Bullying Como Compreender As Várias Faces Do Problema

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Bullying: como compreender as várias faces do problema https://www.cafehistoria.com.

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professores, coordenadores pedagógicos e estudantes de todo o Brasil. O


conceito, que deriva da palavra bully (valentão, em português), pode ser
de�nido como qualquer atitude agressiva (física ou não) com o intuito de
intimidar, humilhar ou agredir alguém. Por muito tempo, o bullying foi
subestimado ou ignorado. O cenário só mudou nos últimos dez anos,
aproximadamente, quando pesquisadores e os meios e comunicação passaram
a publicar estudos que mostravam que esse tipo de violência é muito mais
antiga, corriqueira e danosa do que se imaginava.

Em abril de 2011, a discussão sobre bullying se aprofundou bastante no Brasil


após a tragédia ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira, localizada no
bairro de Realengo, Rio de Janeiro. No dia sete daquele mês, Wellington
Menezes de Oliveira, de 23 anos, entrou armado nas dependências da escola
carioca e disparou contra diversos alunos. No total, 12 pessoas foram mortas
naquele dia. Wellington – ex-aluno da escola – cometeu suicídio em seguida.
Dias depois, a polícia encontrou vários vídeos de Oliveira. Em vários, o jovem
sugere que práticas de bullying contra ele nos tempos de escola seriam a
justi�cativa do massacre que ele cometeria. Em um dos vídeos, ele diz: “Que
o

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ocorrido sirva de lição, principalmente às autoridades escolares, para que


descruzem os braços diante de situações em que alunos são agredidos,
humilhados, ridicularizados, desrespeitados”. Como esperado, ninguém
aceitou o passado de Oliveira como vítima de bullying como justi�cativa para o
massacre, mas a menção ao tema em seus vídeos fez com que o debate sobre o
assunto se tornasse mais presente na esfera pública.

O que motiva o comportamento agressivo de certos adolescentes ainda não é


algo totalmente conhecido. Muitos educadores, porém, acreditam que o
fenômeno pode estar intimamente associado à maneira como as diferenças no
ambiente escolar são colocadas e enfrentadas por estudantes e educadores. A
escola, por excelência, é a primeira experiência do ser humano com a
sociedade não-familiar. É na escola quase sempre que a criança se depara pela
primeira vez com o diferente, com o assimétrico. Quando este contato não é
positivo, pode haver algum dano na capacidade relacional, ainda mais durante
o período da puberdade, quando o jovem está em pleno processo de
consolidação de suas identidades sociais.

Pe s q u i s a s a j u d a m a e nt e n d e r m e l h o r o f e n ô m e n o

É preciso dizer, no entanto, que a escola não é a única explicação para o


problema. O bullying também pode estar relacionado a traumas pessoais
bastante especí�cos, problemas familiares ou ainda a insucessos da criança e
do adolescente ao longo de sua formação. Uma pesquisa da Universidade da
Califórnia publicada no American Sociological Review concluiu que o bullying é
praticado como uma forma de ganhar popularidade, sendo seus principais
alvos garotos com status médio ou alto entre seus colegas. No total, foram
ouvidos 3.722 alunos dos últimos anos do ensino fundamental de três
condados da Carolina do Norte. A pesquisa coincide mais ou menos com o que
diz Ana Beatriz Barbosa Slva, autora do livro “Bullying – mentes perigosas nas
escolas”, com mais de 400.000 cópias vendidas no Brasil. No livro, Ana Beatriz
faz um inventário de vários tipos de violência e mostra como esta prática,
também um problema de saúde, está associada à desigualdade de poder ou
também à baixa autoestima.


Os próprios alunos estão mais preocupados com o bullying. Pelo menos é que

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aponta um estudo da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Entre os


meses de janeiro de 2008 e janeiro de 2010, 20% das dúvidas no Disque-
Adolescente eram sobre di�culdades de relacionamento na escola por causa
do bullying, mais do que sexualidade (19,2%).

Outra pesquisa recente derrubou um mito: o de que o “bullying” está atrelado


a uma determinada classe social. Quem desmente esse tipo de avaliação é um
estudo apresentado há alguns dias pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas
pela Infância, realizado em parceria com a FLACSO (Faculdade Latino-
Americana de Ciências Sociais), na Argentina. De acordo com o trabalho
“Clima, con�itos e violência na escola”, diferentemente do que se imaginava, os
estudantes das classes mais vulneráveis socialmente não são necessariamente
os mais violentos nas escolas. Nas escolas privadas pesquisadas, 13,2% dos
alunos disseram que já foram alvos da crueldade de seus companheiros e 15,1%
foram satirizados por alguma característica física. Já nas públicas da pesquisa,
esses números são de 4,3% e 12,9%, respectivamente.

No Brasil, o IBGE preparou uma espécie de “mapa do bullying”. Segundo o


estudo do órgão, Brasília está no primeiro lugar na prática de “Bullying”. 35,6%
dos estudantes entrevistados do DF disseram ser vítimas constantes da
agressão. Belo Horizonte, em segundo lugar com 35,3%, e Curitiba, em
terceiro lugar com 35,2 %, foram, junto com Brasília, as capitais com maior
frequência de estudantes que declararam ter sofrido bullying alguma vez.

Visando melhor compreender o tema do “bullying”, entrevistei, na qualidade


de editor do Café História, Sandra Al bernaz de Medeiros, professora do
Departamento de Educação Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), especialista no tema. Con�ra:

Bruno Leal: Nos últimos dois anos, o tema do bullying ganhou grande
destaque na mídia e nas escolas. Na sua opinião, porque esse interesse
repentino? Há algum exagero ou o tema demanda, de fato, grande atenção e
cuidado?

Sandra Al bernaz de Medeiros: Sabemos que a mídia frequentemente elege



seus temas preferidos, às vezes para mascarar questões que não tem interesse

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em abordar, às vezes arroga-se de consciência crítica da vida social formando


opiniões. Sendo assim, há sempre que abordar o tema do bullying com
cuidado. Entendo que o bullying merece atenção e cuidado, em especial este
último. Temos cuidado com aquilo que atentamos. Porque este
comportamento merece nossa atenção e cuidado? Porque o bullying é
violento, humilhante, desrespeitoso, destrutivo intencionalmente. Isto é que
nos assusta. Cuidar de alguém implica em se colocar no lugar do outro,
perceber e sentir suas necessidades respondendo a elas na medida do possível.
Até onde vivemos em um mundo em que vemos os indivíduos centrados em si
mesmo, hedonista (o prazer pessoal passou a ser uma prioridade quase
universal), competitivo e, com isso, cruel. Se pensarmos que a crueldade se
manifesta das maneiras as mais diversas, aí então, o bullying passa a ter mais
sentido, porque não é uma manifestação isolada de alguns “perversos”, mas
compõe um quadro de acontecimentos que tem um caráter assustador. Muitos
destes acontecimentos são silenciados ou passam completamente
desapercebidos. Muitos estão naturalizados. Veja o sistema prisional. Terrível e
cruel! Por vezes, penso que o bullying é uma das tantas formas de se exercer
um “poder” (torto) onde cotidianamente os atores aos quais nos referimos já
foram também humilhados, violentados, talvez quase destituídos de sua
humanidade, ou seja, reproduzem o que já sofreram.

Br u n o L e a l : D e u m a f o r m a g e ra l , c o o rd e n a d o re s p e d a gó g i co s e p ro fe s s o re s
q u e i nt e g ra m a re d e n a c i o n a l d e e n s i n o e s t ã o p re p a ra d o s p a ra e n f re nt a r o
t e m a ? C o m o d e v e r i a m a g i r n e s t e t i p o d e s i t u a ç ã o?

Sandra Al bernaz de Medeiros: Esta pergunta é mais difícil de responder. Mas


eu suponho que as pessoas têm sempre muita di�culdade ao se defrontar com
a violência. Pode haver uma reação de negação, tipo não sei de nada; de
psicologização, tipo “temos que encaminhar ao psicólogo” ou as pessoas
podem se perguntar “o que fazer?”. Penso que a terceira opção seria a melhor
delas, pois o pro�ssional que se faz uma tal pergunta está partindo do
princípio que ainda não tem recursos para lidar com a situação, reconhece sua
impotência provisória, mas se dispõe a pensar, discutir e encontrar caminhos.
Acho que não há uma única maneira de agir para toda e qualquer manifestação
de bullying. Cada caso é um caso. Então, as respostas devem procuradas

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coletivamente envolvendo alunos, professores, coordenadores, pessoal da


manutenção, merendeiras, famílias, em suma, todos. Seria melhor ainda
envolver a comunidade.

Br u n o L e a l : Q u a n d o o t e m a é b u l l y i n g , f a l a - s e m u i t o s o b re aq u e l e q u e
s ofre , m a s p o u co s o b re aq u e l e q u e p rat i ca . E s s a a b o rd a gem n ã o s e r ia
i n s u � c i e n t e p a r a s e c o m p r e e n d e r o p r o b l e m a? P o r q u e u m a p e s s o a p r a t i c a
bullying e como lidar com e s t u d a nt e s que tem esse tipo de
c o m p o r t a m e n t o?

Sandra Al bernaz de Medeiros: É verdade, fala-se muito de quem sofre e


pouco daqueles que praticam. Seria bom ter um entendimento melhor destes
indivíduos. Talvez eles sofram tanto quanto aqueles que são humilhados e
maltratados. Eu suponho que estes meninos e meninas exponham sua
violência e destrutividades (que estão em todos nós) abertamente. Penso
também que a disciplina pura e simples é absolutamente ine�caz nestes casos.
Já soube de alguns casos que houve revide e os praticantes de bullying
inverteram sua atitude: de arrogantes tornaram-se medrosos. É desta
polaridade que seria interessante se afastar. Nem arrogantes, nem medrosos,
mas outros valores podem ser experimentados sem que a escola e seus
habitantes se tornem moralistas.

Br u n o L ea l : P ro fe s s o re s e e s c o l a p o d e m p rat i c a r b u l l y i n g o u i s s o a p l i c a - s e
s o m e nt e à re l a ç ã o e nt re a l u n o s ?

Sandra Al bernaz de Medeiros: Até o momento a discussão parece estar


centrada sobre os mais “fracos”, os estudantes. Há pouco vemos na TV o caso
do Dominique Strauss-Kahn. O caso aparece como escândalo e breve será
esquecido. Até dúvidas são levantadas quanto ao caráter da camareira. Mas
sabemos que em todos os âmbitos sociais há abordagens silenciosamente
violentas e humilhantes. Por vezes são invisíveis e aquele que sofre não tem
como denunciar ou se manifestar. Outro dia uma aluna minha contou que
mudou a �lha de escola porque descobriu, através da brincadeira da menina,
que a professora tratava as crianças chamando-as de “suas burras, vocês não
sabem nada…”. Como as crianças poderão se defender de alguém assim? Eu

mesma já sofri bullying de uma colega dentro da universidade e ela fazia as

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coisas de tal forma que ninguém descon�ava de sua crueldade. Ela


simplesmente sussurrava coisas bem desagradáveis quando eu passava ao lado
dela. Foi muito ruim. Eu consegui reverter o jogo quando lhe escrevi uma carta
em que elegantemente dizia que ela não tinha me acrescentado nada, que ela
havia sido nula para mim. Foi ótimo ter feito isso. Então, só para terminar, seria
interessante incentivar as crianças ou adolescentes a tentar uma reação, mas
providenciar sempre respostas coletivas.

C o m o c i t a r e s s a m at é r i a

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. Bullying: como compreender as várias faces
do problema. (Notícia). In: Café História – história fei ta com cliques.
Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/bullying-um-problema-
muito-real/. Publicado em: 2 jun. 2011. Acesso: [informar data].

      

Bruno Leal

nurimar c. fernandes
6 de março de 2017 às 20:43

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