Violência Contra A Mulher e Seu Enfrentamento Na Cultura Brasileira
Violência Contra A Mulher e Seu Enfrentamento Na Cultura Brasileira
Violência Contra A Mulher e Seu Enfrentamento Na Cultura Brasileira
MOSSORÓ/RN
2019
KALYN KEGIA CARDOSO BEZERRA
MOSSORÓ/RN
2019
KALYN KEGIA CARDOSO BEZERRA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Prof. Me. Wallton Pereira Souza Paiva (UFERSA)
Presidente
_______________________________________________
Prof. Dr. José Albenes Bezerra Júnior (UFERSA)
Primeiro Membro
_______________________________________________
Prof. Me. Rosângela Viana Zuza de Medeiros
Segundo Membro
MOSSORÓ/RN
2019
A Deus, que com sua infinita bondade e amor,
acompanha todos os passos da minha vida, me
levantando em momentos de queda.
A você, Vida...
Dedico
AGRADECIMENTOS
Aos meus colegas e amigos de curso, em especial aos meus queridos Osmildo (Greg),
Lucas Limeira (Garoto prodígio) e Fábio The (Pequeno Fábio). Obrigada pela amizade, ajuda
e por me suportar durante esses anos.
ABSTRACT: The theme of violence against women is very recurrent in today's society. In
Brazil, the rates of violence against this portion of the population have increased considerably
over time. There are several forms of manifestation of violence against women, among which
are physical, sexual and psychological, which, in turn, does not occur in isolation and are related
to each other. Because it is such an important social issue, it cannot be relegated. Thus, in view
of the increase in practices of violence against women, the legislature created legal instruments
of the utmost importance that deal with this theme in order to preserve the most basic rights of
women by combating gender-based violence, which highlights the situation of inequality
existing in today's society. Some of these instruments were Law No. 11,340 / 2006, better
known as the Maria da Penha Law and Law No. 13,104 / 2015, or the Femicide Act. From this
perspective, this article seeks to discuss and analyze the problem of violence against women in
the short fictional narrative "Come see the sunset", by Lygia Fagundes Telles and how this
violence is built in the story.
Keywords: Violence against women. Law No. 11,340 / 2006. Law No. 13.104 / 2015. Tale.
Come see the sunset.
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1. INTRODUÇÃO
No decorrer da história tem se tornado casa vez mais notório o espaço que as mulheres
têm conquistado na sociedade. No entanto, apesar de tais conquistas, percebe-se que no atual
cenário a mulher ainda é vista pela sociedade machista como um objeto, um ser vulnerável,
frágil e subordinado à vontade do homem. Essa condição de inferioridade e desigualdade
imposta pelo patriarcalismo enseja uma espécie de naturalização das práticas agressivas contra
a mulher. É este pensamento distorcido, juntamente com a fragilidade que afeta os direitos das
mulheres, que tem corroborado com o crescimento acelerado da violência contra elas.
São alarmantes os índices de violência contra a mulher mundo afora. No Brasil, essas
estatísticas não são diferentes; a todo momento mulheres são vítimas das mais variadas formas
de violência. Dentre os crimes praticados contra esse grupo, o que mais assusta é o grande
número de assassinatos atualmente conhecidos como feminicídios. Trata-se de uma espécie de
crime relacionado à violência contra a mulher, doméstica e/ou de gênero. Esse tipo de violência
está geralmente associado a sujeitos que foram ou são afetivamente ligados à vítima.
Porém, cabe salientar que não é apenas no espaço familiar e urbano que esse tipo de
violência acontece, estando presente ainda na ficção literária. Nesse sentido, a literatura também
cuidou de tratar dessa temática tanto no que diz respeito à violência simbólica quanto de outras
formas. Na ficção literária brasileira, a violência contra a mulher se faz presente em obras de
autores como Machado de Assis, Mariana Colossanti, Clarisse Lispector, Lygia Fagundes
Telles, entre outros. Assim, a literatura surge como uma possibilidade de recriar a realidade
por meio da verossimilhança.
A temática da violência contra a mulher conquista um espaço considerável quando da
vigência da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha
e atualmente também através da Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que qualifica o
feminicídio como crime hediondo. Contudo, apesar da legislação existente acerca deste assunto,
os direitos femininos ainda não conseguem ser garantidos de forma plena.
Assim, o trabalho em questão parte do seguinte questionamento: como a violência
contra a mulher e seu enraizamento cultural é enfrentado no conto Venha ver o pôr do sol, de
Lygia Fagundes Telles?
A partir dessa perspectiva, a pesquisa aqui proposta busca analisar por meio do conto
Venha ver o pôr do sol, de Lygia Fagundes Telles o enraizamento da violência contra mulher
na sociedade brasileira, à luz da legislação vigente.
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O conto é um dos gêneros mais antigos e encontra-se presente em nosso meio desde os
tempos mais remotos, sendo precursor até mesmo da escrita. Esse gênero tem sua gênese nas
narrativas orais dos povos antigos e que, segundo Luzia de Maria (2004), contavam histórias
sobre os mais variados temas como, lutas entre povos, histórias de bichos, mitos e lendas
populares, e eram transmitidos de geração em geração por meio da oralidade.
Os contos “são modos de se Contar alguma coisa e, enquanto tal são todas narrativas”
(GOTLIB, 2006, p.11). Contudo, com o surgimento da escrita, essa narrativa conquistou espaço
na literatura impressa, chegando ao alcance dos sujeitos contemporâneos, que pela falta de
tempo preferem fazer leituras pequenas, que consumam menos tempo, já que a rotina diária
desses indivíduos é exaustiva e o tempo é limitado.
Definido por Maria Lúcia Aragão em Manual de teoria literária “como sendo uma
forma narrativa em prosa de pequena extensão [...]” (1990, p. 84), que possui uma trama que
traz em si características individuais capazes de o distinguir de outros gêneros narrativos com
o intuito de manter o leitor sempre preso à narrativa. Nesse sentido, os elementos gerais
constituintes do conto são condensados. Porém, por se tratar de uma narrativa, o conto apresenta
aspectos composicionais característicos dessa forma de escrita que, segundo Cândida Vilares
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Gancho, “se estrutura sobre cinco elementos, sem os quais ela não existe” (2012, p. 07), quais
sejam: enredo, narrador, personagens, espaço e tempo. Contudo, vale destacar que esse gênero
ainda possui outros elementos como o clímax, a complicação e o desfecho. Desse modo, no
conto “Venha ver o pôr do sol” - objeto de análise desta pesquisa - é evidente a presença desses
elementos em sua constituição.
“Venha ver o pôr do sol” é um dos contos mais famosos da escritora Lygia Fagundes
Telles. Escrito e publicado originalmente no ano de 1970, na obra “Antes do baile verde”, a
narrativa impressiona pela forma como prende o leitor por meio do conflito que gera tensão e
expectativas com relação à trama.
Assim, a trama, recheada de tensão, traz através de seu narrador, a história de um
encontro entre Raquel e Renato, casal de ex-namorados, ocorrido em um lugar um tanto
estranho, um “cemitério abandonado” (TELLES, 2009, p. 94). No conto, Ricardo convence a
ex a se encontrar com ele “só mais uma vez, só mais uma!” (TELLES, 2009, p. 95), com a
promessa de lhe mostrar “o pôr do sol mais lindo do mundo” (TELLES, 2009, p. 94).
A moça resiste mas, com suas palavras Ricardo a convence: “você prometeu dar um fim
de tarde a este seu escravo” (TELLES, 2009, p. 96), afirmava ale, dizendo ainda que ela fez
bem em ir ao encontro.
Os dois adentram no cemitério e percorrem um caminho que os levaria até “uma
capelinha coberta de alto a baixo por uma trepadeira selvagem, que a envolvia num furioso
abraço de cipós e folhas” (TELLES, 2009, p. 97) e onde, segundo Ricardo, estariam seus
mortos. Durante o percurso, ambos conversam e relembram alguns momentos que viveram
juntos: “[...] que ano aquele” (TELLES, 2009, p. 96), afirmava ela. Raquel, em alguns
momentos, se mostra curiosa, porém, deixa sempre claro seu desejo de não estar ali: “Vamos
embora” (TELLES, 2009, p. 96), “quero ir embora” (TELLES, 2009, p. 97), “[...] não insista
nessas brincadeiras, por favor” (TELLES, 2009, p. 95), afirma ela.
Ao chegar no lugar onde supostamente estava enterrada a família do rapaz, ambos
entram. Tudo está muito sujo e empoeirado e, havia uma “portinhola de ferro dando acesso para
uma escada de pedra descendo em caracol para a catacumba” (TELLES, 2009, p. 98). Ela
pergunta o que há lá embaixo, ele responde que lá encontram-se gavetas e, nas gavetas suas
raízes. Raquel, o chama para ir embora afirmando que não está com medo e, sim com frio, ela
utiliza-se dessa estratégia para tentar convencer o ex a ir embora, mas ele resiste, desce as
escadas e passa a mostrar as gavetas: “aqui ficou minha mãe — prosseguiu ele tocando com os
dedos num medalhão esmaltado, embutido no centro da gaveta” (TELLES, 2009, p. 98).
Passando para o outro lado, parou em frente a uma gaveta, em que, segundo ele, encontrava-se
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sua prima Maria Emília, que o amara quando eram bem jovens. Ricardo enfatiza que “não é
que fosse bonita, mas os olhos…” (TELLES, 2009, p. 99); era incrível a semelhança dos olhos
da prima com os de Raquel, dizia o rapaz. Ricardo convida sua amada para olhar mais de perto
a foto da prima, estava escuro e “acendendo outro fósforo, ele ofereceu-o à companheira. —
Pegue, dá para ver muito bem… — Afastou-se para o lado. — Repare nos olhos.” (TELLES,
2009, p. 96). Ao olhar para a foto desbotada Raquel lê em voz alta: “Maria Emília, nascida em
vinte de maio de mil e oitocentos e falecida… — Deixou cair o palito e ficou um instante
imóvel. — Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos! Seu menti…”.
Após proferir essas palavras, ouviu a portinhola de grades sendo fechada; indignada, vira-se
para Ricardo que já subira as escadas e encontrava-se do outro lado da portinhola de grades
enferrujadas. Essa sucessão de acontecimentos mostra o clímax da narrativa, ou seja, ao ponto
de mais tensão da história.
Raquel grita e ordena que a deixe sair: “abre isto imediatamente! Vamos,
imediatamente! — ordenou, torcendo o trinco. — Detesto este tipo de brincadeira, você sabe
disso. Seu idiota!” (TELLES, 2009, p. 99). Ele a espera tocar no trinco da portinhola, dá uma
volta na chave e a arranca da fechadura.
No desfecho trágico da narrativa, desesperada, Raquel critica o ex-namorado, chama-o
de mentiroso, ordena que abra a porta e se esforça para sair daquele lugar frio e sombrio,
contudo, observa que há uma tranca nova na velha porta, o que comprova a premeditação do
plano do ex-namorado em deixá-la trancada naquele lugar.
Entre um pedido e outro para que abra a porta, Ricardo balança a chave e fala: “Uma
réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na porta. Depois vai se afastando
devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo.” (TELLES, 2009,
p. 100), dá boa noite e se vai. Ela solta um grito inumano: “- Não” (TELLES, 2009, p. 100).
Nesse contexto de sofrimento torna-se visível e incontestável a animalização
(zoomorfização) da personagem Raquel. Sobre a animalização, Antonio Candido (1993, p. 129)
afirma que esta ocorre quando “o que é próprio do homem se estende ao animal e permite, por
simetria, que o que é próprio do animal se estenda ao homem”, ou seja, são as características
de animais que são atribuídas ao homem, o ser humano é comparado a um animal. O grito
inumano, a prisão e os uivos vindos de Raquel dão a ideia de que ela é um bicho que luta pela
sobrevivência e age como um animal enjaulado, ou seja, ela é tratada como um animal que não
tem valor algum. Mesmo sendo um ser humano, Raquel é apresentada ao final do conto, como
um animal, em decorrência da forma como fora tratada por Ricardo, seu ex-namorado, que
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(TELLES, 2009, p. 94) e morava “numa pensão horrenda” (TELLES, 2009, p. 95) onde,
segundo ele, a dona era uma Medusa “que vivia espiando pelo buraco da fechadura” (TELLES,
2009, p. 94).
Nesse sentido, a partir dessa caracterização atribuída à personagem Ricardo, pode-se
verificar que o mesmo era um rapaz provido de poucos recursos financeiros, como bem salienta
também, a passagem e que o mesmo afirma: “[...] fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse
possível” (TELLES, 2009, p. 94), e que ainda alimentava um amor por Raquel: “- Eu te amei.
E ainda te amo” (TELLES, 2009, p. 97), afirmava o rapaz magoado pela rejeição de sua amada.
Já Raquel é apresentada no conto como uma mulher bem vestida, e elegante, mas que
só está nessa condição graças a um namorado que, de acordo com ela é “riquíssimo” (TELLES,
2009, p. 96) e até a levaria para conhecer o Oriente. Contudo, no tempo em que estava com
Ricardo “usava uns sapatões de sete léguas” (TELLES, 2009, p. 96). Vale salientar que durante
toda a narrativa, Raquel insiste em enfatizar a condição financeira do atual namorado
contrapondo-a com a do ex, dando origem às dualidades riqueza/pobreza, aceitação/rejeição,
exaltação/humilhação, que distinguiam o ex e o atual companheiro.
Desse modo e, a partir dessas afirmações, percebe-se que Raquel emerge como uma
mulher materialista, interesseira e vazia que possivelmente, deixou Ricardo para ficar com
alguém que pudesse oferecer-lhe o que este não podia. A moça afirma que não entende como
aguentou viver suas aventuras com Ricardo por tanto tempo “[...] imagine, um ano!” (TELLES,
2009, p. 96), afirmava ela.
No que tange ao tempo, este é definido pela literatura como o momento em que as ações
acontecem na narrativa. Como bem salienta Gancho (2012, p. 15) “os contos de um modo geral
apresentam uma duração curta em relação aos romances, nos quais o transcurso do tempo é
mais dilatado”. Sob essa perspectiva, observa-se que o conto analisado se passa em um espaço
de tempo curto, um fim de tarde de um dia qualquer como é comprovado por meio do diálogo
entre as personagens “vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do
mundo” (TELLES, 2009, p. 94).
Ainda acerca do tempo, observa-se que o mesmo apresenta uma sequência linear dos
fatos, obedecendo uma ordem cronológica dos acontecimentos. Nesse sentido, depreende-se na
narrativa a existência predominante do tempo cronológico, ou seja, “tempo que transcorre na
ordem natural dos fatos no enredo isto é do começo para o final. [...] chama-se cronológico
porque é mensurável em horas, dias, meses, anos, séculos” (GANCHO, 2012, p. 15), como
pode ser observado, a menção do pôr do sol permite afirmar que os fatos aconteceram em um
único dia, ou mais precisamente em uma parte de um dia, horas de uma tarde, como pode ser
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observado na sequência dos acontecimentos: “Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida
que avançava, as casas iam rareando” (TELLES, 2009, p. 94) e chegou em frente ao cemitério.
“Ele a esperava encostado a uma árvore” (TELLES, 2009, p. 94) e, após uns instantes de
conversa, “prosseguiu ele, abrindo o portão” (TELLES, 2009, p. 95) e falando: “vem comigo,
pode me dar o braço, não tenha medo” (TELLES, 2009, p. 95) e andaram pelo cemitério numa
caminhada de passos que “ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das
folhas secas trituradas sobre os pedregulhos” (TELLES, 2009, p. 96). Ao final, Ricardo fala
para a ex-companheira: “uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na
porta. Depois vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo
do mundo. [...] Boa noite, Meu Anjo” (TELLES, 2009, p. 99 - 100).
No entanto, é importante destacar a existência de reminiscências que, de forma menos
sutil, ensejam a presença do tempo psicológico em alguns momentos da narrativa, ou seja,
aquele “que transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do narrador
ou dos personagens” (GANCHO, 2012, p. 16), como acontece em: “Quando você andava
comigo” (TELLES, 2009, p. 94), esse trecho remete ao tempo em que o casal namorava. Em
“Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra?” (TELLES, 2009, p. 95), Ricardo
relembra de um momento em que ambos fizeram um passeio juntos e, em “Mas apesar de tudo,
tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele. Quando penso…” (TELLES, 2009, p.
96), temos aqui o exemplo da vivência subjetiva da personagem Raquel que é marcada por uma
lembrança.
Com relação ao espaço, ou seja, ao “lugar onde se passa a ação numa narrativa”
(GANCHO, 2012, p. 17), a história começa com Raquel caminhando por uma rua de poucas
casas, onde crianças brincam:
Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam
rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos
baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato
rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. (TELLES, 2009, p. 94)
Nesse trecho inicial do conto, é feito um relato com a breve descrição do cenário
transpassado pela personagem para chegar ao cemitério onde Ricardo a esperava para dar início
a uma caminhada que para ela seria sem volta, implicando assim, em seu final trágico.
No conto em análise, o local onde os fatos se desenrolam encontra-se bem definido: um
“cemitério abandonado” (TELLES, 2009, p. 96), onde, de acordo com Ricardo, seus mortos
estavam sepultados; um lugar antigo, abandonado, coberto de frio e penumbra.
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Sobre o espaço nas narrativas, Gancho (2012, p. 17) afirma que o mesmo “tem como
funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma interação, quer
influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções”. Assim, o cemitério surge como um
lugar propício para a execução do plano macabro de Ricardo, pois configura-se como um local
“completamente abandonado” (TELLES, 2009, p. 95), em que “nenhum ouvido humano
escutaria agora qualquer chamado” (TELLES, 2009, p. 100). Esse abandono é comprovado
ainda pela enfática fala de Ricardo ao afirmar: “Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho
que nem os ossos sobraram” (TELLES, 2009, p. 95), denotando assim, a lúgubre sombra da
morte.
O casal da narrativa representa os tantos outros ex-casais que, nos tempos atuais passa
pela separação e uma das partes não aceita tal afastamento. Assim, o rejeitado utiliza-se de
diversos meios para se vingar da outra parte, dentre eles os mais variados tipos de violência
que, por sua vez, pode até levar à morte do (a) ex-companheiro (a).
Essa desigualdade permite que a violência contra a mulher seja estimulada, ensejando assim,
uma espécie de naturalização das práticas agressivas contra a mulher.
Com o advento do patriarcalismo, a mulher ocupa um espaço inferior na sociedade, onde
o homem rouba-lhe sua independência, voz, autonomia e ofusca seu brilho,
A todo instante a mulher busca saídas para o aprisionamento imposto pela cultura
patriarcal que, ainda impede que ela seja tratada de forma igualitária. Nesse sentido, enxerga-
se que a violência contra a mulher surge como uma espécie de violência de gênero resultante
de uma sociedade marcada pela cultura do patriarcado e que macula os direitos do sexo
feminino.
Sob essa perspectiva, Saffioti e Almeida (1995, p. 4) afirmam que “a violência
masculina contra a mulher manifesta-se em todas as sociedades falocênctricas. Como todas o
são, em maior ou menor medida, verifica-se a onipresença deste fenômeno”, ou seja, percebe-
se que o fenômeno da violência contra a mulher encontra-se eminentemente impregnado nas
sociedades cujo sexo masculino é visto como superior em relação aos demais sujeitos.
A título de exemplo, cita-se a pesquisa realizada em 2011 pelo Instituto Avon que aponta
como uma das principais causas de violência contra a mulher, a questão do machismo, ou seja,
metade das entrevistadas na referida pesquisa afirmou que a violência sofrida estava
diretamente relacionada a questões culturais.
Diante do aumento nos dados referentes à violência contra a mulher, o legislador tem se
preocupado em estabelecer normas que visam resguardar e garantir a integridade e o direito
dessa parcela da população que se encontra, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade.
Nesse sentido, o surgimento dessas leis têm se apresentado no âmbito jurídico como meio
cíclico e singular no combate a esse tipo de violência. À luz dessa perspectiva, a Lei Maria da
Penha surge como um dispositivo de referência normativa e forma de suprir as lacunas deixadas
pelo legislador no decorrer da história das leis de proteção à mulher.
A Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha (LMP), foi sancionada
em agosto de 2006 como meio para coibir as formas de violência contra a mulher. O referido
16
Em seu Artigo 1º, a Lei nº 11.340/2006 determina seu objetivo, qual seja: dispor “sobre
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher” (BRASIL, 2006), ou
seja: a referida lei surge com o propósito específico de criar meios para reprimir as diversas
formas de violência praticadas contra mulheres em nosso país. Importante destacar que tal
dispositivo legal encontra-se respaldado pelo:
Cabe salientar que antes da implantação dessa norma, não havia nenhuma que tratasse
especificamente da questão da violência contra essa parcela da população, sendo que os crimes
praticados contra esse público não levavam em consideração a questão do gênero.
Os atos de violência doméstica e familiar contra a mulher eram abordados simplesmente
como crimes de menor potencial ofensivo (crimes com pena de até dois anos), tendo suas penas
geralmente limitadas ao pagamento de multas, cestas básicas ou mesmo pela prestação de
serviços comunitários como bem previa a Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995 que dispõe
sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, os casos de violência contra mulheres tinham
“por desfecho mais comum, ou a conciliação, permanecendo o agressor como réu primário, ou
a transação penal, com o estabelecimento de multa ao agressor, geralmente na forma de cestas
básicas”, (BRASIL, 2018, p. 17) o que atualmente, é proibido.
Assim, seguindo os novos preceitos normativos emergidos da Lei Maria da Penha, como
bem institui seu artigo 41: “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro
de 1995”, ou seja, aplicabilidade desta fora afastada.
A Lei Maria da Penha busca resguardar os direitos humanos e fundamentais das
mulheres que há muito não eram respeitados. Assim, elenca em seu Artigo 3º:
Salienta-se que o rol aqui exposto é exemplificativo e que no contexto atual, as formas
de violência existentes (muitas se camuflam de “práticas culturais”) contra a mulher, além de
dificultarem a igualdade entre os gêneros, são transmitidas a outras gerações, o que será forte
obstáculo à sua extinção (RIOS, 2012, p. 112). Por conseguinte, torna-se importante lembrar
que além desses tipos de violência, muitos homens se utilizam de outros elementos como meio
de dominação e execução de poder sobre a mulher, como os ciúmes, por exemplo.
Nesse contexto, o Direito Penal surge como um dos instrumentos legais de combate à
violência contra a mulher. Contudo, é mister destacar que essa esfera do Direito vai além das
leis penais, refletindo sobre as mais diversas áreas. Porém, a tipicidade e as penas oriundas dos
casos de violência contra a mulher acham-se presentes tanto no Código Penal brasileiro quanto
em leis de mesmo caráter.
A Lei Maria da Penha traz inovações no que diz respeito às políticas públicas de
combate à violência contra a mulher. Nesse cenário, surge o artigo 8º da referida lei que
estabelece que essas políticas far-se-ão através de um conjunto de ações envolvendo União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como também, ações não governamentais
(BRASIL, 2006).
À luz dessa perspectiva, Maria Berenice Dias (2012, p. 41) observa que:
que compõem “áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e
habitação” (BRASIL, 2006), para que as mulheres que recorram a eles tenham um atendimento
especializado adequado.
Já no artigo 9º é tratada da assistência à mulher em situação de violência doméstica e
familiar. Este artigo, afirma que essa assistência será dada de maneira articulada partindo de
princípios e diretrizes trazidos pela Lei Orgânica da Assistência Social, do Sistema Único de
Saúde (SUS), no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas
de proteção, e emergencialmente quando for o caso. Nesses conformes, o artigo garante à
mulher a proteção, através de políticas públicas de assistência social, bem como saúde e
segurança, resguardando ainda, a proteção no trabalho tanto para funcionárias públicas quanto
empregadas, mas com regras diferentes. O artigo em análise, alude ainda à questão da violência
sexual, uma das formas mais recorrentes de violência na contemporaneidade.
Cabe salientar ainda que os artigos dispostos na Lei nº 11.340/2006, figuram também a
Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres que abrange questões
voltadas à prevenção da violência por meio de “ações educativas e culturais que interfiram nos
padrões sexistas”; à assistência através do “fortalecimento da Rede de Atendimento e
capacitação de agentes públicos”; ao acesso e garantia de direitos, compreendidos pelo
“cumprimento da legislação nacional/ internacional e iniciativas para o empoderamento das
mulheres”; e ao enfrentamento e combate dessas forma de violência por meio de “ações
punitivas e cumprimento da Lei Maria da Penha” (BRASIL, 2011, p. 26).
No que tange à queixa prestada nos casos de tal violência,
sendo que a execução das penas privativas de liberdade ficarão sob a incumbência das Varas
de Execuções Penais, como bem frisa os estudos apontados pelo Panorama da violência contra
as mulheres no Brasil publicado pelo Senado Federal em 2018.
Em seu teor, a Lei traz outros elementos inovadores com o intuito de resguardar a mulher
das diversas formas de violência, dentre eles encontram-se as medidas protetivas de urgência,
elencas em diversos artigos da Lei; a criação de casas-abrigos para mulheres e respectivos
dependentes menores; os Centros de Referência da Mulher; Centros de educação e de
reabilitação para os agressores e os Juizados de Violência Doméstica e Familiar.
Em seus dispositivos, a Lei trouxe alterações nos meios relacionados ao processo e
condenação dos ofensores. Nesse sentido, afastou a competência dos Juizados Especiais
Criminais (JECRIMs) para julgar os casos em que ocorrem violência contra a mulher.
(BRASIL, 2018). Impossibilitando ainda que a mulher, após fazer a denúncia do agressor, retire
na delegacia a queixa, tendo em vista que isso só poderá ocorrer em audiência específica perante
o juiz.
A Lei permitiu a prisão em flagrante dos agressores, o que antes não existia e cuidou
para que esse ofensor pudesse ter sua prisão preventiva decretada; alterou também o quantum
da pena, de um para três anos, possibilitando ainda que o ofensor seja proibido de se aproximar
da ofendida bem como dos filhos, podendo ser ainda afastado do domicílio.
Ante o exposto, verifica-se que mesmo tendo sido criada tardiamente, a Lei Maria da
Penha constitui um avanço no que diz respeito às normas de proteção e combate à violência
conta a mulher na sociedade brasileira. Contudo, cabe ressaltar que o surgimento de normas
que tratam da questão da violência contra a mulher pouco influenciou na diminuição dos índices
de violência. Dados recentes divulgados em pesquisa elaborada pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP) juntamente com o Instituto Datafolha, comprova esse crescente
índice de violência. A pesquisa, realizada em fevereiro deste ano (2019), em 130 municípios
brasileiros, aponta que três mulheres por minuto foram espancadas ou sofreram tentativa de
estrangulamento no Brasil (1,6 milhão de mulheres), 536 mulheres foram vítimas de agressão
física a cada hora no último ano (4,7 milhões de mulheres) e 66% sofreram algum tipo de
assédio e que menos da metade das vítimas denunciam o agressor.
As causas que impedem a mulher de apresentar essa denúncia estão relacionadas a
“questões culturais, emocionais e econômicas” (SOUZA & BARACHO, 2015, p, 93), ou seja,
por vergonha, medo, pela dependência financeira ou mesmo por causa da relação bastante
duradoura de convivência dessas mulheres com seus maridos e filhos. O fato é que, apesar dos
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avanços ocorridos no país, a mulher ainda ocupa um papel inferior ao do homem e sendo por
ele controlada.
Lygia Fagundes Telles trata em suas obras de temáticas que refletem criticamente a
realidade, dentre elas está a violência, que assola a sociedade e é sentida na pele pelas mulheres,
como pode ser observado no conto “Venha ver apôs do sol”. Publicado num contexto de
violência permeado pela busca da emancipação feminina, a obra em si surge metaforicamente
como um grito de enfrentamento das mulheres de sua época. Nesta narrativa, a condição
feminina é observada sob uma perspectiva de vulnerabilidade, de fragilidade.
O enredo trata da história de um amor destrutivo/destruído. Por meio do conto a
escritora denuncia a realidade vivida por inúmeras mulheres que sofreram e/ou sofrem algum
tipo de violência.
Em “Venha ver o pôr do sol”, é possível identificar alguns aspectos da violência contra
a mulher praticada, no caso, por Ricardo, ex-namorado de Raquel, protagonista da trama e
vítima do ato cruel praticado pelo rapaz em que confiava.
É nítida a condição de subjugação em que Raquel se encontra, ou seja, para Ricardo a
mulher amada é vista como um objeto, uma propriedade. Infelizmente, essa crença está
impregnada na cultura brasileira em que a mulher é vista como um acessório, a representação
do poder do homem.
O cenário patriarcal de dominação e opressão faz com que Ricardo enxergue a ex como
uma espécie de produto de seu poder - o que faz com que Raquel encontre-se na subalternidade
-, e essa relação de poder, segundo Foucault (2004) está diretamente ligada a resistência. Nesse
sentido “se não há resistência, não há relação de poder. Porque tudo seria simplesmente uma
questão de obediência” (FOUCAULT, 2004, p. 268). É nesse contexto que ainda prevalece a
cultura que vê o homem como viril, poderoso e forte, enquanto a mulher é vista como fraca,
desprotegida, subordinada. É nesse cenário de violência e subalternidade que ocorrem os mais
diversos crimes contra a mulher.
Contudo é mister destacar que assim como preleciona o Artigo 2º da Lei Maria da
Penha,
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,
renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
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[...] a família deve banir a violência e criar formas de socialização que primem
pelo respeito aos direitos das mulheres; a sociedade não deve tolerar a
violência doméstica e familiar; e os poderes públicos necessitam cumprir,
fazer cumprir e efetivar esses direitos através de políticas públicas que
articulem a prevenção, a assistência e a contenção dessas violências.
Então deu uma volta à chave, arrancou-a da fechadura e saltou para trás. [...]
Voltado ainda para ela, ele chegou até a porta e abriu os braços. Foi puxando
as duas folhas escancaradas. — Boa noite, meu anjo. [...] Guardando a chave
no bolso, ele retomou o caminho percorrido. [...] Acendeu um cigarro e foi
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A vítima é privada de seus direitos mais básicos como o direito à liberdade e à vida
previstos pela Constituição. Trancada numa catacumba de um cemitério abandonado onde
sequer seus gritos seriam ouvidos, onde ninguém iria visitar a sepultura de um ente querido,
onde “o mato rasteiro dominava tudo” (TELLES, 2009, p. 96) e suas chances de sobrevivência
seriam remotas, a moça morre lentamente; sozinha ela moça passa frio, fome, sede e definha
até a morte.
Sob essa perspectiva, o Código Penal brasileiro em seu Artigo 121 tipifica como conduta
criminosa o ato de “matar alguém” e impõe uma pena de reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos,
quando trata-se de um homicídio simples.
No caso do conto em questão, ocorre um homicídio que possui a qualificadora do § 2º
inciso VI do Código Penal: “contra a mulher por raízes da condição de sexo feminino”, ou seja,
em “Venha ver o pôr do sol”, Ricardo pratica contra Raquel um feminicídio, ele mata a ex por
motivos relacionados à condição de sexo feminino que ela possui. O crime em questão trata-se,
assim, de um homicídio qualificado pela circunstância qualificadora do crime de homicídio do
inciso VI.
Assim, a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, surge com o objetivo de alterar o Artigo
121 do Código Penal de 1940 “para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do
crime de homicídio, e o artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o
feminicídio no rol dos crimes hediondos.” (BRASIL, 2015), ou seja, a referida lei tem por
objetivo aplicar penas mais severas aos agressores de mulheres, e passa a considerar as mortes
causadas, de acordo com o artigo 2-A do Código Penal (por violência doméstica e familiar e
em casos de discriminação à condição de mulher), como crime hediondo. Desse modo, o
feminicídio passa a ser visto como um homicídio qualificado, caracterizando-se como “uma
objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher” (NUCCI, 2017, p. 455), podendo dessa
forma, ser julgado de modo a resguardar os direitos das mulheres.
De acordo com o Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a
Violência contra a Mulher (CPMI) do Congresso Nacional, o feminicídio surge como
Desse modo, Raquel fora punida simplesmente pelo fato de ter optado por um outro
relacionamento em que teria a vida que sempre sonhou, cheia de regalias, em suma, uma vida
de vantagens, o que acontece com várias mulheres no cenário social brasileiro. Ainda sob tal
perspectiva Guilherme de Souza Nucci (2017, 455), afirma que “o agente não mata a mulher
porque ela é mulher, mas o faz por ódio, raiva, ciúme, disputa familiar, prazer, sadismo, enfim,
motivos variados, que podem ser torpes ou fúteis; podem, inclusive, ser moralmente
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relevantes”, como fica comprovado no conto; Ricardo não aceita o fato de ter sido rejeitado,
trocado e guarda dentro de si um ódio incessante pela ex.
Assim, a violência baseada no gênero combatida pela Lei Maria da Penha surge de
forma desnudada no conto. Raquel sofre desde a violência física à violência psicológica. O fato
de ser aprisionada sozinha num cemitério abandonado, levando-a ao definhamento físico,
compromete sua integridade e saúde corporal, o que caracteriza-se como uma espécie de
violência física como bem estabelece o inciso I do Artigo 7º da Lei supra ao afirmar que a
violência física pode ser “[...] entendida, como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal”, Martha Giudice Narvaz e Sílvia Helena Koller (2006, p. 8), corroboram com
esse conceito ao afirmar que:
A violência física ocorre quando uma pessoa, que está em posição de poder
em relação a outra pessoa, causa ou tenta causar dano não acidental, por meio
do uso da força física ou de algum tipo de arma que possa provocar ou não
lesões externas, internas ou ambas. Atualmente, também é considerada
violência a aplicação de castigo, repetido não severo.
Já a violência psicológica, como bem estabelece a Lei Maria da Penha em seu artigo 7º,
inciso II, e o Ministério da Saúde: “configura-se é toda ação ou omissão que causa ou visa
causar dano à auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa” (BRASIL, 2002, p.
20). A partir dessa perspectiva, observa-se que a violência psicológica está diretamente
relacionada à subjetividade da ofendida, tendo em vista os danos emocionais sofridos por ela
que, por sua vez podem acarretar prejuízos à saúde física e mental da mulher.
Nesse sentido, no conto em análise, a violência psicológica se manifesta
indubitavelmente no fato de ter sido imposta à personagem uma conduta causadora de dano
emocional: o abandono, que culminou com sua triste morte.
No conto, poderia ser trabalhada ainda a hipótese de crime passional, contudo, o fato de
ter sido premeditado e não tendo o agente agido motivado por intensa paixão ou emoção,
descarta tal possibilidade. As evidências revelam que o ex-namorado premeditou o crime, prova
disso se dá pelo fato de o mesmo ter trocado a fechadura da portinhola da catacumba, antes
velha e provavelmente enferrujada e desgastada, por uma nova; como pode ser observado em:
“quando entre gritos Raquel examina a fechadura nova em folha” (TELLES, 2009, p. 143).
A violência contra as mulheres é diferente da violência interpessoal em geral. Os
homens têm maior probabilidade de serem vítimas de pessoas estranhas ou pouco conhecidas,
enquanto que as mulheres têm maior probabilidade de serem vítimas de membros de suas
próprias famílias ou de seus parceiros íntimos. Na sua forma mais grave, a violência leva à
morte da mulher (DAY et al, 2003, p. 15). Ou seja, a mulher possui mais propensão a sofrer
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Dessa forma, é possível afirmar que são diversos os motivos que levam o agressor à
prática de violência contra a mulher e que, dentre as razões citadas, a questão da dominação e
do poder enraizado é um deles, ou seja, os aspectos culturais ainda prevalecendo na sociedade
contemporânea e globalizada. Portanto, observa-se que em algumas de suas formas, a violência
contra a mulher é uma espécie de resultante secundária da cultura a qual a mulher é
historicamente submissa.
Desse modo, em “Venha ver o pôr do sol”, há a ocorrência de um crime premeditado,
perpetrado com violência, culminando com a morte da vítima, tipificando assim um
feminicídio, uma das piores formas de violência contra a mulher.
Contudo, cabe enfatizar que o cenário de indiferença no que tange às brutalidades
cometidas contra as mulheres está sendo minimizada, tendo em vista a criação de leis e a busca
por um maior preparo das autoridades de proteção voltadas a este público, o que gera um
aumento no número de denúncias. Porém, esse número ainda é muito pequeno se comparado
ao número de casos de violência contra a mulher no Brasil nos últimos anos.
4. CONSIDERAÇÕES
desigualdade imposta pelo patriarcalismo enseja uma espécie de naturalização das práticas
agressivas contra a mulher.
Com a criação da Lei Maria da Penha, importante diploma legal que visa coibir os atos
de violência contra a mulher protegendo-as de diversas formas de seus agressores, as mulheres
passaram a ter sua integridade física, psicológica e moral resguardadas. O que foi considerado
um relevante avanço no ordenamento jurídico pátrio já que este não possuía uma lei específica
que tratasse dessa questão.
Anos após a criação dessa lei, surge a Lei nº 13.104/2015 ou Lei do Feminicídio, que
passa a tratar o homicídio de mulheres (relacionados ao gênero), como homicídio qualificado
pela circunstância qualificadora do crime de homicídio do inciso VI, impondo penas mais
severas aos sujeitos que praticam tal crime. Essa lei também surge como um avanço no Estado
Democrático brasileiro no que tange às leis de combate à opressão e controle da mulher.
No conto “Venha ver o pôr do sol”, observa-se de forma desnudada a violência contra
a mulher sofrida pela protagonista da história. Infelizmente, na atualidade, esse tipo de violência
tem crescido significativamente; são alarmantes os dados e estatísticas que apontam para tais
ocorrências. As situações de violência contra a mulher tornaram-se tão corriqueiras que são
tratadas como ocorrências banais.
Observou-se ainda que a literatura brasileira é cenário fértil para a apresentação de
temáticas que fazem parte do dia a dia do homem contemporâneo. Uma dessas temáticas é a
violência contra a mulher, existente desde os primórdios da humanidade e que fundamenta-se
na cultura machista de origem patriarcal, sendo uma das mais recorrentes formas de violação
dos direitos humanos, se manifestando sob várias formas.
Em “Venha ver o pôr do sol”, Lygia Fagundes Telles representa através da personagem
Raquel, algumas das formas de violência que mulheres mundo afora vêm sofrendo. A
protagonista sofre, por parte do seu ex-namorado, abusos tanto físicos quanto psicológicos,
abusos esses que culminam com sua morte, ou seja, a forma mais cruel de violência contra a
mulher. Ricardo mata a ex por motivos relacionados à condição de sexo feminino que ela
possui.
Ante o exposto, verifica-se que, mesmo tendo sido criada tardiamente, a Lei Maria da
Penha constitui um avanço no que diz respeito às normas de proteção e combate à violência
conta a mulher na sociedade brasileira. Sendo vista ainda como forma de enfrentamento jurídico
da violência contra a mulher. Porém, enquanto as mulheres continuarem sendo violentadas, os
direitos à igualdade estabelecidos pela lei não serão realmente efetivados.
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Cabe ressaltar ainda que, no cenário atual, para que se dê o enfrentamento das formas
de violência contra a mulher, é de suma importância que as mulheres (re)conheçam seus
direitos, devendo serem informadas e orientadas sobre quais são e como busca-los e, assim
sendo, denuncie os abusos sofridos.
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incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Disponível
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