TJSP - Responsabilidade Da Credora Fiduciária Que Omite Consolidação Da Propriedade

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2023.0000618742

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1003938-89.2021.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que são apelantes/apelados
FRANCISCO RAMIREZ MARTINS JÚNIOR e ANDREA JOSILANE BASTOS
RAMIREZ, são apelados/apelantes COUTO ROSA EMPREENDIMENTOS
IMOBILIÁRIOS SPE2 LTDA. e CIPASA DESENVOLVIMENTO URBANO S/A.

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São


Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram parcial provimento ao recurso do autores e
negaram provimento ao recurso das corrés. V.U.", de conformidade com o voto do Relator,
que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GALDINO


TOLEDO JÚNIOR (Presidente sem voto), EDSON LUIZ DE QUEIROZ E CÉSAR
PEIXOTO.

São Paulo, 25 de julho de 2023.

WILSON LISBOA RIBEIRO


RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

APELAÇÃO N. 1003938-89.2021.8.26.0344
APELANTE/APELADO: Francisco Ramirez Martins Júnior e outro
APELADO/APELANTE: Couto Rosa Empr. Imobiliários SPE2 Ltda. e outro
COMARCA: Marília
JUIZ(A) PROLATOR(A) GIULIANA CASALENUOVO BRIZZI HERCULIAN
VOTO N. 4737

COMPRA E VENDA IMOBILIÁRIA. Insurgência recursal contra


sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para
obrigar a parte ré a proceder à consolidação da propriedade do imóvel,
além de responsabilizá-la pelo pagamento de despesas inerentes à
propriedade do bem a partir da sentença. Recurso dos autores.
Pretensão de que as corrés sejam integralmente responsabilizadas
pelos débitos do bem, além de que sejam condenadas ao pagamento de
indenização por dano moral. Recurso das corrés. Pedido para que os
demandantes continuem obrigados ao adimplemento das despesas, até
a efetivação dos procedimentos previstos na Lei n. 9.514/97, bem
como redução da multa cominatória e readequação de ônus
sucumbencial. Credora fiduciária que deixa de realizar a consolidação
da propriedade, beneficiando-se de sua demora. Adquirentes que não
podem permanecer eternamente vinculados ao contrato, aguardando
providências que incumbem à credora. Ausência de dano moral. Ônus
sucumbencial devidamente distribuído. Sentença reformada apenas
para consignar a citação como termo inicial da responsabilidade das
corrés pelas despesas do imóvel. RECURSO DOS AUTORES
PARCIALMENTE PROVIDO E DESPROVIDO O DA PARTE
RÉ.

VISTOS.

Apelação Cível nº 1003938-89.2021.8.26.0344 -Voto nº 4737 - CLNFS 2


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Trata-se de recursos de apelação interpostos contra a sentença de fls.


321/6 que, nos autos de ação de obrigação de fazer, julgou parcialmente procedentes os
pedidos iniciais “para o fim de impor às requeridas a obrigação de proceder em conformidade
com o disposto nos artigos 26 e 27 da Lei n. 9.514/97, no prazo de trinta dias, sob pena de
multa diária de R$ 2.000,00, limitada ao máximo de sessenta dias; transferindo-se as contas
de água, IPTU e demais taxas relativas ao imóvel junto às repartições públicas e associação
condominial competentes”.

Os autores apelam sustentando que seu inadimplemento ocorreu antes


da entrega do lote, razão pela qual nunca exerceram posse sobre o imóvel. Afirmam não ser
razoável lhes impor, além da perda das quantias pagas para a aquisição do bem, a
responsabilidade pela quitação de IPTU e taxas decorrentes da posse, considerando que a
consolidação da propriedade cabia às corrés, que se omitiram dolosamente. Pelos mesmos
motivos, reiteram a necessidade de condenação das demandadas ao pagamento de indenização
por danos morais.

As corrés também recorrem afirmando que os autores devem ser


responsabilizados pelo pagamento de IPTU e taxas incidentes sobre o bem até que haja o
cumprimento do que dispõem os arts. 26 e 27 da Lei n. 9514/97. Asseveram que os autores
sucumbiram em parcela maior do pleito, o que deve ser refletido na proporção dos honorários
devidos. Pleiteiam a redução da multa cominatória.

Contrarrazões das corrés devidamente juntadas.

Houve oposição ao julgamento virtual (fls. 372).

Recurso adequadamente processado.

É O RELATÓRIO DO NECESSÁRIO.

Os autores ajuizaram a presente ação alegando que firmaram contrato


de compra e venda garantido por alienação fiduciária com as demandadas para a aquisição de
um terreno localizado no empreendimento Jardim Alvorada. Em 2016, manifestaram o

Apelação Cível nº 1003938-89.2021.8.26.0344 -Voto nº 4737 - CLNFS 3


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interesse na rescisão do pacto por não mais ser possível o seu cumprimento, notificando as
corrés. Posteriormente, ingressaram com ação para rescisão do contrato e devolução das
parcelas pagas, mas foram vencidos em recurso de apelação. Pretenderam a imposição de
obrigação de fazer às corrés para consolidarem a propriedade do imóvel no respectivo
registro, além de condenação ao pagamento do valor dos débitos inerentes à posse. Também
pleitearam a condenação das requeridas ao pagamento de indenização por danos morais no
valor de R$ 15.000,00.

Nesse contexto, incontroversa a obrigação de a ré proceder à


consolidação da propriedade do bem em seu favor, evitando que se eternize a posse dos
autores e a obrigação de pagamento dos custos relativos ao seu exercício, eis que já
reconhecido o inadimplemento do preço, bem como a ausência de interesse na manutenção do
ajuste.

Lado outro, a insurgência recursal das partes converge no sentido de


modificar o termo a partir do qual a credora fiduciária seria integralmente responsável pelas
despesas inerentes ao bem, a exemplo de IPTU e taxas associativas.

Como bem ponderou o juízo a quo, não seria razoável exigir que a ré
credora procedesse à consolidação da propriedade e posterior alienação do imóvel enquanto
discutida, no bojo da ação ajuizada pelos autores (n. 1017848-28.2017.8.26.0344), a
possibilidade de rescisão contratual com restituição de quantias pagas, isto é, afastando-se o
rito previsto para a alienação fiduciária em garantia. No entanto, uma vez transitado em
julgado o pronunciamento que deu pela improcedência do pedido naquele feito, caberia à
apelante assim proceder, a fim de evitar a manutenção do contrato sabidamente inadimplido e,
via de consequência, que os débitos inerentes à posse do imóvel continuassem a ser imputados
aos autores.

Assim, as demandadas falharam em seu dever contratual de mitigação


de perdas (duty to mitigate the loss), justamente porque a inércia em proceder à execução da
garantia lhes beneficia com a ausência de obrigações inerentes à posse direta do bem, a
exemplo da cobrança de consumo de água e IPTU.

Apelação Cível nº 1003938-89.2021.8.26.0344 -Voto nº 4737 - CLNFS 4


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Embora a posse dos adquirentes imponha o dever de adimplir as


despesas daí provenientes, a inércia da credora fiduciária não pode ser premiada e mantida
indefinidamente até que ela, a seu bel-prazer, decida proceder nos termos legais.

Desse modo, correto o entendimento do juízo a quo em estabelecer um


termo para que a responsabilização da credora fiduciária por tais débitos tenha início.
Contudo, de rigor o reconhecimento de que as despesas são de responsabilidade da parte ré
desde a citação, quando constituída em mora concernente à ausência de consolidação da
propriedade na forma e tempo definidos em lei.

No que se relaciona à pretensão recursal dos autores quanto à


condenação das corrés por dano moral, não vislumbro abalo aos seus direitos de personalidade
em razão da conduta adotada pela ré, mormente porque as cobranças decorrem do período em
que exercida a posse pelos demandantes, ainda que sobre área não edificada.

Quanto à multa cominatória imposta às corrés, é certo que seu valor


não deve ser risível e tampouco exagerado, porquanto seria inexoravelmente ignorada, ou por
ser ínfima, ou por ser inexequível.

Palatável, pois, a conclusão de que a ora genericamente infirmada, no


valor diário de R$ 2.000,00, limitada a 60 dias, mostra-se adequada ao desiderato aludido,
porquanto não informa fonte de enriquecimento para os autores e, evidentemente, não levará à
ruína as demandadas. Também não vislumbro incorreção na divisão do ônus sucumbencial,
dada a procedência parcial dos requerimentos iniciais.

Diante do exposto, mantenho a procedência parcial dos pedidos,


reformando a sentença questionada apenas para consignar que a obrigação das corrés pelas
contas de água, IPTU e taxas relativas ao imóvel junto a repartições públicas e associação
condominial têm início a partir da citação.

DISPOSITIVO.

Apelação Cível nº 1003938-89.2021.8.26.0344 -Voto nº 4737 - CLNFS 5


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Pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso dos


autores e NEGO PROVIMENTO ao recurso das corrés.

Em consequência, majoro os honorários sucumbenciais fixados em


primeira instância em favor dos autores ao patamar de 11% (onze por cento) sobre o valor
atribuído à causa , com base no que disciplina o artigo 85, parágrafos 2. e 11, do CPC.

Advirto que a oposição de embargos de declaração que encerrem


cunho protelatório será apenada e considero prequestionadas as normas jurídicas reportadas
no curso do presente feito.

WILSON LISBOA RIBEIRO


Relator

Apelação Cível nº 1003938-89.2021.8.26.0344 -Voto nº 4737 - CLNFS 6

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