Logan Fox :their Kingdom Come

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Abuso físico e psicológico , abuso infantil (relatos), Bullying, Noncon,

Dubcon, Humilhação pública, Intoxicação e Sequestro de crianças


Pet — A Perfect Circle

Never Enough —Fetish

Imagine — A Perfect Circle

Crawling — Dream State

The Trauma Model —King 810

Call Me Devil — Friends in Tokyo

Touched Your Skin —Landon Tewers

Soldier —Fleurie

How Deep Is Your Love —The Bros. Landreth

Música Tema

The In-Between —In This Moment


Êxodo, Mateus e Efésios dizem que você deve honrar seu pai e sua mãe.
Acho que é justo então, o dia em que meus pais e eu tivemos a pior discussão
da história é o último dia em que os vejo.

E sobre o que foi a briga?

Roupas.

Roupas novas. Desde que eu literalmente usei buracos em todas as


minhas.

Mamãe prometeu que iríamos comprar algumas assim que papai


chegasse em casa. Havia uma promoção no shopping, então o momento era
perfeito. Eu sabia exatamente o que queria também, voltaríamos antes do
culto noturno em nossa igreja.

Mas papai se atrasou e, como papai não acreditava em coisas como


celulares, tivemos que esperar por ele. Quero dizer, ele sabia que eles
existiam, obviamente, mas ele os via como armadilhas materialistas.

As roupas também se enquadravam nessa categoria.

Quando ele finalmente chegou, não havia tempo suficiente para irmos.

Acho que os planetas se alinharam ou algo assim, porque pela primeira


vez na minha vida, aos dezessete anos, fiz uma birra.

Eu gritei. Eu chorei. Eu xinguei.

Eles não disseram nada. E então eles saíram e foram à igreja sem mim.

É estranho pensar que, se não tivéssemos tido essa briga, as coisas


teriam sido muito diferentes.

Por exemplo, eu estaria morta.


Mas eu não estava no carro quando eles atingiram o gelo preto na
estrada. Eu estava de roupão e chinelos, de mau humor em uma xícara de
chocolate quente.

Eu nunca terminei esse chocolate.

Eu nem sei o que aconteceu com isso.

Alguém deve ter levado para a cozinha, jogado fora, limpo.

Mas não fui eu.

Porque eu estava em uma delegacia a maior parte da noite, fingindo


entender o que eles continuavam me dizendo.

Meus pais estavam mortos.

Assim como eu deveria estar morta.

Algo morreu naquela noite, algo no fundo. Naquela época, eu pensava


que era uma coisa preciosa e sagrada como o amor.

Acontece que eu estava errada.

A única coisa que pereceu naquela noite foram as correntes invisíveis


me mantendo amarrada a uma vida que eu odiava silenciosamente a cada
respiração.

Eu não morri naquela noite.

Eu fui libertada.

E tudo mudou.
“Para quem acredita, nenhuma prova é necessária. Para quem não
acredita, nenhuma prova é possível.”

STUART CHASE
Há um baque alto. Minha cabeça salta da janela do táxi e meus olhos se
abrem de surpresa. Eu olho para a paisagem embaçada enquanto minha
mente luta para descobrir onde diabos estou enquanto meu coração tenta
sair da minha garganta.

— Desculpe por isso. A estrada não está exatamente nas melhores


condições.

Olho para o motorista do táxi e deslizo as costas da minha mão sobre a


boca. Se eu estivesse babando enquanto dormia? Eu estava com frio,
sonhando de novo. Um sonho feliz desta vez. Um onde meus pais ainda
estavam vivos.

— Quanto tempo até chegarmos lá? — Eu murmuro, tentando resolver


a torção no meu pescoço. Lá fora, bétulas colossais e árvores de bordo
bloqueiam tudo, menos uma faixa de céu cinza. Há outro baque, seguido por
um chocalho, enquanto as rodas da cabine andam sobre outro buraco.

— Mais alguns minutos.

Me abraçando, viro e olho pela janela. Melhor do que observar os olhos


do motorista no espelho retrovisor. Passamos mais de duas horas juntos e
mal dissemos uma palavra.

Passamos pela última cidade há pelo menos uma hora e estamos nos
aprofundando na Virgínia Ocidental desde então. Pelo menos eu sei para
onde estou indo. Pela primeira vez desde que o policial bateu na nossa porta
da frente, há algum tipo de ordem na minha vida.

— Aí está. diz o motorista enquanto dobramos uma esquina.


Ele não precisava, meus olhos se agarraram ao internato para meninos
no segundo em que apareceu no para-brisa.

Puta merda.

Minha boca fica seca.

— Essa é Saint Amos?

Sinto seus olhos em mim e fazemos contato visual no espelho.

— Não é um pouco tarde para começar o colégio interno?

O calor toca minhas bochechas.

— Eu...não tenho escolha.

Nos últimos cem metros, a estrada de alcatrão em ruínas se suaviza em


uma estrada de terra cheia de força. Quanto mais nos aproximamos e mais o
prédio se aproxima, mais fundo meu estômago afunda.

Este lugar se parece mais com o castelo de Drácula do que com um


internato. Não há estátuas de demônios e coisas na fachada, mas com sua
infinidade de pináculos e molduras sofisticadas, é inegavelmente gótico.
Antes que Drácula pudesse morar aqui, alguém teria que remover o enorme
crucifixo acima da entrada da frente.

As árvores são finas. Um gramado imaculadamente aparado se espalha


como uma piscina de algas verdes ao redor da base da estrutura maciça e
extensa.

O motorista manobra o táxi em torno de uma fonte onde uma Virgem


Maria manchada de concreto e merda de pombo está amamentando o bebê
Jesus.

Algumas dessas listras parecem lágrimas.

— Precisa de ajuda com suas coisas? — O motorista pergunta.

Eu bato enquanto balanço minha cabeça.

— Eu posso gerenciar, obrigado.

Ele assente enquanto freia e estaciona o carro.


— Boa sorte, e Deus abençoe.

Minha boca aperta, mas eu aceno para ele e arrasto minha mala de
pano comigo. Essa e minha mochila são as únicas coisas que tenho comigo.
Nossa família não era grande em bens materiais, como roupas, joias ou
móveis. De fato, a única coisa em que eles eram grandes era aquilo.

Eu inclino minha cabeça para trás e olho para o crucifixo.

Espero que fique lá em cima. Poderia esmagar alguém se caísse.

Há um chocalho de cascalho quando o motorista do táxi se afasta, e eu


me viro para observá-lo até que a sombra dos bordos distantes molhe o teto
do carro.

A melhor forma de sair é andar em frente, certo?

Eu estremeço enquanto bato a grande aldrava de latão na porta. Toda


pessoa lá dentro deve ter ouvido esse barulho.

Mas nada acontece.

Eu balanço meus pés e olho em volta enquanto espero, depois tento


novamente.

A porta muda para dentro.

Acho que não faz sentido trancar as coisas por aqui. Quem diabos vai
roubar este lugar? Está a quilômetros de distância de qualquer coisa.

Abro a porta e entro em sombras frias e úmidas que se agarram a mim


como um filme. Estou em um vasto hall de entrada. Pequenos vitrais mal
deixam passar luz suficiente para iluminar a escada dupla. Em um dia mais
brilhante, este lugar ficaria magnífico. No momento, é como se eu estivesse
estrelando meu próprio filme de terror.

—Olá?— Minha voz volta às pressas para mim como se estivesse


aterrorizada por se aventurar mais fundo por dentro.

Senhor, está quieto aqui.

Onde está todo mundo?


Certamente alguém tinha que saber que eu estava vindo.

—Você é Trinity?

Meu coração pula na minha garganta, estrangulando um suspiro. Eu me


viro.

Uma criança alguns anos mais nova que eu fica nas sombras ao lado da
porta. Vestido com calças marrons, uma camisa com gravata marrom e um
blazer marrom, ele se parece com a versão adolescente do Mr. Bean 1 ,
especialmente com seu cabelo escuro e liso. Ele olha para mim como se
estivesse tentando descobrir se sou real ou fantasma.

De onde diabos ele veio??

— Esta sou eu. — Tento parecer alegre, mas provavelmente pareço mais
uma lunática. — E você é?

— Jasper. Eu sou seu companheiro de quarto. — A julgar pela fraca


carranca em seu rosto, ele não está emocionado com o fato. Ele passa por
mim, indo para o conjunto esquerdo de escadas que terminam em um
patamar.

Aperto o agarre na minha bolsa e reajusto a alça da minha mochila


antes de seguir. Nossos passos ecoam vazios até chegarmos às escadas de
madeira.

— Companheiro de quarto? — Eu chamo exclamo dele. — Portanto, não


temos nossos próprios quartos?

— Duh. — ele diz secamente.

Caramba, só estou tentando conversar. Não pedi para estar aqui mais
do que ele. E eu sei que ele não está aqui por opção, porque ninguém estaria
aqui por opção. Este é o lugar onde as almas más aguardam a sentença.

Úmido. Sombrio. Depressivo.

1Mr. Beané uma sitcom de comédia e humor britânico, estrelada pelo personagem de mesmo
nome, criado e interpretado pelo ator e comediante Rowan Atikinson.
Jasper muda para um corredor que leva a propriedade. Quase
imediatamente, ele dá outra volta. Então outra. Um minuto depois, paro de
tentar acompanhar para onde estamos indo.

Luzes de sódio tremeluzentes lançam um feio brilho amarelo sobre as


portas e retratos sombrios que passamos.

Caramba, está frio. Duas semanas até as férias de verão, e pode ser o
meio do inverno.

Estou usando um cardigã preto, um colete e jeans com as barras


levantadas, para não pisar nelas. A lã fina que cobre meus braços poderia ter
sido papel de seda para toda a proteção que me oferece. Estou tentada a
soltar minha massa de cachos pretos, mesmo que apenas por um calor extra
no pescoço.

O que sei sobre Saint Amos mal conseguiu preencher um guardanapo. É


uma escola preparatória para meninos, orientada para a fé, especializada no
treinamento de novos padres. Mas eu não vim aqui para o programa
teológico deles, estou aqui porque é o único lugar onde ainda existe um
remanescente da minha vida anterior.

O nome dele é padre Gabriel. Tecnicamente, ele é toda a família que me


resta. Se não fosse por ele, eu ainda seria uma protegida do estado.
Inscrever-se em Saint Amos não foi minha primeira escolha, mas estou
começando a perceber que os órfãos não têm voz sobre como suas vidas são
administradas.

Felizmente, estou acostumada a ter todas as minhas principais decisões


de vida tomadas por mim.

— Há quanto tempo você está aqui?

— Muito tempo. — responde Jasper rigidamente.

O que eu fiz para irritá-lo? É porque ele tem que dividir um quarto
comigo? Olho para a multidão de portas pelas quais passamos apenas neste
trecho de corredor. É impossível que todos os cômodos deste lugar estejam
ocupados. Então, por que eu tenho que compartilhar com um garoto??
Eu deveria fazer um esforço para ser amiga, especialmente se eu vou
morar com esse garoto. — Me desculpe se eu deixei você esperando. — eu
digo.

Ele solta um suspiro e dá um encolher de ombros sem olhar para mim.

Nesse nível, passamos por vários vitrais, nenhum dos quais parece que
podem ser abertos. A maioria são arranjos aleatórios de vidro colorido, mas
os maiores formam imagens brutas.

Pombas voando em direção a raios de luz celestial.

Vários santos e anjos.

Pessoas lavrando o solo sob um olhar atento. Literalmente, um olho no


céu coleiras, chicotes e tudo mais.

— O lugar costumava ser um orfanato católico. — diz o garoto.

— É… — Eu quero dizer bonito, mas isso seria uma mentira direta. —


Impressionante.

Pegamos outro conjunto de escadas, colocando-nos no quarto andar.


Portas de madeira aglomeram as paredes da passagem. Pequenas placas
deslizam atrás de minúsculos quadrados de latão centralizados abaixo do
arco de cada porta, com o número do quarto.

Jasper me leva ao quarto 113.

Ele abre e entra.

— Você não trava portas por aqui?

Ele se vira e me dá um olhar de olhos mortos.

— Você tem algo a esconder?

Eu rio quando entro no quarto, mas cortei um segundo depois.

Parece mais uma cela de prisão do que um quarto. Até a pequena janela
é revestida com uma estrutura de aço como se quisesse impedir alguém de
sair e pular. Duas camas estreitas, uma contra cada parede, ocupam a maior
parte do espaço. O que resta é preenchido por um armário de duas portas e
uma mesa com um conjunto de gavetas em cada lado da abertura em que a
cadeira se encaixa.

Jasper aponta para uma das camas.

— Essa é minha.

— Tem certeza? — Eu murmuro para mim mesma. As camas parecem


idênticas. Na verdade, eu não ficaria surpresa se ele tivesse me dito que
ninguém morava nesse quarto.

— Essa é sua. — diz ele, apontando para a porta do armário esquerdo. —


Fique fora do meu lado.

— Ora, você tem algo a esconder?

Ele vira olhos zangados para mim e eu mordo meu lábio.

Foi um longo dia. Inferno, foi um longo mês.

Minha bolsa e mochila batem no chão. Este lugar cheira a naftalina e ar


velho, mas se eu puder abrir a janela, isso pode ajudar.

A janela está fechada.

Jasper pega algo da gaveta. — Eu tenho aula. — diz ele antes de sair.

Corro até a porta e enfio a cabeça no corredor.

— Ei!

Minha voz volta para mim. Jasper gira, mas ele não para de andar.

— Aonde eu vou?

Jasper encolhe os ombros. — Só me disseram para lhe mostrar o quarto!


— Ele grita antes de desaparecer na esquina.

— Mãe de Deus. — murmuro para mim mesma quando volto para o


quarto. Olho pela porta e tremo quando uma brisa úmida entra
surpreendentemente, ninguém fica com pneumonia. Eu fecho a porta e solto
outro suspiro enquanto afundo no canto da minha cama.

Ela geme teatralmente sob o meu peso, e eu reviro os olhos.


É o que acontece quando a única coisa que passa pela sua cabeça por
dias seguidos é o mantra o que mais poderia dar errado?

Eu desafiei o Universo, e ele veio até mim rebolando.


Eu fico feliz que tudo o que possuo cabe em duas sacolas. Mal há espaço
suficiente do meu lado do armário para pendurar os poucos vestidos e jeans
que tenho. Até os quatro nichos do meu lado do armário são grandes o
suficiente para caber um par de sapatos.

Pego minha Bíblia gorda e encadernada em couro e me posiciono com


relutância na cama rangente com ela no meu colo. Traço meus dedos sobre o
título de ouro gravado na capa. Então eu abro e tiro a foto aninhada entre as
primeiras páginas.

Os olhos severos do meu pai me olham de uma década passada. Ele


parece elegante em seus paramentos clericais completo, apesar de sua
expressão sem sentido. Eu gostaria de ter uma foto de mamãe também,ainda
melhor, nós três juntos,mas meus pais consideraram as fotos uma forma de
vaidade, como ter mais de três conjuntos de roupas para alternar durante a
semana.

Ou maquiagem.

Ou joias.

Se eles soubessem que morreriam meses antes do meu aniversário de


dezoito anos, as coisas teriam sido diferentes? Teríamos passado menos
tempo na igreja e mais tempo no parque, ou indo à praia ou jogando bola no
quintal?

Não.

Abro a primeira gaveta e coloco a Bíblia dentro, empurrando-a o mais


para trás possível.
Não tenho intenção de lê-la. Eu só trouxe porque mamãe a valorizava.
Eu nem sabia da foto até acidentalmente deixar o livro cair enquanto pegava
minhas coisas em casa há uma semana.

Vinte e sete dias.

Nem um mês desde que eles se foram, e já parece uma vida. Só me


lembro de pedaços desde então, e a maioria deles tento esquecer.

Foda-se.

Chuto a gaveta fechada com minha sapatilha de bailarina.

— Primeiro dia e você já está destruindo propriedades da escola?

Estou de pé em um segundo e giro para encarar a porta. Há um cara na


entrada, encostado no ombro contra o batente.

Ele é alto e musculoso, com nariz afiado, mandíbula angular e olhos


azuis com capuz. Eu não ficaria nem um pouco surpresa se ele fosse um
modelo, apesar de seu corte de cabelo no estilo militar que deixa pouco mais
do que uma camada de penugem na cabeça perfeitamente modelada. Não
tínhamos revistas em casa, mas eu as vi uma ou duas vezes na biblioteca. Ele
está vestindo o uniforme escolar de Saint Amos, mas sua gola está solta e sua
gravata torta.

Um sorriso presunçoso esculpe uma covinha na bochecha.

— Você sente falta por ter saído de Sisters of Mercy2ou algo assim? —
Ele corre o olhar pelo meu corpo antes de encarar de volta os meus olhos. —
Ou você de alguma forma perdeu o fato de que essa é uma escola para
meninos quando se matriculou?

Do que diabos ele está falando? Balanço a cabeça e volto quando ele
entra no quarto.

— Você pode falar? — Ele olha para o quarto como se a resposta não o
preocupasse. — Ou você é órfã e muda?

2Sisters
of Mercy: Tradução (Irmãs da Misericórdia) são mulheres católicas romanas de fé que
entregam suas vidas a Deus e servem aos necessitados.
Estou começando a me perguntar a mesma coisa, porque pareço
incapaz de formar palavras. Não ajuda que ele continue se aproximando, e a
única maneira de manter distância neste pequeno quarto seria escalar a
cama.

— Porque tenho certeza de que eles diriam ao monitor do corredor que


esperaria uma órfã muda. — Os olhos dele piscam para mim. —
Especialmente uma tão adorável quanto você.

Monitor de corredor? Minhas bochechas brilham com calor.

— Com licença? — Eu lati antes que eu pudesse me parar.

— Ah. — diz o cara, fazendo beicinho nos lábios exuberantes. — Você


ficou um pouco menos trágica.

— Quem diabos é você?

O ar assobia entre os dentes. Ele corre para a frente. A porta do armário


bate enquanto ele me empurra contra ela com tanta força que o ar bate nos
meus pulmões.

— Pequena puta blasfemadora. — ele assobia.

Eu abro minha boca para gritar.

Seus dedos envolvem minha garganta e, de repente, gritar por ajuda


não é mais uma opção. Ele se inclina perto o suficiente para que sua
respiração acaricie meus lábios. — Eu não gosto de surpresas. — A voz dele é
perigosamente baixa.

— Por favor. — eu consigo, agarrando seus pulsos e cavando minhas


unhas na pele dele.

Ele nem parece notar.

— Talvez você nem seja uma garota. — ele sussurra, a boca tão perto da
minha orelha que seus lábios escovam minha pele. — Foi por isso que eles te
enviaram aqui? — Sua mão livre desliza pelo meu estômago e trava no topo
do meu jeans. Com um toque no pulso, o botão se abre.

— Há apenas uma maneira de descobrir, não é?


Ele murmura. As pontas dos dedos deslizam atrás do elástico da minha
calcinha.

Meu corpo fica rígido. Nada existe além de seus dedos rastejantes.

Um gongo soa.

Não é excepcionalmente alto, mas é tão inesperado que me surpreendo.


A ponta dos dedos sai por trás da minha calcinha.

Ele recua. Ar frio corre pela minha garganta. Eu tossi, flácida contra o
armário enquanto ele me estuda.

— Salva pelo gongo. — diz ele através de uma risada. Seu rosto se
transforma em uma máscara dura e hostil. — Vejo você por aí, puta.

Então ele se foi.

Conto dez batimentos cardíacos estrondosos antes de ousar ir até a


porta e verificar se ele realmente saiu. O corredor do lado de fora está vazio.
Batendo fecho a porta, volto para a sala até a cama bater na parte de trás dos
meus joelhos. Sento-me automaticamente, olhando para a porta através de
olhos arregalados.

Como diabos eu devo processar o que aconteceu?

Quem era aquele cara?

Por que diabos ele fez...?

Eu vacilo com uma batida na porta. Engulo.

Ele voltou.

Mas é claro que não é ele. Ele não é o tipo de cara que bate.

Então, quem no inferno é esse então?

— Trinity?

Outra batida.

Eu pulo de pé e corro para abrir a porta.

Um homem de trinta e poucos anos me observa do outro lado do limiar.


Sua boca é colocada em uma curva suave.
— É bom vê-la novamente, Trinity. — diz ele, com os quentes olhos
castanhos enrugados nos cantos enquanto o sorriso se aproxima.

— Padre Gabriel! É…

Uma onda cai sobre mim, sufocando as palavras. O rosto dele é o


primeiro rosto familiar que já vi em semanas.

Eu nunca soube o que era solidão. O maior tempo que fiquei longe dos
meus pais foram horas. Mas a partir do momento que a campainha tocou, e
eu abri a porta, e vi um policial parado onde esperava meus pais…talvez
mamãe fazendo malabarismos com um saco de compras enquanto caçava
suas chaves, ou papai parecendo tímido porque deixou seu par dentro de
casa...Eu não tinha ninguém.

Ninguém.

Uma semana depois, percebi que o policial não tinha me dito que meus
pais haviam morrido em um acidente de carro. Ele veio dizer que nada seria
o mesmo novamente. Eu estava destinada a um futuro sombrio e solitário,
onde as flores não floresciam, o sol não brilhava mais e a comida perdia o
sabor.

Durante semanas, fui entregue de pessoa para pessoa como um maldito


pacote sem endereço de retorno, o receptor simplesmente marcou como a
quem possa interessar.

Braços fortes envolvem-me, me apertam, me aqueceram. Fumaça de


cigarro e cera de vela flutuam até mim com um cheiro familiar e tão
reconfortante.

Um soluço me envolve. Eu me apego ao Padre Gabriel como se eu caísse


se o soltasse.

Meus joelhos enfraquecem quando ele acaricia minha cabeça e


murmura.

— Calma, criança. Você está segura agora.


Fugir do padre Gabriel é uma das coisas mais difíceis que tive que fazer
em semanas, e isso inclui identificar meus pais no necrotério. Mas estou me
comportando como uma criança, e ele é a última pessoa que quero
decepcionar. Então eu chupo minha tristeza e me contorço de seus braços.
Meu sorriso não é tão firme quanto eu quero que seja, mas pelo menos está
lá.

Eu sei que deveria contar a ele sobre o cara que estava aqui. O que ele
estava prestes a fazer. Mas o pensamento de transmitir esses detalhes
sórdidos faz meu estômago encolher de humilhação. O que vai mudar, de
qualquer maneira? Isso pode deixá-lo ainda mais irritado.

— Você já está confortável? — Gabriel pergunta, usando uma junta para


tirar uma lágrima da minha bochecha.

— Sim.

— Então eu vou te mostrar o redor. — Ele segura um braço, seu sorriso


se aproximando quando eu o pego.

Ele parece estranho em seu suéter pálido e tricotado e calças escuras.


Seus sapatos mal emitem um som quando ele me leva para fora do quarto.
Acho que ele só usa seu traje oficial quando visita um membro de sua
congregação.

Paro e depois me inclino para trás para fechar a porta. Ele dá um


tapinha no meu braço, seu sorriso ficando um pouco triste nas bordas.

— Você está segura agora, criança. Esta é a casa do Senhor. Ele cuidará
de você enquanto você estiver sob o teto dele.
Penso no vitral, aquele com aquele olho grande no céu, com as pessoas
trabalhando embaixo dele. E o cara que entrou no meu quarto.

Se Deus estava me observando, parece que Ele estava mais interessado


em ver até onde chegaria do que em acabar com isso.

Mas então um sino tocou e ele parou. Eu chamaria isso de intervenção


divina, não é?

— Obrigada. — murmuro, deixando cair o olhar. Minhas bochechas


ficam quentes novamente.

— Não sei o que teria feito se você não tivesse se tornado meu guardião.

—Um lar adotivo não é lugar para um filho de Deus. — diz ele. —
Especialmente uma tão brilhante e talentosa quanto você. Estou mais do que
feliz em ajudar.

Eu consigo um sorriso. Ver Gabriel trouxe de volta muitas lembranças.


Elas enchem minha mente quando ele me leva pelo corredor, e meu humor
cai cada vez mais.

O padre Gabriel era bispo de nossa paróquia por quase cinco anos antes
de deixar o país para o trabalho missionário há alguns meses. Meu pai, o
padre de nossa congregação local, o conhecia desde o início de seu
treinamento no seminário, onde o padre Gabriel era um de seus tutores.

Gabriel estava em nossa casa pelo menos três vezes por semana e
costumava jantar conosco. Ele era o amigo mais próximo dos meus pais e,
pelo que pude entender, o confidente deles quando o casamento se tornou
um pouco difícil. Isso foi muito antes de eu nascer.

— Devo me desculpar por não a encontrar quando você chegou. Perto


do verão, tenho cento e uma tarefas. — Gabriel ri. — Tenho certeza de que a
equipe está ansiosa por esse intervalo tanto quanto os alunos.

Eu rio com ele e parece estranho aqui nos corredores pouco iluminados.
— Este lugar é enorme. Quantos estudantes estão aqui?

—Apenas tímidos quinhentos.


Minha boca trava. Eu não deveria ser ingrata, mas isso levanta a
questão. Antes que eu possa perguntar, Gabriel diz:—Você está se
perguntando por que não tem seu próprio quarto. — Sua boca forma essa
linha neutra muito familiar. — Por mais que eu queira lhe dar um, isso
criaria um mau precedente. Os estudantes de Saint Amos devem merecer
seus privilégios.

— E um quarto privado é um privilégio. — digo, concordando. Eu acho


que seria injusto para mim ser elevada acima dos estudantes que já estão
aqui há anos. E a última coisa que quero fazer é me destacar.

— Então...isso significa que Jasper perdeu seus privilégios?

— Deus recompensa nossa fé de várias maneiras, Trinity. Mas ele


também exige penitência por nossos pecados.

— O que Jasper fez? — Eu pergunto, sussurrando. Acho que um quarto


privado é um dos melhores privilégios por aqui. Eu poderia estar errada, mas
faria sentido por que Jasper está agindo tão mal-humorado.

— Isso é entre ele e Deus.

Gabriel faz uma pausa ao lado de uma janela. É a primeira com vidro
transparente que notei e a primeira com uma trava. Olho para os dois lados
do corredor. Não tenho ideia de onde estou. Quanto tempo vou levar para
desvendar este lugar?

Ele abre a janela e respira o ar correndo do lado de fora, depois me


acena com um giro da mão.

Eu fico ao lado dele. Minha respiração pega.

— Oh meu De... —eu parei, mordendo meu lábio bem a tempo.

Puta blasfemadora.

— Se você acha bonito agora, espere até as folhas mudarem. — Há um


silêncio reverente em sua voz.

— Mal posso esperar.


Mesmo estando no terceiro nível deste edifício majestoso, as árvores
voam para cima e ao nosso redor. É como se a escola tivesse caído no meio
da floresta e deixado para suas próprias defesas.

— Você pode ver onde as terras terminam? — Gabriel aponta e eu sigo o


dedo dele.

— Sim?

— Qualquer coisa além daquela cerca está fora dos limites. — diz ele
com firmeza. — Entendeu?

Eu olho para ele e aceno com a cabeça.

— Entendi.

— Pode parecer inocente, mas a floresta é um lugar perigoso. —


acrescenta ele, com os olhos castanhos procurando nos meus. — Perdemos
mais estudantes do que gostaria de admitir por aí. Eu não gostaria que isso
acontecesse com você, criança.

Perdeu eles?

Meu pescoço se move como uma articulação enferrujada quando me


viro para olhar pela janela novamente.

A floresta não parece um lugar que eu gostaria de ir de qualquer


maneira. Por que diabos alguém teria que ser avisado para ficar longe??

— Vamos. Temos muito para ver antes do almoço.

Desta vez, o padre Gabriel não estende o braço. Eu gostaria que ele
tivesse, o escuro e o frio deste lugar estão pressionando novamente. Eu
suprimo um arrepio enquanto o sigo pelo corredor e olho de volta para a
janela. Desse ângulo, apenas um pedaço de céu cinza é visível.

O que aconteceu com aquelas crianças? Eles se perderam e morreram


de fome?

Ou algo mais os encontrou primeiro?


****

— Me desculpe, eu não estava lá quando seus pais faleceram. — diz o


padre Gabriel do nada. Andamos por cerca de dez minutos e passamos por
mais duas janelas, ambas com vistas dramaticamente diferentes da primeira.

Saint Amos é mais uma cidade pequena do que uma escola. Este edifício
contém os alojamentos dos funcionários, os quartos dos alunos, o escritório
da administração, as cozinhas, os banheiros e o refeitório.

Lá fora, há uma capela, um prédio que abriga as salas de aula e até uma
cripta. Da janela em que a vimos, as formas retangulares de lajes de concreto
colocadas no punhado de sepulturas ao lado do edifício em forma de
crucifixo eram visíveis.

Ta aí outro lugar que não tenho absolutamente nenhum interesse em


visitar, embora o padre Gabriel não tenha me avisado para ficar longe dessa
vez.

Mais atrás, na propriedade estão os estábulos e alguns campos


esportivos, até um ginásio com piscina coberta.

— Trinity?

Eu saio dos meus pensamentos. — A assistente social disse que você


estava participando de trabalho missionário?

Ele sorri com isso.

— América do Sul. É tão gratificante compartilhar a mensagem de Deus


para nações empobrecidas.

O padre Gabriel fez muito trabalho missionário. Meu pai já esteve no


exterior com ele mais de uma vez. Eles ficariam afastados por até meses
seguidos. Papai sempre parecia diferente quando voltava, mas eu nunca
conseguia descobrir o porquê.

Eu acho que espalhar o evangelho muda você.


— A julgar pelas suas notas, seus pais fizeram um excelente trabalho em
casa, educando você. — Gabriel ri. — Nossas salas são um pouco maiores,
mas confie em mim, seu desempenho acadêmico não sofrerá. Temos
excelentes professores. Alguns deles são antigos alunos, na verdade.

Papai me ensinou as escrituras. Mamãe me ensinou todo o resto. Mas


não digo nada, nunca fui de brigar.

Descemos uma escada e chegamos a um vasto corredor. A vários metros


de distância, termina em um conjunto de portas duplas. Através das
pequenas janelas nelas, posso perceber uma agitação de atividade adiante.

O refeitório? Meu estômago resmunga. Quando foi a última vez que


comi alguma coisa? Pode ter sido ontem, mas não me lembro se era café da
manhã ou almoço. Eles haviam servido o jantar no trem ontem à noite, mas
eu estava nervosa demais para comer qualquer coisa.

Dou passos adiante, esperando que o padre Gabriel avance. Paro


quando ele agarra meu cotovelo e gentilmente me vira para encará-lo.

Meu peito fica apertado com o olhar em seu rosto. — O que? — Eu


pergunto sussurrando.

Ele me libera e agarra as mãos na frente dele.

Conheço bem o padre Gabriel. Ele parece mais velho hoje. Ele ainda
está longe de ser um homem velho, mas seu rosto perdeu parte de seu brilho
juvenil.

— Qualquer um pode perder a fé, Trinity. — Pequenos vincos se formam


nos cantos dos olhos. — Isso acontece tão rapidamente. Tão facilmente. Mas
é exatamente isso que o diabo quer.

Meu peito se fecha. Não sei falar, pensar ou respirar. A pressão se


acumula atrás dos meus olhos quando o padre Gabriel pressiona a boca em
uma linha fina.

— Nunca podemos compreender toda a extensão do plano de Deus.


Especialmente se lhe dermos as costas em tempos difíceis.

Tempos Difíceis?
Tristeza se transforma em raiva. A pressão ainda está lá, escaldando
meus olhos. A umidade aumenta, mas essas não são lágrimas de luto.

São lágrimas de raiva.

Não é a primeira que eu derramei. Tenho certeza que não é a última vez.

Há tantas coisas que quero dizer ao padre Gabriel agora. Coisas ruins.

Coisas blasfemas.

Imorais.

Mas eu não digo.

Se ele sente minha raiva, ele não a reconhece.

— Uma última parada antes do almoço. — diz ele enquanto gesticula


com o braço. Caso você precise tirar algo do seu peito.

Há uma pequena alcova a alguns metros de distância. A porta arqueada


inserida dentro tem um crucifixo de latão pendurado ao nível dos olhos.

O padre Gabriel abre a porta, revelando a escuridão além.

Ele entra.

Eu posso seguir ou ficar aqui fora, presa e sozinha. Por mais que eu
queira desaparecer nas sombras, cansei de ficar sozinha.

Eu confio em Gabriel.

Eu sei que ele não permitiria que danos viessem até mim.

Eu o sigo por dentro, apesar do meu peito apertado, do meu coração


batendo e da minha boca seca.

Eu o sigo na escuridão, e isso me engole por inteiro.


Velas emergem da escuridão quando meus olhos se ajustam à pouca luz.
Elas não fazem um bom trabalho em iluminar este lugar, mas não há muito
para elas clarearem de qualquer maneira.

Esta é a menor capela que eu já vi. A nave consiste em seis bancos


curtos, três de um lado, com um corredor estreito que leva à capela-mor.

A pessoa de joelhos em frente ao altar parece grande e musculosa para


este espaço íntimo.

Chamas de velas tremeluzem à medida que avançamos mais fundo por


dentro.

Como se estivesse nos sentindo, a figura na frente inclina a cabeça um


pouco mais fundo e lentamente se levanta.

— Minhas desculpas por interromper, Reuben.

A figura vira.

Eu pensei que era um homem, talvez outro padre, mas como as chamas
iluminam o rosto do estranho, percebo que ele é uma criança como eu.

OK, criança não é a palavra certa. Um jovem funciona melhor. Ele não
poderia ter mais de um ano ou dois mais que eu, mas é alto e largo e a
escuridão em seus olhos não vem apenas desta sala sombria.

Ele está vestido como Jasper, mas sem o blazer. Nele, sua camisa
desliza músculos definidos e sua gola abraça um pescoço grosso. O botão
superior da camisa está desfeito e a gravata levemente afrouxada, como se
estivesse ficando com calor.
Ao contrário de Jasper, ele é bonito como o inferno.

De repente, me sinto pequena demais para a minha idade.

— Trinity, este é Reuben. Ele está na mesma série que você.

— Oi. — eu consigo dizer, embora duvide que ele possa ouvir meu
sussurro a um metro de distância.

Seus olhos escuros me observam, sem mudar nem um pouco, e então se


fixam no padre Gabriel.

— Ela é uma garota. — Sua voz é profunda, como eu esperava, mas tão
melodiosa. O som solta uma engenhoca que libera um milhão de borboletas
em minha barriga.

— Observação perspicaz. — diz o padre Gabriel rindo. — A Trinity é


minha...

O celular de Gabriel o interrompe. Ele levanta um dedo, enviando um


sorriso apologético primeiro na minha direção, depois na de Reuben, antes
de sair da sala para atender a ligação.

Quando viro, Reuben está a menos de um metro de distância.

Meu coração pula do meu peito enquanto eu tropeço para trás.

— O que você está fazendo aqui? — Reuben exige.

— Um...indo para a escola?

Seus olhos escuros vasculham os meus.

— Você não parece tão certa disso.

Abro a boca para protestar, mas depois ouço tecido farfalhando atrás de
mim.

— Reuben, criança, mostre a Trinity o refeitório.

Volto os olhos ao padre Gabriel, desejando que ele entenda a mensagem


psíquica que estou gritando com ele.

Não me deixe sozinha com esse cara! Ele é um maldito psicopata!


Mas o padre Gabriel me dá um sorriso caloroso e um tapinha no ombro
antes de dizer.

— Jasper deve estar no refeitório. Ele pode mostrar sua primeira aula
esta tarde.

Minha pele coça e tenho certeza que é porque Reuben está me


encarando.

— Padre…!

— Sinto muito, devo ir.

Reuben assiste Gabriel sair, então seus olhos voltam para mim. Ele
enfia a cabeça e desliza um rosário no pescoço com cuidado reverente. As
contas de madeira sacodem enquanto ele a enfia debaixo da camisa.

Quando ele olha para mim, minha coluna se transforma em gelo.

Olhos como poças de alcatrão congelado me prendem onde estou. Se eu


pudesse meter o rabo entre as pernas e correr, teria saído daqui como um
rato que viu um gato. E o gato estava pronto para atacar.

Reuben passa por mim. Sinto um cheiro de algo doce e almiscarado no


ar que ele perturba quando recua e agarra meu pulso. Não tenho escolha a
não ser trotar atrás dele. É isso ou ele arranca meu braço. Ele não anda
rápido, mas por ser maior, cobre muito terreno, mesmo em seu ritmo lento.

Reuben não diz nada quando me leva da sala de oração e pelo corredor
até a sala de almoço. Olho um vislumbre do padre Gabriel antes que ele
desapareça ao virar o corredor. Se eu tivesse um pingo de bom senso, teria
chamado a ele. Tudo o que ele precisava fazer era olhar para trás. Quando
visse como Reuben estava me segurando, perce que algo estava errado.

Mas ele não olha para trás.

Acho que ele esqueceu tudo sobre seu mais novo caso de caridade.

Eu assisto as costas de Reuben o resto do caminho, hipnotizada e


horrorizada pela maneira como seus músculos se movem sob a camisa.

Quão facilmente ele poderia ter quebrado meu pescoço lá atrás.


Ninguém teria visto.

Ninguém saberia.

Minha pele arrepia com o pensamento.

Ele abre a porta. Uma onda de barulho caótico e cheiros intoxicantes


tomou conta de mim. Reuben me libera e avança. A porta quase bate no meu
rosto enquanto volta para uma dobradiça hidráulica. Eu pego bem a tempo.
Quando eu abro, Reuben desapareceu na agitação de meninos se movendo
enquanto eles vão encontrar seus assentos.

Felizmente, ninguém parece me notar parada aqui.

A multidão afina na hora certa, criando um canal aberto para o outro


lado do salão. Chame de milagre, mas através de alguma perturbação no
tecido do universo, vejo Jasper. Ele está sentado no final de um dos longos
bancos conversando com um garoto sentado em frente a ele.

Apenas mais um garoto em uma sala cheia de meninos. Mas pelo menos
eu sei o nome dele. Pelo menos ele não apenas me matou com os olhos.

Empurro meus ombros e vou para os cantos da sala, tentando encontrar


a maneira mais discreta de alcançá-lo.

Definitivamente não é a recepção que eu esperava.

JASPER olha duas vezes quando ele me vê parada ao lado dele. Foi
preciso toda a coragem que tive para atravessar o movimentado salão e
seguir até aqui. Ainda mais para desviar e pegar um prato de comida. Eu
estava esperando algum tipo de linha de buffet, onde funcionários em redes
de cabelo entregavam o que você queria no prato. Em vez disso, tive que
pegar a penúltima bandeja de alimentos coberta com filme plástico de um
balcão próximo.

O almoço de hoje é ensopado ralo e pão.

Este lugar está realmente começando a me lembrar de uma prisão.


Jasper se senta, a mão segurando o garfo flácido.

— O que você está fazendo aqui? — Ele sussurra furtivamente.

— Comendo? — Eu aperto minha bandeja um pouco mais. Os meninos


mais próximos se voltam para me encarar. Os próximos a eles olham, depois
os próximos e depois os próximos.

Todo mundo está me observando.

Todo o refeitório fica em silêncio.

Querido Senhor.

— Você pode se mover um pouco? — Peço baixinho enquanto minhas


bochechas esquentam.

— Foda-se. — diz Jasper, baixando a respiração, olhando de soslaio


para o garoto ao lado dele como se estivesse envergonhado pela minha
presença.

Eu cerro meus dentes.

— Por favor?

Ele balança a cabeça, mantendo os olhos no prato. Olho em pânico e


vejo uma lacuna na mesa ao nosso lado.

Antes de chegar lá, a lacuna desaparece.

Agora minhas bochechas estão pegando fogo.

Parece que todo garoto nesta sala está olhando para mim, mas quando
olho em volta, ninguém olha nos meus olhos.

Dane-se isso.

Meu nariz não pode subir mais alto no ar, então empurro meus ombros
para trás e desço o meio da sala como se pertencesse aqui.

Tecnicamente, eu pertenço. Sou estudante aqui tanto quanto qualquer


um desses idiotas. Eles não têm o direito de me tratar como uma bosta.

Apesar das minhas bochechas flamejantes, ou da maneira como minha


pele pretende rastejar for a de mim, eu chego até o outro lado da sala sem me
molhar. Abro a porta, meu coração trovejando no peito enquanto a porta se
fecha atrás de mim.

O alívio é breve, mas delicioso. O envoltório de plástico apareceu em


uma borda da minha bandeja e eu sinto o cheiro da comida embaixo. Não
parece muito, mas com certeza cheira bem o suficiente para comer.

Você pode fazer isso, Trinity Malone.

Um dia de cada vez, como antes. Um dia de cada vez, um após o outro,
venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade.

Amém porra.

MINHA INTENÇÃO TINHA SIDO para almoçar no meu quarto, se eu


pudesse encontrar o caminho de volta para lá. Mas eu mal tinha dado um
passo antes que alguém emergisse da escada mais próxima. Uma mulher
atarracada pelo menos duas décadas mais velha que o padre Gabriel trava os
olhos comigo.

Eu sorrio fracamente.

Ela franze a testa forte.

Meu sorriso murcha. Eu paro congelada no meu caminho. Ela pega o


ritmo, a saia do hábito estalando em torno dos tornozelos grossos.

— O que você pensa que está fazendo? — Ela exige enquanto me ataca.

— Almoçando? — É tudo o que sai antes que a mulher agarre meu


cotovelo, me gire e me empurre de volta do jeito que eu vim.

Eu tropeço no refeitório em meio a uma cacofonia de risadinhas,


engasgos e risadas.

Um segundo depois, a boca de todos se fecha.

—Mova-se. — A mulher rosna.

Começo por instinto, mas ela me pega acima do meu cotovelo.


— Você não.

Ela sobe à frente, apunhala um dedo para o garoto sentado mais perto
da porta e arrasta uma linha para o lado.

— Mova-se, Nelson! —

O garoto se levanta, agarra sua bandeja e quase tropeça nos próprios


pés com pressa para sair do caminho da mulher enquanto ela me arrasta
pelo chão.

— Sente-se.

Minha bunda bate no banco com tanta força que meus dentes clicam.

— Coma.

A mulher recua e bate palmas. — Crianças, esta é Trinity Malone. Ela é


uma nova aluna aqui. Cada um de vocês garantirá que ela entenda e obedeça
às regras de nossa escola, ou punirei todos e cada um de vocês. Eu fui clara?

—Sim, irmã Miriam — a escola ecoa em uníssono.

Estou olhando tanto para a minha comida que estou surpresa por não
estar acendendo.

A irmã Miriam solta um bufo, vira e começa a andar pelo comprimento


do corredor. Por alguns minutos, há apenas o som dos sapatos dela batendo
nos ladrilhos. Então, com outro tapa, ela late — Comam!

Facas e garfos de plástico raspam pratos de plástico.

Ninguém diz outra palavra.

Ninguém olha acima do prato, exceto eu. E eu só corro o risco de


espreitar por cima dos meus cílios.

Meu coração diminui de um galope para um trote, mas eu não poderia


comer se tivesse saído do deserto, vagando quarenta dias e quarenta noites
malditas.

Um dia de cada vez? Gostaria de saber se eu poderia passar o dia nesse


ritmo.
Sério, o que mais poderia dar errado?
CASSIUS: Temos um problema.

Eu bato meu dedo contra a lateral do meu telefone, acariciando meu


lábio inferior com a outra mão.

— Boa tarde, irmão Zachary.

Eu olho para cima e dou um breve aceno de cabeça para Simon. Os


alunos entram ordenadamente na minha classe, sentando-se como uma
dança lindamente coreografada. Minha aula de psicologia avançada é uma
das menores em Saint Amos, eu só ensino até uma dúzia de alunos em cada
série.

Eu retorno as saudações de “olas” e “boa tarde” antes de enfrentar o


quadro-negro. — Hoje vamos discutir epigenética. Alguém pode me dizer...?

A porta da minha sala de aula bate. Eu olho de volta para minha classe.

Todos os meus alunos estão presentes. É muito incomum um membro


da equipe me interromper depois que minha aula começou. Há muito que se
espalhou o quanto isso me irrita.

—Quem é?

A porta para imediatamente de bater. Em seguida, uma voz hesitante e


estridente diz

—Trinity.

Ela corta quando eu abro a porta e arranca suas mãos. Parece que ela
puxou a maçaneta em vez de empurrar.

Eu inclino minha cabeça.


— Posso te ajudar?

A garota dá um passo para trás e solta um cacho escuro do rosto. Ela


está vestindo roupas normais e uma expressão totalmente confusa.

— Sim...uh...esta é psicologia?

T. Malone.

Minha nova aluna.

Eu mal olhei para o memorando deslizado sob a minha porta esta


manhã. Minha mente estava em outras coisas. Coisas mais importantes.
Então, eu até esqueci de atribuir um assento a ela.

Eu dou um passo para trás e aceno para ela entrar, minha mente se
movendo a mil por hora.

Serei o primeiro a admitir que não estou mudando meu


comportamento. O que é importante para alguém que fará 21 anos em alguns
meses. Uma garota estranha aparecendo na minha porta não deveria ter me
abalado, mas fez.

Ela está na frente da classe, o bloco de notas apertado contra o peito


como um escudo. Um momento depois, seus olhos âmbar voltam para os
meus, agora ainda mais confusos do que antes.

Estalo os dedos para um aluno na primeira fila e aponto para a cadeira


atrás da minha mesa.

Ele se apressa, pega e coloca perto da parede.

— Você está atrasada. — eu digo, quando a garota continua olhando


para mim como se ela tivesse tido um derrame. — Não deixe isso acontecer
de novo.

Ainda assim, ela não se move.

—Você é meu professor?

Eu me endireito quando minha mão cai para o meu lado. — Você estava
esperando alguém diferente, Srta. Malone?
Como se percebesse o que disse, ela balança a cabeça e corre para seu
assento. Ouve-se um silvo suave quando ela se joga na minha cadeira e o ar
deixa o travesseiro. Sua pele clara parece ainda mais pálida enquanto suas
bochechas ficam rosadas de vergonha.

Demoro um momento para organizar meus pensamentos. Quando volto


para o quadro, a mensagem de texto em meus telefones volta para mim.

Seria esse o “problema” mencionado por Cassius?

Ela não está usando uniforme, o que indica que sua presença pegou
outras pessoas, como a irmã Ruth, que cuida da lavanderia, de surpresa.
Caso contrário, ela teria sido adornada com as cores de Saint Amos.

Seu corpo esguio, suas roupas mal ajustadas, a energia nervosa


vibrando através dela, eu a considero com dezesseis anos. Mas seus olhos
contam uma história diferente. Eles estão sublinhados com sombras, como
se ela não tivesse dormido muito, e não segura meus olhos por mais de um
momento antes de desviar o olhar.

Pode ser que ela seja tímida, mas suspeito que seja mais uma questão
de ela não querer revelar mais do que já o fez.

— Você enviou seus documentos para o escritório de administração? —


Eu pergunto, virando minhas costas para ela enquanto rabisco uma nota no
quadro-negro.

— Eu...eu não os tenho.

Eu me viro para ela, sutilmente ciente de que os outros alunos da minha


classe estão acompanhando nossa troca como uma partida de tênis
particularmente lenta, embora fascinante. — Qual escola você frequentou?
Vou solicitar para enviarem

—Eu fui...educada em casa.

—Ah. — Eu estalo meus dedos no aluno mais próximo a ela e volto para
o quadro. — Sente-se com Alex. Ele pode compartilhar seu livro com você.
Ela arrasta sua cadeira até a mesa mais próxima, e o menino
relutantemente desliza seu livro para o lado para que ela possa se inclinar e
ler com ele.

Educada em casa? Essa é a primeira vez para Saint Amos. Pelo menos
desde que me tornei professor aqui. A maioria de nossos alunos são crianças
de todo o estado que não podiam pagar aulas particulares e cujos pais, por
qualquer motivo, decidiram que não os queriam em uma escola pública.

Aqueles que ainda tinham seus pais, é claro.

Muitos alunos da Saint Amos são órfãos.

É esse o caso de Trinity Malone? Se sim, por que ela não está na escola
só para meninas em Devon? Sisters of Mercy nunca rejeitam ninguém.

Eu olho por cima do ombro. Trinity imediatamente volta seu olhar para
o livro, e suas bochechas ficam rosadas novamente. Eu acompanho o resto da
aula. A maioria dos meninos está espiando disfarçadamente para ela, alguns
escondendo o fato por trás das mãos ou levantando livros didáticos.

Estou totalmente ciente de sua presença durante o resto da minha aula


e me pego observando-a com mais frequência do que meus alunos. Talvez
seja porque ela é uma coisa nova e brilhante em um lugar geralmente cheio
de sombras e teias de aranha.

Preciso descobrir o que ela está fazendo aqui.

Se isso é de fato uma coincidência, então que seja. Mas se houver


alguma chance de ela atrapalhar nosso plano, teremos que nos livrar dela.

****

A nova garota não tem nada para guardar, exceto seu caderno. Ela o
aperta contra o peito enquanto segue em linha reta para a porta da sala de
aula. O sino ainda está tocando seu último gongo quando ela desaparece
porta afora sem sequer olhar em minha direção.
Meus alunos regulares saem da sala, cada um parando para me
agradecer ou desejar uma boa tarde antes de irem.

Muitos deles costumavam ter notas péssimas antes de entrarem na


minha classe no ano passado. A devoção e a paixão que coloco em cada aula
estão começando a aparecer. Com a minha ajuda, esses meninos obterão
uma vantagem inicial em seus diplomas.

Momentos depois que o último aluno sai da minha classe, a porta se


abre novamente.

Eu olho para cima. Meu corpo fica tenso logo quando um aluno entra
na minha classe. Ele espia para fora antes de fechar a porta silenciosamente
e girar a fechadura.

— O que é tão importante que não podia esperar? — Eu pergunto


secamente, endireitando as coisas na minha mesa enquanto Cassius Santos
se aproxima.

— E conserte a porra da gravata, Santos.

— Você pode parar de atuar, — Cassius descansa sua coxa no canto da


minha mesa enquanto ele cruza os braços sobre o peito e me olha de soslaio.
— Somos só nós.

—Monitores de corredor não zombam do código de vestimenta. Ou você


esqueceu que deveria ser um aluno exemplar?

O estudante de dezoito anos é alto e bem constituído. Olhos totalmente


azuis contrastam com um corte escuro que acentua seus traços ainda mais do
que um tufo de cabelo faria. Ele finge ajeitar as roupas, mas quando deixa
cair as mãos, a gravata ainda está torta e o botão de cima aberto.

— Tanto faz, — murmura Cass. — E não é o quê, aliás. É quem. — Ele


apunhala o polegar por cima do ombro. — Ela acabou de sair da sua classe.

Fecho minha gaveta e afundo em meu assento, recostando-me e


cruzando o tornozelo sobre o joelho. Não deveríamos nos reunir assim, mas
as outras salas de aula já deveriam estar vazias agora, as chances de alguém
nos ver são quase nulas.
— Não é a primeira vez que temos uma aluna, ou uma matrícula tão
tarde no semestre.

— Isso foi o que eu pensei. — Cassius estreita os olhos em fendas azuis.


— Mas então Rube veio falar comigo. Disse-me que o Old Scratch3 a estava
mostrando como um guia turístico. Ele parece pensar que eles são bem
unidos.

Eu encolho os ombros. — Vou dar uma olhada em seu arquivo esta


tarde. — Eu agarro meu tornozelo, pressionando meu polegar em um dos
tendões. É uma lesão antiga, que geralmente não me incomoda tanto no
tempo quente. Seu gêmeo no outro tornozelo também começa a doer, mas
deixo como está. — Se houver motivo para preocupação, você será o primeiro
a saber.

— E se ela estragar tudo, Zac? — Os braços de Cass apertam quando ele


se abaixa um pouco. — Levamos anos para chegar a este ponto. Se ela vai ser
uma daquelas freiras secretas que ficam perto de Lúcifer o tempo todo, como
vamos — ele abaixa a voz e se inclina para perto — nos livrar dele? Você nos
disse que só funcionaria se ninguém sentisse falta por uma semana. Se essa
garota for sobrinha dele ou algo assim, você não acha que ela vai notar se ele
desaparecer de repente?

Eu reconheço a tempestade se formando nos olhos de Cassius.

— Diga a Apollo para ficar de olho nela, se você está tão preocupado. —
eu digo.

— Irei assim que ele voltar. Ele esteve na floresta a maior parte do dia.
De alguma forma, consegui convencer a velha bruxa a deixá-lo sair do
terreno.

Meus olhos mudam para as vidraças. Elas estão no alto da parede e têm
menos de trinta centímetros de largura cada um. Eles não mostram nada do
mundo lá fora, exceto alguns pedaços do céu, as salas de aula são para
aprender, não para sonhar acordado. Mas conheço este lugar bem o

3Tradução Velho Criminoso. Apelido manteremos no original.


suficiente para saber a que distância essas árvores estão. É uma das coisas
que a equipe do Saint Amos ensina a todo aluno que frequenta, ninguém
passa da cerca. Se forem apanhados, são expulsos.

Muitos alunos se perderam naquela floresta, a maioria de seus corpos


nunca foram encontrados. Aqueles que foram? Quase não reconhecível
depois que os animais selvagens lá fora acabaram com eles.

Confiei em Apollo para abrir seu caminho para poder passar o dia lá
fora. Ele não tem mesmo estando aqui há um tempo. Este é meu segundo
ano no Saint Amos. Apollo se formou no ano passado, e Reuben e Cassius se
formarão este ano.

Fizemos questão de não chegar a Saint Amos no mesmo ano. Não


podíamos arriscar que alguém descobrisse o fato de que nos conhecíamos. É
por isso que sempre mantivemos nosso relacionamento com base na
necessidade de saber.

Uma risada seca escapa dos meus lábios.

— Foda-se minha vida.

— Eu prefiro foder ela.

Meus olhos voltam para Cassius.

— Sem chance. Você não chega perto dela até que saibamos quem ela é.

Algo pisca no rosto de Cass, mas desaparece antes que eu saiba o que
significa.

— Não foda com ela. — Eu estreito meus olhos para ele. — Na verdade,
nem mesmo olhe para ela.

— Sim, sim, chefe. — Ele me dá uma saudação simulada antes de deixar


minha sala de aula tão sub-repticiamente quanto entrou.

Meus músculos afrouxam, mas não tanto quanto deveriam. Se meus


irmãos estiverem tão inquietos e agitados quanto Cassius, poderemos
enfrentar um desastre.
Mas ele está certo, estamos ficando sem tempo. E essa garota não pode
ser ninguém… ou a pessoa que faz com que esta teia se desvende. Uma teia
que estamos construindo há anos.

Meu tornozelo lateja, mas eu ignoro desta vez.

Estou mais forte agora. Meu corpo não tem mais controle total sobre
mim.

Mas não tenho controle total sobre minha mente.

Foi uma troca que fiquei feliz em fazer. Um que todos nós fizemos em
algum momento de nossa jornada.

É por isso que ficamos juntos. É por isso que formamos nossa
irmandade de vingança.

Sozinhos, não éramos nada além de presas.

Juntos, nos tornamos o predador final.

****

Irmã Stella me oferece um sorriso caloroso quando eu passo pela porta


do escritório da administração naquela tarde. Embora Saint Amos tenha
apenas duas professoras, todos os funcionários da administração são
mulheres. As notas dos alunos, o material escolar e tudo o mais que a escola
precisa para funcionar são administrados a partir do aglomerado de
escritórios na ala leste do prédio principal da escola.

Emoldurada por seu hábito preto e branco, apenas o centro do rosto da


Irmã Stella é visível.

— Boa tarde, irmão. Posso ajudar em algo? — ela pergunta, levantando-


se de sua mesa.

Saint Amos tem linhas telefônicas e eletricidade, mas tudo parece ser da
década de 1960. Sem computadores. Sem internet. E como as linhas
telefônicas ficam desligadas com mais frequência do que funcionam, todos
dependem de seus celulares para manter contato com o mundo exterior.

Quando há serviço, é claro.

Certos lugares no campus não recebem nenhum serviço, como as


bibliotecas aninhadas nas profundezas das catacumbas desativadas.

Originalmente uma igreja, todos os edifícios originais permanecem


intactos. Quando este lugar se tornou um orfanato, as catacumbas eram
usadas como enfermaria. Atualmente, ele abriga a biblioteca. Não
convencional, uma vez que as salas de aula ficam a uns bons quinze minutos
a pé, mas mais econômico do que construir uma nova estrutura. Na verdade,
o prédio baixo e atarracado que abriga as classes é a estrutura mais recente
da propriedade.

— Eu gostaria de dar uma olhada nos documentos de Trinity Malone, se


ela tiver algum. Posso ver o arquivo dela?

Irmã Stella arregala os olhos para mim e balança levemente a cabeça. —


Sinto muito, irmão, só pedi esta manhã. Nós nem sabíamos que ela estava
vindo até que o reitor mencionou isso após as orações.

—Isso é estranho. — eu digo, apoiando meus cotovelos na mesa da


recepção e inclinando-me um pouco. — Por que ninguém foi notificado?

Stella dá de ombros. — Talvez isso tenha escapado da mente do reitor.


Ele está sob muito estresse no momento, com...

—Sim, eu entendo. — Eu não deveria tê-la interrompido, eu deveria ser


o tipo de pessoa que se preocupa profundamente com o estado de espírito do
padre Gabriel.

De certa forma, isso é tudo que me preocupa atualmente.

Eu esperava que seu arquivo já tivesse chegado. Por que sua chegada a
Saint Amos pegou tantas pessoas de surpresa? Duvido que isso tenha
escapado da mente de Gabriel. Ele é o homem mais inteligente e astuto que
já tive o desagrado de conhecer.
Seu arquivo teria me dito tudo que eu precisava saber. De onde ela veio,
qual é sua conexão com Gabriel e a escola. Ninguém apenas se inscreve no
Saint Amos, os alunos devem ser encaminhados pelo bispo de sua diocese.

Se eu souber quem é o contato de emergência dela, posso contatá-los e


descobrir ainda mais.

Mas não sem seu arquivo.

E talvez seja exatamente o que Gabriel queria. Talvez ele não queira que
ninguém saiba quem ela é, ou como ela está conectada com ele.

Por quê?

— Quando ele vai embora? — Eu pergunto, mantendo minha voz casual.

—Deixe-me confirmar. — Ela levanta um dedo, dando-me outro sorriso


doce como mel. Então ela vira um pouco a cabeça e grita —Irmã? Quando o
padre Gabriel vai embora?

— Quinta-feira à tarde, — responde uma voz de uma das salas que se


ramificam nesta área de recepção.

— E o arquivo dela? — Eu pergunto. — Quando você o receberá?

Stella se volta para mim. Seu encolher de ombros é quase invisível sob
seu hábito. — Avisarei você assim que chegar. Mas duvido que haja uma
documentação. Provavelmente alguns boletins e a história da família. Ela foi
educada em casa, sabe?

— Estou ciente, — murmuro. — Obrigado, irmã.

Quanto tempo terei para manter Cassius sob controle? Recuso-me a


fazer um movimento até saber como ela se encaixa em tudo isso. Pelo que
parecia, ela foi trazida aqui pelo próprio reitor.

Não estou bem com uma inocente sendo pega na briga. Planejamos isso
para que não houvesse nenhum dano colateral.

Nossa janela de oportunidade está fechando. Rápido.

E nunca haverá outra chance como esta.


— Hey, acorde!

Eu me sento, piscando forte enquanto tento me concentrar.

Jasper está inclinado sobre minha cama. Ele está vestido com as roupas
da escola. A última vez que o vi, ele estava usando shorts esportivos e um
colete.

Isso tinha sido ontem à tarde.

— Que horas são?

— Você não ouviu a campainha? É café da manhã, — ele se encaixa. —


Todos nós rezamos antes. Eles não vão deixar você ficar deitada, a menos
que esteja doente. Você está doente?

Eu gostaria de tê-lo convencido de que estou. Mas a única coisa errada


comigo é a convicção repentina de que perdi minha maldita mente. Eu dormi
durante o jantar? Não admira que meu estômago pareça um buraco negro.

Eu estava planejando tirar uma soneca rápida. Afinal, ninguém me


disse o que eu deveria fazer depois de terminar Cálculo, minha última aula
do dia. Jasper deve ter ido para a cama em algum momento, mas eu não me
lembro disso.

O que eu me lembro é como fiquei sem fala ao conhecer meu professor


de psicologia. Acho que ele não é muito jovem para ser professor, mas é
definitivamente muito bonito. Como é que alguém deve se concentrar?

Talvez seja por isso que ele escolheu ensinar em uma escola só para
meninos.
Jasper examina meu cardigã amarrotado e jeans. — Você não pode usar
isso.

— Sim, Deus, eu sei.

—Você não pode dizer isso.

— Você sabe o que? — Eu pulo da cama, tão perto dele que eu poderia
dar uma joelhada na virilha se eu quisesse. E querido Senhor, como eu quero.

—Você não pode me dizer o que fazer. — Eu cutuco seu peito.

— Se você não obedecer às regras, sou punido, — diz Jasper, inclinando


a cabeça. — Acha que gosto de receber chicotadas? Ninguém gosta de receber
chicotadas. — Ele se vira, abre o armário e arranca um conjunto de roupas de
um de seus cabides.

Não tenho tempo, ou espaço, para sair do caminho. Ele empurra o


pacote de tecido contra meu peito com tanta força que tropeço para trás e
acabo sentada na minha cama.

Ela range.

Eu franzo a testa para Jasper.

Ele me encara de volta.

— Coloque isso e leve a bunda para a capela do lado de fora. — Ele


aponta para mim. — E não se atreva a tentar sentar ao meu lado.

Com isso, ele se foi.

EU COLOCO as roupas de Jasper e corro para o corredor, mas ele não


está à vista. Este corredor possui apenas duas saídas, ambas com escadas.
Escolho o lado leste e corro pelo corredor antes de descer as escadas de dois
em dois degraus.

Eu respiro um suspiro de alívio quando vejo Jasper virando a esquina.

Correndo atrás dele, tento arrumar minhas roupas no caminho.


Sua camisa é muito apertada em volta dos meus seios, mas não se eu
mantiver os três primeiros botões abertos e usar sua gravata para cobrir meu
decote. Suas calças estão apertadas na minha bunda. Espero poder me sentar
sem rasgá-las.

A roupa parece ridícula com meus sapatos de bailarina, não tive tempo
de trocá-los, mas pelo menos eu só tenho que dobrar as bainhas uma vez
para não pisar neles.

Meu cabelo está um desastre. É super encaracolado em um dia bom, e


devo ter rolado no meu sono ontem à noite porque agora está uma bagunça
emaranhada. Mesmo tentar tirar o elástico dele traz lágrimas aos meus olhos,
então eu decido deixá-lo.

Pelo menos estou de uniforme. Agora Jasper pode parar de fantasiar


sobre ser chicoteado porque estou de jeans.

Eu chego no corredor do andar de baixo sozinha, sem nenhum colega


de quarto à vista.

As portas da sala de jantar estão abertas.

Está vazio.

Onde diabos estão todos?

Todos nós fazemos orações antes

Merda.

Na minha pressa para perseguir Jasper, eu tinha esquecido das orações.

Estou no prédio errado.

Meus seios se acotovelam enquanto me viro e corro para uma das


portas laterais que levam para fora do dormitório. Eu segui um grupo de
alunos do refeitório ontem, foi assim que encontrei meu caminho para a aula.
Se não fosse por eles, Jasper não seria capaz de se sentar para receber as
chicotadas que receberia.

Que idiota.
Eu vou para a capela. O crucifixo saindo do topo de sua pequena torre
torna-a fácil de detectar.

Bem à frente, um punhado de alunos corre em direção à capela. Estou


quase lá quando um movimento chama minha atenção. Olho por cima do
ombro e dou uma topada com o dedo do pé no mesmo instante em que avisto
alguém se afastando da sombra de um bordo4 próximo.

Perco a figura de vista enquanto pulo em um pé e cerro os dentes contra


a dor. Quando eu olho para trás, ele se foi.

Os finos cabelos da minha nuca se arrepiam.

Alguém estava parado ali. Cabelo na altura dos ombros, cor de areia ou
loiro, e uma câmera de vídeo na mão. Não é um celular ou qualquer coisa,
uma câmera de vídeo adequada com uma lente.

Talvez eu esteja alucinando.

Não seria a coisa mais estranha que aconteceria desde que coloquei os
pés neste lugar. Meus dedos do pé doem no mesmo ritmo do meu coração
martelando quando entro na capela.

A admiração lava a dor.

****

Isso É nada como nossa igreja em Redmond. Aquele lugar sempre me


lembrou um celeiro reformado. Podia acomodar duzentos lugares e
armazenar vários fardos de feno ao mesmo tempo.

Esse lugar?

Oh meu maldito Senhor.

4É uma arvore que possui uma folha muito famosa do Canadá, pois é o símbolo de sua bandeira.
Quem quer que tenha construído este lugar deve ter sido abençoado
com visões do céu. Talvez ele estivesse morrendo de sífilis ou algo assim.
Você teria que estar dentro do espectro para criar algo assim...

—Lindo, não é, Little Hussy5?

Eu imediatamente reconheço a voz. É o cara que me jogou contra o


armário ontem de manhã.

Tento girar. Ele aperta meus ombros, mantendo-me voltado para a


frente.

O pensamento desse cara me tocando faz minhas entranhas apertarem.


Eu deveria estar horrorizada, apavorada... mas por alguma razão meu corpo
não está na mesma página que minha mente.

Seu toque faz tudo dentro de mim se contorcer.

— Você pensaria que foi algum arquiteto louco e talentoso que


construiu este lugar, não é? — Sua respiração faz cócegas nos cabelos ao lado
do meu rosto. — Acontece que era apenas um louco religioso que sabia como
usar um martelo.

Ainda enraizado no lugar, não tenho escolha a não ser absorver, quero
dizer realmente absorver, este lugar. Tudo, desde o teto abobadado aos
vitrais imaculadamente projetados. O piso é uma obra de arte de cerâmica
com padrões hipnotizantes, tão brilhantes que refletem as fileiras de bancos
como um espelho.

Deve ter levado anos para ser construído.

— Melhor se sentar, Garota Nova. Old Scratch odeia quando chegamos


atrasados para as orações.

Então ele dá um tapa na minha bunda.

Duro.

5 Little Hussy – Pequena Vadia.


Meu sobressalto viaja pela capela como um estalo de chicote. Todo
mundo se vira para olhar para mim, alguns agarrando o encosto de seu
banco para se retorcer em seus assentos.

Não consigo imaginar como estou, parada na porta com as mãos


agarradas ao peito, o cabelo despenteado e as bochechas brilhando como
carvão em brasa.

Não fico nem um pouco surpresa quando a maioria dos meninos


começa a rir por trás de suas mãos.

Movendo-me em pernas bambas, me forço para o banco mais próximo.

Eu não me preocupo em olhar para trás. Eu já conheço o cara que


estava parado ali sussurrando em meu ouvido como se o próprio Satanás
tivesse ido embora.

Mas ele ainda deve estar me observando de algum lugar, porque alguém
está olhando para a parte de trás da minha cabeça.

Respiro fundo e solto o ar lentamente.

Pelo menos minhas calças não rasgaram. Hoje pode até ser um bom dia.

****

Parece que as duas primeiras filas são reservadas para professores e


funcionários. Eu olho para todos eles e tento descobrir quem eles são.

Vestido com vestimentas clericais completas, Gabriel entra na capela-


mor. Estou tão aliviada em ver um rosto familiar que estou piscando para
afastar as lágrimas.

Espero poder falar com ele antes do início das aulas. Eu sei que sou a
única aluna aqui, mas pelo amor de Deus, isso não pode ser normal. Talvez
se ele fizer um anúncio ou algo assim, como aquela outra mulher fez, irmã
Miriam? Ele pode dizer aos meninos para me deixarem em paz.

Eu empurro meus ombros para trás e me sento um pouco mais reta.


Mas então me lembro do que ele me disse ontem. Que os meninos por
aqui têm que merecer os privilégios. Eu acho que ele nunca pensaria em me
dar qualquer tipo de tratamento especial.

Após um breve sermão, o Padre Gabriel nos conduz na Oração do Pai.

Pai Nosso que estais no céu.

Santificado seja o teu nome.

Eu mal murmuro as palavras alto o suficiente para mover meus lábios.


Eu não estaria orando junto de forma alguma, mas acho que não vai doer.

O que mais posso fazer a não ser continuar jogando como tenho feito
durante toda a minha vida? O que são mais algumas semanas, meses, anos?

Talvez ao me tornar a aluna perfeita, eu ganhe um quarto particular.


Talvez até algum tipo de proteção contra os meninos.

É muito para esperar, mas tenho a teimosia da mamãe do meu lado.

Eu abaixo minha cabeça e aperto meus olhos fechados. Meus lábios


tremem enquanto luto comigo mesma. Mas desta vez, eu perco a batalha.

Os pensamentos inundam minha mente como óleo rançoso.

Como você pode me abandonar assim?

Você nem deveria estar naquele carro com ele.

Você deveria estar em casa, comigo.

Você é minha mãe.

Você me disse que me amava e então o escolheu em vez de mim.

Você sempre fez.

Eu mordo o interior do meu lábio até sentir o gosto de cobre.

Te odeio.

Eu odeio você!

Eu fodidamente ode...!

Uma mão pousa no meu ombro.


— Trinity?

Eu me afasto do toque e viro os olhos cheios de lágrimas para Gabriel.

— Padre. — eu consigo dizer com uma voz trêmula.

—Posso me juntar a você em oração?

Estou vagamente ciente de meninos passando por ele no corredor nos


observando atentamente.

Se eu falasse, começaria a chorar como uma criança, então me afasto


silenciosamente para o lado. Padre Gabriel se senta ao meu lado, sua coxa
quente e dura onde pressiona contra a minha. Com um sorriso rápido para
mim, ele se senta para frente e apoia os cotovelos no encosto em frente ao
nosso banco. Então ele junta as mãos e inclina a cabeça.

A culpa me corrói como uma pilha de vermes.

Ele pensou que eu estava orando enquanto ele passava, quando na


verdade eu estava amaldiçoando minha mãe morta.

Eu me abaixo, pressionando as pontas dos meus dedos curvados na pele


entre minhas sobrancelhas com força suficiente para machucar. Ajuda com o
tremor, e pelo menos agora estou escondida atrás da figura de Gabriel. Se os
meninos que estão passando quiserem ficar boquiabertos, não verão muito.

Mas mesmo agora, assim, protegida pelo reitor, alguém está me


observando.

Eles estão esperando que eu estrague tudo e me exponha como a herege


que sou?

Ou eles estão intrigados com esta estranha no meio deles?

Bem, fodam-se eles.

Quem quer que sejam, podem ir direto para o inferno.


Eu não me preocupo em encontrar alguém para se sentar no café da
manhã. Eu nem tinha planejado ir para o refeitório depois dos tempos
terríveis que passei na capela. Mas, no meu caminho de volta para o prédio
principal, a irmã Miriam vem direto para mim e caminha ao meu lado.

— Espero que você esteja bem, Srta. Malone?

Senhorita Malone.

Um leve formigamento abre caminho dentro de mim. Não sei por que,
mas todo o meu corpo ganhou vida quando o irmão Zachary disse meu nome
ontem. Na verdade, isso acontecia toda vez que ele olhava para mim também.

— Sim, obrigada. — Minha voz ainda está carregada de emoção. Não sei
quanto tempo o padre Gabriel e eu ficamos orando na capela. Parecia que
horas haviam se passado antes que ele se mexesse na cadeira e soltasse um
suave “amém” antes de se despedir.

— O que você está vestindo? — Miriam pergunta, exatamente no mesmo


tom que ela usou para me cumprimentar.

— Um uniforme? — Eu olho para mim mesma. Minha gravata mudou,


expondo meu decote.

Eu fico vermelho brilhante. Deve ter sido a corrida até aqui que causou
isso. Então estava assim o tempo todo que Gabriel sentou ao meu lado em
oração?

Apesar do que sempre pensei, morrer de vergonha não é apenas uma


possibilidade, mas parece destinado a ser asina da Srta. Malone.
— Venha me ver depois do café da manhã. — Ela se afasta e se dirige
para as salas de aula.

Alguém está me observando novamente. Eu examino tudo ao meu redor.

Não há ninguém a vista.

Eu fico olhando para as árvores distantes. Está tão escuro sob aquele
dossel denso que eles poderiam facilmente se mover nas bordas do terreno
sem serem vistos.

Arrepios aparecem na minha pele.

****

Quase consigo passar todo o caminho através do café da manhã sem


incidentes.

A caminho da mesa para colocar minha bandeja vazia, sinto olhos em


mim novamente. Desta vez, eu não hesito, eu imediatamente examino todo o
refeitório para ver quem está olhando em minha direção.

Muitos dos meninos ainda sentados nos bancos estão olhando para
mim, mas eles abaixam a cabeça quando eu faço contato visual.

Exceto o par de olhos no fundo da sala. Ao lado da mesa com urnas de


água quente para chá e café está o mesmo cara de cabelos cor de areia que eu
tinha visto do lado de fora da capela.

Desta vez, não há como confundir a câmera de vídeo em sua mão.

Ou o fato de estar mirando para mim. Ele não está olhando através dela.
Ele está observando a pequena tela dobrável.

Eu rapidamente coloquei minha bandeja em cima das outras. É hora de


dar o fora daqui. Minha bandeja vira toda a pilha. Eu estremeço quando as
bandejas caem no chão aos meus pés.

Nem todas elas estavam vazias.


Minhas calças, as calças de Jasper, agora estão salpicadas de aveia e
ovos escorrendo. Um pouco disso até entrou na porra do meu cabelo. Por
instinto, essas mesmas palavras desastrosas começam a passar pela minha
cabeça.

Não pode ficar pior do que isso.

Não pode ficar pior do que isso.

Mas fica.

Todo mundo começa a rir.

— Caramba, — alguém diz atrás de mim. — Você nasceu debaixo de


uma escada ou algo assim?

Eu me viro para Jasper, com medo de que o teto desmorone sobre mim
se eu fizer qualquer movimento repentino. — Sinto muito pelas suas roupas.

— Sim, eu também. — Jasper balança a cabeça. — Mas é meio


impossível ficar chateado com você.

Eu tiro uma bola de mingau de aveia da minha mão com um suspiro. —


Pelo menos eu vi isto vindo em minha direção.

—Você tem que tomar um banho. — Ele faz menção de agarrar meu
cotovelo, mas já tive todo o esforço que posso, bem, lidar.

Eu me afasto dele, levantando minhas mãos. — Apenas me diga onde


está.

Ele me encara por um segundo, depois ri e balança a cabeça. — Aposto


que vou ouvir sobre um cano de água quebrado em uma hora ou mais. — Ele
encolhe os ombros. — Mas ei, é por sua conta e risco.

****

Depois de usar o toalete no terceiro andar, eu presumi que o banheiro


seria um entre muitos. Uma sala privada com banheira e chuveiro,
possivelmente até mesmo uma combinação, para maior eficiência, e uma
bacia para os meninos se barbearem. Talvez até algumas baias.

Quão ingênuo da minha parte.

Saint Amós foi definitivamente uma prisão em uma de suas


encarnações anteriores. Igreja, prisão, orfanato, internato. Não é essa a
progressão natural de lugares como este?

Situado no segundo andar, o banheiro se parece mais com um vestiário.


À esquerda, uma fileira de pias e espelhos. À direita, uma parede de
chuveiros. Sem cortinas. Uma parede baixa separa cada par de chuveiros do
próximo.

Um longo banco divide o cômodo ao meio.

Porque tomar banho com seu colega de quarto aumenta a diversão.

Eu tremo só de pensar.

Onde diabos devo colocar meu absorvente interno? Ou devo me agachar


perto do banco quando ninguém está olhando?

Estou vagamente ciente de que preciso seguir em frente, a irmã Miriam


disse para encontrá-la depois do café da manhã, e acho que primeiro tenho
aula com o irmão Zachary, mas estou tão ocupada tentando não perder a
cabeça todas essas coisas desaparecem em segundo plano.

Eu tiro a roupa e corro para o chuveiro mais próximo. Espero que só


saia água fria, mas depois de alguns segundos fico deliciosamente surpresa
com um riacho morno.

Eu passo sabonete e xampu de marca sem nome, sem condicionador,


duh, em mim enquanto tento não pensar em pé de atleta 6. O fato de isso ser
tão bom é uma prova terrível de como os últimos dias têm sido uma merda.

Por mais que eu adorasse ficar aqui por alguns minutos e deixar a água
quente acabar com meu estresse, tenho certeza de que estou tentando o

6 O pé de atleta é uma infecção (fúngica) na pele dos pés.


destino. Quanto mais eu ficar aqui, maior a chance de alguém decidir que
precisa tomar banho, fazer a barba ou sentar-se em um banco sem motivo.

Eu me seco e coloco o vestido que trouxe comigo. Está longe de ser


lisonjeiro, nada em meu guarda-roupa esparso pode ser considerado sedutor,
mas ainda me sinto exposta quando o ar frio passa por minhas pernas e
braços nus. Até mesmo colocar meu cardigã não ajuda.

Hesito e, em seguida, jogo as roupas sujas de Jasper no que presumo


ser o cesto de roupa suja no canto do quarto.

Eu torço meu cabelo e seco-o com uma toalha enquanto corro de volta
para o meu quarto. Já que não tenho ideia de quanto tempo vai durar essa
coisa com a irmã Miriam, prefiro buscar meu caderno, para tê-lo comigo
antes da aula de Zachary.

Não me atrevo a chegar atrasada na aula de novo.

Há um envelope na minha cama.

Eu o abro e pego um cronograma de aula datilografado em uma


máquina de escrever.

TERÇA

7h00, Oração

7h30, Café da manhã

9h00, Inglês

10:00, Psicologia Aplicada

11:00, Livre

12h00, Almoço

E assim por diante, explicando cada minuto do meu dia até o último
sino, luzes apagadas. Era literalmente a hora de apagar as luzes quando
tocou na noite passada.

Não tive muito tempo para pensar em como as coisas seriam diferentes.
Eu adorava estudar em casa, mas nunca conheci outra coisa. Minha mãe era
uma excelente professora, mas às vezes também ficava de mau humor e me
dava um dia de folga para fazer o que eu queria. Em dias assim, geralmente
acabava na biblioteca local, lendo tudo o que conseguia.

Talvez estrutura seja exatamente o que eu preciso. Posso simplesmente


seguir minha programação dia após dia até que se torne meu novo normal.
Não precisa pensar.

Com sorte, até então, eu teria me enganado acreditando que poderia


haver algo como normal novamente.

Jogo a toalha no pé da cama, pego meu bloco de notas e desço o


corredor.

Estou na metade do caminho quando o sino da escola toca.

Merda! Já são nove?

Eu olho por uma das janelas por onde passo, mas é impossível ver onde
o sol está através do vitral.

Quem eu preferiria não irritar: Zachary ou a irmã Miriam?

Como não tenho ideia de onde está a irmã Miriam, ela tem um
escritório ou algo assim? escolho Zachary.

Com meu vestido balançando em volta dos meus joelhos e meu cabelo
pingando água no meu pescoço, eu corro pelo terreno e me precipito para o
corredor da sala de aula.

Lembro-me de empurrar a porta e não puxar desta vez.

Um ponto para a Srta. Malone, novecentos e noventa e sete para o


universo.

O irmão Zachary me olha do quadro-negro. Olhos verdes se estreitam.


Seu cabelo escuro é longo, mas cuidadosamente penteado para trás de seu
rosto em forma de diamante e queixo com covinhas.

Oh Senhor, ele é tão intenso quanto eu me lembro. E, como ontem, meu


corpo reage da maneira mais estranha. Tudo dentro de mim fica tenso e
então, quando penso que vou desmaiar por falta de oxigênio, meus pulmões
se enchem de ar.

Essa respiração me acalma um pouco, apesar de como o rosto de


Zachary endurece ao me ver.

Mas não ajuda em nada o formigamento dançando entre minhas pernas.

— Atrasada de novo, Srta. Malone.

Meu coração bate no ritmo de suas palavras, como se ele estivesse


controlando meus órgãos.

Se for, então ele é um bastardo cruel.

Porque, enquanto me forço a andar pela sala de aula, é como se ele


deslizasse para dentro de mim e começasse a brincar com minhas entranhas.

Eu deveria odiá-lo por ter tal efeito sobre mim.

Em vez disso, tudo que consigo pensar é ele me tocando. Não com os
olhos, mas com as mãos.

Eu sei que perdi muito na minha vida protegida.

Brincadeiras, Dormir na casa de amigos, filmes no shopping.

Beijar.

Sexo.

Sempre fiquei intrigada com o conceito. Como seria a sensação? Quem


seria o único a me deflorar?

Contra toda a lógica, resisti ao pensamento de que seria com o garoto


magricela e cheio de espinhas da nossa igreja com quem mamãe sempre
tentava me arrumar.

Meus sonhos giravam em torno de alguém muito mais parecido com


Zachary. Alto, bonito e carismático à sua maneira.

Talvez seja por isso que estou reagindo assim. Desde que comecei aqui,
fui bombardeada com meninos bonitos.

Bem, quatro, de qualquer maneira.


Duvido que me sentisse da mesma forma em relação a qualquer pessoa
desta classe. Mas não é apenas a aparência deles. Existe algo mais. Pelo
menos com o irmão Zachary, é um pouco mais óbvio. Ele exala uma aura
escura. Seus olhos de aço e a maneira como ele anda como se fosse o dono da
sala e de todos os móveis dentro dela.

Até os alunos.

Especialmente eu.

Cada vez que entro nesta aula, é evidente que estou entrando em seu
domínio, e só estou aqui porque ele permite.
Ontem, passei toda a minha aula de psicologia tentando ignorar o fato
de que aparentemente estava perdidamente apaixonada pelo meu professor.
Hoje não está indo muito melhor, mas pelo menos estou fazendo algumas
anotações.

Cada vez que ele olha para mim, eu coro.

—...próxima fase, que é pós-natal. Isso pode incluir negligência e o quê?

É o silêncio que me tira dos meus pensamentos. Recorri a olhar para o


meu caderno e rabiscar círculos nas margens para não pegar fogo.

Eu olho para cima.

Sim, todo mundo está olhando para mim.

E agora?

Relutantemente, olho para Zachary.

Ele está segurando um pedaço de giz contra o quadro, pronto para


escrever.

— Negligenciar e o quê? — Ele bate no giz, baixando um pouco a cabeça.

Querido Senhor, ele quer que eu responda? Minha boca se abre


enquanto meus olhos observam o diagrama que ele desenhou. Tudo isso soa
muito familiar. Tenho certeza de que mamãe já passou por essa parte do
currículo, mas na minha vida não consigo me lembrar de nada.

— Não sei.
Meu coração se transforma em chumbo quando a decepção escurece
seus olhos.

Ele se vira e aponta para um dos meninos.

— Eric?

—Abuso?

Zachary não diz nada, mas o barulho de seu giz fala muito enquanto ele
escreve a resposta.

— Obrigado, Eric. Abuso e negligência podem afetar a mudança


genética durante a fase pós-natal da vida de um indivíduo.

Eu mantenho minha cabeça baixa pelo resto da lição, nem mesmo


ousando olhar para cima quando ouço o silêncio. A menos que ele me chame
diretamente, não vou arriscar, porra.

Felizmente, ele me ignora pelo resto da aula. Quando a campainha toca,


estou tão nervosa que deixo cair o lápis duas vezes antes de enfiá-lo no bolso
do vestido. Ele se sobressai na metade, mas pelo menos tem uma chance
melhor de ficar lá do que na minha mão.

Tento me juntar aos meninos que estão saindo da aula, presumindo


ridiculamente que eles forneçam camuflagem.

Em vez disso, eu causo o caos.

Alguns deles recuam para me deixar passar pela porta primeiro. Outros,
como se sentindo que o Armagedom está a segundos de distância, aceleram
para que possam sair primeiro. Eu acabo sendo sacudida como um fliperama.

Zachary observa impassível, nem mesmo se preocupando em me pegar


quando eu cambaleio. Para minha própria segurança, espero de lado até que
todos saiam.

— Um momento, senhorita Malone. — Zachary diz, como eu sabia que


ele faria.
Eu tento manter a porta aberta, é colocada em uma dobradiça
hidráulica como o refeitório, mas Zachary põe a cabeça para o lado e isso é de
alguma forma um comando para eu me aproximar.

A porta fecha com um chiado.

Eu chego mais perto e tento desaparecer atrás do meu caderno.

— Não sou como os outros, — diz Zachary.

Uma risada totalmente histérica me escapa antes que eu possa fechar


meus lábios.

Os olhos de Zachary escurecem para o verde das sombras das árvores


enquanto ele se senta na beirada da mesa.

— Qual parte disso te diverte, Srta. Malone?

Eu mordo o interior do meu lábio e espero que seja o suficiente para me


impedir de perder a cabeça. Mas ele me espera, então eu balanço minha
cabeça e tento parecer mansa.

— É a parte em que você recebe penitência por aparecer continuamente


atrasada na minha aula?

Continuamente? Cara, é o segundo dia da minha miserável estadia em


Saint Amos. Tenha um pouco de...

— Ou é a parte em que você reprova nesta aula porque não se dá ao


trabalho de se aplicar?

Meu rosto esquenta. Eu gostaria de poder dizer algo, mas não confio em
mim para falar, especialmente porque ainda estou com vontade de rir.

Quem ele pensa que é? Ele está me tratando como uma criança de dez
anos. Não acredito que gostei desse cara. Ele é horrível.

— Só recebi minha programação esta manhã. — As palavras saem antes


que eu possa detê-las.

Zachary inclina a cabeça. Minhas entranhas se revolvem em minha


barriga com a intensidade de seu olhar.
— E sua voz? Isso também acabou de chegar?

Eu apenas balancei minha cabeça.

Seus olhos se desviam, como se de repente ele tivesse perdido a


paciência. Ele se levanta, dá um passo mais perto.

— Eu vou te dizer novamente. Eu não sou como os outros. — Ele se


curva e se abaixa.

Ele vai tocar minha perna nua. É por isso que ele me manteve de volta?
Ele está tão perto que posso distinguir os padrões em suas íris.

Sua pele perfeita, sua boca expressiva, os tendões de seu pescoço que
ficam tensos quando ele estica a mão.

Oh, Senhor, o quanto eu quero que ele me toque.

Mas não na minha perna.

Eu aperto minhas coxas juntas.

Lá.

É onde eu quero que ele me toque.

Bem entre o minha...

Zachary levanta meu lápis. — Eu não dou uma segunda chance. — ele
diz antes de enfiá-lo de volta no meu bolso. Que deve ter caído quando
aquele cara me esbarrou. — Estou atento a isso e sugiro que você faça o que
for preciso para chegar a tempo para a minha próxima aula.

Suas palavras não significam nada para mim. Estou hipnotizada pela
maneira como sua boca se move.

— Estou sendo claro, Srta. Malone?

Ele ainda está a um pé de distância, mas eu o quero mais perto. Quero


saber se seu toque será suave ou firme. Imagino que suas mãos grandes
exigirão do meu corpo o que ele exige da minha mente.

— Senhorita Malone. — Não é um grito, mas o estalo em sua voz passa


por mim como ele gritou.
— Sinto muito, senhor. — eu balbucio. — Eu prometo que não vou
chegar atrasada de novo.

A porta se abre. Irmã Miriam entra, o rosto avermelhado emoldurado


pelo hábito.

— Aí está você! — Sua boca se transforma em uma curva cruel. —


Espere por mim no corredor. — Ela estica o dedo e meu corpo se move sem
um único pensamento do meu cérebro.

Está abençoadamente fresco no corredor, abençoadamente quieto.

Posso ouvi-los falando, mas não consigo entender uma palavra através
da porta fechada. Eu pressiono minhas costas contra a parede e fecho meus
olhos, me recompondo com esforço.

Se o formigamento entre minhas pernas é alguma indicação de que vou


ter um inferno de tirar o irmão Zachary da minha cabeça hoje.

O que diabos está errado comigo? Por que de repente estou agindo
como uma adolescente com hormônios em fúria?

Sim, tecnicamente ainda sou uma adolescente, mas nunca fui...

Uma atrevida?

Quando a irmã Miriam sai, ela parece um pouco mais calma do que ao
entrar. Zachary parece ter esse efeito em todos, exceto em mim.

— Siga-me, — diz ela com uma voz ríspida.

— Uh...eu tenho inglês...

— Hoje não. Já falei com o seu professor.

Miriam me leva até o prédio principal, depois pelo refeitório e até a


grande cozinha. Algumas pessoas se movem pelo grande espaço, acho que se
você está alimentando tantos alunos, as refeições levam horas para serem
preparadas.

Tem um cara amassando pão por perto. Seus braços estão polvilhados
com farinha até os cotovelos, e seus longos cabelos loiros presos por uma
rede de cabelo. Ele olha para cima quando entramos na cozinha, e seus olhos
ficam em mim o tempo todo enquanto Miriam me leva pelo chão.

Há algo familiar sobre ele, e eu só entendo logo antes de Miriam abrir


outra porta e me levar para dentro.

Ele era o único com a câmera de vídeo.

Eu me viro, olhando por cima do ombro.

Ele está ereto, uma mancha de farinha na ponta do nariz. Ele seria
bonito se seus traços não fossem tão magros.

Hesito e depois aceno.

Ele me dá um sorriso malicioso.

****

Da lavanderia o ar bate em mim como uma toalha úmida e quente. Há


um punhado de mulheres e dois meninos mais novos aqui, todos
encharcados de suor. Lavadoras enormes ressoam ao longo de uma parede.
Lençóis limpos cobriam uma fileira de mesas no centro da sala comprida e
estreita.

Mais abaixo, prateleiras de uniformes passados aguardam para serem


entregues nos quartos dos meninos.

— Tire a roupa, — ordena a irmã Miriam.

Paro de andar e tusso como se tivesse engolido uma mosca.

— Desculpe?

Ela se vira, cruzando os braços grossos sobre o estômago.

— Eu preciso tirar suas medidas. Ruth!

Uma mulher mais velha levanta os olhos ao dobrar um lençol e se


apressa.

— Você encontrou algum?


— Sim irmã. — Ruth desvia e se dirige para uma das prateleiras mais
vazias. Cabides fazem barulho quando ela os arrasta para mais perto de nós
com rodas que rangem. Com um olhar em minha direção, ela começa a
mexer nas roupas penduradas no cabide.

— Você é surda? — Miriam pergunta. — Eu disse tira!

Eu olho para as outras pessoas na lavanderia. Todos eles estão de costas


para mim, mas os dois meninos estão olhando fixamente para seus baldes de
sabão que eu sei que eles vão espiar por cima dos ombros assim que ninguém
estiver olhando.

Eu cerro os dentes e reprimo uma onda de irritação. Lutar contra isso


não me fará nenhum favor.

Tiro meu vestido e o entrego a Ruth. Eu movo minhas mãos para tirar
meu sutiã.

— Deixe.

Minha pele se arrepia, mas um rápido olhar para os meninos mostra


que eles ainda estão absortos em sua tarefa.

— Vire-se.

Giro e, em seguida, ergo os braços para que Miriam possa me medir. É a


coisa mais estranha, ficar parada enquanto um completo estranho avalia o
quão grande e pequeno você é em todos os lugares importantes.

Meus pais me criaram não para ser vaidosa, mas não tem como você
fazer brotar um par de seios e não se olhar mais um pouco no espelho. Eu sei
que estou longe de ser perfeita, meus quadris e coxas são muito grandes e
meus seios muito pequenos em comparação. Eu meio que esperava que eles
crescessem um pouco para equilibrar as coisas, mas isso nunca aconteceu.

Olhos invisíveis se arrastam sobre minha pele novamente.

Não os meninos. Não as outras lavadeiras.

Eu examino a lavanderia.

— Conseguiu? — Miriam diz.


— Sim irmã. Mas eu não acho que qualquer um deles servirá.

— Eles terão que servir. Eu não suporto vê-la andando assim.

Suas vozes se transformam em ruído branco.

As portas da lavanderia, como as que ficam nas extremidades da sala de


jantar, têm janelinhas ao nível dos olhos. Eu mal as notei no caminho.

O padeiro está do outro lado da porta. Sem a rede de cabelo, seu cabelo
comprido e cor de areia cai em seu rosto. Ele o arrasta com o polegar e o
indicador, mas ele simplesmente cai para a frente novamente.

Ele é aquele que está me observando.

Qual diabos é o seu fascínio por mim? Primeiro a câmera de vídeo,


agora isso?

Sinto uma necessidade irresistível de cruzar os braços sobre o sutiã,


mas não tenho certeza se as irmãs já pararam de me medir. Ignorando
minhas bochechas avermelhadas, eu levanto meu queixo e olho para ele.

E daí se ele quiser olhar? Não há muito para ele ver. Apenas uma garota
de roupas intimas.

Seus lábios se curvam em um sorriso que imediatamente se transforma


em um sorriso largo. Ele pega os primeiros dois dedos da mão e os pressiona
contra os lábios. Então ele os toca no vidro.

Eu enrijeci. Em um piscar de olhos, ele se foi.

— Vire-se, — diz Miriam em uma voz sofredora. — Braços para cima até
o fim.

Elas deslizam um vestido na minha cabeça. É pelo menos dois


tamanhos maior para mim e chega ao meio da panturrilha. As cavas expõem
a lateral do meu sutiã, e o cinto é cinco centímetros mais baixo do que
suponho que deveria ser.

—Meu Deus, este é o mais próximo que você tem?— Miriam pergunta a
Ruth.

— Ela é pequenininha, — responde a irmã.


— Bem, ela não pode mais andar por aí com aquelas roupas de
prostituta dela.

Prostituta...?

Eu viro os olhos atordoados para a irmã Miriam, mas ela está olhando
tão duramente para a roupa que parece não notar.

Então, novamente, todas elas estão vestindo batas.

Espera…

—Eu tenho que usar um bata?— Eu sussurro.

Espero que elas não ouçam o horror em minha voz. Ruth balança a
cabeça, levantando um dedo para me responder.

— Não, não. Tem um vestido de escola. Simplesmente não fizemos


muitos deles.

Obrigada. Céus.

—Traga o vestido.

Veja só, há um uniforme de menina para este lugar.

É marrom.

É horrível.

E parece que foram feitos de feltro. Já posso dizer que vai estar áspero
como o diabo. Dou um passo para trás antes que possa me forçar a ficar
parada e deixá-las deslizar sobre a minha cabeça.

Sim. Eu pareço uma bosta.

Eu espreito por cima do ombro, mas não há ninguém perto da janela.

É estranho que eu prefira deixar aquele cara me ver de roupa de baixo


do que nesta monstruosidade?

— Você volta aqui esta tarde, — diz Miriam, deslizando um cinto claro
sobre minha cintura e puxando-o com força.

— Oh, eu não terei tudo pronto até lá, irmã. — Ruth protesta.
— Não para o vestido. — Miriam me vira ajustando meu vestido como
se pudesse torná-lo dois tamanhos menor puxando-o aqui e ali. Seus olhos se
fixam em mim. — É aqui que você vai passar as tardes.

Abro a boca, mas pela expressão no rosto de Miriam, sei que não há
discussão com ela.

—Sim, irmã — eu consigo dizer.

Senhor, tenho que começar a ganhar algumas estrelinhas com o padre


Gabriel. Não sei de que outra forma vou sobreviver neste lugar.
Meus outros professores são, em sua maioria, homens e mulheres de
meia-idade, nenhum dos quais é nem remotamente tão interessante quanto
Zachary. Minha mente vagueia em cada uma das aulas, e é cada vez mais
difícil trazê-la de volta ao assunto em questão.

O vestido me deixou com uma alergia na clavícula. Eu coço o resto do


meu corpo o mais furtivamente que posso, mas tenho certeza de que todos
na minha classe pensam que eu tenho lepra.

Pela primeira vez desde que cheguei a Saint Amos, fico aliviada quando
o sino toca para o almoço.

Eu não me incomodo em tentar encontrar Jasper, ele deixou claro que


prefere enfiar um garfo no olho a passar mais tempo comigo do que precisa.
Vou para o primeiro lugar vago que vejo.

Por sorte, eu reconheço o menino sentado à minha frente alguns


minutos em minha refeição de salsichas, molho, ervilhas e purê de batata.
Ele não parece que vai a lugar nenhum, então posso muito bem obter
algumas respostas.

— Você é amigo de Jasper. — eu digo, apontando para o garoto com


meu garfo.

Ele se afasta de mim como se estivesse preocupado que me estique e


enfie meus talheres nele.

— Sim, então?
— Então qual é o problema dele? Quero dizer, ele é genuinamente
apenas um idiota ou eu fiz alguma merda com ele em uma vida anterior?

O amigo de Jasper me observa com olhos de coruja.

— Ele...ele não gosta de garotas.

—Ninguém neste lugar gosta. — Eu esfaqueio uma ervilha perdida e


enfio na boca, estourando-a entre os dentes. — Diga-me algo que eu não sei.

Seu amigo balança a cabeça e depois se abaixa.

Estou com calor e frio por dentro. Eu quero tanto dar um soco na mesa
e fazer seu amigo me olhar nos olhos. Às vezes fico mal-humorada, mas
nunca deixo transparecer em casa. Prefiro suprimir até ficar sozinha.

As coisas são sempre mais fáceis de lidar quando você está sozinho.

— Qual o seu nome? — Eu pergunto, mudando para uma voz mais


suave.

O amigo de Jasper olha para mim, e então se mexe em sua cadeira


como se até essa pergunta o deixasse desconfortável.

— Perry.

— Perry...vou ser sincera com você. — Eu coloco meu garfo e coloco


minhas palmas sobre a mesa, espalhando meus dedos. Isso me ajuda a
manter a calma, e Perry pode ver que não estou empunhando um canivete ou
algo assim. — Eu tive algumas semanas horríveis. EU…

Por que isso é tão difícil?

Vamos, Trinity. Basta abrir a boca...

— Meus pais morreram. Recentemente.

Os olhos de Perry ficam ainda mais arregalados.

— Este lugar é tudo que eu tenho. Não vou brigar com ninguém. Por
que eu deveria? Isso só tornaria minha vida miserável.

Perry acena um pouco.

— Então, por que Jasper está me tratando como seu inimigo?


Perry pega uma ervilha e a pressiona contra os lábios, mas ainda não a
come.

— Porque você é uma menina.

— Besteira.

Perry dá de ombros.

— Então ele simplesmente odeia todas as garotas?

Eu me recosto. Perry parece aliviado enquanto enfia a ervilha na boca e


engole.

— Como posso mostrar a ele que não sou uma pessoa má?

Perry balança a cabeça. Come outra ervilha. Eu pego meu garfo,


brincando com ele.

— Nada, hein?

—Eu acho…

Eu sento para frente.

— Diga-me.

— Quero dizer...ele está tirando notas muito ruins em Literatura Inglesa.


E você está duas séries acima. Talvez você possa ensiná-lo? Eu tentei, mas
não sou bom em explicar as coisas.

Não tenho ideia se posso ensinar alguma coisa a alguém. Então,


novamente, eu nunca tentei. Não pode ser tão difícil, certo? E como não
tenho a menor ideia do que vou fazer comigo mesma depois de me formar,
acho que ficar aqui por um ou dois anos para dar aulas me daria tempo para
descobrir as coisas.

Se eu puder convencer Jasper a me deixar ajudá-lo.

Essa vai ser a parte mais difícil de todas.


Cascalhos estala sob meus sapatos. Sem lua esta noite, este caminho são
tão escuro quanto aqueles que seguem em direção aos estábulos e ao campo
de esportes. A esta hora da noite, os alunos e funcionários devem estar
acomodados em suas camas.

Há uma luminária fora da cripta, mas a lâmpada está quebrada há


meses. A tumba não é exatamente um lugar que os alunos gostariam de ir, e
até mesmo os funcionários a evitam. Superstição, é claro. Os únicos
cadáveres por perto são aqueles que estão nas poucas sepulturas do lado de
fora do cemitério.

Uma luz quente se derrama quando abro a porta. Se acontecer de


alguém olhar pela janela, eles podem me ver entrar, mas espero que eu não
seja reconhecível.

É um dos muitos motivos pelos quais escolhi este lugar para nossas
reuniões.

O interior da cripta é fresco e, apesar do tamanho da sala, velho.

Uma dupla fileira de colunas corta a sala pela metade, formando um


quadrado no centro onde se encontram com a segunda fileira de colunas que
se cruzam diagonalmente.

Não sei quem daria uma aula ou um sermão improvisado neste lugar,
mas se o fizesse, parece que o máximo de lugares permitidos não seria mais
do que uma dúzia dentro daquele quadrado fundo.

Doze assentos
Doze apóstolos.

Apenas três desses assentos estão ocupados.

Apollo ri enquanto se inclina para frente, virando sua câmera de vídeo


para que Cassius possa ver a tela de reprodução. Reuben está vigiando a
entrada. Ele se senta ainda mais ereto quando eu entro no quadrado.

O cheiro de maconha atinge meu nariz.

— Cristo, eu quase sinto pena dela. — Cass diz, e então olha para mim.
— Você demorou, chefe. Tudo certo?

— Nunca estive melhor, — eu digo enquanto afundo no assento mais


próximo de Cassius.

— Apollo a gravou. — Reuben diz, sua voz impregnada de desaprovação.

— Esse era o plano. — Eu estendo a mão para a câmera.

— Eu não sei por que ela entrou lá. — Apollo fala arrastando um sorriso
enquanto passa a câmera para mim. — Teria tentado um foco melhor se
tivesse.

Ele e Cássio riem disso. Eu viro a câmera.

Trinity é um pontinho na pequena tela até que Apollo se aproxima com


sua câmera.

Fecho a tela sem me preocupar em assistir mais.

Apollo ergue as mãos.

— Você perdeu a melhor parte.

Eu seguro a câmera fechada.

— Não foi isso que eu quis dizer.

— Você disse para cuidar dela. Sou eu a observando.

— Tomando banho?

Qualquer cara normal pode ter baixado os olhos neste momento. O


sorriso de Apollo fica mais largo.
— Ela fez um bom trabalho. Tenho certeza de que não havia um único
ponto onde ela …

Assim que eu movo meu olhar dos olhos de Apollo, ele me corta. Com
uma bufada, ele afunda na cadeira e passa as mãos pelos cabelos, sem
sucesso enfiando a maior parte atrás das orelhas. Ele tem quase vinte e dois
anos, mas você pensaria que ele é o mais jovem da Irmandade.

Eu fico olhando para cada um dos meus irmãos por sua vez.

— Ela não é uma ameaça.

— Você viu o arquivo dela? — Cass se senta para frente, um pedaço de


madeira balançando na ponta dos dedos. — O que está escrito?

Irmã Stella havia enviado uma mensagem para mim esta tarde. O
arquivo de Trinity havia sido enviado por fax.

De sua assistente social.

Trinity Malone era órfã, como eu suspeitava. Educada em casa por seus
pais desde que ela era criança, seu arquivo tinha apenas alguns boletins e
alguns detalhes básicos. Endereços, números de contato, esse tipo de coisa.
Tudo inútil, já que seus dois contatos de emergência já haviam morrido.

Sem referência. Nenhuma indicação de porque ela acabou aqui em


Saint Amos.

— Alguém quer que pensemos que ela não é ninguém.

Cass e Apollo gemem. Reuben diz baixinho. É muito difícil para ele se
envolver em uma conversa.

— Se houver algum tipo de relacionamento entre ela e Gabriel, o


arquivo não menciona isso.

— Estamos fazendo isso? — Apollo pergunta, sua voz tagarelando de


nervosismo. Colocando sua câmera aos pés, ele enfia as mãos sob as axilas e
estreita os olhos para mim.
Eu agito meus dedos para Cass, e ele me passa o baseado. Eu olho para
cada um deles conforme eu fumo, diagnosticando seus estados mentais da
melhor maneira que posso.

Estou há um ano no curso de psicologia. A psique humana me fascinou


desde que percebi o quão fodida uma pessoa pode ser.

Ou, tornar-se.

Natureza versus criação.

Precisamos nos recompor antes de agirmos. Perguntar diretamente aos


meus irmãos se eles estão em bom estado de espírito vai me render qualquer
coisa, desde a verdade nua e crua até uma mentira descarada. Mas eu os
conheço há quinze anos. Somos irmãos por completo. Posso lê-los como leio
as escrituras, cortando todas as metáforas e anedotas idiotas, direto ao ponto.

— Você está errado. Ela é alguém. — Reuben diz, assim que meu olhar
pousa nele.

Ele poderia colocar qualquer um de nós no chão em um piscar de olhos.


Mas ele sempre foi cauteloso. Às vezes, cauteloso demais para o seu próprio
bem, assim como Apollo faz merda sem pensar muito.

Cass e eu, estamos em algum lugar no meio. Às vezes cautelosos, às


vezes imprudentes.

— Por quê? — Eu digo.

— Ele a conhece há muito tempo.

Eu nem mesmo tento adivinhá-lo. Juro por Deus, gostaria que Reuben
entrasse na minha aula de psicologia. O que ele entende intuitivamente sobre
a maioria das pessoas, levaria anos para aprender. Talvez seja porque ele
ouve antes de falar. Foi ele que nos indicou o padre Gabriel em primeiro
lugar, por meio de um encontro casual em uma das paróquias do reitor.

Por quase uma década, estivemos perseguindo um fantasma. Depois


que Reuben conheceu Gabriel pessoalmente. Então, nosso fantasma de
repente tinha um nome e um rosto.
— Não quer dizer que ela... — Apollo começa.

Reuben nem mesmo para. Quando ele fala, ele não se permite ser
interrompido.

—Ele a trata como família.

Todo mundo fica tenso com isso.

Todos.

Gabriel não tem família. DNA como o dele não foi feito para ser
transmitido. Só Deus sabe o mal que sua descendência traria a este mundo.
Se ele engravidasse alguma garota, ela daria à luz uma cabra de duas cabeças.

Há uma pausa enquanto todos se certificam de que Reuben terminou.


Então Apollo se senta para frente em sua cadeira e estala os dedos para mim.
Eu passo o baseado para ele sem tirar os olhos de Rube.

— Nada em seu arquivo indica que ele a conhece.

Mas, como Rube, estou convencido de que é intencional.

— Se você visse o que eu vi, você não pensaria que ela era tão especial,
porra. — Apollo diz em uma voz firme enquanto passa o baseado para Cass.
Quando ele continua, a fumaça sai de seus lábios.

—Aquela bruxa a despiu como se ela fosse uma daquelas manequins de


loja. — Apollo gesticula com mãos compridas e dedos finos. —Não foi
educada também.

— Gravou isso na camera? — Cass passa a bituca para Rube, mas o cara
o ignora.

— Nah, cara. Eu estava trabalhando. Apollo coça o braço. — Os caras


não gostam quando eu os filmo na cozinha.

— Porque então todos nós saberíamos quem cospe na nossa comida. —


Cass diz com um sorriso malicioso.

Apollo solta uma gargalhada.

Ainda estou olhando Rube. E ele está me observando.


— Mesmo que ela seja a porra da filha dele, — eu digo, —como ela pode
foder isso para nós?

Reuben dá de ombros, um gesto impressionante em um cara com seu


tamanho.

— Não podemos arriscar. Esta é a última chance que temos.

— Exatamente! — O pé de Apollo começa a bater. — É a nossa última


chance de merda. Nós não fazemos isso, nós temos merda. Nada. Porra de
nada.

— Relaxe, — murmura Cassius, entregando o baseado de volta para


Apollo. — Nós vamos descobrir isso.

Apollo está certo. Pela primeira vez, o tempo não está do nosso lado.

Eu faço contato visual com Cass. Ele está me olhando com tanta
intensidade que já sei o que ele vai dizer.

— Temos que tentar — Cass se levanta. — Mesmo que seja uma merda.
Mesmo se formos expulsos, isso acaba com ele, de uma forma ou de outra.

— Sente-se, — murmuro.

— Você sabia que esse dia estava chegando.

— Sen-te-se

Ele o faz, mas com má vontade e o tipo de boca amuada que eu


esperaria de Apollo.

Rube está olhando para um buraco na minha cabeça. Eu apoio meus


cotovelos em meus joelhos e entrelaço meus dedos. Meus tornozelos estão
começando a latejar, mas não quero chamar atenção para o fato esfregando-
os.

— Então eu voto sim. — Eu olho de lado para Reuben quando ele


permanece em silêncio. — Tem que ser unânime, irmão.

A cadeira de Reuben range quando ele muda de posição. Apollo e Cass


terminam a erva entre eles no tempo que ele leva para falar. Quando ele
finalmente olha para mim, a determinação brilha em seus olhos.
— Não. — ele diz.

Eu só percebo que estava prendendo a respiração quando ela sai de


mim em um silvo.

Não.

Claro que não.

Reuben não se arrisca. Se houver a menor chance de algo dar errado,


ele recua.

Apollo surge. — Jesus, porra, Cristo. — Ele sai da cripta.

Cass solta um suspiro, pega a câmera de Apollo e dá de ombros para


nós antes de sair trotando atrás dele.

O silêncio é filtrado entre Rube e eu por longos minutos antes de eu


soltar um suspiro e esfregar minhas pálpebras. — Tem certeza sobre isso?—
Eu pergunto baixinho.

— É claro, — diz Reuben. — Ela é...

— O quê, Rube? — Meu próximo suspiro é exasperado. — O que é ela?

Ele bate os polegares na lateral dos joelhos e, em seguida, olha


lentamente para mim. — Ela é uma de nós.
Eu me certifico de que estou acordada antes do primeiro sinal tocar.
Enquanto trabalhava na lavanderia ontem à tarde, tive muito tempo para
pensar.

Eu quis dizer o que disse a Perry.

Este lugar é tudo o que tenho.

Então eu tenho que fazer isso funcionar. Foda-se se sei como, mas se
vou passar uns bons três ou quatro anos aqui, preciso fazer as pazes com os
nativos.

Começando hoje.

Eu corro a mão pelos meus cachos enquanto me sento na cama. Estava


muito frio para dormir com meu pijama usual, boxers de algodão e um colete,
então eu coloquei um suéter antes de rastejar para debaixo das cobertas.

Jasper afasta o cobertor com um gemido e, em seguida, balança as


pernas para o lado da cama e boceja. Quando ele me vê olhando para ele, ele
congela.

— O que? — ele exclama, indo pegar suas roupas no armário.

— Eu já disse que estou pensando em me tornar uma professora?

Jasper coça o quadril sem responder. Ele puxa um par de roupas e as


joga na cama. Acho que ele não vai tomar banho esta manhã. Embora, pelo
cheiro de suor escorrendo dele, ele realmente deveria.
Eu ainda adoraria saber o que ele fez para ficar preso a mim como
colega de quarto. Mas isso chegará com o tempo. Logo depois de transformá-
lo em meu melhor amigo.

— O fato é que eu fui educada em casa. — eu continuo enquanto começo


a desembaraçar meus cachos com meus dedos. — Na verdade, nunca tive
ninguém com quem praticar.

Os sapatos de Jasper batem no chão e ele os calça sem se preocupar em


calçar as meias primeiro.

— Boo7 para você, — ele murmura, e sai da sala em seu calção e colete.

Acho que ele está acostumado com o frio.

— Porra, — murmuro para mim mesma.

Acho que ele não é uma pessoa matinal. Bem, pelo menos eu plantei a
semente. Vou tentar novamente no café da manhã.

Devo tomar banho antes do início das aulas?

Jasper deixou a porta aberta. Garotos seminus de todas as idades fluem


de um lado para o outro do corredor, alguns com toalhas penduradas nos
ombros.

Eu farejo minhas axilas e encolho os ombros. Pelo menos eu não cheiro


tão ruim quanto Jasper.

Padre Gabriel nos conduz em oração na capela. Como cheguei aqui cedo,
tive minha escolha de lugares. Eu não queria que ninguém se aproximasse de
mim de novo, então estou sentada perto da frente. Assim, Gabriel pode me
olhar.

Mas assim que o reitor termina de falar para a escola e ler a escritura de
hoje, ele sai do palco. Nem mesmo um olhar em minha direção. É como se
ele tivesse se esquecido completamente de mim.

Hesito por um segundo e, em seguida, corro atrás dele antes que possa
me acovardar. Espero que não seja uma área restrita, porque preciso saber o

7Um tipo de vaia.


que posso fazer para ganhar meu próprio quarto. E um uniforme escolar
adequado. Aquele que não vem pré-instalado com piolhos.

Abro a porta que Gabriel desapareceu atrás e caminho direto para ele.

— Trinity? — Ele franze a testa para mim e, por apenas um segundo, há


algo muito hostil em seus olhos.

— Padre. Eu, eu sinto muito eu apenas,

Seus olhos amolecem da madeira ao chocolate aveludado.

— Graciosa, estou tão envolvido, não tive a chance de verificar com você.
— Ele agarra meu braço e me leva a uma mesa próxima com um conjunto de
cadeiras. — Como vai você, criança?

Eu afundo, mas ele permanece de pé, me forçando a esticar o pescoço


para olhar para ele.

—Estou me ajustando. — eu admito. Eu ia adoçar a situação, não


adianta reclamar quando estou tentando mostrar a ele como posso me
adaptar bem, mas ele sempre teve um jeito de extrair a verdade de mim.

Ele teve o mesmo efeito na mamãe e no papai? Disseram-lhe coisas sem


querer?

Coisas ruins?

Coisas Pecaminosas?

Eu afasto o pensamento. Este lugar está me fazendo pular nas sombras.


Como alguém pode suportar isso?

— Eu imagino que sim. Diga-me, o que você está achando das aulas?
Seus professores têm sido amáveis?

Professores.

Claro! Essa é a minha entrada.

— É por isso que estou aqui. — Eu torço minhas mãos no meu colo e
forço as palavras antes que eu possa perder a coragem. — Existe uma chance,
quero dizer, você acha que eu poderia tentar e...?
— Você pode falar livremente, criança. — Gabriel diz. Ele muda seu
peso, olhando para o mundo todo como se pudesse ficar ali o dia todo
enquanto eu lutava contra minha língua.

— Eu quero ser uma professora.

Ele acena com a cabeça, espera.

— Eu gostaria de dar aulas aqui quando terminar o ensino médio. Isso


é...isso seria...?

Gabriel segura meu rosto com a mão. Começa como um gesto íntimo,
mas não me afasto. A última coisa que quero é ofendê-lo. Seu sorriso
geralmente vazio se aprofunda. Não é a primeira vez que vejo suas covinhas,
mas não consigo me lembrar da última vez em que ele parecia tão feliz.

—Você realmente é uma garota notável.

A pressão brota por trás dos meus olhos. Eu deixo cair meu olhar, mas
ele me mantém mirando o alto com aquela pressão suave no meu queixo.
Suas mãos são quentes, ligeiramente calosas, o que é estranho para um
clérigo.

— Isso é um sim?

—Eu adoraria nada mais do que isto,— diz ele.

Ele se vira para sair, então faz uma pausa e se vira.

— Vou enviar alguém para buscá-la esta noite.

Eu estava me levantando. Meus joelhos travam, deixando-me meio


agachada de maneira estranha.

— Uh...por quê?

— Devemos jantar. Deus te abençoe, Trinity.

Quase consigo responder.

Quase, mas não exatamente.


As orações da manhã foram mais curtas do que ontem. Apesar do meu
encontro com o padre Gabriel, chego ao refeitório muito antes de todos os
outros. Já que não sei quando Jasper chegará, decido me esconder no canto
perto das urnas e tomar uma xícara de café. O que significa que estou
sozinha com o estudante louro de cinema quando ele traz um carrinho cheio
de bandejas de café da manhã.

No começo, ele não me vê.

O café deve me dar uma fagulha de coragem, porque, quando ele acaba
de desempacotar o carrinho de comida, atravesso o corredor e venho atrás
dele.

Eu abro minha boca, mas ele me vence.

— Belo vestido, — ele diz. — Realmente realça seus olhos.

Eu congelo no local. Bonito vestido? Este tecido é tão duro que eu


poderia sustentá-lo no meu armário, sem necessidade de cabide.

— Por que você continua me filmando?

— Filmando você? — Ele se vira, me observando por um segundo com o


canto do olho. Retiro o que disse antes, ele é bonito, talvez por causa de seu
nariz pontudo e maçãs do rosto em forma de lâmina. Isso o faz parecer uma
raposa, especialmente quando ele estreita os olhos castanhos mel.

— Agora, por que eu fiz isso?

— Isso é o que eu gostaria de saber.


— Você realmente acha que é tão bonita? — Ele pousa a bandeja que
estava segurando e se vira para mim. Quando ele dá um passo à frente, eu
dou um passo para trás no automático. — Ou você é tão vaidosa?

Agora estou me arrependendo de ter vindo até aqui. Eu pensei que teria
a vantagem, mas...

Sem aviso, o cara enfia um cacho perdido atrás da minha orelha.


Quando seus dedos tocam minha bochecha, eles deixam para trás uma carga
estática que é aterrorizante e estimulante.

— Pare de me filmar ou vou denunciá-lo.

O cara estreita os olhos novamente.

— Para quem você vai contar?

Minha mente embarca para a pessoa mais assustadora neste lugar. —


Irmã Miriam. — eu digo, projetando meu queixo no ar. — Ela não vai tolerar
isso.

— E se ela for a pessoa que me disse para filmá-la em primeiro lugar? —


Ele estende a mão para mim novamente, e desta vez eu dou dois passos para
trás.

Agora, os meninos estão começando a entrar no refeitório. Felizmente,


um deles é Perry. O cara loiro olha para a porta e depois de volta para mim.

— Eu tenho trabalho a fazer, linda. — ele fala com um sorriso malicioso.


— Vou pegar o inferno se você me distrair por muito mais tempo.

Ele rapidamente descarrega o resto das bandejas e empurra o carrinho


sem olhar para trás. Eu começo atrás dele, mas então paro. Não tenho
coragem de exigir o nome dele. Quer dizer, eu mal me mantive firme.

Pego uma bandeja e fico pairando ao redor da mesa até Perry subir para
pegar uma também. Ele já me viu da porta. Quando ele chega perto, ele se
move como um cervo nervoso, como se estivesse convencido de que vou
atingir sua garganta.

—Dia!
Ele se encolhe.

— Ei.

— Dormiu bem?

— O que você quer? — Ele pergunta, franzindo a testa para mim


enquanto pega uma bandeja e dá um passo para trás. Eu parecia assim
quando estava me esquivando do cara loiro? Como um coelho nervoso
enfrentando um lobo?

Eu sou uma covarde.

Aqui estou, minutos depois de o reitor me dizer o quão notável eu sou, e


mal consigo manter uma conversa?

Dane-se isso.

Estou no banco do passageiro há muito tempo enquanto um motorista


anônimo me leva do ponto A ao ponto B. Hora de assumir o volante.

—Eu queria te agradecer. — digo a ele.

Ele olha para trás com cautela quando eu o sigo até seu assento. Sento-
me ao lado dele antes que ele tenha a chance de protestar e, um momento
depois, outra criança o encurrala do outro lado.

— Pelo que?

— Eu realmente acho que posso ajudar Jasper. — Eu coloco minha mão


em cima da de Perry. — Eu quero ajudá-lo. E se eu puder, e ele passar, ele
tem que agradecer a você por isso.

Perry me encara por um segundo como se eu o tivesse pego totalmente


desprevenido.

— O que diabos você está fazendo aqui?

Perry afasta sua mão e abaixa a cabeça. Eu me viro e sorrio para Jasper.

— Esperando por você, bobo. — Eu aponto para o espaço vazio à nossa


frente. — Eu quero falar com você sobre uma coisa.
Jasper rosna algo que poderia ter sido uma maldição, era
definitivamente uma maldição, mas ele se senta de qualquer maneira,
estremecendo o último centímetro do caminho como se ele não pudesse
suportar a ideia de tomar o café da manhã comigo.

— Então fale. — ele diz, tomando um gole barulhento de sua xícara sem
fazer contato visual.

—Eu preciso de um aluno para dar aulas particulares. Você conhece


alguém que precisa de ajuda?

Jasper franze a testa para mim e, em seguida, move aquele olhar para
Perry.

— Não. — ele diz. — Pergunte aos professores.

— Oh, certo! —Eu estalo meus dedos e aponto para ele. — Claro. Por
que não pensei nisso?

Porque não quero tentar ensinar qualquer criança. Jasper não gosta de
mim, mas ele parece inteligente o suficiente. Quero mostrar ao padre Gabriel
que posso fazer isso, por isso vou buscar primeiro um fruto mais fácil. Além
disso, se eu conseguir fazer com que ele pare de me tratar como uma merda
enquanto ainda sou sua colega de quarto, isso tornaria minha vida muito
mais fácil.

Dois pássaros, uma pedra.

Jasper raspa a colher em seu mingau de aveia por alguns segundos. Eu


bebo meu café e dou uma mordida na minha torrada, feliz por calar a boca e
esperar.

Eu não acho que ele vai tentar, quando de repente ele pergunta

— Isso vai me tirar do treino de natação?

— Isso o que? — Eu pergunto com a boca cheia de torrada. Sei que estou
forçando, mas preciso que ele pense que foi ideia dele.

— Aulas extras.

— O que? Para você? Você precisa de aulas extras?


— Você disse que precisa de prática.

— Eu preciso. — Eu largo minha torrada e limpo minhas mãos. — Sim,


eu acho que eu poderia fazer algumas com você. Só enquanto eu descubro as
coisas. Com o que você precisa de ajuda? É matemática? Eu poderia def...

— Inglês, — Jasper interrompe.

Eu aceno, franzindo um pouco a testa.

— Ok. Vamos fazer isso. — Eu estendo minha mão.

Ele fica olhando para ela até eu colocá-la de volta no meu colo.

— Vejo você às três, — diz ele.

Eu o saúdo com minha caneca de café.

E assim, senhoras e senhores, é como se faz.

****

Eu não arrisco irritar Jasper, juntando-me a ele no almoço. Em vez


disso, sento de lado e mastigo um sanduíche ligeiramente encharcado de
queijo e tomate enquanto dou uma olhada nas fileiras de meninos. I A Irmã
Miriam aparece em nossas refeições tão aleatoriamente, como se estivesse
fazendo uma verificação pontual. Os meninos parecem ter desenvolvido um
sexto sentido em torno disso. Segundos antes de as portas da sala de jantar
ou da cozinha se abrirem, todo o corredor silencia.

Assim que Miriam subiu e desceu algumas vezes, ela foi embora.
Segundos depois, os níveis de ruído voltam ao normal.

Talvez eu consiga pegar o jeito deste lugar. Não pode ser tão difícil, não
se todos esses meninos conseguirem coexistir.

Eu não tenho psicologia hoje, e isso é bom para mim. Se eu tivesse,


provavelmente torceria meu tornozelo no caminho para a aula de Zachary e
chegaria tarde...de novo. Só Deus sabe que penitência ele vai me atribuir.
Ele é o tipo de professor antiquado e me puxaria sobre seus joelhos? Eu
não acho que essa merda seja permitida mais, mas Jasper não parecia estar
brincando sobre receber chicotadas.

Vou para o meu quarto um pouco antes das três. Eu não quero que
Jasper espere por mim no caso de perder a coragem e matar nossa primeira
aula. Honestamente, estou um pouco nervosa. Prestei muita atenção hoje em
cada uma das minhas aulas, tentando descobrir se havia algo específico que
eu precisava fazer se eu fosse começar a ensinar. Mas nada realmente saltou
para mim, então estou entrando nisto cega.

— Não aqui, — Jasper diz assim que entra no quarto.

— Oh, tudo bem. — Eu me levanto, meu caderno e livro de matemática


pressionados contra meu peito. — Então onde...?

— Biblioteca. — Ele estala os dedos e eu o sigo.

Ele me leva para fora do prédio e pelo terreno. Eu desacelero quando


percebo para onde ele está indo.

— É onde fica a biblioteca?

— Relaxa. Não é assombrado nem nada.

— Mas...

Quem em sã consciência coloca uma biblioteca em um cemitério?


Felizmente, nosso caminho não nos leva muito perto das sepulturas, mas
ainda é assustador ter que caminhar dentro do campo de visão das lápides.

O interior da cripta está mais vazio do que eu pensava. Existem algumas


cadeiras no centro, como se este lugar fosse usado para grupos de estudos
bíblicos ou reuniões do AA 8. A maior parte do espaço é preenchida com
colunas.

Ele me leva até o fundo da sala enorme e depois desce uma escada
circular. Quando eu limpo as escadas, paro por um segundo para ficar
boquiaberta.

8Alcoólicos Anônimos.
Esta câmara é enorme. Não tem a forma de uma cruz como a cripta,
então tenho certeza de que se estende além das paredes do prédio superior.

Eu acho que eles não tinham cadáveres o suficiente para colocar aqui,
então eles decidiram usá-lo como uma biblioteca em vez disso.

Filas e mais filas de livros revestem as paredes e formam corredores


estreitos. Mais perto da escada, há duas seções com cadeiras estofadas e
sofás para as pessoas lerem ou estudar. A poucos metros de distância está
um pódio com uma grande bíblia encadernada em couro. Um holofote
colocado no teto a ilumina. Partículas de poeira perturbadas por nossa
presença pegam fogo naquele feixe de luz.

Está tão quieto aqui.

Como se os livros estivessem todos esperando por algo… ou alguém.

Acho que a única coisa que um livro deseja é ser lido. É triste pensar
que ninguém nunca desce aqui, isso é óbvio pela camada de poeira sobre
tudo e o envelhecimento no ar. Se eu dirigisse um lugar como este, teria
certeza de que fosse limpo e cheio de mentes curiosas.

— Nós só temos uma hora. — Jasper diz.

— Desculpe. — Eu corro minhas mãos pelas minhas coxas, fazendo uma


careta ao toque do tecido áspero. — Apenas...absorvendo tudo.

Ele se senta em um dos sofás e se inclina para trás, me olhando com


expectativa.

— Faça no seu próprio tempo.

Eu reviro meus olhos enquanto me sento na cadeira mais próxima a ele.

Senhor, espero que não seja uma grande perda de tempo.


Eu estou na lavanderia, com espuma até os cotovelos, quando um
menino entra e vem direto na minha direção. Ele é jovem, talvez não tenha
mais de treze anos.

— O padre Gabriel está procurando por você, — ele diz.

— Agora? Achei que ele disse que vou jantar com ele.

O menino franze a testa para mim.

— É o jantar.

Devo ter perdido a noção do tempo. Não há sinal até as seis novamente,
e o último sinalizou o fim da minha aula com Jasper. Eu bufo baixinho para
mim mesma enquanto tiro a espuma do meu braço e começo a enrolar as
mangas do meu vestido.

Lição?

Que piada.

Ensinar Jasper foi como tentar falar com uma árvore. Ele se movia
como se tivesse formigas em suas calças, mas por seus bocejos de quebrar o
queixo, era óbvio que nada estava entrando.

Eu desisti depois de quarenta e cinco minutos.

— Eu preciso me trocar. — digo ao garoto enquanto ele me leva para


fora da lavanderia.

— Ele disse para te trazer direto para cima.


Senhor, está todo mundo neste lugar perdendo um parafuso? Eu acho
que depois de seguir ordens por tanto tempo você esquece o significado de
independência.

Qualquer que seja. Não é como se o padre Gabriel realmente se


importasse com a minha aparência. E depois de duas horas na lavanderia,
sinto mais cheiro de espuma do que de suor. Limpo minhas mãos em meu
vestido, esperando que o suficiente do perfume seja absorvido pelas fibras
para durar até o jantar.

Enquanto a criança me conduz lance após lance da escada, eu solto meu


cabelo e tento fazer com que fique em conformidade. Só espero que não se
pareça com um ninho de rato.

O garoto me leva ao quarto andar do prédio, onde as portas estão


separadas por vários metros. A iluminação é melhor, o chão é acarpetado e
não cheira a um bando de meninos amontoados em um armário de sapatos.
Enquanto meu quarto fica na ala leste de Saint Amos, o do padre Gabriel fica
na ala oeste.

O garoto me deixa na frente de uma porta larga e arqueada com uma


placa de latão:

REITOR

Sem nome? Acho que a posição sofre de alta rotatividade.

— Então eu bato, ou...?

Mas a criança já se foi. Eu empurro meus ombros para trás, colo um


sorriso e bato.

Ninguém responde.

Eu bato novamente.

Sem resposta.

Talvez seja tarde demais. Ele poderia ter decidido ir jantar com o resto
da equipe.
Onde Zachary e o resto do corpo docente jantam? Eles levam os pratos
para os quartos ou há uma sala de jantar separada para os funcionários?

Na minha terceira batida, uma voz abafada chama de dentro.

— Entre.

Viro a maçaneta e entro em uma pequena antecâmara. Há um porta-


guarda-chuvas, uma mesa com um molho de chaves em uma tigela e um
banquinho ao lado de dois pares de sapatos. Uma segunda porta se abre para
uma área de estar.

Uma multidão de velas pisca quando fecho a porta atrás de mim.


Brilhos de mogno polido e tapetes grossos comem o som dos meus passos.

O padre Gabriel está sentado em frente a uma lareira do outro lado da


sala. Há um banquinho à sua frente, e ele está com os pés com meia apoiados
nele.

Cigarros, fumaça de madeira e cera de vela enjoam o ar, fazendo meus


olhos lacrimejarem.

Ele está vestindo uma camiseta branca e jeans escuros. Nada como o
suéter tricotado e a calça com que ele me recebeu na segunda-feira de manhã.

Ele olha para mim por cima do ombro e acena.

— Você veio direto da lavanderia?— ele pergunta quando eu me


aproximo.

Tem um cigarro em uma das mãos e ele o joga contra a borda de um


cinzeiro de vidro sem olhar. Ele é fumante há tanto tempo quanto posso
imaginar. Minha mãe nunca o deixaria fumar dentro de nossa casa, no
entanto. Até papai teve que fumar na varanda.

— É um pouco tarde para trabalhar lá, não é? — Ele acrescenta antes de


dar uma tragada no cigarro.

Claro que eu poderia dizer a ele que perdi a noção do tempo. Mas eu
prefiro que ele pense que sou uma mais uma super realizadora do que uma
sonhadora.
— Pensei em ficar mais um pouco. Eles realmente apreciam o par extra
de mãos lá embaixo.

Gabriel acena com a cabeça, seu sorriso desaparecendo um pouco


enquanto ele volta sua atenção para o fogo. Há uma taça de vinho na mesa
lateral ao lado de seu cinzeiro, um líquido rubi gira quando ele a leva aos
lábios.

— Quer algo para beber?

— Eu...uh...sim. Certo. — Vinho? Ele está me dando vinho? Meus pais


nunca me deixam beber.

Gabriel apaga o cigarro no cinzeiro e então se levanta e se dirige para a


cozinha do canto. Eu levo um momento para examinar a sala enquanto
afundo na outra cadeira.

O calor aperta minhas bochechas.

Espero não ter que ficar sentada aqui por muito mais tempo. Do
contrário, não vou mais estar cheirando a espuma.

Gabriel retorna com uma lata de refrigerante. Eu pego com um aceno


de cabeça enquanto franzo os lábios. Claro que o reitor não vai me dar álcool.
O que diabos estou pensando?

Abro a lata e tomo um gole.


— Está quente aqui.

—Vamos nos mudar em um momento.

Eu olho para ele por baixo dos meus cílios. Ele soa como se sua mente
estivesse a quilômetros de distância. Acho que alguém como ele passa muito
tempo pensando em Deus, embora provavelmente O tenha na discagem
rápida.

Eu olho para a lata e faço o meu melhor para afastar os pensamentos


desagradáveis que tentam se infiltrar em minha mente.

— Então, uh, espero que você não se importe, mas tomei mais iniciativa
hoje.

— Hmm? — Gabriel diz, seus olhos ainda fixos nas chamas.

— Você conhece meu colega de quarto, Jasper?

A cabeça de Gabriel vira para o lado. Seu sorriso vago está congelado
em seu rosto, mas não há alegria em seus olhos.

— O que tem ele?

Minha língua se enreda.

Que diabos?

— Oh, ele...quero dizer...eu estava dando aulas particulares para ele.


Inglês. Tivemos nossa primeira aula hoje.

Os olhos de Gabriel piscam em meu rosto. Por que tenho a sensação de


que ele está tentando me pegar em uma mentira? Eu tomo outro gole de
refrigerante.

— Isso...tudo bem, certo? Você disse...

— Oh, claro, criança. — Seu sorriso derrete e até se espalha um pouco


mais. — Eu só não esperava que você começasse tão cedo.

— Devo parar?
— De jeito nenhum. — Gabriel se volta para o fogo. — Aquele menino
poderia ter uma influência positiva em sua vida. Você vai fazer a ele um bem
danado.

O que diabos Jasper fez? Eu tenho que tirar isso dele. Talvez Perry saiba.

Há uma batida leve no corredor. Não estou surpresa que o padre


Gabriel não tenha ouvido os dois primeiros, o som é tão abafado que poderia
se perder no estalo de uma lenha queimando.

— Esse seria o nosso jantar, — diz Gabriel, parecendo totalmente alegre


com o conceito. Ele se levanta e estende um braço enquanto grita.

— Entre!

Eu sei que não deveria ficar olhando. Eu sei que é errado ter um único
pensamento sobre o corpo de Gabriel. Mas é impossível não fazer.

Por um lado, eu não esperava que ele fosse tão bem construído. Seus
bíceps se tensionam contra as mangas da camisa e seus antebraços são
marcados por músculos. Agora suas mãos parecem proporcionais, suas
palmas carnudas e dedos grossos um testemunho de um homem forte e em
forma.

Corro até a mesa, desesperada para manter minha curiosidade sob


controle. Gabriel segue. Hesito sobre qual dos dois lugares ocupar até que
Gabriel puxa um para mim.

Por que isso parece um encontro? Então, novamente, eu não saberia o


que é um encontro se isso me batesse na cabeça.

Eu bato no assento e arrasto-o para baixo da mesa. Com as mãos no


colo e a cabeça baixa, sinto que estou esperando que ele comece um sermão.

Em vez de abrir uma Bíblia, Gabriel se senta à minha frente e coloca o


guardanapo no colo.

A porta da antecâmara se abre. Eu ligo o automático.

Quando vejo quem está parado na porta, meu sangue gela.


Reuben entra no apartamento do padre Gabriel com uma grande
bandeja coberta em seus braços fortes. A princípio, ele encara algo que só ele
pode ver, mas assim que me nota, é como se eu fosse a única pessoa que
restou no mundo.

Nunca tive alguém olhando para mim assim antes.

É enervante.

E provocante.

Todas as terminações nervosas do meu corpo são ativadas.

Esse olhar deve durar apenas um segundo, mas parece uma eternidade
que Reuben e eu nos olhamos. Então ele abaixa o olhar e é como se eu tivesse
deixado de existir.

— Obrigado, criança. — Gabriel diz enquanto Reuben coloca a bandeja


entre nós.

Reuben levanta a tampa e vai colocá-la no balcão da área de jantar. —


Precisa de mais alguma coisa, padre? — ele pergunta em sua voz profunda e
melódica.

Gabriel acena para ele. — Isso é tudo por agora, criança. Volte mais
tarde para recolher os pratos.

Reuben se vira para sair e Gabriel se levanta para servir a comida do


conjunto de pequenos pratos na bandeja. Estou encarando as costas de
Reuben, então não percebo a princípio que Gabriel está preparando para
mim.
— Você está parecendo um pouco magra, Trinity, — diz Gabriel. —
Embora eu tenha certeza de que o mês passado destruiu seu apetite.

— O que? — Eu olho para o meu prato. Não há espaço para outra


ervilha. — Uau...isso é muita comida.

— Sua mãe costumava perder peso sempre que ficava chateada. Não me
lembro quantas tortas trouxe para sua casa, na esperança de despertar o
apetite dela.

Não me lembro de nenhuma torta.

Reuben está andando ainda mais devagar do que antes, como se


estivesse ouvindo nossa conversa. Isso me faz querer gritar com Gabriel para
calar a boca. Não quero que Reuben saiba nada sobre mim. Ele deixou claro
que acha que não estou fazendo nada de bom. Ele usará tudo o que puder
contra mim.

Até meus pais mortos.

— Minha primeira aula foi um sucesso, — declaro.

Foi a primeira coisa que pude pensar e a pior escolha de palavras. Hoje
foi o dia mais distante de um sucesso. Esperançosamente, Gabriel não vai
exatamente entrevistar Jasper sobre minhas habilidades de ensino tão cedo.

— É assim mesmo? — Gabriel retorna ao seu assento enquanto Reuben


sai pela porta.

É como se o reitor já tivesse esquecido que Reuben estava aqui. Não


estou surpresa; apesar de seu tamanho, Reuben faz menos barulho do que
um gato, especialmente nesses tapetes. Ele é um dos garotos que estão no
Saint Amos há tanto tempo que ele é apenas mais uma engrenagem na
máquina?

— Bem, ainda é cedo, é claro, mas eu realmente acho que ensinar é algo
que eu gostaria de fazer.

Gabriel toma um gole de seu vinho. Onde meu prato está praticamente
se partindo com o peso de toda a comida que ele empilhou, há oceanos de
porcelana branca entre suas porções. Nunca vi um peito de frango tão
solitário antes.

— Você deve tentar uma aula completa durante as férias de verão.

Quase deixo cair o garfo.

— Sim. Vou dar uma olhada nisso. — Eu engulo meu refrigerante e


tento pensar em algo para mudar de assunto novamente.

Minha única intenção é ganhar estrelinhas. Mas se eu não tomar


cuidado, terei concordado em dar uma aula de verão para metade da escola
antes que o jantar acabe.

— A escola oferece algo divertido durante as férias de verão? — Eu


pergunto antes de enfiar um garfo cheio de comida na minha boca.

Gabriel balança a cabeça e então franze a testa para mim. Ele bufa
baixinho. — Isso mesmo. Devo ter esquecido de mencionar isso. Saint Amos
está fechando durante as férias de verão. Primeira vez em quase cinco anos,
na verdade.

Fechando?

Fechando!

— Fechando como? — Eu me recosto na cadeira. Ele não estava errado


sobre o meu apetite, isso vai e vem com o meu humor. Nunca como quando
estou inquieta e, por algum motivo, seu anúncio me enche de pavor.

— Os alunos estão indo embora. — Gabriel mastiga um pedaço de


frango por um momento, parecendo pensativo. Ele o lava com um gole de
vinho e depois pousa os talheres. — Temos um extenso trabalho de
manutenção a realizar. Várias seções do edifício serão isoladas. É apenas
mais seguro mandar os alunos embora até que reabramos no outono.

Também coloquei meus talheres na mesa. — Onde eles estão indo?

— Alguns de nossos alunos estão indo para casa ou visitando parentes.


O resto será embarcado no Sisters of Mercy em Devon.

Aqueles que não têm casa.


— Como eu?

Ele concorda. — Talvez você goste tanto que decida ficar.

Eu engulo mais refrigerante, mas minha boca ainda está seca.

Fui codependente durante toda a minha vida. Eu não tive escolha,


realmente. Não com pais que se recusaram a me mandar para uma escola
regular. O pensamento do que o padre Gabriel está me dizendo faz meu
coração disparar.

— Mas posso ficar aqui se quiser?

— Não durante as férias, mas se você decidir voltar com os outros


alunos... — ele abre as mãos, aquele sorriso ausente dele não mudando nem
um pouco.

Em seguida, ele afasta o prato em favor de beber sua taça de vinho. Ele
toma alguns goles enquanto tento voltar à minha refeição, mas é impossível
com ele assistindo.

Depois de mais ou menos um minuto, ele se levanta e vai até a lareira.


Ele fica de costas para mim enquanto acende um cigarro e dá uma longa
tragada.

— Não estou te afastando, Trinity. — Ele se vira, a fumaça saindo de seu


nariz. — Eu só quero que você seja feliz. Você não está feliz aqui.

Eu rapidamente engulo. — Mas eu estou, padre. Realmente estou.

— Não minta para mim, criança. — Ele inclina a cabeça para o lado, seu
sorriso ficando duro. — Eu sei que não pode ser fácil, uma garota, mulher,
como você... — ele aponta para mim com a mão segurando seu cigarro —
...rodeada por homens.

O que diabos eu devo dizer sobre isso? Parece uma armadilha, como se
ele quisesse que eu admitisse que não posso fazer isso. Que quero que ele me
trate como a amiga que pensei que era. Que preciso que ele abra uma
exceção para a pobre menina que acabou de perder os pais.
— Eu conheço esses meninos muito bem. — Ele passa os dedos pelos
cabelos e dá outra tragada. Sua exalação obscurece o fogo por um momento.
— Tantos jovens problemáticos sob este teto, Trinity.Ouvir suas histórias
deixaria seu cabelo branco. — Ele estende a mão e joga a cinza do cigarro no
cinzeiro.

— Eu sei que não será fácil. — eu digo enquanto lentamente me levanto.


Hesito e depois me junto a ele perto do fogo.

— Mas…—

Senhor, por que isso é tão difícil de dizer?

— Você é tudo que me resta.

Ele olha para mim por um segundo antes de seus olhos voltarem para o
fogo.

— Você sabe que isso não é verdade, Trinity.

Meu peito se enche de lava derretida.

Isso de novo?

Sério?

Minhas mãos estão em punhos, mas parece que não há como


desenrolar. Se meus pés não estivessem enraizados no lugar, eu sairia
correndo daqui.

Por que diabos eu vim?

Ele sempre faz isso. Ele muda as coisas e faz parecer que a culpa é sua.
Que sempre foi sua culpa, e você era muito estúpido e egoísta e também...

Inútil....Para perceber isso.

— Você sabe o que? — Eu me viro para encará-lo. Meu vestido parece


um ralador de queijo no interior dos meus pulsos. — Eu deveria ir para as
Sisters of Mercy. Na verdade, porque eu simplesmente não vou lá agora, já
que é óbvio que você não me quer aqui.
Eu não espero por sua resposta. Meu vestido raspa contra minhas
pernas enquanto eu corro para a porta que leva para fora deste buraco do
inferno.

Não é apenas a fumaça do cigarro que está me dando dor de cabeça. As


lágrimas estão esperando para cair.

O padre Gabriel pode falar o que quiser, não estou mordendo.

Meus pais acreditaram.

Em Deus.

Na Igreja.

No padre Gabriel.

A vida deles, e, subsequentemente, a minha, foram formadas em torno


do conceito de Deus é amor. Dizem que ele percebe quando uma maldita
andorinha cai, mas ele não se deu ao trabalho de salvar dois queridos
membros de seu rebanho?

Eu não dou a mínima para mim, Deus e eu, nunca estivemos realmente
nos falando, mas meus pais mereciam algo melhor do que ter seus cérebros
manchados na pista porque bateram em um pedaço de gelo.

Eu puxo a maçaneta da porta, mas de alguma forma Gabriel a trancou


quando eu não estava olhando porque ela não abre.

Uma mão aparece, agarra a minha, afasta meus dedos.

Eu puxo de volta.

— Solte. — eu estalo.

Tento abrir a porta novamente. Gabriel coloca a mão em volta da minha


cintura e me puxa de volta.

— Me deixar ir! —Eu grito.

Ele me levanta com força e eu começo a chutar e gritar como se


estivesse possuída.
Estou vagamente ciente de que Gabriel está tentando me acalmar, mas
não consigo parar de lutar contra ele.

Eu não vou.

Sou uma garrafa de refrigerante que alguém está sacudindo, sacudindo


e sacudindo.

Gabriel acabou de abrir a tampa.

— Eu não posso deixar você ir. — vem a voz de Gabriel enquanto faço
uma pausa para respirar. — Nosso Santo Pai não vai permitir isso, criança.

— Foda-se! —Eu bato nele com meus punhos e ele finalmente me libera
quando eu dou um soco em sua barriga. — Foda-se e foda-se o seu Deus! —
Eu cambaleio, apunhalando um dedo em direção a ele. — Você não estava lá.
Ele não estava lá. Nunca. Nem uma vez!

Gabriel corre para frente e tento bloqueá-lo. Mas ele obviamente tem
prática em acalmar membros histéricos de seu clero. Ele se esquiva
facilmente antes de me envolver em seus braços e espremer a vida fora de
mim.

Minhas pernas ficam fracas e de borracha. Logo, eles não podem mais
segurar meu peso.

Afundamos no tapete. Meus soluços irregulares e a respiração pesada


de Gabriel enquanto ele resiste à minha luta são os únicos sons por um
momento. Tão perto, ele cheira a vinho tinto, cigarros e uma colônia
amadeirada.

Há um estrondo.

Eu soluço de medo e me viro para a porta.

Reuben está parado ali, ombros agrupados e mãos em lâminas. Há uma


expressão de determinação tão ávida em seus olhos negros que me encolho.

Inadvertidamente buscando conforto nos braços de Gabriel.

— Eu ouvi... — Reuben interrompe.

— Tudo está sob controle, — diz o reitor.


Palavras amargas se alinham na minha língua, mas não posso dizer
nada com esses meus pulmões engatados.

— Por favor, criança. — A voz de Gabriel é tensa, mas calma. — Basta


pegar os pratos e sair. Isso não é da sua conta.

Ouve-se um barulho de louças e talheres enquanto Reuben limpa a


mesa.

Gabriel e eu ainda estamos no chão, e o fato faz com que uma onda de
vergonha me percorra. Eu me viro e enterro minha cabeça no peito de
Gabriel, e deixo um mês de raiva, dor e medo derramar de mim.

E daí se Reuben viu?

E daí se o mundo inteiro souber como sou fraca e patética?

Não importa.

Porque eu não me importo.

Se o fizesse, ainda teria meus pais. Eu ainda ficaria feliz.

Mas eu não tenho mais importância para ninguém.

Nem mesmo Deus.


Eu sento-me na cama e fico olhando para a sombra do homem que
acabou de entrar no meu quarto.

— O que você está fazendo aqui? — Eu pergunto.

Rube não responde imediatamente. Em vez disso, ele se move pelo meu
quarto, caçando no escuro. Segundos depois, um fósforo acende e ele acende
a única vela na minha mesa.

Meu apartamento é um dos menores no quarto andar da ala leste.

Reuben não deveria estar nesta ala. Ele tem um único quarto de
estudante na ala Oeste.

A luz demora para se infiltrar nas sombras. Reuben está sentado na


beirada da minha cama, seu perfil moldado em relevo pela vela.

Não preciso de muito mais do que uma escrivaninha e uma cama, então
esse quarto é só isso. Tenho a sorte de ter um banheiro privativo, mas nada
mais é do que um vaso sanitário e um chuveiro.

— Ela estava com ele esta noite.

Não há dúvida de quem ele está falando.

Cass o chama de Old Scratch, Lúcifer quando ele está se sentindo mal-
humorado. Reuben nunca se dirige a ele pelo nome, exceto se ele estiver
falando com alguém de fora do nosso grupo. Em seguida, ele usa os
honoríficos completos do reitor.

Os termos de carinho de Apollo são numerosos. Acho que ele dedica


várias horas por semana a pensar em novos, na verdade.
Estamos todos obcecados com o passado. Todos nós sofremos a mesma
compulsão doentia, para exigir nossa vingança. Todos nós fingimos que
temos alguma forma de controle sobre nós mesmos.

Um sobre o outro.

— Ele transou com ela?

Rube bufa.

— Jantar. E então a confissão.

— Confissão?

— Ele conhece os pais dela. Ela disse que ele é tudo que ela tem.

Minha cama range quando Reuben balança para frente e depois para
trás. Para frente, depois para trás.

— Ele continuou a tocá-la.

Merda.

É por isso que ele veio invadindo aqui quando ele sabe que não deve
expor nosso relacionamento assim. O que ele viu deve tê-lo perturbado
seriamente.

— Diga-me.

Rube coloca a cabeça entre as mãos. — Segurando-a como se ela fosse


sua a porra de sua filha,— ele sussurra.

Eu deslizo minhas mãos sob os cobertores. À noite, quando a


temperatura cai, a dor nos tornozelos piora. Eu puxo minhas pernas em um
assento de pernas cruzadas e esfrego os tendões, desejando afastar sua dor
miserável.

—E ela deixou, Zac. — O sussurro de Rube ganha força. — Ela o deixou


colocar suas mãos nojentas e sujas sobre ela como se isso não significasse
nada.

Cristo, agora meus pulsos estão começando a doer também.


Eu preciso cortar isso. A intensidade de Rube às vezes me atinge. Torna
difícil manter o foco. E eu preciso ficar focado. Meus irmãos dependem da
minha estabilidade. Se não fosse por mim, eles ainda estariam espalhados ao
vento.

Eu nos trouxe de volta.

Eu transformei seu ódio incandescente em aço maleável.

Serei o único a liderar o ataque naquele dia fatídico. Aquele que Cassius
me acusou de querer adiar.

Nada poderia estar mais longe da verdade.

Mas eu sei como é a vida. É quando você pensa que tem tudo sob
controle que tudo implode.

PARA O SENHOR zela pelo caminho dos piedosos, mas o caminho dos
ímpios leva à destruição.

— NÓS TEMOS que nos livrar dela, — Rube murmura mal-humorado.

— Vamos fazer isso esta noite. Eu e você. Eu sei em que quarto ela está,
eu verifiquei.

Porra.

Eu salto para frente, ficando de joelhos na cama, e agarro o ombro de


Rube.

— Escute-me.

Seus músculos se transformam em pedra sob minha mão.

— Reuben, me escute.

Eventualmente, ele se vira para me encarar. Lentamente, com


relutância, mas ele se vira.

— Não podemos matá-la.


— Sim, nós podemos, — ele afirma em um tom monótono. — Vai ser
fácil.

— Isso vai chamar a atenção para nós.

— Mas ela vai embora.

— Rube. Você não está ouvindo.

— Melhor ela se for do que ela estar com ele.

Jesus, estou perdendo-o.

Eu me levanto e vou ficar na frente dele. Ele inclina a cabeça para trás.
Estou lançando sombras profundas em seu rosto.

— Não sabemos todos os fatos, Reuben. Lembre-se dos fatos. Eles são
importantes. Mais importante do que sentimentos. — Eu pressiono minha
mão em seu peito. Sua pele sob a camisa é surpreendentemente quente,
apesar de seu coração frio.

— Ela não sabe o que ele vai fazer, — diz Rube. — Melhor ela ir embora,
antes que ela descubra.

Soltei um suspiro e afundei na frente dele.

— Vamos nos livrar dela, mas sem nos expor. Sem arriscar tudo. Não é
melhor?

O som nasal de Rube parece duvidoso. Eu preciso chamar reforços. Não


podemos arriscar Reuben agindo sozinho.

— Vamos nos encontrar com os caras. Vamos resolver isso juntos.

Quando ele não responde, eu agarro seus pulsos e começo a massagear.


Um segundo depois, ele me segura e faz o mesmo. Eu faço uma careta de dor
antes que eu possa controlar minhas feições. Suas mãos são fortes e ele sabe
exatamente onde dói.

— O que há para descobrir? — Rube diz. — Se não podemos matá-la,


então vamos tornar sua vida insuportável. Ela não terá escolha. Ela terá que
sair.
Seus olhos negros captam a luz quando ele finalmente faz contato visual
comigo novamente. Se alguém o visse agora, estaria convencido de que ele
estava possuído pelo Diabo.

Eles se mijariam se soubessem o quanto estão certos.

— Ninguém vem a Saint Amos por escolha, Rube.

Ele me estuda por um momento antes de seus lábios se transformarem


em um sorriso frio.

— Nós viemos.
— O que há de errado com você?

Não me incomodo em responder Jasper, assim como não me incomodei


em me despir para dormir na noite passada, ou tomar banho, ou mesmo
lavar meu rosto.

Qual é o ponto, afinal?

— Ei, você está doente ou algo assim?

— Claro. — eu murmuro de volta. — Vamos com isso.

Jasper murmura algo baixinho antes de sair da sala. Felizmente, ele


fecha a porta atrás de si, não sei se tenho energia para ir atrás dele e fechá-la.

Minutos depois, o sino de oração toca.

Não me arrependo de nada que disse ontem à noite. Eu deveria, mas


não faço.

Não me lembro quanto tempo fiquei no quarto do padre Gabriel, em


seus braços. Eu sei que em algum momento ele acendeu um cigarro. Esse
cheiro me deixou fora de mim apenas o tempo suficiente para ficar de pé e,
finalmente, sair de seu quarto.

Eu andei pelos corredores por um tempo. Meio perdida e em pânico,


meio sem dar a mínima se eu encontrasse meu caminho novamente.

Mas acabei voltando aqui neste pequeno cubículo de quarto. Subi na


minha cama, enrolei-me nos cobertores e caí em um sono sem sonhos.

Isso foi há um século. Ou meros minutos.


O tempo é algo que acontece com outras pessoas.

A porta do quarto se abre, batendo na parede.

Eu nem mesmo recuo.

— Você está doente? — Irmã Miriam diz da porta.

Eu considero as consequências de ser tão rude com ela quanto fui com
Jasper.

Não vale a pena.

— Sim. — eu murmuro.

— Você está com febre?

— Sim.

Sapatos batem nos ladrilhos. Uma mão gelada aperta minha testa.
Desta vez eu recuo e até consigo me levantar e me afastar daquela mão.

Irmã Miriam me estuda por um momento.

— Você tem chorado.

Não, porra, dã. Meus olhos inchados denunciaram?

— Venha. Levante-se.

Eu balanço minha cabeça.

— Por favor, vou para a aula. Eu só...eu só preciso dormir um pouco


mais.

— Você irá levantar-se agora. Você irá lavar-se. Você irá tomar o café
da manhã com os outros.

Eu gostaria de poder chorar espontaneamente agora. Não tenho certeza


se isso ajudaria, mas preciso acreditar que mesmo alguém tão fria quanto a
irmã Miriam pode se comover ao ver lágrimas.

Porra, quem estou enganando? Qualquer pessoa que trabalhe em um


lugar como este deve estar imune a essas merdas agora.
Tenho certeza de que essa é a única maneira de as pessoas
permanecerem sãs por aqui.

Obviamente demorei muito para responder. Com a boca retorcida em


uma careta azeda, Miriam se lança para a frente, agarra meu vestido pelo
ombro e me arrasta para fora da cama.

— Isso não foi um pedido, Srta. Malone.

Senhorita Malone.

Ela abre meu armário e tira um dos cabides. No momento seguinte,


estou segurando um vestido marrom contra o peito.

Não é tão grosso quanto o que estou vestindo. Este é um tecido normal.
Ainda duro, mas de uma forma que sugere que não passou pela lavagem o
suficiente para ficar macio.

Um vestido novo, feito só para mim.

Isso deveria me deixar feliz, mesmo superficialmente, mas em vez disso,


tudo em que consigo pensar é em como estava com vergonha na noite
passada. Sentada lá em uma pilha no chão de Gabriel.

Reuben contou a alguém?

Alguém como ele tem amigos para fofocar?

Miriam puxa para trás a manga do hábito para verificar um relógio de


pulso elegante. Nela, parece o barbante de um rolo de salame.

— Você tem meia hora. Muito tempo para se lavar e descer para o café
da manhã. — Seus olhos se estreitam. — Eu saberei se você não aparecer. Eu
saberei se você não comer. Não me teste, Srta. Malone. Você vai se
arrepender.

Eu franzo a testa quando ela sai. Eu acredito nela, afinal, ela sabia que
eu estava brincando de doente.

Jasper.

Ele deve ter dito algo para ela.


Eu vou matar ele.

Fodam-se suas notas. Eu não me importo se ele falhar. Na verdade,


espero que ele repita o ano inteiro. Talvez então ele pense duas vezes antes
de delatar alguém.

Vou para os chuveiros, mas não vou até o fim. A poucos metros da porta,
já posso ouvir a comoção lá dentro. Não sei quantos meninos estão lá, mas
mesmo um teria sido muitos. É a noite a única vez que tenho chance de
tomar banho sozinha?

Isso é uma besteira.

Volto para o meu quarto e me jogo na cama. Quando a campainha toca


para o café da manhã, eu fico lá por alguns segundos antes que meu cérebro
faça meu corpo entrar em ação.

Autopreservação em ação.

Tiro meu vestido antigo e coloco o novo. Eu realmente preciso de um


banho, mas vou esperar até hoje à noite. Nesse ínterim, o cheiro de sabão em
pó neste vestido terá que servir.

O tecido é largo em volta dos meus seios e muito apertado nos meus
quadris. É tão desconfortável que fico por um bom minuto pensando
seriamente em usar o vestido velho e áspero. Pelo menos estava folgado.

Quando desço para o refeitório, todos já estão sentados. Irmã Miriam


está espreitando pelos corredores, a cabeça inclinada para a frente como se
estivesse se certificando de que ninguém tenha pensamentos sujos.

Ou ela está procurando por mim?

Corro até a mesa das bandejas e pego a bandeja solitária que está lá.
Assim que me viro, vejo Jasper.

Porque ele estava me olhando com uma expressão preocupada no rosto.

Puta merda, eu fui tão rude com ele? Ou ele sabe que tive muitos
problemas com Miriam? Este último parece mais provável, especialmente
porque ele se afasta e me chama com um movimento de seu pulso.
— Obrigada. — eu murmuro enquanto deslizo para o banco ao lado dele.

Ele me estuda por um momento e depois dá de ombros.

— Bonito vestido.

—Foda-se.

Suas sobrancelhas vão até a linha do cabelo, mas ele não responde.
Perry está sentado à nossa frente no banco, mas nem mesmo levanta os olhos
da bandeja.

Ouço a irmã Miriam se aproximar do outro lado da sala.

tap, tap.

Fazendo uma leve careta, tiro o filme plástico da bandeja.

— Eca,— murmuro, usando minha colher para cutucar o mingau bege


derramado na minha bandeja.

Normalmente, há algo diferente em cada uma das pequenas cavidades,


um pedaço de torrada, ovos mexidos, aveia.

Hoje não.

Hoje é tudo mingau de aveia. E parece nojento o suficiente para ser do


lote da semana passada.

— Com poucas doações ou algo assim? — Eu murmuro, olhando para o


prato de Jasper.

Minha colher cede.

A bandeja de Jasper está cheia do de costume, na verdade, parece que


ele até comeu a porra de uma salsicha de café da manhã.

Que diabos?

— Talvez eles tenham acabado? — Jasper sussurra.

Tap, tap.

Coloco um pouco da aveia nojenta na colher e brinco com ela para


causar efeito enquanto Miriam chega atrás de mim. Há um puxão na parte
de trás do meu vestido e de repente meus seios enchem o corpete.
— Precisamos fazer mais medições, — diz Miriam, como se eu não
estivesse cercada por uma mesa cheia de meninos. — Venha me ver esta
tarde.

Estou corando tanto que nem a ouço se afastando.

— Aqui, — diz Jasper.

Eu olho para ele. Ele está segurando a salsicha na ponta do garfo.

Quando eu olho para ele, ele baixa os olhos.

— Não estou com fome. — eu digo, afastando meu prato.

Eu me levanto e vou para o outro lado da sala, ignorando os olhos que


me seguem sub-repticiamente. Eu me sirvo de uma xícara de café, hesito e,
em seguida, dobro a quantidade de açúcar que normalmente ponho.

Tenho certeza de que vou precisar de energia hoje.

No caminho de volta para o meu lugar, vejo um movimento do outro


lado do salão.

Claro.

Meu dia não estaria completo sem alguém me filmando sem motivo
aparente. É flagrantemente óbvio que ele tem a lente focada em mim, ela me
rastreia enquanto atravesso a sala.

Eu bato no meu assento e aponto para ele, inclinando-me de lado para


Jasper. Eu mantenho minha voz baixa, embora a irmã Miriam tenha saído
do corredor minutos atrás.

— Quem é aquele?

Jasper franze a testa enquanto olha para cima.

— Acho que o nome dele é Apollo.

Perry se vira em sua cadeira e volta com um aceno de cabeça.

— Sim. Esse é o Apollo. Por quê?


— Porque estou farta dele me filmando. — Eu me levanto e espano
minhas mãos. — E tenho certeza de que a irmã Miriam não vai gostar
quando eu contar a ela o que ele está fazendo.

— Você vai contar? — Jasper franze a testa para mim.

Eu coloco minhas mãos na minha cintura e olho para ele. — É você me


dando um sermão sobre delação?

O corredor fica em silêncio.

Minhas bochechas instantaneamente ficam vermelhas.

Mas eu mantenho minha posição, mesmo quando Jasper franze a testa


em confusão.

— Eu não disse nada. O padre Gabriel nos perguntou onde você estava
antes de começar as orações esta manhã. — Jasper estende a mão para
abranger todos os alunos da escola.

Até Apollo e sua maldita câmera de vídeo.

— Ele perguntou a toda a escola e, quando ninguém disse que tinha


visto você, ele me perguntou especificamente. — Jasper bufa e se inclina para
trás, pegando uma pilha de ovos mexidos com o garfo. — Eu não vou mentir
por você.

Eu desanimo um pouco com isso. Eu acho que deveria ter percebido


que Jasper não delataria, mas eu não pensei que Gabriel iria perguntar por
mim também.

Eu afundo de volta em meu assento e murmuro um baixo,

— Desculpe.

— Sim, bem, foda-se, — diz Jasper. Ele apunhala o garfo em minha


direção novamente. — Agora coma a porra da salsicha.

Eu fico olhando para a salsicha oleosa e, em seguida, para ele.

Você sabe o que? Porra Obrigada por minha bandeja ser a última e tudo
que consegui foi mingau de prisão. Estou feliz por não ter podido tomar
banho esta manhã porque o lugar estava infestado de meninos.
Já passamos por essa pequena dança, o Universo e eu. Parece que
esquece de que, mesmo que me derrube, voltarei a subir. Um pouco como
socar nevoeiro e muito parecido com socar um balão.

Tiro a salsicha de seu garfo e mordo com cuidado. Não é ótimo, mas
qualquer coisa é melhor do que o mingau.

— E se você não quer comer merda, venha mais cedo, — ele murmura.

— Sim mãe.

Minha pele fica fria quando ouço o que eu digo, mas isso recebe uma
risada de Jasper e uma risadinha de Perry, e eu não quero estragar isso.

Quanto tempo vai demorar até que uma única frase como essa não
espetar pingentes de gelo em meu coração?

Outro mês? Um ano?

Talvez nunca.

Eu posso aguentar o tempo que for preciso.

Porque, honestamente...o quanto isso pode ficar pior?


Apesar de seu péssimo começo, meu dia parece estar dando uma
reviravolta. Fiz progresso com Jasper hoje. Caramba, podemos até mesmo
ser capazes de nos dar bem, afinal.

Ainda estou zunindo daquele jeito quando chego à minha primeira aula.
Inglês, ensinado pela muito severa e muito seca Irmã Sharon. Nunca conheci
alguém que pudesse tirar a diversão da literatura tanto quanto podia. Mas
estou determinada a terminar a lição com um sorriso no rosto.

Até ver quem está sentado na minha cadeira.

— Cassius, por favor, volte ao seu lugar de sempre, — diz Sharon.

Tenho certeza de que teria me lembrado se o belo sociopata de um


monitor de corredor estivesse na minha classe.

Não. Definitivamente é a primeira vez.

— Eu não acho que ela será capaz de ver por cima da minha cabeça, —
diz Cassius. Ele parece cem por cento genuíno em sua preocupação, mas há
um brilho em seus olhos que me faz pensar o que diabos ele está fazendo.

Certamente ele já deveria ter se formado no ano passado? Ele parece ser
pelo menos um ano mais velho para estar na minha série.

Eu fico na frente da classe, segurando meus livros como uma tábua de


salvação enquanto espero a situação se resolver.

— Suponho que você esteja certo, — diz a irmã Sharon. Ela se vira para
mim e aponta para o assento na frente de Cassius. — Sente-se Trinity. Você
está atrasando a aula.
Eu?

Eu estreito meus olhos para Cassius e, em resposta, ele desliza um


centímetro para baixo em sua cadeira, apoia o cotovelo na mesa e me olha de
soslaio como se eu fosse uma costeleta de porco pela qual ele está salivando
desde sua última refeição. Sentindo-me excessivamente exposta com meu
vestido mal ajustado, muito menos todos os olhos da classe me observando
de novo, vou até o assento na frente de Cassius e me sento.

Tento sentar-me.

No último momento, há um lampejo de movimento sob a mesa de


Cássio. A cadeira não está mais lá.

É claro que a irmã Sharon havia virado as costas para a classe para
escrever algo no quadro.

É claro que eu perco o equilíbrio e caio de bunda com um 'oomph'


muito cômico enquanto meus livros e bloco de notas voam.

Claro que todo mundo começa a rir.

E é claro porra, que a Irmã Sharon olha para trás enquanto Cassius
corre para me ajudar a levantar.

— Quietos! — Sharon golpeia a borda de sua mesa com sua régua de


madeira. Então ela volta os olhos astutos para mim. — Quando você estiver
pronta, Trinity, eu gostaria de começar a aula?

A queda deve ter nocauteado meus sentidos, porque nem luto quando
Cassius gentilmente segura meu cotovelo e me ajuda a ficar de pé. Ou
quando ele desliza a cadeira sob minha bunda como se estivesse me
acomodando para um jantar.

— A novata é um pouco desastrada, — diz ele, alto o suficiente para que


todos possam ouvir.

Eu olho para ele.

Suas pontas dos dedos traçam ao longo da minha nuca enquanto ele se
move ao redor de sua mesa e se senta.
Sento-me rígida e imóvel durante a primeira metade da aula, com medo
de que mesmo o menor movimento atraia atenção indevida para mim,
enquanto espero que ficar sentada fará com que minha nuca pare de
formigar.

Eu também não tenho sucesso.

— Vá para a página oitenta e quatro de seus livros.

Eu olho ao redor e vejo meu livro de inglês deitado de costas ao meu


lado no chão. Graças ao Senhor, Sharon não o viu lá. Ela distribui batidas
com os nós dos dedos se você se atreve a acabar com uma única página de
seu livro. Imagine o que ela faria se visse...

Assim que o livro está em minhas mãos, sei que algo está errado.

Uma pontada de pavor passa por mim quando o viro.

Que diabos?

Este não é meu livro. O meu era uma cópia suja de segunda mão, este é
completamente novo.

Arrisco uma olhada rápida por cima do ombro.

Cássio está recostado na cadeira, as longas pernas esticadas à sua frente


e os tornozelos cruzados. Ele tem um livro apoiado na mesa à sua frente.

Esse é meu livro.

— Trinity?

Eu me viro para encarar a irmã Sharon. Abro a boca para me desculpar


imediatamente pelo que quer que ela queira me acusar, mas então seus olhos
se movem para baixo e pousam no livro.

— Você se esqueceu de como os livros funcionam? — Ela pergunta


docemente, e meu estômago afunda como uma pedra caindo em um poço.

— Não, irmã.

— Então abra.

Algo me diz que essa não é uma boa ideia.


Eu deveria dizer a ela que não é meu livro, que Cassius o trocou, mas é
óbvio que ele é um de seus alunos favoritos. Além disso, nunca cheguei a
escrever meu nome na frente.

Dane-se. Eu não vou deixar esse cara me irritar. Minha bunda ainda
está doendo por causa da queda, acho que a machuquei, e não quero que ele
pense que alguma dessas merdas me afeta.

WWJD9, certo? Ele daria a porra da outra bochecha.

Mas não consigo me mover. Eu estou aterrorizada.

Os olhos de Sharon se estreitam em fendas. Ela se aproxima e usa a


ponta de sua régua para abrir a capa.

Eu fico olhando para um desenho foto realista do irmão Zachary. Então


eu inclino minha cabeça e fico boquiaberta com a irmã Sharon enquanto
minhas bochechas pegam fogo.

Por quê?

Por que Cassius faria isso comigo?

— Uau, — vem um sussurro ofegante por trás. — Isso é uma blasfêmia,


putinha.

— Eu não desenhei isso! — Eu puxo minha cadeira para trás e pulo. —


Irmã, eu juro que este não é meu livro.

Paulada!

Todos na classe, exceto Cassius, recuam quando a régua de madeira


dela bate no livro. A irmã Sharon tem uma boa mira, ela consegue cobrir a
bunda desenhada a lápis de Zachary e o pau que ele enfiou na minha bunda.

— Eu poderia inventar desculpas melhores enquanto durmo, — diz a


irmã Sharon, com os lábios enrugados franzidos de desgosto.

Eu me viro para olhar para Cassius.

9 No original a sigla significa: — Whatwould Jesus do? — Tradução O que Jesus Faria.
Ele está sentado lá com os cotovelos apoiados na mesa, a cabeça entre
as mãos, a boca aberta em choque como se não soubesse exatamente de onde
veio este livro.

— Senta!

Minha bunda bate na cadeira.

— Mãos para fora. Esticadas na mesa.

Viro os olhos arregalados e suplicantes para a irmã Sharon, mas minha


mão já está se movendo sobre a mesa de madeira. Ela usa a ponta de sua
regra para fechar o livro e, em seguida, bate do outro lado da minha mesa.

— Aqui.

Minha mão desliza para o local que ela selecionou. Eu fecho meus olhos
e deixo cair minha cabeça, sufocando um suspiro quando ela traz sua régua
para baixo nas costas da minha mão.

Paulada.

Paulada.

Paulada!

É como se ela estivesse tentando vencer o desvio sexual de mim. Eu


mantenho minha cabeça baixa, mesmo quando a ouço se afastando. Então eu
olho de volta para Cassius sem levantá-la.

Não há como confundir o brilho de satisfação em seus olhos.

— Por quê? — Eu murmuro para ele, piscando para conter as lágrimas


de dor. Eu deslizo minha mão para trás e a seguro no meu colo enquanto
espero por sua resposta.

— Olhos à frente! — Sharon dá um tapa na régua na beirada da mesa e


toda a classe se senta, inclusive eu.

Quando ela vira as costas novamente, já estou antecipando o hálito


quente do lado do meu pescoço e a voz suave de Cassius em meus ouvidos.
— Eu não gosto de você, novata, — murmura Cassius. —Acho que você
deveria voltar para o lugar de onde veio.

— Foda-se. — Sento-me para frente para não ter que ouvi-lo mais.

Uma mão dá um nó no meu cabelo encaracolado. Cassius puxa minha


cabeça para trás. Estou tão chocada que nem suspiro.

Seus lábios roçam a concha da minha orelha enquanto ele sussurra.

— Estou apenas começando. Se eu fosse você, encontraria uma nova


escola.

Eu passo o resto da aula fervilhando silenciosamente enquanto tento


ignorar minhas dores nos nós dos dedos e no couro cabeludo.

****

Assim que a campainha toca, Cassius passa por mim e sai pela porta.

Pego minhas coisas e corro atrás dele.

Palavras vão ser ditas. Possivelmente até gritadas. Não vou tolerar isso
e Cassius saberá nos próximos cinco segundos.

— Não tão rápido, Trinity.

Eu deslizei até parar perto da mesa da irmã Sharon.

— Irmã? — Eu faço o meu melhor para parecer humilde e não como se


estivesse a caminho de atacar alguém no corredor.

Ela se senta na beirada da cadeira antes de pegar um pedaço de papel


da gaveta. Baixando a cabeça, ela começa a escrever. —Este comportamento
é inaceitável.

Abro a boca, mas ela não me permite falar.

— Você já causou perturbação suficiente por se juntar à minha classe no


final do ano, não vou tolerar mais teatro.
Estou sendo totalmente intimidada e ela acha que estou tentando
chamar a atenção?

— Quando é a sua próxima aula com o irmão Zachary?

Um pavor frio se infiltra em meus ossos.

— Por quê?

— Eu faço as perguntas, — diz Sharon. Sua caneta risca o papel


enquanto ela assina o que quer que esteja escrevendo com um floreio
violento.

— Agora mesmo.

— Bom. Você vai pegar esta carta, — ela olha para cima e dobra o
pedaço de papel em que estava escrevendo, — e você vai entregá-la ao irmão
Zachary no momento em que colocar os pés em sua classe.

Ela estende o papel. Não está nem mesmo em um envelope. Mas, como
se pudesse ler minha mente, ela acrescenta

— É apenas para os olhos dele.

Isso não pode ser bom.

Meus dedos estão dormentes quando pego o papel dela. Eu me viro e


vou para a porta.

— E Trinity?

Eu paro, mordendo o interior do meu lábio.

— Se você interromper minha aula de novo, haverá consequências


graves.

Meu coração ainda está batendo forte na garganta quando caminho


pelo corredor.

Em vez de confrontar Cassius sobre sua brincadeira, eu me esgueiro


pelo corredor e rezo para que ninguém me note. Eu desço as escadas e paro
na frente da porta da sala de aula de Zachary.
Um estudante corre em minha direção do outro lado do corredor e, por
um momento, estou convencida de que ele é um mensageiro prestes a tornar
meu dia ainda pior.

Em vez disso, ele para a cerca de um metro da porta e me observa


atentamente.

— Você vai entrar ou o quê?

Merda, eu nem o reconheci. É Simon, um garoto da minha aula de


psicologia. Eu dou um passo para trás e o deixo ir à minha frente enquanto
tento reunir minha coragem.

Mas é uma causa perdida, estou abalada.

Não há como negar que tenho um alvo nas minhas costas. Mas quem o
colocou lá?

E porquê?

****

Zachary olha para cima de sua mesa e depois para o papel que estou
segurando. Ele treme levemente. Ele pega de mim, a classe ficando em
silêncio atrás de mim quando ele abre. Dois dos alunos da minha aula de
inglês também estão, em psicologia, mas tenho certeza de que o resto da
turma já sabe o que aconteceu em inglês.

Algum deles viu o desenho?

Quase espiei a carta quando estava do lado de fora, mas então me


lembrei daquele vitral que tinha visto em meu primeiro passeio por Saint
Amos.

Aquele olho grande no céu.

Sempre assistindo.

Onipotente.
De qualquer forma, não quero saber o que diz.

Ignorância é uma bênção, certo?

Zachary abre a carta desdobra e a examina. Ele a fecha e a guarda na


gaveta da escrivaninha. Então seus olhos caem para o livro que estou
esmagando contra meu peito.

Eu tinha esquecido tudo sobre isso, mas assim que seus olhos pousam
na capa dura, o desenho dentro passa pela minha mente como uma foto de
um filme pornô.

Eu imagino, de qualquer maneira. Eu nunca vi um. Nunca tive acesso à


Internet sem supervisão dos pais. O livro mais sujo da biblioteca que pude
usar foi Orgulho e Preconceito.

— O livro, — Zachary diz uniformemente, quando eu não faço um


movimento.

Eu o entrego com relutância enquanto minhas bochechas ficam quentes.

Zachary abre a capa e vai virar a página. Sua mão congela e depois cai
para o final da página.

— Surpreendentemente preciso, — ele murmura apenas alto o suficiente


para eu ouvir.

Meus ouvidos começam a zumbir.

— O que?

Ele fecha a capa e se recosta na cadeira. Balançando a cabeça


lentamente, Zachary me estuda com olhos magnéticos.

— O que vamos fazer com você, Srta. Malone?

— Não é meu livro, — eu digo.

Ele inclina a cabeça.

— Você roubou isso de alguém?

— O que? Não!
— Então, como você conseguiu isso? — Seus olhos se estreitam de
irritação.

O nome está na ponta da língua, mas não consigo dizer. O que é ridículo,
se Zachary e a irmã Sharon soubessem o que Cassius tinha feito, ele seria
aquele que enfrentaria Zachary agora.

Ele seria o único a ser punido.

Ele...

Não, nada aconteceria com ele. É óbvio que a irmã Sharon tem uma
queda por ele e tenho quase certeza de que o vi visitando Zachary no meu
primeiro dia aqui. Foi apenas um vislumbre quando passamos no corredor,
mas eu reconheceria aqueles olhos azuis em qualquer lugar.

Eu poderia tentar acusá-lo, mas eu era a estranha.

A pária.

Ninguém acreditaria em nada do que eu dissesse. Queima como fogo


dentro de mim, o fato de que dizer a verdade só me causaria mais problemas,
mas não sou estúpida o suficiente para acreditar que sou capaz de convencer
esses estranhos.

Talvez eu vá falar com o Gabriel. Se alguém acredita em mim, é ele.

Então eu abaixo meu olhar e penduro minha cabeça como se estivesse


dominada pelo remorso.

— Sente-se, — diz Zachary.

Quando pego o livro, ele coloca a mão nele para me impedir.

— Vamos discutir isso depois da aula.

Em um momento estranho e alucinógeno, acho que ele está falando


sobre o desenho. O que havia para discutir? A expressão contida de
felicidade irregular em meu rosto quando ele me fode por trás? O fato de que
estou curvada sobre esta mesma mesa?

Ou como, quanto mais penso no desenho, mais não consigo parar de


pensar em como seria estar com ele.
Eu não acho que vou chegar ao final da aula.
Porra, tinha sido quase impossível manter uma cara séria quando vi o
que Cassius desenhou dentro daquele livro de inglês.

Eu não queria arriscar um encontro cara a cara logo após o nosso


último, então enviei uma mensagem de texto em grupo para meus irmãos
esta manhã. Eu não tinha mencionado muito sobre o que Rube tinha dito,
apenas que nosso objetivo hoje era fazer da vida de Trinity um inferno puro.

Eu deveria saber que Apollo e Cass considerariam isso um desafio.

Eu deixei os detalhes para eles e, olhando para trás, essa pode não ter
sido a melhor decisão. Já ouvi alguns rumores sussurrados sobre algo
acontecendo no café da manhã com Trinity. E eu sei que ela estava ausente
das orações esta manhã, embora eu não tenha certeza se meus irmãos
tiveram algo a ver com isso ou não.

Receberei seus relatórios completos esta tarde.

Pelo menos fiz questão de dizer a Reuben para não chegar perto dela.
Não confio nele em seu atual estado de espírito. Tão perto, com tanto em
jogo? Seria muito fácil para ele se desvencilhar.

Eu me jogo na aula como sempre faço, mas estou distraído.

O desenho de Cássio é o culpado.

Suas coxas bem torneadas e seu traseiro rechonchudo. Cachos quicando


em torno de seus ombros nus.

No desenho, eu tenho as duas mãos em seus quadris, deixando seus


peitinhos empinados livres para balançar.
Eu tinha toda a intenção de segurá-la depois da aula e colocar o medo
de Deus nela, mas aquela imagem despertou algo que estava adormecido
dentro de mim por muito, muito tempo.

Talvez fosse sua inocência. Pela maneira como ela continua corando, ou
como ela está sempre se escondendo atrás de seus livros para proteger seu
corpo de olhos curiosos, é óbvio que ela é inexperiente.

Tímida, reservada e ingênua.

Mas com determinação suficiente para que, por um momento, achei


que ela delataria Cassius. Mas então ela se acovardou e assumiu a culpa
como um bom soldadinho.

Eu preciso de uma cabeça limpa agora. Eu não posso me dar ao luxo de


ser distraído por como eu acho que sua bunda ficaria enquanto eu a fodia por
trás.

Esses tipos de pensamentos são o que levam a atos de desvio e


perversão em primeiro lugar. Isso é mais natural do que aqueles pelos quais
sou normalmente obcecado, mas independentemente.

Ela parece aliviada quando eu não digo nada quando ela passa pela
minha mesa depois que o sinal toca no final da minha aula. E quando ela
olha para trás por cima do ombro, sua carranca me faz pensar se estou sendo
muito mole.

Isso, ou ela está se perguntando sobre minha resposta à carta.

Eu pensei que tinha sido casual pra caralho, olhando para aquele
desenho, mas talvez eu não tivesse.

Eu esperava me juntar aos meninos em sua diversão, mas não posso


estar tão perto disso quanto gostaria.

Um de nós tem que manter a cabeça fria.


Estou faminta quando chega a hora do almoço. Vou para o refeitório o
mais rápido que posso. Embora o dia tenha sido ensolarado na maior parte
do tempo, nuvens de fundo cinza estão surgindo do horizonte. Cada vez que
uma delas passa sobre o sol, a temperatura cai alguns graus.

O fato de o cheiro de ensopado me dar água na boca é uma prova de


como estou com fome. Quando chego, há cerca de trinta alunos no corredor,
a maioria deles com as bandejas à sua frente.

Corro até a mesa da bandeja, já alcançando uma das bandejas cobertas


quando algo me chama a atenção.

Um post-it rosa brilhante foi preso a uma das bandejas mais próximas
da borda da mesa.

TRINITY MALONE

A bandeja está isolada agora, obviamente ninguém ousou tocá-la.

Eu pego e faço uma careta.

Mais mingau.

Cinza. Pastoso. Nojento.

As outras bandejas estão cheias de ensopado de vegetais e fatias grossas


de pão grosso com manteiga.

Isto. É. Tão. Idiota.

Pego minha bandeja e vou direto para a cozinha. Apresso-me até o


primeiro cozinheiro que vejo e empurro a bandeja com seu adesivo rosa
descarado.
— O que é isso?

O cozinheiro, um cara que poderia ter a minha idade ou um ano mais


jovem, me dá uma varredura condescendente antes de zombar de mim.

— Sua comida,— ele diz.

— Por que eu não pego ensopado?

— Porque não fazemos comida especial por aqui.

Eu franzo a testa para ele.

— Especial? O que você está falando?

Ele me dispensa com um aceno de mão e, em seguida, me empurra de


lado com o ombro. Eu vou atrás dele antes que alguém grite alguns metros
atrás de mim.

— Pedidos do topo.

Eu me viro para outro cozinheiro. — Não entendo. — Coloquei a


bandeja em uma bancada de aço inoxidável próxima. — Eu não como nada
de especial. Eu só quero comida normal como todo mundo.

—Bem, nos disseram que você é vegana e tem estas... — o cara dá de


ombros, trabalhando os ombros por um segundo—...alergias à lactose, glúten,
sódio e essas coisas. — Ele aponta para a bandeja. — Isso é praticamente
tudo o que temos para comer.

—Mas eu não sou.

Ele encolhe os ombros e volta a descascar batatas.

— Não posso, sobrou alguma comida normal? Até mesmo um pouco de


pão?

— Não para você. A menos que nossas ordens mudem.

— Ok, então quem? — Eu corro até ele, apunhalando um dedo no chão.


— Diga-me quem deu a ordem.

Outro encolher de ombros.

— Pergunte a Apollo. Foi ele quem veio e nos contou.


Apollo?

O cara com a câmera de vídeo?

Mas. Que. Porra?

Não pode ser coincidência.

E se a irmã Miriam for quem me disse para filmá-la em primeiro


lugar?

Mas isso não faz sentido. Nenhum mesmo. Irmã Miriam pode
praticamente ficar me vigiando o tempo todo. Mais do que Apollo pode, se
ela quisesse. Quer dizer, ela literalmente me despiu na lavanderia para tirar
minhas medidas.

Outra brincadeira, então? Achei que o café da manhã era meu próprio
azar, mas talvez alguém tivesse tirado o post it no último minuto, visto que
era a única bandeja que não havia sido coletada.

Ou talvez ele quisesse fazer certo peguei outra porção de mingau.

Por quê?

Por que diabos eu estava sendo alvo assim?

Minha mente confunde enquanto eu volto para a sala de jantar,


deixando meu almoço nojento para trás. Estou morrendo de fome, mas
prefiro desmaiar de fome a ser submetida a uma pegadinha como essa.

Encontro Apollo quando ele está voltando para dentro da cozinha. Ele
está rodando um carrinho muito menor do que aquele que usa para os
alunos. Ainda há uma bandeja larga e coberta que se parece com a que
Reuben trouxe para o quarto do padre Gabriel na outra noite.

— Ei!

Ele está andando para trás, arrastando o carrinho atrás de si enquanto


empurra a porta com as costas. Ele sorri para mim por cima do ombro.

— Como vai você, linda?

— Quem disse que eu não poderia comer comida normal?


Seu sorriso se transforma em uma carranca.

— Eu não posso expor.

— Eu sabia, — digo, apontando o dedo para ele ao passar. — Você


inventou.

— Você vai me delatar? — ele chama.

Minha mão está na porta, mas não a empurro. Eu fico lá por um


segundo, ouvindo o som das rodas do carrinho rangendo. Em seguida, um
par de tênis se aproximando.

Apollo surge no canto do meu olho. Ele se encosta na parede perto da


dobradiça da porta e cruza os braços sobre o peito.

— Porque você pode me dedurar se quiser, mas não vai mudar nada.

— Vou comer comida de verdade de novo. — eu estalo.

— Talvez sim. Talvez não. — Ele suspira e encosta a cabeça na parede


também, coçando a testa com a unha do polegar. Há uma marca ali, sob o
cabelo caindo em seus olhos. Uma cicatriz em forma de estrela. Uma velha
lesão esportiva, talvez?

— Não seria mais fácil ir embora? Quer dizer, este lugar é uma merda.
Por que diabos você iria querer vir para a escola aqui, afinal?

Eu fico boquiaberta com ele.

— Que diabos importa para você onde eu vou estudar? — Eu dou um


passo mais perto e coloco um dedo em seu peito. — Eu não preciso da sua
permissão para estar aqui.

Seu sorriso se torna irônico.

— Você é fofa quando está brava.

— Vá se foder! —Eu deixo escapar. — É melhor você parar...

Meu único aviso é o arregalar repentino de seus olhos quando ele avista
algo atrás de mim. Eu me viro, já fechando minha boca.

Muito tarde.
Eu estava tão envolvida em gritar com Apollo que não tinha visto a irmã
Miriam entrando na cozinha.

— Irmã, ele... — Eu aponto atrás de mim, e até mesmo viro um pouco


para deixar claro quem eu estou acusando.

Nunca dê as costas para uma freira zangada.

Ela agarra minha orelha e puxa com tanta força que eu juro que quase
sai. Eu grito e fico na ponta dos pés para que minha orelha não se solte.

— Chega, — Miriam se encaixa. — Basta, basta, suficiente! — A última


palavra ressoa pela cozinha como uma bomba explodindo.

Onde antes havia o barulho de panelas e talheres, tudo parou. O


punhado de pessoas dentro da cozinha está olhando para mim.

Então a irmã Miriam faz o impensável.

Ela me arrasta para fora da cozinha e pela sala de jantar… pela porra da
minha orelha.

Lágrimas escorrem pelo meu rosto de dor e humilhação, mas eu já sei


que o que quer que venha a seguir será mil vezes pior.

Isso é o que acontece quando você revida, Trinity.

Deveria ter comido o maldito mingau. Mas não. De repente, você acha
que merece uma fatia do normal.

Errado.

Muito errado pra caralho.

Ninguém neste lugar é seu amigo. Eles nunca serão seus amigos. Até
mesmo Gabriel já está tentando se livrar de você. Talvez você devesse
arrumar suas coisas e começar a andar.

A floresta será mais hospitaleira do que este lugar.


Felizmente, Miriam não me arrasta todo caminho pela orelha. Alguns
metros fora do refeitório, perto da pequena sala de orações, ela me solta.

Com um movimento de seu braço, ela consulta seu pequeno relógio e


então me encara por um segundo. Seus olhos se movem para a sala de oração.
Ela aponta.

— Você fica aí até eu ir buscá-la.

Quando eu não me mexo, ela me agarra pelo colarinho e me arrasta por


aquela portinha em arco. Eu tropeço quando ela me empurra para dentro e
pego meu joelho em uma das cadeiras. Choramingando, eu me viro quando
ela começa a fechar a porta na minha cara.

Ela faz uma pausa quando há pouco mais do que seu rosto aparecendo.

— Melhor você orar a Deus para que eu tenha esfriado antes de voltar,
do contrário você não terá um pedaço de couro sobrando.

Ela bate a porta na minha cara.

Eu seguro minha orelha, massageando minha pele esticada e coço onde


ela encontra meu couro cabeludo com uma mão e esfrego meu joelho onde
bati minha perna com a outra.

— Você está bem?

Não.

Não, não, não, não, não!

Vamos!
Eu me viro com as pernas que parecem ter virado de gelatina. Uma
grande forma se desenrola da pequena capela-mor e lentamente se vira para
me encarar.

Reuben.

Eu engulo um soluço de raiva e recuo, procurando a maçaneta atrás de


mim. Depois de tudo o que aconteceu hoje, a única conclusão lógica é que
estou prestes a morrer.

Terror prende um grito quebrado em minha garganta quando eu não


encontro a maçaneta. Quando meus dedos tocam madeira pura. Não me
atrevo a olhar ao redor, porque então ele vai me atacar e fazer Deus sabe o
que para mim.

Talvez bata minha cabeça no chão até que meu crânio se abra.

Porra, ele provavelmente poderia esmagar minha cabeça entre as mãos


se quisesse.

— Por favor.

Madeira.

Madeira.

Tijolo.

— Não faça isso.

Reuben abaixa a cabeça e lentamente recoloca seu rosário.

Tijolo.

Madeira.

Tijolo.

Onde é a porra da maçaneta da porta?

Eu tenho que arriscar.

Eu olho ao redor, o tempo todo minha pele cheia de tarântulas


invisíveis.
Ele ainda está de pé no púlpito. Ele não se aproximou. Meu coração
bate de alívio, mas não paro de procurar a maçaneta.

— Deixe-me mostrar a você, — diz ele, e se aproxima.

Solto um pequeno grito de pânico e viro as costas totalmente para que


possa encontrar a maldita maçaneta.

Mas não há nada lá, apenas madeira lisa.

Estou trancada por dentro com um psicopata.

Meu estômago despenca para o inferno.

— Onde está a maçaneta? — Eu grito, voltando-me para ele. Ele está


mais perto agora, mas não como a primeira vez que o vi aqui. Ele está
demorando, avançando como se soubesse que não há pressa.

— Eu posso te mostrar. — ele diz calmamente. — Mas só se você


prometer se acalmar.

— Certo. Estou calma. Viu? — Eu varro meus braços e os abraço em


meu peito. Eu recuo o máximo que posso, praticamente desaparecendo no
canto da pequena sala quando ele me alcança.

— Por que você está com tanto medo de mim?

Porque você é psicótico!

— Eu não estou. É Miriam. Não quero estar aqui quando ela voltar.

— Você terá problemas se fugir.

— Eu não me importo! —Eu abaixei minha voz apressadamente. —


Quero dizer, ela sabe onde me encontrar. E eu realmente preciso fazer xixi.
Vou encontrá-la lá fora.

— Você ainda não orou.

Porra. Porra!

Ele está apenas parado ali.

Mentiroso. Ele não vai abrir a porta para mim. Foi apenas uma
desculpa para se aproximar sem que eu fugisse. Eu olho para o lado. Eu
posso fazer isso nas cadeiras. Vá para a frente da sala. Vamos nos perseguir
em círculos até que Miriam volte.

Mas e se ele me pegar antes que ela volte?

O que ele vai fazer comigo?

O medo do desconhecido leva um pânico gelado através de mim. Eu


tremo uma vez, forte, e então não consigo parar.

— Está com frio?

— Por favor, apenas abra a porta.

Ele encolhe os ombros. Em seguida, ele empurra a mão contra a


madeira, perto de onde a alça estaria do lado de fora. A porta afunda um
pouco para dentro e, em seguida, abre uma fresta. Há uma pequena fenda
por onde ele desliza entre os dedos e então a abre.

Eu corro para a abertura, sabendo que não vou conseguir, mas não
estou disposta a ficar lá e aceitar meu destino.

Reuben fecha a porta na minha cara. Eu congelo, ficando a alguns


centímetros de distância da madeira, com muito medo de me mover.

Sua palma desliza pela madeira enquanto ele solta um longo suspiro
pelo nariz. Ele se aproxima até que suas roupas roçam as minhas.

O sangue ruge em meus ouvidos. Isso leva calor às minhas bochechas e


aperta meus pulmões.

— Você deveria orar.

— Ok. — eu consigo sem fôlego. — Vou orar.

— Peça perdão a Deus.

— Eu vou. — Forçando um gole, acrescento, —Farei isso quando


terminar com Miriam. Lá fora.

— Você vai fazer isso agora. Lado de dentro.

Tão perto, seu cheiro está em toda parte. Algo floral, algo rico, algo
amadeirado. Masculino, mas macio ao mesmo tempo.
— Ok. — Eu me viro, supondo que ele dê um passo para trás, então vou
para o púlpito.

Não é isso que você faz quando é mantido como refém por um louco?
Você os anima, os mantém falando até que a polícia chegue.

Não tenho ideia para onde a irmã Miriam foi ou quanto tempo ela ficará
longe, mas se eu puder manter esse fingimento...

A princípio, ele não se move. Com a mão na porta atrás de mim, ele está
perto de me encaixar. Admito, ele não é o ogro que eu pensei que fosse. Ele é
alto e largo, mas não é um viciado em esteroides.

Eu provavelmente o teria achado seriamente atraente se não tivesse


tanto medo dele.

Estranho, como conheci tantos caras bonitos nos últimos dias. E em um


lugar como Saint Amos? Isso está beirando a loucura.

— Aqui. Isso a ajudará a focar sua intenção. — Reuben levanta o rosário


do pescoço e o coloca na minha cabeça.

É daí que vem o cheiro. Seu rosário é feito de madeira de rosa. O cheiro
doce me envolve assim que ele desliza as contas na minha cabeça. Mas há
algo mais misturado ali. Seu próprio perfume. Ele deve acariciar as contas
enquanto ora.

E acho que ele ora muito.

Meu medo desaparece um pouco, embora eu saiba que não deveria. Não
há garantia disso, porque ele ora regularmente a Deus para que ele não me
machuque.

Mas fica mais fácil acreditar que ele pode ter uma consciência. Me
ameaçar é uma coisa, mas realmente me machucar fisicamente? Isso está
cruzando uma linha. Ele pode não ser capaz por causa de suas crenças.

Eu agarro esse pensamento enquanto deslizo por ele e caminho até o


púlpito. Está a apenas três metros de distância, então ainda é como se ele
estivesse bem atrás de mim quando afundo no travesseiro colocado na frente
da capela-mor.
Descansando de joelhos, coloco as palmas das mãos nas coxas e me
inclino para frente. Espero que eu o convença.

Mas enquanto estou ajoelhada ali, o cheiro do colar de Reuben fica cada
vez mais forte, sua presença crescendo até preencher cada centímetro da
sala...Começo a me sentir cada vez mais como uma farsa.

Eu nunca orei. Nem uma vez.

Claro, eu recitei a oração do pai. Eu li a bíblia. Já me sentei na igreja


com mais frequência do que posso contar.

Mas eu nunca orei.

Nunca senti aquela conexão que meus pais e o padre Gabriel afirmavam
ter.

Eu estava sempre atuando.

Reuben sabe disso.

A última coisa que quero fazer é deixá-lo com raiva. Devo ficar de pé?
Devolver o colar a ele?

Tecido farfalha atrás de mim.

Ele exala em algum lugar próximo antes de deslizar as mãos nos meus
ombros.

Eu arrisco uma espiada. Ele está ajoelhado atrás de mim.

— O que você está fazendo? — Eu sussurro.

Outra respiração. Aquece a parte de trás do meu pescoço, onde meu


cabelo foi preso em uma tentativa de coque.

— Estou orando por você, — diz ele com sua voz sonora.

— Por quê?

— Porque estou supondo que você não sabe como. E acredite em mim,
você precisa de toda a ajuda que puder conseguir.

****
Irmã Miriam vem para me buscar algum tempo depois. Reuben nunca
ergueu as mãos e nunca mais disse uma palavra para mim. Eu entrei em
transe enquanto a energia se movia entre nós.

Eu não estou sendo new age 10 sobre isso, eu senti isto. Meu corpo
inteiro ganhou vida com seu toque. Cada coisa desastrosa que aconteceu até
aquele ponto se dissipou.

Eu estava em paz.

Eu me senti amada.

Estou convencida de que ele conseguiu entrar em contato com Deus em


meu nome.

Isso, ou ele mesmo é algum tipo de deus.

Quando Miriam vem me buscar, não fico mais com medo. Não dele.
Não dela.

Não deste lugar, ou do meu futuro, ou do meu passado.

Estou pronta para enfrentar o que ela está esperando.

Ela percebe isso quando eu saio da sala de oração.

Mas isso não muda nada.

Acho que por aqui nada muda. Regras são regras. Eu me comportei mal
e por isso tenho que ser punida.

Eu só queria que não fosse ela distribuindo minha penitência.

10Movimento Nova Era tem, como característica, uma fusão de ensinos metafísicos, vivências
espiritualistas, animistas e paracientíficas, com uma proposta de um novo modelo de consciência
moral, psicológica e social.
— Isto não está funcionando, está? — Apollo diz assim que eu consigo
ouvir. — Por que não está funcionando, Zac? — Ele estava andando de um
lado para o outro, com os polegares enganchados no cinto, mas assim que
estou no centro da cripta rebaixada, ele afunda em uma cadeira e começa a
balançar a perna.

Ele não é o único agitado. Reuben está empoleirado na ponta de sua


cadeira, as mãos carnudas entrelaçadas e penduradas entre as pernas.
Cassius está fumando um baseado, mas com uma intensidade que desmente
seu corpo desleixado e expressão inexpressiva.

— Eu não sei, — murmuro. Eu arranco a ponta dos dedos de Cass


quando ele está prestes a dar uma tragada, e dou um puxão forte. — Mas ela
está testando minha paciência.

Apollo bufa.

Entre nós quatro, eu sou a rocha. É preciso uma carga de merda para
me irritar ou me deter. Castigado pelo tempo, mas ainda de pé.

Porque, muito antes da Irmandade, havia apenas eu.

Então veio Apollo. Então veio Reuben. Então veio Cassius.

Mesmo naquela época, não tínhamos noção de vingança. Para nós, era
tudo uma questão de sobrevivência. Cada dia era uma vitória silenciosa.

Toda hora.

Cada maldito segundo.


Esta garota está me irritando. Qualquer pessoa na posição dela teria
saído por aquela porta em dez segundos.

— Ela é uma porra de masoquista, é isso que ela é, — diz Cass. — Mas
você estava certo. Ela não disse uma palavra sobre mim para ninguém. — Ele
se inclina para frente, imitando Reuben. — Ela não fez isso, certo?

— Não para mim. — Eu balanço minha cabeça e dou outra tragada.


Então eu tenho que sorrir, porque é raro qualquer um de nós ter a chance. —
Aquele desenho...

O rosto de Cassius se ilumina com um sorriso. Ele se inclina e bate no


peito de Apollo com as costas da mão. — Mano, você deveria ter visto.

Apollo ergue os olhos para mim. — Você ainda o tem, certo?

Eu concordo. — Alguns dos melhores trabalhos de Cass. — Eu estudo o


ponto cego entre meus dedos. — Ela é mais forte do que pensávamos. Mais
corajosa. Podemos ter que mudar de tática.

Dou uma última tragada no baseado. Está quase no limite do filtro, mas
eu ofereço a Rube como sempre faço. Já estou retraindo minha mão no
automático quando ele a tira de mim.

A perna trêmula de Apollo congela. Cassius se vira para olhar.

Reuben estuda a junta e, em seguida, eviscera o último quarto de


polegada de erva. Eu quase corro para frente e o recupero antes que ele inale
a porra do filtro também.

Ele o joga no chão e o esmaga sob um sapato enorme.

Quando ele exala, Cassius e Apollo desaparecem atrás da nuvem de


fumaça.

— Ela não é corajosa, ela é apenas teimosa, — diz Reuben. Ele se mexe
na cadeira antes de olhar hesitantemente na minha direção.

— O que você quer dizer?

— Eu sei que você disse que eu não deveria chegar perto dela...

Estou de pé em um segundo.
— O que você fez?

— Nada. — Reuben estende as mãos. — Ela veio até mim.

— O que? Por quê? — Apollo exige.

— Não importa. — Rube diz a Apollo antes de se virar para mim. — Eu


não fiz nada. Eu só...orei com ela.

— Rube... — Minha voz está perigosamente baixa. — O que você disse a


ela?

Ele balança a cabeça.

— Nada. Mas eu vi que ela tinha mais medo de mim do que a irmã
Miriam.

— Se ela está tão assustada, então por que ela não nos delatou? — Exige
Cass. — Quero dizer, tudo o que ela tem que fazer...

— Vergonha. Negação. Medo das consequências. Eu poderia continuar.


— Me sento, recostando-me e abrindo as pernas. Isso não é confortável, mas
quando nós quatro estamos juntos é como se eu tivesse voltado para casa
depois de um longo dia. Essas breves reuniões na cripta são nossas versões
do almoço de domingo.

Lá fora, somos apenas um bando de crianças.

Aqui, somos assassinos filhos da puta.

Infelizmente, Trinity Malone só nos vê quando estamos fora dessas


paredes.

— Comportamento de sobrevivência, — acrescento.

Cada sobrancelha se contrai com isso, até a de Reuben.

— Então, o que fazemos? A garota não está se desistindo, — Apollo


murmura, sentando-se e cruzando os braços sobre o peito.

— É exatamente isso... — Eu balanço minha perna para cima,


descansando meu tornozelo sobre meu joelho. — Temos tratado ela como
uma menina. Como um delicado pedaço de vidro, não ousamos quebrar.
Cassius ri.

— Eu posso quebrá-la por...

— Cass!

Seus olhos se voltam para os meus.

— O quê? De repente, ela é tão especial ou algo assim?

— Isso é um pouco hipócrita, você não acha? — Eu pergunto, inclinando


minha cabeça. Já percorremos esse caminho da razão antes, Cassius sempre
acaba na porra do lado negro.

— Ela é uma vagabunda de qualquer maneira, — diz Cassius.

Eu nem me preocupo em olhar para ele.

Todos nós temos visões de mundo distorcidas. Mas também temos uma
desculpa. Nunca pudemos ver o mundo como as outras crianças viam.
Nossos desenhos de giz de cera não tinham arco-íris e retratos de família
com figuras de palito. As nossas, se é que alguma vez as tivéssemos, seriam
paisagens pretas e vermelhas riscadas de dor reprimida.

Cassius acha que todo mundo é uma vagabunda enrustida e foderia


qualquer coisa que se movesse se eu não o controlasse.

Apollo é um voyeur completo. Ele prefere filmar alguém se


masturbando do que realmente fazer sexo com essa pessoa.

Reuben provavelmente morrerá meio que virgem.

Eu? Seria melhor se eu me tornasse padre e jurasse celibato pelo resto


da vida. Porque, ao contrário dos meus irmãos, só há uma coisa que
realmente me traz alegria.

Eles me crucificariam em um piscar de olhos se descobrissem o que era.

— Ela vai quebrar. — Eu digo, me mexendo na cadeira.

Reuben está me olhando com tanta força que parece que ele está
cavando meu cérebro com os dedos. Se alguém me descobriu um pouco, é ele.
Mas espero, meu Deus, espero, que ele saiba que não deve dizer nada.
Apollo suspira.

— Eu acho que se continuarmos puxando seu cabelo por tempo


suficiente, ela pode...

— Vou mandá-la para a Bruxa, — interrompi. Meus olhos cortaram para


Cassius. — Tudo bem para você?

Cassius me mostra os dentes.

— Fotos ou não aconteceu.

— Por que eu estaria lá? — Eu pergunto com calma.

— Você poderia estar, se quisesse. — Reuben me interrompe. — Ela é


uma garota. Não seria apropriado que você mesmo a punisse.

Cassius já está balançando a cabeça furiosamente antes de Reuben


terminar de falar.

— Mas ele pode assistir, para ter certeza de que ela receberá sua
penitência, certo?

Reuben concorda.

Eu engulo. Duro.

Isso era exatamente o que eu estava tentando evitar.

Desde o primeiro dia que tive Trinity em minha classe, eu poderia dizer
que ela não era frágil como as inúmeras outras crianças que cruzaram meu
caminho nos últimos anos.

Eu sabia que isso resultaria em violência total. O tipo de dor e


sofrimento que as pessoas abalaram no Velho Testamento.

E, secretamente, esperava que a garota atendesse às minhas


expectativas. Porque, além desse bando de desajustados, nunca conheci
alguém que pudesse realmente considerar como meu igual.

Ela está procurando ser uma forte candidata.

Será uma pena quebrá-la.


—Mano, eu quero detalhes. — Cass diz através de uma risada diabólica.
— Quero dizer, golpe por golpe. — Ele se senta para frente, os olhos
brilhando. — Me entende?

Cassius não é um sádico.

Ele está, no entanto, sentado na cerca entre o sociopata e o psicopata.

Eu aceno e deixo meus olhos caírem enquanto fico de pé.

— Vou fazer os arranjos.

Cass solta uma risada, apertando as mãos de Apollo.

Reuben me observa, em silêncio e sempre julgando.

Acho que estou sendo ingênuo pensando que ele não tem nenhuma
noção sobre meu próprio coração sombrio. Ele ficou ao meu lado por meses
antes que os outros aparecessem. Somos todos irmãos, mas ele é meu gêmeo.
Espelhamos a escuridão um do outro de maneiras diferentes, mas
emergimos, renascemos, juntos.
A irmã Miriam me leva ao primeiro andar do prédio principal.
Passamos por vários escritórios da administração até chegarmos a um bem
no final do corredor.

Tem uma janela. Uma escrivaninha. Uma cadeira de escritório. Um


armário de madeira e um telefone tradicional com o receptor no gancho.

Cheira a cigarro aqui, o que é surpreendente, porque não achei a irmã


Miriam uma fumante. Talvez ela tenha recebido uma visita que o fez? Era
com isso que ela estava ocupada enquanto Reuben estava orando por mim?

Ela não diz nada enquanto caminha até o armário de madeira.

Eu fico no meio da sala, sem mover um fio de cabelo, na esperança de


atrasar o inevitável.

Até parece.

Ela finalmente se vira para mim, uma tira de couro na mão. Largo,
talvez cinco centímetros. Tão rígido que mal se move quando ela se aproxima.

— Feche a porta.

— Irmã...

— Feche a porta!

Meus olhos se fecham com força ao seu grito. Eu me viro e vou fechar a
porta.

Quando me viro, noto uma segunda cadeira. Agora a fumaça do cigarro


faz sentido.
O irmão Zachary Rutherford está aqui, fumando um cigarro. Há uma
mesa baixa ao lado dele, um cinzeiro transbordando e um maço de cigarros
sem filtro.

Ele dá uma tragada no cigarro, seus olhos nunca deixando os meus.

— Aqui, criança, — Miriam chama.

— O que ele está fazendo aqui?

— Certificando-me de que faço meu trabalho, — diz ela com firmeza.

Pelo som de sua voz, ela está prestes a tirar uma semana de irritação na
minha bunda.

Chicotadas.

Na frente de Zachary.

Eu imploraria, se achasse que isso faria algum bem. Porra, eu ficaria de


joelhos e oraria.

Ainda tenho o rosário de Reuben. Seu cheiro esteve comigo todo esse
tempo, mas de repente ele perdeu seu efeito calmante.

— Mova-se.

Eu me arrasto nas pernas de madeira.

— Mãos aqui, — diz ela, usando a tira de couro dura para apontar para
um espaço vazio na mesa.

Eu pressiono minhas mãos na mesa. Estou de frente para a parede, meu


perfil lateral voltado para Zachary.

— Pés para trás.

Eu engulo em seco e afasto meus pés alguns centímetros.

— Mais.

Agora minha bunda está aparecendo.

Lágrimas quentes e vergonhosas enchem meus olhos. Tento piscar, mas


elas acabam rolando pelo meu rosto.
Eu aperto meus olhos fechados quando Miriam levanta minha saia.
Estou convencida de que ela vai puxar minha calcinha para baixo, mas
possivelmente para poupar minha modéstia, ela não o faz.

Silêncio. Então ouço Zachary tragando seu cigarro, as folhas secas de


tabaco estalando levemente enquanto queimam.

Baque.

A dor bate em mim. Eu suspiro de surpresa, vagamente orgulhosa de


não ter gritado.

Baque.

Não foi assim tão...

Baque.

Eu grito de dor. Engasgo com um soluço irregular.

Baque.

Minhas pernas caem. A dor dos meus joelhos batendo no chão de


madeira não é nada comparado com a dor latejante na minha bunda.

Isso é o inferno.

Irmã Miriam é o Diabo.

Ela passa o braço por baixo da minha cintura e me puxa de volta aos
meus pés.

— Você consegue ficar de pé ou o irmão Zachary precisa segurá-la?

— Pare. — eu consigo dizer em um sussurro sem fôlego. — P-por favor,


pare!

—Mais seis, criança. — Há uma falha repentina na voz de Miriam. —


Você consegue fazer isso. Mas você tem que se levantar.

Eu consigo acenar com a cabeça.

Baque.

Não posso evitar, soltei um uivo miserável de dor. Estou correndo o


risco de arranhar minhas unhas na mesa.
O que eu poderia ter feito para merecer isso?

Posso acabar com isso, não posso?

Se eu contar a Miriam, que não fui eu.

Vou dizer a ela para buscar Gabriel. Ele vai atestar. Diga a ele que fui
enganada.

Baque

Outro uivo, este mais forte que o anterior. De alguma forma, isso ajuda
com a dor. Estou ofegante agora; sons altos e feios que só um animal pode
fazer. Minhas bochechas estão molhadas de lágrimas. Meu rosto se contrai
enquanto luto contra a vontade de desabar no chão.

Baque

Meus ouvidos começam a zumbir.

Minhas pernas fraquejam.

Miriam está falando, me dizendo para levantar.

Mas eu não posso.

Eu não tenho mais nada.

Um braço me levanta. Acho que é Miriam de novo, e isso deve significar


que ela não pode me bater de novo porque...

Baque.

É Zachary.

Posso sentir o cheiro de sua marca ligeiramente adocicada de cigarros.

Tudo que preciso fazer é dizer o nome dele.

Cassius.

Diga e isso vai parar.

Ela vai perguntar por quê? Por que ele?

Não sei.

Eles me odeiam.
Ele, Apollo, Reuben.

Eles me odeiam.

Mas eu posso acabar com isso.

Nada pode ser tão ruim quanto isso. O que eles farão? Mais pegadinhas?
Mais intimidação? Eu não dou a mínima.

Acabe com isso, Trinity.

Baque.

Você pode acabar com isso agora. Você só tem de...

Baque.

Soltei um barulho choramingando. O braço que estava me apoiando


aperta. O mundo gira em sua cabeça, e então estou olhando para os olhos de
jade de Zachary.

Há algo estranho brilhando neles, mas não entendo.

Pensamento, raciocínio, não é possível.

Só existe dor.

Isso me corrói como um fogo que queima lentamente. Como o tabaco


seco do cigarro de Zachary. Flutuando e fluindo, mas finalmente se movendo
mais profundamente dentro de mim.

— Leve-a para o quarto dela, — ouço Miriam dizer.

O peito de Zachary ronca contra o meu lado quando ele responde.

— Obrigado, irmã.

A voz de Miriam está tensa.

— Certifique-se de que ela coloque a pomada.

Esse fogo se move através de mim, me consumindo. Não deixa nada


além de cinzas.
Zachary me leva para fora da sala. Seu peito empurra e retrai contra
meu corpo. Às vezes, sua respiração toca meu rosto, mas na maioria das
vezes não.

Às vezes ouço vozes e às vezes apenas o barulho constante de seus pés.


A cada passo, meu corpo fica cada vez mais dormente.

Meus olhos fecharam momentos depois que saímos do escritório de


Miriam. Não me lembro como abri-los novamente, mesmo quando uma
porta range e uma escuridão estranha cai sobre mim.

Zachary me coloca em algo macio. De lado.

Acho que ele levanta minha saia, mas não tenho certeza até que algo
roça minha carne sensível. Eu choramingo e tento me afastar desse toque.

— Shh, — ele murmura.

A superfície embaixo de mim afunda.

Uma cama.

Ouve-se o som de uma tampa sendo aberta. O mentol forte faz cócegas
no meu nariz.

— Isso vai doer.

Eu respiro enquanto o fogo congelado atinge minha pele macia e tento


me afastar, mas ele agarra meu quadril para me manter no lugar. Cada golpe
é como ar quente em brasas, alimentando o fogo enterrado bem no fundo.
Trazendo isso para a superfície. Eu teria começado a soluçar, mas estou
exausta.

Então eu deitei lá e de alguma forma suportei a agonia.

Eu gostaria de poder orar.

Eu gostaria que houvesse alguém que me ouvisse.

Eu sei que não mudaria nada, mas não seria bom saber que você não
está sozinho?

Estou sozinha.
Mesmo aqui com essa porra sádica de um homem que observa
enquanto uma garota é espancada repetidamente e então a carrega para
algum lugar escuro e secreto para machucá-la um pouco mais….

Mesmo aqui, com ele, ainda estou sozinha.

A cama se move.

Sua mão desliza pela minha nuca. Ouve-se o som de um isqueiro


batendo. Espero fumaça de cigarro. Mas isso é outra coisa.

Pungente. Exótico.

A cama afunda novamente.

— Abra.

Algo seco cutuca meus lábios. Eu os separo.

— Inale.

Já passei do ponto de lutar contra isso. Então eu faço o que ele diz e
espero que isso seja o último, porque eu não aguento mais.

Estou quebrada e usada. Uma boneca de porcelana suja com o rosto


rachado, deixada para apodrecer nos escombros de um prédio abandonado.
Uma vez um brinquedo precioso, agora um ninho de aranha.

A fumaça me faz tossir. Mas eu dou outra tragada de qualquer maneira.


Então de novo. Novamente. A dor ainda está lá, mas está distante agora. E
desaparecendo.

Não, sou eu.

Eu estou desbotando.

Dedos roçam minha têmpora. Uma mecha perdida faz cócegas na


lateral da minha orelha. Soltei um longo suspiro e meu corpo finalmente
relaxou.

— Quem é você, Trinity Malone?

Minha cabeça lateja junto com aquela dor distante. Algo novo se
insinua dentro de mim. Algo quente e difuso e...
Legal.

— Ninguém, — murmuro.

— O que você está fazendo aqui?

— Nada.

Eu quero desaparecer completamente. Mas ele continua me fazendo


perguntas que sou obrigado a responder.

— Como você conhece Gabriel?

— Ele é meu amigo. Meu melhor amigo.

Há uma longa pausa. Até logo, eu quase escapo. Mas então aqueles
dedos voltam e tocam o lado do meu rosto, traçando o contorno da minha
mandíbula.

— Eu realmente esperava que não fosse o caso, — diz Zachary.

A cama se move quando ele se levanta.

Estou vagamente ciente de que este pode não ser o meu quarto. Que
estou deitada em uma cama estranha com minha calcinha em volta dos
joelhos e a parte de trás da minha saia levantada. Minhas mãos tremem
quando chego atrás de mim, mas Zachary as agarra pelos pulsos antes que eu
possa ajustar minhas roupas.

— Você está indo. Vou providenciar um táxi para você pela manhã, —
diz Zachary. — Basta me dar um endereço.

Eu rio dele.

— Foda-se.

Eu ouço a respiração profunda que ele dá, e isso me faz lamentar o que
eu disse. Mas não há endereço que eu possa dar a ele. Eu não tenho mais
ninguém. Eu não tenho nenhum outro lugar.

Há uma explosão de dor surda enquanto ele puxa minha calcinha pelas
minhas pernas.

— Sisters of Mercy, então.


Mãos deslizam sob minha cintura. O mundo gira enquanto ele me pega
em seus braços. Cada passo forte que ele dá irrita minha pele com fogo.

Descemos um lance de escadas e, em seguida, ao longo de um corredor.


Estamos de volta ao meu andar, indo para o quarto 113. Ele passa pela porta
e me deixa cair na cama.

Nas minhas costas.

Eu viro de lado com um assobio, as lágrimas pinicando minhas


pálpebras.

— Lembre-se, Trinity, você escolheu o caminho mais difícil, — diz


Zachary da porta. Ele joga algo em minha direção, e bate contra minha
barriga. Então ele se foi, a porta do meu quarto se fechou atrás dele.

Procuro o objeto frio e duro pressionando meu estômago.

A pomada.

Eu envolvo meus dedos em torno dela e me enrolo em uma bola.

Eu não choro, porque não adianta. O que quer que eu fumei atenuou a
dor o suficiente para que provavelmente pudesse cair no sono. Mas o sono
não vem por muito tempo, porque fico repetindo suas últimas palavras para
mim.

Você escolheu o caminho mais difícil.

Apenas lembre-se, Trinity.

Você escolheu o caminho mais difícil.


— Bom dia, chefe.

Eu olho para cima e franzo a testa para Cassius. Demoro alguns


segundos para me mover após o choque de vê-lo na minha porta tão cedo
pela manhã. — Que porra você está fazendo? — Eu assobio, cambaleando
pela sala, puxando-o para dentro e fechando a porta silenciosamente atrás
dele.

Primeiro Reuben, agora isso? Você poderia jurar que todo mundo teve
uma porra de um aneurisma cerebral esta semana com a forma como eles
estão agindo.

— Como foi?

— Você não podia esperar? — Eu passo a mão pelo meu cabelo. — Isso
está longe de ser cauteloso.

— Cauteloso. — Cassius repete baixinho, seus olhos se afastando dos


meus. — Cheira úmido aqui. Você ainda tem aquele gordo 11por aí?

— Cassius, você tem que sair! — Eu rapidamente abaixei minha voz. —


Ninguém pode ver você no meu quarto.

— Porque? — Ele arrasta um dedo sobre a minha mesa como se


estivesse inspecionando para ver se há poeira. — Eles apenas pensariam que
estávamos transando.

Ele está imaculadamente vestido esta manhã. Pode ser o tempo mais
frio, aquelas mesmas nuvens que continuam ameaçando estão ganhando

11Um baseado grande e largo.


força, que o fez colocar o blazer, mas não há explicação possível para sua
gravata perfeita.

Pego a manga de sua jaqueta e torço o tecido, usando aquele aperto


para virá-lo. — Olhe para mim. — eu estalo quando seus olhos se afastam dos
meus.

— Relaxe, chefe. — Ele fala arrastado.

Eu rapidamente o solto e dou um passo para trás.

— Como você está se sentindo, Cass?— Eu pergunto com cautela.

Começamos uma dança, ele e eu. Ele se move para a esquerda, eu


deslizo para a direita. Vamos dar voltas e mais voltas, onde vamos parar,
ninguém sabe.

— Honestamente? Um pouco deixado de fora. — Ele envia um sorriso


brilhante na minha direção. — Veja, a última vez que conversamos, você
traçou esse plano brilhante... — ele acena com a mão —...como você sempre
faz, e eu estava realmente salivando ao ouvir como tudo iria acabar.

Ele para e abre a primeira gaveta da minha mesa. Eu o deixei, não


tenho nada a esconder de meus irmãos. Se ainda sentíssemos a necessidade
de guardar segredos depois da merda que passamos, estaríamos mais
fodidos da cabeça do que qualquer manual de psicologia poderia explicar.

— Você não ligou. Você disse que ligaria. — Cass olha para cima e pega
o baseado sem ponta que eu arrumei ontem à noite. — Parece que fiquei de
pé esperando.

—Ela recebeu as chicotadas. Eu dei a ela uma saída, ela não aceitou. O
que mais você quer saber?

Cassius afunda na minha cama e acende o baseado.

Rangendo os dentes, avanço para a frente e arranco-o de seus lábios


antes que a chama toque o papel.

— Este corredor recebe tráfego de pedestres em uma hora. O cheiro não


terá passado até lá.
— Você sabe o que não atrai tráfego? — Cassius se recosta na minha
cama, apoiando-se nos cotovelos. — Meu maldito pau. Nem uma vez desde
que estamos aqui. Eu tenho necessidades, chefe. Só tem um limite de
punhetas que um pau pode...

Ele corta quando eu fecho minha gaveta, o baseado jogado de volta para
dentro.

— Pare de agir como uma criança, porra. — eu estalo.

— Sim? — Ele se senta para frente com pressa. — Você sabe que eu não
tenho essa merda de interruptor mental, posso simplesmente desligar como
vocês, filhos da puta. — Ele repousa sobre os cotovelos novamente. — Você
sabe disso.

Eu o estudo por um segundo e, em seguida, me inclino para o lado para


virar o despertador digital para me encarar.

— Tudo bem, — eu digo através de um suspiro. — Mecha-se.

Hesito e depois verifico o relógio novamente. Então eu me inclino e


pego o baseado da minha gaveta, acendendo-o de uma vez. Se eu mantiver
minha porta fechada um pouco mais e abrir a janela, a maior parte do cheiro
deve ter se dissipado antes que o pessoal comece a se mover.

— Então ela entra no escritório de Miriam...

****

— Você irá contar essa história de ninar para mim todas as noites? —
Cass diz, sorrindo para mim com um sorriso bobo. Na metade da narrativa,
ele se acomodou na minha cama, a cabeça apoiada nas mãos.

— Claro, — eu digo através de uma risada. — Mas agora você tem que
sair daqui. — Meus olhos se movem para o despertador digital. — Porque
este é realmente o pior momento para termos que tentar explicar a merda.
—Sim, Sim. — Ele se apoia nos cotovelos, mas então faz uma pausa. —
Ei, Zac?

Eu paro, congelado pela hesitação em sua voz.

— O que?

— Se você fosse fodido da cabeça, você acha que saberia imediatamente?

Minha raiva aumenta, mas faço o possível para manter minha


expressão desinteressada.

— Tipo, se você enlouqueceu?

— Sim claro. Tipo isso. Você acha que saberia?

Eu levanto minha perna, mas eu a abaixo quando percebo que vou


começar a esfregar meu tornozelo.

— Depende. Se você é esquizofrênico, provavelmente não. Porque é tão


real para você, e você normalmente começa a se desassociar.

— Então seus amigos também não perceberiam? — ele adiciona.

Todos nós aprendemos algumas coisas sobre a mente humana. Embora


eu ache fascinante o suficiente para possivelmente conseguir meu mestrado
nisso um dia, a Irmandade aborda isso como outros caras fariam com o
futebol. Algo com o qual todos estamos familiarizados e que passa o tempo.

— Depende do nível das ilusões que você sofre. Bipolar, é uma história
diferente. Os relacionamentos são os primeiros a sofrer, porque você não é
exatamente antissocial. Borderline...

— Eu quase transei com ela.

Minha cabeça inclina para frente antes que eu possa endireitar meu
pescoço.

— Ela...Trinity? — Minhas sobrancelhas sobem até a porra do meu


couro cabeludo.

Depois que eu especificamente porra o proibi de...


— Foi antes de você dizer qualquer coisa. Ela tinha acabado de chegar.
— Cassius passa as unhas no corte curto. — Antes de sabermos que ela
era...importante.

Eu me forço a respirar fundo.

— Mas você não fez isso, certo?

Ele fica quieto.

— Certo?

— Eu quase fiz.

— Mas você não fez.

— Não.

— Então estamos bem.

Eu não disse que ele estava bem. Ele não estava.

Nenhum de nós estava.

— Eu sinto muito.

— Você não sabia.

— Sim, mas, Pooorrraaa. Eu quase …

Minha pele fica dormente. Eu não estava ouvindo direito. Achei que ele
estava se sentindo culpado por minha ordem de não tentar dormir com
Trinity antes de descobrirmos se ela era uma ameaça ou não..., mas não era
isso, era?

— Cass.

— Sim, eu sei, porra. — Ele se senta com pressa. — Jesus. — Ele coça o
couro cabeludo com as unhas.

Eu coloquei a mão em seu joelho.

— Isso não significa que você é...

Que porra devo dizer? Ele quase a estuprou, e devo dizer a ele que está
tudo bem? Posso parecer que sei uma merda, mas não tenho a porra da ideia
se isso significa que ele está muito longe de se tornar um estuprador em série
ou se ele está tão frustrado quanto o resto de nós.

Alguém saberia?

O cérebro é realmente previsível?

Agora que temos as vagas aproximações de projetos de desvio como


Gacy12e Bundy13, pode a natureza humana ser honestamente lida como a
porra de um baralho de cartas?

— Vamos...estamos apenas dando um passo de cada vez, certo?

Esse era o nosso lema na época, quando estávamos enfurnados naquele


porão frio e infestado de ratos.

Um dia de cada vez.

O amanhecer era nosso despertador. O equivalente do Universo a um


botão de reinicialização. Quando o amanhecer rastejou por entre aquelas
tábuas dentadas e fez uma varredura lenta no chão empoeirado onde nos
mantinham...era um novo dia.

Um dia cheio de possibilidades.

E sempre, um dia cheio de horror.

12John Wayne Gacy foi um assassino em série e estuprador estadunidense, conhecido como o
Palhaço Assassino.
13Ted Bundy foi um notório assassino em série americano que sequestrou, estuprou e matou
várias mulheres jovens na década de 1970.
Um sino soa. Abro os olhos com dificuldade enquanto mudo um corpo
pesando dez toneladas.

Que horas são?

Que dia é?

Estou vagamente ciente de que muito tempo se passou desde que


Zachary me deitou na cama. A dor me acordou algumas vezes desde então,
mas eu só fiquei acordada o tempo suficiente para cuidar dos meus
hematomas com pomada. Surpreendentemente, ninguém me incomodou.
Acho que Miriam não teve escolha a não ser me dar um dia de folga.

Eu fico aqui no escuro, estremecendo enquanto tateio para o frasco.


Abro a tampa e pego um pouco de pomada.

Está doendo, mas não tanto quanto ontem. Minhas contusões estão
curando, mas meu orgulho ainda está machucado e triste.

Parece tão estúpido não contar a eles sobre o desenho de Cassius. Não
posso lutar contra a certeza de que ele fará algo ainda pior se eu o delatar.
Afinal, o que o está impedindo de entrar sorrateiramente no meu quarto e
terminar o que começou?

Adoraria saber o que fiz para ganhar isso. Quer dizer, já ouvi falar de
trotes, mas será que todo mundo realmente passa por isso quando chega
aqui?

Também ouvi falar de bullying, mas nada como isso.


Eu coloquei o frasco no meu lado da mesa. Mal há luz da lua suficiente
entrando pela janela para ver o corpo de Jasper encolhendo os cobertores em
sua cama.

Eu realmente, realmente preciso fazer xixi.

Eu nem me incomodo em sentar na beira da cama. Eu fico de pé,


fazendo uma careta quando minha saia roça minha calcinha.

Senhor, isso dói. O pior que eu já recebi da mamãe foi um tapa na


minha bunda com a mão nua quando eu tive um acesso de raiva. Acho que
tinha uns dez anos ou algo assim.

Papai nunca colocou a mão em mim. Ele quis uma vez, mas minha mãe
o impediu. Não consigo nem me lembrar do que fiz de errado.

É muito tarde, certo? Se Jasper está aqui e dormindo, então deve ser
depois das dez.

Tenho certeza de que sou a única acordada neste andar. O que significa
que eu teria o banheiro só para mim.

Vai doer tomar banho. Mas pelo menos vou ter certeza de que ninguém
vai me pegar. E talvez a água quente alivie a dor.

Pego um pijama, calcinhas limpas, meias. Eu abro a porta e verifico o


corredor antes de sair.

Então eu hesito.

Achei que o padre Gabriel viria me ver ontem, mas a única pessoa que
vi foi Jasper. Eu poderia ir para lá agora. Para o quarto do padre Gabriel. Eu
poderia contar a ele o que aconteceu.

Tudo.

Ele disse que estou segura aqui, e olha o que aconteceu? Fui intimidada
e falsamente acusada, sem poder me defender.

Ele honestamente deixaria isso acontecer?


****

Alguns minutos depois, Estou parado em frente à porta do padre


Gabriel. É preciso toda a coragem que tenho para bater. Ainda não estou
convencida de que posso contar tudo a ele, mas anseio por seu conforto.
Preciso de alguém para me abraçar e me dizer que tudo vai ficar bem.

Como uma criança com um dodói. Realmente maduro, Trinity.

Minha batida soa muito alta neste corredor amplo e vazio.

Mas, obviamente, não é alto o suficiente porque não há resposta.

Eu tento de novo.

Minha mão vai até a maçaneta. Trancada.

Ha. Tanto para ele confiar que suas coisas estão seguras. Acho que isso
só se aplica a órfãos como eu, que não têm nada de valor para roubar.

Eu dou um passo para trás, eriçada com uma raiva repentina.

Estou prestes a mostrar o dedo na porta quando um movimento chama


minha atenção.

Reuben caminha pelo corredor. Eu fico rígida e, como a idiota que sou,
nem penso em fugir.

— Ele não está aqui, — diz Reuben.

— Sim, eu percebi.

— Ele estará de volta amanhã.

— Você é assistente dele ou algo assim?

Não há nem um indício do que ele pode estar pensando naqueles olhos
negros.

— Ou algo assim. — ele diz. — Você deveria estar no seu quarto. — Seus
olhos vão para as roupas enroladas no meu braço. — O que você está fazendo
aqui?
Eu não sou grande em mentiras. Minha mãe tinha um bom faro para
elas e ela me pegava todas as vezes. Era mais fácil contar a verdade. Mas as
mentiras são mais fáceis quando você está lidando com estranhos. As últimas
semanas foram uma curva de aprendizado para mim.

Estou bem.

Não, não preciso falar com um conselheiro.

Sim, eu disse minhas orações.

Ainda estou muito longe de ser um vigarista, mas tenho quase certeza
de que pareço convincente quando digo:

— O padre Gabriel disse que eu poderia usar o banheiro dele para não
ter que dividir com os meninos. — Eu cruzo meus braços, levantando meu
queixo enquanto mentalmente desafio Reuben ver através da minha mentira.
— Mas ele se esqueceu de me deixar a chave. Você tem uma?

O mais leve sorriso toca a boca generosa de Reuben.

— Eu gostaria de ter.

— Bem, então, é inútil ficarmos aqui, não é? — Eu coloco minha


expressão mais fria e me viro para sair.

Uma mão se fecha em volta do meu ombro e me vira de volta. Eu


estremeço quando minha saia muda contra meu traseiro sensível. Mas eu
afasto o olhar de dor antes que Reuben possa notar.

— Você deve ter cuidado com ele, — diz Reuben.

— Padre Gabriel? — Eu dou risada. — Você sabe que ele é um bispo,


certo?

— Não mais. — Reuben abaixa a cabeça, e a luz fraca no corredor lança


poças de sombras em suas órbitas. — E mesmo que ele ainda fosse, os títulos
não significam nada por aqui.

— Tenho certeza de que reitor soa diferente. — Eu arranco meu ombro


de seus dedos e dou um passo rápido para trás.
Ele não tenta me tocar novamente, mas seus olhos caem para o meu
peito.

ECA. Por que os homens são tão nojentos? Eles veem qualquer coisa
com seios e não conseguem pensar direito.

Eu me viro e corro pelo corredor o mais rápido que minha bunda


dolorida permite. Antes de subir as escadas, olho para trás por cima do
ombro.

O corredor está vazio.

Reuben se foi.
Meus passos ecoam vagamente enquanto eu me dirijo ao boxe de
chuveiro mais próximo. Parei para usar o banheiro no caminho para cá, e
aonde quer que fosse, era como andar por um mundo congelado.

Há um estranho silêncio em Saint Amos tão tarde da noite. Como se o


próprio prédio também estivesse dormindo.

Ou esperando.

Há uma chance de que Reuben ainda esteja perseguindo os corredores.


Para começar, só Deus sabe o que ele estava fazendo no andar do padre
Gabriel. Talvez ele e Cassius trabalhem em turnos. Mas tenho certeza de que
ele tem coisas melhores a fazer do que me perseguir.

Eu forço um sorriso.

Isso não ajuda.

Eu tremo e olho por cima do ombro.

Um banho rápido e depois de volta à cama. De jeito nenhum a irmã


Miriam vai me deixar tirar mais um dia de folga, vou precisar de todo o sono
restaurador que puder. Eu gostaria de ter mais do que quer que seja que
Zachary me deu para fumar. Funcionou muito melhor do que o unguento.

Era maconha, não era? Porque tenho certeza que você fuma crack
através de um cachimbo de vidro ou algo assim.

Eu ligo o chuveiro.

Água gelada espirra, me fazendo gritar de surpresa e arrancar minha


mão.
A água fica morna, depois quente.

Sim!

Eu puxo meu vestido pela cabeça com um estremecimento e jogo no


chão. Minhas roupas secas estão empilhadas do outro lado da parede do
cubículo. Perto o suficiente para que eu não tenha que andar nua por toda a
sala para me vestir, mas longe o suficiente para que eles não se molhem.

A roupa é a próxima. Eu saio da minha calcinha e faço uma inspeção


rápida. Sem sangue na parte de trás, acho que estou apenas machucada,
afinal. Eu gostaria que houvesse um espelho neste lugar, mas eles são tão
escassos quanto eram na minha casa.

Engolindo em seco, tento me preparar para a dor que se aproxima.

Há um barulho atrás de mim.

Eu giro ao redor, cobrindo meus seios enquanto examino a sala vazia.


Devo me apressar, a menos que queira algum garoto aleatório
interrompendo meu banho.

A porta do lado direito se abre, fazendo minha respiração ficar presa na


garganta.

Não.

Reuben entra no banheiro.

Não!

Pego minhas roupas e rapidamente coloco minha calcinha enquanto


grito

— Ei! Saia!

Ele nem mesmo diminui o ritmo.

—Eu juro, vou gritar!

A porta se abre novamente. Meus olhos voam para ele enquanto pego
minha blusa e puxo sobre a minha cabeça.
Cassius entra na sala, seus olhos já fixos em mim. Enquanto Reuben
está me encarando como um obstáculo que planeja atravessar, Cassius está
retirando mentalmente as roupas que estou vestindo com as mãos trêmulas.

Reuben para a 30 centímetros de onde os ladrilhos começam. Apenas


parado ali, olhando para mim. Através de mim. Cassius se junta a ele.

— Você está certo, Rube. Ela definitivamente não deveria estar aqui.

O que diabos está acontecendo?

Cassius se aproxima.

— Você pode ter todos os tipos de problemas por estar fora do seu
quarto tão tarde da noite. — Ele puxa minha calça de moletom antes que eu
possa puxá-la pelas minhas pernas.

Certo, porque ele é a porra do monitor de corredor.

Oh meu Deus. O que há de errado com essas pessoas?

— Agora, o que vamos fazer a respeito dessa transgressão? — Ele dá


mais um passo e eu jogo minhas mãos para cima.

— Toque-me e eu gritarei.

— Faça isso, — diz Cassius. — Ninguém pode te ouvir. Não aqui


embaixo.

Eu recuo, estremecendo quando minhas costas tocam a parede. Está


muito frio através do tecido fino do meu colete

—Vou contar ao padre Gabriel sobre isso. E sobre o desenho. — Meus


olhos piscam para Reuben, mas ele poderia estar observando as nuvens se
movendo no céu por toda a emoção em seu rosto. — E vou contar a ele o que
você fez na segunda-feira.

Cassius inclina a cabeça.

— Mentirosa compulsiva? — Ele se inclina para o lado, agarrando-se à


borda da parede de ladrilhos do cubículo. Então, ele lentamente começa a
desamarrar o sapato.
Eu mostro meus dentes para ele, avançando para o lado. Se ele se
aproximar e Reuben ficar onde está, posso passar por eles. Não sou atleta,
mas tenho certeza que sou mais rápida que eles.

Teria sido esplêndido se você estivesse toda ensaboada e nua, não


acha? É como tentar pegar um porco untado. Exceto que você está de
roupas, Gênio.

Cassius se endireita e tira os sapatos. Então ele puxa a camisa pela


cabeça.

Mesmo em meu estado de pânico, não posso deixar de notar seu corpo
esguio e de proporções perfeitas. Pele de porcelana, nem mesmo uma sarda
para estragá-la. Uma poeira de cabelo desce de seu peito até uma barriga lisa
e dura e desaparece atrás de seu calção.

— Reuben, você pode se mover? — Uma voz chama. — Você está


bloqueando minha filmagem.

Reuben se vira, revelando Apollo. Ele está de pé ao lado do banco, sua


câmera de vídeo apontada para mim.

Meus olhos querem pular das órbitas.

— Que diabos? — Eu respiro.

Cassius desabotoa a calça, o barulho do zíper atrai meus olhos de volta


para ele.

— Já que você não consegue entender uma dica, sua pequena vigarista,
decidimos parar de ser tão sutis.

— Você não deveria tocá-la, — diz Reuben, voltando os olhos


desaprovadores para Cassius.

Cassius lhe lança um olhar irritado que se desvanece assim que ele se
concentra em mim novamente. Estou apertada no canto agora, uma
cachoeira fumegante entre nós.

—Por favor. — eu digo, levantando minhas mãos novamente. — Apenas


me deixe ir.
—Oh, nós queremos que você vá. — Cassius me mostra os dentes, mas
não está sorrindo. — Essa é a porra do ponto. Mas você parece incapaz de
somar dois e dois.

Ele sai de suas calças.

Seu calção preto justo não deixa nada para a imaginação. Nunca vi uma
antes, mas tenho quase certeza de que ele tem uma ereção. Aos meus olhos
virgens, parece anormalmente longo e grosso.

O pânico se transforma em raiva.

Como eles ousam? Como a porra eles ousam? Juro por Deus, eles
realmente acham que vão se safar com isso? Que não vou dizer nada?

Sem pensar, escalo o muro baixo. A adrenalina que bombeia por mim
coloca asas nos meus pés, porque eu nem sabia se conseguiria superar, e
então estou aterrissando do outro lado com um tapa de pés descalços.

Eu corro para a porta.

Apollo larga sua câmera de vídeo e corre atrás de mim.

O sangue canta em meus ouvidos enquanto agarro a maçaneta da porta


e a abro.

Mas há alguém bloqueando meu caminho.

Eu salto no peito de Zachary e caio no chão com um grito de dor.


Levanto um segundo depois, me virando e apontando o dedo para Cassius.

— Ele...ele estava vindo para, para...

Apollo para, levantando as mãos como se estivesse apontando uma


arma.

Cassius se vira para a porta, apoia o cotovelo na parede do cubículo e


apoia o queixo na palma da mão.

— Cristo, Zac, por que você demorou tanto?

Nenhum dos caras parece ter sido pego agredindo uma estudante.

Nenhum deles nem mesmo parece remotamente culpado.


Que significa…

Eu me viro, meus olhos se arregalando. Meu coração está prestes a


explodir no meu peito.

Zachary entra no banheiro e fecha a porta atrás de si.

Então ele a trava.


Porque demorei tanto tempo?

Vim assim que recebi a porra da mensagem. Eu examino a sala, tirando


uma foto instantânea da situação. Trinity tenta passar por mim, mas pego a
parte de trás de seu colete e a puxo de volta.

Esse colete e uma calcinha branca é tudo o que ela está vestindo.

Eu coloco um braço em volta de sua garganta e a coloco em uma trava.


Não o suficiente para sufocá-la. Nem mesmo o suficiente para cortar o
oxigênio de seu cérebro. Embora eu devesse se eu soubesse o quanto ela seria
problemática.

— Não foi isso que combinamos. — Eu arrasto Trinity para frente


comigo, apesar de suas lutas. Ela afunda as unhas em meu braço, mas
mesmo quando ela tira sangue eu mal sinto.

A dor em meus pulsos e tornozelos, entretanto? Essa é outra história.


Essa merda tem me mantido acordado à noite. Ficar alto é a única coisa que
a mantém afastado ultimamente.

Quando ela começa a ofegar e engasgar como se eu realmente a


estivesse estrangulando, dou um tapa em sua bunda. Ela grita, choraminga e
fica imóvel. Espero que ela comece a chorar como uma garotinha, mas sua
única resposta é uma respiração ofegante.

— Eu disse para você mantê-la contida até eu chegar.


Cassius acena com a mão para o box do chuveiro. — Recipiente. —
Então, ele se inclina e fecha a água. — No qual ela estava contida até um
segundo atrás.

Eu balancei minha cabeça com um olhar de longo sofrimento.

— Onde estão as cordas e...?

Com isso, a garota solta um suspiro indignado e começa a lutar


novamente. Outro tapa na bunda a cala tão abruptamente quanto da
primeira vez. Seus joelhos cedem, mas eu apenas a puxo para cima
novamente.

— E a mordaça?

Ela grita.

Eu a puxo contra meu peito e coloco a mão sobre sua boca. Ninguém
mora neste nível e as paredes são grossas, mas não podemos arriscar que
alguém ouça a comoção.

Como poderíamos explicar tudo isso?

Apollo se aproxima. Ele estende algumas braçadeiras construídas em


um conjunto de algemas.

— Ninguém mais usa cordas, Zac. — ele diz, revirando os olhos


enquanto algema os pulsos de Trinity na frente dela enquanto eu mantenho
sua boca fechada com a minha mão.

Meus tornozelos e pulsos doem em protesto com esse comentário, mas


eu não o desafio.

— E a mordaça?

Apollo encolhe os ombros.

— Aqui, — diz Cassius, correndo até nós. O que diabos aconteceu com
as roupas dele?

— Nada como calcinhas usadas para calar uma garota.

Trinity luta em meus braços, choramingando contra minha mão.


Não é exatamente higiênico, mas há coisas piores na vida.

Muito, muito pior.

Eu enrolo sua calcinha velha e a coloco em sua boca.

Ela os cospe.

Eu dou a Cassius um olhar inexpressivo. Ele revira os olhos para mim e


dá um passo em direção a Reuben, gesticulando para sua virilha. Reuben
levanta os braços como se estivesse sendo revistado enquanto Cassius
arranca seu cinto.

Ele pega o cinto de Rube, arranca a calcinha de Trinity do chão, a enrola


e a enfia de volta em sua boca.

Em seguida, ele usa o cinto para mantê-los no lugar, apertando a fivela


na nuca dela.

Apollo volta para o grupo, com o rosto desamparado.

— Eu quebrei minha câmera, — ele lamenta.

— Vou comprar uma nova para você, — digo, sem desviar o olhar de
Trinity.

— Hmm. — Cassius murmura enquanto se pressiona contra Trinity. —


Temos que sair agora, chefe? Não poderíamos nos divertir um pouco com ela
primeiro?

—Pare com isso. — eu estalo.

— Os astronautas podem ver sua ereção na porra da lua. — Eu inclino


minha cabeça em direção a ele, fazendo contato visual com Reuben. — Acho
que eu disse para você ficar de olho nele?

Pela primeira vez, Reuben não fica quieto. Ele encolhe os ombros.

— Estávamos esperando por você.

Que porra?

A última coisa que preciso é Reuben se apaixonando por essa garota.


Ela já causou um dano possivelmente irreparável à nossa irmandade, pelo
qual farei com que ela pague caro, mas esta é uma batida de que não
precisamos.

Apollo se aproxima, sua câmera quebrada pendurada em sua mão. Ele


começa a estudar Trinity como se nunca tivesse visto uma garota antes e
então dá um passo para trás com uma careta.

— Podemos pelo menos limpá-la antes de irmos? Ela realmente precisa


de um banho.

Trinity arregala os olhos para ele.

Era isso que eu estava cheirando? Meu nariz enruga antes que eu possa
me conter.

— Sim. Apenas uma lavagem rápida, — Cass murmura perto do meu


ouvido.

Quando ele veio atrás de mim? Ele tem pés de gato às vezes, a merda do
mal.

Trinity grita atrás da mordaça e se solta. Eu não estava segurando ela


com tanta força, onde diabos ela iria, afinal? A porta está trancada.

Ela tropeça, provavelmente não esperando se livrar tão facilmente, e cai


de joelhos com um grito abafado.

— Você não quer ver o que está lá embaixo? — Cass está bem contra
mim agora, sussurrando em meu ouvido como a porra do próprio diabo.
Mais um centímetro e seu pau estará cutucando minha perna.

Eu empurro meu ombro para trás, empurrando-o para longe.

— Não é por isso que estamos aqui.

Trinity se levanta, girando para olhar para mim e Cass. Ela franze a
testa furiosamente para nós enquanto trabalha para afrouxar o cinto com as
mãos amarradas.

Eu peguei um vislumbre de sua bunda quando Miriam estava dando a


ela aquelas chicotadas ontem à tarde. Demorou cada grama de autocontrole
que pude reunir para não conseguir mais do que uma semi ereção.
Especialmente quando seus doces uivos de dor ecoaram ao meu redor.
Quando eu a levei para o meu quarto depois que eu especificamente não
acendi uma vela. Mas ainda não estava totalmente escuro, então eu ainda
tive uma vista fantástica de sua bunda machucada quando coloquei a loção.

Eu tive tanta dificuldade em me impedir de apertar aquela bunda. De


tirar minhas roupas e ter sua pele nua rente à minha.

— São duas da manhã, porra. — Cass diz. Ele se aproximou novamente.


— Ninguém vai vir.

Antes que Trinity possa afrouxar o cinto, Reuben dá um passo atrás


dela. Ele desliza o braço em volta da cintura dela e agarra as algemas,
puxando as mãos dela. Ela congela, os olhos arregalados e brilhando de
medo. Ele enganchou um dedo nas braçadeiras e mudou sua pegada para
mantê-la perto com o mesmo braço.

— Não podemos, Cass. — digo em voz baixa. — Seu…

Errado.

Estúpido.

Juvenil.

Reuben acaricia seu pescoço. Pelo menos, é o que acho que ele está
fazendo. Eu me inclino um pouco para trás.

Que porra é essa?

Ele puxa e um rosário vermelho desliza para fora do colete de Trinity.


Ele o aninha cuidadosamente entre seus seios.

Porra, esse é o rosário dele, não é? Ele realmente gosta dela.

Esta é a última coisa de que precisamos.

Mas quem diabos sou eu para nos negar as coisas que precisamos tão
desesperadamente?

— Você tem cinco minutos.


Cassius passa por mim como uma flecha, batendo no ombro de Apollo
quando ele passa.

— Rube, traga-a!

Os olhos de Trinity estão saltando das órbitas. Ela tinha se mantido


perfeitamente imóvel enquanto Reuben reorganizava suas joias, como um
pequeno animal fofo tentando se camuflar de um predador.

Apenas um problema.

Somos quatro e apenas uma dela.

Ela não pode se esconder. Ela nem consegue correr.

Ela vai ter que aguentar. O que poderia ser uma lição valiosa para ela.

Tivemos muitas dessas lições e elas apenas nos tornaram mais fortes.

Nós a estaríamos tornando-a mais forte também.

Ela chama minha atenção e sua pele empalidece.

Por quê?

Eu acho que é o meu sorriso.


Isso não pode estar acontecendo.

Não é real.

Isso tudo é apenas mais uma brincadeira. Eles vão me empurrar para
debaixo do chuveiro, talvez molhar meu cabelo. Um pouco violento. É isso.

Eles não iriam ousar.

Eles iriam?

Um arrepio me persegue, espalhando arrepios na minha pele e


endurecendo meus mamilos sob meu colete fino. Reuben me joga por cima
do ombro como um saco de batatas, tirando o ar dos meus pulmões e me
deixando momentaneamente atordoada.

Quando me recupero, já estou no box do chuveiro. O chuveiro já está


ligado, o vapor se agitando no ar.

Muito quente. É muito quente!

Alguém está rindo baixinho. É terrível pra caralho.

Eu me contorço e grito dentro da minha mordaça o mais alto que posso


quando Reuben agarra meus quadris e me coloca de pé. Quando tento correr,
Zachary me pega com o braço e me empurra para trás. Cass agarra minhas
algemas e me enrola como um peixe.

A água atinge minhas mãos, depois meus braços. Não está tão quente
quanto eu pensava, mas está mais quente do que eu gostaria. Eu luto
furiosamente, mas isso faz com que os laços de plástico cortem meus pulsos.

Essa merda dói, então eu paro.


Eu poderia pular a parede novamente, mas o que isso ajudaria? Eu vi
Zachary trancar a porta. A chave está no bolso da calça e...

Eu espio ao som de uma fivela de cinto. Zachary solta o cinto. Seus


olhos verdes penetrantes pegam os meus quando ele olha para cima.

Isto é real. Isto está acontecendo. Eles não dão a mínima para as
consequências.

Meus joelhos cedem.

Eu teria caído de bunda se Cassius não tivesse me segurado pelo


cotovelo e me firmado.

— Aw...Você terminou de lutar? — Ele pergunta. — Eu estava gostando


disso.

— Ela sabe que vai acabar mais cedo se ela não resistir, — Zachary diz
enquanto tira os sapatos. Ele desliza a camisa por cima da cabeça sem se
preocupar em desfazer os botões.

Tem uma tatuagem em seu peito.

Uma serpente enrolada. Presas à mostra, prontas para atacar.

Oh meu Deus do caralho.

Ele sai da calça, expondo uma boxer de algodão branco tão simples
quanto minha própria calcinha.

Reuben se afasta, vira as costas e tira a própria camisa.

Isso não está acontecendo.

Eu grito na minha mordaça e tento me libertar de Cassius. A dor corta


meus pulsos e um pequeno filete de sangue desce pelo meu braço. A água o
atinge, tornando-o rosa e, em seguida, invisível em um flash.

Apollo fica para trás. Ele ainda está rindo, mas parece contente em ficar
para trás enquanto eles...

Me lavam?

A vergonha explode em mim. Meu peito aperta dolorosamente.


— Você a está machucando, — diz Reuben.

Meus olhos voam de volta para ele. Eu estava observando Apollo,


tentando implorar a ele. Ele não parece disposto a participar, então vale a
pena tentar, certo?

Mas olhar para ele significa que não posso ficar de olho nos outros três.

Um braço desliza em volta do meu peito. Cassius me arrasta contra ele e


um comprimento duro pressiona na parte inferior das minhas costas.

Não quero olhar, mas preciso. Senão, como localizarei minha chance de
fuga?

Zachary ainda está sorrindo. Acho que é a primeira vez que o vejo com
uma aparência diferente de mortalmente sério.

— Tire a mordaça. Não queremos afogá-la.

Dedos experientes manipulam a fivela na parte de trás do meu pescoço.


O cinto se solta antes que ele o arranque. Cuspo minha calcinha e respiro um
ar doce.

O alívio dura apenas um segundo.

Cassius me empurra para frente. A água cai em cascata sobre minha


cabeça.

Cega pela água, com o braço de Cassius ainda firmemente em volta da


minha cintura, não tenho chance.

Posso distinguir vagamente Zachary com sua mancha escura de


tatuagem. Ele pega uma barra de sabão e a ensaboa nas mãos enquanto se
aproxima.

Cassius me empurra para frente. Minhas mãos amarradas se projetam


por instinto, batendo no peito de Zachary. Eu perfuro ele com minhas unhas,
mas ele nem mesmo recua.

Enquanto ainda estou cuspindo água pela boca, ele enfia as mãos por
baixo do meu colete e começa a me lavar.
Eu suspiro, torcendo para tentar me afastar de suas mãos. Mas eles
estão em toda parte, meu estômago, meus seios, minhas axilas, minhas
costas.

É quando Reuben se aproxima de nós. Ele é facilmente um centímetro


mais alto que Zachary, mas não o empurra de lado. Em vez disso, ele agarra
minha nuca e meu braço, segurando-me imóvel para Zachary.

— Por favor, — sussurro, me forçando a olhar para Zachary.

Quando travamos os olhos, uma corrente elétrica passa por mim. Não
há simpatia em seus olhos. Nem mesmo um traço de pena. Ele está gostando
disso.

É meu medo ou minha humilhação que o deixa duro?

— Você teve sua chance, — diz ele. — Você já poderia ter saído daqui
esta manhã.

Abro a boca para dizer que vou embora, mas então Cassius desliga o
chuveiro. Há um momento de silêncio cristalizado, quebrado apenas pelo
plink de uma gota d'água atingindo os ladrilhos molhados.

Zachary inclina um pouco a cabeça, desafiando-me a falar. Quando eu


não digo nada, ele desliza a mão sobre meu seio e aperta.

Duro.

Eu suprimo um suspiro e desejo que meus olhos permaneçam nos dele.

Implorar não fez nada. Nem ameaçar delatá-los. Mas talvez mostrar a
eles que ainda tenho uma espinha dorsal os faça pensar duas vezes antes de
levar isso longe demais.

Os olhos de Zachary se estreitam.

Ele não gosta que eu o esteja desafiando.

Outra mão roça a parte de trás do meu colete, traçando minha espinha.
Eu fico arrepiada, meus mamilos ficam duros novamente.

O terror se transforma em outra coisa.


Ele estava certo, quanto menos eu lutar, mais rápido isso irá.

Minha respiração engata quando a mão deslizando pelas minhas costas


desliza para trás da minha calcinha. Encharcada do chuveiro, tudo gruda em
mim. Eu faço uma careta quando Cassius puxa minha calcinha molhada até
os joelhos.

Hálito quente faz cócegas em minha orelha.

— Quem diria que você seria uma garota tão suja? — Pergunta Cassius.
— Você deveria estar nos agradecendo, sabe? Trabalhando tanto para te
deixar limpa.

Reuben me solta. Talvez seja porque estou parada agora. Talvez seja
porque ele sabe, como eu, que não há chance de eu escapar novamente.

— Nós podemos proteger você, — diz ele, sem fazer absolutamente


nenhum sentido.

— Cale a boca. — Cassius se encaixa. Ele se afasta um pouco e sua voz


muda de direção. — Por que você não vai ficar ali perto de Apollo?

Eu tremo com a perda repentina de calor. Sem o chuveiro ligado, o ar


está esfriando rapidamente. Reuben dá um passo para trás, mas ele não sai.

Zachary começa a me lavar novamente. A sensação de suas mãos


ensaboadas deslizando sobre minha pele faz minhas entranhas se
contorcerem.

Deve ser com medo, com repulsa, com raiva.

Mas algo mais está florescendo dentro de mim. Algo quente e


formigante. Ele se constrói profundamente entre minhas pernas, como um
poço que está lentamente se enchendo de água da chuva.

Zachary deve sentir algo, porque seu sorriso desaparece.

— Ela está limpa o suficiente. — Seus olhos piscam para longe dos meus.
— Vamos enxaguá-la.

Cassius faz o que Zachary manda.


Eu recuo quando a água quente atinge minhas costas e, em seguida,
suspiro quando a mão de Cassius desliza pela minha bunda sensível e desliza
entre as minhas pernas.

Eu fico na ponta dos pés.

Agora, o único som é a água batendo.

Ele segura minha boceta.

Como um animal sentindo o cheiro de sua presa, as narinas de Zachary


se dilatam. Seu olhar desliza pelo meu corpo, fixando-se na mão entre as
minhas pernas.

Sua voz é baixa e muito profunda.

— Cass...não.

Cassius desliga a água, mas mantém a mão onde está.

— Eu quero saber se você está molhada para nós, — ele murmura em


meu ouvido.

Meus olhos tremem enquanto tento ficar ainda mais alta. Minhas
pernas começam a tremer. Eu coloco meus dedos no peito de Zachary.
Agarrando seu ombro, eu aperto meu aperto até que ele olha para mim.

Pisco furiosamente, lambo meus lábios e digo

— Por favor, — para ele.

Essa foi a coisa errada a dizer.

— Nós vamos? — Ele murmura, sua respiração agitando contra a minha


pele molhada. Seus olhos vorazes se voltam para Cassius. — Ela está?

Cassius geme como se estivesse com dor. Há o som inconfundível de


tecido molhado deslizando contra a pele. Seu pau quente e duro pressiona
contra minha coxa.

Eu choramingo e cravo minhas unhas nos músculos do ombro de


Zachary.

— Não faça isso. — A palavra sai como uma bala. — Não faça isso.
A mão entre minha perna aperta. Eu suspiro e cambaleio para frente até
que estou corada com a pele quente e seca de Zachary. O movimento deveria
ter desalojado a mão de Cassius, mas ele se move comigo.

Agora estou imprensada entre ele e Zachary.

Tenho apelado para a pessoa errada. Ele está obviamente no comando,


mas é como se ele tivesse descarrilado.

Ou talvez ele esteja bem com isso.

O pensamento me deixa mal do estômago.

Então, por que há arrepios elétricos passando pela minha pele?

É porque eu nunca tive um corpo duro pressionado contra o meu, muito


menos dois? Porque nunca olhei em olhos tão famintos como os de Zachary?
Ou um homem me tocou do jeito que Cassius está me tocando agora?

Em uma situação normal, eu teria namorado qualquer um desses caras


em um piscar de olhos.

Mas normal não foi o que me levou a Saint Amos.

Neste cômodo, normal não faz parte do vocabulário de ninguém.

Estamos todos fodidos da cabeça. Eu deveria sentir repulsa por esses


homens, mas sua presença é como um ímã para meu coração de chumbo.

A maldade deste momento doentio e distorcido parece tão fodidamente


certa.

Minhas pálpebras ficam pesadas. Eu me inclino, esperando que Zachary


feche a distância e me beije.

Uma mão desliza sobre minha bunda e se posiciona entre Cassius e eu.

E então aperta.

Eu grito de dor. Meus olhos se abrem.

O desejo sombrio brilha nos olhos de Zachary, agora tão verdes que
poderiam ser pretos. Seus lábios se abrem como se ele quisesse dizer algo.

Alguém bate na porta do banheiro.


Eu pulo. Todo mundo se vira para encarar a porta.

Outra batida, está mais forte que a anterior.

Então silencia.

Atrás de mim, outra gota d'água bate nos ladrilhos.

— Hora de ir, — diz Zachary.

—Sim, obvio. — Cassius se retira, deixando-me presa nos azulejos.

Eu começo a tremer. Reuben olha para mim enquanto desliza a camisa


pela cabeça. Ele se move para o meu lado e coloca a toalha que trouxe comigo
sobre meus ombros.

— Como vamos sair sem ninguém ver? — Apollo pergunta, se


abraçando enquanto olha de mim para Zachary.

— Um por vez. — Zachary olha para mim e então seus olhos se movem
para Reuben.

—Traga-a.
Minha mente está girando. Eu não sei quem bateu na porta, mas graças
a Deus eles fizeram. A merda estava prestes a sair do controle, e de uma
forma grande.

Eu estava tão perto de perder o controle que ainda sinto o gosto de


menta na boca. Isso sempre aconteceria naquela época, quando eu me perdia
no momento.

Todos nós encontramos maneiras de lidar com a merda que passamos.


Absorvi tudo como uma esponja. Mas não havia ninguém para me espremer.
Essa merda ficou dentro de mim e apodreceu em algo escuro e perverso.

Eu pensei que tinha um controle sobre isso.

Porra, acho que todos nós pensamos isso até essa garota chegar, toda
pura e inocente e merda.

É como jogar um rato em um poço de víboras famintas.

— O que você está esperando? — Eu estalo meus dedos. — Traga-a.

Reuben pisca como se estivesse saindo de um transe. Então ele pega


Trinity e a joga por cima do ombro.

Eu tiro minhas chaves do bolso e as atiro para Apollo.

— Certifique-se de que o caminho esteja limpo.

Ele balança a cabeça e sai apressado com sua câmera quebrada debaixo
do braço, deixando a porta se fechando atrás dele. Acontece que eu olho para
Cass, e nós nos olhamos por um momento. Não espero culpa ou remorso. A
maioria de nós não é mais capaz de expressar essas emoções. O que não
espero é o breve lampejo de incerteza.

Dou a Apollo alguns segundos para verificar o corredor e, em seguida,


chamo os caras atrás de mim enquanto me encaminho para a porta.

Não encontramos ninguém no caminho para a saída. Quem tentou


entrar no banheiro havia desaparecido. Talvez um dos rapazes mais jovens
tenha feito xixi na cama ou algo assim. Esse tipo de merda acontece muito
por aqui.

Apollo está esperando por nós na porta que leva aos terrenos do norte.
Assim que eu aceno, ele corre para a cripta.

Eu espero alguns segundos e, em seguida, dou um tapa no ombro de


Reuben não ocupado pela garota amarrada e amordaçada que quase
transamos no chuveiro.

Trinity levanta a cabeça de qualquer maneira e me lança um olhar


penetrante de âmbar.

Porra, mas ela é linda, mesmo com o cinto de Reuben entre os dentes.
Provavelmente especialmente porque ela está amordaçada.

Na aula ela tinha sido dócil e submissa, a presa perfeita. Mas ela me
mostrou os dentes esta noite, mesmo que apenas por um momento. Isso
havia despertado o animal em todos nós. Autocontrole, moral, vingança, por
alguns minutos, nada existia, exceto nosso novo brinquedo.

Será que algum dia vou brincar com ela de novo?

Eu agarro seu queixo e escovo sua pele com meu polegar.

Sem chance. É muito fácil perder o controle perto dela. Muito fácil
cometer um erro. Não chegamos tão longe para alguém como ela foder com
tudo isso.

Reuben interrompe aquele breve contato enquanto dá um passo à


frente e começa a trotar. Cass e eu ficamos para trás, esperando que ele se
afastasse.
— Você já se perguntou o que vai acontecer quando Rube ficar bravo? —
Cassius murmura enquanto se espreme na porta ao meu lado. — Quero dizer,
muito, muito bravo?

— Como quando ele fica cara a cara com seu Fantasma?

Claro que me perguntei. Essa cena imaginária de violência caótica tem


sido o foco de algumas das minhas melhores sessões de punheta.

— Sim. Assim, — Cassius diz antes de correr pelo terreno.

Eu sigo depois de um momento.

Reuben está a apenas alguns metros da entrada da cripta quando


chegamos. Quando ele abre a porta, não há nada além de escuridão como
breu. Apollo se apressa e abre a porta para mim, me dando uma saudação
simulada quando eu passo.

Ele não nos segue para dentro.

Seu trabalho é garantir que não sejamos perturbados.

****

Reuben já está na metade descendo o corredor leste da biblioteca


quando chego ao nível do porão da cripta. Cassius o segue, brincando com o
cabelo de Trinity enquanto eles caminham. As pessoas vêm aqui tão
raramente que há uma camada de poeira sobre tudo. É por isso que nos
certificamos de pisar onde menos suspeitamos que alguém notará nossas
pegadas.

Com o passar dos meses e anos em que nos matriculamos no Saint


Amos, e especialmente depois que recebi meu primeiro molho de chaves
como professor, conseguimos criar nosso próprio espaço. De volta aqui, bem
longe da vista, arrumamos algumas das estantes de modo que pareça que a
biblioteca termina a poucos metros.
O andar térreo da cripta é para reuniões curtas. Este lugar, por outro
lado...é o nosso ninho. Um espaço sagrado que ninguém sabe que existe. A
única maneira de entrar é por uma abertura escondida por uma cortina.

Reuben está lá agora, segurando o braço de Trinity.

Agora que ela está de pé, Trinity parece estar um pouco mais calma do
que antes. Ou podem ser os livros. Eles também têm um efeito calmante
sobre nós. O mesmo silêncio parece preencher todas as bibliotecas do mundo
também.

— Vá em frente, — digo a Reuben enquanto agarro o outro braço de


Trinity. — Estamos bem atrás de você.

Ele encolhe os ombros, afasta a grossa cortina e milagrosamente se faz


desaparecer naquela fatia escura.

Cassius segue, e então estende a mão para Trinity. Ela resiste um pouco
no início, e então me lança um olhar furioso quando eu faço o tipo de som
calmante que você usa para acalmar um cavalo nervoso. Com uma risada, eu
a movo pela abertura, Cassius puxando-a do outro lado.

Ao contrário de nós, ela passa facilmente.

Muito facilmente.

Se não prestarmos atenção, ela pode escapar.

Ainda bem que Apollo está vigiando lá em cima, então.

****

Reuben liga a lâmpada enquanto eu deslizo pela abertura. Uma luz


laranja quente se espalha pelo ninho. Pelos olhos arregalados e forma rígida
de Trinity, suponho que ela não esperava nada assim.

O espaço é tão grande quanto a biblioteca, que tem cerca de dez metros,
mais ou menos. Dividimos nosso ninho em duas áreas, uma pseudo área de
estar com sofás, cadeiras e mesas e um quarto improvisado.
Felizmente, como todos nós temos quartos privados no dormitório,
ninguém percebe se não dormirmos naquele prédio miserável, especialmente
se tivermos certeza de que estaremos de volta antes do amanhecer.

A área do quarto é separada por outra cortina roubada. No momento,


ele está escondido de um lado, deixando à mostra as camadas de colchões,
cobertores e travesseiros que compõem aquele lado do quarto.

Um verdadeiro ninho.

E acho que a mente de Trinity chega à pior conclusão possível quando


ela o vê.

Ela grita através de sua mordaça e corre direto para a lacuna na estante.
Eu pego a primeira coisa que posso e a puxo para trás com um punhado de
cachos molhados.

Reuben tira a camisa, olhando para a mancha úmida que ela fez sem
expressão. Ele pega uma camisa limpa da pilha cuidadosamente empilhada
em uma das inúmeras estantes de livros que usamos para criar este espaço.

Tiramos a maior parte dos livros deste lado da parede e os substituímos


por garrafas de vinho sacramental e bebidas pesadas, pacotes de cigarros,
revistas pornográficas e tudo o mais que sentíamos que não poderíamos
manter no dormitório.

Não desço aqui há quase uma semana. Também não tenho certeza de
quando foi o último dos meus irmãos. Temos evitado este espaço, e uns aos
outros, para não correr o risco de nos expor.

Estávamos tão perto também.

Eu aperto o punho no cabelo de Trinity.

Tão perto porra.

Eu a viro para me encarar e, em seguida, abro o cinto mantendo sua


mordaça no lugar. Pela primeira vez, ela não cuspiu a calcinha
imediatamente. Em vez disso, ela me observa com olhos grandes e brilhantes
enquanto seus lábios tremem a uma polegada de distância.
— Na próxima vez que você correr, vou colocá-la sobre meus joelhos.
Você entende?

Ela hesita e então acena com a cabeça.

Cassius está perto, posso sentir o calor de seu corpo. Pelo som das
coisas, Reuben está nos servindo doses.

Eu poderia beber.

Eu poderia fumar um baseado ainda mais, mas esse é o departamento


de Cass. — Jogue um para nós, — digo a ele. Ele se afasta, levando seu calor
com ele.

Eu coloco um dedo na boca de Trinity, pego sua calcinha e puxo para


fora. Ela lambe os lábios e faz uma careta, mas depois alisa o rosto.

— Você está me machucando, — ela diz.

— Onde você quer chegar?

Algo pisca em seus olhos. Medo? Pânico? Passou muito rápido para eu
entender.

Não consigo imaginar o que ela está pensando. Felizmente para ela, ela
não ficará se perguntando sobre nada por muito mais tempo.
Este lugar parece a versão psicopata de uma Man Cave14com todas as
revistas sujas e álcool por aí. Os sofás já viram anos melhores, a maioria foi
vedada com fita adesiva para impedir que o enchimento saia.

Então, novamente, está limpo, embora desarrumado. Nenhum


excremento de rato ou barata em qualquer lugar.

E nem um único grão de poeira.

Um contraste gritante com a biblioteca pela qual passei para chegar


aqui. Eu não posso acreditar que este lugar esteve aqui o tempo todo em que
estive ensinando Jasper. Eu não fazia ideia. Suponho que seja exatamente o
que eles garantiram.

Zachary ainda está com a mão no meu cabelo. Seu aperto forte dói, mas
as fitas em volta dos meus pulsos doem mais.

De jeito nenhum vou desistir de sair correndo daqui porque ele


ameaçou bater na minha bunda. Me puxar para cima de seu joelho? Ele vai
ter que me pegar primeiro, não é? Eles honestamente pensam que eu não
percebi como foi difícil para eles entrarem neste lugar?

Principalmente Reuben.

Estarei fora da porta antes que eles cheguem às escadas.

Exceto por Apollo, que obviamente está guardando a porta lá em cima.

14Caverna Masculina – um ambiente decorado de forma masculina geralmente com jogos de


bilhar e bar.
Mas todo mundo está nervoso agora. Isso transparece em seus olhos.
Eu preciso que eles baixem a guarda. Faço o possível para não deixar
Zachary saber que estou vendo Reuben derramando álcool em alguns copos
que não combinam entre si.

Deixe-os beber e se divertirem.

Assim que eles não estiverem prestando atenção, estou fora daqui.

Zachary respira profundamente. Seus olhos não me deixaram nenhuma


vez desde que tentei sair correndo. E esse foi meu primeiro erro. Eu deveria
ter esperado a hora certa. Mas eu tinha visto este lugar e entrei em pânico.

Eles dormem naquela bagunça atrás da cortina?

Tipo...juntos?

Parece mais o tipo de cercadinho em que você faria sexo bagunçado do


que um lugar para dormir. E embora não haja nenhum rato aqui, eu não
ficaria surpresa se houvesse cobras lá dentro.

Zachary puxa as fitas de plástico em volta dos meus pulsos e meus olhos
se voltam para ele.

Eu estava olhando? Eu tenho que me controlar. Não posso dar a eles


nem uma dica sobre o que estou pensando.

— O que você quer de mim? — Eu pergunto, esperando distraí-lo. Na


esperança de obter algumas respostas reais. Eles me devem muito depois do
que quase aconteceu lá. Depois do que quase fizeram.

Zachary estende a mão. Cassius, que estava ocupado enrolando um


cigarro de maconha em uma mesa de centro próxima, olha para cima como
se eles tivessem tido algum tipo de conversa telepática legítima. Ele vai até a
estante que separa a Man Cave da biblioteca e abre uma lata.

Quase não me seguro quando o brilho laranja da lâmpada ricocheteia


no canivete que ele entrega a Zachary.

É isso.

É por isso que me trouxeram aqui.


Eles são um bando de assassinos em série, não são? Eles se escondem
aqui e abrem caminho através de qualquer aluno que decidam que ninguém
vai sentir falta.

Santa Mãe de Deus.

Foi isso que aconteceu com todos aqueles alunos que o padre Gabriel
me disse que desapareceram na floresta?

Estou tremendo. Minha pele está quente e fria ao mesmo tempo.


Zachary está me encarando, mas não consigo tirar os olhos do canivete. Ele
solta a mão e a abre como um maldito profissional.

Meu estômago cai direto para o inferno.

Sua mão dispara. Já posso sentir a lâmina afundando em meu estômago.


Meus olhos se fecham por instinto e se abrem um segundo depois, quando
não há dor imediata.

Ele passa a lâmina pelas minhas amarras, me liberando.

Meus dedos tremem enquanto massageio meu pulso de volta.

Graças a Deus.

Isso tornará muito mais fácil escapar.

Ele estala os dedos enquanto aponta para o sofá mais afastado da saída.

— Sente.

— Eu não sou um cachorro.

Ele inclina a cabeça. A luz laranja destrói seus olhos, transformando-os


em orbes brilhantes e surreais.

— Então não nos faça amarrar você como um. — Cass diz através de um
sorriso de escárnio.

Eu me viro para franzir a testa para ele.

Em um piscar de olhos, seus dedos estão em volta da minha garganta.

— Embora você ficasse muito bonita em uma coleira.


Zachary coloca a mão no braço de Cass e imediatamente me solta. Com
medo de que ele me toque de novo, me apresso e me sento onde Zachary
apontou.

— Você não me respondeu. — eu digo, certificando-me de usar um tom


de voz neutro.

Zachary arrasta uma cadeira de madeira para o espaço em frente ao


meu sofá. Ele se senta à vontade, como se tivesse todo o tempo do mundo.

— O que a faz pensar que está em posição de fazer perguntas?

Reuben caminha até Zachary e estende um copo curto e grosso. O


líquido âmbar gira em torno dele enquanto ele troca as mãos. Zachary o joga
na goela e devolve o copo a Reuben.

Eu não posso acreditar que este é meu professor de psicologia. Admito,


eu só tive um punhado de aulas com ele, mas eu nunca pensei que ele sequer
tocaria em um copo de álcool, muito menos beber assim.

Papai tomava uma última bebida antes de ir para a cama. Ainda posso
vê-lo agora, sentado em sua pequena escrivaninha no canto da sala de jantar,
uma dose de conhaque em uma das mãos, a outra virando lentamente a
página de sua Bíblia favorita. Ele sempre teria um copo.

Exceto quando ele voltou de seu trabalho missionário com o padre


Gabriel. Em seguida, ele beberia como Zachary, jogando para trás tiro após
tiro como se tivesse contado cada bebida que tinha perdido e estava
equilibrando a balança. Então ele tropeçaria na cama e dormiria por um dia.

Mamãe disse que era jet lag e arrumou a cama no sofá.

Então tudo voltou ao normal.

Mais ou menos, pelo menos.

— Responda a ele, peitos de mel, — diz Cassius. Eu recuo quando ele cai
no assento ao meu lado. Ele também tem um copo, mas o dele ainda contém
álcool.

— Você quer de mim. — eu digo.


Cassius dá um risinho.

— Informações, — acrescento apressadamente, desejando que minhas


bochechas esfriem. — Senão, você já teria se livrado de mim.

Uma afirmação ousada. Eles poderiam literalmente ter me trazido aqui


para terminar o que começaram. Mas eu sei que não é isso. Fazer todo tipo
de coisa suja comigo no chuveiro não tinha sido sua intenção quando me
prenderam lá dentro.

— Estamos apenas passando o tempo, — diz Zachary.

Não pode ser verdade, mas não há nada em seu rosto que sugira o
contrário.

Como eles fazem isso?

— Acho que não. — Eu balanço minha cabeça e envolvo meus braços em


volta do meu peito. Não está exatamente quente aqui, e ainda estou vestindo
apenas minha calcinha e um colete. O couro embaixo da minha bunda é
deliciosamente fresco na minha nádega sensível, mas está congelando na
parte de trás das minhas coxas. Faço questão de olhar ao redor da Man Cave.
— Você tem maneiras muito melhores de gastar seu tempo.

Mantenha-os falando. Descubra alguma coisa. E espere por sua chance


de dar o fora daqui.

Não é o melhor plano, mas é um plano. Um plano que posso manter


com minha querida vida até que algo melhor apareça.

Cassius ri e dá um gole em sua bebida. Então ele tira um cigarro de


maconha da palma da mão em concha e o estende para mim. Eu olho para
baixo, franzo a testa e balanço a cabeça enquanto suprimo um arrepio.

— Aqui.

Eu olho para cima. Reuben está segurando uma taça de vinho funda
grande com cerca de um centímetro de álcool dentro.

— Isso vai aquecê-la.


Ele é definitivamente o membro deste grupo sobre o qual estou mais
incerta. Enquanto ele emite o tipo de vibração que me faz querer pular uma
parede para ficar longe dele, ele é o único que não me machucou ou mesmo
ameaçou ainda.

Ele e Apollo.

Pego o copo dele e tento um sorriso que provavelmente sai mais como
uma careta.

— Obrigada, — murmuro enquanto o pego dele.

Ele acena com a cabeça e desaparece no quarto.

Cassius oferece o cigarro a Zachary, que o acende e dá uma longa


tragada antes de voltar sua atenção para mim.

— Como você se tornou amiga do padre Gabriel?

É isso que eles querem saber? Eu encolho os ombros e levo o copo ao


nariz. O que quer que esteja aqui é forte o suficiente para fazer meus olhos
começarem a lacrimejar. Talvez eu devesse ter pegado aquele cigarro de
maconha de Cassius em vez disso. Pelo menos eu não estaria sofrendo.

— Ele é meu padre. — Eu olho para longe, encontro uma revista muito
suja e rapidamente olho para Zachary. — Era, de qualquer maneira.

— É isso? — Zachary dá outra tragada antes de devolver a erva a Cassius.


— Você disse que ele era seu melhor amigo.

— Ele foi, por um tempo. — É estranho pra caralho contar a esses quase
estranhos sobre minha vida. — Por que você está tão interessado nele, afinal?

Sem aviso, Cassius se inclina e ajeita meu mamilo através do meu colete.
Eu pulo de pé em surpresa.

Ele diz — Somos nós que fazemos as perguntas, — antes que eu possa
dizer uma palavra.

Zachary estala os dedos e aponta para o sofá.

Eu quero jogar meu copo na cara dele. Não apenas o conteúdo, a porra
do vidro real.
— O que mudou? — Zachary pergunta no mesmo tom de voz que usou
um minuto atrás.

— Ele deixou nossa paróquia.

— Por quê?

— Ele não disse.

A mandíbula de Zachary aperta, enrijecendo como se ele estivesse


prestes a me atacar. Eu volto para o meu assento, desejando ter algo com que
me proteger. Olho para Cassius, mas ele está olhando para a ponta do cigarro
como se nunca tivesse ficado tão fascinado por fumaça em espiral em sua
vida. Zachary se inclina para frente tão rapidamente que eu recuo. O
conteúdo do meu copo gira, quase derramando. Seus olhos vão para o vidro,
e depois voltam para mim rapidamente.

— Beba.

Eu o seguro.

— Eu não quero...

— Beba! — Sua voz estrondosa enche a sala.

Minha mão treme enquanto levo o copo aos lábios e, relutantemente,


coloco tudo na boca.

Cassius ri quando começo a tossir em torno daquele líquido ardente que


escorre pela minha garganta. Em seguida, ele arranca o copo da minha mão e
o coloca no chão ao lado do braço do sofá.

Limpo meu queixo com os dedos e olho para minhas coxas. Minhas
veias aparecem como pequenos rios azuis sob minha pele.

Não tenho certeza de como isso é possível, mas sempre esqueço que
estou cercada de pessoas malucas.

Esse plano que eu tinha? Um monte de merda.

Não vou sair daqui viva.

Eles estão apenas brincando comigo.


A pior parte é que estou começando a torcer para que eles pelo menos
demorem.

Ninguém quer morrer.


Tum.

Tum.

Tum.

Tento ignorar meu coração batendo forte, mas preenche cada


centímetro da minha consciência.

Acalme.

Tum.

Tum.

Tum.

Na melhor das hipóteses, eu considerava Trinity apenas mais uma


pobre alma que de alguma forma conseguiu uma passagem para o pior
internato oferecido em West Virginia. Na pior das hipóteses, ela era um
daqueles lacaios de olhos malucos que seguem Gabriel como se não
pudessem esperar por seu copo de KoolAid15azul.

Nunca me passou pela cabeça que ela o conhecesse.

Não como o reitor de São Amos, ou o ex-bispo de Redmond.

Que ela o conhecia.

O horrível demônio retorcido possuindo seu corpo corrompido. Uma


entidade sinistra que finalmente rastreamos após anos de busca.

15Suco em pozinho famoso nos Estados Unidos.


Ela conhecia o Guardião.

****

Reuben trouxe um cobertor para ela. Ele até a colocou na cama


enquanto eu terminava a erva. Cassius imediatamente começou a enrolar
outro baseado. Tomei outra dose de uísque. Isso, com a erva, empurrou
minha fúria selvagem para um nível onde eu poderia me comunicar
novamente.

— Por que você veio para Saint Amos? — Eu pergunto.

Trinity ergue o olhar para mim, arregalando os olhos.

— Eu não tinha mais nenhum lugar para...

— Porque?

— Meus pais. Eles, eles morreram em um acidente de carro.

— Quando?

— Mais ou menos um mês atrás. — Seus olhos estão brilhantes, mas


sem lágrimas. Ela está mentindo? Não faria sentido se ela estivesse.

Rube se senta ao lado dela. Enquadrada entre ele e Cassius, seus pés
não tocam o chão e seu cabelo secando em cachos selvagens, ela parece uma
bonequinha.

Desta vez, Cassius acende o baseado, dá um gole e o estende para ela.


Ela olha para ele e depois para as mãos em seu colo. As algemas deixaram
vergões vermelhos brilhantes em sua pele clara. Tento não olhar para eles.

— Não estou sendo educado, — diz Cassius.

— Eu não quero nenhum.

— Eu poderia me importar, — diz ele, virando-se para ela e se


inclinando. — Fume.

Nós sabemos como isso funciona. Já fizemos isso muitas vezes antes.
Fico enjoado ao pensar nas coisas que fizemos para chegar a este ponto.
Trinity deveria estar de joelhos agradecendo a Deus por já termos descoberto
que a tortura não é tão eficaz quanto os meios mais sutis de interrogatório.

A erva vai deixá-la tagarela. O álcool tornará mais difícil para ela mentir.
Além disso, reduz o risco de ficar chapada. Trinity pega o fumo dele e,
hesitante, dá uma tragada. Então outra. Ela tosse forte e tenta devolver o
baseado. Cassius agarra seu pulso e força o filtro contra sua boca. — Mais
uma. — Quando ela obedece, ele murmura — Uma menina tão boa— em seu
ouvido.

Ela desmaia quando se recosta, e nossos olhos se fixam em uma névoa


de fumaça úmida.

— Gabriel está aqui há anos. — digo a ela.

Ela acena com a cabeça e depois encolhe os ombros.

— Eu não tinha lugar nenhum, ninguém mais.

— E quanto a um orfanato?

— Eu quase tive que ir. — Ela acena algumas vezes. — Porque eu não
conseguia falar com ele. Mas então ele finalmente voltou para mim. — Ela
levanta as mãos moles e as deixa cair novamente. — Me trouxe aqui.

— Por quanto tempo ele foi seu padre? — Cass pergunta.

Ela se inclina para o lado, estudando-o por um momento, e então se


endireita apressadamente quando isso a coloca em contato com o ombro de
Rube. Ele está olhando para ela tão atentamente quanto eu. Ele parece um
psicopata de merda, mãos nas coxas, costas retas.

Ele enfia uma ponta perdida do cobertor sob a perna dela.

— Dez, doze anos? — Ela se encolhe para longe de Rube como se


quisesse se enterrar no meio. — Não tenho certeza. Talvez mais.

— Quando você se juntou à igreja dele?

— Igreja do Gabri...? — Ela para e franze a testa, balançando a cabeça.


— Talvez oito anos atrás?
Eu olho para ela.

— Você disse que o conhecia há dez anos.

— Ou doze, — Cassius fornece inutilmente.

Ela encolhe os ombros.

— Ele foi amigo do meu pai por um tempo antes de nos mudarmos para
Redmond. Foi quando nos juntamos à sua igreja. — Ela afunda um pouco. —
O que é isso tudo? Por que você...?

— Sirva-lhe outra bebida.

Eu nem estava olhando para ele, mas é Rube quem está de pé para
atender meu pedido. Trinity acena com a mão mole.

— Eu realmente não quero...

Meus olhos deslizam para Cass.

— Diga a Apollo para procurar em seu quarto. Certifique-se de que ela


não está escondendo nada.

Cassius se levanta em um segundo, galopando para a saída como uma


pantera que finalmente avistou algo para atacar.

— Ei! —Trinity se senta para frente, seus seios saltando por trás da
película patética de um colete. — Você não pode fazer isso!

— Podemos fazer o que quisermos, — eu rosno.

Ela corre e corre atrás de Cassius, e eu estou a menos de um segundo


dela. Eu agarro seu ombro, puxando-a de volta. Seu colete rasga quando ela
se vira para afastar minha mão. Então ela está se atrapalhando, tentando
cobrir os seios nus,nus.

— Ooh, isso pode esperar? — Cassius sussurra na saída, sua voz se


aproximando. — O colega de quarto dela pode identifica-lo...?

— Esse idiota? — Eu estalo. — Jasper não disse uma palavra. Confie em


mim. — Meus olhos nunca deixam os de Trinity, nem mesmo para olhar seus
seios.
— Foda-se, — murmura Cassius, e então há apenas o farfalhar da
cortina.

Trinity tenta puxar as metades rasgadas de seu colete de volta sobre o


peito e se encolhe quando eu digo a ela para parar.

— Quão perto você é de Gabriel? — Eu pergunto, me aproximando dela.


Ela se move para trás até que seus ombros colidam com uma estante de
livros.

— Nós somos amigos.

— Ele alguma vez te fodeu?

Seus olhos se arregalam e a cor instantaneamente invade suas


bochechas.

— O que? Não! Ele é... ele é a porra do meu padre.

— Era, — vem a voz de Reuben. Ele empurra o copo dela, agora cheio
pela metade com uísque. — Agora ele não é nada.

— Ele ainda é meu amigo, — diz ela, ignorando a bebida. — Ele nunca
fez nada para...

— Então ele nunca tocou em você? — Eu encurto a distância,


arrebatando o copo da mão de Rube no caminho.

— Não! — Seus olhos brilham de raiva.

Eu agarro seu queixo, forço para baixo, e inclino o copo contra seus
lábios.

— Beba.

Ela vira a cabeça, derramando uísque garganta abaixo e seios expostos.

— Vou lamber isso mais tarde.

Com isso, seu corpo fica rígido. Essa mesma luz brilha, mas desta vez
não é raiva. Não é nem medo.

Maconha é muito boa em várias coisas. Isso te deixa tagarela. Feliz.


Com fome. E com tesão.
Essa coisinha na minha frente deve estar confusa pra caralho agora com
seu corpo jogando tantos sinais conflitantes em seu caminho. Eu quero
acreditar nela.

— Eu vi você com ele. — Rube diz enquanto eu coloco o copo de volta


em sua boca e abro sua mandíbula. — Vocês são mais do que amigos.

Ela não tem chance de responder, porque estou colocando uísque em


sua boca. Desta vez, ela pega. Engole. Quando ela tosse, um pouco espirra no
meu rosto.

Eu arranco o que sobrou de seu colete e o uso para limpar meu rosto.

Ela começa a chorar.

Essas grandes lágrimas de crocodilo me insultam.

Eu a empurro para frente e coloco a palma da minha mão em sua bunda


com um baque sólido. Suas lágrimas cortaram em um instante. Ela funga,
ainda tentando cobrir os seios, mas não é mais patética com tudo isso.

— Nós nunca, eu não... — Ela engasga com o que quer que ela diria e
baixa a cabeça.

— Mas você quer, — eu digo.

Seus olhos disparam, ainda cheios de lágrimas, mas ela pisca para
afastar as lágrimas antes que caiam.

— Não.

— Claro que você faria. — Eu deslizo a mão em suas costas e a puxo


comigo enquanto me movo para o sofá. Ela vem comigo, sem resistir, mas
instável. — Uma foda bonita assim. — Meu estômago se revira, mas engulo a
bile que sobe e continuo. — Você deve ter imaginado como seria?

— Não, — ela mente, sua voz quase um sussurro.

Eu afundo no sofá e a puxo comigo. Ela toma seu assento original e olha
cautelosamente para Reuben quando ele vem se sentar ao lado dela. Ele
estende o copo dela, e ela solta um pequeno suspiro desamparado.

Finalmente, a luta acabou.


Esse último resquício de resistência é drenado de seu corpo. Seus olhos
se tornam opacos e sombrios quando ela deixa cair os braços que estava
usando para cobrir o peito. Nós não olhamos. No momento, não podíamos
ser incomodados com seus seios. É a mente dela que estamos tentando expor.

Ela estava certa. Nós não a trouxemos aqui para transar com ela.
Viemos aqui para interrogá-la.

A tortura nunca funciona.

As vítimas dirão qualquer coisa para fazer a dor parar.

Erva e álcool, entretanto?

A combinação os deixa impotentes em conformidade.

Ela deixa Rube alimentá-la com o último centímetro de uísque. Quando


ela estremece quando a bebida atinge sua garganta, sua convulsão me atinge
através da almofada do assento. Antes que eu possa me impedir, minha mão
está em volta de sua garganta. Eu a empurro de volta contra o sofá, e ela me
permite. Não há nem mesmo uma lasca de medo em seus olhos, apenas um
abandono sem esperança.

Faça o seu pior, Zachary.

Apague minha vida como os outros. Por que não? O que mais eu
poderia dizer que você ainda não sabe?

Mas então me ocorre.

Não é o que eu preciso dela.

É o que ela precisa de nós.

Se ela honestamente pensa que seu amigo é o padre puro e inocente de


seu passado, então precisamos endireitá-la. É uma pena ter que quebrar algo
tão bonito..., mas pelo menos nós quatro estaremos lá para juntar os cacos.

— Como você quer que ele te foda? — Minha voz vem de longe quando
começo a me desassociar do momento, do que estou prestes a fazer.

Seu pulso acelera sob meu polegar.


— Como no desenho. — ela diz. Seus lábios se curvam em um sorriso
fraco. — Aquele que Cass-Cass-ius desenhou.

— Você pode chamá-lo de Cass, — murmuro, inclinando-me mais perto,


aplicando um pouco mais de pressão em sua garganta. Ela se contorce um
pouco, suas pálpebras piscando. Mas ela está entorpecida com tudo, pânico
incluído.

É melhor assim.

Eu sei por experiência própria.

A mão de Rube entra em meu campo de visão. Ele fixa o rosário em


volta do pescoço de Trinity, posicionando o crucifixo entre seus seios
arfantes. Em seguida, ele percorre com as pontas dos dedos o centro de seu
corpo.

Seu estômago se convulsiona ao seu toque, vibrando como a asa de uma


borboleta.

Ela ri.

Eu recuo com aquele som inocente e feliz enquanto isso me puxa de


volta para o aqui e agora.

Minha mão aperta. Eu a empurro para trás com força suficiente para
deslocar a mão de Rube e recuperar sua atenção.

— Ele alguma vez tocou em você? — Eu pergunto de novo.

— Não, —Ela engasga. — Nunca.

— Bom. — Sento-me, liberando sua garganta e flexionando meus dedos.

Rube coloca a mão em sua barriga e quase cobre sua barriga.

— Você deveria estar agradecida, — diz ele.

Trinity encosta a cabeça para trás, levando lentamente a mão à garganta.


Ela acaricia as marcas fracas que deixei para trás enquanto seus olhos se
movem para Reuben.

— Por quê?
Sua voz está grossa agora, sua língua lenta enquanto forma a palavra.
Acho que ela não estava mentindo quando disse que não bebia. Ela está a
minutos, talvez até segundos, de desmaiar.

— Ele teria contaminado você. — Rube diz a ela tristemente. — Assim


como os outros.
— Pegue isso...beba tudo.

Abro meus olhos para a escuridão tingida de laranja. Parece que alguém
está pisando na minha cabeça. Ele pode, possivelmente, ser o mesmo
culpado que esfregou areia nos meus olhos. Eu empurro minhas mãos e olho
ao redor.

Estou no quarto deles. Isso deve me alarmar. Aterroriza-me, na verdade,


mas mal consigo pensar direito através do taciturno thud-thud-thud da
minha cabeça.

Uma luz laranja corta uma linha na miríade de cobertores e travesseiros


espalhados. Pisco para a silhueta algumas vezes antes de reconhecê-la.

Apollo se aproxima de mim, entrando e saindo dos colchões como se


estivesse caminhando em um campo minado. Ele se agacha ao meu lado e
oferece uma xícara fumegante.

— Café, — ele explica. — Creme, dois açúcares. Isso mesmo, coisa bonita?

Eu não posso nem falar.

Eu aceno para ele e aceito a xícara. Felizmente, minha bunda quase não
dói mais, então posso me sentar em uma cadeira de pernas cruzadas assim
que ele desaparecer da sala.

Depois de uma verificação rápida para ter certeza de que não há cobras
por perto, arrasto um cobertor sobre os ombros. É absolutamente congelante
neste lugar, e nenhuma surpresa, não é como se a biblioteca tivesse
aquecimento.
Os caras falam em voz baixa por alguns segundos, e então tudo fica em
silêncio.

Eu derramo café no meu colo quando Zachary chama meu nome.

— Trinity? Junte-se a nós.

Eu considero ignorá-lo.

Então me lembro de seu aviso. Eu não preciso de outro esconderijo,


muito obrigado, porra. Fazendo malabarismo com a xícara de café, de
alguma forma consigo arrastar um cobertor sobre os ombros sem derramar
uma gota. Então eu faço meu caminho para o outro lado da Man Cave16.

Eles estão todos sentados, Reuben e Cassius no mesmo sofá em que eu


estava, Zachary ainda em sua cadeira, embora ela tenha sido empurrada para
mais perto da estante agora, e Apollo em uma poltrona muito gasta do outro
lado.

Todos olham para cima quando eu entro, me fazendo congelar.

— Está com fome? — Reuben pergunta.

Eu estou...?

Eu olho para ele.

Essas aberrações acham que apertaram algum tipo de botão de reset


quando fui dormir? O que diabos há de errado com eles? Eles me agrediram,
me sequestraram, e me interrogaram, tudo em questão de horas.

Mas. Que. Porra?

Ainda não sei por quê. Tem algo a ver com Gabriel, mas Deus sabe o
quê.

Algo dentro de mim estala. Eu corro para a frente, o café espirrando


perigosamente perto da borda da minha xícara.

16 Um man cave, mancave ou manspace, e menos comumente um manland ou mantuary é um


retiro ou santuário masculino em uma casa, como uma garagem especialmente equipada, quarto de
hóspedes, sala de mídia, escritório, porão ou casa na árvore.
— Não, seu filho da puta doente, não estou com fome!

Espero que um deles diga alguma coisa, talvez para tentar me acalmar,
mas eles continuam olhando como se tivessem pago um bom dinheiro por
esse show.

Colocando meu café na estante mais próxima, mantenho o cobertor


fechado com uma mão e uso a outra para apontar para Zachary.

— Você acha que pode simplesmente sair por aí fazendo o que diabos
você quiser? Bem, você está errado! Você não pode.

Zachary se recosta em sua cadeira e cruza os braços sobre o peito. Isso é


um sorriso fantasma em seus lábios?

— Alguém vai notar que eu fui embora. Você percebe isso, certo? — Eu
examino os outros rostos, um de cada vez. Apollo com seu cabelo rebelde.
Reuben com seu olhar fixo de dez metros. Cassius que...

Ele está fodendo com um olhar malicioso em mim.

— Quem vai notar que você se foi, minha putinha?

— Pare de me chamar assim! — Eu corro para frente, encorajada por


sua aparente falta de interesse. Eu tento dar um soco no ombro dele, mas
nada perto disso acontece.

Em vez disso, ele está de pé, fazendo algum tipo de movimento ninja
que me envolve nas costas do sofá e ele se inclina sobre mim.

Ninguém o impede.

A mão de Cass desliza sob o cobertor, agarrando meu peito. O rosário


de Reuben cai e fica pendurado no meu pescoço.

— Como você dormiu? — Reuben pergunta, sereno pra caralho.


Contorcida assim, mal consigo respirar. O fato de Cass continuar me
apalpando não está ajudando.

— Ok! —Eu grito. — Por favor.

— Deixe-a ir. — Zachary, ao contrário, parece exausto.


— Puta merda, Zac! — Cass se afasta de mim, mas não antes de apertar
minha bunda com as duas mãos. — Pare de me dar bolas de merda.

— Você está fazendo isso a si mesmo, — Zachary responde. — Agora


sentem-se. Vocês dois.

— Sim, bem aqui. — Cass diz, me mostrando seus dentes enquanto me


arrasta ao redor do sofá.

Acabo no colo dele, apesar dos meus protestos. Ele parece se lembrar
que Zachary poderia me fazer parar de lutar com um tapa na bunda, então
são necessários três deles antes de eu afundar em seu colo e não pular de
novo.

Não é exatamente o assento mais confortável. Ele está sempre está com
tesão?

— Onde estão suas coisas? — Zachary pergunta.

Eu o encaro por um segundo, e então me lembro de como é inútil


resistir, protestar ou revidar.

— Que coisas?

— Bijuterias, lembranças e merdas assim. — Apollo completa. Eu olho


para ele, mas seus olhos estão na câmera em seu colo. Ele parece decidido a
consertá-la ou desmontá-la peça por peça.

— Eu não tenho coisas assim.

— Você não trouxe nenhuma com você? — Zachary pergunta.

— Não. Eu não tenho coisas assim. — Eu cruzo meus braços, imitando-o,


e encolho os ombros. — O quê, todo mundo deveria ter um monte de lixo
sem motivo?

— Coisas de valor sentimental? — Zachary diz. — A maioria, sim.

— Tudo que eu encontrei foi isso. — Apollo diz, se inclinando e pegando


algo do chão ao lado de sua poltrona.

Eu teria ficado de pé se Cass não tivesse deslizado um braço em volta da


minha cintura e cacarejado para mim como se eu estivesse a segundos de
receber outro tapa. Então eu jogo meu cabelo e tento fazer parecer que não
dou a mínima que eles levaram a única coisa que eu trouxe comigo que não
era roupa ou sapatos ou roupa íntima.

— É uma Bíblia. — eu digo rigidamente. — No caso de você estar se


perguntando.

— Uma tradução antiga, — diz Zachary, esticando-se para pegá-la de


Apollo. Ele o abre e eu fico tensa...esperando a foto cair.

Depois de como eles me interrogaram sobre Gabriel, o que diriam se


vissem a foto dele e do meu pai? Pode desencadear o tipo de reação que
termina em violência.

Mas nada cai. Ou eles já encontraram, ou eu o prendi com tanta força


entre as páginas que eles teriam que abri-la no lugar exato para retirá-la.

Só espero que eles estejam ocupados demais para verificar.

Zachary levanta o grosso volume na mão.

— Eu prefiro estes. As traduções mais recentes são muito...polidas.

— Eles tiraram todas as merdas boas. — Cass concorda. — Todo aquele


fogo e enxofre.

— Estranho quantas coisas estão abertas à interpretação, — Zachary


reflete, como se para si mesmo.

— Má interpretação. — Apollo diz. A câmera se desfaz em suas mãos e


ele olha para a variedade de peças que agora se espalham por seu colo.

— Não tudo.

Viro-me para Reuben e engulo em seco quando o vejo olhando para


mim. Quando ele estende a mão para mim, eu fecho meus olhos
instintivamente. Eles se abrem quando seus dedos roçam meu esterno 17. Ele
levanta o crucifixo pendurado em meu pescoço e esfrega o polegar ao longo
da madeira. Ele libera um cheiro doce e inebriante que me faz contorcer no
colo de Cass.

17 Osso plano, alongado situado na parte anterior e média do tórax


O que, por sua vez, torna sua ereção ainda mais dura.

— Suficiente! — Eu estalo. Eu arranco o crucifixo do dedo de Reuben e


me viro para encarar Zachary. — Diga-me o que diabos estou fazendo aqui.

Agora minha cabeça está batendo como um bombo. Eu pressiono a


palma da minha mão contra minha têmpora, estremecendo, mas não quebro
o contato visual com Zachary.

Ele se senta para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e


entrelaçando os dedos.

— Você, Trinity Malone, vai nos ajudar a derrubar um traficante de sexo.

Eu rio, por que o que mais eu devo fazer?

— Eu? Como? — Zachary continua como se eu não tivesse falado. —


Eles o chamavam de Guardião. — Sua mandíbula aperta. — Você o conhece
como Gabriel.

Há uma batida de silêncio onde até meu coração para de bater.

Zachary me dá um sorriso sombrio.

— Desculpe. Padre Gabriel.

****

Meu café acabou frio em minhas mãos. Eles me devolveram alguns


minutos depois de terem começado a me contar sua história.

Apollo começa.

— Meus pais foram baleados quando eu tinha seis anos. O tipo de


assalto que deu errado. Eu tinha sido coroinha por cerca de um mês antes de
isso acontecer. De alguma forma, acabei em um orfanato em Redmond, em
vez de um acolhimento familiar.

— Não que eu me importasse. Eu achei bem legal. Tinha muitos amigos


com quem brincar. Eu estive lá por tipo um ano antes de acontecer.
Ele faz uma pausa e começa a recolher todos os farelos de seu colo e
colocá-los no chão, arrumando-os ao redor de seus pés descalços.

— Um dos meus professores me disse que eu tinha me saído tão bem na


aula que ele estava me levando para comer pizza —. Apollo solta uma risada
sardônica. — Eu fui um idiota, acreditei nele. É tão fácil colocar uma criança
no carro. Porra de pizza, cara.

Ele funga e tira o cabelo do rosto. Ele cai de volta, mas ele não parece
notar. Zachary acende alguma coisa. Primeiro penso que é maconha, mas
então a fumaça do cigarro sobe no ar entre nós. Eles começam a trocá-lo,
cada um dando uma ou duas tragadas antes de passá-lo adiante.

— Nós dirigimos por horas. Qual a sensação, de qualquer maneira.


Comecei a ficar irritado. Ele bateu minha cabeça no painel com tanta força
que desmaiei. — Apollo coça a cicatriz em sua testa como se ainda pudesse
sentir aquela dor ao longo dos anos.

E aqui eu pensei que era uma velha lesão esportiva ou algo assim.

— Quando acordei, estava amarrado em um porão. — Ele começa a


organizar os vários mecanismos de sua câmera quebrada em torno de seus
pés em uma auréola.

Parece que alguém está derramando água fria na minha espinha. Ele
respira fundo e olha para Zachary.

Zachary acena para ele.

Apollo olha para mim.

A água gelada congela e todo o meu corpo fica rígido.

— Eu tinha dois fantasmas. Eles vinham todos os sábados e domingos,


alternando assim. — Ele estica os dedos e os torce para frente e para trás. —
Nunca se viram, mas eles cronometraram suas merdas tão bem que tiveram
que limpar o esperma um do outro de seus pênis mais de uma vez.

Minha boca se enche de saliva. Por um momento, estou convencida de


que vou vomitar. Cass pega meu pulso e leva minha xícara à boca.
Eu tomo um gole.

— Fantasmas? — A palavra escapa antes que eu possa detê-la.

Os olhos de Apollo se erguem rapidamente. Seu pé começa a bater.

— Sim, fantasmas. — Ele aponta para Reuben. — Ele intentou esse


nome.

— É como chamamos os homens que nos visitaram, — diz Reuben. Eu


olho para ele, mas ele ainda está olhando para Apollo. — Nunca soubemos
quem eles eram ou quanto tempo permaneceriam. Eles não deveriam falar
conosco.

— Mas alguns deles não conseguiam calar a boca, — diz Cass.

Eu olho para ele por cima do ombro. Seus olhos azuis poderiam ter feito
um buraco na minha cabeça.

— Cheguei lá alguns meses antes da chegada da Apollo, — diz ele.

— Onde? No porão? — Eu olho para Apollo. — O mesmo? — Apollo


parece ter esquecido que eu existo. Ele está ocupado com sua câmera
novamente.

— Sim. — Cass diz. — Agora aninhe-se, peitos de mel. É a minha vez.


Eu preciso de outro baseado, mas em vez disso acendo um cigarro.
Sabemos que não fumamos pouco quando compartilhamos, mas já é um
hábito nosso há anos. Quando nos conhecemos, demorava muito para
compartilhar qualquer coisa, até mesmo nossos nomes.

A confiança torna-se viciante. Perigosamente assim.

Cass arrasta Trinity contra seu peito, arrumando-a como uma criança
sonolenta, a cabeça dela em seu peito, as pernas dobradas para um lado. Ela
permite, mas acho que é porque ela está em um leve choque.

Ou apenas de ressaca de verdade.

— Eu era um merdinha bonito, mesmo naquela época. — Cass começa.


Ele brinca com o cabelo de Trinity, enrolando seus cachos em torno de seu
dedo enquanto fala.

É surreal ouvi-los. Histórias desenrolando-se como fios presos em seus


corações emaranhados. Eu só ouvi trechos. Recontagens parciais sempre que
descobríamos uma nova pista que nos levava mais fundo na teia de mentiras
que o Guardião tinha inventado para manter seus negócios escondido de
olhos curiosos.

— Eles já deveriam estar me observando há alguns meses. Eu reconheci


o carro que eles usaram quando finalmente me pegaram. Em plena luz do dia,
os fodidos. Mas eles sabiam o que estavam fazendo. Onde eu estaria, a que
horas. Que eu ficaria sozinho.

Cass passa a mão pela cabeça de Trinity e parece que ela se encosta nele.
— Eu morava em uma cidade pequena naquela época. O tipo em que
seu filho poderia pegar o ônibus da escola primária e você sabia que ele
chegaria em casa são e salvo.

Ela se mexe, inclinando a cabeça para trás e balançando a cabeça.

— Mas eu não cheguei, não é? — Cass diz enquanto ajeita a ponta de seu
nariz. — Era uma quadra do ponto de ônibus até minha casa. Uma
caminhada de cinco minutos. Naquele dia, eu nunca cheguei em casa.

Trinity arregala os olhos. Cass pinta o contorno de seus lábios com a


ponta do dedo.

—Eu não fiz barulho. No minuto em que vi o carro, já sabia o que estava
acontecendo. Não sei como, mas simplesmente sabia. Tentei correr, mas eles
tinham um dos caras na calçada à frente e ele simplesmente me agarrou e me
empurrou para dentro do carro.

Cass para de tocá-la. Ele desvia o olhar, sua cabeça caindo e seus olhos
nublados com sombras escuras.

— Eles injetaram algo em mim. Me derrubou. — Sua cabeça se levanta e


ele aponta diretamente para mim enquanto sorri. — Acordei ao lado de
James. Você se lembra dele?

Eu não digo nada. Cass tem a palavra agora.

Ele se vira para Apollo, então Reuben.

— Vocês se lembram de James? Filho da puta com olhos malucos?

Eu quase rio.

Tenho certeza que se tivéssemos que perguntar a Trinity, ela diria que
todos temos olhos malucos.

— De qualquer maneira. — Cass acena com a mão. — Eu tinha uma


tonelada de fantasmas. Nem se incomodaram em manter o controle. — Ele
dá a ela seu sorriso radiante. — Acho que sempre fui uma boa trepada. — Ele
pisca para ela, fazendo-a se esquivar dele.
Nenhum de nós pisca quando Cass encobre seu abuso. É como ele lida
com suas merdas, assim como todos nós temos nossas pequenas
peculiaridades e idiossincrasias.

Cada um com sua mania.

Trinity olha para mim sem levantar a cabeça.

— Quantos meninos eles...?

— Não temos certeza. — Eu dou de ombros enquanto dou uma tragada


no meu cigarro antes de entregá-lo a Cass. — As coisas estavam erráticas. Eu
presumo de propósito.

— E os outros? O que aconteceu com eles?

Eu empurro o interior do meu lábio contra os dentes e mastigo a pele.

— Essa não é a pergunta que você deveria estar fazendo agora.

Sua testa franze. Ela se empurra para cima e para longe de Cass,
fazendo-o gemer teatralmente. Em seguida, ela desliza cuidadosamente para
fora de seu colo, como se estivesse preocupada que ele fosse agarrá-la pelas
costas.

Ele não vai.

Por mais que goste de dizer que é o que está mais longe de uma vítima,
ele realmente sofre. Ele era o mais bonito do grupo. Todos nós éramos, é por
isso que eles nos mantiveram por tanto tempo. Outros meninos iam e
vinham, mas nossos fantasmas pareciam incapazes de nos deixar ir.

Foda-se, quem estou enganando?

De nos eliminar.

Cass não se sentirá alegre por um tempo. Ele vai começar a agir como
sempre faz quando é forçado a relembrar seu passado. Mas ele era a vez dele
de contar, assim como Apollo.

Tentamos ser justos um com o outro. Tão justos quanto podemos ser
sem nos tornarmos bichanos completos e absolutos.
— O guardião. Ele não era um fantasma? — Trinity pergunta.

O cigarro, tendo percorrido todo o nosso círculo, volta para mim. Eu


puxo antes de matá-lo no cinzeiro.

— Não que saibamos...

— Claro que ele é! —Apollo interrompe. Trinity pula ao som de sua voz e
vira os olhos arregalados para ele. — Só porque ele nunca nos tocou, não
significa que ele não —...Ele levanta as mãos.

Eu o espero para ter certeza de que ele terminou.

— Até onde sabemos, não.

— Então, como você sabe que ele está envolvido? — A voz de Trinity
sobe uma oitava acima.

— Porque tudo sempre leva de volta a ele. — eu digo a ela. Então eu


suspiro e me sento, passando minhas mãos pelo meu cabelo. — Nós quatro...
— Eu balanço a mão para abranger meus irmãos —...vivemos juntos naquele
porão por anos. Os meninos iam e vinham, mas nós ficaríamos para trás.
Alguns dos fantasmas começaram a falar conosco. Começamos a juntar as
peças.

— Então escapamos, — diz Reuben.

Eu aponto para ele.

— Então nós escapamos. — Eu expiro no silêncio enquanto Trinity se


inclina para frente com uma carranca expectante.

— E depois?

Traços de fumaça do fundo de meus pulmões envolvem minhas


palavras.

— E então tudo deu merda.


É inapropriado rir depois do que Zachary disse, mas tenho uma
necessidade histérica de rir.

Então foi para merda?

— Eu não entendo. — eu digo, engolindo cuidadosamente qualquer


alegria que ouse borbulhar. — Quero dizer, eles pegaram os fantasmas?
Como isso leva a Gabriel? Nada disso faz sentido!

Zachary balança a cabeça.

— Nenhum dos homens que nos molestaram foi preso pelo FBI ou pela
polícia. Nenhum.

Eu me abraço e me enterro mais fundo em meu cobertor.

— Por quê? Você não tinha provas suficientes?

—Oh, nós tínhamos evidências. — Apollo começa, mas ele interrompe


quando Zachary lança um olhar duro em sua direção. Acho que sua vez de
falar acabou.

Ainda não ouvi a história de Zachary, ou de Reuben, mas já estou no


ponto em que quero dizer a eles que estão inventando isso.

E mesmo que não estejam, não há como Gabriel estar envolvido em


algo assim.

Nem pensar porra.

— Duas prisões foram feitas, — Zachary disse calmamente.

— É isso?
Ele acena com a cabeça uma vez.

— Houve um julgamento. Os suspeitos foram condenados à morte.

Meus olhos se arregalam. O cobertor range na minha mão quando


aperto mais forte.

— Como em...a pena de morte?

Outro aceno de cabeça.

— Eles serão executados no próximo mês. — Aí está aquele tique de


novo. Ele aperta a mandíbula como se de repente percebesse isso e engole. —
A investigação foi encerrada há muito, muito tempo. De acordo com os
federais, eles encontraram todos os envolvidos.

— Conte a ela sobre Gabriel, — diz Reuben. — Ela tem que saber.

Zachary levanta a mão. Lambe seus lábios. Eu nunca o vi tão inseguro


de si mesmo, e isso faz o pânico vibrar fundo em minha barriga.

No início, eles pareciam convencidos de que Gabriel estava, que ele é


algum tipo de chefão? O cara responsável por toda sua dor e sofrimento.

Zachary abre a boca, mas parece que não consegue produzir palavras.

Por alguma razão, isso me apavora.

Uma mão pousa no meu ombro. Reuben me vira para encará-lo. É


irreal ver uma dor tão profunda em um rosto tão jovem e vital. Ele poderia
ter sido o garoto-propaganda de um time de futebol de colégio.

— Eu sempre implorava ao meu Fantasma para me dizer por que ele


estava fazendo o que estava fazendo. — Reuben bate com a palma da mão no
peito. Apollo se encolhe. — Por que eu?

Minha boca fica seca e arrepios percorrem minha carne.

Seus olhos negros me prendem como piche.

— Ele disse que eu deveria perguntar ao Guardião. Que ele poderia


explicar isso.
Estou esperando cada porra de palavra, mas Reuben está lutando com
isso tanto quanto Zachary estava. Seu peito largo sobe e desce conforme sua
respiração se torna lenta e profunda.

— Eu disse a ele... — Reuben enfia a mão no topo do meu cobertor. Eu


não luto com ele, agora eu sei o que ele está procurando. Ele pega meu
crucifixo e esfrega a madeira. Parece acalmá-lo, porque um certo nível de
tensão deixa seu rosto. — Eu disse a ele que não sabia quem era o Guardião.
Que eu só via ele. Então ele me disse...

Sua voz fica mais grossa. Madeira de rosas bate no meu nariz com a
força que ele está esfregando naquele crucifixo.

—Rube. — Cass sussurra atrás de mim. — Mano, você não precisa...

— O Guardião disse que éramos a cura. Olhos negros me prendem. Que


os fantasmas tinham uma doença. Mantivemos seus sintomas, esses
impulsos, sob controle, para que pudessem fazer seu trabalho. — Sua
respiração engata. Para que eles pudessem pregar a Palavra de Deus sem
serem atormentados por seus desejos.

Minha boca se abre. Sem pensar, eu levanto minhas mãos e envolvo


meus dedos em torno do punho de Reuben. Meu peito se fecha tornando a
fala impossível, mas não há nada que eu pudesse ter dito de qualquer
maneira.

Nada.

— Quando eles terminaram... — Ele faz uma pausa para engolir. —


Quando sua visita terminava, eles se encontrariam com o Guardião e
confessariam seus pecados.

A mão de Reuben treme dentro dos meus dedos.

— E ele os abençoaria e os tornaria puros novamente.

Ele solta o crucifixo, retirando sua mão e lentamente colocando-a de


bruços em suas coxas.

— Até que seus impulsos voltassem, é claro, — diz Zachary.


Meu coração sangra pra caralho por esses meninos. Eu esfrego a palma
da mão sobre minha clavícula, desejando que ela entrasse e aliviasse a dor
que causaram.

— Então, todo o ciclo da doença iria começar tudo de novo. — Cass se


inclina para perto, deslizando as mãos sobre meus ombros. — Tudo com a
ajuda de seu melhor amigo.

Eu balanço minha cabeça, e isso libera uma lágrima de meus cílios.

— Não, — eu sussurro. — Por favor. Sinto muito por isso. O que


aconteceu com vocês. É...é errado pra caralho e nojento. — Eu respiro fundo
e fico com as pernas trêmulas, virando-me para olhar para eles. — Mas o
padre Gabriel não teve nada a ver com isso. Eu o conheço. Ele é um bom
homem. Ele sempre esteve lá para nós.

Quatro rostos de pedra me olham.

— Por favor. Acredite em mim. Não é ele. Ele não é seu Guardião.

Tecido farfalha atrás de mim. Eu me viro enquanto Zachary se levanta.

— Achamos que você diria isso. — Ele inclina a cabeça e lentamente me


examina de cima a baixo. — E você está certa. Não temos nenhuma prova.
Nem um...

Reuben respira fundo, mas fica quieto quando Zachary levanta a mão.

O que ele ia dizer? Certamente se eles realmente têm provas, eles me


diriam?

—Nem todos os milagres são divinos, Trinity. — Zachary desliza a mão


pela minha nuca e me puxa para mais perto. Eu me movo com pernas
bambas, em transe demais para sequer pensar em resistir. — Mas você? Eu
juro pela minha vida que você foi enviada pelo próprio Deus.

— O quê? — É tudo o que posso controlar.

— Essa prova? Você vai encontrar para nós. — Sua mão aperta
cruelmente, arrancando um suspiro de mim. — Você vai trazer para nós. E
juntos nós, nós cinco... — Ele chega perto o suficiente para me beijar, para
seus olhos dominantes preencherem meu mundo. — Faremos com que ele
nos dê os nomes de nossos fantasmas.

Não quero saber o que vem a seguir. Um pavor frio já está se


espalhando por meus membros, atingindo meu coração.

— E então vamos pegá-los. — Ele tira uma mecha do meu rosto. — E


vamos infligir a eles cada ferida, cada dor, cada pedaço de vergonha que eles
infligiram a nós.

Meu coração bate contra minhas costelas.

— Ok.

— E então vamos matá-los. — Seus olhos não mudam nem um pouco.

— Ok.

Atrás de mim, três vozes entoam uma palavra em uníssono.

Amém.

Eu deveria estar horrorizada comigo mesma.

Mas eu não estou.

Vou provar a essas almas torturadas e feridas que o padre Gabriel é o


homem amável e amoroso que sei que ele é.

E se, de alguma forma, tudo o que dizem for verdade?

Bem, então, acho que assinei um acordo com o diabo.

Amém caralho.

Continua…

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