência de de la Madrid, a sociedade mexicana tornou-se uma nebulosa de
contrariedades, repleta de questões econômicas, políticas e sociais a serem resolvidas. Os
mexicanos estavam exaustos e suspeitosos em relação à governabilidade do PRI e, para fugir

357
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 291.
358
Ibidem, p. 292.
359
Ibidem, p. 294.
188
disso, procuraram uma alternativa institucional e conservadora, encontrando-a em uma nova
formação neopanista, a principal oposição ao governo vigente.
Além da baixa popularidade priista, ocorreram contendas internas que ocasionaram a
divisão do partido. Em 1987, os dissidentes, liderados por Cuahutémoc Cárdenas Solórzano,
filho do ex-presidente Lázaro Cárdenas, formaram um novo grupo de ex-priistas chamado
Frente Democrática Nacional; que posteriormente se tornou o Partido da Revolução
Democrática (PRD).
Para Aguilar Camín e Meyer, o fim desse sexênio resultou em um fracasso econômico
sem ruptura de ordem política e social, mas a essência do sistema político autoritário e
corporativo se desgastou na mesma medida em que houve a queda do bem-estar dos
mexicanos e tal processo foi denunciado por ela como resultado de um planejamento político-
econômico cego.
Como se nota:

O fim catastrófico do milagre mexicano e o posterior esforço de


modernização econômica não podiam deixar de ter uma repercussão política.
Apesar do golpe brutal que a depressão iniciada em 1982 significou para a
qualidade de vida e as expectativas da maioria dos mexicanos, a longa
estabilidade política do país – a mais prolongada da América Latina – não se
rompeu, nem o partido no poder perdeu seu monopólio tradicional sobre o
exercício do poder no México. Ambos se mantiveram graças à enorme força
das instituições – em particular, aquela concentrada na presidência –
combinada com o peso de uma antiga cultura cívica autoritária e inibidora da
participação e, sobretudo, pela ausência de uma oposição forte que pudesse
canalizar politicamente o descontentamento gerado pelo fim do crescimento
econômico e o custo social do ajuste estrutural do aparelho produtivo.360

Nas eleições de 1988, a presidência mexicana foi disputada pelos candidatos: Carlos
Salinas de Gortari (PRI); Cuauhtemóc Cárdenas (FDN, PPS, PARM, PFCRN, PVEM),
Manuel Clothier (PAN), Gumersindo Magaña (PDN), María del Rosario Ybarra de la Garza
(PRT) e Heberto Castillo Martínez (PMS). Nesse período, era evidente a preferência de
Cárdenas. Tornou-se, portanto, a figura mais popular das eleições e, a partir de 1987, incidiu
na primeira ameaça real ao PRI. Mas, o processo eleitoral per se acabou extremamente
questionado.
Esse seria o ano em que se implantaria um novo procedimento eleitoral e, por
conseguinte, substituir-se-ia a antiga papeleta por um maquinário ultramoderno. No período

360
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 315.
189
da manhã, a contagem dos votos apontava a vitória, com larga vantagem, de Cuauhtemóc
Cárdenas. Durante a tarde, ocorreu uma pane no sistema das urnas eletrônicas que paralisou o
processo, por horas afinco. Quando o sistema tornou a funcionar anunciou-se a vitória de
Salinas de Gortari. Mediante isso, alguns grupos cardenistas tomaram às ruas, alegando
fraude eleitoral. Após essa vitória, a imagem do PRI ficou ainda mais manchada e, por conta
disso, o presidente recém-eleito tomou uma medida rápida. Fundou o Instituto Federal
Eleitoral, uma instituição encarregada de fiscalizar o processo eleitoral (e lê-se: impossibilitar
fraudes).
A presidência de Salinas (1988-1994) acabou radicalmente com a idéia de
“nacionalismo revolucionário”. Além disso, concretizou as reformas neoliberais que o
governo antecessor não havia conseguido realizar, abandonando também o modelo de
desenvolvimento estabilizador. E, sendo assim, recusou o sistema priista, até então,
empreendido. Renegociou a dívida externa e seguiu as diretrizes impostas pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Implantou um novo programa político no México,
no qual haveria de vender as empresas paraestatais, para, assim, amortizar a dívida pública
interna. O momento foi marcado por escândalos de corrupção, nepotismos e suspeitas de
transações com o crime organizado.
Em suma, o período de 1946 a 1988 da história mexicana pode ser dividido em duas
partes, como executa a historiografia mexicanista: 1) a Era de Ouro ou o Milagre Mexicano
(1946-1968) e 2) o Esvaecimento do milagre (1968-1988). Na primeira divisão, o México
sofreu com a alta inflação e a desvalorização do peso. Após o debut priista, instaurou-se um
modelo político-econômico que regimentou o governo federal. Chamavam-no de
“desenvolvimento estabilizador”, cujo objetivo central era suscitar um progressivo
crescimento econômico, ou como chama Pablo González Casanova, “um crescimento
econômico a qualquer custo”361. Além disso, o modelo objetivava controlar a elevação
acelerada dos preços e salários e, finalmente, estabelecer o continuísmo priista. Ou seja,
implantou-se um desenvolvimento embasado na estabilidade, com contínuo crescimento
econômico, sistema político imóvel e fortes características autoritárias.

Durante o governo de Ruíz Cortinez (1952-1958), a referida estratégia chegou a


controlar a inflação. Isso amenizou o ânimo do país, uma vez que a inflação e a
desvalorização provocavam a insatisfação do operariado, o que resultava em greves e
manifestações, induzindo o fortalecimento sindical e a eclosão de enfrentamentos agressivos

361
GONZALEZ, op. cit., 50.
190
entre civis e militares. A partir de 1956, portanto, começou-se a sentir as benesses da
estabilidade cambial e, ao longo do próximo decênio, o preço do atacado cresceria apenas
50%; o que era muito bom para o período. Tal modelo teria “funcionado” até o fim da década
de 1960, momento no qual a estrutura socioeconômica do país mudou rapidamente e a
militância opositora se fortaleceu com isso. A política “continuísta” não mudou
suficientemente rápido para acompanhar a velocidade das mudanças da sociedade mexicana,
passando a ser questionada recorrentemente. Este sentimento contestador ficou ainda mais
evidente durante a presidência de Adolfo López Mateos (1958-1964), com as grandes greves
de 1958 e 1964.

Finalmente, concluímos com a afirmação de que o modelo priista não previu as


rápidas mudanças pelas quais passou a sociedade mexicana, sobretudo, a partir de 1950, e, por
não conseguir acompanhá-las, deu abertura para que se formasse uma crise política interna e
externa ao partido, levando, inclusive, ao terrível episódio de outubro de 1968, no decorrer da
presidência de Gustavo Díaz Ordaz (1964-1970). A partir de 1973, há a convergência da crise
mundial do petróleo com a crise política nacional. A economia, nesse ponto, voltou a sentir os
efeitos da inflação e desvalorização do peso. Intensificou-se em 1976 e, a partir disso, buscou-
se uma alternativa. No fim de 1970, ocorre a descoberta de novas jazidas petrolíferas no
sudeste mexicano, proporcionando uma solução temporária aos problemas econômicos e, por
conta disso, retomou a condição de exportador. No começo da década de 1980, a sociedade
mexicana voltou a sofrer com os efeitos de um modelo de desenvolvimento sem
planejamentos concretos. Em 1981, a OPEP determinou o aumento do petróleo e o país
passou a perder dinheiro. Isso repercutiu de tal forma na estrutura política e social mexicana
que as agrupações, os partidos políticos e as lideranças aparentavam estar preparados para
começar uma nova revolução. Em meio a essa situação delicada, ocorreu o episódio “amador”
das eleições de 1988. Por essa razão, Carlos Salinas foi obrigado a realizar uma série de
mudanças para que a sociedade mexicana se acalmasse, fazendo com que o partido,
novamente, mudasse sua perspectiva política, mas sem mudar de nome. Ele passou a assumir
uma postura neoliberal, com as privatizações e o foco unicamente econômico.

O recorte temático estabelecido indica que esta pesquisa parte do pressuposto de que a
longevidade do governo priista será plenamente compreendida apenas se levar em
consideração o contexto histórico da formação do PRI, em 1946, até o período salinista, com
a execução de reformas que descaracterizaram por completo o sistema de governo outrora
implantado. Ademais, entendemos que havia uma noção solidamente estabelecida na
191
sociedade mexicana, nesse período, que fazia com que ela, apesar dos escândalos, tropeços e
trapaças, ainda assim escolhesse o PRI para governá-la. A fraude eleitoral não é uma resposta
cientificamente viável, mesmo porque elas nunca foram comprovadas. A resposta cabível a
essa questão consiste na existência de uma cultura política priista dominante, estruturada e
promulgada pelo próprio partido, que era assimilada pela sociedade. Isso ocorreu por
inúmeras razões que vão desde a utilização do imaginário revolucionário do país, tão caro a
todos eles, ao receio de que o território nacional vivesse uma constante guerra civil, sem
estabilidade alguma, no qual a sucessão presidencial seria resolvida apenas por quem melhor
programasse a emboscada.

O próximo capítulo fica, então, com o propósito de definir essa mencionada cultura
política priista, os métodos utilizados para sua propagação e sua comprovação científica.

192
CAPÍTULO 3
FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)

193
Forjando a revolução
A cultura política priista (1946-1988)

A complexidade do período pós-revolucionário mexicano fez com que os estudiosos


da área o analisassem por meio de variadas óticas, que perpassam, especialmente, questões
econômicas, políticas e sociais. Esta pesquisa acompanha a linha teórica que compreende o
advento e a consolidação do sistema hegemônico nos idos de 1929 a 2000. A perspectiva
elaborada pelo cientista social italiano Giovanni Sartori afirma que no México do século XX
instaurou-se um sistema de partido não-competitivo, hegemônico e pragmático. Tal “sistema”,
segundo o autor, foi regido por um partido autoritário e centralizado362.

Sua característica não-competitiva refere-se ao fato de que, no mencionado período, os


candidatos da oposição foram privados de direitos iguais durante os sufrágios e, por conta
disso, acabaram coagidos e atravancados. A hegemonia, por sua vez, relaciona-se ao papel
secundário desempenhado pelos outros partidos políticos do contexto. O partido hegemônico
mexicano “admitia”, então, a existência de diferentes partidos, desde que cumprissem um
papel coadjuvante na política mexicana. E, finalmente, a faceta pragmática, que se refere à
postura do partido de não assumir (inteira e abertamente) uma filosofia política, sem afirmar
se tinha como base o liberalismo, o socialismo ou o neoliberalismo. Isso ocorreu porque,
desde sua primeira formação, o partido objetivou, sobretudo, agrupar as facções, as ligas e os
movimentos da Revolução Mexicana (1911-1920); deixando-os confinados numa única
instituição. Mas as facções sediciosas sustentavam opiniões, quanto ao processo
revolucionário e às questões sociais urgentes, bem divergentes entre si. Com o intuito de
estabelecer o novo “partido revolucionário”, a base fundadora, liderada pelo ex-presidente
Elías Calles (1924-1928) e seus aliados, estruturou uma instituição que assumia todas as
“vertentes revolucionárias”, o que fez dele, consequentemente, um organismo pragmático.
Antes de ser liberal ou socialista, o partido era uma “milícia revolucionária”.

O partido pragmático-hegemônico mexicano estabeleceu, assim, um mecanismo de


“pluralismo unipartidário” que agregou e incluiu diferentes causas e grupos políticos, mas
figurou como o principal partido desse contexto, apesar de ter sido cercado por vários
pequenos partidos. Desse mecanismo, adveio o longevo (e imóvel) governo do “partido

362
Cf. SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Trad. Waltersin Dutra. 2° Ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1982.
194
oficial”, como ficou conhecido. A trajetória desse partido admite duas formações
antecessoras, o Partido Nacional Revolucionário (PNR, 1929-1938) e o Partido da Revolução
Mexicana (PRM, 1938-1946). Após 1946, surgiu o Partido Revolucionário Institucional (PRI,
1946-2000) e assim ele continua até hoje.

As reformas estruturais foram uma marca desse partido. No período de 1929 a 1990,
passou por duas importantes reformas, a primeira em 1938 e a segunda em 1946, que
acabaram, inclusive, mudando sua nomenclatura. Além delas, sofreu mais oito modificações
estruturais dentre as décadas de 1950 e 1990; praticamente uma reforma por sexênio
presidencial363. Estas, porém, não mudaram sua denominação, mas sim seus documentos
básicos, o “Estatuto do Partido”, o “Programa de Ação” e a “Declaração de Princípios”. Pode-
se afirmar, portanto, que tais mudanças atingiram o partido estrutural, política e
ideologicamente.

Algumas dessas alterações foram sentidas pelo governo mexicano e dois exemplos
claros disso resumem-se às reformas que originaram o PRM e o PRI. No fim da década de
1930, por exemplo, o “partido oficial” consistiu numa instituição política completamente
diferente daquela que se estabeleceria uma década depois. Isso, obviamente, refletiu no
governo mexicano, já que o partido predominava no cenário político-cultural da época,
ocupando a maioria dos cargos públicos municipais, estaduais e federais. Por essa razão,
qualquer mudança estrutural mais intensa acabava – quase sempre – reorientando a
administração federal364. A presidência de Lázaro Cárdenas (1936-1940) e a reforma do PNR,
em 1938, residem num exemplo clássico disso, uma vez que a mudança do partido refletiu no
regimento do governo. O PNR se tornou, então, o PRM, o que significou ao partido assumir
um posicionamento político mais radical. Consequentemente, o governo acabou ficando mais
radical também, o que resultou, por exemplo, no aumento extraordinário da distribuição de

363
Cf. OCAMPO, Rigoberto. El sistema político mexicano. México DF: Publicaciones Cruz O., 1990. p.177-
179. [Conforme Rigoberto Ocampo, após a reforma que originou o PRI, em 1946, as porvindouras assembléias
do partido acabaram modificando seus documentos básicos, o Estatuto, o Programa de Ação e a Declaração de
Princípios. No ano de 1952, a assembléia modificou os documentos básicos com o intuito de “democratizar” a
estrutura priista. Em 1965, o presidente Carlos Madrazo liderou a reforma que adotou um novo sistema de
seleção interna aos candidatos municipais e estaduais. Em 1968, a assembléia modificou pela quinta vez o
estatuto do partido. Nos idos de 1971 e 1972, houve novamente reformas nesses documentos. Em 1978, os
mesmos documentos passaram por reforma, para que o partido se direcionasse então unicamente aos
trabalhadores. E, finalmente, em 1990, após o escândalo de Salinas, em 1988, a assembléia designou que a
seleção de candidatos realizar-se-ia através da “consulta na base”, recusando o “nacionalismo revolucionário” e
permitindo a existência de correntes internas.]
364
Mantemos, portanto, um posicionamento diferente daquele adotado pela historiografia tradicional, que
concebe o “partido oficial” com uma instituição absolutamente autônoma em relação ao Estado mexicano. De
fato, o PRI não era o Estado, mas existia sim uma relação entre eles, que, às vezes, se estreitava ou se espaça,
seguindo os interesses do partido e/ou do Estado.
195
terras aos camponeses. Uma década depois, o PRM passou por outra mudança, que também
refletiu no regimento do governo. Mudança essa que originou o PRI e acabou tornando-o um
partido mais moderado. Logo, o governo direcionou-se de maneira semelhante,
estabelecendo, até mesmo, mecanismos políticos complexos como o “desenvolvimento
estabilizador” e o “tapadismo” eleitoral.

Ao partir desse pressuposto, a pesquisa aqui apresentada apreende que, após o


aparecimento do PRI, formou-se e promulgou-se uma cultura política priista que orientou e
disciplinou a sociedade mexicana frente às reformas econômicas, ideológicas, políticas e
sociais que o priismo impulsionaria no país. Além disso, sua formação auxiliou a assimilação
dos novos símbolos do partido, que se estabeleciam com a formação priista. Esta cultura
política, obviamente, emergiu, cresceu e se consolidou, representando o principal instrumento
político do PRI. Todavia, ela vigorou apenas até 1988, quando o então presidente Carlos
Salinas (1988-1994) promoveu novas reformas no partido, derrubando algumas instituições e
mecanismos priistas que funcionavam desde a década de 1940. E, sendo assim, tal cultura
tornou-se dispensável, já que não mais acompanhava o partido e seu “sistema”.

A formação da cultura política priista alicerçou-se na idéia de que as principais


reivindicações e valores promulgados durante a revolução haviam sido assimilados pelas
instituições do Estado mexicano. Por isso, seria necessário ao país abandonar os ranços
revolucionários, caóticos e radicais, para adentrar a nova era da Revolução Institucionalizada.
Havia nessa cultura uma dupla legitimação: a revolução e a instituição. Que pretendiam,
obviamente, fazer alusão à Revolução Mexicana e às instituições do Estado moderno, com o
intuito de chamar a atenção de variados grupos políticos.

Pode-se afirmar, deste modo, que a cultura política priista foi resultado de um
processo lento e gradual de formulação, consolidação e desarticulação da cultura radical que
havia sido formada por Cárdenas e seus aliados, grupo político que assumiu o poder após a
presidência de Abelardo Rodriguez (1932-1934). Estudar tal cultura política implicará,
portanto, em perpassar por suas principais nuanças. Algumas delas foram herdadas, por
exemplo, da ala liberal do século XIX. Outras vieram do processo revolucionário. E, ainda,
houve aquelas que acabaram surgindo ao longo da trajetória do partido e, conforme as
reformas ocorreram, esmoreceram, emergiram e, até mesmo, reapareceram. Cabe aqui uma
informação: os símbolos da cultura política priista não estão presentes em todos os momentos
do PRI (em todo o período histórico que ele representa). Isso evidencia como uma cultura

196
política pode ganhar e perder significados continuamente. No caso da cultura política priista,
houve mais permanências do que perdas.

Dada a complexidade do período mexicano (1946-1988) e a quantidade de


“continuações” da cultura política aqui analisada, revela-se inviável analisar cada uma de suas
características. Isso, obviamente, fugiria dos objetivos da pesquisa. Sendo assim, optamos
pela análise mais aprofundada de seus principais matizes, que deram forma e caracterizaram o
priismo.

O conceito de cultura política, como especificado anteriormente, ajuda-nos, então, a


compreender esse período mexicano. Auxilia-nos a entender as alianças, os princípios, as
regras e as tradições, que reúnem e consolidam um agrupamento político específico. Se algo
ocorre, tal qual um processo histórico, e rompe esse “elo”, notamos, em verdade, que a
sociedade passou por uma aprendizagem, que ou mudou essa cultura política ou a tornou
obsoleta, trazendo outra em seu lugar. Afinal, uma cultura política nunca morre, pode ela
mudar ou adormecer, mas nunca acaba por completo.

3.1. Estrutura

Este item do último capítulo tem por principal intuito traçar um perfil do “partido
oficial”, analisando sua estrutura e relações de poder. Assim, a porvindoura análise da cultura
política ficará mais consistente.

O PRI não consistiu no único partido político do México. Na brumosa científica que
envolve esse tema, muitos mexicanistas acreditam que, ao longo do século XX, se instaurou
um regime de “partido único”, como ocorreu na China e na URSS. Entretanto, sabemos que
essa perspectiva se distancia da realidade365. Afinal, existiam outros partidos no cenário
político-cultural mexicano, muito embora eles cumprissem um papel coadjuvante366. A
oposição não conseguia se impor ao Estado. Mas, não vivia uma completa imobilização:
conseguia articular críticas e pressionar as classes dirigentes, exercendo, portanto, uma
importante “pressão política”. Do mesmo modo, seus líderes se candidatavam às eleições

365
Nessa ala de estudiosos, encontramos, por exemplo, os renomados David Torres Mejía, Kevin J. Middlebrook
e Pablo González Casanova.
366
Como já informamos, o Partido Ação Nacional (PAN) foi fundando em 1939 e figurou nesse contexto como a
principal e mais antiga oposição ao PRI, em todas as suas formações.
197
locais, regionais e nacionais através de partidos (constituíam eles, num âmbito geral, partidos
satélites, “não-oficiais”367, ou criados apenas para as eleições) ou de forma independente.

Para González Casanova, percebe-se o papel secundário da oposição mexicana ao se


analisar sua proporção de votos durante as eleições à presidência de 1911 a 1958. A oposição
nunca atingiu mais que 25% dos votos, sendo que isso ocorreu apenas uma vez, em 1952.

De acordo com o autor:

A exígua força dos partidos da oposição, ou melhor, a exígua força do


sistema de partidos que existe no México, é percebida claramente ao se ver a
proporção de votos que obtêm os candidatos à presidência. Da revolução a
1958, a oposição nunca atingiu 25% dos votos e isto apenas uma vez em
1952. Normalmente, o candidato oficial à presidência tem mais de 90% dos
votos: 99%, em 1910, com Porfírio Díaz; 99%, em 1911, com F. I. Madero;
98%, em 1917, com V. Carranza; 96%, em 1920, com Álvaro Obregón;
84%, em 1924, com Elías Calles; 100%, em 1928; Álvaro Obregón; 94%,
em 1929, com Ortíz Rúbio; 98%, em 1934, Lázaro Cárdenas; 94%, 1940,
Ávila Camacho; 78%, 1946, com Miguel Alemán; 74%, em 1952, Ruíz
Cortinez; 90%, em 1958, com López Mateos.368

Esses dados indicam que, no período mencionado, os “presidenciáveis oficiais”


recebiam em média a maioria dos votos mexicanos, o que em números significava, por
exemplo, 813 mil votos em 1917 e 7 milhões e 500 mil em 1958. A oposição, por outro lado,
ficava sempre “na casa dos mil”, recebendo 15 mil votos em 1917 e 715 mil em 1958369. A
partir da década de 1960, porém, a oposição, e em especial o PAN, passou a assumir um papel
mais importante e a receber mais votos. Mesmo assim, sua vitória à presidência acabou
demorando a ocorrer e se concretizou apenas em 2000.

O sistema eleitoral mexicano que se estabeleceu no decorrer do século XX,


especialmente, entre 1946 e 1988, possuía características que retomavam a época dos
caudilhos revolucionários. No período de 1940 a 1979, o PRI imperou como o centro político
do Estado mexicano, possuindo apenas uma oposição, o PAN. Os outros partidos
funcionavam como parte dessa lógica de exclusividade (aliando-se ao PRI, como faziam o
PARM e o PPS) e, por isso, os pequenos partidos da oposição não eram reconhecidos
oficialmente, como ocorreu com o Partido Comunista Mexicano (PCM). Após o episódio de

367
Os partidos não-oficiais eram aqueles que o Estado não reconhecia como tal.
368
GONZALEZ, op. cit., p. 15.
369
Ibidem, p. 15.
198
1968, o movimento estudantil condenou tal sistema eleitoral, o que foi importante ao período,
mas não resultou numa mudança radical. A partir de 1978, houve a promulgação da LOOPPE
e, isso sim, acarretou em mudanças importantes, muito embora ainda diminutas em relação ao
que o sistema necessitava.

Além disso, o mesmo viu surgir uma instituição unicamente priista, o tapadismo. Este
foi constituído no fim da década de 1950, época na qual ocorreram importantes convulsões
sociais, que resultaram, inclusive, na manifestação de outubro de 1968. Em primeiro,
rebelaram-se os camponeses e operários da UGOCM. Logo, se levantaram os professores,
conclamando a greve geral. Depois deles, os ferroviários paralisaram-se e, quase
imediatamente, os médicos e residentes firmaram a “greve branca”. Tais levantes foram
interpretados como uma ameaça perigosa à estabilidade política do país e, por isso,
reprimiram-se todos. Devido ao cenário caótico, o então presidente Ruíz Cortines resolveu
segurar, até os últimos dias de seu sexênio, a nomeação do presidenciável priista. Isso gerou
grande consternação na sociedade mexicana, pois havia um regimento interno a ser seguido
pelo partido, no qual o presidente deveria convocar a Assembleia Nacional do PRI, para que,
após eleições internas, designasse o próximo candidato à presidência. Ruíz Cortines pulou
esta etapa e, assim que achou conveniente, anunciou seu escolhido; sem qualquer auxílio do
partido. Tal prática tornou-se um mecanismo do PRI que, com o tempo, recebeu o nome de
tapadismo. Procedimento este que foi, para alguns estudiosos, o ingrediente secreto da
longevidade priista370.

Conforme Glória Cantú, o tapadismo foi uma prática política mexicana na seleção de
candidatos do PRI à Presidência da República. Isso fez com que os Secretários de Governo
acreditassem que estavam mais perto de serem nomeados, do que indivíduos em qualquer
outra função do governo. Então, difundia-se a idéia de que os secretários seriam escolhidos
pelo presidente, gerando grande competição entre eles. E, assim, conclui: “o tapadismo se
revelou um dos mecanismos mais eficazes do priismo para neutralizar o barulho dos conflitos
políticos, pois, além da competição, controlava aquilo que o leitor sabia sobre seu candidato.
Não havia tempo suficiente para uma sondagem completa”371.

Tendo isso dito, pode-se afirmar, então, que o PRI se sobressaiu politicamente aos
outros partidos do período, sobretudo, após o estabelecimento do tapadismo. O partido tinha,
portanto, relativo poder político. O Presidente da República acabava assimilando parte desse

370
GONZÁLEZ, op. cit., p. 18.
371
CANTÚ, op. cit, 2003. p. 200.
199
poder, o que lhe concedia ainda mais autonomia e força para exercer um Poder Executivo
profundamente centralizado. Apenas o Poder Judiciário conseguia controlar, ou mesmo,
barrar, algumas das iniciativas do presidente.

O Poder Legislativo estava quase que inteiramente composto por representantes do


PRI e, por conta disso, seria difícil mesurar o poder do presidente em seu interior. Mas, a
história mexicana não nos deixa mentir. A Câmara normalmente se opunha à figura do
Presidente da República. Durante a presidência de Francisco I. Madero, por exemplo, houve
um agrupamento de deputados conservadores, que representavam os ideais e os interesses de
Porfírio Díaz372. Pouco depois, Madero foi assassinado e, em sequência, o grupo deu forma ao
novo quadro dirigente do Poder Executivo, encabeçado, obviamente, pelo general Victoriano
Huerta. O presidente Huerta continuou com a execução de maderistas e, por fim, resolveu
dissolver a Câmara.

Na Convenção de Águascalientes, e, mesmo depois, na Assembleia Constituinte,


houve espaço aos representantes das mais variadas facções revolucionárias. Através de suas
atas, podemos concluir que houve uma grande diversidade de interesses. Essa situação se
manteve até a presidência de Álvaro Obregón, momento no qual a oposição se tornou maior e
mais independente no interior do Legislativo. A partir disso, o Executivo se fortaleceu e
começou a assumir medidas que o controlavam. Tal controle se converteu numa das
características do sistema político mexicano até 1932, quando o então presidente Lázaro
Cárdenas liberou a participação autônoma da oposição no Legislativo.

A partir de 1940, o poderio do Executivo pode ser analisado, então, mediante a


Câmara dos Deputados, na qual há alguma oposição. Todavia, a Câmara renova-se a cada três
anos e o presidente governa nos três primeiros anos com a legislatura deixada pelo seu
predecessor. Esses são os anos mais interessantes para se saber o nível de “personalismo”
entre o Executivo e o Legislativo e, após a presidência Cárdenas, percebemos a queda
progressiva do número de aprovações dos projetos de leis.

Conforme González, entre 1935 e 1941, todos os projetos de lei enviados pelo Poder
Executivo foram aprovados. A partir de 1943, apenas 92%; em 1947, foram 74%; em 1949,
foram 72%; em 1953, foram 59%; em 1955, foram 62% e, finalmente, em 1959, foram
95%373. Como se nota, nos três primeiros anos do sexênio a aprovação das iniciativas

372
GONZÁLEZ, op. cit., p. 20.
373
Ibidem, p. 23.
200
advindas do Executivo diminui, pois o Legislativo, em suma, compõe-se de deputados da
gestão anterior. Após o terceiro ano do mandato presidencial, elegem-se novos deputados que
se sintonizam mais facilmente com o novo regimento e, sendo assim, passa-se a aprovar um
maior número de leis.

A partir disso, González realiza sete constatações acerca do Poder Legislativo do


México pós-revolucionário. A primeira delas afirma que nas primeiras formações do regime
revolucionário a oposição atrelou-se às classes derrubadas pela própria Revolução Mexicana
e, por conta disso, a oposição não conseguiu se articular melhor. A segunda afirma que a
prioridade do sistema político mexicano sempre foi estabelecer um Executivo forte, pois
assim se conseguia diminuir e/ou eliminar a oposição, mantendo a estabilidade política do
país. A terceira constatação menciona que o controle integral do Legislativo acabou em 1940,
sendo de impacto muito mais simbólico, do que real (ou melhor, a quebra da tradição tem
uma simbologia importante, mas na Câmara não significou muita coisa). A quarta afirmação
reside na ideia de que o presidente fortalecido acabava tendo controle tanto da Câmara
herdada (com menor intensidade), quanto daquela renovada, uma vez que as leis continuavam
a ser aprovadas, com maior ou menor intensidade. A quinta constatação afirma que o governo
de Cárdenas foi o único a aprovar 100% dos projetos enviados pelo Executivo e, a partir de
1946, o governo de Miguel Alemán foi o que menos aprovou projetos; um governo cuja
política foi essencialmente popular não implicava numa maior oposição no Legislativo, como
normalmente se pensa. A sexta delas afirma que os projetos de lei aprovados majoritariamente
nunca enfrentavam uma oposição que excedesse 5% da Câmara; os projetos eram todos
realmente importantes. A sétima e última constatação afirma que o princípio de equilíbrio
entre os poderes do Estado realmente não funcionava na política mexicana. Deste modo, o
papel do Legislativo resumia-se há algo muito mais simbólico, sendo efetivo apenas para
sancionar as iniciativas do Executivo. Finalmente, González Casanova conclui: “Dá-lhes uma
validade e uma fundamentação do tipo tradicional e metafísica, em que esses atos adquirem a
categoria de leis, ou se escudam e apoiam na ordem das leis, obedecendo a um mecanismo
simbólico muito antigo, embora de tipo leigo”374.

Para o autor, havia no Legislativo uma simbologia, que simulava o equilíbrio entre os
poderes, mas o presidente controlava boa parte da Câmara.

374
GONZALEZ, op. cit., p. 23-24.
201
De fato, assim como os antigos governantes diziam governar em nome da lei
e que a lei estava escudada pela divindade, o que tinha um sentido funcional
simbólico-religioso, em nossa cultura, a câmara dos deputados cumpre esta
mesma função, apresentando na comunidade um significado teórico de
“crença legal”, que desde o pensamento racional do século XVIII transfere o
ato legislativo de Deus ao povo e aos representantes do povo. De um ponto
de vista antropológico, as leis no México são um sistema de crenças, assim
como os modelos de governo.375

O Poder Judiciário, por outro lado, assumiu um papel completamente diferente.


Enfrentava o Poder Executivo ao barrar algumas de suas solicitações, estabelecendo, então,
certo limite ao poder descomedido do presidente. Para analisá-lo, González utilizou os
“mandados de segurança” emitidos pelo presidente à Suprema Corte de Justiça.

No período de 1817 a 1960, há um total de 3.700 mandados de segurança, dentre os


quais o presidente é mencionado expressamente, como autoridade responsável. A média anual
de mandados varia de acordo com as gestões presidenciais: o período de Carranza obteve 31
mandados; Huerta obteve 70 mandos; Álvaro Obregón atingiu 70; Elías Calles atingiu 62;
Cárdenas atingiu 78; Ávila Camacho atingiu 126; Miguel Alemán atingiu 112; Ruíz Cortines
atingiu 90; Lopes Mateos atingiu 131. Isso representava o trabalho expedido pela Corte
Suprema, dentre os quais 28% representavam amparos ou suspensões que ela concedia aos
queixosos. Deste modo, amparava 1/3 deles.

Os queixosos contra o Poder Executivo eram, geralmente, proprietários estrangeiros


ou mexicanos (no quesito “proprietários”, englobam-se as companhias estrangeiras, os
bancários e os latifundiários). Os latifundiários passaram a ser maioria, sobretudo, após a
década de 1940, quando se contrapuseram às reivindicações ejidais, indigenistas, rancheras,
entre outras. Sendo assim, os reclamantes exigiam a devolução das terras distribuídas, a
expropriação dos ejidos e a taxação das pequenas propriedades. A Suprema Corte avaliava
essas exigências com certa rigorosidade, ordenando a devolução, a expropriação ou a taxação,
independentemente das intenções do Executivo. Por essa razão, conclui-se que o Judiciário
agia de forma autônoma e, às vezes, podia, até mesmo, servir como freio às ações
descomedidas do presidente e seus colaboradores.

Esse sistema priista estabelecia ainda um Poder Executivo controlador dos governos
estaduais. O presidente opinava em relação à maioria dos assuntos estaduais, que dependiam
de seu “aceite”. Caso contrário ele poderia, até mesmo, impor a destituição do governador,

375
GONZÁLEZ, op. cit., p. 24.
202
aplicando as leis da Constituição de 1917. Por essa razão, o presidente orientava, então, desde
os comandantes da região, deputados e senadores às finanças dos estados mexicanos (as
receitas estaduais dependiam quase inteiramente das federais).

González Casanova afirma que:

A dependência dos estados em relação ao governo central é um fato político,


militar e financeiro. Desde a aplicação da Constituição para a destituição de
governadores, passando pelas funções políticas dos comandantes de região,
dos agentes do governo, deputados e senadores que fazem carreira política
na capital, as exíguas finanças dos estados, a dependência considerável das
receitas estaduais frente às federais, as possibilidades de oscilação em cem
por cento da ajuda federal, até chegar a um calendário político que
paulatinamente vai acentuando o poder do presidente conforme transcorre o
período presidencial, todos estes fatos fazem com que os instrumentos
políticos idealizados para formar um sistema de “contrapesos e balanças”, do
tipo proposto por Madison, não funcionassem no México contemporâneo.376

O mesmo sistema, muito embora admirasse e estimulasse a idéia de governo local


autônomo, ocasionou a completa dependência dos governos municipais. Formalmente, os
municípios eram independentes, mas a realidade política denunciava uma comunidade local
altamente dependente do governo estadual (que era, por sua vez, dependente do governo
federal), cujas deficiências reduziam suas funções públicas. Por ser tão deficiente, o governo
estadual ocupava-se até de seus serviços primários.

Conforme González,

O problema da liberdade municipal é uma instituição de raízes muito


profundas. A liberdade municipal é uma instituição que, com freqüência, não
existe desde a base. Nem a estrutura do poder local nem a atividade política
dos municípios derivam em algo que se pareça a um município livre. E a
entidade política que se denomina município livre está, na realidade,
controlada pelo poder estadual e pela Federação.377

Além da dependência dessas regiões, existiam nelas outros “poderes” que as


acompanhavam desde o século XIX, personificados nos caciques e nos caudilhos. A partir da
Revolução Mexicana, ambos os poderes foram desaparecendo paulatinamente, perdendo a

376
GONZÁLEZ, op. cit., p. 32.
377
Ibidem, p. 33.
203
influência política decisiva. Tal controle passou a ser realizado no governo de Álvaro
Obregón e acentuou-se com Elías Calles. O próprio PNR cumpriu o papel político de
aprimorar e disciplinar a elite política mexicana, uma vez que integrou e controlou os
agrupamentos revolucionários.

Para González, a história do PNR foi, sem dúvida, uma história de controle dos
caudilhos e caciques mexicanos. Aliás, a centralização do Executivo teria essa função:
controlar os caciques, os partidos e os prefeitos. “Ao mesmo tempo em que lhes tiravam o
poder, recebiam honrarias, vantagens e novos poderes; selando uma espécie de acordo”, como
afirma González378. E, sendo assim, formava-se um novo grupo de caudilhos, mais
importantes e fortes politicamente. Pode-se afirmar, então, que o país superou, de certa forma,
o caudilhismo e o caciquismo, mas deixou como legado uma cultura de relações pessoais, que
privilegiava os parentescos e os compadrismos.

O militarismo seria outra importante superação mexicana. A presidência de Ávila


Camacho (1940-1946) iniciou o processo de superação dessa questão militar, que ocorria em
quase toda a América Latina. Nesses casos, o setor militar passava a atuar como um órgão
político, autoritário e golpista. No período de 1946 a 1988, o militarismo já não representava
na política mexicana uma ameaça constante à democracia, como ocorria com outros países
latino-americanos.

Segundo González, essa superação ocorreu devido à resolução dos problemas da terra,
pois

O militarismo dos países hispano-americanos faz parte de todo um sistema


no qual os latifúndios foram o elemento essencial. Desaparecidos os
latifúndios, como forma predominante das relações econômicas e políticas, o
militarismo passou a ocupar uma posição muito diversa no conjunto das
relações sociais. Medidas de controle direto, reforma agrária e
desenvolvimento econômico foram a origem do desaparecimento do militar
como principal personagem da política mexicana.379

Além do militarismo, o sistema mexicano tomou uma postura inédita. Tentou controlar o
poderio desmedido da Igreja católica. O atrito entre governo e Igreja intensificou-se, ocasionando

378
GONZÁLEZ, op. cit., p. 33.
379
Ibidem, p. 42.
204
o episódio histórico que ficou conhecido como guerra cristã. Todavia, foi a única instituição
que, com o tempo, acabou retomando seu poderio e influência.

Outra característica peculiar desse sistema foi a distribuição dos latifúndios aos
camponeses e a formação de pequenas propriedades. Após a Revolução Mexicana, o México
passou a ser um país de pequenos proprietários, ejidatários e de grandes empresas agrícolas,
abandonando progressivamente o bucólico cenário dos antigos latifúndios, com meeiros e
peões. No período de 1915 a 1960, os presidentes mexicanos distribuíram 42.792 milhões de
hectares de terra e, por conta disso, as estruturas agrárias mudaram radicalmente. Esse
fenômeno complementou-se com o processo de industrialização, que aumentou o mercado
interno e os processos de capitalização.

Segundo González,

Encontramos no México da década de 1960 um amplo setor e


profundamente organizado, com financiamento próprio, com representantes
próprios eleitos democraticamente, com especialistas e técnicos a seu
serviço, recebendo os melhores salários do país e servindo para assessorá-los
no terreno econômico, jurídico e político, com organizações que se
coordenam entre si e seguem – cada vez que o julgam conveniente – uma
estratégia comum.380

O Estado mexicano, ao longo do século XX, acabou sendo controlado, então, por um
Poder Executivo forte, que assumiu e desempenhou a lógica do sistema político instituído
pelo PRI. Seus principais mecanismos envolveram a prática de concessão e repressão.
Qualquer questionamento direcionado ao sistema haveria de ser fortemente repreendido, mas
o movimento aliado seria sempre digno de “concessões”.

A Constituição de 1917 reconhecia, em beneficio dos trabalhadores, o direito de


associação aos sindicatos e o direito de greve. Entretanto, a análise dos sindicatos mexicanos
deixou evidente que essas instituições trabalhistas eram dependentes do PRI e do Executivo.
como informa González:

Primeiramente, dois terços dos trabalhadores sindicalizados pertenciam a


uma organização, a Confederação dos Trabalhadores Mexicanos, a CTM,
estreitamente ligada ao PRI, através do setor operário do partido, e ao
governo federal. Outros sindicatos não vinculados a CTM possuíam ligação

380
GONZÁLEZ, op. cit., p. 53.
205
direta com o PRI. Seus dirigentes conseguiam um número considerável de
vereanças, como concessão. Na legislatura de 1952-55, havia 35 deputados
das organizações operárias, dos quais 19 eram da grande central e o resto de
outras centrais e sindicatos do partido governamental – ferroviários,
mineiros, CROC, CROM, CGT. A vinculação dos líderes deste sindicato ao
governo já vêm de várias décadas e desde 1940 os principais deles foram
eleitos várias vezes deputados e senadores.381

Tendo isso dito, pode-se afirmar que, no interior do Estado, o PRI assumiu a luta
política, pois objetivava assim manter seu predomínio nos postos do governo382. Em um
âmbito geral, o PRI possuía sete “tarefas”. Em primeiro lugar, o partido tinha por principal
empreitada consolidar o priismo político entre os camponeses, empresários, líderes sindicais e
trabalhadores. Em segundo, o partido tinha a obrigatoriedade de mobilizar e disciplinar o
eleitorado. Em terceiro, ocupava-se de ouvir as argumentações dos grupos mais ativos do
contexto, para que, assim, formulasse suas demandas políticas e sociais. Em quarto,
administrava o mecanismo de “concessão e castigo” aos grupos e líderes que atuavam na
política local, regional e nacional. Em quinto, assumiu um papel ideológico ativo, mediante o
qual preparava a sociedade para aceitar a política advinda do Poder Executivo e, com este fim,
invocava três símbolos importantes: a Revolução Mexicana, a Constituição de 1917 e o
presidente. Em sexto, o partido elaborava programas políticos que norteavam as campanhas
eleitorais e, nesse caso, “há toda uma arte de expressar planos sem medidas excessivamente
precisas e sem calendários de aplicação”383, ainda de acordo com González Casanova. Em
sétimo, o PRI ocupava-se de identificar e enfrentar a oposição política e o fazia de forma mais
agressiva que o próprio Poder Executivo. Por fim, suas funções envolveram obrigatoriedades
que envolviam o recrutamento de quadros384, a mediação de problemas político-sociais e a
anulação e/ou integração da oposição.

Para Richard R. Fagen e William S. Tuohy, “o PRI não foi apenas um lugar de decisão
ou de responsabilidades, mas sim de serviços críticos que permitiam às elites governamentais

381
GONZÁLEZ, op. cit., p. 58.
382
Os posicionamentos do partido, às vezes, não refletiam na administração do Estado mexicano. Já
mencionamos casos em que as reformas partidárias mudaram o regimento do governo, mas isso não era uma
regra. Portanto, não se pode afirmar que o partido aqui estudado era de fato do Estado, pois não era. E, em cada
momento do partido, instituiu-se uma relação específica com ele.
383
GARRIDO, op. cit., p. 108.
384
Recrutamento nesse caso não significa somente atrair indivíduos capazes ou talentosos, mas também captar
indivíduos perigosos para a hegemonia do aparato convidando-os a fazer parte do governo.
206
manter e exercer sua capacidade de decisão. Funcionava como um soldado, intermediário e
integrador das instituições executivas do governo centralizado”385.

O Estado mexicano revelou-se uma conjuntura das massas, embora sujeito à dialética
e às tendências da luta de classes. Nele, o PRI funcionava como parte constitutiva, o que não
significa que o mesmo representava todo o aparato estatal. Durante a formação do PNR, o
poder do partido residia no Estado, que se firmava na imagem de Elías Calles. No PRM, seu
poder estava nas organizações camponesas e sindicais. Já o poder priista mudava de acordo
com a relação de forças que se expressavam no Estado. E como o partido acabava
constituindo parte da estrutura estatal, ambos articulavam uma política de massas. O PRI
administrava a política eleitoral do país. O Estado, por sua vez, ocupava-se da administração
econômica, social e coercitiva dessa mesma política divulgada.

O PRI nasce e se desenvolve como parte do Estado autoritário, negociador e


concessor, que forma uma imensa corporação de massas, inserta nas leis do
desenvolvimento capitalista, em que o capital monopólico tende a
incrementar seu poder e suas influências próprias, e no interior do Estado,
mas sem atingir o que ele tem de poder corporativo e de poder de massas
organizadas, integradas e administradas, que chegue a quebrar-se ou romper-
se. A grande corporação mantém sua força econômica, política e ideológica,
com uma organização autoritária e negociadora, repressiva e concessiva,
oligárquica e popular, representativa de funcionários, líderes ou chefes
políticos, e de massas.386

Além disso, o governo federal e o Estado formavam ainda um todo constitucional. A


luta pelo poder e pelo governo estava, então, muito mais conectada do que se podia imaginar.
O Chefe de Estado consistia no Chefe de Governo, afinal, viviam em um sistema
presidencialista. Estas lideranças tinham normalmente uma relação direta com o Presidente do
PRI, que em raros momentos, como ocorreu com Carlos Madrazo, discordou radicalmente
dessa lógica política.

O PRI era dividido em setores, como o camponês, a classe média, o operário e o


popular. Todo campo tinha em seu interior uma confederação, cujas lideranças identificavam
e organizavam suas reivindicações, como ocorria com a CNC, o CNOP e a CTM. Seus líderes
formavam um bloco sólido para a solução dos problemas do Estado, operacionalizado a
relação de forças e as demandas entre o Estado e os respectivos setores. Nesse caso, as
referências políticas foram
385
GARRIDO apud FAGEN e TUOHY, op. cit., p. 109.
386
Ibidem, p. 112.
207
(...) a) a estabilidade e funcionamento do Estado, cujo representante máximo
é o Chefe do Executivo; b) apaziguamento das massas por concessão; c) a
acumulação e reprodução ampliada do capital, levando em conta a força dos
grupos empresariais do Estado e das massas para decidir níveis de concessão
e repressão. Ou seja, o presidente da República concentra um enorme poder
jurídico, político e econômico.387

Os funcionários e os líderes do partido, em alguns momentos, agiam de acordo com as


ordens do presidente, pois ele acabava se sobressaindo como uma “autoridade máxima”.
Nisso, adicionam-se fortes controles e influências nos meios de comunicação em massa e na
direção do setor público da economia. Possuíam 124 organismos descentralizados e 387
empresas de participação estatal, que compartilhavam em 40-50% da inversão nacional,
abarcando a eletricidade, a indústria, a malha ferroviária, o petróleo, o telégrafo, os
transportes coletivos e as siderúrgicas.
O lema priista de “disciplina e poder”, acabou sendo uma máxima do Estado. As
forças políticas do presidente, do Estado e do PRI deram ao sistema mexicano suas
características mais significativas. O partido no poder era o partido do presidente, do governo,
dos setores e da classe média. Para impetrar esta lógica, o partido teve que formular e
promulgar uma ideologia absorvente, que abrangesse todos os campos do conceito e da
argumentação política. E, em seguida, era divulgado por ambos, Estado e partido. Conforme
justifica Garrido,

Mas, os heróis, os projetos populares, o sentido comum e os ideais eram do


Estado. Nenhuma história real, programa válido, filosofia progressista ou
revolucionária, ou experiência de lutas populares deixa de ser acolhida por
um estado que se quer herdeiro das lutas do povo mexicano. O Estado se
apresenta como defensor e intermediário natural dos ideais do povo.388

A partir disso, compreendia-se que o Estado era depositário de todos os ideais


nacionais e humanos, abrindo espaço às vozes dissidentes, sem cair no totalitarismo. Esta
perspectiva versátil adveio ao longo da história de vinculações da classe média com os
movimentos populares.
Nessa estrutura, a repressão foi um recurso permanente contra o movimento camponês
e operário que pretendesse se organizar fora dele. Assim, era seu primeiro e último recurso.

387
GARRIDO, op. cit., p. 115.
388
Ibidem, p. 124.
208
No pós-cardenismo, a repressão girou em torno do estabelecimento de uma cultura autoritária
e paternalista, que argumentava e concedia posições de poder389.

Ao longo do século XX, o Estado mexicano acabou sendo regido por um forte Poder
Executivo, que controlava, inclusive, um de seus outros poderes. O Poder Legislativo
consistia em um poder muito mais formal do que real e, por isso, era controlado em absoluto
pelo Executivo390. Além disso, o mesmo preenchia-se quase por inteiro de políticos priistas, o
que facilitava tal controle. Por conta disso, o Judiciário constituía no único meio de se opor
e/ou controlar o desmedido Executivo, barrando ou expedindo mandados de segurança
relacionados ao presidente. Nesse cenário, o Executivo controlava ainda a relação entre os
governos federal, regional e local; muito embora, se acreditasse (e ainda se divulgue esse tipo
de informação) que o município era absolutamente autônomo, sua precariedade exigia sempre
a intervenção estatal (controlado pelo governo federal). Esse modelo estabelecido pelo PRI
acabou fazendo com que o país fugisse de questões como o poder desmedido da Igreja
católica e o militarismo; questões que outros países da América Latina demoraram mais para
abandonar. No contraponto, estabeleceu-se uma relação entre o Estado e o PRI; tal conexão
nem sempre era direta e imediata, mas existia. Isso não significa que o partido e o Estado
eram um só. As posições do Estado, às vezes, eram ignoradas e/ou repudiadas pelo PRI e
vice-versa. A afinidade entre eles estava suscetível ao quadro dirigente e à relação de forças
que se expressavam no Estado. E podia ela se afinar ou espaçar de acordo com os interesses
envolvidos. Nessa estrutura complexa, a coerção e a concessão foram um recurso periódico
contra os grupos que pretenderam lutar fora da coalizão priista.

3.2. Contracorrente

No período de 1946 a 1988, o PRI apresentou-se como uma forte e caudalosa


correnteza política, que arrastava tudo aquilo que estivesse nas suas águas. Alguns
agrupamentos e partidos políticos aliaram-se ao PRI e acabaram nadando a favor da corrente.
Outros decidiram enfrentar a hegemonia que se estabeleceu no país e, nesse sentido, nadaram
contra a vertiginosa correnteza do partido hegemônico. Mas, a oposição em si não era forte
politicamente, pois havia assumido um papel secundário nesse contexto e, por conta disso,
acabou quase sempre sendo levada pelas águas do PRI.
389
GONZÁLEZ, op. cit., p. 135.
390
Ibidem, p. 135.
209
A partir das análises precedentes, apreendemos que o PRI não consistiu no único
partido do México no século XX, contrariamente ao que afirma a historiografia tradicional.
Assegurar que o PRI foi um partido único, implicará em deixar subentendido que o mesmo
cumpriu um papel no país semelhante àquele desempenhado pelos “partidos de Estado” na
China comunista e/ou na URSS; o que não é verdade.

Como afirmamos, partimos do pressuposto de que o PRI instaurou um sistema de


partido hegemônico pragmático e, no período de 1946 a 1988, estruturou, promoveu e
consolidou uma cultura política que norteou e disciplinou a sociedade mexicana, no que se
refere, sobretudo, às mudanças que o priismo político executaria nela. Além disso, havia uma
oposição política ao sistema estabelecido, muito embora ela exercesse um papel secundário
neste contexto histórico-político. A oposição não dependia unicamente de uma instituição
partidária para se fazer valer e, sendo assim, advinha de qualquer agrupamento, clube, facção
ou liga, nos quais se firmavam alianças e pactos que justificam tal posicionamento político.
Dependendo da forma como isso era feito, o grupo da oposição poderia manter-se, mesmo
que precariamente, contracorrente.

Antes de mencionarmos os partidos contrários ao PRI, discorreremos sobre aqueles


que se atrelaram a ele, nadando a favor da corrente política, intensificada, sobretudo, na
segunda metade do século XX. Os dois principais partidos foram o Partido Autêntico da
Revolução Mexicana (PARM) e o Partido Popular Socialista (PPS).

O PARM existiu de 1954 a 2000. Foi inaugurado por Jacinto B. Treviño e Juan G.
Barragán, antigos revolucionários, que não encontravam mais espaço na formação priista.
Após a cisão, porém, continuou atrelado ao partido e, por essa razão, acabou conhecido como
“partido paraestatal”391.

Além de Treviño e Barragán, ficou-se sabendo que, na época, o partido também havia
sido conjeturado por Adolfo Ruis Cortínez (Secretário de Governo e futuro Presidente da
República) e Rodolfo Sanchez Taboada (Presidente do PRI), pois a formação satisfaria, em
verdade, uma necessidade política mexicana. O PARM seria lançado para que se canalizasse
institucionalmente o setor militar, que acreditava passar por uma “marginalização política” e
não se identificava com os novos rumos do governo pós-revolucionário.

391
Cf. ARAUJO, Octavio. La reforma política y los partidos en México. 12° Ed. Coyoacán: Siglo XXI, 1997.
p.156-167.
210
O primeiro comitê diretivo do PARM foi integrado por Treviño (presidente), Alfredo
Breceda e general Escobar (vice-presidentes) e Barragán (secretário-geral). Seus documentos
básicos afirmavam que o principal intuito do partido era defender os postulados da Revolução
Mexicana e, para isso, lutaria pacificamente, dentro da ordem constitucional. O registro
oficial foi expedido apenas em 5 de julho de 1957, podendo, então, participar das eleições de
1958, nas quais apoiou a candidatura do priista Adolfo López Mateos. Cabe aqui mencionar
que o mesmo nunca atingiu o número de membros necessários (75.000 membros), para que
fosse reconhecido como um partido e, ainda assim, manteve-se firme no cenário apoiando aos
presidenciáveis priistas.

Após a Reforma de 1977, os partidos políticos mexicanos, inclusive, os “paraestatais”,


puderam assumir uma atitude mais crítica e competitiva. Em 1988, o PARM foi o primeiro
partido a apoiar a candidatura do ex-priista Cuauhtémoc Lázaro Cárdenas, estruturando a
Frente Democrática, futuro PRD. Ao lançar o novo partido, Cárdenas perdeu o apoio do
PARM, pois ele alegava que a nova formação havia se distanciado ideologicamente da Frente
e, em seguida, voltou a apoiar o governo.

O PARM perdeu seu registro em 1994, recuperando-o em 1999. Destarte, anunciou a


candidatura de Porfírio Muñoz Ledo, mas o candidato acabou entrando em conflito com o
quadro dirigente do partido, o que ocasionou sua renúncia. Por fim, os principais partidos da
oposição realizaram a “Aliança pela mudança” (PARM, PAN e o PVEM392), anunciando a
candidatura de Vicente Fox, que saiu vitorioso.

Para Glória Cantú,

O PARM foi criado em 1954 por Jacinto Treviño, mas graças ao apoio do
então presidente Adolfo Ruiz Cortines. Sua primeira organização chamava-
se Associação Política Social de Homens da Revolução, fundada, em 1951,
pelo próprio Treviño e pelo General José Gonzalo Escobar, a fim de reunir
os ex-combatentes carrancistas e villistas, que haviam manifestado sua
opinião contrária a reforma que desprezou o setor militar do PRI.393

O PPS foi fundado por Vicente Lombardo Toledano, em 1948, defendendo uma
ideologia política que se pode dizer “trabalhista”, mas se autointitulava “lombardista”, uma

392
Partido Verde Ecológico de México (PVEM).
393
CANTÚ, Gloria. Historia de México. México: Prentice Hall, 2003; SEVILLA, Luís Ramírez. Dibujo de sol
con nubles: El PRD en un municipio michoacano. Michoacan: El Colégio de Michoacan, 1997.
211
vez que promovia o sindicalismo revolucionário no país. Foi considerado também por muitos
mexicanos como sendo um partido “paraestatal”.

Desde a CROM, e mais tarde na CTM, Toledano assinalava a necessidade de se


formar um partido popular. Apenas em 1946, entretanto, o líder sindicalista foi realmente
ouvido pelos seus aliados, ao salientar a necessidade deste tipo de partido em meio ao motim
que ocorria na Federação Sindical Mundial (FSM). Um ano depois, ocorreu o Encontro
Marxista, que concentrou a esquerda e a atenção dos agrupamentos: a Ação Socialista
Unificada, o grupo “O Insurgente”, a Liga Socialista Mexicana e o PCM. Nesse momento,
Lombardo passou a anunciar as porvindouras preocupações do partido, mas direcionando-se
apenas “aos que concebiam esse novo partido e os que estavam convencidos da necessidade
do seu funcionamento imediato”394. E, sendo assim, informou:

Em primeiro lugar, um partido independente do governo e, em segundo, uma


frente revolucionária. Enquanto a sua composição, o partido estará integrado
pelo setor operário, camponês, ejidatários, pequenos proprietários agrícolas,
peões e classe média: professores, pequenos empresários, profissionais em
geral, intelectuais e burocratas. O novo partido não perseguirá pois o
monopólio da ação política em nosso país. Será um organismo mais
importante, um organismo mais a favor da Revolução Mexicana. 395

No dia 25 de setembro de 1947, criou-se o Comitê Central organizador do PPS e,


poucos meses depois, criaram-se comitês provisórios em 27 estados mexicanos. Após
aproximadamente um ano, o partido foi realmente instituído. Em Assembleia, aprovaram o
documento chamado “Razões históricas do PP, seu programa e estatutos”. A sigla PP refere-
se ao primeiro nome do partido, somente mais tarde passou a se chamar PPS. Sua trajetória
não foi muito diferente daquela instituída pelo PARM, firmando-se também no cenário
político-cultural mexicano como um partido de apoio ao PRI.

O PPS apresentou candidatos às eleições presidenciais de 1952, como Lombardo


Toledano. Em 1988, com Cuauhtémoc Cárdenas (filho de Lázaro Cárdenas) e, finalmente, em
1994, com Marcela Lombardo Otero (filha de Lombardo). Nas outras eleições, apoiou os
presidenciáveis priistas. E, cabe aqui uma curiosidade: o PPS era chamado às bocas pequenas
de “ni, ni y ni”, o que em português seria algo equivalente à “nem, nem e nem”, e

394
ARAUJO, op. cit., p. 143.
395
Ibidem, p. 144.
212
completavam astutamente que o PPS não era “nem partido, nem popular e nem socialista”396.
Tal situação começou a mudar apenas no fim da década de 1980, quando se formou a
“Aliança pela mudança”. A partir disso, o PPS entrou em declínio e, em 1994, seu registro foi
caçado. Três anos depois, voltou ao cenário com a adição da palavra “socialista” ao nome.
Hoje em dia o partido ainda se diz lombardista, com o objetivo de orientar e liderar a luta da
classe trabalhadora.

Nesse contexto, houve outros partidos, mas eles se concentraram na ala da oposição.
Desde sua fundação, o PAN representou o principal partido mexicano de oposição, o único
habilitado para competir “oficialmente” contra o PRI. A partir de 1988, o PRD surgiu e se
consolidou como uma vertente mais radical e crítica. O resto dessa ala oposicionista não
recebia a mesma atenção e, por conta disso, a maioria acabava sem reconhecimento “oficial”,
sendo chamados, inclusive, de “não-oficiais”; um exemplo claro foi a trajetória política do
PCM, que demorou muitos anos para ser reconhecido.

O PAN foi fundado em 1939 por Alejandro Ruíz Villaloz, Aquiles Elorduy, Efraín
González Luna, Luís Calderón Veja e Rafael Preciado Hernández. Todos eles foram liderados
por Manuel Gómez Morin397. No ano seguinte, ocorreriam as eleições presidenciais, momento
no qual a sociedade mexicana se via encurralada a decidir entre o PRM e o Partido
Revolucionário da Unificação Nacional (PRUN). O PRUN havia sido criado unicamente para
as eleições de 1940, sob a liderança de Juan Andrew Almazán. O PAN tentou postular a
candidatura de Luís Cabrera Lobato, muito prestigiado no país, mas acabou desistindo e
apoiando ao presidenciável prunista.

A primeira vitória panista ocorreu nas eleições regionais de 1946, com a conquista de
um cargo de deputado. Exatamente um ano depois, aconteceu a segunda vitória mediante a
conquista da cidade de Quiroga, Michoacan. No início da década de 1950, o partido
conseguiu disputar pela primeira vez à presidência, com o candidato Efraín González, e, a
partir de então, passou a concorrer frequentemente. Nos meados de 1970, porém, não
apresentou candidato, uma vez que atravessava sérios problemas internos que inviabilizaram
essa questão. Após a Reforma de 1977, o partido adquiriu maior espaço no cenário político
mexicano, conseguindo uma margem maior de votos nas eleições nacionais, estaduais e
municipais. No fim da década de 1980, conseguiu eleger o primeiro governador da oposição
396
ARAUJO, op. cit., p. 145.
397
Cf. ARAUJO, Octavio. La reforma política y los partidos en México. 12° Ed. Coyoacán: Siglo XXI, 1997.
p.125-135; SHIRK, David. Mexico’s new politics: the Pan and the democratic change. EUA: Library of
congress, 2005. p.49-95.
213
em sessenta anos de priismo, com o panista Ernesto Ruffo Apple. No ano de 1997, conseguiu
a maioria absoluta na LVII Legislatura, alcançando assim o sonhado fim da hegemonia do
PRI. E, nesse contexto, venceu as eleições de 2000, com a candidatura de Vicente Fox de
Quesada.

O partido indubitavelmente fixou-se como um partido de direita, conservador e


extremamente religioso; dizia-se, inclusive, alicerçado na doutrina social cristã. Para defini-lo
com um partido católico-conservador, devem-se levar em conta os elementos que têm
particular importância na ideologia do partido e nas suas posições políticas. No caso do PAN,
percebe-se com maior intensidade duas correntes político-filosóficas, a social cristã e o
comprometimento cívico, especialmente, nas zonas municipais398.

Conforme Middelbrook,

Essas correntes foram personificadas por, respectivamente, Efraín González


(ideólogo do partido) e Manuel Gómez Morin (co-fundador). Juntos esses
elementos definiram a ideologia do partido e a estratégia municipal-federal
que o PAN seguiu rumo ao poder. Ao mesmo tempo, essas orientações
determinaram a agenda política do PAN, conforme gradualmente aumentou
sua influência entre as décadas de 1980 e 1990.399

O pensamento social cristão norteava a visão de ação política do PAN. Gómez Morin
foi muito influenciado pelos pensadores cristãos do começo do século XX, como Charles
Maurras e Jacques Maritain. Para Middelbrook, Efraín Morfín e Adolfo Christlieb fizeram
questão de garantir ao partido uma perspectiva cristã altamente coerente400.

Ainda que o tom doutrinal do partido tenha mudado com o tempo, o mexicanista
Donald J. Mabry afirma que o PAN emergiu como uma alternativa católica à revolução 401.
Isso fica evidente no discurso proferido por Luna em 1954, no qual afirma: “o caminho difícil
para o México, mas, ao mesmo tempo, o caminho obrigatório ao católico, é promover a
reabilitação política do país pelo estabelecimento de um regime representativo”402.

398
Cf. MIDDELBROOK, Kevin. Party politics and the struggle for democracy in México. Califórnia: La
Jolla Center for US-Mexico studies, 2000.p. 43.
399
MIDDELBROOK, op. cit., p. 14.
400
Ibidem, p. 15.
401
MABRY, Donald. Mexico’s Acción Nacional: a catholic alternative to revolution. New York: Syracuse
University Press, 1973. p. 99-112.
402
SHIRK apud LUNA, op. cit, p. 49.
214
O engajamento cívico local foi uma base político-filosófica estabelecida, sobretudo,
por Gómez Morin. A mexicanista Soledad Loaeza realizou uma análise cautelosa desse
comprometimento cívico panista no livro “Classes médias e política no México”403.
Conforme a autora, a orientação política do partido fez com que o mesmo, embora sem
grandes chances, continuasse a competir nas eleições ao longo de várias décadas. Mas, a
persistência panista não era tão bem quista assim, existia uma rusga interna quanto a ela: uma
ala do partido liderada por Gonzalez Luna afirmava que participar nas eleições sem as armas
necessárias para a vitória servia apenas para legitimar a hegemonia do PRI e a ordem política
estabelecida por ele. Por outro lado, Gómez Morin afirmava que participar das eleições,
mesmo sem a instrumentária mandatória, garantia ao PAN a chance de se posicionar
politicamente; era uma questão de comprometimento cívico404. Tal comprometimento fixou-
se em denunciar, ano após ano, as presumidas fraudes eleitorais, o que, até então, nunca foi
comprovado.

Mediante isso, pode-se afirmar que, se houve outra cultura política forte o suficiente
para competir e/ou obstaculizar a predominância priista, ela, com certeza, veio do PAN,
emitindo idéias conservadoras (quanto ao desenvolvimento do país), religiosas (pois,
embasada na doutrina social cristã) e de comprometimento cívico (quanto às fraudes eleitorais
e à estabilidade política do partido).

Após a Reforma de 1977, o panismo político assumiu um papel mais importante no


contexto mexicano. O partido já “controlava” o Poder Judiciário e com as mudanças pode
assumir uma quantidade maior de cadeiras na Câmara dos Deputados e, sendo assim,
conseguiu paulatinamente fazer-se predominar no Legislativo; esse fator culminou na vitória
do ano 2000.

Conforme Glória Cantú,

O PAN foi criado em setembro de 1939 na Cidade do México, uma


iniciativa de Manuel Goméz Morin, quem, ao contrário dos princípios
doutrinários do PRN criado por Calles e reestruturado por Cárdenas,
planejou a formação de um partido de oposição, que recorreu as inquietudes
das pessoas, católicas em sua maioria, – empresários, universitários, classes
médias e hispânicos – inconformados com a política cardenista e, em geral,

403
LOAEZA, Soledad. Clases medias y política en México: La querella escolar. México: El Colégio de
México, 1998. p.171.
404
LOAEZA, op. cit., p. 171.
215
com a política sustentada no poder. Desde o começo, o PAN era um partido
elitista, uma organização de notáveis.405

O Partido Comunista Mexicano (PCM) foi outra importante instituição do período


pós-revolucionário. Foi criado em 1919, mas tornou-se reconhecido “oficialmente” apenas em
1979, e vigorou até 1981, momento no qual iniciou um processo de reconstrução que se
prolongou até 2006. Sua base doutrinário-ideológica alicerçava-se no marxismo-stalinista,
mas passou por inúmeras rusgas internas ao longo de sua trajetória, que debateram, sobretudo,
a linha teórica seguida pelo partido, dividindo-se entre stalinistas e trotskistas. No fim da
década de 1990, os membros do partido acabaram dividindo-se entre os novos: Partido
Socialista Unificado do México (PSUM) e o Partido da Revolução Democrática (PRD)406.

O PCM surgiu, em verdade, durante a Revolução Mexicana (1911-1920) e logo após a


Revolução Russa (1917). Após a inauguração do PNR, em 1929, o PCM foi considerado
ilegal e conseguiu seu registro apenas nos meados da década de 1930, com a ascensão de
Lázaro Cárdenas (1934-1940) à presidência mexicana. A partir de 1940, porém, teve seu
registro caçado outra vez, vivendo clandestinamente até 1979.

De acordo com González, ao longo da presidência Cárdenas, o PCM foi o principal


alicerce da CTM, objetivando, sobretudo, limitar as ações de organizações como a CROM 407.
Em alguns momentos da história mexicana, o partido aliou-se ao “partido oficial”; com a
formação do PRM.

Nos seus primeiros anos, o mesmo passou por dilemas ideológicos, que envolviam o
exílio de Leon Trotsky. Alguns comunistas que receberam o exilado acabaram sendo expulsos
do partido, como Diego Rivera e Frida Kahlo. Inclusive, esse era o principal motivo para as
desavenças entre Rivera e David Alfaro Siqueiros, um grande muralista conhecidamente
comunista.

A partir de 1950, iniciou-se um período muito complicado ao PCM, no qual foi


duramente combatido pelo governo mexicano através daquilo que ficou conhecido como
“guerra suja”. Isso culminou, até mesmo, no massacre estudantil de 1968.

405
CANTÚ, op. cit., p. 102.
406
Cf. ARAUJO, Octavio. La reforma política y los partidos en México. 12° Ed. Coyoacán: Siglo XXI, 1997;
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La clase obrera en la historia de México. 6° Ed. México (DF): Siglo XXI,
1996. p. 197-206.
407
GONZÁLEZ, op. cit., 1996, p. 198.
216
Nos meados de 1970, o PCM nomeou um candidato à presidência, o líder ferroviário
Valentin Campa. Ao longo do processo, o presidenciável comunista recebeu cerca de um
milhão de votos, que não foram contabilizados, já que o partido não era reconhecido
oficialmente. O presidente eleito, López Portillo, e seu secretário de governo acabaram
promovendo a Reforma de 1977, que outorgou o registro oficial do PCM e de outros partidos
políticos, que também viviam clandestinamente. Conforme González, isso permitiu que o
PCM participasse das eleições porvindouras e, até mesmo, assumisse pela primeira vez um
governo municipal, a prefeitura de Alcozauca408. A partir de 1980, o mesmo resolveu unificar
as forças da esquerda mexicana, fundindo o Movimento de Ação Popular (MAP), o
Movimento de Ação e Unidade Socialista (MAUS), o Partido do Povo Mexicano (PPM) e o
PCM. Por fim, surgiu o novo PSUM, cuja cisão mais à frente ajudaria a formar o PRD.

Para Luíz Fernando Alvarez,

O PCM acabou se espelhando no Partido Comunista estadunidense. No seio


do comunismo mexicano havia intelectuais e artistas (David Alfaro
Siqueiros e Diego Rivera), assim como estrangeiros. Após sua inauguração,
o PCM se tornou uma instituição promotora e influente, que realizou uma
boa quantidade de mobilizações exitosas, sobretudo, no distrito federal. Essa
corrente da esquerda seguiu um caminho distinto da CROM e da CGT e, por
isso, com o tempo sua influência reduziu.409

O PRD, por sua vez, foi inaugurado em 1989 e sua vertente político-ideológica é de
esquerda. Pouco a pouco, assumiu um papel importante no cenário mexicano, representando a
segunda maior “ameaça” à hegemonia priista.

O partido nasceu como uma coalizão de diversos partidos de esquerda, embora alguns
de seus filiados tivessem formado a Corrente Democrática do PRI; grupo político contrário
aos posicionamentos assumidos pelo partido hegemônico no país. Antes de se tornar o PRD,
constituiu o Partido Mexicano Socialista (PMS), cuja base fazia-se da junção de seis partidos,
o Movimento Revolucionário do Povo (MRP), o Partido Mexicano dos Trabalhadores (PMT),

408
GONZÁLEZ, op. cit., 1996, p. 200.
409
ALVAREZ, Luis Fernando. Vicente Lombardo Toledano y los sindicatos de México. México (DF):
UNAM, 1995. p. 65.
217
o Partido Patriótico Revolucionário (PPR), o PSUM e a União da Esquerda Comunista
(UEC)410.

Logo após a fundação, o PMS abandonou seu registro oficial e quebrou a aliança
política com os membros do PRI, para formar o PRD. Segundo Cantú, o partido foi idealizado
por Cuauhtemóc Cárdenas (filho do ex-presidente Lázaro Cárdenas), Heberto Castillo,
Ifigênia Martinez, Gilberto Rincón Gallardo e Porfírio Muños Ledo 411. Pode-se afirmar,
então, que o PRD formou-se de distintas correntes políticas, como a tradicional priista, a
comunista e a socialista.

O PRD adveio, em verdade, após a desastrosa eleição de 1988, a mesma que elegeu o
priista Carlos Salinas de Gortari (1988-1994). O processo eleitoral ocorreu com a instalação
de um novo sistema, automático e informatizado, que se presumia melhorar a apuração e a
candidez dos votos. Tal sistema era controlado pela Comissão Federal Eleitoral, liderado pelo
Secretário de Governo Manuel Barlett Díaz. No meio da apuração, a comissão afirmou que o
sistema havia “caído” e, sendo assim, esperavam seu “retorno” para que a contagem pudesse
prosseguir tranquilamente. Horas depois, o sistema voltou e revelou a vitória de Carlos
Salinas. Essa situação minimamente “suspeita” fez com que os outros candidatos, como
Manuel Clouthier (PAN) e o Cárdenas Solorzano (Frente Democrática Nacional),
denunciassem a ilegalidade do processo ao próprio secretário. Mas não adiantou. No dia 13 de
julho de 1988, Barlett anunciou a vitória de Salinas, gerando um forte sentimento de
incredulidade na população mexicana quanto ao processo eleitoral e ao “novo sistema”
adotado. Posteriormente, ocorreram muitas mobilizações lideradas pelo PAN e pela Frente,
que levaram, inclusive, a formação do novo partido, o PRD.

A partir disso, houve uma visível inimizade entre o PRI e o PRD. Isso poder ser
percebido, por exemplo, através das inúmeras denúncias de ilegitimidade por parte dos
prdistas em relação ao governo de Salinas. Inclusive, acusaram o partido do desaparecimento
de 500 pessoas politicamente engajadas, mas o processo acabou fechado por falta de
comprovações.

Nas eleições estaduais de 1992, o PRD atravessaria novamente uma eleição


complicada. A família de Cárdenas era de Michoacán, por isso, esperava-se que o estado

410
Cabe aqui mencionar que alguns partidos acabavam se formando unicamente para o processo eleitoral e/ou
para levantar uma bandeira ou reivindicação, por isso, prendemo-nos aqui aos partidos mais importantes deste
contexto histórico-político da segunda metade do século XX.
411
CANTÚ, op. cit., p. 150.
218
votasse quase que em absoluto no candidato prdista. Em Michoacán, o candidato do PRD
chamava-se Cristóbal Arias Solís, jovem e enérgico político. Arias Solís concorria com o
priista Eduardo Villaseñor e o panista Ernesto Ruffo Appel. Após o processo, anunciou-se a
vitória de Ruffo Appel. Isso foi o suficiente para que o PRD passasse a denunciar um acordo
político entre PAN e PRI, contra a nova formação prdista. Sendo assim, a primeira vitória do
partido ocorreu em 1997, momento no qual Cuauhtemóc Cárdenas foi eleito governador da
Cidade do México (DF)412.

Conforme Glória Cantú,

A origem do PRD está vinculada a formação da chamada Corrente


Democrática que se estabeleceu em meados de 1986, quando um grupo de
priistas de esquerda integrou o Movimento de Renovação Democrática,
liderado por Porfírio Muñoz e Cuauhtemóc Cárdenas. A demanda inicial da
Corrente Democrática embasou-se, sobretudo, no episódio de 1998 e se
referia a necessidade de democratizar o PRI, eliminando o tapadismo
eleitoral, para substituí-lo por um calendário pré-estabelecido, para que,
assim, os candidatos se registrassem como possíveis presidenciáveis. Além
disso, esse grupo aumentava o coro dos movimentos sociais mexicanos, que
condenavam a crise econômica e o rumo neoliberal que Miguel de la Madrid
estava dando ao país; utilizando-o como uma estratégia de solução a crise.413

3.3. Cultura política e suas nuanças

Esta pesquisa parte do pressuposto, portanto, de que, no período de 1946 a 1988,


surgiu e se cristalizou uma cultura política priista que organizou, conformou e orientou a
sociedade em relação às mudanças culturais, econômicas, políticas e sociais que o priismo
empreenderia na sociedade mexicana. Essa cultura política integrou ao ideário do “partido
oficial” noções que promoviam a estabilidade política, o desenvolvimento e a moderação,
para que, assim, ele perdesse a roupagem radical ideada e “costurada” por Lázaro Cárdenas.
Foi resultado de um processo lento e gradual, que se iniciou com a primeira formação do
PNR, em 1929, e, a partir disso, galgou sua aceitação e força política, adaptando-se,
obviamente, às mutações político-estruturais do partido. Com a formação do PRI, adquiriu

412
CANTÚ, op. cit., p. 105
413
Ibidem, p. 108.
219
uma faceta definitiva e, sendo assim, conseguiu se consolidar ao longo da segunda metade do
século XX. Contudo, sustentou-se até o fim da década de 1980, uma vez que, nesse decênio,
se instaurou uma séria crise político-econômica que assolou o país e, por conta disso, a recém-
estabelecida presidência de Salinas de Gortari (1988-1994) agenciou uma nova reforma
política, derrubando, então, as instituições que se alicerçavam na cultura política priista desde
1946.

A formação do priismo alicerçou-se na idéia de que as principais reivindicações e


valores promulgados durante a Revolução Mexicana haviam sido assimilados pelas
instituições do Estado. Com isso, anunciou-se uma nova etapa do processo revolucionário,
segundo a qual a revolução havia sido institucionalizada. Ao unir termos tão antagônicos em
seu nome (revolução e instituição), a cultura política adquiriu uma dupla legitimação. Afinal,
envolveu os ideais e as representações da revolução e, ao mesmo tempo, a institucionalização
democrática do Estado.

A cultura política priista foi, portanto, um ideário que expressava juízos, regras,
tradições e valores compartilhados por esse mesmo grupo político. Tal conjunto de referentes
levava ao entendimento “de uma leitura comum do passado ou de uma projeção do futuro
vivida em conjunto”414. Foi expressa em atas, bandeiras, cartas, diários, discursos, jornais,
relatórios, etc., que assumiram e promoveram importantes símbolos dessa cultura política,
tendo como principais símbolos o autoritarismo, o nacionalismo, o pragmatismo político, o
reformismo e o tapadismo.

Estudar uma cultura política pode ser, assim, muito esclarecedor para compreender
processos históricos de transformações políticas, transições e consolidações democráticas,
mudanças no sistema de governo ou no sistema de partidos415.

De acordo com Marcos Alves de Souza:

Há uma trama cultural na política na qual prevalecem os valores e os


princípios que dão sentido às lealdades, às tradições e às regras. E, quando
estes valores se modificam, verifica-se que o conjunto da sociedade passou

414
Cf. SIRINELLI, Jean-François. Pour une histoire des cultures politiques. Voyages en Historie. Besançon :
Annales littéraires de lÚniversité de Besançon, 1995.
415
SOUZA, Marcos Alves. A cultura política do batllismo no Uruguai (1903-1958). São Paulo: Annablume,
2003. p. 108.
220
por um processo de aprendizagem coletiva. Portanto, o historiador deve estar
atento às mudanças culturais ao longo do tempo.416

Jean-François Sirinelli foi o primeiro historiador a esquematizar a cultura política em


seus estudos e, sendo assim, definiu o conceito como “a representação de uma espécie de
código e/ou de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um partido ou, mais
largamente, difundidos no seio de uma família ou de uma tradição política”417.

Logo depois, o renomado historiador Serge Berstein elaborou sua própria definição
conceitual, que se revelou mais complexa:

(...) [a] cultura política [é] um grupo de representações, portadoras de


normas e valores, que constituem a identidade das grandes famílias políticas
e que vão muito além da noção reducionista de partido político. Pode-se
concebê-la como uma visão global do mundo e de sua evolução, do lugar
que aí ocupa o homem e, também, da própria natureza dos problemas
relativos ao poder, visão que é partilhada por um grupo importante da
sociedade num dado país e num dado momento de sua história.418

Analisar a cultura política no campo da história implica numa avaliação do conjunto


de idéias e/ou representações de determinado agrupamento, partido ou indivíduo, mediante o
qual ela é “comunicada” à sociedade. Tal ideário político-cultural pode ser transmitido por
meio de cartas, discursos, jornais, livros e símbolos (geralmente, materializados numa vasta
cultura visual, como as bandeiras, os cartazes, as fotografias, os filmes, os quadros, os murais,
entre outros), que assumem e promovem importantes compreensões desse agrupamento, como
a doutrina, a ideologia, os juízos, as regras e as tradições.

Seu estudo é, portanto, muito útil. Auxilia-nos a compreender as motivações políticas


individuais e as motivações coletivas. Além disso, ajuda-nos a entender também as soluções
de determinados grupos e/ou partidos aos dilemas enfrentados pela sociedade em questão,
trazendo consigo novas diretrizes e princípios político-culturais que substituem a ordem
vigente. Nesse caso, mostra-nos que, em geral, a sociedade passa por um processo de
aprendizagem coletiva, que assimila e promove o advento da nova cultura política, passando-
o, então, de geração em geração.
416
SOUZA, op. cit., p. 108.
417
SIRINELLI, op. cit., p. 110.
418
Cf. BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. IN: AZEVEDO, Cecília; BICALHO, Maria
Fernanda Batista; KNAUSS, Paulo; (orgs). Cultura Política, Memória e Historiografia. Rio de Janeiro: FGV,
2009. p.31.
221
Há uma vertente da historiografia atual que discorda dessas afirmações. Afirma ela
que não há uma cultura política panista e priista, por exemplo. Afinal, o conceito de cultura
política reservar-se-ia apenas ao conjunto de ideologias e representações do partido e, sendo
assim, a instituição seguiria uma cultura política comunista, republicana ou socialista. De
acordo com tal acepção, o priismo e o panismo haveriam de representar importantes
conceitos, mas deveriam ser analisados pelos estudiosos de imaginário político, ou mesmo,
pelos próprios cientistas políticos, e nunca através do conceito de cultura política.

Essa questão resume-se, em verdade, ao quão próximo o conceito de cultura política


adotado está de suas primeiras formulações, pois a noção tratada acima só é plenamente
compreendida se levarmos em consideração que tal vertente historiográfica ainda a
compreende como um instrumento de qualificação social, analisando quão evoluído se
encontra determinada sociedade (o maior nível sempre é aquele adotado ideologicamente pelo
próprio interlocutor). Quando partimos do “conceito renovado” de cultura política,
estabelecido por Berstein e Sirinelli, conseguimos assimilar facilmente as investigações
históricas que pressupõe a formação e a consolidação de culturas políticas no seio de partidos,
mas não só neles, obviamente.

Conforme Berstein,

As possibilidades abertas pelo enfoque nas culturas políticas são amplas e


férteis (...) Estudos inspirados por esse campo conceitual permitem uma
compreensão mais rica e sofisticada do comportamento político, indo além
da tradicional ênfase no interesse e na adesão a idéias como fatores
motivadores. Os estudos dedicados à cultura política revelam outras
dimensões explicativas para os fenômenos políticos, como a força dos
sentimentos (paixões, medos), a fidelidade, as tradições (família, religiões) e
a adesão a valores (moral, honra e patriotismo).419

O conceito de cultura política, especificado anteriormente, ajuda-nos, portanto, a


compreender o período aqui especificado. Auxilia-nos a entender as alianças, os princípios, as
regras e as tradições, que reúnem e consolidam um agrupamento político específico. Se algo
ocorre, tal qual um processo histórico, e rompe esse “elo”, notamos que, em verdade, a
sociedade passou por uma aprendizagem e, em consequência disso, a cultura política muda ou
torna-se obsoleta, trazendo outra em seu lugar. Percebe-se que em nenhuma dessas opções

419
BERSTEIN, op. cit., 1998, p. 363.
222
cogita-se seu fim, pois nunca morre, pode mudar ou adormecer, mas nunca acaba por
completo.

Neste capítulo, o primeiro aspecto da cultura política priista a ser tratado será o
autoritarismo, pois, além de ser uma característica dessa mesma cultura, é também uma
particularidade da história contemporânea do México. Como se sabe, o autoritarismo tem
raízes históricas profundas no país e, após a Revolução Mexicana, ficou ainda mais
cristalizado no sistema de partido hegemônico instaurado pelo PRI.

O conceito de autoritarismo geralmente é utilizado em referência às autoridades


abusivas, que oprimem as liberdades individuais e coletivas. No campo do político, as
palavras “autoritário” e “autoritarismo” são empregadas em três contextos: 1) em referência à
estrutura dos sistemas políticos; 2) em referencia às disposições psicológicas e 3) em alusão
às ideologias políticas420. Nos sistemas políticos, chamam-se autoritários os regimes que
privilegiam sua preeminência e menosprezam o consenso. No aspecto psicológico, fala-se que
uma pessoa é autoritária para indicar um tipo de personalidade na qual há disposição à
obediência cega em relação aos seus superiores e uma atitude arrogante com indivíduos
abaixo de seu cargo ou sem poder algum. E, por fim, as ideologias políticas tornam-se
autoritárias ao negar a igualdade entre os homens, afirmando existir uma hierarquia “social”
ou “racial” 421.

Para o politólogo e sociólogo Sánchez Rúben, a análise desse termo necessita de muito
cuidado, pois acaba por gerar um dilema conceitual, no qual o interlocutor acaba sempre
valorizando sua própria perspectiva.

Do ponto de vista dos valores democráticos, o autoritarismo é uma


manifestação degenerativa da autoridade e, por outro lado, do ponto de vista
autoritário, o igualitarismo democrático é o que não é capaz de produzir a
“verdadeira autoridade”.422

O politólogo Mario Stoppino afirma que o autoritarismo surgiu após a Primeira Guerra
Mundial e, pouco a pouco, tornou-se um conceito que, como a ditadura e o totalitarismo, foi

420
RÚBEN, Sánchez David Ignacio. Autoritarismo. Disponível em:<http://www.iidh.ed.cr/comunidades/rede
lectoral/docs/red_diccionario/autoritarismo.htm>. Acesso em: 12/05/14.
421
Cf. RÚBEN, Sánchez David Ignacio. Autoritarismo. Disponível em:<http://www.iidh.ed.cr/comunidades
/redelectoral/docs/red_diccionario/autoritarismo.htm>. Acesso em: 12/05/14.
422
Ibidem.
223
utilizado em oposição à democracia423. Não obstante, as definições desses conceitos são
pouco claras e muito diferentes a cada contexto.

Conforme o mesmo autor, o autoritarismo é utilizado de duas formas, quando se faz


menções aos regimes políticos: em referência aos sistemas não-democráticos, incluindo os
totalitários e em alusão aos sistemas não-democráticos caracterizados por um baixo grau de
mobilização e penetração da sociedade424. Nesses dois casos, a “autoridade” exerce seu poder
mediante o uso da força e da coerção (e é reconhecida especialmente por isso). Por questões
como essas, o termo passou a ser compreendido, sobretudo, no pós-1945, como algo inerente
ao conservadorismo. Contudo, William P. Kreml afirma que o autoritarismo não reside em
um “órgão vital” do conservadorismo e, sendo assim, o conservador pode ser ou não
autoritário425.

A ordem é outra problemática enfrentada por qualquer sistema político e, por isso,
também não é monopólio do autoritarismo. Arrazoar acerca da ordem social, portanto, não
implica em aliançar com o pensamento autoritário. Afinal, a estrutura social se mantém
intacta pela operação de controle social (o estabelecimento de leis e normas). O pensamento
autoritário, contudo, não se limita a impor uma organização social, mas a converte em
princípio político exclusivo para alcançar a ordem426.

Sánchez Rúben conclui,

As doutrinas autoritárias descansam no princípio da desigualdade e elevam o


problema da ordem ao pináculo dos valores políticos. Para a doutrina
autoritária, a organização hierárquica da sociedade encontra sua própria
justificação em si mesma e sua validade é perene.427

O pensamento autoritário surgiu como uma reação à ideologia liberal e democrática e


sua expressão mais clara e coerente foi o pensamento de Maistre e Bondal, que contrapuseram
o racionalismo ilustrado ao irracionalismo radical, a ideia do progresso à tradição e a tese da
soberania popular à ideia de que todo poder vem de Deus. Com o avanço do socialismo, o
autoritarismo passou a ser utilizado como uma “solução cabível” e, por isso, foi executado

423
STOPPINO, M. Autoritarismo. In: BOBBIO, Norberto. Diccionario de Política. México: Siglo XXI,
1997. p. 125.
424
STOPPINO, op. cit., p. 126.
425
KREML, W.P. The Anti-Authoritarian Personality. Oxford: Pergamon Press,1977.
426
RÚBEN, op. cit., p. 02.
427
Ibidem, p. 04.
224
nos períodos de crise, “como nos territórios de subdesenvolvimento derradeiro e cultura cívica
precária”428.

A partir disso, fica fácil compreender a razão pela qual o autoritarismo passou a ser
utilizado na definição de qualquer regime antidemocrático. Mas o regime autoritário
propriamente dito se reserva a um tipo específico de sistema antidemocrático, que não designa
apenas atitudes, pensamentos e programas totalitários.

Segundo Sánchez Rúben, a definição de Juan Linz revela-se a mais completa e


importante no que se refere a esse tema, conforme o excerto:

Os regimes autoritários são sistemas políticos com um pluralismo político


limitado e não responsável; sem ideologia elaborada e propositiva (com as
mentalidades características); sem uma mobilização política intensa ou vasta
(exceto em alguns momentos de seu desenvolvimento), e nos quais um
Chefe exerce o poder (ou talvez um pequeno grupo) dentro dos limites que
formalmente estão mal definidos, mas que de fato são facilmente previsíveis.
Desta definição se apreende que os regimes autoritários se desenvolvem em
contextos nos quais corre uma marcada linha divisória entre o Estado e a
sociedade.429

Gabriel Almond e Bingham Powell distinguem os regimes autoritários da seguinte


forma: o regime autoritário conservador, o regime autoritário nas vias de modernização e o
regime autoritário pré-mobilizado430. O primeiro refere-se apenas aos sistemas políticos
tradicionais, afetados por uma modernização parcial, limitando a destruição da ordem
tradicional com a adoção de algumas técnicas modernas de organização, como a propaganda.
O regime autoritário nas vias da modernização refere-se ao regime obstruído por graves
problemas sociais, o que o “obriga” a reforçar o poder político para acabar com os problemas
mais urgentes. Finalmente, o regime autoritário pré-mobilizado se refere a uma estrutura
social inteiramente tradicional, tanto na estrutura, quanto na cultura política, e acaba sendo a
mais difícil de governar.

Para Rúben, os regimes autoritários são opressivos e o sistema político embasado na


repressão ocorre com maior facilidade em países com escasso desenvolvimento e nos quais

428
RÚBEN, op. cit., p. 04.
429
RÚBEN Apud LINZ, op. cit., p. 04.
430
ALMOND, Gabriel; BINGHAM, Powell. Comparative Politics Today. UK: Harper Collins Publishers,
1992, p. 10.
225
apenas com o crescimento econômico se consegue viabilizar o regime democrático431.
Todavia, a experiência latino-americana acabou apresentando tendências opostas, segundo as
quais certos incrementos de desenvolvimento econômico acabaram inflando ainda mais as
tensões sociopolíticas preexistentes.

Por essa razão, conclui que

Incidem nesta possibilidade o tipo dominante de liderança, a cultura política


e a grande concentração de poder. Por exemplo, as estruturas do tipo
caudilhistas são propensas ao autoritarismo, nelas as lideranças
intermediárias são, em geral, muito débeis e atuam mais como „elos de
comando‟, proporcionando uma direção associada, coletiva. O autoritarismo,
em suma, se associa à concentração e a centralização do poder e dos
controles sociais. Quando os mecanismos de controle social se centralizam
geograficamente, se reprimem as formas organizativas independentes e
predomina o Poder Executivo sobre um Legislativo débil ou inexistente, um
Judiciário ineficaz, o autoritarismo adota seu máximo valor, aproximando-se
de um cesarismo. 432

No caso latino-americano, o autoritarismo aparece como resultado de governos


arbitrários, que administram pela força, sem restrições institucionais e/ou legais, sendo
geralmente incapazes de manter a ordem. Além disso, percebe-se a centralidade do Estado,
com marcas peculiares como o clientelismo, o nepotismo e a corrupção.

O México se distanciou um pouco desse padrão de regime autoritário latino-


americano. No país, o autoritarismo foi uma das contradições históricas que acompanhou a
luta liberal pelo século XIX. Durante a Revolução Mexicana (1910-1920), o autoritarismo
saiu um pouco de cena para que o país se focasse na derrubada do porfiriato e, em seguida,
para a consolidação do Estado democrático. Com a formação do “partido oficial”, passou a
ser parte constituinte do sistema que haveria de ser implantado.

Para Lorenzo Meyer, o regime priista foi autoritário, hegemônico e presidencialista433.


Isso legitimou a estabilidade (e quase imobilidade) política do período pós-revolucionário e,

431
RÚBEN, op. cit., p. 07.
432
Ibidem, p. 07.
433
Presidencialismo: sistema de organização política em que o Presidente da República é também –
constitucionalmente – o Chefe do Executivo. Esse poder é unipessoal, muito embora o presidente receba auxílio
de alguns órgãos para cumprir suas funções. O presidencialismo mexicano do período pós-revolucionário
apresenta-se, portanto, como um sistema de partidos hegemônico pragmático, uma vez que o presidencialismo
está presente no país desde a primeira presidência de Porfírio Díaz. Mas, fica mais evidente a partir da
presidência de Emílio Portes Gil (1928-1930), momento no qual foi escolhido pelo Congresso para substituir
Álvaro Obregón, que havia sido assassinado.
226
consequentemente, impediu a modernização política: a democratização e a diminuição das
desigualdades sociais434.

Esse sistema político “estável e hegemônico” acabou, portanto, apropriando-se de


mecanismos e práticas autoritárias para se fazer valer. Ao longo dos anos, o mesmo partido
ainda passou por algumas mudanças, mas a “fórmula” se manteve, garantindo, inclusive, sua
predominância quase absoluta nas eleições populares. E, pensando nisso, Meyer afirma que a
principal lógica do partido acabou sendo “disciplina e institucionalização e, para isso,
autoritarismo e patronagem”435.

Os mexicanistas já realizaram uma vasta discussão acerca do autoritarismo


mexicano436 e, nessas argüições científicas, destacam-se aquelas realizadas por Pablo
González Casanova e Héctor Aguilar Camín; que serão aqui expostas por constituírem nossa
base conceitual.
No artigo “A cultura política do México” (1981), González Casanova afirma que o
país é perpassado por uma cultura política voltada às massas, às alianças políticas e às
medidas autoritárias437. A partir dessa perspectiva, o autor sistematiza a “cultura de vexação”,
uma parte integrante da cultura política mexicana e principal responsável pela retórica elitista
de “manipulação populista e autoritarismo repressivo”438. Essa cultura de vexação revelou-se
parte do controle feudal-popular, que poderia assumir duas posturas distintas, a racional e a
irracional. O caráter racional reserva-se à “cólera justa”, como define González. Já o
irracional seria utilizado quando a oposição empregasse as mesmas posturas arbitrárias das
autoridades.
As contradições desse sistema seriam resolvidas na esfera ideológica, no momento em
que se declarasse a igualdade entre todos, premiando os indivíduos ou grupos políticos que se
sobressaíssem dentro da lógica adotada. Ao mesmo tempo, porém, assimilavam-se idéias
promulgadas fora dessa “bolha”, dando origem ao mutualismo ideológico, que González
chama de “fenômeno da expropriação e assimilação dos planejamentos (populares, nacionais,
democráticos, socialistas e marxistas)”439.

434
MEYER, Lorenzo. Liberalismo autoritario. México (DF): Océano, 2000. p. 15.
435
MEYER, op. cit., p. 16.
436
Cf. DOMINGUEZ, Freddy. Legitimidad y gobernabilidad en el autoritarismo. México: Universidad
Juárez Autónoma de Tabasco, 2004; MUÑOZ, Víctor M. Del autoritarismo a la democracia. México: Siglo
XXI, 2001.
437
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La cultura política de México. Revista Nexos. México, setiembre, 1981.
Disponível em: <http://www.nexos.com.mx/?p=3914>. Acesso em 05/09/12.
438
Ibidem.
439
Ibidem.
227
Esse fenômeno ocorreu, segundo o autor, ao longo de toda a história do Estado
mexicano, mas se sobressaiu em dois momentos:

Em primeiro, quando o crioulo se declarou índio e, em segundo, quando o


caudilho se declarou socialista. O primeiro momento ocorreu no século
XVIII e foi a base da ideologia da Independência, feita em nome dos índios
contra os espanhóis. O segundo ocorreu, sobretudo, a partir de 1910, na
revolução armada, passou pela construção do Estado nos anos 1920, ficou
mais aguda com a radicalização do processo nos anos 1930 e teve seu ultimo
suspiro no governo de Echeverría, após a crise de 1968. Nem o branco que
se declara índio, nem o burguês que se declara socialista constituem as
únicas forma de expropriação e assimilação das ideias do outros.440

As contradições do priismo acabavam sendo inegáveis. Para González, houve nele um


confesso “autoritarismo institucional”, que também foi informal, objetivo e psicológico441. As
classes dirigentes exerciam sua autoridade e, através de ameaças veladas (comunicadas por
discursos, informes presidenciais e notícias), avisavam que as críticas não seriam bem
recebidas. Nos discursos públicos, porém, o PRI afirmava que a criticidade era sempre
respeitada, já que constituía um direito cívico

Os dirigentes priistas resolviam seus problemas com a oposição mediante uma prática
de “concessão e repressão”. A “concessão” assumia um duplo caráter, o clientelista e o
paternalista, negociando questões sociais importantes (que, geralmente, envolviam
manifestações, movimentações e greves) na base do poder. Isso garantia aos “de dentro” as
pequenas exceções e subsídios. Os “de fora” dificilmente conseguiam realizar um acordo
vantajoso e acabavam, então, sendo reprimidos.

No livro “México: a cinza e a semente” (2001), Héctor Aguilar Camín afirma que o
sistema instaurado pelo PRI tinha um mecanismo que acionava instantaneamente quando
percebia o advento de uma cultura opositora. Em primeiro lugar, o mecanismo procurava
fagocitar o núcleo estranho, tentando trazê-lo para a coalizão priista e, caso isso não
ocorresse, agia através da repressão, para acabar com a iniciativa completamente442.

Para Aguilar Camín, desde 1929, e particularmente após 1946, a estabilidade do


sistema político mexicano foi notável443. Isso foi possível apenas em razão da natureza

440
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La cultura política de México. Revista Nexos. México, setiembre, 1981.
Disponível em: <http://www.nexos.com.mx/?p=3914>. Acesso em 05/09/12.
441
Ibidem.
442
Cf. AGUILAR, Héctor Camín. A cinza e a semente. São Paulo: BEI Comunicação, 2002.
443
AGUILAR, op. cit., p. 115.
228
“autoritário e flexível” (a mesma idéia de concessão e coerção de González) do PRI no
controle da vida política do México; o que contrasta com os outros países da América Latina.
A diferença está em almejar que o “dessemelhante” faça parte da coalizão, para que, assim,
aumente sua abrangência política e, consequentemente, seu poderio. Quanto maior fosse o
grupo opositor e sua exuberância política, mais interessante soava ao PRI seu enquadramento.

Conforme o autor, o autoritarismo se fez presente em toda a história do país, mas foi
no governo priista (1946-2000) que ele ficou evidente, sobretudo, na presidência de Miguel
de la Madrid (1982-1988).

Como afirma o excerto:

O autoritarismo permeou toda a história do México, mas foi na presidência


de Miguel de la Madrid que o país realmente sentiu sua força. O PAN foi
angariando votos, o que fez com que o PRI reconsiderasse seu
posicionamento, buscando a recuperação econômica e a abertura política.
Ele tinha que se manter de qualquer jeito. Percebe-se claramente, então, a
consolidação, com de la Madrid, do Estado autoritário, da estabilidade
política corporativa, da indústria protegida pela substituição de importações
e da expansão dos gastos públicos. O Estado revelou-se ao longo do século
XX uma instituição onipresente, absorvedora e subsidiadora da tradição pós-
revolucionária.444

Além disso, o autor afirma que, ao longo de 1934 e 1984, o priismo conservou dois
fatores: o autoritarismo e o presidencialismo. O autoritarismo se manteve conforme as
questões óbvias exemplificadas anteriormente. Já o presidencialismo apareceu como um
reflexo da estrutura complexa estabelecida pelo PRI.

Como exposto no excerto:

A presidência foi parte fundamental do sistema político mexicano. De 1934


a 1984, ela reivindicou a consolidação do presidencialismo mexicano sob
Lázaro Cárdenas (1934-1940) e Ávila Camacho (1940-1946) e o governo
impositivo de Alemán (1946-1952), Ruíz Cortinez (1952-1958) e López
Mateos (1958-1964) e a nova fase dos anos 1970. Fase em que os
presidentes exerceram sua função como coordenador de interesses e de
agências burocráticas. Nos anos 80, os presidentes tiveram poder absoluto
maior que o de seus predecessores em recursos e atribuições, mas menos
poder relativo de governo em relação a seus antecessores.445

444
AGUILAR, op. cit., p. 116.
445
Ibidem, p. 120.
229
A flexibilidade do governo autoritário acabou levando a institucionalização do
mecanismo priista de “concessão e coerção”. A primeira negociação oferecida era,
obviamente, a união ao “partido oficial”, propondo, portanto, a aderência à coalizão. A
segunda já continha caracteres autoritários. Com o tempo, a coalizão resultou num amontoado
de grupos e partidos, partidários ou coligados ao PRI, que não chegavam a um denominador
comum. Assim, o pluralismo mexicano acabou levando a ingovernabilidade.
Ainda segundo Aguilar,

Se a perversão do consenso é o autoritarismo, a doença do pluralismo pode


ser a ingovernabilidade. No mundo dos impasses de governo, quem acaba
governando são as inércias. Se as mudanças são impossíveis porque não se
consegue negociá-las, a democracia acaba sancionando a imobilidade, o que
é justamente o contrário do que a mudança democrática prometia. Depois da
ineficácia vem o desencanto, ao desencanto segue-se a nostalgia, e a
nostalgia abre caminho para a ira.446

Ao alegar que existiu uma cultura política priista, que teve como um de seus símbolos
o autoritarismo, afirmamos que tal cultura política assumiu e promoveu atitudes e práticas
políticas autoritárias, crendo que tal exercício seria a forma “ideal” de levar a sociedade
mexicana adiante.

A cultura política priista orientou e disciplinou a sociedade mexicana diante das


mudanças que o priismo político realizara no governo. Sua premissa era a coalizão política,
englobando, assim, todas as facções e grupos revolucionários, independentemente de suas
orientações políticas. O priismo surgiu e impôs uma “nova ordem” político-cultural, e, nesse
sentido, quem se opunha ou questionava tal ordenamento acabava sendo levado para um
caminho bifurcado, no qual escolheria: ou era fagocitado pela coalizão priista, aceitando a
negociação proposta, ou era fortemente reprimido.

Essa característica da cultura política aqui analisada pode, portanto, ser apreendida
com maior facilidade em um trecho do discurso realizado pelo então presidenciável Miguel
Alemán Valdés. No dia 18 de janeiro de 1946, Alemán anunciou sua candidatura pelo PRI e
propagou as benesses que seriam atingidas com a nova formação do “partido oficial”. O
presidenciável falou também de assuntos polêmicos no tocante a política do partido, como o
voto feminino, a reforma agrária e a liberdade de expressão. O último item abordou o tema

446
AGUILAR, op. cit., p. XV.
230
das autoridades e do abuso de poder e, muito embora tenha sido mencionado rapidamente, a
fala trouxe consigo significados importantes.

Na parte “Liberdade de expressão”, Alemán falou que as críticas ao governo e ao


próprio partido eram sempre muito bem-vindas e isso demonstrava, contrariamente ao que se
pensava, que ambos eram abertos e tolerantes. Em seguida, porém, realizou uma constatação
que mais aparentou uma ameaça velada: “A liberdade crítica às autoridades é aceita,
indiscutivelmente. Quando construtiva é útil aos governantes e aos governados. Em outras
ocasiões, com propósitos negativos, leva a descontentamentos e muitos conflitos”447. Sua
constatação pode levar imediatamente a um questionamento: quem decide quando uma crítica
política é positiva ou negativa? Percebe-se, então, que o candidato à presidência deixava
implícito que as críticas advindas da coalizão política do PRI seriam sempre bem recebidas,
mas, as críticas que vinham “de fora” dela provavelmente ocasionariam conflitos.

Outra comprovação da faceta autoritária do priismo pode ser evidenciada no episódio


de Tlatelolco, do qual já falamos exaustivamente. Ao contrariar a lógica instaurada pelo PRI,
a manifestação dos estudantes da UNAM foi duramente reprimida, ocasionando a morte
prematura de muitos jovens.

No mês de setembro de 1969, o então presidente Díaz Ordaz divulgou seu Quinto
Informe, no qual falou sobre o Massacre. Díaz Ordaz afirmou que o Exército mexicano havia
operado bravamente no episódio mencionado e, por conta disso, garantira, tal qual exige sua
função, a vigência da Carta Constituinte de 1917, para que, assim, as instituições
revolucionárias continuassem funcionando. Percebe-se, portanto, que a postura autoritária e a
violência exacerbada foram concebidas como um método eficaz contra a oposição.

Como se nota abaixo:

O Exército mexicano tem a grave responsabilidade de manter a paz, a


tranquilidade e a ordem interna, baixo o império da Constituição, a fim de
que funcionem nossas instituições, os mexicanos possam desfrutar da
liberdade que a lei garante e o país continue seu progresso. A forma em que
cumpriu sua função é prova clara de que podemos confiar em seu
patriotismo, sua convicção civilista e institucional: restabelece a ordem e
volta de imediato às suas atividades.448

447
ALEMÁN, Miguel V. Discurso de la postulación del PRI. Enero de 1946. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
448
DÍAZ, Ordaz. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
231
O segundo aspecto dessa cultura política a ser aqui analisado será o nacionalismo, que
também se fez presente em todo o período pós-revolucionário, especialmente, na segunda
metade do século XX449. Todavia, sua trajetória no sistema político mexicano começou
durante o período constitucionalista da Revolução Mexicana, que foi liderado por Venustiano
Carranza. Após a década de 1920, o nacionalismo mexicano se consolidou e passou a
apregoar sua busca pelas seguintes questões: a construção de instituições que promovessem a
estabilidade política e social; a estruturação de um regime democrático com economia mista
que admitisse a intervenção do setor público na distribuição de riquezas; e, finalmente, o
desenvolvimento com base no mercado interno.

O “partido oficial” teve um papel muito importante na formação e propagação desse


nacionalismo mexicano. Com a criação do PRM, o então presidente Lázaro Cárdenas
conseguiu desarticular o Maximato, eliminando as antigas estruturas políticas que se
embasavam unicamente nos partidos regionais e estatais atrelados ao PNR. Foi substituída por
outra estrutura de caráter corporativo, que se dividia em quatro setores, o camponês, o militar,
operário e o popular. Os setores eram responsáveis por realizar a comunicação entre seus
respectivos grupos (informando suas necessidades e reivindicações) e o partido. Nesse
momento, Lázaro Cárdenas assumiu uma figura presidencial paternalista e protetora e, a partir
dela, criou e deu forma ao nacionalismo mexicano. Cárdenas deu a ele o nome de
“nacionalismo revolucionário”450.

Os presidentes posteriores, Ávila Camacho e Miguel Alemán, promoveram a mudança


do PRM, nomeando-o PRI, mas o nacionalismo continuou sendo estimulado do mesmo modo,
quiçá, até com maior força. Isso pode ser notado, por exemplo, pela bandeira priista, que
passou a adotar as cores (e realizando algumas referências) da bandeira nacional e a
similaridade entre elas tornou-se ainda maior451. O priismo foi, portanto, um movimento
patriótico e nacionalista.

As figuras abaixo evidenciam a similaridade entre as bandeiras do México e do PRI. A


partir das imagens, percebe-se que a bandeira do PRI absorveu elementos da bandeira

449
Cf. BARTRA, Roger. La sangre y la tinta: ensayos sobre la condición postmexicana. México: Debolsillo,
2013; TUCKMAN, Jo. México, democracia interrumpida. México: Debate, 2008.
450
Cf. MEYER, Lorenzo. La posrevolución: caracterización y interpretación de las formas de control político
autoritario. Disponível em: <http://www.lorenzomeyer.com.mx/documentos/pdf/106.posrevolucionmexicana.pd
f>. Acesso em: 12/09/12.
451
TUCKMAN, op. cit., p. 130.
232
nacional, o que fez com que elas ficassem praticamente idênticas. Isso deixa clara a
concepção priista segundo a qual consistiria em um ato verdadeiramente nacionalista e
revolucionário atrelar-se ao PRI. Logo, a oposição estaria, em verdade, contra a nação e a
Revolução Mexicana. Além disso, a semelhança entre as bandeiras denunciam a ausência de
limites priista em relação ao Estado.

Como se nota abaixo:

Figura 1: A bandeira oficial do México

Figura 2: A bandeira oficial do PRI

No livro “México: a cinza e a semente”, Aguilar Camín analisa o nacionalismo


mexicano e, para esse tema, há um capítulo inteiro, no qual discorre acerca do fenômeno de
“nacionalismo defensivo”, como ele mesmo define. Exporemos aqui sua compreensão, pois
compartilhamos de suas idéias.
233
Nesse capítulo, afirma que o nacionalismo permeou a história mexicana ao longo de
todo o século XX, sendo, inclusive, o começo de muitos episódios históricos, nos quais se viu
atrocidades, guerras e solidariedades. Tal “sentimento” revelou-se como uma “força livre e
complexa” e, dependendo de sua natureza, levava a objetivos completamente diferentes entre
si, como uma coalizão, com o estabelecimento de tranquilidade e vínculos políticos, ou como
uma destruição, com a ânsia por ataques e vinganças históricas. Em qualquer uma dessas
situações, o país acabou desenvolvendo um nacionalismo defensivo, o qual mirava o mundo
exterior às suas fronteiras com certo “receio e vitimismo” 452.

Como afirma:

O nacionalismo deu coesão ao México, deu-lhe sentido de país e orgulho de


comunidade, mas também lhe fechou os olhos, estimulou seu
provincianismo, encheu-o de mentiras exaltadoras. No caminho da
construção nacionalista mexicana acumularam-se muitas mentiras
fundadoras, constitutivas de nossos orgulhos nacionais. (...) O nacionalismo
defensivo é uma especialidade da pedagogia pública mexicana do século
XX, um dos produtos mais populares dessa grande fornecedora de mitos
formadores que foi a Revolução Mexicana. Vitimização e ressentimento são
faces da mesma moeda. Nosso nacionalismo têm muito desses
ingredientes.453

A perspectiva elaborada por Aguilar Camín concebe a presidência de Miguel de la


Madrid (1982-1988) como um marco importante do sistema político mexicano, pois
ocasionou inúmeras mudanças em seu âmago, que fizeram dele um sistema ainda mais
nacionalista. Por essa razão, o autor afirma que “sua gestão concebeu o país como
centralizador e corporativo; não o concebeu como liberal e democrático, mas sim como „não-
patrimonial‟ e corrupto; concebendo-o como um país que deveria ter o sentimento „nacional
revolucionário‟ e ser nacionalmente planejado”454. Mas, a gestão de de la Madrid apenas
concebeu o país como tal, pois realmente não atingiu seus objetivos.

O nacionalismo mexicano do século XX assumiu, então, uma roupagem “oficial” que


moldou as identidades nacionais e suas representações. Isso ocorreu, sobretudo, porque o
nacionalismo per se constrói uma ponte entre a cultura e a política, ou melhor, estabelece um
elo entre as naturezas das ideias e das ideologias e o Estado. A partir da formação do PRI, em

452
AGUILAR, op. cit., p. 136.
453
Ibidem, p. 137-138.
454
Ibidem, p. 138.
234
1946, até a vitória de Salinas, em 1988, a sociedade mexicana assimilou o nacionalismo
revolucionário, como o próprio partido designara, e segundo o qual se deixava implícito que
ser um bom mexicano implicava em votar no PRI.

No livro “O sangue e a tinta: ensaios sobre a condição pós-mexicana” (2013), Roger


Bartra define o nacionalismo e seu papel político-cultural na sociedade mexicana de maneira
espetacular, como demonstra o excerto abaixo:

O nacionalismo é a transfiguração das características das identidades


nacionais no terreno da ideologia. O nacionalismo é uma tendência política
que estabelece uma relação estrutural entre a natureza da cultura e as
peculiaridades do Estado. No México as expressões oficiais do nacionalismo
nos dizem: vote no PRI. Quem não vota, portanto, trai sua natureza
profunda, ou não são bons mexicanos.455

Esse nacionalismo foi moldado e divulgado pela cultura política priista assegurando
que os mexicanos verdadeiramente revolucionários, preocupados com a nação e com a
estabilidade política do país, deveriam se aliar ao PRI, uma vez que unidos adquiriam maior
força política para continuar os desígnios da revolução, mas agora de maneira
institucionalizada e organizada456.

Os signos e as mensagens desse mesmo conceito podem ser notados das mais
diferentes formas. A primeira aqui exposta se fez presente no primeiro discurso de Adolfo
López Mateos (1958-1964), no qual anunciou sua candidatura pelo PRI e aproveitou o espaço
concedido para relembrar as benesses da trajetória oficial no país, uma vez que o período era
de grande efervescência social. E, muito embora o partido fosse agora contrário à radicalidade
cardenista, o então presidenciável acabou recordando as conquistas dessa época, o que incluiu
a política de nacionalização do petróleo e a proteção ao mercado interno. Isso ocorreu,
segundo ele, para o bem da nação e o mesmo comprometimento se espera daqueles que
trabalham na indústria do petróleo, a cooperação patriótica. Nesse período, ocorrera uma
greve na Pemex, por conta do reajuste outorgado pela OPEP.

Como se nota no excerto:

455
BARTRA, op. cit., 2013. p. 101.
456
Devemos lembrar que o fato de uma característica da cultura política priista ser anterior a fundação do PRI
não indica que ela não existe ou que ela pertence à outra formação. A cultura política pode assimilar culturas ou
práticas políticas que fazem parte da estrutura social de agora ou do século passado.
235
O petróleo nacionalizado, nenhum passo atrás. Foi conquista inegável da
Revolução Mexicana orientada à independência econômica; nossa riqueza
petroleira é parte do patrimônio nacional e não pode ser tocada senão para o
bem do México. Para obter os recursos financeiros que necessita o
crescimento da indústria petroleira, confiamos no patrimônio dos mexicanos
a fim de que o desenvolvimento da Pemex se funda no crédito interno,
procurando, sobretudo, que a indústria se estabilize, produzindo equilíbrio e
saúde econômica, servindo plenamente à pátria. Assim, esperamos de quem
serve a indústria do petróleo, uma contínua cooperação patriótica.457

No discurso de postulação de Díaz Ordaz, notam-se também menções a esse conceito


– em tudo o que ele implica. Após anunciar sua candidatura, o presidenciável fala das
maravilhas do país, dizendo, inclusive, que a raça mexicana e sua consciência são
diferenciadas, já que se formou da constante batalha pela autonomia, democracia e liberdade.
Além do fato de que, para o candidato, o país teve em sua trajetória um processo histórico
importantíssimo, a Revolução Mexicana, que uniu todas as lutas numa só.

Afirmou que:

Para estabelecer a estreita solidariedade que creio indispensável para


acometer, com maior vigor, as tarefas urgentes que nos esperam são
necessárias autenticidade e proibição. Pertenço a corrente histórica e
progressista que desde a inconformidade contra o velho colonialismo, que dá
forma a consciência nacional, em oposição vitoriosa sobre a injustiça, o
obscurantismo e a imobilidade; resplandecentes nas lutas da Independência e
da Reforma, culminada na Revolução e concreta em seus ideias na
Constituição de 1917. Sou um homem que nasceu na Revolução, e a ela deve
muito; e que percebe que chegou a hora de ser seu filiado. Aceito a honra da
postulação à presidência da República, com limpeza de propósitos e livre de
compromisso, salvo aquele que agora contraio. Então, amigos companheiros
de Partido, saúdo a todos vocês, mexicanos, sem distinção de opiniões, nem
de situação, pois são todos solidários do interesse da pátria que aqui se
congrega.458

Além dos fatores elencados anteriormente, há também a evidente transfiguração do


nacional ao mundo da ideologia quando o presidenciável afirmou que havia nascido durante a
revolução e percebia que estava na hora de se filiar a ela. A Revolução Mexicana foi um
evento nacional, do qual a maioria da população se orgulha, e no discurso o candidato deixa

457
MATEOS, Adolfo L. Toma de protesta. 17 de Noviembre de 1957. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
458
ORDAZ, Díaz. Discurso del candidato del PRI, Díaz Ordaz. Noviembre de 1963. In: CARMONA, Doralícia
Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
236
claro que, para ele, o partido é a revolução. Encontra-se a mesma lógica nacionalista ao longo
de toda a trajetória do PRI.

No “Programa” do PRI, item “Pacto”, o partido afirmou que a educação seria a melhor
forma de transferir os ideais da revolução, para que não se perdessem com os anos. Assim, ele
enviaria um projeto de lei ao governo federal que regulamentaria uma educação
revolucionária e nacionalista.

Como se lê no excerto:

O regime revolucionário compreende que a escola é a forma lógica e


indispensável para que os ideais da revolução, que o inspiram, perdurem
através da infância. Em consequência, o partido deverá garantir que a
educação seja orientada com a visão de futuro e nacionalismo previstos no
3° artigo da Constituição de 1917. 459

O terceiro aspecto da cultura política aqui analisada é o importante e polêmico


pragmatismo. Acreditamos que assim seja, pois há uma grande discussão na historiografia
atual acerca da orientação política do PRI, sobretudo, no período de 1946 a 1988, e, sendo
assim, a compreensão assumida acaba revelando muito da teoria metodológica adotada pelo
pesquisador. Existem cinco vertentes historiográficas importantes, as quais assimilam o
mesmo partido assumindo diferentes orientações. A primeira vertente assimila o PRI como
um partido liberal, mas voltado ao social. A segunda assimila o partido como sendo
neoliberal. A terceira compreende o partido como uma instituição neokeynesiana e,
finalmente. E, finalmente, a quarta assegura que o partido foi unicamente pragmático460.

Este trabalho compreende que o PRI, desde seus primeiros passos, acabou cumprindo
um papel aglutinador, mediante o qual objetivava reunir os clubes, os movimentos e os grupos
revolucionários numa única instituição política, para assim organizá-los e orientá-los. Tal
característica manteve-se ao longo dos anos, mesmo com as sucessivas reformas partidárias.
O objetivo constituía em unir ao partido o maior número possível de agrupamentos políticos
(que, em geral, possuíam orientações políticas diferentes entre si), aumentando sua coalizão
política e, consequentemente, seu poderio hegemônico. Antes de ser liberal, socialista ou

459
PACTO. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP,
2015.
460
Os principais mexicanistas dessas vertentes são respectivamente: Lorenzo Meyer, Hubert Carton Grammont,
Pablo González Casanova e Giovanni Sartori.
237
neoliberal, portanto, o partido era revolucionário e assim se apresentou ao longo de toda a
segunda metade do século XX.

A cultura política priista adquiriu e propagou, então, um caráter pragmático, para que
essa lógica fosse aceita e prevalecesse, legitimando seu sistema político. Através desse
costume, o PRI assumiu o tão mencionada atuação de “rolo compressor”461, pois ao perceber
que uma oposição crescia e ganhava adeptos rapidamente, logo, tentava trazê-la para sua
coalização. Para atingir tal objetivo, realizava-se uma intensa negociação a fim de que todos
os envolvidos se beneficiassem com a pretendida junção política. Caso isso não fosse
possível, a mesma passava a sofrer uma série de consequências, como o isolamento político, o
não-reconhecimento oficial (como ocorreu com o PCM) e o completo aniquilamento. Tendo
isso dito, pode-se afirmar que a união de diferentes grupos políticos em um mesmo partido foi
possível apenas em razão da política pragmática firmada e promovida pela cultura política
priista, pois conclamou aos revolucionários que se agruparem e se organizarem em torno de
uma organização exclusiva. Todavia, isso não implica na total ausência de parâmetros
político-ideológicos, se fossemos definir a política promovida pelo partido, no período de
1946 a 1988, teríamos que afirmá-la liberal social moderada.

Esse mesmo conceito foi analisado por Pablo González Casanova no livro “O Estado e
os partidos políticos no México”462 (1982). No capítulo “O partido do Estado e suas funções”,
o autor afirma que o PRI responsabilizava-se pelas tarefas relacionadas à luta política do
Estado, para assim manter seu predomínio. Isso lhe impôs as mais diferentes ações dentre as
quais se destacam sete.

A primeira delas refere-se ao fato de que o PRI tinha como incumbência (no interior
do Estado) a consolidação do seu monopólio político-ideológico, garantindo o predomínio
priista entre as principais lideranças políticas. A segunda tarefa estava atrelada ao objetivo de
canalizar e organizar o eleitorado. A terceira implicava em ouvir as reivindicações e sugestões
dos grupos políticos mais ativos da coalizão, para assim formular as demandas político-
sociais. A quarta estava relacionada à função de “concessão e coerção”, mediante as quais o
partido oferecia disciplinas e prêmios aos líderes dos grupos que atuam a favor ou contra a
coalizão (cada um recebia o que merecia). A quinta delas estava atrelada a um papel
“ideológico” ativo, preparando as massas às políticas do Poder Executivo e, para isso, o

461
Tal como definem os mexicanistas Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer.
462
Cf. GONZALEZ, Pablo Casanova. El Estado y los partidos políticos en México. México (DF): Editora Era,
1982.
238
partido evoca três importantes símbolos, a Revolução Mexicana, a Constituição de 1917 e o
pensamento do presidente expresso em discursos. A sexta estava relacionada à realização de
planos e programas destinados às campanhas eleitorais; para González, “há uma arte priista
em realizar planos sem medidas precisas e sem cronograma exato”463. A sétima e última
revela que o PRI ocupava-se de enfrentar a oposição nas disputas eleitorais, ideológicas e
sociais; o PRI adota uma postura contra a oposição mais agressiva que o próprio Executivo464.

A tese de González Casanova consiste na ideia de que o PRI tinha como principal
obrigatoriedade a mediação política da nação e isso, obviamente, era uma estratégia. Tal
“ação” gerou o pragmatismo político do partido. Tal qual afirma González: “essa política
priista tinha duas consequências, o controle do ambiente político e o desenvolvimento e
aplicação do espírito pragmático. O pragmatismo se converte, então, numa filosofia, num
sentimento e numa ideologia”465.
O pragmatismo da cultura política priista esteve atrelado então à função de conciliar e
integrar do partido.
Conforme o autor:

Em qualquer conflito, seja um conflito de classe ou econômico entre obreros


e empresários, ou entre facções e grupos de interesses, se supõe que o
partido constitui uma arena na qual os antagonistas podem resolver suas
diferenças, senão num plano de igualdade, ao menos em um terreno comum.
Quando não pode ser resolvido no partido passa as autoridades
competentes.466

A cultura política priista assumiu então essa característica pragmática e isso pode ser
percebido com maior força quando se lê o Programa do PRI. No item “Pacto”, o partido
afirma que estabelece um regime acima de tudo revolucionário, que preza e valoriza a
Revolução Mexicana. E, inclusive, objetiva que seus valores sejam transferidos em salas de
aulas, para que as crianças o assimilem e, consequentemente, ele não se perca.

O regime revolucionário compreende que a escola é a forma lógica e


indispensável para que os ideais da revolução, que o inspiram, perdurem
através da infância. (...) O partido colocará ao governo federal um projeto de
lei orgânica do preceito mencionado, para precisar seu conteúdo ideológico,

463
GONZALEZ, op. cit., p. 108.
464
Ibidem, p. 109.
465
Ibidem, p. 109.
466
Ibidem, p. 110.
239
assim como os meios práticos e as normas pedagógicas que devem reger em
beneficio da educação do povo mexicano.467

Outro momento em que essa compreensão transparece consiste no discurso de


candidatura de Adolfo Lopez Mateos. Nele, Lopez Mateos afirma que o partido assume e
mantém a filosofia da revolução, anexando a ela os princípios constitucionais em que se
resumem ideais e postulados da própria revolução.

Cumprimentos a vocês, aos setores representativos do país, a meus


companheiros de PRI e a força que impulsiona o desenvolvimento nacional,
com a fé nas doutrinas que herdamos de nossos maiores, confiança nas
instituições que o povo estabeleceu e ação orientada à criação de um México
melhor, no âmbito humano, político e social. O PRI, ao qual pertencemos,
mantém a filosofia da Revolução, atrelada ao cumprimento dos princípios
constitucionais em que se resumem os ideais e postulados da própria
revolução, considera que a meta de nosso progresso se faz da evolução de
todos os níveis de nosso povo, em relação à saúde, a cultura, a sua vida
material e seu nível cívico que permite ao individuo o deleite de seus direitos
inalienáveis e a possibilidade de intervir nas tarefas governamentais que
pertencem a todos.468

No mês de fevereiro de 1968, o então presidente Díaz Ordaz falou ao Comitê


Executivo Nacional acerca da base doutrinário-ideológica do partido. Um pouco antes do
“massacre estudantil”, o presidente afirmou: “Nesse sentido o PRI tem sido e segue sendo não
somente um órgão eleitoral, mas também um verdadeiro instituto político da Revolução
Mexicana, como muitas vezes foi chamado”469.

Essa cultura política, como se percebe, era emitida pelo partido e assimilada pela
sociedade mexicana. Além da sociedade, porém, percebe-se que essa cultura política era
assimilada também pelo exterior. Assim, o trecho a seguir reside numa parte da notícia
intitulada “O fermento do México” do New York Times, escrita no editorial do jornal e
datada do dia 12 de outubro de 1968 (logo após o massacre). Mas, a reportagem possui uma
constatação que confirma nossa perspectiva:

467
PACTO. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP,
2015.
468
MATEOS, Adolfo L. Toma de protesta. 17 de Noviembre de 1957. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
469
DÍAZ, Ordaz. Discurso ante lo CEN. Febrero de 1968. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política
de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
240
Durante a maior parte deste século, o México foi governado pelo mais forte
e mais durável partido da América Latina, o PRI. Esta é uma peculiar
organização. Os chefes do partido residem nos únicos legítimos interpretes
da Revolução Mexicana, que eles vêm como um processo contínuo
embasado no consenso de empresários, operários, camponeses, profissionais,
militares e intelectuais, trabalhando pela justiça social e pelo crescimento
econômico.470

A partir dessas colocações, nota-se que, antes de se declarar liberal ou socialista, o PRI
se definia como um partido revolucionário e, sendo assim, sua cultura política assumiu um
pragmatismo que ajudou a manter sua prática de conciliação e integração, já discutido. Seu
governo, contudo, tinha uma base nitidamente liberal social moderada, especialmente, a partir
da segunda metade do século XX.

O liberalismo mexicano já foi muito debatido e, nessa discussão, nos posicionamos ao


lado de Héctor Aguilar Camín e a Pablo González Casanova, que trazem em suas reflexões
importantes contribuições.

De acordo com Aguilar, o partido oficial desde o início revelou um caráter liberal, mas
que possuía uma base conflituosa, oscilando entre o liberalismo e o socialismo. Tal qual
afirma abaixo:

O general Plutarco Elias Calles, então, presidente da República, ideou uma


saída para congregar em um só instituto político todas as facções regionais e
grupos locais que reivindicavam na promoção de seus interesses o esteio das
legitimas causas da revolução mexicana. Se os partidos políticos são,
segundo a definição mais elementar e consensual, uma parte da sociedade
que se organiza para conquistar o poder – na tradição marxista -, ou para
ascender ao governo e ao legislativo – na tradição liberal -, a fundação do
PNR obedeceu a critérios inversos: de um lado, pretendeu a proteção de uma
liderança política já no poder, e de outro, consistiu numa iniciativa orientada
para a articulação de uma parte da sociedade visando competir segundo
regras previamente definidas e estáveis, mais em recurso tido como
indispensável para a própria consolidação do Estado.471

Segundo González, o liberalismo instaurado no país, na segunda metade do século XX,


consiste no liberalismo social.

470
EDITORIAL. Fermiento en México. NY TIMES. 12 de Octubre de 1968. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
471
AGUILAR, op. cit., p. 280.
241
O episódio de 1968 levou a uma crise política. Os esforços por refazer o país
foram inúteis. A radicalização verbal não convenceu ninguém. Irritou as
classes dominantes e aborreceu ainda mais os progressistas revolucionários
que buscavam autonomia do Estado. Em alguns momentos, o país parecia
perder a ideologia e a linguagem política nacional. Mas, então, ocupou
novamente o governo com o liberalismo social e o populismo. O Estado
pode reorganizar o diálogo público e recuperar o sentido da palavra com
contradições toleráveis e sentidos comunicáveis. A reforma política de 1977
foi o texto objetivo e legal que restituiu e reorganizou uma linguagem
política e uma ideologia nascida na guerra de Juárez, uma linguagem
popular, nacional e oficial. Existe uma contradição nisso, sem dúvidas. 472

E, sendo assim, continua:

Para o caso do México, temos que destacar as oposições e afinidades


de um liberalismo dominado por populismo e depois dominante do
populismo, que ao triunfar sobre este lhe representa um significativo
reduto. As idéias nacionalistas seguem percebendo, com a lógica do
poder a nível internacional, a necessidade e conveniência de ter boas
relações diplomáticas com todos os países socialistas. As idéias
operárias, por seu lado, reconhecem e refazem os planejamentos
socialistas das nacionalizações com uma lógica acerca da social -
democracia. 473

O quarto aspecto da cultura política aqui analisada refere-se ao reformismo. Essa


característica tornou-se evidente apenas na segunda metade do século XX, pois, o partido
havia passado, até então, por uma única mudança estrutural, que gerou, em 1938, o PRM. A
mudança foi intensa e radical, o que a distanciou, então, dos postulados do reformismo
(segundo os quais a sociedade passa por transformações graduais, que respeitam algumas das
velhas instituições e assimilam novos aspectos). A partir da década de 1950, a cultura política
assimilou o reformismo em todos os seus aspectos e, por essa razão, percebe-se que as
transformações passam a ocorrer de forma gradual, acompanhando o desenvolvimento
político-social do país; sem o caráter radical, que mudava o partido e o regimento do governo
da “água para o vinho”.

Falar em reformismo, porém, implica em compreender seus diversos aspectos


conceituais. A acepção em si indica um processo sociopolítico que geralmente leva a
mudanças graduais com o intuito de melhorarem um sistema, um projeto ou uma sociedade.
Essas mudanças geralmente ocasionam a transformação de um modo que certos aspectos da

472
GONZALEZ, op. cit., p. 129.
473
Ibidem, p. 130.
242
ordem antecessora são preservados e outros destituídos, instituindo-se novos projetos,
programas, etc. Teoricamente, portanto, poderíamos mencionar inúmeros fundamentos
conceituais, como o cristão, o liberal social, o socialista, entre outros.

Neste trabalho, partimos do pressuposto de que a cultura política priista foi reformista,
assumindo as bases político-filosóficas do liberalismo social, mediante a qual a própria
sociedade deve criar as condições que favoreçam o desenvolvimento humano e,
consequentemente, a igualdade social.

No período de 1946 a 1988, o PRI passou por oito importantes reformas em 1952,
1965, 1968, 1971, 1972, 1978 e 1990. Estas, porém, não mudaram sua denominação, mas sim
seus documentos básicos, o Estatuto do Partido, o Programa de Ação e a Declaração de
Princípios. Pode-se afirmar, portanto, que as principais mudanças acabaram por mudar o
partido estrutural, política e ideologicamente, o que influenciou, indubitavelmente, no
regimento priista do governo mexicano.

Conforme Rigoberto Ocampo, após a reforma que originou o PRI, em 1946, as


porvindouras assembleias do partido acabaram modificando seus documentos básicos, o
Estatuto, o Programa de Ação e a Declaração de Princípios. No ano de 1952, a assembleia
modificou os documentos básicos com o intuito de “democratizar” a estrutura priista. Em
1965, o presidente Carlos Madrazo liderou a reforma que adotou um novo sistema de seleção
interna aos candidatos municipais e estaduais. Em 1968, modificou pela quinta vez o estatuto
do partido. Nos idos de 1971 e 1972, a assembleia resultou novamente na reforma dos
documentos básicos. Em 1978, os mesmos documentos passaram por outra reforma, alegando
que o partido haveria de se direcionar então unicamente aos trabalhadores. E, finalmente, em
1990, após o escândalo de 1988, a assembleia designou que a seleção de candidatos realizar-
se-ia através da “consulta na base”, recusando o “nacionalismo revolucionário” e permitindo a
existência de correntes internas; o que quebra a ideia de que a cultura política priista era, em
verdade, um amontoado de subculturas (o que é impossível de ser comprovado, já que, uma
vez na coalizão, o grupo ou indivíduo era “moldado” politicamente)474.

Pode-se afirmar, então, que a cultura política reformista implicou em uma


compreensão lógica que canalizou e orientou a sociedade mexicana diante das sucessivas
mudanças que eram promovidas e/ou instauradas nela.

474
Cf. OCAMPO, Rigoberto. El sistema político mexicano. México DF: Publicaciones Cruz O., 1990. p.177-
179.
243
O caráter reformista dessa cultura acabou assumindo um papel tão importante no
sistema que foi promovido em alguns momentos como algo tão importante quanto à própria
Revolução Mexicana. Isso se evidencia, por exemplo, no discurso de Adolfo Ruíz Cortinez
proferido em 1 setembro de 1955, acerca do voto feminino.

A reforma constitucional que se empreendeu com o justo propósito de que a


mulher mexicana compartilhe dos direitos cívicos do homem, se
manifestaram pela primeira vez em toda a República, especialmente, nos
comícios do mês de julho, mesmo nos casos em que se colocaram em
destaque pelo seu entusiasmo e interesse. Sua intervenção proporcionou a
transcendência e alcance necessários para manter, com sua vontade, as
instituições emanadas da Revolução Mexicana. Abrigamos a convicção de
que sua militância cívica haverá de significar para o México um harmonioso
casamento de dois conceitos primordiais: a casa e a pátria.475

Apesar do machismo expresso no excerto acima, percebe-se que o presidente em


questão estabelece, em verdade, uma reverência à reforma executada, pois sem ela as
instituições emanadas da revolução não conseguiriam progredir e se consolidar, adaptando-se
às evoluções político-sociais.

O último, e não menos importante, caráter assumido pela cultura política priista
refere-se ao tapadismo. Essa característica tornou-se evidente na segunda metade do século
XX, especialmente, dentre 1958 e 1988, e acabou demonstrando claramente a lógica adotada
pelo sistema político do PRI.

O método foi adotado pelo então presidente Adolfo Ruíz Cortinez no fim de seu
mandato. A partir dele, o presidente priista vigente não precisou mais anunciar o novo
candidato à presidência pelo PRI com um ano de antecedência, o que geralmente ocorria ao
longo do quinto discurso presidencial. Antes disso, o presidente esperava pelo veredicto de
um processo eleitoral interno, que ocorria entre os possíveis candidatos escolhidos pelos
setores do partido para representá-los. Com o tapadismo, a escolha do candidato ficava às
escuras, o que provocava uma luta desenfreada entre os possíveis competidores.

O historiador Lorenzo Meyer problematizou essa questão do “destape”, como ele


mesmo chama476. Nesse artigo, o autor afirma que o principal problema desse método reside

475
RUIZ, Cortinez. Setiembre de 1955. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed.
1 DVD. México: INEP, 2015.
476
MEYER, Lorenzo. El tapadismo, juego perverso. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/docu
mentos/pdf/21enero1993.pdf>. Acesso em: 12/12/13.
244
no fato de que a nação acaba não conhecendo o candidato, até que ele seja apresentado a
população. Na década de 1950, o presidencialismo estava em seu apogeu, quando o pêndulo
oscilou para o outro lado e, assim, se rompeu a corda e ele quebrou. Após a atitude de Ruíz
Cortinez, os presidentes porvindouros aprenderam a lição e mantiveram tal tática. E, sendo
assim, afirma Meyer:

Daí em diante, o melhor que podia fazer aqueles membros do partido no


poder que aspiravam a receber o apoio do primeiro priista – o do presidente
– era negar em público sua aspiração à presidência e insistir que sua única
ambição – e máxima honra – era continuar servindo ao “senhor presidente”,
até o último minuto de seu mandato. A hipocrisia foi elevada então à
categoria de grande política e assim ela segue.477

Para Lorenzo Meyer, em um sistema presidencial genuinamente democrático os


aspirantes às candidaturas podem e devem anunciar abertamente suas ambições presidenciais
e também de maneira aberta devem buscar e envolver ao apoio não só do presidente (no caso
de ser do mesmo partido), mas também dos correligionários em geral, com seus líderes de
facções diferentes e/ou correntes dentro do partido. Nesse processo, os pontos fortes e fracos
dos candidatos acabam sendo debatidos publicamente e, ao chegar o dia das eleições, a
sociedade consegue se posicionar diante deles. No caso do México, o dia do sufrágio acaba
sendo de desconhecimento total, pois a sociedade não teve tempo suficiente para examinar
aos aspirantes478.

Por conta disso,

No México, há um partido de Estado que, desde sua criação, monopolizou


seu domínio sobre a presidência. No interior dessa organização, a luta aberta
desapareceu faz tempo. No entanto, o fato dos aspirantes não se
manifestarem como tal e não impulsionarem sua candidatura a luz do dia não
significa que na realidade eles se mantenham disciplinados, quietos e
resignados, à espera que o presidente anuncie sua candidatura. Não, a luta
interna no partido se dá, inevitavelmente, mas, desafortunadamente, trata-se
de uma luta surda, onde os cochichos buscam a escuridão ao brilho. À luz do
dia, todos são falsos, franciscanos e desinteressados no poder.479

477
Cf. MEYER, Lorenzo. El tapadismo, juego perverso. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/
documentos/pdf/21enero1993.pdf>. Acesso em: 12/12/13.
478
Ibidem.
479
Ibidem.
245
O caráter tapadista da cultura política priista refere-se, então, a habilidade do PRI em
forjar novas diretrizes e regras que adotam e/ou mudam uma prática interna, o que, por sua
vez, pode alterar o regimento do governo.

3.4. Forjando a revolução

O estudo da cultura política auxilia no esclarecimento desse complexo período


mexicano, que sofreu inúmeras mudanças no seu sistema de partidos. O priismo político
assimilou e promoveu novos símbolos culturais, fazendo com que o “partido oficial” perdesse
a roupagem radical e assumisse uma base político-ideológica mais moderada. Além disso,
orientou a sociedade mexicana diante das inúmeras mudanças econômicas, políticas e sociais
que executara.

A cultura política priista consistiu num ideário complexo que foi apregoado pelo
principal partido do México, o PRI. Além dele, outros partidos comungaram com suas idéias,
como os coligados PARM e PPS. Esse conjunto de referências divulgou e expressou
costumes, ideologias, juízos, tradições e valores, que eram transmitidos em atas, bandeiras,
cartas, diários, discursos, jornais, relatórios, entre outros. Por meio dele, os indivíduos e os
agrupamentos políticos compartilhavam uma mesma visão de futuro, diagnosticando o
passado e solucionando o presente (de acordo com seus parâmetros).

Como afirmamos, a formação dessa cultura política alicerçou-se na idéia de que as


principais reivindicações e valores promulgados durante a Revolução Mexicana haviam sido
assimilados pelas instituições do Estado. Ela passou, portanto, a anunciar uma nova etapa do
processo revolucionário, na qual afirmava que a revolução havia sido institucionalizada. Ao
unir termos antagônicos, acabou adquirindo uma dupla legitimação; a Revolução Mexicana e
ao Estado moderno.

A cultura política priista acabou forjando, portanto, a acepção de Revolução


Mexicana, que tinha sido compreendida, até então, como um processo histórico que,
resumidamente, derrubara a ditadura porfirista e estabelecera a democracia no país. Com a
emergência e a consolidação do priismo, a revolução deixou de ser um elemento etéreo e
intocável da história mexicana (embora ainda fosse assimilada como um processo honroso e
importante), já que estava nas instituições do Estado e, sendo assim, era factível. Em verdade,

246
havia sido transladada do caos revolucionário à organização institucional, acompanhando as
inovações e tendências nacionais e mundiais, e, sobretudo, sendo canalizada num único
partido, o PRI (que afirmava ser o verdadeiro legatário da revolução).

Forja em português normalmente é atrelada a um sentido pejorativo. No entanto,


devemos lembrar que a palavra possui vários significados, que não são ruins. De acordo com
o Dicionário Houaiss, forja significa aparato ou instrumentária com a qual o ferreiro molda o
ferro até que se transforme naquilo que ele ambiciona construir. Além disso, pode significar:
ferraria, frágua, conjunto de instrumentos do ferreiro, imaginação, preparação; como verbo,
trabalhar ou fazer, inventar ou maquinar. Nesta pesquisa, usamos a palavra forja no sentido de
que a revolução acabou sendo “moldada” pela cultura política priista.

Nesta etapa da pesquisa, compreende-se, portanto, que a cultura política priista se


embasou na prima idéia de que a Revolução Mexicana foi “institucionalizada” e, sendo assim,
acabou moldando a noção dela existente. Isso ocorreu para que as novas mudanças geradas
pelo priismo no interior do partido e na sociedade mexicana, fossem mais bem assimiladas e
facilmente aceitas480.

O discurso de Miguel Alemán Valdés, em 1946, deixou evidenciar a questão dita


acima. Ao longo da alocução, o então presidenciável afirmou que as “instituições
revolucionárias” mexicanas surgiram mais vigorosas após a guerra, quando país decidiu pelo
lado da democracia. A revolução seria, então, um eterno elo do governo mexicano e seus
princípios institucionais garantiam a vida da República. Deste modo, fica evidente que
Alemán emitiu a percepção de que a revolução havia sido institucionalizada.

Alemán afirmou:

A Revolução é ânsia de constante melhoramento e progresso do país. Seus


princípios, expressos na Constituição e nas leis que nos regem, são
instituições que garantem a vida da República como nação soberana e a
conduzem no interior até o trabalho, a produção, a moralidade em todas as
ordens e a responsabilidade cidadã de funcionários e particulares. Devemos
insistir para que a realização dos propósitos concretos dê a maior força à
futura administração: responsabilidade e moralização de governantes e
governados. Os exemplos lhes darão os funcionários. As instituições
revolucionárias do México surgiram mais vigorosas com o fim da guerra, na

480
Cabe aqui um addendum: nossa análise não se resume ao aparecimento das palavras “instituição
revolucionária” nos documentos históricos aqui utilizados. Muito pelo contrário. O objetivo é realizar uma
analise meticulosa das mensagens explícitas e implícitas desse conjunto de significados. E, por conta disso,
escolhemos apenas aqueles trechos que mais se relacionam com ideia proposta.
247
qual tomamos o lado da democracia. O esforço do México, durante o
período bélico, concretizou a unidade de seu povo e o pós-guerra requer a
responsabilidade histórica de todos os mexicanos, para o cumprimento dos
altos destinos da nossa pátria.481

A partir disso, percebe-se que o discurso do candidato priista já não era tão voltado às
ideias e reivindicações da Revolução Mexicana; embora ainda haja menções a ela, acabam
sendo colocadas de outro modo. E, conquanto as alusões às “instituições revolucionárias”
nem sempre sejam literais, o simples fato de haver uma retórica eloquente quanto à revolução
e sua nova “versão” institucional (o que pode, geralmente, indicar ideias semelhantes)
comprova nossa perspectiva.

No trecho “O PRI não deve ser máquina imposicionista”, Miguel Alemán afirmou que
a Revolução Mexicana havia sido a base do Estado mexicano, deixando implícito que isso
continuaria a ocorrer apenas se ela cumprisse com suas funções institucionais. Essa nova
“ordem” por ela estabelecida deveria priorizar métodos que fossem cívicos e democráticos.

Como se lê a seguir:

A nova Lei Eleitoral estabelece que os cidadãos devam se organizar em


partidos. As novas forças revolucionárias vêm realizando isso; mas foi
necessária uma nova organização dentro das próprias instituições
revolucionárias e, por isso, surge o novo partido que se inicia na vida política
do país. O Partido Revolucionário Institucional não deve ser uma máquina
de imposição, senão um órgão, com procedimentos de tal natureza que
realize uma autentica função cívica e democrática. A Revolução – neste
molde – continuará a cumprir seu dever para com o povo mexicano. 482

No fim de seu discurso, o presidenciável ainda afirmou que a revolução e seus


princípios induziram no povo mexicano anseios e aspirações que, na época, acabavam de se
tornar universais e, portanto, revelavam-se “um caminho certeiro que o mundo, numa
perspectiva mais ampla, estava tomando”483. Deste modo, o candidato finalizou seu discurso
com a seguinte aclamação:

481
VALDES, Alemán. Enero 18 de 1946. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2°
Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
482
Ibidem.
483
Ibidem.
248
Operários, camponeses, classe média, trabalhadores oficiais, intelectuais,
homens dedicados às mais distintas atividades econômicas, mulheres e
jovens que se agruparam nesta instituição revolucionária: nossa meta deve
ser a grandeza do México e da Revolução.484

Na cerimônia de posse de Adolfo Ruíz, em 1952, o recém-leito presidente discursou


acerca da organização política mexicana, afirmando que uma marca dela era a cooperação
entre a União, os estados e os municípios, o que a deixava cada vez mais “autêntica, eficiente
e honesta”485. Como vimos nos capítulos anteriores, porém, a vangloriada “colaboração”, na
verdade, ocorria entre lideranças priistas, o que – por si só – deixava o mecanismo político
muito mais ágil. Tal perspectiva evidencia, portanto, que havia entre eles uma espécie de
“acordo”, que mantinha a eficiência e a organização da “vida institucional” e, ao mesmo
tempo, alteava e respeitava o regimento da Constituição de 1917. Em sua fala, o presidente
deixa claro que se instituiu uma “vida institucional” no país, embasada, sobretudo, nos
grandes processos históricos do México.

Como afirma o trecho abaixo:

A colaboração e o respeito recíproco entre os poderes da União e dos


estados, e o fortalecimento da organização municipal, para que seja cada vez
mais autenticamente livre, eficiente e honesta, fortalecem a vida
institucional. Nossa organização política, o respeito à dignidade humana e os
princípios de justiça social, são a conseqüência de uma luta secular, e
constituem o compêndio dos anseios da coletividade mexicana, que
expressados através de nossos três grandes movimentos libertários, a
Independência, a Reforma e a Revolução, se concretizaram na Carta
Fundamental de 1917, que nos rege. A satisfação das aspirações populares e
a continuidade de nosso destino histórico exigem, portanto, a fiel
observância de suas ordens.486

A partir disso, percebe-se que a revolução passa a ser mencionada constantemente


juntamente à Constituição de 1917, indicando que os valores haviam mudado; agora,
valorizavam-se mais o resultado da revolução, as leis e as ordens que ela estabelecia na
Constituição, ou seja, seu lado institucional. Isso fica claramente evidente no fim do mesmo

484
VALDES, Alemán. Enero 18 de 1946. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2°
Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
485
RUIZ, Cortinez. 1952. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD.
México: INEP, 2015.
486
Ibidem.
249
discurso, momento no qual Adolfo Ruíz assegurou que seu “governo revolucionário”
alicerçava-se na democracia, na liberdade e na Constituição de 1917.

Conforme o excerto:

Devemos sempre insistir na invariável trajetória de manter incólumes os


postulados revolucionários que nossa Constituição e nossas leis garantem: a
liberdade de pensamentos, de imprensa, de trabalho, de opinião pública, de
crenças, de crítica ao governo e a liberdade espiritual e econômica.487

No primeiro discurso do então candidato priista Adolfo Lopes Mateos, percebe-se


novamente a ideia de que a Revolução Mexicana havia sido institucionalizada e,
consequentemente, passado por um processo de “forja”. Especialmente, no momento em que
Lopes Mateos refere-se à “força impulsionadora” do desenvolvimento mexicano, que, por
intermédio da fé e das doutrinas recebidas dos antepassados (lê-se os heróis da revolução) e
da confiança nas “instituições estabelecidas pelo povo”488, orienta a criação de um México
melhor, no âmbito humano, político e social489.

No mesmo documento, o candidato López Mateos afirma que o PRI promovia a


filosofia da Revolução Mexicana e o cumprimento dos princípios constitucionais ao qual
estaria diretamente atrelada.

López Mateos afirmou:

O partido ao qual pertencemos mantém a filosofia da Revolução Mexicana,


mas almeja o cumprimento dos princípios constitucionais nos quais se
resumem os ideais e postulados da própria Revolução e considera que a meta
de nosso progresso se faz na elevação de todos os níveis de nosso povo, em
referência à saúde, à cultura, à vida material e ao seu nível cívico.490

Por fim, López Mateos afirma que a cada progresso alcançado pela “vida
institucional” mexicana alcançavam-se, em verdade, as importantes tarefas da revolução, pois
se resumia a uma somatória de esforços de ontem, hoje e amanhã. E, sendo assim, conclui: “o

487
LOPEZ, Adolfo Mateos. Noviembre de 1957. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
488
Ibidem.
489
Ibidem.
490
Ibidem.
250
sentido de continuidade das grandes tarefas da Revolução, para uni-las de forma perdurável,
os esforços de hoje, com os de ontem, e com os que haveremos de realizar para servir o
México”491.

Essa lógica pode ser percebida até mesmo nos discursos de políticos priistas que já
exerciam seu mandato político. Afinal, mencionaram-se aqui apenas candidatos priistas,
podendo passar a imagem errada. Os políticos que haviam vencido as eleições não podiam
mais mencionar abertamente em seus discursos o “partido oficial” e sua ideologia. Por essa
razão, mantinham palavras que induziam a institucionalização da revolução.

No dia 1 de setembro de 1963, López Mateos publicou o “Quinto Informe


Presidencial”, no qual afirmava que a liberdade e as instituições democráticas haviam se
fortalecido progressivamente, principalmente, no que se referia às grandes responsabilidades
do Estado mexicano, como a autenticidade e a constância. Do mesmo modo, afirmou que essa
seria a fundamental essência da Revolução Mexicana, a herança ancestral dos mexicanos,
processo do qual tinham brotado e pelo qual lutavam.

Como afirmou López:

A liberdade e as instituições democráticas se fortalecem com seu exercício


constante; de sua melhoria, de sua autenticidade e de sua permanência, é
responsável o Estado, que constitui sua expressão concreta. No decurso de
crises históricas como as que ocorrem em nossa época, se as formas políticas
se modificam é justamente para fazer mais certeira a liberdade e mais real a
democracia para os grandes grupos. Essa é a essência da revolução, de onde
viemos e pela qual lutamos.492

No mesmo documento, López Mateos afirmou que a verdadeira tarefa de um “governo


revolucionário” seria lutar pelo seu povo e ajustar a estrutura social à liberdade e à
democracia. Como se evidencia a seguir: “Por isso um governo revolucionário, interpretando
a verdadeira tendência da transformação histórica do povo, não deve permanecer passivo ou
observador quando, como muitas vezes ocorre quando movimentos como os nossos estão
ajustando a estrutura social à liberdade e à democracia”493.

491
LOPEZ, Adolfo Mateos. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
492
Ibidem.
493
Ibidem.
251
A partir disso, López Mateos afirma que as instituições democráticas de um governo
revolucionário devem promover a defesa e a proteção de suas coletividades, o que seria
alcançado, sobretudo, pela Constituição de 1917 ao resguardar os valores revolucionários e
institucionais do Estado494. Em seguida, finaliza sua arguição com a afirmação de que a
essência do povo mexicano seria a “sede de justiça” revolucionária e, enquanto presidente, ele
reajustou as novas realidades à essência da doutrina, da lei e das instituições. Como se nota
abaixo:

Assim interpretei o sentir popular: que a essência de justiça, que nosso


movimento revolucionário representa, não se perca, nem diminua, mas que
se afirme e se aviva. Estimei necessário recriar o processo evolutivo da
sociedade dentro desse objetivo primordial, reajustando as novas realidades
à essência da doutrina, das leis e das instituições.495

Um ano depois, López Mateos divulgou seu último informe presidencial, no qual se
despediu do povo mexicano e afirmou que seu governo, sem fugir dos princípios e
responsabilidades da revolução, havia alcançado o aperfeiçoamento necessário das
instituições do Estado.

Se durante esse lapso meu empenho e o de meus colaboradores acertaram


reduzir o âmbito de insalubridade, de ignorância, de pobreza, de insegurança
e da injustiça; se podemos alcançar campos de atividades mais amplas e
melhores para o futuro mexicano; se fomos capazes, sem nos distanciar da
doutrina da Revolução nem do cumprimento de suas leis, de aperfeiçoar
nossas instituições jurídicas e políticas; se unimos mais aos mexicanos em
seu amor e em seus deveres para com o México; se ampliamos o horizonte
de nossa pátria, mantendo intacta sua soberania e nesta a dignidade
nacional.496

Alguns anos depois, no mês de setembro de 1969, o presidente Díaz Ordaz divulgou
seu Quinto Informe, no qual, logo após o fatídico massacre estudantil, avaliou a opinião
pública, concluindo que pretendia seguir com o sério “caminho institucional” trilhado por ele.

494
LOPEZ, Adolfo Mateos. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
495
Ibidem.
496
Ibidem.
252
Longe de ceder às pressões, cumprimos a decisão que publicamente
havíamos anunciado, de seguir em todo momento o caminho institucional
presente em nossa trajetória. A imensa maioria da nação se manifestou
decididamente a favor da ordem e contra a monarquia. A tática de ir
planejando situações ilegais, cada vez mais graves, até a subversão
publicamente confessa; assim como as ações deliberadamente tramadas para
serem ao mesmo tempo provocação e emboscada para a força pública, e uma
série de atos de terrorismo, determinaram indispensáveis a intervenção do
Exército.497

No dia 1 de dezembro de 1970, o recém-eleito presidente priista Luíz Echeverría


Álvarez realizou seu primeiro discurso, no qual afirmou, por ser sabidamente da ala da
esquerda no PRI, que não se podia mais confiar unicamente no equilíbrio das instituições do
Estado. Sendo, portanto, propício aos mexicanos revisitarem a revolução e seus ideais. Não
obstante ele se posicione contrariamente (revelando, até mesmo, uma contracultura) à lógica
institucional, ainda há na afirmação uma junção de ideias, que, mesmo contrárias, comprova a
tese aqui exposta.

Tal qual se lê abaixo:

Não podemos confiar exclusivamente ao equilíbrio das instituições e ao


incremento da riqueza a solução de nossos problemas. Estimular as
tendências conservadoras que surgiram de um largo período de estabilidade,
equivale a negar a melhor herança de nosso passado. Repudiar o
conformismo e acelerar a evolução geral é, por outro lado, manter a energia
da revolução.498

No mês de outubro de 1972, o presidente Echeverría realizou outro pronunciamento


no qual arrazoou sobre a procedência “institucional revolucionária” do PRI. Afinal, as
instituições do Estado mexicano advieram, segundo ele, de uma mesma base: a Revolução
Mexicana e seus princípios. Esse seria, inclusive, um dos motivos pelos quais os documentos
chegam a mencionar a governabilidade democrática.

No documento intitulado “Na Assembléia”, Echeverría afirmou:

497
DÍAZ, Ordaz. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
498
ECHEVERRIA, Alvarez L. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
253
Nosso partido pode e deve seguir sendo, ao mesmo tempo, institucional e
revolucionário! As instituições são agrupamentos de homens, para fins
específicos. Não perdemos a esperança acerca da possibilidade de renovação
dos homens dos que integram e dirigem, não somente por uma política de
maior permeabilidade às novas gerações, senão pela capacidade de se auto-
regenerar, de revisar os propósitos que abrigam e as atividades que, em
relação com elas, decidamos adotar. E, dentro do institucional, o
revolucionário; porque os objetivos iniciais, sendo os mesmos em sua
realização paulatinamente geraram ante o mundo e ante os novos problemas
mexicanos, novos objetivos e novas formas de ação.499

No dia 5 de outubro de 1975, José López Portillo (1976-1982) proferiu um discurso no


qual falou acerca de quão grande havia sido o fortalecimento do Estado revolucionário. Para
ele, as primeiras alterações revelavam-se viáveis apenas sob a ótica institucional, quando elas
foram adotadas perceberam-se as contribuições. Essa compreensão indica que a revolução
continuou por todo o país, segundo ele, pelo caminho institucional.

No Discurso, López Portillo afirmou que:

Nosso partido, ao continuar a Revolução pelas vias das instituições,


formulou um plano básico ao governo de 1976-1982. Ao aceitar a
candidatura que os três setores me ofereceram, aceitei também o plano que
será a base sobre a qual estruturarei a campanha que em breve iniciaremos.
Atrevo-me a discordar em um ponto: o regime de Echeverría não foi de
transição: abertura, diálogo e crítica reestruturaram nossa democracia. Sua
política exterior é permanente e transcende a importância nacional. A vida
dos mexicanos se enriqueceu. A juventude foi resgatada. Isso não é
transitório e sim permanência.500

Mais a frente, no dia 10 de Dezembro de 1982, o recém-eleito Miguel de la Madrid


Hurtado (1982-1988) proferiu o “Fundamentos da Renovação Moral”, no qual justificou a
mudança dos artigos 22, 73, 74, 78, 94, 97, 108 ao 114; 127 e 134 da Constituição de 1917.
Sua retórica se respalda na ideia de que ainda existiam mudanças a serem feitas, embora
poucos povos tivessem institucionalizado um movimento tão transformador quanto a
Revolução Mexicana.

No discurso apresentou a ideia de que:

499
ECHEVERRIA, Alvarez L. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
500
PORTILLO, Lopez. Postulación por el PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
254
Muito poucos povos no mundo construíram e institucionalizaram um projeto
transformador como o nosso. Menos ainda são os que souberam mantê-lo
vivo, forte e sólido ao largo deste século, em meio das mudanças
econômicas, sociais, políticas e tecnológicas mais aceleradas que já viveu a
humanidade em toda sua história. Inclusive, na atualidade, muitos poucos
são os povos no mundo que, como o mexicano, tem os canais institucionais
para expressar sua indignação frente a tudo àquilo que desviam da realização
de seus valores, os meios políticos para levá-los a caso e a capacidade de
renovação de suas estruturas. Voltaremos a inovar e a vigorar, desde a
Revolução para a Revolução. 501

No mês de julho de 1988, Carlos Salinas realizou um pronunciamento no qual falou


sobre sua vitória nas eleições presidenciais. Seu breve comunicado girou em torno da acepção
de que o povo mexicano por meio da Independência, da Reforma e da Revolução havia
encontrado uma forma autêntica de trilhar seu próprio caminho histórico e,
consequentemente, suas próprias instituições e organizações; mais complexas e diferentes em
relação aos modelos que se via pelo mundo.

Salinas afirmou que:

(…) os valores fundamentais que nos dão identidade como mexicanos abre
uma nova etapa ao projeto da revolução, porque tem o propósito explicito de
assegurar nossa soberania e independência e a defesa de nossos interesses
nacionais. Será democrática porque a levaremos a cabo de maneira correta,
mediante a participação co-responsável de cidadãos, grupos, organizações,
partidos e setores. Porque está destinada a ampliar os espaços políticos e a
criar as vias institucionais que requer a maior participação da sociedade, e
será uma modernização popular porque terá um claro sentido social: elevar o
bem-estar de nossos compatriotas.502

Esta perspectiva evidencia a compreensão de que a cultura política priista fora


produzida pelo próprio partido a fim de perpetuar seu longevo governo; o que nos equipa de
preceitos teórico-metodológicos referentes à sua tecedura. E, sobretudo, refuta a interpretação
adotada por uma parte da historiografia tradicional que afirma a ocorrência de uma “ditadura
priista”, visto que os princípios fundamentais da democracia não foram teoricamente

501
MADRID, Miguel de la. Fundamientos de la renovación moral. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
502
SALINAS, Carlos Gortari. Pronunciación. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
255
infringidos. Afinal, o termo ditadura implica em certas questões estruturais do Estado que não
condizem com a realidade do período pós-revolucionário.

256
CONSIDERAÇÕES FINAIS

257
Considerações finais

Esta pesquisa parte do pressuposto de que, no período de 1946 a 1988, surgiu e se


consolidou uma cultura política priista que organizou, conformou e orientou a sociedade em
relação às mudanças culturais, econômicas e políticas que o priismo empreenderia na
sociedade mexicana. Essa cultura política integrou ao ideário do “partido oficial” noções que
promoviam a moderação e a estabilidade política, para que, assim, perdesse a roupagem
radical arquitetada pelo cardenismo.

O priismo consistiu em um complexo ideário político promulgado pelo principal


partido do cenário mexicano, o PRI. Mas, os pequenos partidos coligados a ele comungavam
com suas idéias. Esse conjunto de referências divulgou e expressou costumes, ideologias,
juízos, tradições e valores, que eram transmitidos em atas, bandeiras, cartas, diários,
discursos, jornais, relatórios, entre outros. Por meio dele, os indivíduos e os agrupamentos
políticos compartilhavam uma mesma visão de futuro, diagnosticando o passado e
solucionando o presente.

A formação dessa cultura política alicerçou-se na idéia de que as principais


reivindicações e valores promulgados durante a Revolução Mexicana haviam sido assimilados
pelas instituições do Estado. Ela passou, portanto, a anunciar uma nova etapa do processo
revolucionário, na qual afirmava que a revolução havia sido institucionalizada. Ao unir
termos antagônicos, acabou adquirindo uma dupla legitimação: a Revolução Mexicana e ao
Estado moderno.

A cultura política priista acabou forjando (no sentido de moldar) a idéia que se tinha
de Revolução Mexicana, a qual havia sido compreendida, até então, como um processo
histórico que derrubara a ditadura porfirista e estabelecera a democracia no país. Com a
emergência e a consolidação do priismo, a revolução deixou de ser um elemento etéreo e
intocável da história mexicana, passando a ser algo concreto. Já que estava nas instituições do
Estado e era factível. Em verdade, ela havia sido transladada do caos revolucionário à
organização institucional, acompanhando as inovações e as tendências nacionais e mundiais,
sobretudo, sendo canalizada num único partido.

258
Estudar tal cultura política implica em perpassar por suas principais nuanças. Algumas
delas foram herdadas, por exemplo, da ala liberal do século XIX. Outras vieram do processo
revolucionário. E, ainda houve aquelas que acabaram surgindo ao longo da trajetória do
partido e, conforme as reformas ocorreram, esmoreceram, emergiram e, até mesmo,
reapareceram. Cabe aqui uma informação: os símbolos da cultura política priista não estão
presentes em todos os momentos do PRI (em todo o período histórico que ele representa). Isso
evidencia como uma cultura política pode ganhar e perder significados continuamente. No
caso da cultura política priista, houve mais permanências do que perdas.

Dada a complexidade do período mexicano (1946-1988) e a quantidade de


“continuações” da cultura política aqui analisada, revelar-se-ia inviável analisar cada uma de
suas características. Isso, obviamente, fugiria dos objetivos da pesquisa. Sendo assim,
optamos pela análise mais aprofundada de seus principais matizes, que deram formam e
caracterizaram o priismo.

O estudo de cultura política, contudo, ainda recebe severas críticas da historiografia.


Por essa razão, o historiador, se não for cauteloso, possuindo um heterogêneo (no sentido de
que deverá beber da água de diferentes fontes) e sólido respaldo teórico, acabará em um
dilema semelhante ao de Epicuro, visto que se deixará levar pela retórica censora. Essas
críticas dividem-se em dois grupos. O primeiro grupo afirma que a cultura política pode ser
um conceito muito abrangente e, por isso, pode levar a qualquer conclusão que se queira
(sujeito a manipulação de hipótese e resultado). O segundo afirma que, para que o conceito
não seja muito abrangente, deve ser ele utilizado em regiões diminutas e não, por exemplo,
em âmbito nacional. Mas, o conceito dificilmente consegue ser comprovado em pequenas
regiões, pois exige muito tempo e vasta documentação. Então, o dilema se estabelece: ou o
conceito é abrangente em demasia, sendo passível de manipulação, ou é ineficaz por ser
utilizado em regiões pequenas e, portanto, sendo de difícil comprovação.

Sem alongar-me com querelas acadêmicas respondo pontualmente: este trabalho


parte do pressuposto de que se estabeleceu uma cultura política priista dentre 1946 a
1988. Ela foi o cimento da estrutura priista. A cultura política foi assimilada, o que
legitimou seu governo. O priismo, especificamente, surgiu após a segunda reforma do
partido, em 1946, e perdurou com o modelo estabelecido até o ano de 1988; quando o
partido entrou em crise interna política. O partido, assim, se consolidou, porém, isso não
significa que não houve oposição interna e externa ao partido.

259
Por fim, nossa perspectiva evidencia que a cultura política priista foi produzida pelo
próprio partido a fim de perpetuar seu governo, o que nos equipa de preceitos teórico-
metodológicos referentes à sua tecedura. Ao partir desse pressuposto, distanciamo-nos da
interpretação adotada por uma parte da historiografia que afirma a ocorrência de uma
“ditadura priista”, já que os princípios fundamentais da democracia não foram infringidos
(teoricamente). Afinal, o termo ditadura implica em certas questões estruturais do Estado que
não condizem com a realidade do período pós-revolucionário.

260
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