Compreendendo A Energia Agressiva e A Raiva

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Infancia na Gestalt- “ -terapia V Caminhos ry terapéuticos Sheila Antony e Rosana Zanella (orgs.) aN : ENDENDOA ENgp, ONESSIVA EA RAIVA NERGIA NICA INFANTIL A DE ZORZI Este capitulo é 0 desdobramento de um dos médulos doc so que ministro sobre a energia agressiva ¢ a raiva de Criane e adolescentes baseando-me no método Oaklander da abe, dagem gestaltica. No presente trabalho, uno a esse métods conceitos desenvolvidos por Perls que antecedem a Gestalt. -terapia, como o primado do organismo e a sua telagao com © meio, reflexdes sobre 0 conceito de a cia de necessidades emergentes — tancia para a constituigao e o crianga. A visdo existencialista di igressao e a impo todos de singular impor- crescimento do “eu” d le homem como vir a ser com um potencial de autoatualizacao e autorrealizacao, palda aqui uma conversa. a partir da nocgao de co nologia de Merleau-Po: ~ Oaklander, Perls e M estudos de caso, possi Sistente sobre a difere ¢40 entre a energia ay 40 com o ser sensfvel e senciente. po vivido desenvolvida na fenome- nty. O didlogo entre essas trés bases lerleau-Ponty -, juntamente com dois bilitaré uma compreensio mais con Nciacao, a dinamicidade e a interloct” J Bressiva e a raiva na clinica infantil. Zz Na obra O tesouro escondido, Violet Oaklander, autorid™ ; ™m verdadeiro compéndio sobre ¢o! compreender as diversas faces da raiva, A autora enfatiz! iva € pe tnS4s aprendem a evité-la. Acredita que a raiva é Perigosa, 4, if, acabam nao ™Muitas vezes fingindo nao a se” aprendendo Maneiras saudaveis e adeq' Digitalizado com CamScanner 7 de expressé-las Geralmente se aprende que nao é bom sen- acaba impactando de forma negativa a expressao ti-la, e espontinea ¢ original da crianga. A raiva reprimida ou nao contida, segundo Oaklander (2012), € um dos principais motivos que trazem famflias para a terapia — 0 que vem sen- do corroborado em meus achados clinicos. Mortola (2016) ilustra, com muita criatividade, a analo- gia entre a raiva e a metéfora do urso interior. Ele explica que todos nés temos um urso muito forte dentro de nés, que 2 por vezes pode ser perigoso e sair do controle, fazendo até certas maldades de propésito. Assim como todas as emo- des que conhecemos, a raiva também é uma locugao do eu. Porém, quando ela nao encontra expresso, 0 “eu” estag- na e se atrofia. Em Ego, fome e agressao, Perls (2002, p. 176) faz mengao a algumas distingdes nesse sentido, quando tenta revisar a teo- ria e o método de Freud: “As pessoas que condenam a agres- sio e, ndo obstante, sabem que as repressdes sdo nocivas aconselham a sublimago da agressao, conforme recomenda- do pela psicandlise para a libido. Mas ser4 que podemos acon- selhar a sublimagao da agressao a qualquer prego?” A proposta deste capitulo é compreender de que forma a mobilizagao da raiva e da energia agressiva (ou a falta desta) pode comprometer o crescimento da crianga como um todo. Sobretudo, vamos considerar a energia agressiva, elemento te6rico primordial na Gestalt-terapia, um aunilio do terapeuta no trabalho com a raiva reprimida ou manife stada despropor cionalmente. De antemio, pressupde-se @ energia agressiva como sinénimo de agressao fisica. Mas no ¢ essa a concep- Gao da Gestalt-terapia. Perls (2002, p. 178) diz que “a ira ndio 1a saida na agressdo, na agress €idéntica a agressdo, mas encontra enervagao do sistema motor, como meio de Jeto desejado”, Partindo do significado etimolégico da palavra conquistar 0 ob- Digitalizado com CamScanner erapia Gest & podemos compreendé-la como “o ato de ir em ¢. jpeg ay Portanto, precisamos da agressio para mobiliza, agdes de enfrentamento a0 ambiente. Ainda citando Mortola (2016, p. 13-17, tradugao nossa) em relagao 4 analogia com 0 Urso interior, “agressio”, as vezes, 0 urso se zanga quando vocé falha € time adversario acaba marcando pontos. Ele sobe nas suas costas e voce sente as patas dele cravadas nos seus ombros € 0 hélito quente dele no seu pescoco, enquanto ele diz que vocé nao é bom o bastante. [...] Ele poderd ajudé-lo sempre que vocé precisar dele, quando for neces- sdrio se defender de valentées, por exemplo, e também podera oferecer ajuda para outros que precisem dele. Mortola (2016) ilustra duas formas de aparigao da energia agressiva. Na primeira, a crianca volta toda a sua voracidade para si mesma: isso faz que ela desacredite das suas potencia- lidades e causa a estagnacio do eu. Na segunda, tal energia a impulsiona a agir criativamente em direcao a diminuigio da tensdo causada entre o seu organismo e 0 contexto com ? qual esteja em contato. Ao mesmo tempo que ela pode usar energia agressiva para ferir ou magoar alguém, também pode aprender a utilizé-la a seu favor, de forma positiva. Assim, de maneira geral, podemos compreender a ene!" oe como a forga que promove agdes para uma aber liver i aaniringle e validacao do “eu”. Ee com as possibildades sani ao outro ae ee a ser, de nos torn ©, por vezes, impossibilidades de Em nota do entre 1952 ¢ | vistvel, Merleai te ao homem armos aquilo que somos em es: . tempo em que lecionou no College de Frances 961, perfodo em que escrevia O vistvel ¢? - u-Ponty (2007, p. 435, tradugdo nossa) 8°" . como um ser de duas faces, “que ¢ 0 4° elee Digitalizado com CamScanner ng e também o que ele nao 6, ea ser”, Denota, em suma, um ser sensfvel ¢ senciente, apto a receber impressdes, bem como a s ao mundo e a outrem. O autor inaugura 0 ‘a esse ser de duas fi imprimi- ato de olharmos pa 4 partir do que é visivel da nossa constituigdo, em correlato a uma “in-visibilidade” outro: “O visfvel esté prenhe do invis "do vel" (Merleau-Ponty, 2009, p. 236). Ao mesmo tempo que intenciona algo pleno a ser preenchido, é também a membrana que me une e me separa do outro. Nao sou apenas um pedaco do visfvel, mas um corpo visfvel circundado por outros corpos, que vé e é visto. Nesse sentido, a fenomenologia de Merleau-Ponty con- : tribui para pensar no ser de possibilidades e de projeto de um vir a ser ante um mundo sensivel, esse da ordem que consti- tui o nosso lago com outrem. Diz ele (2009, p. 242): very. E um visivel, mas vé-se vendo, meu olhar que ld 0 encontra sabe que est aqui, do lado dele - assim 0 corpo é posto de pé diante do mundo e o mundo de pé diante dele, e hé entre ambos uma rela- Gao de abraco. E entre estes dois seres verticais nao ha fronteira, mas superficie de contato. 9 CORPOREIDADE E SUBJETIVIDADE Desde que nasce, o ser encontra-se em constante desenvol- vimento, exatamente por essa superficie de contato capaz de possibilitar impressdes, apreensdes € expressdes entre ele ¢ outrem. Merleau-Ponty (2009) enuncia o movimento da mao direita que toca e da mio esquerda que ¢ tocada simultaneamente: j4 nao se sabe qual toca ¢ qual & tocada, © que se transforma num proceso tinico, Ao passo que te- 6 posso sentir 0 outro se eu estiver em movimento para percebé-lo. “Sao dois antros, duas aberturas, dois palcos onde algo. vai Co, também me sinto tocada. Sobretudo, Digitalizado com CamScanner ne e ambos pertencem ao mesmo mundo, ao pale leg acontecer — bonne do Ser” (Merleau-Ponty, 2009, p. 237). E na experiéneia dy corpo em movimento, ¢ 1 0 na estagnagdo, que a transfo, macdo eo crescimento acontecem. E € nesse sentide ue recorreremos 4 fenomenologia de Merleau-Ponty Para com, preender a energia agressiva na elfnica a criangas. Para 0 autor (2006a), 0 corpo é mais do que um comp bioldgico: ele é um corpo vivido, que vivencia e experien. cia, sendo isso que lhe confere 0 cardter de corporeidade Nio se trata de uma entidade isolada, pois afeta ¢ é afeta. do no mundo por outros corpos vividos. Desde o nasci- mento, a crianca é tecida por experiéncias mundanas, a partir de vivéncias de intercorporeidade. Se compreende- mos corporeidade como a subjetividade que habita um corpo, intercorporeidade € 0 atravessamento! entre esses corpos habitados por suas subjetividades. Assim, a forma como os pais ou cuidadores da crianga atendem as suis necessidades fisicas e afetivas lhe permitira desenvolver modos de resolugao de suas necessidades e padroes espe" cificos de relagdes pessoais. Existem normas sociais convencionais que ditam come criangas, adolescentes e adultos devem se comportat, Pe su e sentir. Tais normas, porém, nem sempre sio compat! vels com a capacidade e a habilidade da crianca de resolve catego e satisfazer sua necessidade primordicll Alu Portamentos de birra, ou Por vezes aqueles apontal elo s, 5 P lo senso comum como inadmissivei exPressivo” encontrad naquele conte; “geste to & , podem ser? lo pela crianga, naquele mom xLG ara », para atender & sua demanda. Meg ‘Term wtilizado por Me afetamento; o ser Compartilhament, wm 5: care affine rleau-Ponty, aqui, no sentido de enteclaga™ das sed Por experiéncias mundanas, 0 4° Nperigneias entre os corpos vividos- Digitalizado com CamScanner mm Merleau-Ponty (2006a, p. 542) enfatiza que “somos nao s6 um corpo sensorial, mas também um corpo portador de técnicas, estilos e condutas aos quais corresponde toda uma camada superior de objetos: objetos culturais aos quais as modalidades de nosso estilo corporal conferem certa fi . Assim como 0 mundo, os valores culturais ou com- nomi portamentos de outrem ajudam a tecer o devir da crianga, ¢ esta infere de volta a sua produgao de sentidos ante tal ex- periéncia, por meio de seus ajustamentos criadores. A reaco dos pais diante de tal gesto expressivo do filho, aquele considerado inapropriado, pode imprimir no pe- queno a forma como ele deve apreender 0 mundo e ir em busca da sua demanda. Se nao houver um entendimento ou uma articulagdo adequada dos pais para ajudé-lo a en- contrar uma forma melhor de expressao emocional, possi- velmente essa crianga adquiriré maneiras disfuncionais de resolver seus problemas. Como exemplo, podemos pensar no abandono de sua busca por satisfagao da necessidade principal em prol de manter o amor parental, uma vez que a maioria das criancas tem um retorno depreciativo de suas manifestac6es de birra, ouvindo frases como “que feio se comportar assim” ou “a mamie est ficando muito cha- teada com isso”. Em consequéncia das reagdes de incompreensio e into- lerancia recorrentes dos pais, a crianga apreende que nao apenas essa, mas a sua forma geral de resolugao nao sio adequadas, Ela, entio, introjeta que nao sabe escolher, mas somente os pais; desse modo, segue a orientagao de outrem em detrimento da propria. Antrojetando comportamentos ¢ ia agressiva e a raiva na clinica infan —— 7 jntrojecdo, pelo qual a Todo esse processo é referente ao mecanisme de introjecao, pelo ut 7 i i e condiza crianga apreende normas sociais ¢ ensinamentos dos pais ne ae moral ¢ aos padrdes construidos de comportamento € pensamento- Digitalizado com CamScanner er assimilados por nio Cortespon. nuina as suas necessidades, ‘ crianga compromete & sua funcdo ego e a Construinds identidade neurotizante, com Daa aK CONCEitos dis. torcidos sobre si Diz Merleau-Ponty (2006b, p. 546) valores que no podem s derem a uma orientagao gC! It-terapia a percep¢ao de outrem nao é apenas a operacao dos mas também depende em grande parte do mos nossas relacdes COM OS Outros antes Na realidade, estimulos exteriores. modo como estabelece! dessa percepcao: ela tem raizes em todo 0 nosso passado psicols- gico; cada percepcao de ‘outrem nunca é mais do que uma modaii- dade momentanea [...] mas ha sempre uma relagao mais profunda, relacao de coexisténcia com 0 aspecto de outrem que se apresenta. Discernimos certa intencao em sua conduta, uma vez que nds mes- mos estamos mergulhados em certo drama humano que codeter- mina essa percepcao. ABSORCAO DO MUNDO E INTROJECAO O coexistir por meio da relagao entre corpos é um proceso que ocorre desde as experiéncias mais remotas entre 0 bebé e seu meio. Descrevendo o bebé e aspectos de sua mature ¢40 neuropsicobioldgica para alcangar o estagio de mordida. Perls (2002) nos ajuda a compreender a absor¢ao do mundo ™ tres diferentes fases: introjecdo total (amamentagio), pra (mordida) e assimilacao (mastigacio)- Smuts oe weslakin estrutural das fases de ros do" (biden p, ae com nossa absorgéio mental do ™ ta oneal ~ denominada introjecao total, é compar Peis 202} dena an oe tlmennago do bebe no tem dentes ¢ i como um morder dependente: © imenta-se apenas por meio de s” Digitalizado com CamScanner ny im, “toda a pessoa ou mater As I introjetado permanece intacto, isolado, como um corpo estranho ho sistema. O ob- jeto foi engolido” (ibidem, p. 195). [ possivel considerar es- 0 a primeira absorgio de mundo pela crianga, que vird de orientagado a constituigéo identitaria de sua subje- tividade e identidade, Concomitantemente a absorgio de habitos e valores cul- turais, evidencia-se uma plasticidade do bebé a partir de suas necessidades ¢ dos recursos que tem a sua disposigao. Se, por algum motivo, o seio materno nao produz leite sufi- ciente ¢ o bebé é obrigado a utilizar a gengiva na tentativa de processar outros alimentos, isso 0 levaré a uma limitagdo no processo de assimilagao. Uma disparidade acontece com os bebés que prosse- guem com a amamentacio mesmo com os dentes ja nasci- dos. “A diferenciagado entre 0 seio, que deve ser deixado intacto, e o alimento, que deve ser mordido, mastigado e destrufdo, nao ocorre” (Perls, 2002, p. 201). A agressividade normal para a qual est4 destinada a fungao de morder dos dentes ficard sem fungio, e a energia agressiva sofrerd con- tencdo de sua expressao. Essa disfungao na expressdo da energia agre: meter4 a segunda fase do processo de assimilagao, a introje- 640 parcial, prejudicando também a definigo dos contornos da sua subjetividade em construgio (valores, afetos, costu- mes), Na introjegao parcial, a crianga tem a oportunidade de experimentar 9 que o meio lhe oferece, ser4 introjetado ou nfio, dando contorno e forma a sua subje- tividade, em diregio a uma fisionomia identitar . Em relagao ’ assimilagao, Perls (2002, p. 197) ainda ressalta que se iva compro- lecionando 0 que . dos qualquer introjecdo, total ou parcial, deve passar pelo moinho con Molares trituradores, para nao se tornar OU continuar UM Corpo Digitalizado com CamScanner m4 Infancia na Gestalt-terapia para obter um funcionamento adequado da Perso. estranho [...]€ Iver, ao analisar esse ego substancial » nalidade ¢ necessario disso! reorganizar & assimilar suas energias. Assim como Perls, Merleau-Ponty (2009, p. 237) aludy ao desenvolvimento da crianga uma reversibilidade no que condiz: “Nao existe 0 Para Si e o Para Outrem. Eles sin 5 outro lado um do outro. Eis por que se incorporam ao out projegao-introjegao. Existe essa linha, essa superficie, fron. teira a alguma distancia diante de mim, onde se realiza mudanga eu-outrem, outrem-eu”. Em conformidade, ambos os autores — seja com o instin- to da fome de Perls ou com o ser sensfvel e senciente de Merleau-Ponty — observam uma inter-relagdo entre a mie e o bebé. Merleau-Ponty (2006a, 2006b) confirma a orienta- ¢4o identitéria com base na experiéncia de outrem. Afirma ele (2006a, p. 251) que 0 sentido dos gestos nao é dado, mas compreendido, quer dize retomado por um ato do espectador. [...] Obtém-se a comunica¢ae ua compreensao dos gestos pela reciprocidade entre minhas in- tencoes e os gestos do outro, entre meus gestos e intencdes !eg veis na conduta do outro. [...]O esto que testemunho desenha e” Pontilhado um objeto intencional, Esse objeto torna-se atual ¢ ¢ prvenearival aerate quando os poderes de meu corpo ® ecobrem. O gesto esta diante de mim como Um luestac ii uestéo, ele me indica certos Pontos sensiveis do mundo, conve” “me a encontra-lo ali, A lisionomia do eu toy mais remotas — € nos cuidados dos pais ncil> 4 ma forma a partir das exper lo conte iy Contato na experiéneia da amame! Das a ea cos com a mae e os cuidadores Fe ante dag prj . snes das primeiras expressdes de raiva da crit tag? Digitalizado com CamScanner d 15 A percepgio que ela tem de reagdes reco oudo meio para com ela pontilha as mod, to incorporadas ao longo da vida. Acrianga absorve de seu meio, de sua experiénci dana, 0s recursos necessarios para o seu © trem. A comunicagio e a relagio intercorpérea, a telagdo entre o corpo da mie e 0 do bebé, sio fundamentalmente a base de todo esse construto. Antony (2012, p. 37) salienta que “as forgas interatuans tes dos componentes do campo irao determinar um com- portamento, um padrao de comunicacio, de interagdo, uma patologia, uma personalidade”. Assim, a recorréncia do mo- do como os pais esto com a crianga contribui, por exemplo, para fomentar sintomas ou até mesmo patologias. Acrescen- ta a autora (2018, p. 41): Trentes do adulto. alidades de conta ia mun- ‘ontato com ou- ndo a energia agressiva e a raiva na clinica in Devido a essa maneira de se expressar, seus movimentos so captu- fados pelo olhar do outro que Ihe dé o significado de inconvenien- te, errado, inapropriado, perturbador [...] 0 disturbio, portanto, é telacional. Emerge da relacao vivida entre a crianca e 0 outro signi- ficativo, que inclui o dizer, o sentir, o pensar, alheio sobre seu modo de estar no mundo. A vista disso, o sintoma psicomotor desenvolve com, para e pelo outro. ele Levando-se em conta a crianga como um ser sensi senciente, é importante que 0 terapeuta possa ea a fisionomia da energia agressiva apresentada por ela, ‘tive forma ela apreende o mundo e se express lente me Com 0 préprio terapeuta. Ei preciso investir ae los que possam desvelar os signiticados des ania vividas pela crianga, a forma como seu corpo se . apressivi Manifestando ou contendo a energia agressiva mice que dade. Muitas vezes tais manifestagdes so to sup) Digitalizado com CamScanner nb Infancia na Gest nsibilidade por parte do terapeuta pay, a 6 necessdria muita s compreender a forma apresentada. Caso a energia agressiva produzida para sanar 9 descon. forto de uma necessidade nao encontre uma boa forma de expressiio, pode ficar contida no corpo, gerando assim ten sio corporal e emocional, 0 que Oaklander (2012) define como raiva retrofletida — tema sobre o qual discorreremos em seguida, entrelagando a energia agressiva, a raiva ¢ suas facetas. ENERGIA AGRESSIVA E RAIVA E importante que o terapeuta distinga a energia agressiva da raiva porque a crianga necessita tomar consciéncia da pri- meira para conseguir expressar adequadamente a segunda Algumas criangas timidas ou introvertidas nao conseguem acessar a energia agressiva eficientemente para exteriorizat uma aco apropriada. Outras est’io com toda a energia vol tada em excesso para fora, para além de suas fronteiras, ° que indica nao haver apoio interno para sustentar sui ages. A energia agressiva 6 o que fornece forga interna ¢ autossuporte para a mobilizacdo de uma agilo; no sentil? ‘anto construtivo quanto destrutivo (Oaklander, 2012). Muitas situagdes de trauma, abandono ou abuso acaba!” com pion step da energia agressiva ¢ da — quando aterrad agressiva é uma poténcia em repel 7 : sada, Sejam qui rosea situagdes nio consegue sf , gi qui nels pode ser trahal had; tom! Consciéncia de Porte @ Fem Os motivos do nao acesso ¢ 4 na clinica no sentido de a criang® raid due Precisa dela para desenvolver 0 au" i vecer 0 senso de eu, _ “Mua época em que Hea, eu levaya mui oss” a wana teraper trabalhava com equitagao terap wf limes ant P stl NOS pacientes do consultsrio pa” © Digitalizado com CamScanner ny com os cavalos, no intuito de mobilizar e: ajuda a crianga nao s6 a acess fazer que ele responda aos seus ‘a energia. O cavalo T sua energia agressiva para comandos, mas também a modelar a intensidade da sua energia Para adquirir uma boa qualidade de contato. Comandos com intensidade fraca, por exemplo, nao garantem ao cavalo uma comunicagio nf- tida do que se quer dele, e ele nao atenderd ao que lhe é requerido. O investimento da energia agressiva de forma exacerbada, ao contrério, pode assustar o animal. Dentro do consultério, outras atividades podem ser utili- zadas para mobilizar a energia, como lutar com espadas de borracha ou espaguetes de piscina, quebrar objetos de argi-. la, tocar tambor, chocar bonecos, miniaturas ou automéveis, fazer briga de fantoches ou corrida de sopro em bolas de. algodao. Outras terapeutas utilizam também a estratégia de esmagar tomates. Todas essas atividades podem ser muito eficientes, desde que haja, anteriormente a elas, o estabele- cimento da relagdo dialégica entre a crianga e o profissional, baseada na confianga, no respeito, na mutualidade e na pre- sen¢a que permitem que o processo de contato acontega. B Por meio dessa relagdo consolidada entre a crianga e 0 tera- Peuta que as experiéncias propostas atingirdo seus objetivos em prol do crescimento emocional. Oaklander (apud Mortola, 2010) enfatiza que, além de diferenciarmos a energia agressiva da raiva, devemos consi- derar duas modalidades desta: a cotidiana e a inacabada. A Primeira diz respeito aquelas situagdes do dia a dia que Po dem ir de Pequenos incémodos a grandes expressdes de fa- Tia; a segunda se refere a situagdes de abuso (sexual, fisico, emocional), abandono na tenra idade ¢ Gestalten abertas do Passado. Tanto uma quanto a outra s6 podem ser ne ihe das ¢ compreendidas na proeminéncia de uma boa re acd ‘erapéutica, que envolve seguranga em si ¢ no terapeuta. a na clinica infantil energia agress reendendo 5 3 1 Digitalizado com CamScanner 08 erapia Infancia na Ges! balho eficiente com a raiva consiste ainda em t 2012). Na primeira, ajudamos a crian “ t4 tudo bem em ter esse sentinene assusta com a possibilidade de sentir raiva por pessoas pelas quais nutre afeto, ¢ trabalhar com as polaridades é um importante exercfcio para integrar as divi. soes dentro de si mesma. Essa é a fase em que trabalhamos com a raiva em geral, efetuando perguntas norteadoras, co- mo: “Que coisas te fazem sentir raiva?”, “Como a raiva € sen- tida no seu corpo?”, “O que voce faz quando sente raiva” rma COMO se expres- Embora precisem ter consciéncia da fo! sam, as criangas ndo compreendem seus movimentos de o mundo a partir de algo seu projecao (por vezes atacando que esteja muito vulnerdvel), de deflexao (fingindo néo sen- (voltando a raiva em tir raiva, por exemplo) e de retroflexao direcao a si, em vez de diretamente 4 fonte que a gerou) Por vezes, 0 proceso da retroflexio é encontrado em pa" cientes adultos, quando a raiva se evidencia em forma de culpa. Revisitando experiéncias remotas desses individuos. encontramos criangas que cresceram acreditando que ™ que sentiam ou faziam era errado, Nao tendo uma validagi¢ do eu ¢ de seus sentimentos, a expressao da raiva é fac mente identificada por eles préprios como ertada ou inade quada e, assim, gera culpa. Depois que a crianca consegue identificar quando Um tral fases (Oaklander, compreender que ¢s Muitas vezes ela se a a que forma esta se manifesta ¢ (° Lase di wh senti-la, podemos prosseguir pat #85) os os nett Oaklander (2012). Nest» ee diretamente a buscar formas melhores de manifest quem a gerou, seja em particular de indireta, pari ai - para que nao haja outros prejutzos. Aces ean 7 F problemas quando sua expresso " €, COM gritos ou gross Digitalizado com CamScanner | ng © terapeuta, entio, ensina a crianga diversas formas de trabalhar com @ raiva. Se nao pode falar diretamente sobre is sentimentos Com quem Os causoU, pode falar com um se amigo, esc! nedagos de argila ou massa de modelar, rasgar revistas, cor- rer gritar dentro de uma almofada, socar um joiio-bobo. En- fim, varios sdo os recursos utilizados para que a raiva se rever uma carta, ou ainda pintar sua raiva, apertar : esgote ¢ a crianga cesse 0 movimento de agredir a si propria - cao meio. O senso de si mesma se fortalece e, aos poucos, ela vai se tornando apta a validar 0 que se passa consigo nao como algo errado, mas como algo real que esté ali e precisa ser exteriorizado, construindo novas formas de lidar com a va e a agressividade. E muito importante que a familia aprenda a abordar situagGes geradoras de raiva, no sentido de os pais e a crianga poderem se dizer certas coisas que lhes agradam ou desagradam e assim manter um bom canal de comunicagao e um ambiente propicio para o desenvolvi- mento infantil saudavel. a terceira fase, a crianga descobre movimentos de raiva 3 ccultos gerados por situagdes de trauma. Esse tipo de raiva muitas vezes 6 desconhecido pela prop! demasiadamente velado. Ter consciéneia da raiva por pes- S0as queridas ~ por exemplo, no abuso ~ costuma ser muito desintegrador para ela. Mesmo assim, tal raiva pode ser de- Aunciada, por exemplo, por interrupgdes em seu desenvol vimento ou desempenho escolar, bem como por pesadelos, medos, maus-tratos a animais ou a amigos. Por vezes, 0 te- "apeuta também consegue identificar esse sentimento em ar criang , por es eo dito pelos Pais ou por observar na sessao com a eriane ogc que apontem indicios de defesa ou ataque ados para aquela situagdo. Sao comportamentos We expressam raiva sem nenhum pretexto aparente, como Digitalizado com CamScanner Infancia na Gestalt-terapia > destruir objetos de argila, desenhar e fazer expressies ¢ monstros, ou mesmo escolher miniaturas de espanto len ror na caixa de areia, Em geral, todos esses comportamentos sao Berados pely emogao da raiva. Depois que a crianca se apropria © toma consciéncia do que est4 acontecendo consigo, torna-se ca. paz de identificar a situagao geradora da raiva e de trabalhar diretamente com ela. CASO CLINICO 1 - AGNES E A FORCA PROPULSORA Agnes (nome ficticio) representa uma dessas situagées su- bliminares em que, apesar de nenhum trauma aparente, al- g0 se faz presente. Esse nome foi escolhido em virtude da representatividade da personagem do filme Meu malvado Savorito em mais de um de seus trabalhos na caixa de areia No filme, Agnes é uma falante menina de 5 anos, montada em um unicérnio, com uma vivacidade que ndo é da ordem do visivel na paciente em questao. Tenho como Tegra sempre receber a crianga junto com 0s pais na primeira sessao, para compreender o que de fato triz a familia a terapia e qual é a sua dindmica. Deixar que * forma do funcionamento do campo fale por si é muito des velador. Em Contrapartida, respeito o fluxo do fendmen Para que ele se apresente da forma mais integra poss" Quando um dos Tesponsdveis solicita vir $6, assim 0 1¢¢°” € deixo que o fendmeno tome o seu contorno mais nitido- ; No caso de Agnes, os pais buscaram ajuda para ae Preender © que acontecia com a menina de 11 anos qu mais dedicada que se apresentasse, néio conseguid uma producao satisfatéria na escola. Os pais falavam 67 Pondiam na maior Parte da entrevista, de forma avid Digitalizado com CamScanner 3 preocupada, Agnes, por sua vez, apertava as mios contra as pernas ¢, quando pressionada pelos pais a responder, limita- va-se a chorar um choro comprimido e¢ dofdo, Em contrapartida, nas sessées individu: mostrava-se bastante falante e feliz, Entoava uma narrativa, em um en- quadre um tanto adulto, sobre como seria certo ou nao se comportar. Seus olhos expressavam uma agilidade que des- toava da apresentagio rigida do resto do corpo, quase como uma biissola buscando fora de si a direco para onde se orientar. Essa mesma energia sempre tomava expressfo por meio de suas maos. Em dada sesso, Agnes péde dar voz aos seus movimentos com as mfos, que, a0 mesmo tempo in- quietantes, se escondiam para dentro da manga de sua blu- sa. Em outra, subsequente, ela falava de sua dificuldade de apresentar trabalhos, sobretudo em ocasides em que seus Pais estivessem presentes, e do receio de desapontar a mie. A conformidade com as limitagées externas era a forma mais nitida de a energia agressiva de Agnes se apresentar. Como nao houvera grandes mudangas em sua produtivida- de escolar, Agnes foi transferida pelos pais da escola privada Para a publica. Comunicou-me 0 ocorrido de forma bastan- te serena, em um discurso propriamente adulto, informan- do até que ponto esse investimento financeiro poderia ser mais bem utilizado nas atividades familiares, como viagens. Agnes era incapaz de sentir raiva. Levando-se em conta que ela estava enfim adaptada a escola e vinha desenvolven- do uma forte afetividade com as colegas ~ 0 que para ela era uma conquista por jé ter trocado de escola antes —, esse distanciamento seria, no minimo, um propulsor de descon- forto ~ ou, por que nao, de raiva. Acnergia de seu desejo estava direcionada a permanecer na escola, mas, como as miios insistentemente cobertas pe- las mangas movimentavam-se, precisdvamos trazer 2 luz nica infantil Digitalizado com CamScanner Infancia na Gestalt-terapia Perguntei a Agnes se j dade na sesso por meio da qual puidere™ wa com ela naquele momento, i | para os trabalhos manuais us alguma ativi aro que se Pa Jinagdo natura’ har com a ma ssinha de modelar. a bitra sinaliza, em muitos casos, 0 esforco d, ancar o que deseja por uma via de acesso ina fugindo dos parametros de consenso socia) entir raiva representa um gesto expressivo, de Agnes, sao evidentes a conformidade sejos, 0 que acarreta uma estagnacin ara satisfazer suas necessidades indi press tem uma inc! colheu trabal Assim como crianga para alc dequada no meio, a tentativa de nao s disfuncional. No caso e a esquiva dos seus de do eu. A luta da crianga ps ca sua luta em diregdo a um fortalecimento do eu. O adolescente, assim como a crianga pequena, luta para fortalecer tivo e direto com respeito 4 uando sua raiva é aceit ¢ 6 facilitado. (Oaklandes 0 eu. Quando o jovem pode ser assel seus gostos, desejos e necessidades, € q| respeitada, seu trabalho de individuacao 2012, p. 103, tradugao nossa) Um importante movimento acerca do trabalho com ccrianges vesuas famflias é retird-las da posigaio de passividade, quando ® ‘pais as trazem ao consultério para “ser consertadas”. O Gestalt: -terapeuta concede a crianga a capacidade de ser autor’ fa historia e possibilita que cla projete, por meio de reel lddicos, seu mundo vivido, Com base nessa experie! dap™ se neia proie uma forma a melhor de satistazer sua nece: iO Casi e 5 enon so de Agnes, pude acompanhar 0 mov’ gia estagnada dentro das [ronte: seu corpo? jmenl? a s de s ae 3g —- Ser uma crianga obei wes? espera de ug nt’ obediente, amavel, socialmente admirada, tle 4 ‘omportamento socialmente polido. Digitalizado com CamScanner Ihe causava ansiedade e agitagio. Como vimos, hi mento no processo de desenvolvimento d. em que ela introjeta valores ¢ crengas do context no qual estd inserida. Essa é uma importante etapa para a constru- gio de sua identidade. Ademais, ao longo de seu desenvol- vimento, tais valores e crengas Comegam a ser mais bem refletidos e por vezes questionados, E isso nao se inici: adolescéncia, como normalmente se Pensa, mas é um pro- cesso que acontece desde os perfodos iniciais de desenvol- vimento. Como exemplo, lembremos a chamada “crise dos 2 anos’, ou terrible two, explicitada Por pais e pediatras. Aquele bebé améavel, que arranca suspiros dos pais, co- 4 um mo- ‘a Crianga pequena ia na gia agressi meca a apresentar choros incessantes e crises de birra. Aquilo que Perls (2002) aponta como ter sido engolido in- teiro para sua estruturacdo identitéria inicial agora passa a causar desconforto na crianca pequena, uma vez que ela Passa a se apropriar de certa autonomia na satisfacao de suas necessidades. O desfecho que os pais oferecem para a Sua satisfagdo nem sempre lhe serve mais. Algumas criangas mobilizam a energia agressiva em diregéo ao que acreditam sera melhor forma de satisfazer suas necessidades originais. Em outras, essa mobilizag3o nao acontece. Por temer perder o amor dos pais ou por nao querer desaponté-los, algumas criancas nem sequer vao em busca de outra forma de resolver suas necessidades, de se ajustar cr tivamente. A energia estagna, o dar-se conta do que realmen- te necessita nZio toma forma e a expresso nao acontece. ; Como um corpo produtor de sentidos, Agnes, por oad Vez, utiliza as mos para expressar e dar forma ao que esti ‘ado dentro de si. Ao visualizar, externa € ibaa mente, o que seu corpo esta produzindo, a erianga contrat Nomear de forma mais clara o que se passa nelae : me torna capaz de resolver melhor as situagdes ¢ neces s Digitalizado com CamScanner 4 Infancia na Gestalt-terapia x satisfeitas em dado momento Tanto ag que precis: miios quanto 0 corpo todo de Agnes pareceram estar ing ct nados a dar vaziio a pressdes que precisavam Ser externa, das, rvei que, concomitantemente & experiéncia com as Obs entou ainda uma crise de tosse e pr mios, a menina apr cisou ir ao banheiro antes do final da s Em outra situagdo subsequente, relatou sua dificuldade diante da tarefa escolar de construir um vulcao. No decorrer da conversa, perguntei a cla se aceitaria interpreté-lo, dra- matizando como seria “ser 0 vulcao”. Afastei 0 sofé e sentei- -me no chao, enquanto Agnes procurava uma posigdo paraa dramatizagao. Ajoelhou-se e, com os bracos estendidos em diregdo ao chao, comegou a fazer pequenos movimentos, como se de fato a energia do vulcdo estivesse sendo mobili- zada. Pedi que ela exagerasse ainda mais e, conforme a in- tensidade foi aumentando, Agnes levantou-se rapido, estendendo os bracos e dizendo que a lava estava jorrando. Dando continuidade a esse processo de exploragio de sua capacidade expressiva, sugeri entao que ela interp™ tasse a lava que safa do vulcio. Com gestos muito delica” dos, Agnes foi se levantando e suavemente erguendo & bragos, como que saindo do vulcdo. Muito espontane mente, soltei um “Ah, que meigo... Jura que assim qe? lava sai de um vulcio?”. Agnes deu uma risada gostos nesse clima de descontragéio e de muitas tentativas, concentrou, verbalizando para si mesma que mais agressiva. “Isso! Procure dentro de voces esté af”, pontuci. Oaklander (apud Mortola, 2010) destaca de® podem ter dois tipos de problema com su ja ar natural; ou a reprimem demais, como no caso de! : qe a exteriorizam demais e se descontrolam, come N° cas? explanaremos a seguir. y Digitalizado com CamScanner CASO CLINICO 2 - IRACEBETH ATRAVES DO ESPELHO: A BUSCA DE UMA VALIDAGAO Jracebeth é o nome da Rainha Vermelha no filme Alice atra- 16s do espelho. A personagem foi escolhida pela paciente, uma menina de 12 anos, em um trabalho com fantoches para re- presentar polaridades depois que ela tentou suictdio por duas vezes. Os motivos pelos quais Iracebeth e seus pais chegaram ao consult6rio foram o descontrole das expressdes de raiva da menina e a sua baixa produtividade escolar, a qual jé vinha acontecendo havia algum tempo, acompanhada de desaven- gas interpessoais com colegas e de situagées de bullying sofri- das por ela. Mas 0 que de fato serviu de gatilho para a busca de ajuda foi uma briga com agressées fisicas entre pai e filha, por ela ter sido proibida de ir a uma festa. No campo familiar, a menina era tratada como rainha. Se gritasse do quarto pela mie, esta ia correndo atendé-la. O pai, embora tentasse dar algum contorno, contendo deter- minados comportamentos, era destronado pela mie por ser ausente — e a menina precisava ser compensada de alguma forma pela falta de harmonia familiar. Esse movimento fazia que crescesse ainda mais a Rainha Vermelha dentro dela. Se, no processo de Agnes, percebemos a energia estagna- da, em que ela precisava verificar com outrem a adequagao ou nao da sua resolugdo — sem pensar nem questionar a validade deste em detrimento da sua necessidade primor- dial -, nessa outra situago Iracebeth nao s6 se apropriava da resolugio como normalmente a projetava para o meio sem nenhum contorno ou suporte. Na histéria Alice através do espelho, a Rainha Vermelha sofreu quando crianga uma espécie de sequela devido bine estado de veneno: sua cabeca cresceu desproporcionalmen- te. Ao tornar-se rainha, pensava retomar o respeito de quem a desafiava, ordenando: “Cortem-lhe a cabega! Podemos ica infantil ° & & & é s oO Digitalizado com CamScanner Infancia na Gestalt-terapia identificar af uma projegao. Iracebeth nfo tem be autos ma e sua energia agres iva & despejada para fora, Assim, « mo a personage do filme, ela se mostrava autoritaria . descontrolava com facilidade ¢, a0 menor sinal de desta analizava destrutivamente toda a sua energia fisicy ente, em diregaio a outrem. A Rainha Verme'h, va de cuidades peito, ¢ ou verbalm ma, mas alguém ferida que ne ssi nao era Iracebeth também. A cnergia agressiva pode ser explorada por meio de expe. riéncias estritamente corporais, ajudando a pessoa a sentir mais a si mesma, a ter uma melhor percep¢ao de sie de stias capacidades (Oaklander apud Mortola, 2010). A valid o autoconhecimento de quem é tornam a crianga mais apta a lidar com 0 que lhe evoca dor e raiva. O processo com a paciente em questdo se deu com recursos que oferecessem a possibilidade de ela visualizar, no ambiente, suas partes desejadas ¢ indesejadas, a fim de que descobrissemos os fragmentos que ela ndo conseguia integrar ao seu eu. O trabalho com a argila realizado com Iracebeth foi ut lizado nesse sentido. A experiéncia com argila por si 6 ¢ muito cinestésica e permite a crianga montar € desmontst integrar e desintegrar quantas vezes forem necessitias ede- sejadas. Inicialmente, orienta-se a crianga sobre co” ae em Contato com o erial, sentindo sua tempe ade ersede, A medida que aumenta & fair material, comega-se tos pl vidos de mais ener jog a mi! mo el atlas a propor movimen mmo chao por repetidn como bater na argila, furd-la, a petidas vezes e, por fim, jog la com ma forca Possivel, soltando um urro com muita vont! 1 intensidade, ¢ Pe Apeuta e em suas orie jades internas, que muitas Ye#* ade. AE jrio que sua experiéncia atinja e: que a crianga confie na te exploragdo das capacid, Propria desconhece, 4 Digitalizado com CamScanner 37 Por vezes, a crianga teme sujar a sie ao ambiente, pois a argila realmente se esparrama e se dilacera com a mesma sa ser extravasada. Quando pereebo qualquer sinal de contengao ne furia com que sua raiva pre nica infantil se sentido, assegu- ‘acilmente removida _ E importante que a crianga tenha a seguranga de que a expressao de sua energia agre: roa ela que, depois de secar, a argila é f com uma esponja se iva ou de sua raiva nao precisa ser sentida como algo devastador ou que venha a lhe causar prejufzos. No caso de Iracebeth, havia uma facilidade enorme de experimentar e explorar a poténcia de sua energia. Apés esse primeiro momento, convidei a menina a dar forma ao pedago de argila, o qual agora carregava muito de sua energia. Pedi que ela entrasse em contato com a argila e deixasse suas mos exprimirem o sentimento que se passava com ela naquele momento. Iracebeth esbogou na argila um rosto com expres- sio de fiiria e uma boca aberta — segundo ela, como se esti- vesse urrando num grito de dor. No decorrer do processo, conversamos sobre a produgao de sentidos que havia naquele rosto esculpido. A menina saiu de uma posigao de vitima e concedeu dentes & expresso materializada na argila. Pergun- tei se ela identificava aquilo de alguma forma em sua vida e ela disse que sim: quando as colegas a chamavam de feia, ela era tomada de muita raiva e tinha vontade de bater nelas, e de fato batia. A falta de autonutrigdo abria espago para a desqua- cago dela por outrem, quando, na verdade, o que procu- Tava era a validagdo de qualidades que nao reconhecia ems Apesar da pouca idade, a menina namorava havia seis m Ses, com o acompanhamento da mae em almogos, passeios ao shopping e em outras atividades do jovem casal. Quando o Menino terminou o namoro, toda a sua energia, voltada para €sse relacionamento ¢ para todos os que pudessem the faltar Com o respeito ou ameagar seu romance, voltou contra si 3 Digitalizado com CamScanner terapia Infancia na Gestal propria, 0 que a levou a tentar suietdio a veres, E impon. tante salientar que, se a ralva nr sal 7 ine a fonte que a gerou, ela volta para a pessoa, "cance retida ¢ criando sin tomas autodestrutivos e somaticos, como os apresentados em ideagdo suicida ou em comportamentos autolesivos, A esse mecanismo de contato damos o nome de retroflexio, Foi necessério intervir de forma imediata, com a adminis. tragdo de psicofarmacos, contendo, assim, o desenfreamenty de sua energia agressiva. Do ponto de vista psicoterdpico, dei continuidade as intervengdes no contexto familiar, realocan- doa meninaa seu lugar de filha. Em paralelo, fiz um trabalho com ela ea familia, no sentido de compreenderem a distin- cdo entre raiva, energia agressiva e retroflexdo. Uma das intervengdes que utilizei para trabalhar 0 cam- po familiar foi a da caixa de areia, recurso que desenvolvo com criangas e pelo qual os adultos também se interessam. Ele possibilita intervengdes desde o infcio de processos psi- coterapicos, em fase diagnéstica, assim como em quaisquet outras fases. Senti a necessidade de um encontro com mie e filha-ou. explicando melhor, de um contato entre elas. Ao mesmo tet Po que a mde demonstrava necessidades muito fortes de co™ fluéncia com a menina, esta desempenhava um papel stescente em busca de autonomia. Esses movimentos s¢ 10" —_ ants Peering ao longo da sessdo roposta, con as miniaturas davota gs a mae mostrou-se encanta Oe le areia, naquele dia expostas*, ent convidei . : oad Para fazer algum tipo de trabalho. Sugeti que“ > ‘Normalme nte, as mini , ei situagdes eyo nrminiaturas ficam guardadas por trés le um pail expostas, Porveres osiete intengdes de uso com o pacientes a convite ao trabalho. A mples fato de estarem ali dispensa qualquer?" exposic: ; ‘ e, tando a atengio do pacierge 8? “88 miniatura é o proprio com el, 8% Digitalizado com CamScanner 39 uma escolhesse duas miniaturas uma que representasse a Oriente: que separassem mesma ¢ outra que representasse como cada uma imaginava que a outra a enxergava, Cada uma estaria construindo a sua prépria representa se vé, atravessada pela forma como pensava que ca infan| » de como 4 outra a via. Vieram muitas informacées pertinentes ao Processo, mas a que mais teve peso foi a miniatura escolhida pela mae na re- presentacgao de si propria: a mesma Personagem escolhida pela menina em sessdes anteriores, a Rainha Vermelha. Dife- renciar a propria histéria da histéria da mae oferece possibili- dades de protegao contra situacdes nocivas e de fomento de seu proprio processo de preservacao e valoragéo. Quando es- tamos intoxicados do que nio é nosso, é dificil deixar 0 novo entrar € deixar as toxinas (o que nao € nosso) sairem. Esse processo de confluéncia com a mie tende a preju- dicar 0 contorno identitério da menina, considerando-se a prépria dificuldade dos pais de possibilitar limites a ela e de ela propria desenvolver uma melhor forma de expressio com 0 mundo. Um contorno que permita conter e preservar © que é seu e ainda assim propicie uma troca saudavel com © meio favorece o seu crescimento, ao mesmo tempo que a Protege de ataques externos. Quando a energia agressiva de Iracebeth volta contra si Propria, acontece uma tentativa de aniquilamento de ele- Mentos externos e invasivos que nao lhe pertencem e os quais nao consegue tolerar e compreender. Detinir o contor no de sua identidade é possibilitar que seus projetos de vida Sejam ressaltados e sua constituigao de “eu” seja validada. CONSIDERACOES FINAIS familia foi Tanto no caso de Agnes quanto no de Iracebeth, a famil i ol Muito presente ¢ pertinente no acompanhamento. Isso se Digitalizado com CamScanner 140 Infancia na Gestalt-terapia slo bom vinculo construfdo com cles nas sessées in dew pe sbasado em um contrato consistente sobre comp q, Ss ‘jancionr 60 terapeutic 0. Como telerid, r sta inicial com os pais, oy as sobretudo em conjunto com a crian, rvengoes mais pontuais se fazem nec: c veria sempre dou pre'e com um deles, ™ Porém, quando inte! I rigs, com um ou ambos OS Pals, sem a crianca, faco um » ou nao abordar acerca do combinado com cla do que pos: oes, desde que nao este; es que trabalhamos nas $ entre as pautas uma condigio que ponha em risco a sua integridade Em um ambiente de confianga e seguranga, de verdadei ra escuta, a crianga ¢ a famflia constroem um canal de co- municagao. Lavratti (2018, p. 62) reconhece em seu trabalho a mesma diregdo, em que ela observa: Nas familias onde o processo psicoterapéutico obtém éxito no es- dlarecimento acerca da importancia da criacdo de canais de comu- nicaco mais fluidos e horizontalizados entre pais e filhos, emerge uma probabilidade de gerenciamento funcional dos conflitos que mobilizaram a busca por atendimento assim como para outros co" flitos tangenciais 4 queixa inicial. A partii °j ¥ Partir do funcionamento do campo, no qual cada erial” ga est inseridg 5 s 7 “ inserida, podemos compreender diferentes modes e expressio de e : ‘ dx: ei de energia agressiva. Af reside a importine!? antermos a famfli: Dar a famflia em um trabalho paralelo, co" pe no de fi 10 de fundo, ao qual recai curse Para e Freremos como ajuste dos" S848 EXDressHe: - PreRiGe milia a tidal com a raiva de form 4 propria dinamic da fluidez da e s. Ensinar a crianga e a fal 4 a direta e clara é muito important’ pe familiar e, sobretudo, para a presen ‘i Nergia apressi : , rept senta uma ities agressiva, Em outras palavras: ref 2 ass. “NE ao ue > Passa entre a crianga ho processo de corregulagae 4 © 0 contexto familiar. Digitalizado com CamScanner 141 O sintoma da crianga precisa ser contemplado como a tentativa de ela se autorregular no atual contexto. A autor- regulagao ocorre por meio do ajustamento criador voltado para a tentativa de organizar o fundo de vividos, a consti- tuicdo histérica de seus sintomas e de sua vida, O sintoma, tanto quanto as elipses da narragdio grafica, possui um sen- tido desvelador: = Conforme 0 tempo que vivemos o presente ainda toca, ainda se- gura pela mao 0 passado, tem uma estranha coexisténcia com ele, e apenas as elipses da narracdo grafica podem exprimir esse movimento da historia que salta seu presente em direcéo a seu ressiva e futuro, assim como "a sobreposigdo” exprime a coexisténcia dos aspectos invisiveis e dos aspectos visiveis do objeto, ou a presenca secreta do objeto dentro do mével onde foi guardado. (Merleau- -Ponty, 2012, p. 244) energia A presenga de aspectos visfveis ¢ invisiveis requer, por meio do sintoma, desvelar 0 guardado, para que o presente Possa seguir segurando pela mao o passado em dire¢do ao futuro de modo fluido e genutno. As experiéncias vividas na clinica com o Gestalt-terapeuta servirdo como codados®, os quais serao utilizados pela crianga como recurso libertador do sintoma e de sua energia agressiva em directo ao fortale- cimento do eu. Como bem protagoniza Oaklander (2012, P. 228, tradugao nossa): Creio que a energia desempenha um importante papel no enrique- Cimento do eu, Muitas vezes falo de ajudar as criangas a encontrar : se e vividos, € * Experiéncias vividas com o terapeuta retidas em seu fundo ae a0 ue servirdo para auxilié-lo em seus ajustamentos criadores pos Setting terapéutico, Digitalizado com CamScanner Infancia na Gestalt-terapia ressiva. Nao me refiro a esse tipo de agressio que judica a5 pessoas. Me tir toda a forca de seu poder, ela mesma, ¢ asua energia ag machuca ou Pre) permite a crianca sen ail apresenta-se 40 mundo com direitos. le refiro a uma energia que el ea diregao da energia agressiva determinario 4 le contato da crianga com 0 seu mundo ea cons. trugdo ou destruigéo dele. Os modos de contato®, muitas vezes disfuncionais, s40 apenas @ tentativa de ela conseguir se manter em contato com outrem, seja por meio da con- fluéncia, querendo agradar a todo o momento; seja por meio da introjecao, sobrepondo a escolha do outro em detrimento de sua propria; seja por meio da retroflexao, roendo unhas ou fazendo sentir em seu proprio corpo a dor que gostaria de provocar no outro devido a uma raiva nao expressa. ‘As flexdes servem para amenizar 0 possivel desconforto de um encontro. Ao mesmo tempo, sucumbir a raiva facilita ao individuo conviver com situagGes ou pessoas abusadoras ou invasivas. Nesse sentido, poder identificar, aceitar a raiva € administré-la possibilita um movimento restaurador, no sen tido de preservacao e aquisigéo de melhores contornos’. Nos, como psicoterapeutas, precisamos ajudar a crianga 5 modular a energia agressiva em diregio ao fortaleciment® oreo ee eaten der. que expressar ra a crianga pequena, ela corner , ise de perder ama cg naceauade, pronaiie en te modo firme e afotoen Deane ospae ie i te. , a expressar a raiva adequadame! O nive qualidade di Qa ie ismos de de Robine (2016), Com ie Possibilidad " le crescimento, s de melhores formas, ou modos mi coni ies Nato, concementes as suas possibilidades d¢ fle “vgs 8° ais assertiv® Digitalizado com CamScanner ela conseguird, dentro de suas possibilidades, adequar sua necessidade ao contexto no qual esté inserida. Quando esse movimento no acontece naturalmente, a crianga denuncia, quer seja por meio de comportamentos disfuncionais, quer seja por desvio do desenvolvimento emocional saudavel, e, geralmente, é nessas situagées quea famflia busca ajuda. O sintoma é escancarado e a crianga precisa ser escutada. A raiva encobre a tristeza e a dor. E preciso extravasar a raiva para poder acessar essas emogGes e€ restabelecer a flui- dez da energia agressiva. S6 entéo conseguiremos com- preender qual a necessidade que a crianga busca ser atendida na relacao com 0 outro, aquilo que seus pais nao lhe proporcionam, nao porque nao querem, mas porque nao sabem ou ndo conseguem. ergia agressiva © a caiva na clinica infantil REFERENCIAS, ‘Anrony, S. Cuidando de criancas: teoria e arte em Gestalt-terapia. Curitiba: Jurud, 2012. —— Grianca hiperativa & Gestalt-terapia: seu modo de sentir, pensar e agir. Curitiba: Jurua, 2018. 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