COCCO - O Complexo Do Alemão e As Mudanças Na Relação Entre Capitalismo Mafioso e Capitalismo Cognitivo
COCCO - O Complexo Do Alemão e As Mudanças Na Relação Entre Capitalismo Mafioso e Capitalismo Cognitivo
COCCO - O Complexo Do Alemão e As Mudanças Na Relação Entre Capitalismo Mafioso e Capitalismo Cognitivo
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Entrevistas
Giuseppe Cocco possui graduação em ciências políticas pela Université de Paris VIII e pela Università degli
Studi di Padova. É mestre em ciências tecnológicas e sociedade pelo Conservatoire National des Arts et
Métiers e em história social pela Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne). Doutor em história social pela
Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne), atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Publicou com Antonio Negri o livro Global: Biopoder e lutas em uma América Latina
globalizada (Ed. Record, 2005). Também é autor de Mundobraz - O Devir Do Mundo No Brasil e O
Brasil No Devir Do Mundo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Para o senhor, o que a ocupação do Complexo do Alemão, em dezembro de 2010,
revela sobre relação entre capitalismo e máfia no Brasil?
Giuseppe Cocco – Podemos apreender a recente ocupação do Complexo do Alemão de dois pontos de
vista: um primeiro, de mais curto prazo, diz respeito ao plano de desenvolvimento das políticas de segurança
no Rio de Janeiro, com as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs); um segundo, de mais
longo alcance, diz respeito à transformação das relações entre capitalismo mafioso e capitalismo tout court.
Do ponto de vista das UPPs, tratou-se de retrocesso. Do ponto de vista da “guerra do Rio”, trata-se de uma
batalha que marca uma aceleração das mudanças nas relações entre capitalismo mafioso e capitalismo
“cognitivo”. O retrocesso está no fato que a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro não
se realizou no âmbito das diretrizes do Pronasci, ou seja, da integração de “segurança” e “cidadania”. Ao
passo que o Pronasci, concebido e implementado pelo então ministro Tarso Genro, articula combate à
violência e reformulação da própria polícia (não por acaso, as UPPs são unidades recém formadas de jovens
policiais), a ocupação do Complexo do Alemão foi feita pelas atuais forças de polícia e, pior, pelas Forças
Armadas: a pacificação tornou-se uma militarização e o Ministro da Defesa ocupou o lugar que devia ser do
Ministro da Justiça.
De maneira mais geral, voltam à tona os estragos incalculáveis, inclusive na retórica de esquerda, da adesão
superficial à teoria política liberal, seja ela aquela do Leviatã hobbesiano ou a do “contrato” de Rousseau.
Dize-se que o problema da violência nas favelas pode ser resolvido pela imposição do monopólio do uso da
força por parte do Estado quando é o contrário: a violência nas favelas é o fruto de um monopólio absoluto
do uso da força pelo Estado em sua relação neoescravagista com os pobres. Só que o Estado não consegue
dar, a essa tremenda efetividade, uma legitimidade estável e sequer a “paz do medo” consegue impor. É
nesse absurdo que toda política de segurança – até a mais bem intencionada – encalha! E isso porque a base
da corrupção generalizada da polícia (quer dizer do Estado) está exatamente no direito de fato que os
policiais têm de matar e torturar os pobres! O Estado sempre esteve presente nesses territórios na sua forma
mais truculenta, para matar os pobres. Essa é a base fundamental de todo processo de corrupção.
Os elementos positivos do Pronasci dizem respeito à afirmação de que a política de segurança é uma
política de cidadania e que é desse tipo de paz que precisamos: a paz da cidadania e não do medo. Assim,
no Rio de Janeiro, o Pronasci com seu programa dos “Territórios da Paz”, possibilitou a criação das
Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), quer dizer de uma nova geração e de novas unidades de policiais
voltados para a comunidade.
IHU On-Line – Dentro da ideia de capitalismo cognitivo, que mudanças se revelaram nessa guerra
que o Rio de Janeiro vivencia?
Giuseppe Cocco – A política de segurança atual não tem como objetivo acabar com o narcotráfico. Por
isso, é uma grande hipocrisia dizer que o narcotráfico foi vencido. O fato novo é um outro: os espaços
gigantescos de moradia dos pobres se tornaram grandes jazidas de acumulação para o capitalismo cognitivo,
uma verdadeira nova fronteira. Na década de 1990, tivemos dois primeiros momentos de inflexão nessa
direção, que já anunciavam a tendência ao esgotamento do modelo econômico e militar implementado pelos
comandos do narcotráfico. O primeiro momento foi o da onda de privatizações dos serviços públicos (que
amplificou o peso e o papel das concessionárias privadas de serviços públicos, em particular dos transportes
coletivos).
Com isso, as privatizações foram se sobrepondo à gestão privada do espaço público que, no Brasil, sempre
se manteve extremamente forte, muito mais do que nas economias centrais, mesmo nas economias liberais.
Um segundo momento (que na realidade não é sequencial mas contemporâneo ao primeiro) é aquele da
emergência das milícias. Setores da polícia e forças de segurança passaram a usar o poder
que tradicionalmente lhe era (e continua sendo) entregue de vida e morte sobre os pobres para controlar
diretamente as dimensões produtivas do território dessas populações. Então, as milícias expulsam os
comandos do narcotráfico (pelo menos como organização hierarquizada e estruturada) e, às vezes, expulsam
o tráfico de drogas. Elas tomam o controle da região e passam a controlar todos os tipos de serviços, a
começar pelos “impostos”.
As milícias cobram “impostos“ em troca da paz que elas mesmas ameaçam. Esse é um mecanismo
tipicamente mafioso de vender a proteção. E, em seguida, elas exploraram o transporte coletivo, as vendas
de botijões de gás, a pirataria de CDs e DVDs, os gatos de eletricidade e o furto do sinal da televisão e
internet a cabo (o "gatonet" ou "gatovelox"). Portanto, as milícias se tornaram, junto com a privatização dos
serviços públicos, o outro lado da mesma corrida em direção ao capitalismo cognitivo. O capitalismo
cognitivo não é apenas o Google e a internet. O capitalismo cognitivo é essa dimensão de uma produção
que se torna serviço e que encontra na metrópole o espaço produtivo de uma circulação produtiva. Então, a
do Alemão não foi nem uma batalha “final” nem uma luta do “bem contra o mal”, mas um episódio
importante na reorganização das relações entre capitalismo mafioso (direta e explicitamente ligado à
acumulação primitiva) e capitalismo cognitivo.
Uma reorganização acelerada pelo fato que as políticas sociais do governo Lula tornaram esses territórios
dos pobres, tradicionalmente entregues à exclusão e ao
narcotráfico, na nova fronteira de expansão do capitalismo rumo à
conquista daquelas camadas sociais que os marqueteiros definiram
como “classe C”. Os pobres passaram a ter poder de compra e as
favelas se tornaram territórios de consumo e, por consequência,
atrativas para a acumulação.
Então, aquela do Alemão é fundamentalmente uma batalha dentro de uma reconfiguração social e produtiva
da chamada “classe C”. E o verdadeiro desafio é de saber se continuaremos a ficar presos do discurso
sociológico da classe C (da “nova classe média”) e vamos assim apoiar, de maneira cega e consensual, o
regime discursivo da guerra do bem contra o mal (ou seja, da guerra contra os pobres), ou conseguiremos
desenvolver novos conceitos e novas análises da composição da classe de um novo tipo de trabalho, um
trabalho que investe, como já dissemos, a vida como um todo, na circulação produtiva dos territórios
metropolitanos. Só uma análise de classe do trabalho permite uma crítica desses embates, ou seja, a
construção de um ponto de vista adequado.
Giuseppe Cocco – No capitalismo industrial, o capitalismo mafioso se torna marginal e relegado à esfera do
consumo. Isso porque a própria dinâmica do “desenvolvimento” industrial torna “primitiva” a acumulação
mafiosa, algo que aconteceu no tempo, que até mesmo já esquecemos e aparece nas formas da propriedade
privada, algo que depende do acaso (da herança) e da acumulação (industrial). Ricos e pobres aparecem
não mais como resultado do roubo e da lei da força, mas como condições sociais determinadas por
processos sociais assentados na força da Lei.
A apropriação direta e violenta dos bens, da terra, dos meios de produção e do trabalho dos outros (a
escravidão e a servidão) é substituída pela dinâmica da inovação tecnológica. A acumulação mafiosa se torna
marginal e podemos até dizer que a diferença entre desenvolvimento e subdesenvolvimento pode ser
pensada em termos da presença explícita (ou não) de formas de acumulação primitiva: um país será tanto
mais subdesenvolvido quanto a acumulação primitiva, ou seja mafiosa, é explicitamente atuante em sua
dinâmica econômica e social. Nesse marco, o capitalismo mafioso se limita a esfera do consumo e aparece
como uma das formas de rentismo parasitário, na disputa do que já foi produzido e valorizado. Não por
acaso ele é duramente ironizado pelo Keynes.
Ora, sabemos que no Brasil a relação entre o capitalismo mafioso (acumulação primitiva) e capitalismo
industrial nunca foi resolvida, no sentido que a própria acumulação capitalista sempre aparece sendo como
acumulação mafiosa em uma relação direta com a economia criminal. Aqui a corrida para o capitalismo
cognitivo explicita suas novas relações com o capitalismo mafioso, pois ela aparece indiferentemente nas
formas das milícias ou das privatizações, “privataria” e “pirataria” vão juntinhas. Exatamente porque o Brasil
nunca conseguiu tornar primitiva a acumulação de tipo ilegal, a nova mafiosidade do capitalismo cognitivo
aparece de maneira mais nítida.
IHU On-Line – A partir dessa perspectiva da relação entre violência e capitalismo, quais são as
novas batalhas da guerra no Rio de Janeiro?
Giuseppe Cocco – As batalhas que estamos assistindo são aquelas da desmilitarização do narcotráfico, pois
seu funcionamento econômico se tornou obsoleto e por isso insuportável! As novas batalhas são as batalhas
da “classe C”. Elas têm como teatro a emergência dos pobres como sujeito econômico e/ou político e a
questão da “paz” está atrelada às alternativas que atravessam esse processo. Por um lado, capitalismo
mafioso e capitalismo cognitivo visam homologar a nova classe média (“C”) como fronteira constituída por
uma enorme jazida de novos consumidores, sem reconhecimento de suas dimensões produtivas.
Aqui, a disputa entre as duas formas de acumulação apenas aponta para o fato que o capitalismo cognitivo é
necessariamente mafioso: seja quando ele aparece na forma da milícia e de seu monopólio (estatal, porém
ilegal) do uso da força; seja quando aparece na forma das decisões de uma agência reguladora sobre
compartilhamento de sinal wireless de internet, ou seja, de uma política estatal (legal, porém ilegítima) de
produção da escassez (escassez de sinal nesse exemplo) como base para que o capitalismo renove e
mantenha uma acumulação que é, ao mesmo tempo, mafiosa e cognitiva (e não tem mais legitimidade
técnica).
É a mesma coisa que acontece com o fechamento, por uma delegada da polícia civil, da Xerox [empresa
fotocopiadora] da faculdade de Serviços Social da UFRJ (no final de 2010): a aplicação truculenta do
copyright visa às alunas pobres e do subúrbio e seu direito ao saber, e não aos jovens da PUC. O
copyright se reafirma contra o compartilhamento e para subordinar os pobres e não se preocupa com os
filhos da elite. A mesma delegada, não por acaso, aparecia na TV comentando as operações do Alemão.
É a mesma guerra, com batalhas diferentes. O que está em jogo é essa apropriação capitalista dos pobres
como consumidores a serem explorados diante da possibilidade que eles se constituam como sujeitos
capazes de afirmar politicamente sua riqueza. Nos 8 anos de governo Lula, o MinC de Gilberto Gil, Juca
Ferreira e Célio Turino tinha começado a trabalhar nesse segundo sentido, de maneira muito forte e
expressiva, com grande potencial para a reformulação das políticas públicas como um todo. É triste constatar
que o Setor Cultural do PT (e setores do governo da Dilma) não entenderam literalmente nada e,
desestruturando esse trabalho, entregaram de volta o MinC à Industria Cultural (aquela que precisa da
mamata estatal para ser “criativa”) e aos interesses corporativos dos “artistas” assustados diante da mutação
que o novo contexto tecnológico e do trabalho anuncia e proporciona: a estética não é mais definida pela
transcendência dos poucos (curadores, marchands, medalhões da “arte” espetáculo), mas pela imanência da
multidão que produz e cria em rede, de maneira colaborativa.
As periferias querem o reconhecimento de sua estética e criação – como podemos ler no belo livro de
Marcus Faustini – e não o acesso à suposta criação culta dos artistas do Leblon. Essas redes de criação e
trabalho são metropolitanas, sociais e técnicas ao mesmo tempo. Elas desenham os territórios de uma
circulação que mistura produção e reprodução, tempo livre e tempo de trabalho. De repente, a questão da
guerra e da “paz” aparece de maneira nova. Hoje em dia é preciso um espaço metropolitano de paz para
que a cooperação produtiva aconteça dentro do território. Antes, esse território de paz acontecia dentro dos
muros da fábrica, dos escritórios, das empresas e de seu copyright. Hoje, as empresas, para funcionar,
precisam da metrópole e de seus serviços terceirizados.
O que o Rio de Janeiro precisa não é eliminar o conflito, mas organizá-lo para que os moradores se
organizem, participem, manifestem as suas reivindicações sobre questões essenciais como a moradia, o
ensino, a distribuição de renda, o transporte... Só o movimento social, só o conflito organizado dentro de um
espaço democrático, só a emergência desses movimentos é que irão permitir a transformação da cidade.
Então, o verdadeiro desafio das próximas batalhas é que a guerra não continue a ser o horizonte da
destruição do espaço público e a paz do comum encontre sujeitos capazes de constituí-la. Por um lado, a
“classe C”, pelo outro, a nova composição de classe do trabalho metropolitano.
De toda maneira, os únicos territórios da paz que funcionarão serão aqueles que saberão construir
instituições do comum. As diferentes instâncias de governo ainda têm uma visão extremamente tradicional e
inadequada. Como dissemos, no MinC do governo Dilma, a cultura volta a ser vista como enfeite
(proporcionado por “artistas” virtuosos) ou como indústria cultural (uma múmia “nacional” revitalizada pela
importação do chavão britânico de “indústria criativa”). Na era do Twitter, do Facebook e do Google,
voltamos a um conceito restrito de cultura e, pior, a um conceito de cultura proprietária da época industrial. É
estarrecedor! Temos milhões de jovens pobres que resistem nas periferias antropofagizando a cultura global
(o funk, o tecnobrega, o rap cantado em guarani), colaborando em redes e o MinC agora volta a enxergar o
direito autoral sob o prisma do copyright e a cultura como virtuosismo elitista. Assim, reduz-se a criação à
indústria (criativa) e a criação (social) à pirataria. Para os jovens das periferias e das favelas, só é oferecido o
horizonte do emprego e do trabalho subordinado e, no máximo, um “vale cultura” para assistir à medíocre
produção “nacional” cujas bases tecnológicas e clichês são importados.
IHU On-Line – Por que o senhor se refere ao narcotráfico no Brasil a partir do fordismo?
Giuseppe Cocco – Falar da dimensão fordista do narcotráfico no Rio de Janeiro significa se referir ao papel
por ele desempenhado diante da ausência de pleno emprego industrial e, pois, da falta de uma relação
salarial capaz de concentrar em suas instituições o conflito social entre capital e trabalho e sua mediação. O
narcotráfico acabou ocupando o espaço social da exclusão. Nesse sentido o narcotráfico é uma figura do
fordismo em uma sociedade não fordista, tendo se tornado, para os pobres das favelas, no mecanismo de
produção de elementos paradoxais de proteção social. O narcotráfico é fordista sem fordismo: pois é nos
espaços por ele controlado que se multiplicaram formas fracas e mínimas de welfare urbano: gatos,
autoconstrução do espaço urbano e até algumas formas de previdência.
Atualmente, os serviços não são mais elementos de reprodução das forças de trabalho, eles são as próprias
redes de produção e acumulação capitalistas. As cidades das Olimpíadas precisam fazer uma gestão direita e
integrada dos serviços e é aí que o capital encontra o fluxo de acumulação de valor. Por isso que há uma
transformação. A primeira transformação é o fato de que a polícia passou a fazer a gestão do território, na
forma das milícias, a partir da gestão dos serviços. Todo mundo, com isso, passou a ser incluído, mas
incluído pelas condições impostas pela milícia. Agora, o próprio Estado assume o papel de desbravador do
capitalismo cognitivo. Não por acaso, antes das Forças Armadas, foi o Banco Santander que abriu uma
agência bancária no Alemão e a propaganda dessa iniciativa teve como sua figura central Junior, do
AfroReggae. No mesmo sentido, a Nextel mobiliza em suas propagandas de rádio-telefones MV-Bill da
CUFA. No dia depois da “ocupação”, o Rio de Janeiro recebia o “grau de investimento” e as operadores de
telefonia e internet entravam para “regularizar” os contratos (uma vez eliminados os gatos).
Giuseppe Cocco – No capitalismo industrial a dimensão mafiosa do capital era jogada para o passado,
onde houve uma acumulação ... primitiva. Hoje, o capitalismo cognitivo renova diariamente suas dimensões
mafiosas. Por isso ele pode apresentar-se nas formas de uma empresa privada de concessionária de serviços
públicos ou das milícias. No Rio de Janeiro isso aparece de maneira ainda mais nítida na medida em que aqui
o capitalismo nunca chegou a fazer esquecer a sua face primitiva. Mas os mecanismos são novos. Vejam o
filme “A Rede Social”, sobre o criador do Facebook. O roteiro do filme é de uma banalidade espantosa.
A succes story é uma série de episódios de brigas judiciais sobre quem é o proprietário da “ideia
Facebook”. E a solução judiciária é impossível na medida em que a “ideia” é fruto da socialização, do
trabalho colaborativo em rede. É impossível dizer de quem é uma ideia e ainda menos de quem é a riqueza
de informações, imagens, afetos dos quais o Facebook ou as redes de telefonia celular são o teatro. Mas
isso não impede a um tribunal, ou a uma “agência reguladora” de decidir. Só que esta decisão, de
estabelecimento de um direito autoral ou de penalização do compartilhamento de uma frequência de acesso
wireless à internet, é duplamente arbitrária: porque o capitalismo cognitivo explora nossas próprias relações
sociais, porque dessa maneira cria-se uma escassez artificial diante das dimensões expansivas e desmedidas
da riqueza produzida em rede.
Estamos exatamente em uma sociedade de trabalho em rede, de trabalho colaborativo que vem do comum e
produz outro comum, em espiral! Por isso, volto a enfatizar a relação entre a guerra do Rio e a virada
neoconservadora do Ministério da Cultura. O governo não apreendeu a importância que tem: 1) a dimensão
ampliada da cultura; 2) a dimensão urbana da cultura metropolitana; e 3) a necessidade de vermos a
economia do ponto de vista da cultura e não a cultura do ponto de vista da economia. As políticas públicas
da paz têm que ser políticas da vida, biopolíticas: reconhecimento das dimensões produtivas da vida. Não se
trata de erradicar a pobreza, mas reconhecer a riqueza dos pobres. As políticas do MinC na gestão Gilberto
Gil/Juca Ferreira foram tão importantes quanto as do Bolsa Família.
IHU On-Line – Os conceitos de Império e Multidão se aplicam a essa guerra no Rio de Janeiro?
Giuseppe Cocco – O conceito de Império funciona perfeitamente. A definição básica de Império é “um não
lugar sem fora. Ou seja, no Império, você pode encontrar elementos de periferias e de centro em qualquer
lugar. E o que encontramos exatamente no Rio de Janeiro são os elementos de periferia e de centro que se
misturam e parecem não ter fronteiras. Sem fronteiras, as operações de polícias parecem com operações de
guerra, e as operações do Exército (no Rio bem como no Haiti) se parecem as de polícia. Não dá mais para
se saber onde acaba a polícia e onde começa o Exército, onde começa o “dentro” e o “fora”.
O conceito de multidão também tem tudo a ver, pois o desafio de uma política dos pobres implica
exatamente numa recomposição de classe que não passa mais pelos processos de homogeneização
produzidos pela relação salarial. A recomposição de classe hoje depende da capacidade que teremos de
combater a ideologia capitalista e consumista da “classe C” para afirmarmos as lutas dos pobres enquanto
uma multidão de singularidades que cooperam entre si se mantendo tais!