Cervães e o Bom Despacho - 1977

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o

CERVAES

E O BOM DESPACHO
O Autor da presente

monografia, embora de

Parada de Gatim, tem

muitos familiares em Cer-

vães. Sua mãe nascera

no lugar de Laceiras.
CERVÃES E O BOM DESPACHO
OUTRAS OBRAS DO AUTOR:

Subsídios para a História da Pastoral Bracarense no séc XVI. 1972.

Senhora do Amparo e S. Brás — Apontamentos monográficos,


1972.

Génese dum "Livro de usos e costumes" do séc. XVIII — seu


conteúdo e alcance pastoral, 1973.

Arcediagado do Neiva — Notas de Toponímia e de História civil


e religiosa, 1973.

Subsidio para o Estudo das Irmandades ou Confrarias de Por-


tugal _ a Irmandade dos Fiéis de Deus de Entre Cávado
e Neiva, uma associação de Clérigos do séc. XV?, 1974.

Presenças Franciscanas no Vale do Cávado, 1976.

Visitas pastorais na Arquidiocese de Braga — Assiduidade dos


visitadores nos sécs. XVI-XIX, 1977.
ANTÓNIO DE SOUSA ARAÚJO

CERVÃES E 0 BOM DESPACHO

Elementos para a história civil e religiosa

da região
Edição do Pároco da Paróquia do Salvador de Cervães,
Vila Verde — Braga

A meus pais, que ao Bom Despacho de pe-


quenino me levaram.

A Glória e ao Quim para que ao Mino e á


Beta este livro ensinem a ler.

A todo o bom Povo de Cervães.


A todos quantos para esta obra de alguma
forma contribuíram, designadamente o R. P-
José Bacelar e Oliveira, S. J., Reitor da Uni-
versidade Católica Portuguesa e o R. Pároco
Domingos Correia Neiva Pinheiro.

A todos os que acreditam na intercessão de


Nossa Senhora.

A quem gostar de saber o que é o Santuá-


rio do Bom Despacho.

DUAS PALAVRAS

Mais propenso a filosofias e matemáticas, nun-


ca em mim medrou grandemente a vocação para li-
terato. No entanto, nem por isso fugirei agora a re-
digir para o presente livro duas palavras, que mm
por demasiado simples ^deixarão de ser menos sen-
tidas e sinceras.
Quando aos 5 de Setembro do ano 'de 19Jf8, na
qualidade de pároco, tomei conta desta fregue-
sia, logo considerei como trunfo admirável, em or-
dem à sua renovação espiritual e maAerial, o
Santuário de Nossa Senhora do Bom Despacho. Ti-
nha sido ele em tempos de antanho centro de fervo-
rosas fornadas de fé. A ele acorriam peregrinos de
perto e de longe, atraídos pelo Bom Despacho que
a Senhora do mesmo nome a tantos concedia atra-
vés de numerosas graças, algumas das quais se po-
deriam antes tomar como autênticos milagres.
A Senhora do Bom Despacho fora assim nesses
tempos idos a verdadeira Rainha do Vale do Cá-
vado.
8

No entanto, em 19^8, estava o seu santuário


arruinado material e moralmente, o mesmo aconte-
cendo, aliás, com as numerosas capelas da freguesia.
Até mesmo a própria igreja paroquial e a residên-
cia se encontravam em estado lastimoso.
Confiei o caso à Senhora e pus esperanças nas
virtudes de todo este povo, que felizmente as não
tinha deixado desaparecer! A Senhora não faltou
com a sua ajuda e o povo também não. A obra não
está completa, é certo, mas existe a certeza de que
está bem encaminhada.
O meu pequeno contributo para a edição deste
livro faz parte do compromisso que com a Virgem
assumi, para que Ela volte a ter no Bom Despacho
o centro da devoção mariana de toda esta região.
A segunda razão de ser do meu interesse por
esta publicação deve ver-se na obrigação de retri-
buir à paróquia a festa de homenagem que me pro-
porcionou, em princípios de Setembro de 1975,
aquando do meu regresso do Brasil. Com este livro
quero fazer com que se recordem as virtudes do po-
vo de Cervães, que não só do de agora, mas também
do de épocas passadas. E assim nele se falará dos
seus monumentos históricos que são ainda orgulho
do presente e o não deixarão de ser igualmente das
gerações futuras.
Para o Sr. P. António de Sousa Araújo, como
autor que é do presente estudo, vai a minha home-
nagem e a da paróquia que represento, como reco-
nhecimento por todos os trabalhos gratuitamente
9

efectuados, quer no campo da investigação, quer


ainda no do ordenamento e da redacção do texto
que se vai ler.
A Virgem do Bom Despacho pedimos uma bên-
ção especial para que todos os nossos planos se
possam concretizar!

Cervães, 28 de Abril de 1976

O Pároco, Domingos Correia Neiva Pinheiro


A SERVIR DE INTRODUÇÃO

Estando mais perto do seu povo, dos seus costu-


mes, dos nomes e configurações dos seus sítios, para
não falar já da maior parte dos seus documentos, o
clero paroquial continua a reunir condições mais ideais
para este tipo de trabalhos! Sabendo embora não ser
a pessoa mais aconselhada para a elaboração de um
estudo como o presente, acabou o Autor por aceder
ao pedido, há anos feito, pelo actual Pároco de Cer-
vães, P. Domingos Correia Neiva Pinheiro.
Não é este trabalho uma Monografia de Cervães.
É apenas um ensaio monográfico duma obra da Paró-
quia, o Santuário de Nossa Senhora do Bom Des-
pacho.
Fomos em cata da sua origem, procurando si-
tuá-lo, não só no seu contexto histórico, como tam-
bém no seu enquadramento paroquial e até regional.
Por esse motivo, poderão, às vezes, parecer divagações
à roda do tema certos pontos focados.
Cremos que os elementos, que aí ficam, serão,
muitos deles, úteis aos historiadores e monógrafos do
futuro, porquanto se trata de material de primeira
mão.
E que poderia sair obra mais perfeita, ninguém o
duvide. Mas um ensaio é sempre um trabalho para
ser completado e aperfeiçoado por quem puder e sou-
ber mais e melhor. Além disso, obras de índole cien-
12

tífica e histórica nunca se poderão dar por totalmente


acabadas.
Porque o trabalho nos foi pedido, vai já para
quatro anos, e porque não sabe o A. se surgirá por-
ventura melhor oportunidade, lançou mãos à obra e
ei-lo a oferecer o fruto de longos meses de pesquisa
e de estudo.
Para se dar uma informação perfeita do que seja
a terra da zona de Cervães, havia que estudar a fun-
do desde a sua geologia, o seu clima, a sua paisagem,
até aos seus processos de cultivo das terras, os usos
e costumes relativos às regas e às colheitas; o seu
folclore, os rendimentos e fontes de receita; os pre-
juízos e lucros de toda uma população ainda muito
virada para uma economia agrária.
Mas porque tais conhecimentos, por demasiado
técnicos, só a especialistas interessariam, remete-
mos os curiosos para as interessantes achegas que
sobre o assunto já conseguiu recolher, para uma área
relativamente vizinha, o cervanense Aurélio de Olivei-
ra, Assistente na Faculdade de Letras do Porto (')■
E como os homens não são apenas produtores e
consumidores, mas também seres sociais e religiosos,
haveria que explorar estas características suas em
contextos simultaneamente amplos e profundos.
O estudo da vida social mereceria desenvolvi-
mento mais aturado, que não foi possível realizar. Ou-
tro tanto se diga da vida política, sem esquecer
igualmente aspectos de funcionamento da máquina
dita administrativa e judicial. O campo da vida cultu-
ral, tão extenso como é, exigiria, só de per si, toda
uma história e todo um tratado.

(') A Abadia de Tlbães e o seu Domínio (1630-1680) —


Estudo social e económico, Porto, 1974.
13

As casas de mais nomeada da freguesia, parti-


cularmente a de Gomariz e da Custariça talvez te-
nham muitos segredos que, uma vez descobertos, aju-
dariam igualmente a compreender muitos problemas
de todo este povo.
Como nos faleceu tempo e ciência para seme-
lhantes acrobacias e dado que nos impuséramos por
norma delimitar as nossas considerações a alguns as-
pectos da vida religiosa da sua população, tivemos de
pura e simplesmente deixar no olvido, e para outros
entusiastas, semelhantes curiosidades.
Resta acrescentar que nada há no livro que seja
fruto de pura fantasia. Cada afirmação foi sopesada,
discutida e um tanto ou quanto burilada no que se
roiere à forma.
Para suprir a falta de pormenorizadas descrições
escolheram-se as gravuras. Só se desejaria que fos-
sem em maior quantidade e de melhor qualidade.
Por muito tempo hesitámos entre o dar à obra
uma feição meramente popular e o dotá-la dum certo
aparato erudito. Porque apreciamos as afirmações
bem apoiadas em documentos à vista, quisemos agra-
dar a todos quantos reagem de igual maneira.
Desde já devemos sublinhar que não tivemos a
preocupação de rebuscar todos os possíveis filões
documentais, designadamente os referentes aos Cou-
tos de Vilar de Areias, de Moure, ou de Manhente,
todos pertencentes à Sé de Braga, ou às Igrejas de S.
Romão da Ucha, de S. Julião da Laje, ou de S. Miguel
de Gualtar, que muito poderão ajudar a desvendar a
questão das velhas igrejas da freguesia de Cervães.
•# # *
Dividimos o volume em duas partes. Na primeira,
tratámos dum conjunto de elementos relacionados
com a história civil e religiosa da freguesia de Cer-
14

vães. Na segunda, abordámos o assunto que mais nos


interessava — O Santuário de N. Senhora do Bom
Despacho — e para cuja compreensão procurámos fa-
zer convergir todo o resto.
Para terminar, mais duas palavras, e estas, sobre
as fontes históricas, em que se baseia a segunda parte
do volume.
A fonte mais completa é, sem dúvida, o manus-
crito que antigamente existira no Santuário e cujo ri-
gor histórico pudemos em tudo comprovar, excepto
no que se refere ao relato dos milagres. Para essa ta-
refa, prestaram valiosa ajuda diversos autores, entre
os quais será justo salientar aqui Frei Agostinho de
Santa Maria e António Carvalho da Costa.
Pena é não sabermos a data da redacção desse
manuscrito; julgamos, no entanto, ter sido redigido
antes do século XVIII, e certamente por um compa-
nheiro do próprio Ermitão, ou, em todo o caso, por
algum companheiro do P. Manuel da Cruz, que àque-
le sucedeu.
Apesar de perdido o original, segundo cremos,
chegou até nós o texto, através de cópias, felizmente
ainda obtidas a tempo. Não sabemos quantas haverá,
além das que deram origem ao texto impresso.
São duas as edições impressas: data a primeira
de 1883; remonta a segunda a 1898. A elas nos refe-
riremos em momento oportuno.
Por isso, não tivemos a preocupação de fazer
aqui uma reedição do texto. Preocupámo-nos, antes,
com verificar-lhe a historicidade e utilizar de forma
mais sistematizada todas as informações capazes de
aclarar, confirmar e completar o conjunto de conhe-
cimentos que sobre o Bom Despacho existem
Uma lembrança especial devemos aqui deixar
consignada para o P. J. J. da Silva Bacelar, o segun-
do deste nome.
15

Foi a partir dos seus Apontamentos Históricos


do Santuário de N. Senhora do Bom Despacho que
surgiu a ideia de se elaborar o presente trabalho. E
quando já tínhamos dado por terminadas as nossas
pesquisas chegou-nos às mãos um precioso livrinho
que o mesrrío Autor deixara inédito e que nos propor-
cionou magnífica ajuda, particularmente para a redac-
ção do capítulo sobre os templos de Cervães. Intitu-
lado Apontamentos para a história da igreja de Cer-
vães e redigido em 1927, nele recolheu elementos,
muitos dos quais hoje totalmente esquecidos, a res-
peito da igreja e das capelas da freguesia. Escusado
será dizer que aproveitámos carinhosamente essas
informações, correndo embora o risco de fazer engros-
sar um pouco mais o volume. Cervães e o seu povo,
nomeadamente os vindouros, merecerão, contudo,
esse pequeno incómodo.
E para terminar, cumpre ainda registar que este
livro é fruto, não só do esforço do Autor, mas igual-
mente de todos os que para ele trabalharam, buscan-
do ou fornecendo informações, esclarecimentos, so-
bretudo, acerca de acontecimentos dos últimos anos.
Oxalá que no futuro alguém possa utilizar estes
elementos recolhidos e superar as deficiências que
nestes vier a encontrar.

Lisboa e Parada de Gatim, 78 de Abril, dia da


Páscoa do ano de 7976.

ANTÓNIO DE SOUSA ARAÚJO


I PARTE

CERVÃES

ELEMENTOS PARA A SLA HISTÓRIA

CIVIL E RELIGIOSA

2
I

, seu nome, sua lerra


e suas genles

1. Sua localização geográfica. A terra do norte de


Portugal, de que aqui se fala, pertence, desde 1855,
ao concelho de Vila Verde e, desde 1916, ao arcipres-
tado do mesmo nome, na Diocese de Braga. Situa-se
na margem direita do rio Cávado e a obra de uma dú-
zia de quilómetros a noroeste de Braga e a outros
tantos a nordeste de Barcelos. Ocupa no mapa as
coordenadas 41°, 36', 40" de latitude Norte e 8o, 31'
34" de longitude W de Greenwich. Encastoada entre
os montes da Cobrosa, que a nascente, aproximada-
mente a delimitam de Oleiros e Cabanelas, e do Bus-
to, que por alturas do lugar da Ermida se mostra, para
os seus apenas 319 metros de cota, arrogante e cor-
polento, como que a desafiar a maresia do poente,
essa terra dá pelo nome de Cervães.
A ela tinham acesso os antigos por algum troço
da Estrada dita Real, que ia de Braga a Viana e que se
a não atravessava de todo, nela tocava indubitavel-
mente pelo norte e na sua estrema com Atiães. Sim,
porque, como no-lo atestam velhos tombos paroquiais
dos séculos XVI e XVIII, a freguesia de Cervães es-
tendia-se naqueles tempos até à actual cangosta do
20

Pinheiral, outrora merecedora das honras de estrada


real í1).
Mas é de crer que os restos de caminho lageado,
a cada passo encontrados em Cervães, possam mes-
mo ter sido via medieval de relevo a ligar Braga a
Viana, mais por estas bandas do sul. Demais essa an-
tiga via poderia muito bem ter sido a do velho Couto
do Mosteiro de Tibães, na margem esquerda do Cá-
vado e cuja travessia se efectuava de barco entre a
Senhora da Graça e Cabanelas. Nem a reconstrução,
em Prado, em 1616, da actual ponte filipina, nem se-
quer a sua derrocada, em 1671, incomodaram ou be-
neficiaram grandemente as populações antigas de Ca-
banelas e u,ervães, tanto estavam elas já habituadas
a passar o rio frente a Santo Adrião de Padim
da Graça (2).
Fosse porém como fosse essa história de cami-
nhos, o certo é que Cervães não era terra isolada no
meio de urzes ou penedias de outrora, nem tampouco
o é nos dias progressivos de hoje. A Estrada Munici-
pal 541, de recente reconstrução, em cubos de gra-
nito, liga-a pelo sul, em Cruto, com a E. N. 205, dan-
do-lhe acesso às vilas e cidades da zona do Cávado,
(1) Tombo de S. Mamede de Escariz, de 1508. Consultamos
a cópia de 1759, pp. 18-19; Autos do Tombo da Igreja de Pa-
rada de Gatim, de 1759. Recolhia o texto de Tombo antigo, ou
de 1548. Várias vezes refere a «estrada real». Vide fls. 161 v.",
165 v.0, 166 e v.°, por exemplo. Obtivemos estes elementos
antes de 3 de Julho de 1975, data, em que, por motivos ainda
não esclarecidos nem averiguados, um terrível incêndio (talvez
propositadamente provocado) destruiu este Tombo, bem assim
como toda a preciosa documentação dos séculos XVI-XX, per-
tencente ao Arquivo Paroquial e valendo centenas, se não mes-
mo alguns milhares de contos. Era pároco então encarregado da
freguesia e do Arquivo o R. P. Manuel Gonçalves da Costa.
(2) Cf. Aurélio de Oliveira, A Abadia de Tibães e o seu
Domínio (1630-1680). Estudo Social e Económico, Porto, 1974
p. 144.
21

e pelo noroeste com a E. N. 306, que lhe proporciona


saídas para as margens do rio Neiva e as zonas do
litoral Norte ou de Viana do Castelo.

2. Cervães — O seu nome. De quando se chama


esta terra com o nome de Cervães, não o sabemos.
Nem sequer sabemos se é este o nome primitivo ou
se outro tivera nas origens do seu povoamento.
Razões para lhe terem dado este designativo de
Cervães conheciam-nas sobejamente os seus pais e
padrinhos. Ficaram todavia em sua exclusiva posse
os segredos do compadrio.
De resto, quando sobre os velhos tempos se tor-
na falha a memória escrita, é-se impedido de ir muito
além de, por vezes, habilidosas suposições. E assim
não faltaria quem quisesse entroncar o topónimo Cer-
vães nos tempos de remoto domínio feudal, em que
alguns ricos senhores dominariam prepotentemente
toda uma gleba laboriosa e resignada a viver na sua
humilde situação de escrava ou de serva. Mas nem o
modo de escrever o topónimo nem os dizeres das
mais antigas gentes nos dão licença para aceitar se-
melhantes jeitos de pensar.
O actual morador da freguesia de S. Romão da
Ucha, por exemplo, quando fala em Gandra ou Gan-
drachã, lembrar-se-á logo do nome de dois lugares da
sua terra, sem pensar necessariamente no que tais pa-
lavras possam significar. Ele poderá desconhecer até
que as charnecas pobres e aqueles terrenos incultos,
onde só medraram as silvas, as urzes, os codeços e
outros arbustos de fraca utilidade, tinham outrora, o
nome de gandras. Poderá igualmente ignorar que
gândara ou gandra pode ainda significar guiços ou
gravetos. Isto é, aquele tipo de lenha miúda outrora
recolhida pelos mais pobres, e não só, para cozinha-
rem o bródio que lhes ia tendo mão no corpo.
22

Mais ainda, pode de todo não saber que o nome


Ucha, sua terra, provém do latim usta (de urior)
e significa queimada, tal como Cádavo, forma antiga
de Cávado, significa também chamuscado, por atra-
vessar em zona onde era uso queimar as urzes e ervas
bravas, para eliminação da bicharada, limpeza das
terras e fertilização do solo destinado a uma agricul-
tura que poderia ser até assás intensa (3).
Os habitantes de Oliveira ou de Parada de Gatim
ou de qualquer outra freguesia, ao falarem em Boa-
vista, não poderão, em contrapartida, deixar de asso-
ciar a semelhante topónimo um panorama belo e im-
ponente, não sendo sequer de admitir como desagra-
dável o que os seus olhos possam enxergar.
Em Cervães, como em tantas outras freguesias,
são ainda hoje diversos os topónimos a condizer com
o que no sítio se vê de concreto ou com o que nele fa-
cilmente se deixa adivinhar. São desse tipo nomes
como Penedo, Cruz, Cruzinhas, Carvalhal, Ribeiro, So-
bral, Ermida, Pedreira, Outeiro, Agro, Rego e outros.
Se topónimos há cuja razão de ser se torna de certo
modo facilmente explicável, desde que se atenda a to-
do um complicado processo histórico-social, outros há,
igualmente, para os quais se não vislumbra, mesmo com
rude esforço, qualquer explicação aceitável. No primei-
ro destes casos, encontramos um Paço, um Mosteiro,
uma Vila Godim, Torre, um Castelo, um Bom Despacho
ou S. Pedro de Montório, sem se esquecer talvez Espa-
çante. No segundo caso, colocaremos Costariça, Cruto,
Gêsto, Machinca, Resela (outrora Reselha e Visage.
Deixemos, contudo, de parte o aprofundamento
das razões de ser de todos estes nomes, para tentar-
mos saber algo mais acerca do topónimo Cervães.

C) Arlindo Ribeiro da Cunha, Topónimos Nortenhos, in Ac-


ção Católica. XXVI (1941), p. 402.
23

Como já atrás sublinhámos, o nome de Cervães


nada terá a ver com a existência de servos ou escra-
vos, com servidões ou qualquer espécie de escravatu-
ra. O facto de terem existido em Cervães, na Idade
Média, quintas não reguengueiras, pertencentes a al-
guns lavradores ou fidalgos, mas pagando foro ao Rei,
de maneira nenhuma nos permite admitir que se pre-
tenda ver os moradores de Cervães como servos seja
lá de quem for. Se tal se pudesse admitir, tería-
nnos igualmente de advogar que, nesse caso, deve-
riam ser muitas as terras portuguesas com o nome de
Cervães. Ora, é o contrário o que precisamente acon-
tece. Freguesias com o simples nome de Cervães ape-
nas existe esta em todo o país. Outra há, mas deno-
minada Póvoa de Cervães (Mangualde, Viseu). E na
freguesia de Cassurães, do mesmo concelho e distri-
to, existe igualmente uma povoação ou lugar com o
nome de Cervães.
Em face de tudo isto, há que buscar outra expli-
cação, menos engenhosa e mais de acordo com a fau-
na da região, para se compreender a razão do topó-
nimo Cervães.
Cervães, que, como veremos, é vocábulo que
sempre ofereceu dificuldades a quem o escrevia, pode
estar fundamente relacionado com a palavra latina
Cervos, que quer dizer veado ou cervo e cuja fêmea era
também chamada cerva ou mais propriamente corça.
J. Leite de Vasconcelos é de opinião de que a pa-
lavra cervo entrou na toponímia em formas como Cer-
veira («ninho de cerva»). Cervas. Cerva-Monte, Cer-
vos, Cervainhos e Cervelhos (').
Pode haver quem se recuse a admitir como
aceitável aquela explicação. Basear-se-á no facto de

[') Etnografia Portuguesa, II Lisboa, 1936, p. 127. O A. não cita


neste passo o topónimo Cervães, certamente, por inadvertência.
24

não constar hoje que alguém tenha visto, por estes


sítitos, veados ou bichos com eles parecidos. Muitos
porém mudariam de atitude, ao saberem que nestas
zonas foi vulgar a existência de caça miúda, de rapo-
sas, de porcos bravos ou javalis, bem assim como de
lobos, para cuja eliminação muito contribuíram as
uchas e os fojos ou fijôs, de que restam vestígios na
toponímia de algumas freguesias de ao redor.
As populações da região do Soajo, que bem os
conheciam e com eles estavam mais afeitas, distin-
guiam os lobos em asnaes (0) e em cervaes C*). 0
lobo asnal era o lobo grande, que constituía permanen-
te ameaça para os rebanhos. Quanto ao lobo cerval,
tratava-se dum lobo mais pequeno do que aquele,
muito parecido com os gatos, tendo como eles os
pés fendidos, a língua áspera e orelhas do mesmo
feitio. Era o lobo caçador do veado ou cervo, e daí o
nome de cerval que lhe davam. Muitos o confundiram
erradamente com o lince (7) e outros, com o ginete.
Tanto uma como outra explicação acerca do to-
pónimo Cervães nos parece perfeitamente razoável, se
igualmente atendermos à flora da região.
O topónimo Cervães é, em suma, um dos muitos
topónimos ligados, não a um sistema social ou cultu-
ral, mas à existência de seres vivos (animais e ve-
getais) por sobre o seu solo. Se entre esses animais

(5) É de recordar que a actual freguesia de Santa Marinha


de Anais se designava em 1320 Asnaes. Cf. Fortunato de Al-
meida, Hist. da Igreja em Portugal, II, Coimbra, 1910, p. 630. O
mesmo se diga em 1220 e noutras datas. Cf. Avelino de Jesus
da Costa, O Bispo D. Pedro e a Organização da Diocese de
Braga, II, Coimbra, 1959, pp. 132, 317 e 326.
('0 A. de Carvalho da Costa, Corografia Portuguesa, I, [2.'
ed.) Braga, 1868, p. 230.
(7) Rafael Bluteau, Vocabulário Português e Latino, II, Coim-
bra, 1712, p. 257.
25

devemos contar apenas aqueles lobos pequenos co-


medores de cervos ou cervaes (forma antiga de cer-
ais), ou se também os veados ou cervos, não o po-
demos comprovar.
Uma vez que Cerveira pode designar o ninho de
cerva, o cerval tanto pode lembrar um bando de cer-
vos, como sugerir um agrupamento de lobos cervais.
Embora lhe não possamos dar valor demasiado,
por se tratar de referência absolutamente isolada e que
tanto pode coincidir com o nome primitivo, como po-
de ser alatinização notarial posterior, é útil referir que
um documento registado no Liber Fidei da Sé de Bra-
ga, de 1120, refere o topónimo sob a forma Cervanes
(b). Cem anos mais tarde, as Inquirições de D. Afon-
so II, não obstante a sua redacção alatinizada, não re-
ferem Cervanes, mas sim Cervaes, tal como acontece
em 1258, com as Inquirições de D. Afonso III, e em
1290, com as de D. Dinis (").
O documento de 1120 tem, pelo menos, o mé-
rito de nos informar que é antigo o uso de pronun-
ciar com anasalamento o vocábulo Cervães. E aquilo
que tem constituído objecto de hesitações, na grafia
ou escrita, tem sido uma certeza quanto à pronúncia.
Cervaes, Cervais, Cervaães, Cervains, Cervãins,
Cervaeins, Cervans e até Servans e Servains, além da
actual Cervães, tudo isto são formas com que depara-
mos na escrita de velhas escrituras da freguesia ou
acerca da freguesia e suas limítrofes. Usaram-nas, em
diversas épocas, as pessoas mais eruditas, nomeada-
mente, os eclesiásticos, os juízes e os tabeliães.
Estava-se em face de uma autêntica anarquia or-
tográfica, a que os últimos anos parecem ter posto

(8) Liber Fidei, doe. n,° 444, do Arquivo Distrital de Braga.


O Port. Monum. Hist. — Inquis., Lisboa, 1888, pp. 90, 219;
cf. O Bispo D. Pedro... de Braga, II, p. 219.
26

íinalmente cobro, graças à fixação mais corrente da


fórmula Cervães. Mas haverá que admitir, por mais
algum tempo ainda, a grafia daqueles que pouco mais
são que analfabetos e que também têm o direito de
escrever, como podem, o nome da sua terra.
Uma interrogação, que nos surgiu, persistirá ain-
da. Como denominar os naturais ou os habitantes de
Cervães? Quererão o nome de cervainhos, já que é
simplesmente inaceitável, por impróprio, o de cerve-
Ihos? Ou preferirão chamadoiro mais erudito e con-
forme com a antiga forma alatinizada, Cervanes, e
que poderia ser cervanenses, tal como em vimaranen-
ses, vianenses ou bracarenses, ou gostarão mais de
cervaneses, fórmula mais popularizada, como em bra-
gueses, vianeses, etc.?
Que os habilidosos em questões de baptizados
usem da sua liberdade. Se eles se não manifestarem
com autoridade, que cada um denomine os naturais
de Cervães como souber ou como eles lho permiti-
rem!
3. Cervães — o seu solo. Os terrenos da área
de Cervães e das outras freguesias limítrofes são de
características idênticas às da maioria do solo de
todo o vale do Cávado e dos seus pequenos afluen-
tes. São terrenos mais ou menos cultivados, desde
que o homem por aí começou a levar vida sedentá-
ria, muito antes dos tempos da colonização romana.
Os castros existentes, conhecidos no monte do Fa-
cho (freg. de Oliveira), no monte Zílos (Escariz, S.
Martinho), os vestígios de antigas louças em S. Gens
de Macarome (Cabanelas-Prado), as referências me-
dievais à mamoa de Cerredelo, testemunham em fa-
vor dum povoamento muito antigo, mais que bimile-
nário, muito embora se não possa aventar datas
exactas.
27

A documentação escrita, referente a estas zonas,


e que até nós chegou, não é tão antiga quanto gos-
taríamos que fosse. E por ser de proveniência ecle-
siástica, muita dela refere-se, primeiramente, como é
natural, à vida da comunidade cristã destes sítios, fa-
zendo-o, além disso, em termos vincadamente sóbrios.
Sob este aspecto é excepcionai o conteúdo da carta
de doação de Parada de Gatim e da sua igreja de S.
Salvador ao Mosteiro de Mumadona de Guimarães, de
1 de Dezembro do ano de 1046, mas que os organiza-
dores dos Portugaliae Monumenta Histórica errada-
mente dataram de ano de 986. Este documento (10), ao
informar-nos que em Parada, além duma igreja bem
dotada, havia, muito antes desta data, uma vida agrá-
ria fortemente organizada, dá-nos sem dúvida uma
ideia aproximada do que seria também a vida das po-
pulações das demais freguesias situadas nas margens
do ribeiro de Puriço. A referência à existência de cu-
bos e cubas bastaria para nos certificar de que aí se
produziam cereais e vinho. Mas isto é aliás sobe-
jamente confirmado pela nomeação das vinhas, por
um lado, e pela evocação dos moinhos ou azenhas de
água, pelo outro. A referência a pomares, com maciei-
ras, pereiras e figueiras, a soutos de castanheiros, a
represas ou levadas de água, dá-nos a certeza de que
estávamos já em face duma agricultura que, à ex-
cepção do seu nível técnico quanto a maquinaria, fer-
tilizantes e pesticidas, e quanto aos circuitos de co-
mercialização, muito se parecia já com a actual.
As inquirições de D. Afonso II (1220) e de D.
Afonso III (1258) falam muitas vezes no pão produ-

(t0) Livro de Mumadona, reprodução facsimilada do Códice,


I. Lisboa, 1973, pp. 44-45. Doe. n." 152 dos Diplomata et Chartae.
dos Port. Monum. Hist., I, Lisboa, 1867, p. 96. Ver também Vi-
maranis Monumenta Histórica, I, Guimarães, 1908, p. 20. n." 18,
parcialmente transcrito.
28

zido nas terras de ao redor de Cervães. Em S. Gens


de Macarome, colhia-se, pelos menos, cevada; em Ca-
banelas, havia trigo, milho e cevada; em Oleiros faz-se
referência ao pão e vinho e nomeia-se concretamente
o milho. Parada produzia milho, castanha, vinho, cen-
teio, trigo, além do linho para bragal. Este último cul-
tivava-se igualmente em Igreja Nova, em S. Tiago de
Francelos e em S. Romão da Ucha. Nesta freguesia
fabricava-se um pão dito de fora, proveniente talvez
do milho painço, importado da Itália. Nas freguesias
de Oliveira e da Lama também se refere a existência
do pão, por um lado, e das azenhas, pelo outro ("J-
Recorde-se que o milho dessas épocas era dife-
rente dos actuais milhos grossos, híbrido, mourão,
amarelo, ou regional. Eram milhos alvos, miúdos, pain-
ços. Os actuais milhos foram introduzidos no país nos
séculos XV e XVI e trazidos de certas zonas de África
e do Brasil (12).
A batata, que, actualmente, também se produz
naquelas terras, é um tubérculo que em Portugal ape-
nas se cultiva desde o século XVII. E só recentemente
começou a ocupar o lugar que na alimentação popu-
lar representavam outrora os nabos e as castanhas (13).
No campo da pecuária, já no séc. XIII são nomea-
dos como existindo nestas zonas o gado de capoeira,
o gado suíno, o ovino, caprino e bovino.
Em Cervães, havia, além disso, como no-lo dão
a entender as Inquirições, uma indústria florescente.

(u) Vide Port. Mon. Hist. — Inquisitiones, Lisboa, 1888,


Julgado de Prado.
(12) Cf. vocábulo «milho», in «Dicionário de História de
Portugal, dirigido por Joel Serrão, vol. Ill (Lisboa, 1968), pp.
58-64.13
( ) Cf, vocábulo «batata», in Dicion. de Hist. de Port., I
(Lisboa 1971), p. 316-317.
29

pelo menos numa quinta ou herdade. Era a olaria e a


cerâmica, para a qual contribuía a qualidade do pró-
prio terreno, quer de certas áreas da freguesia (como
0
lugar da Cova), quer da região, nomeadamente Ca-
banelas (Cruto ou Coruto) e Prado (Tijosas).
A este propósito, ninguém melhor do que o quí-
mico e geólogo francês Charles Lepierre estudou a
constituição destes solos da margem direita do Cáva-
do. E Rocha Peixoto, em estudo hoje valiosíssimo, re-
fere as conclusões do mestre francês O"), dando con-
ta dos trabalhos executados pelos oleiros desta zona,
cos fins do século passado, e escreve: «Centrando esta
2
ona paleozóica por alturas e intermediária das fre-
guesias de Cervães e Cabanelas, ambas do concelho
de Vila Verde, uma mancha do pliocénico emerge. É
a
gui que buscam, principalmente, os barros apropria-
dos à cerâmica rústica. 0 pliocénico (...) é sempre
terreno apaúlado, por vezes extremamente alagadi-
ço» (...) (15).
As argilas de Cabanelas, Cruto e Alvarães (Via-
na
) prestavam-se para o fabrico de louça vidrada ou
Para a louça fosca. Quanto à louça negra dos loucei-
ros de Parada de Gatim e de Escariz (S. Mamede), era
feita com barros da Tijosa (Prado).
Para a chamada louça fina de Prado, espécie de
terra cota, utilizava-se a argila do lugar da Cova, de
Cervães, que era muito plástica e, por isso, permitia
ser aplicada no fabrico de vasos de jardim e de sus-
pensão, de jarras, moringues e brinquedos, de grande
Procura nos mercados. No lugar de Cervainhos foi cé-
lebre como fabricante deste tipo de louça fina um olei-
ro que se assinava com as iniciais F. C. Era o Cara-

í1') As Olarias de Prado, in Portugália, I (1899-1903), pp.


227-270.
(15) Rocha Peixoto, As Olarias do Prado, loc. c/f., p. 233.
30

panta, natural de Cervães, mas que trabalhara em Sa-


cavém, na Vista Alegre e no Brasil (1G).
O facto de nas Inquirições de 1220 e 1258 se re-
ferir a quinta de Perra ou de Gonçalo Gontiges, como
devendo dar louça ao Rei, tanta quanta ele quisesse,
leva-nos a supor que se trataria já desta louça fina ou
espécie de terra cota, já então fabricada.
A comprovar o facto de que Cervães era terra de
gente que se dedicava à indústria cerâmica aparece-
-nos o censo com que anualmente devia contribuir a
sua igreja para a Sé de Braga. Este censo paroquial
constava, no séc. XIV, de doze moios de telha, sendo
já de duzentas telhas cada moio (17).
É ainda hoje apreciável a indústria de Cervães no
sector da cerâmica, mormente no complexo de Cruto.
Outra actividade, que fora próspera, em Cervães,
e também ela relacionada com o subsolo, foi a da ex-
tracção do granito. Ainda hoje se podem extrair be-
los esteios de granito, semelhantes em tudo àqueles
que aos milhares aguentam com a mor parte das vi-
deiras de toda esta vasta região e que provêm das
pedreiras do Bom Despacho ou da Ermida, mas todas
elas do monte Busto, outrora denominado monte Alia-
ria (18), e que constitui uma autêntica mole de granito.
O nome dum pedreiro de Cervães ficou registado
para a história. Foi o de José Ribeiro, que, em 1795,
ajustara por 290 mil reis a construção do cruzeiro que
se encontra em frente do Santuário de Nossa Senhora
da Abadia (1!').

f10) ld., ib., p. 267, nota n." 2.


(") Avelino de Jesus da Costa, O Bispo D. Pedro..., II
pp. 219, 275, 314 e 334.
(18) Esta denominação pode ver-se por ex., na carta de
Parada.
1!>
Cf. a nota 10 do presente capítulo.
) Arlindo Ribeiro da Cunha, Senhora da Abadia. Monogra-
fia histórico-descritiva, Barcelos, 1951, p. 99.
31

No subsolo de Cervães não existem apenas as


Pedras do tipo granitoide ou as argilas de diversos ti-
Pos. Outros minerais existem ainda ou existiram em
grandes quantidades, noutros tempos, de que já não
há memória. E isto é particularmente verdadeiro no
gue diz respeito a todo o extenso monte da Cobrosa.
Em 1758, descrevia-o assim o P. João Pereira: «Tem
em si o dito monte (da Cobrosa) muitas covadas de
Que não há memória de seu princípio; mostram ser an-
tigamente minerais e não há notícia de que qualidade
fossem» (20).
Não eram utilizadas no séc. XVIII e naqueles sí-
tios as pesquisas geológicas ou estratigráficas. Não
admira por isso que se ignorassem as causas daque-
as covas e covadas. 0 povo denominava-as «covas
dos mouros» e de qualquer forma as punha em rela-
Çao com a «cidade macarona» ou a «macarona dos
mouros», nomes com que pomposamente se preten-
deria referir o povoamento, talvez de origem castreja,
e
situado nas imediações de Muquoromi, Macarome
ou Macrome e onde se formaria a antiga paróquia me-
dieval, que fora S. Gens de Macarome e cuja capela
recorda, a quem o conhece, todo esse passado distan-
te- Este simpático aglomerado é, desde 1855, impor-
tante lugar da freguesia de Cabanelas.
Mais modernamente, conseguiu-se saber que as
treguesias de Oleiros, Cervães, Escariz (S. Mamede)
e
Parada de Gatim abrangem uma zona onde foi pos-
sível detectar alguns valiosos jazigos mineralíferos,
nomeadamente de estanho e volfrâmio. Assim exis-
tem registadas quatro minas de estanho: uma na Co-
brosa (Cervães) e outra nas Cerqueiras (Oleiros), a
(20) Dicionário Geográfico de Portugal (Manuscrito do Ar-
quivo Nacional da Torre do Tombo, ANTT), vol. 10, p. 1891. Cha-
mam-lhe também Memórias Paroquiais. Publicados 2 vols. em
1747-51 e não passou da letra B.
32

que os antigos chamavam também Cobrosa Velha p1).


Ainda de estanho, há mais duas e ambas em Parada
de Gatim: uma no lugar dos Bugalheiros e outra no
Reiro de Baixo, lugares onde se tem também encon-
trado volfrâmio e algumas raras pepitas de ouro. De
volfrâmio estão propriamente registadas duas minas:
a da Abelheira (Cervães) e a de São Mamede, em
Escariz.

4. Cervães — a sua gente. Apesar de o homem


moldar a natureza, esta também acaba por moldar os
homens. Estes são grandemente condicionados pelo
seu meio físico. E isto se verificou em Cervães, como
igualmente se verificou em tantos outros sítios do
mundo.
Cervães tem zonas pobres, áridas e secas, onde
tudo é penedia; tem zonas frescas e fundas; tem áreas
de pinhal e tem muitos daqueles pinchões ou socalcos
cheios de vinhas e ramadas, que, na primavera ou no
outono, são a doidice de quem dispõe de tempo e
gosto para apreciar o misto de cores incomparáveis
com que se tinge todo o Minho de entre o rio e a mon-
tanha e onde é abundante a precipitação pluviosa. O
nível de cotas ou altitude de Cervães varia, mas talvez
não se afaste muito da média dos cem metros.
Ao referir as características do solo e subsolo de
Cervães, tivemos já oportunidade de evocar qual o
tipo de actividade dos seus habitantes. Resta-nos ago-
ra tentar descobrir qual o suporte social de toda esta
população laboriosa.
Visto tratar-se de terras de solo facilmente ará-
vel, que, mesmo que não irrigáveis com águas recolhi-
das em poças e açudes ou tanques, sempre se hume-

(21) Autos do Tombo da Igreja de Parada de Gatim, fl.


165 v.0.
33

decem nas épocas das chuvas abundantes, compreen-


de-se que, desde cedo, tenham sido terras buscadas
pelas populações.
A existência de topónimos derivados de nomes
de indivíduos visigóticos, em zonas onde se tem en-
contrado vestígios de povoamentos castrejos, signi-
fica que nos encontramos em face de terras cujo cul-
tivo remontará à pré-história. Os topónimos Gomar/z
(de Gomaricus, ci) e Espaçante (de Spazandus, i),
ainda actualmente existentes em Cervães, são sob
este aspecto, significativos. Denotam apropriação
(presúria) feita por senhores visigóticos com aqueles
nomes e daquelas terras ou «vilas», até então já ex-
ploradas e organizadas, ou que, pouco a pouco, foram
explorando e organizando melhor. Além de Es-
paçante e de Gomariz, as Inquirições de 1258 referem
duas outras quintãs: a de Fins (Felicis) e a de Friões
(Froiani), que poderiam estar em idênticas condições.
Algumas dessas terras conservaram-se, talvez du-
rante séculos, em posse das mesmas famílias, as quais
as foram certamente valorizando com o seu trabalho
e com o dos seus associados e familiares. Basta uma
vista de olhos pelos velhos livros de linhagens para
se observar que quase todos os terrenos dos vales do
Minho, desde muito cedo, ficaram ligados ao nome das
grandes famílias. Os Abreus e os Bacelares são prove-
nientes das ribeiras do Minho e Lima. Os Azevedos
e os Velhos, os Silvas, os Castros e os Pereiras, os
Sousas e os Pinheiros encontram-se mais ligados aos
vales do Neiva e do Cávado. Porém, com o andar dos
tempos, aparecem uns e outros de tal maneira enlea-
dos uns nos outros que até aos genealogistas coscuvi-
Iheiros das velhas estirpes se lhes torna difícil deter-
minar os quatro costados. E estas coisas foram tão
notórias, que certo estudioso foi até ao ponto de dizer
que a «terra» de Prado (vocábulo com que se exprime
3
34

todo o amplo horizonte que de Braga se abarca na


margem direita do Cávado e à esquerda da actual es-
trada nacional 201, que segue rumo a Ponte de Lima,
e não apenas o antigo concelho ou termo medieval),
era o lugar onde a fidalguia tinha por assim dizer «o
seu mais cerrado logradouro de todo o País, sem ha-
ver paróquia onde a propriedade privilegiada total-
mente não apareça» (22).

5. Cervães e a Coroa. Em Cervães, havia, em


1220, como pertencendo à Coroa apenas duas leiras
de vinha: uma em Vilarinho e outra em Paredes, de
cuja produção revertia a metade para el-Rei. As Inqui-
rições de 1258 falam igualmente nos direitos del-Rei
sobre a leira de Vilarinho. Não referem a leira de Pare-
des, mas èm contrapartida nomeiam uma vinha de-
marcada no Carvalhal, de que se levava metade do
vinho a el-Rei.
Se exceptuarmos estas duas parcelas de terreno
em posse directa da Coroa, podemos afirmar que, tan-
to em 1220 como em 1258, as propriedades de Cer-
vães estavam já todas elas em posse de particulares,
que por sua vez pagavam, mais ou menos todos, idên-
ticos foros ou direitos à Coroa.
As Inquirições de 1220 dão-nos a saber que os
herdadores de Cervães eram vilãos e pagavam a el-Rei
um foro que consistia em treze espáduas de porco
com castanhas e ovos ou cabaça de vinho. Quem ti-
vesse cinco reixelos devia dar um cabrito, ou no caso
de o terem, um leitão. Havendo vitelas, dariam queijo
e havendo frangos, eram estes que deviam dar ao mor-
domo. Todos quantos pagavam este foro cabaneiro
deviam ir também ao rio Puriço (certamente) pescar

(22) Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. XXXVI.


p. 38, art. «Vila Verde».
35

trutas (naturalmente), para o rei. Em moeda, pagavam


de fossadeira 5 soldos e 5 dinheiros e pagavam igual-
mente a voz e coima. Destas taxas (fossadeira e voz e
coima), tinha a Sé de Braga direito a cobrar para si
uma quarta parte.
Sabemos ainda que, em 1220, era na herdade dum
tal Paio Bom que se arrecadavam os ganhos del-Rei e
Rue aí ia pernoitar o mordomo. Quanto à obrigação
de lhe dar de comer, essa recaía, por igual, por sobre
todos os homens da povoação (Z3).
Trinta e oito anos depois, ou seja, em 1258, e
talvez por ter entretanto aumentado a população, fi-
camos com a impressão de que as terras se encontra-
vam mais repartidas ou possivelmente até mais arro-
tedas. Mas, salvo quatro excepções, continuavam na
posse, não de herdadores privilegiados, mas na de her-
dadores vilãos. São conhecidos os nomes de alguns
desses herdadores bem como o nome dalgumas quin-
tas ou quintãs. Interessa-nos, não só registar aqui os
seus nomes, como apontar ainda os foros ou rendas
que cada uma das 18 quintas de Cervães tinha então
de pagar à Coroa.
Os herdadores da quinta da Ermida pagavam to-
dos voz e coima, isto é, a multa que a Coroa lhes rei-
vindicava, caso fossem delinquentes ou criminosos, a
qual revertia, quer para a pessoa ofendida que gritava
«aqui del-rei», quer para o fisco, consoante as dis-
posições particulares dos forais ou dos privilégios dos
coutos, honras, etc. Mais. Haviam de dar a el-Rei uma
espádua de porco, e no caso de terem vitelas, de-
viam dar-lhe queijo. Por cada porca que parisse, de-
viam dar-lhe uma leitoa e por cada quatro reixelos,
deviam dar-lhe um cabrito. Além disso, tinham de ir
ao rio pescar para o rei. Quando morresse algum ho-

(23) Port. Mon. Hist. — Inquis., p. 90


36

mem pagavam de lutuosa ou por direitos de sepultu-


ra dois maravedis. 0 mordomo régio podia comer em
casa de cada um dos herdadores, apenas uma vez, por
mês. Cada cabeça-casal desta quinta da Ermida era obri-
gado a pagar individualmente estas quantias, ex-
ceptuando-se a espádua de porco, que essa devia ser
paga por todos conjuntamente.
As quintas de Pedro Limiano, de Fins, de Gonçalo
Goterres, de Lamas e de João Barral, bem assim como
as de Friões, de Martinho Trigues e de D. Tomé, as
de Pedro Anelio, de Maria de Areias e de Paio Mouro,
esta no lugar de Cervainhos, todas elas pagavam ao
rei tanto como a quinta da Ermida.
Os herdadores da quinta de Mendo Cenoiz eram
obrigados a arranjar para o rei espádua de porco, quei-
jo e cabrito, tivessem ou não todas estas coisas.
Os herdadores das quintas de Pedro Forjaz e de
Martinho Trastamires pagavam tudo como a quinta da
Ermida, mas além disso, tinham de recolher aí os ga-
nhos do rei e dar pousada ao mordomo real.
Os herdadores da quinta de Perra pagavam como
os da Ermida, mas se el-rei quisesse louças (panelas,
etc.) das aí fabricadas, tinham de lhas dar. Nesse ano,
contudo, deixavam de lhe pagar qualquer outro foro.
Duas outras quintas são também referidas, em
1258. São as quintas de Louredo e a de Gonçalo Onri-
guit (Henriques), que pagavam de fossadeira 10 e 8
dinheiros, respectivamente (24). A fossadeira, recorde-
-se, correspondia à actual taxa militar. Era paga por
todos os cavaleiros vilãos e peões que fossem dispen-
sados de participar no fossado ou expedições organi-
zadas contra o inimigo (25).

í21) lb. idem, p. 300


(25) Vide vocábulo «fossadeira», in Dicion. de Hist. de Port.
II (Lisboa, 1971) ,p. 285-286.
37

Todas as famílias por qualquer razão ligadas a


todas estas 18 quintas estavam sob a alçada do rico-
-homem ou senhor, do juiz e do mordomo da Terra ou
do Julgado do Prado, os quais para os devidos efeitos
aí representavam a pessoa do Rei.

6. Cervães e as casas fidalgas. Informam-nos ain-


da as Inquirições que entre 1220 e 1258 algumas
quintas houvera em Cervães com prestígio ascendente
Por sobre os direitos da Coroa. Os inquiridos em 1258
afirmam claramente que em tempos idos os morado-
res de Terroselo, de Oliveira, de Mazanedo e de Go-
mariz estavam sob a alçada do Juiz de Prado para
afeitos de justiça e a cujo mordomo pagavam em moe-
da ou em géneros as multas e penas. Mas acrescen-
tam os mesmos inquiridos; «Agora são honras e não
antra aí o mordomo del-Rei» (26).
Muitas honras ditas novas apareceram neste pe-
ríodo por todo o país de forma abusiva. Pretendiam
assim fugir os seus moradores aos encargos que sobre
ales pendiam; pagamento dos tributos, dos direitos
de justiça e exercício da fiscalização por parte dos
funcionários da Coroa. Por esse motivo teve D. Afonso
"1 de mandar fazer devassa de todas as propriedades
do Reino, mediante as Inquirições de 1258. Tal abuso
continuaria contudo a verificar-se, a pontos de, em
1335, D. Afonso IV ter declarado ilícitas todas as hon-
ras posteriores às Inquirições de D. Dinis (1288). Na
Prática, foi esta data prorrogada para a de 1305 (27).
A honra só existia, quando possuída por algum
fidalgo. Dependia, pois, do possuidor da terra e durava
tanto quanto durasse a fidalguia dos seus herdeiros.

26
í27 ) Port. Monum. Hist. —Inquis., p, 300.
( ) Vide vocábulo «Honra» in Dicion. de Hist. de Port li
P. 448.
38

Ao lado das honras, existiam os coutos, os quais


tanto podiam ser propriedade de fidalgos, como pro-
priedade das igrejas. As terras eclesiásticas, fossem
elas da Sé, dos mosteiros ou das igrejas, só podiam
ser coutos. Nunca podiam ser honras (2S).
Em Cervães, foram casas fidalgas, além da de
Gomariz (que foi honra), a casa da quinta de Penou-
cos ou quinta da Estrela, por aí ter existido a Capela
de Santa Maria de Penoucos, recentemente mais co-
nhecida por Nossa Senhora da Estrela.
A Casa de Gomariz, como adiante se verá, andava
no séc. XVI ligada à família dos Azevedos, fidalgos
do Solar de Azevedo (Lama). No dizer do P. A. Car-
valho da Costa, a Torre de Gomariz é solar antigo «de
que é senhor Francisco da Cunha da Silva, Mestre de
Campo e Governador de Monção. Sucedeu nela a seu
pai, André Velho de Azevedo, que por herança lhes
veio da Casa de Azevedo, de que descendem» (29). Em
1758, era senhor da quinta de Gomariz João de Alma-
da e Melo, Governador de Armas da cidade do
Porto (;i0).
A quinta da Estrela ou de Penoucos, que tudo

(28) Cf. A. Braamcamp Freire, in Archivo Histórico Portu-


guês, IV (1906), p. 10; Dicion. de Hist. de Portugal, I (Lisboa,
1971),29 vocábulo «Couto», p. 738-739.
C ) Corografia Portuguesa, l (2.' ed.), Braga, 1868, p. 222.
A primeira edição deste volume é de 1706. O Minho Pitoresco I,
Lisboa, 1886, p. 412, diz Francisco da Cunha e Silveira, afastan-
do-se neste pormenor de Pinho Leal no seu Portugal Antigo e
Moderno — Dicionário, II, Lisboa, p. 255.
t30) Dicionário Geográfico de Portugal (ms, ANTT), vol. X,
p 1893 Cf. D. António Caetano do Amaral, História Genealó-
gica da Casa Real Portuguesa, VII, Lisboa, 1740, p,680; XII, 1."
parte, Lisboa, 1747, p. 142; XII 2." parte, Lisboa, 1748, p. 870.
Acrescente-se que também foi Alcaide-mor de Palmela, Capitão
de Infantaria e Cavalos e Comissário Geral da Cavalaria. Foi
casado com D. Maior ade Mendonça e faleceu a 17 de Outu-
bro de 1725 Ub., XII, 1. parte, p. 142).
39

indica ser de época medieval, era, em meados do séc.


XVII, propriedade de Mateus Pereira Bravo, médico em
Braga Em 1758 continuava a quinta na posse
dum cidadão da cidade de Braga, mas, desta vez, cha-
mado João Luís da Silva e Sousa (32).
A quinta e casa da Custariça não mereceu qual-
quer referência especial por parte do P. João Pereira,
que aos 21 de Abril de 1758, respondeu ao questiona-
do, que, na ordem deambulatória, lhe fora apresenta-
do por determinação do Rev. Doutor Francisco Fer-
nandes Coelho, Provisor e Vigário Geral do Arcebis-
pado de Braga. Tem sido quinta ligada à família dos
Bacelares e é seu actual possuidor o Sr. Dr, Nuno
Alcino de Castro e Silva Bacelar, licenciado em letras
pela Universidade do Porto.

7. Cervães e o seu Couto. Por couto entende-se


geralmente uma terra, em cujos limites não podiam
entrar funcionários da coroa (juízes, meirinhos, mordo-
mos, notários, etc.) para exercício das suas funções,
e
cujos moradores estavam escusados de prestar ser-
viço militar no exército do rei ou dispensados de pa-
gar taxa militar, impostos e multas ao Estado. Seme-
lhantes privilégios variavam, aliás, de couto para couto,
e isso sempre de acordo com o teor das cartas de
couto dadas pelos monarcas (3').
Sabemos, embora por notícias tardias, que Cer-
vães era uma freguesia com particularidades curiosas,
que os corógrafos por vezes confusamente referem.

t31) Cf. J. B, da Silva Ramos, O Comércio do Minho, n."


1569, de 1 de Setembro 1883; J. J. da Silva Bacelar, Aponta-
mentos históricos do Santuário de N. Senhora do Bom Des-
pacho em Cervães, Braga, 1898, p. 14; Braccara Augusta, XX
(1966),
32
p. 98 e 114.
(33 ) D/c. Geog. de Portuga! (manuscrito), vol. X, p. 1893.
í ) Dicion. de Hist. de Portugal, I, (Lisboa, 1971), p. 739.
40

E isso deve-se à falta de documentação antiga com


elementos capazes de lhes esclarecerem as dúvidas.
Tudo nos indica que, desde cedo, andava Cer-
vães dividida em duas partes independentes. Uma cu-
ja jurisdição tributária, judicial e militar ficava sob a
alçada das autoridades régias detentoras da Terra, Jul-
gado e Termo de Prado. A outra, cujos súbditos esta-
vam directamente dependentes da jurisdição da Igreja
Primacial de Braga, fazia parte dum couto eclesiásti-
co juntamente com metade da freguesia de Manhente
e com toda a freguesia de S. Vicente de Areias. Daí o
denominar-se frequentemente, em documentos anti-
gos, Couto de Areias ou Vilar de Areias, ou ainda Vilar
e Areias, advindo-lhe, ao que parece, o nome Vilar
do facto de também ter estado S. Vicente de Areias
ligado ao Couto de Vilar de Frades. Em documentos
mais recentes fala-se até com mais frequência no Cou-
to do Salvador de Cervães.
Não pudemos investigar desde quando existiria
esse Couto de Areias ou de Cervães, nem esse era o
assunto que de momento devia prender a nossa aten-
ção. Parece, contudo, tratar-se dum couto doado por
algum particular à Sé Bracarense (34), certamente no
período que vai de entre 27 de Maio de 1128, data em
que D. Afonso Henriques confirmou e ampliou mais o
Couto da Igreja de Braga, e 1324, data em que D. Dinis
proibiu que se aumentasse o número dos coutos exis-
tentes no país ou se alargasse o seu âmbito, (35).
0 que de certo sabemos é que o Arcebispo D.
Gonçalo Pereira (1326-1348), aos 24 de Fevereiro da
Era de 1373, ou seja do ano de Cristo de 1335, «enco-
mendou [a Rui Vasques, cavaleiro de Azevedo] os
f34) Avelino de Jesus da Costa, D. Diogo de Sousa, Novo
Fundador da Cidade de Braga, in O Distrito de Braga, I (1961-
-1962),5 p. 487 ou Separata, p. 15.
P ) Dio. de Hist. de Portugal, I, p. 739.
41

seus homens que moram no seu Couto de Areias em


mentes [= enquanto] ao dito senhor prouver e por
bem tiver e que o dito Rui Vasques empare e defenda
os homens do dito Couto de quem mal ou desaguisado
quiser fazer em alguma maneira e que os homens do
dito Couto façam serviço ao dito Rui Vasques assim
como faziam a Aires Pais, cónego que foi de Braga,
gue esse Couto tinha pelo dito Senhor [Arcebispo D.
Gonçalo] e em seu nome, e que este serviço façam
esses homens desse Couto ao dito Rui Vasques en-
quanto ao dito Senhor prouver e por bem tiver e mais
não» (36)
Assumiu Rui Vasques, senhor da Casa de Aze-
J(odo (Lama) este compromisso na presença do tabe-
''ão público de Braga, Fernão dWres, que o termo re-
digiu, na presença do Arcebispo e de mais quatro tes-
temunhas, que foram André Pais e João Pais, ambos
conegos na Sé de Braga e Francisco Domingues e
Mestre Joane, boticário.
João Pais, além de cónego, foi também Mestre-es-
cola e Vigário Geral do Arcebispo D. Gonçalo Pe-
reira (37).
A parte da freguesia de Cervães que constituía o
Couto abrangia os seguintes lugares: Resela, Vila Go-
dim, Lombão e Torre; Soutelinho e Cruz; Castelo, Pe-
nedo, Portela, Bouça, llhô, Fontoura, Bom Despacho,
Penoucos. Campelos, Leiroinha e Água-Levada. Isto o
gue se passava em 1758 e que consta da informação
recolhida no Dicionário Geográfico de Portugal (38).

(36) Rerum Memorabilium, L.0 3.°, fl. 152 (Manuscrito do


Arquivo Distrital de Braga).
f37) D. Rodrigo da Cunha, História Eclesiástica dos Arcebis-
pos de Braga, II parte, Braga, 1635, p. 181; J. Augusto Ferreira,
Fastos Episcopais da igreja Primacial de Braga, li, p. 143,
C38) D/c. Geogr. de Portugal (Manuscrito), vol. X, p. 1890-
-1891.
42

Mais nos informa ainda o excelente manuscrito do


Arquivo Nacional da Torre do Tombo, de Lisboa, quan-
do diz que na parte da freguesia «que é Couto tem
(também) juiz ordinário, crime, órfãos, almotacé-mor
e por tempo imemoriável é capitão da ordenança e há
mais senado de Câmara, dois vereadores e um Pro-
curador eleitos por pautas, presidindo o Doutor Ou-
vidor da Cidade de Braga». (3!>).
Estava, portanto, em pleno funcionamento no
Couto de Cervães uma autêntica estrutura de domí-
nio eclesiástico e cuja sede ou Câmara aparece refe-
rida em mais de um documento referente à antiga igre-
ja de Santa Maria de Penoucos (J0), de que tratare-
mos no seu devido lugar.
Ainda hoje em Cervães se conserva a memória
oral da existência da Forca, dentro duma bouça, no lu-
gar da Frondosa, pegado ao lugar de Penoucos. No
lugar da Bouça, diz-se ter existido a Cadeia e no lu-
gar do llhô terá existido o Tribunal. Da existência da
Câmara, ninguém parece ter ouvido falar, mas, em con-
trapartida, fala-se ainda na Casa da Fazenda. Embora
o povo dê para o facto uma explicação simples, di-
zendo que aí se transaccionavam tecidos, não é de
admitir tal explicação, uma vez que à casa da Câmara
também se podia chamar casa da Fazenda, dado que
aí se recolhiam os dízimos, os foros e outros direitos
destinados à Mesa arcebispal de Braga (").
Por lei de D. Pedro II, de 1692, foram extintos em

39
(40 ) Ib. p. 1894-1895.
í ) Rerum Memorabilium, L.0 2.°, fl. 247 v.0; L,0 3.°, fl.
163 (Manuscrito do Arq. Distr. de Braga. Cf. Sumários in
Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, XXXI (1968),
p. 19241 e 226).
( ) O uso do vocábulo Fazenda é relativamente moderno,
mas poderá muito bem explicar o desaparecimento do termo
Câmara.
43

Portugal todos os Coutos. Essa lei, porém, foi limitada


por uma outra de 1703 e assim os coutos se mantive-
ram efectivamente existentes até ao seu derrubamen-
to definitivo, no reinado de D. Maria I, com a abolição
de todos os seus privilégios. Com isso se ressentiu
fortemente todo o senhorio temporal da Igreja de
Braga {").
Saído da alçada eclesiástica, o Couto de Cervães
continuou, porém, a dispor, pelo menos, dos serviços
do seu Tabelião, a partir de então dependente, como
seria natural, das ordens dimanadas da Coroa.
Sabemos quanto assim era, dado que em 1799 con-
tinuava como tabelião Manuel Francisco Ribeiro. Tra-
balhava no lugar de Água-Levada. E em 1837 era
tabelião do mesmo Couto José Afonso da Cunha, o
qual tinha o seu cartório em Leiroinha.
Cremos mesmo que todas as funções tradicional-
mente atribuídas às autoridades do Couto de Cervães
ou de Areias continuariam a ser praticamente desem-
penhadas sob a égide estatal, até à dissolução dos
concelhos de Prado, Penela, Vila Chã e Pico de Rega-
lados, com integração das respectivas freguesias no
novo concelho de Vila Verde, criado em 24 de Outu-
bro de 1855 (").

8. Cervães e o Concelho de Prado. Ao lado do


Couto, existia a outra metade da freguesia pertencen-
te ao termo da Vila de Prado e Comarca de Viana do
Castelo. Em 1758, abrangia essa parte da freguesia
os seguintes lugares habitados: Costariça ou Custariça e
Machinca; Ermida, Pardelhas (ainda hoje aí restam ves-

(42) Dicion. de Hist. de Portugal, I, p. 739 e 367.


(43) Guia de Portugal — Minho, IV, 2." parte, (Lisboa, 1965),
p. 906; História, Arte e Paisagens do Distrito de Braga I — Con-
celho de Vila Verde, Braga, 1963, pp. 12-14.
44

tígios de habitações) e Laceiras: Matas, Devesas, Lou-


redo, Gêsto e Ribeiro; Barral. Carvalhal, Paço. Outeiro,
Cervelhos e Cervainhos; Pedreira, São Miguel e Mos-
teiro (44).
A ligação desta parte de Cervães a Prado remonta
aos tempos medievais. Tanto nas Inquirições de 1220
(D. Afonso II), como nas de 1258 (D. Afonso III) e
de 1290 (D. Dinis), o nome da freguesia de Cervães
aparece, lado a lado, das demais freguesias, que então
formavam a chamada Terra e Julgado de Prado. A
título de curiosidade, registemos aqui a lista dessas
freguesias (paróquias), tal como a podemos colher
das Inquirições de D. Afonso III. São as seguintes:
São Gens (de Macarome), St." Eulália de Cabanelas,
St.a Marinha de Oleiros, S. Tiago de Atiães, S, Tiago
de Francelos, Santa Maria de Igreja Nova, S. Salvador
de Parada (de Gatim), Santa Maria de Freiriz, S. Sal-
vador de Cervães, S. Romão da Ucha, Sta. Eulália de
Oliveira, S. Salvador da Lama e como sua anexa devia
estar S. Salvador de Sandim, S. Vicente de Areias, S.
Martinho de Galegos, Santa Maria de Galegos, S. Mi-
guel de Roriz e o Couto de S. Martinho de Manhente
(naturalmente aquela metade que não fazia parte do
Couto de Cervães ou de Areias ou Vilar de Areias (45).
Ou fosse porque os seus moradores não suporta-
vam permanecer em situação de desvantagem em re-
lação aos seus vizinhos do Couto, ou porque a des-
centralização administrativa era então considerada
medida bastante acertada, ou por qualquer outra razão,
cujo alcance não conseguimos desvendar, o certo é
que os moradores desta parte da freguesia de Cer-
vães chegaram a dispor, embora não saibamos, por

(44) D/c. Geogr. de Portugal (Manuscrito), X, p. 1890.


(45) Portugaliae Monumenta Histórica, Inquisitiones, Lisboa,
1888, pp. 293-303
45

quanto tempo, dum Juiz ordinário e duma Câmara


na sua terra. Fora-lhes isso concedido pelo Marquês
das Minas (Brasil), o qual pertencia à família dos Sou-
sas e era natural e Senhor da Vila e Termo de Prado.
Contudo, tal concessão não pôde ser anterior a 1670,
ano em que D. Francisco de Sousa, 3.° Conde de Pra-
do, recebeu o título de I Marquês das Minas e de que
pouco tempo usou, por ter falecido aos 23 de Junho
de 1674 (M). Não sabemos, porém se foi este ou se
foram os outros seus descendentes, que usaram os
mesmos títulos, quem concedera a Cervães esse pri-
vilégio, de que ainda em 1758 se orgulhava (n).

9. Cervães: uma ou duas freguesias? São imen-


sas as interrogações que acerca de Cervães se formu-
lam, mas são escassos os documentos de que dispo-
mos para lhes dar conveniente resposta. E assim ficará
de pé a questão de se saber se Cervães, foi originaria-
mente uma só comunidade cristã, mais ou menos co-
mo agora, ou se comportou dentro dos seus limites,
(os quais não coincidiriam necessariamente com os
actuais), pelo menos, duas paróquias independentes,
tendo uma como padroeiro S. Miguel, inicialmente, e
S. Salvador, em seguida, e a outra tendo como pa-
droeira Santa Maria. Ocuparia a primeira o espaço
geográfico que viria a pertencer à Terra e Julgado de
Prado, e cuja matriz se situara no lugar de S. Miguel
o no lugar do Mosteiro; a segunda abrangeria todos os
lugares considerados pertença do Couto de Vilar de
Areias e que em algum tempo se designara também
Couto de Penoucos, como no-lo informa em 1527 o
cadastro da população do Reino no passo em que se

(i6) António Caetano de Sousa, Memórias Históricas e Ge-


nealógicas dos Grandes de Portugal, Lisboa, 1755, pp. 159-162.
(") D/c. Geogr. de Portugal, X, p. 1895.
46

referem «os Coutos de Vilar de Areias e Penoucos


que são do Arcebispo Lbem assim comol a jurisdição
deles» (48).
A igreja desta parte da freguesia estava situada
em Penoucos e no sítio onde até há uns setenta
e tantos anos existira a chamada Capela de N. Senhora
da Estrela, de que adiante se trata.
No ano de 1333 e aos 12 de Janeiro fora passada
uma carta de Estêvão Anes, Arcediago do Neiva, e de
Estêvão Pais, Cónegos da Sé de Braga, onde eram
Vigários Gerais de D. Gonçalo Pereira, em que se co-
municavam determinadas diligências a serem executa-
das por Lourenço Fernandes, a quem chamam clérigo
de Cervães. Tratava-se de através dessas diligências
defender os direitos de Durão Esteves, Cónego de Bra-
ga e Abade da Igreja de Santa Maria de Penoucos {*").
Mas enquanto em 1333 o Cónego Durão Esteves nos
é apresentado como Abade de Penoucos, em 1346, ano
em que, pelos vistos, redigiu o seu Testamento, (no
qual determina que o sepultassem diante do altar de
Santa Luzia, da Sé de Braga, que ele próprio tinha
mandado construir), aparece-nos como Abade de S.
Salvador de Cervães e Cónego de Braga (50). O nome
deste Cónego e Abade constará de muitos outros do-
cumentos, provavelmente. Por acaso, vimo-lo referido
num documento latino de 13 de Setembro de 1346
igualmente e em que se referem algumas trocas de
prebendas. Numa dessas trocas surge como inter-

(48) Archivo Hist. Port., Ill (1905), p. 263, À margem de


Penoucos foi acrescentado posteriormente no texto manuscrito:
«Não 49entra Corregedor».
C ) Rerum Memorabilium, Livro 3.°, fl. 163, do Arq. Dist.
de Braga,
f50) Arq. Distr. de Braga, Livro 1.° dos Testamentos, n.°
58. Cit. in H. M. de Araújo Carvalho Matos, Estudo sobre a Só
de Braga, in Bracara Augusta. IX-X (1958-1959), p. 188.
47

veniente o nosso Durão Esteves, olim rectore ecclesie


de Cervães, (noutros tempos reitor da igreja de Cer-
vães) (51).
E se em 1320 a igreja de Santa Maria de Penou-
cos é apresentada como uma igreja independente (52),
em 1508, eia já não é mais do que uma igreja sem
cura e que se encontrava na situação de igreja per-
petuamente unida, anexada e incorporada na igreja
Paroquial de S. Romão da Ucha í53).
Mas não nos alargaremos aqui em mais conside-
rações, visto que algumas mais poderá o leitor en-
contrar no capítulo que trata dos diversos templos da
freguesia.

10. Cervães e o seu movimento demográfico. No


pue diz respeito ao movimento populacional da fre-
guesia, também são escassas, sobretudo para os tem-
pos antigos, as informações que nos chegaram. Mas
o melhor será procurarmos passar imediatamente a re-
ferir tudo quanto possuímos.
Das 18 quintãs nomeadas nas Inquirições de 1258
Pouco ou nada podemos concluir de certo, porquanto
nem sequer imaginamos quantas famílias poderia en-
tão haver em cada uma.
A informação referente à população do Couto

(M) António Domingues de Sousa Costa, Monumenta Por-


tugaliae Vaticana, II; Roma-Porto, 1968, p. 96-97.
í52) Fortunato de Almeida, Hist. da Igr. em Portugal, II,
Coimbra, 1910, p. 629.
(53) Arq. Distr. de Braga, Rerum Memorabilium, Livro 2.°,
fl. 247 v.°, e 248. A anexação de Santa Maria de Penoucos a
S. Romão da Ucha fora feita pelo Arcebispo D. Fernando da
Cuerra, em 10/6/1431. A razão era que Penoucos já então se
encontrava
n sem cura e sem fregueses. Missas só as aí havia
o dia do orago. (Cf. José Marques, Subsídios para o estudo da
Arquidiocese de Braga no século XV, in Bracara Augusta, XXX
(1976) p. 72).
48

de Vilar de Areias, relativa aos anos de 1506 e 1514,


nada nos permite igualmente concluir para o caso de
Cervães, uma vez que sabemos que tal contagem di-
zia respeito, não só a Penoucos, ou seja ao que se
chamava o Couto com este nome, mas também a Vilar
de Areias. Além disso o total de ambas as localidades
não ultrapasava os trinta e cinco fogos (").
E e o facto de sabermos que em 1527 havia nos
mesmos Coutos 26 fogos também de pouco nos apro-
veita para o fim que nos interessava ("j.
A primeira informação mais concreta que possuí-
mos acerca da população de Cervães, devemo-la ao
autor da Corografia Portuguesa, que a obtivera antes
de 1706. Essa noticia, porém, não nos satisfaz inteira-
mente por falta de clareza. Com efeito, diz o P. A.
Carvalho da Costa que Cervães «tem 150 vizinhos (fo-
gos), com Capitão à parte dos de Prado» (50),
Mas pela notícia seguinte podemos facilmente
inferir que era efectivamente parcelar a informação de
Carvalho da Costa. Esta notícia é a primeira que po-
deremos considerar absolutamente segura. Data de 21
de Abril de 1758 e devêmo-la ao P. João Pereira, que
era o Reitor de Cervães, naquela data. Diz-nos ele que
a freguesia contava então um total de 235 vizinhos ou
fogos e atingia as 798 pessoas de sacramento (")• Ur-
ge esclarecer que por pessoas de sacramento se en-
tendiam as pessoas em idade de comungar e que, segun-
do as Constituições Diocesanas, então em vigor, eram
as pessoas com idade de 14 anos para cima (58). Deve-

C54) Avelino de Jesus da Costa, O Bispo D. Pedro, II, P-


499, 55
s.
C36) Archivo Hist. Port., Ill (1905), p. 263.
( ) Cor. Port., I (2.* ed.), Braga. 1868, p. 222.
(") D/c. Geogr. de Portugal. X, p. 1899 (ANTT).
(") Constituições Sinodais de Braga, de 1639, Lisboa. 1697.
p. 70.
49

-se acrescentar ainda que no número de pessoas re-


ferido se encontram igualmente incluídos os ausentes,
como adverte ainda o nosso informador.
Pinho Leal no seu Portugal Antigo e Moderno, de
1874, dá a Cervães 240 fogos, sem referir o número
de habitantes. O Dicionário Geográfico e Universal, de
1878, organizado por Tito de Carvalho, refere, em con-
trapartida, uma população de 1.174 indivíduos, omitin-
do o número de fogos.
A Semana Religiosa Bracarense, periódico que
podemos reputar de bem informado, declara-nos que,
em 1882, Cervães contava 265 fogos e 1.109 pes-
soas ("), dados que Pinheiro Chagas utiliza aliás para
o Suplemento (XV vol.) do seu Dicionário Popular.
em 1886.
Em 1890, Cervães tinha 288 fogos, com um total
de 1.190 pessoas, sendo 522 varões e 668 fêmeas.
Em 1900, o número de fogos ascende a 301 e o
número de pessoas atinge as 1.290, segundo consta
das informações recolhidas por Francisco Cardoso de
Azevedo (80).
O Censo da População de 1911 deu a Cervães 299
fogos e 1.328 pessoas, sendo então o lugar de Leiroinha
0
mais populoso, com 22 fogos e 82 pessoas, logo
seguido pelo da Ermida, com 14 fogos e 68 pessoas.
A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira deu
a Cervães 351 fogos e 1-458 habitantes, mas não nos
diz em que ano isto aconteceu.
Os últimos recenseamentos dão-nos já outros nú-
meros. O de 1960 inoica-nos que em Cervães havia
430 fogos e 2.100 habitantes, número este que se vê
ligeiramente descido para 1.974, aquando do recensea-

(59 ) Vol VIII (1882), p. 248.


(eo) Novo Dicionário Corográiico de Portugal, (4.' ed.), Por-
to, 1906
4
50

mento do ano 1970 e isso talvez em resultado da emi-


gração. Mesmo assim, nesse ano, e cremos que igual-
mente neste momento, Cervães era a terceira fregue-
sia mais populosa do Concelho de Vila Verde, depois
das vilas de Prado e Vila Verde. O quarto lugar cabia a
Soutelo, com 1.667 pessoas.

11. Cervães e a emigração. É a emigração um fe-


nómeno desde há muito vivido pela população de Cer-
vães. Primeiramente, porque teve de acolher dezenas
de pessoas, senão de famílias, que aqui vieram buscar
refúgio, certamente à sombra das casas de Azevedo e
Gomariz, por serem pertenças de famílias conhecidas
da população refugiada. Viera toda essa gente das
zonas de Valença e de Monção ("'), quando aquelas
terras foram assoladas pelos horrores das guerras da
restauração e que passaram, no Minho, por duas fases
de intenso vigor. A primeira situa-se entre 1657 e
1659 ('i2) e a segunda constituiu uma longa campanha
que se estendeu pelo ano de 1662 e em que se nota-
bilizou como chefe militar o Conde de Prado, que foi
o grande D. Francisco de Sousa. Sabemos que em
12 de Outubro de 1659 os espanhóis ocuparam Monção
e que por isso muitas pessoas abandonaram a vila, con-
tando-se entre elas as freiras dos Conventos de S.
Francisco e de S. Bento (a!).

(«') Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, IV,


Lisboa, 1712 p. 45.
(sa) Conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado, (Ed.
de A. Dória), III, pp. 73-78; 169-184; 236-248.
C") Conde da Ericeira, id., IV, pp. 19-44. Sobre D. Francisco
de Sousa poder-se-á ver D. António Caetano do Amaral, Memó-
rias Hist. e Genealógicas dos Grandes de Portugal, Lisboa, 1755,
pp. 166-168.
(64) J. A. Ferreira, Fastos Episcopais da Igreja Primacial de
Braga, 111, 1932 p. 231 nota 1.
51

Em segundo lugar, Cervães também viu partir pa-


ra longes terras diversos filhos. Sabemos que isso se
verificara já no séc. XVIII, pelo menos, mas não pode-
mos imaginar em que proporção.
A emigração do presente século orientou-se, con-
soante as várias décadas, para diferentes países, de-
vendo sobressair de longe o surto emigratório com
destino às terras do Brasil. Como é natural o movi-
mento mais recente canalizou-se para a França, o Lu-
xemburgo e a Alemanha. Mas tanto o Canadá, como a
Venezuela, e os Estados Unidos da América do Norte
também atraíram muito os naturais desta freguesia,
sem se esquecer alguns países de África, designada-
mente Angola, donde alguns tiveram de regressar no
decorrer do ano de 1975.

12. Cervães e a promoção intelectual. Muitas são


infelizmente as freguesias do país onde o nível eco-
nómico é ainda tão baixo que a nenhuma pessoa fora
ainda concedido o luxo ou privilégio de atingir qualquer
espécie de grau universitário. Cervães ultrapassou, des-
de há muito, este círculo de vergonha e miséria.
Sem menosprezo para com as demais pessoas da
freguesia, às quais, por motivos de vária ordem, não
fora facultada essa possibilidade, registaremos aqui, e
isso para uma avaliação sociológica, no futuro, os no-
mes das pessoas com curso universitário, naturais da
freguesia ou simplesmente nela residentes.
Doutor José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, S.
J-, Reitor da Universidade Católica, a que nos refe-
riremos noutro local.
Dr. João Maria Macedo e Cunha, natural de Atiães
e médico em Cervães desde 1944, Tem sido um grande
apóstolo dos doentes, com a sua competência e de-
dicação. Não há praticamente ninguém na freguesia
que lhe não deva especiais finezas. Em relação a ele
52

há uma dívida que será necessário saldar. Que esta


seja, desde já, a primeira homenagem de gratidão!
D>'.° D. Noémia Azevedo França, advogada e espo-
sa do anterior.
Dr. Aurélio da Silva Macedo e Cunha, advogado
e antigo Presidente da Câmara Municipal de Vila Ver-
de. Conseguiu vários melhoramentos para a fregue-
sia, entre os quais nomearemos a estrada para Alhei-
ra, o calcetamento da estrada principal e a iluminação
pública para o Bom Despacho. Fez parte de diversas
comissões promotoras de obras no Santuário.
Dr. José do Egipto, advogado; Dr. Aurélio, mé-
dico; Eng." Carlos, todos filhos daquele advogado (Dr.
Aurélio); Eng." José da Fonseca Ferreira e António
Valeriano de Abreu Mota, seus genros.
Dr. Aristides da Silva Couto, advogado. Conse-
guiu uma estrada de ligação entre Cervães e Oliveira,
pelo lugar do Castelo.
Dr. Laurindo de Araújo Oliveira, professor liceal.
Dr. Aurélio de Araújo Oliveira, assistente da Fa-
culdade de Letras da Universidade do Porto.
Dr." Maria Amélia Macedo Gomes da Costa, pro-
fessora liceal e esposa do anterior.
Dr. António Augusto Gomes da Costa, médico e
casado com a Dr " Margarida Vieira Rato, médica psi-
quiatra.
Dr. Nuno Alcino de Castro e Silva Bacelar, pro-
fessor liceal.
Eng." Avelino de Macedo, filho do saudoso indus-
trial Amaro de Macedo. Continua, à semelhança de
seu pai, com a obra de garantir o pão a muitas deze-
nas de operários .
Eng." Casimiro Ferraz Ribeiro, professor liceal.
José de Castro Bacelar, professor de Música na
Universidade de Paris.
II

Cervães, manifeslações Ja sua Sé:


templos, alminkas e cruzeiros

7. Sinais da fé. Na medida em que a fé é um


acto ou uma virtude interior e pessoal, ela escapa à
observação dos homens. No entanto, e porque é vã a
fé sem obras, muitas obras há que, pelo seu alcance
o pelas suas implicações, são evidentes sintomas de fé
de determinadas gerações de crentes.
Aos olhos do historiador, de entre essas obras
sobressaem muitas de índole material, por haverem
resistido à voragem do tempo. Encontram-se nesse caso
a
lguns cemitérios, sepulturas, templos, cruzeiros, almi-
nhas, imagens, etc. Outras há de cariz mais espiritua-
'izante, tais como as Irmandades ou Confrarias, os
Legados, e muitos dos usos e costumes, que, por vezes,
a
custo conseguiram sobreviver, quer registados no
Papel ou pergaminho, quer transmitidos pela tradição
de geração em geração.
Pouco sabemos do que teria sido a vida do povo
crente de Cervães nas eras que precedem o nascimento
de Portugal. Mas também seria erro cuidarmos que
sabemos muito acerca do que ocorreu há cerca de um
século ou século e meio. Se não fossem as excepcio-
nais informações que, por acaso, ainda existem e que
conseguimos respigar no Livro de Cópia dos Testa-
mentos dos Defuntos da freguesia, que abrange um
54

período superior a cem anos, ignoraríamos, por exem-


plo, que, durante o séc. XIX, quase todos os habitantes
de Cervães iam a sepultar amortalhados. Os homens
com o hábito ou túnica de S. Francisco de Assis; as
mulheres, com o hábito de Santa Teresa ou de N. Se-
nhora do Carmo. Era ao mesmo tempo uso fazer-se
oficio de corpo presente com a presença de entre 5 e
30 padres, sendo o de 10 padres o mais comum, a
crer-se nas disposições testamentárias. É curioso regis-
tar ainda que entre outras exigências figuram as de
mandar celebrar determinado número de Missas, em
honra de N. Senhora do Bom Despacho, umas; de
N. Senhora do Rosário, da Boa Morte, das Dores, da
Agonia ou da Soledade, outras. Outras ainda, em honra
de Santo António, de Santa Bárbara ou de S. Pedro
e com indicação especificada quanto ao lugar onde
deviam ser celebradas: no Santuário do Bom Despacho,
em S. Pedro de Montório ou na igreja paroquial.
A crença dos antigos habitantes da região de Cer-
vães poder-se-á talvez vislumbrar na existência da
Mamoa de Cerredelo existente entre Oleiros e S. Gens
de Macarome e referenciada nas Inquirições do séc. XIII,
bem assim como naquilo a que o povo ainda hoje chama
Cova dos Mouros, onde provavelmente existira alguma
anta, cuja entrada se fazia pelo nascente e cuja situa-
ção se pode ver nas imediações do Poço Negro, loca-
lizado no monte da Cobrosa.

2. Para a história do culto cristão. Temos o pres-


sentimento de que no sítio alto que hoje dá pelo nome
de São Miguel existira outrora algum local ou edifício
dedicado aos cultos pagãos. Em substituição e para
cristianização desse local ter-se-ia edificado posterior-
mente, tal como aconteceu em tantos outros sítios
elevados, um local de culto cristão cujo titular fora o
Arcanjo S. Miguel. E se for de admitir a possibilidade,
55

segundo a tradição, de ter S. Martinho de Dume fun-


dado um Mosteiro seu, não muito distante deste local,
não se estranharia que ele tivesse também pensado em
cristianizar o local de culto que poderia ser o alto cha-
niado, agora, de São Miguel e, outrora, com nome
que ignoramos. S. Martinho pensava em gentes como
estas quando no seu livrinho De correctione rusticorum,
escreveu que os demónios vendo os homens em igno-
rância por desprezarem o seu Criador «lhes pediam que
tos altos montes e nos bosques frondosos lhes ofereces-
s
em sacrifícios e os honrassem como a Deus» (1).
De quando data a implantação da fé cristã por
estes sítios de Cervães, não temos provas.
A ter sido verdade a presença de S. Martinho de
Dume em tarefas de evangelização destas gentes, isso
ter-se-ja verificado entre 515 e 580, mas teremos de
continuar à espera da confirmação da veracidade de
semelhante tradição.

3. A Capela de S. Miguel. A documentação


referente às freguesias vizinhas de Cervães permite-
■nos concluir que a região já estava paroquialmente
crganizada muito antes da elaboração do Censual dito
de D. Pedro, de Braga (1084-1091) (-).
No que respeita a Cervães, pena foi que este Cen-
sual a tivesse omitido, fosse por que motivo fosse.
Seria talvez a única hipótese de se saber efectivamente
se o orago primitivo fora S, Miguel ou se o era ainda
nessa data.
Mas o facto de pensarmos que o padroeiro pri-

0) Da instrução dos rústicos, Tradução de António Cae-


tano do Amaral, revista e actualizada por F. J. Velozo, in Bra-
cara Augusta, XXIX (1975), p. 67.
(2) Avelino de Jesus da Costa, O Bispo D. Pedro e a Orga-
nização da Diocese de Braga, II, Coimbra, 1959, p. 160-167.
56

mitivo de Cervães fora S. Miguel não resulta de apenas


um pressentimento pessoal. Baseia-se igualmente numa
informação, que apesar de tardia, não deve ser de
maneira alguma desprezada. Encontra-se essa infor-
mação no Dicionário Geográfico de Portugal e foi
fornecida directamente de Cervães, em 1758, por quem
então tinha a documentação que, depois dessa data,
se perdeu. Dizia assim o P. João Pereira; «Tem mais
outra Capela do Arcanjo São Miguel, sita no mesmo
lugar, que em algum dia foi igreja matriz como consta
do Tombo desta freguesia» (3).
Não sabemos de quando seria esse Tombo. Tal-
vez dos primeiros anos do séc. XVI. Mas de qualquer
forma parece estar a fornecer referências de uma tradi-
ção antiga e que nos leva a crer que será anterior a 1220,
data em que se vê nomeado S. Salvador como padroeiro
da igreja de Cervães.
Deve-se igualmente registar que a Capela de S. Mi-
guel tinha ainda, em 1758, sua própria fábrica de que
se sustentava, sem se esquecer igualmente que então
também existia uma Irmandade ou Confraria de S. Mi-
guel, mas cuja sede se encontrava na igreja paro-
quial (4). Anote-se igualmente que em 12 de Abril
de 1801, o fabriqueiro das capelas de S. Miguel e de
S. Bento era o mesmo. É o que consta do Livro de
recibo e despeza do Fabriqueiro das Capelas de S. Mi-
guel e S. Bento, naquela data numerado e rubricado
pelo Juiz dos Resíduos, Doutor Gaspar do Couto Ribeiro
de Abreu.
Recorde-se que esta capela, se não é a mais antiga
de Cervães, será seguramente das mais antigas. Do seu
antigo nome já nada resta a não ser o lugar em que
se encontra. E isto pelo facto de em 1894 nela se haver

(43) Dicion. Geog. de Portugal, X (manusc.), p. 1895.


( ) lb., p. 1892,
57

entronizado a imagem de N. Senhora de Lurdes, a qual


viera suplantar a imagem do Arcanjo S. Miguel.
Mas acrescentemos ainda mais algumas informa-
ções a seu respeito.
A capela, que precedeu a actual, era (no dizer do
P- J. J. da Silva Bacelar, que aí foi diversas vezes em
romaria, no dia 8 de Maio, quando ainda criança) uma
capela muito pequena e velha, tendo um ladrilho de
seixos brancos (godos) para não apodrecer, além dum
slfar pobre, sobre o qual se via, posta num pelintro a
'rnagem de S. Miguel.
A actual capela data de 1854, ano da definição
dogmática da Imaculada Conceição. A sua construção
foi levada a efeito com esmolas e foi seu principal pro-
motor Manuel de S. Miguei (Loge), avô que foi de
António de S. Miguel. Segundo o testemunho do
P Bacelar atrás referido «esteve sem grande veneração
e
cuidado até 7894», data em que se viria a dar uma
reviravolta na história desta capela, que deixaria de ser
conhecida por capela de S. Miguel para passar a deno-
rninar-se de N. Senhora de Lurdes. Mas dêmos a pala-
vra ao cronista contemporâneo e participante nos fac-
fos. Em 1894, «em cumprimento dum voto a favor da
saúde de seu irmão Cónego Manuel Bacelar, seu irmão
A. José (5) com consentimento de grande justiça e
satisfação de todo o povo ali fez instalar as imagens de
N- Senhora de Lurdes e de Santa Bernardete que pes-
soalmente comprou em Lurdes e fez tocar na gruta da
aparição». E prossegue o nosso cronista, dizendo que.
Para a instalação dessas imagens, mandou tirar uma
tribuna que na dita capela havia e que nunca teria sido
utilizada para nada. Em vez dela fora feita a gruta ao
catural, cuja execução se deve à habilidade do artista

' C) P. J. J. da Silva Bacelar, Apontamentos para a história


da igreja de Cervães, 1927 (manuscrito), fl, 21 v.°.
58

bracarense José Dias Ferreira, discípulo do Mestre pin-


tor Firmino, também de Braga. Gostava de dizer o
P. Bacelar que era a gruta mais ao natural que tinha
visto e isso naturalmente até com o orgulho de ter
podido contribuir para a sua execução, não apenas com
as suas indicações, mas ainda com o seu trabalho.
Sabemos também que as imagens foram levadas
em procissão desde a Capela da Custariça até S. Mi-
guel, o que ocorreu no dia 1 de Abril, domingo de Pas-
coela, desse ano de 1894. Depois dessa procissão, refere
o cronista, houve grande festa na igreja e à tarde pro-
cissão de gala. Daí em diante, passou-se a fazer durante
longos anos a festividade da Senhora de Lurdes.
A capela, que naquela data não estava ainda total-
mente acabada, foi terminada e pintada. Em 1900 foi
dotada de sacristia, bem assim como de novas imagens
de S. Miguel e do Anjo da Guarda. Foram estas ima-
gens compradas na Casa Rafael, em Paris, pelo mesmo
devoto e pela sua irmã Joaquina. Foi nessa altura que
a antiga imagem de S. Miguel, por menos devota, pas-
sou no seu respectivo pelintro renascença para a sacris-
tia, a fim de dar lugar à nova imagem do seu nome.
As sanefas e o andor desta capela foram obra da
autoria do escultor António Ferreira, de Sequeiros, que
também trabalhara para a igreja paroquial.
Sobre a antiguidade da devoção a S. Miguel, antigo
titular desta Capela, acrescente-se ainda que o P. J. J.
da Silva Bacelar em apontamentos que sobre ela dei-
xou, diz que vem de longa data, ignorando-se a parti-
cular razão que para isso haveria. Estes apontamentos
estão datados de 2 de Julho de 1911 e neles se diz
igualmente a respeito do mesmo Arcanjo: Além desta
capela em sua honra, na igreja, no lado esquerdo do
altar-mor, há outra sua imagem em substituição duma
sua antiga e imperfeita que lá houve e cujos restos
se encontram detrás da tribuna». E depois de acres-
59

centar que o povo guardava o dia 8 de Maio em sua


honra, regista uma tradição, que, pelos vistos, ainda
se não tinha totalmente sumido no esquecimento,
segundo a qual S. Miguel fora, em tempos, padroeiro
da freguesia.
Embora afirme nada ter encontrado que o ates-
tasse, achamos servir o seu testemunho para firmar
mais quanto sobre o assunto já acima dissemos, ficando
desde agora até mais convencidos acerca da maior pro-
babilidade das nossas afirmações.

4. O Mosteiro. A Igreja Paroquial. De que em


Cervães existira algum dia algum mosteiro, não duvi-
damos. Quem fundara tal mosteiro, desde quando e
a
té quando existira, isso é que o não sabemos, como
também não sabemos as etapas por que passou ao
'0ngo da sua existência.
Vários são os elementos convergentes que nos
Permitem aceitar como um facto, a existência dum
Mosteiro na freguesia de Cervães. Examinêmo-los:
Embora nos não forneça qualquer data, a topo-
nímia chama-nos logo a atenção para a posição do pro-
blema. Sabemos que o povo, chamando as coisas pelo
seu nome, não iria designar um sítio com o nome de
mosteiro, sem lá existir ou ter existido mosteiro nenhum.
E embora na linguagem minhota o termo mosteiro possa
designar também uma igreja grande ou um santuário,
tão é de se aceitar que no presente caso se possa tra-
tar apenas da existência duma igreja que não tivesse
realmente anexa uma casa de tipo conventual.
Efectivamente a documentação histórica parece
confirmar os dados da Toponímia.
Além de sabermos que em 1220 o padroeiro de
Cervães era S. Salvador (um dos oragos principais
de igrejas monacais ou de igrejas ligadas a mosteiros),
sabemos igualmente que se tratava duma paróquia com
60

uma igreja rica (possuía terras de cereais e dezoito


casais) como se pode aliás ver confirmado em 1320
(17 de Novembro), aquando da taxação a que foi sujei-
ta, por ordens del-Rei D. Dinis, a fim de se recolher
dinheiros em todo o Reino para a continuação da guerra
contra os Mouros. E o que é curioso é que do estudo
comparativo e analítico desses números, aparente-
mente frios e mudos, ressalta um facto indiscutível.
As igrejas mais importantes e ricas pagavam mais,
como era óbvio. Mais ainda. Essas igrejas ou eram
igrejas de antigos ou actuais mosteiros, ou de cole-
giadas.
Pela importância com que foi onerada, a igreja
de S. Salvador de Cervães, então fazendo parte do
Arcediagado do Neiva, ocupava não só o primeiro lugar
em todas as trinta e cinco do dito Arcediagado, mas
ocupava ainda um lugar importante entre as noventa
igrejas mais ricas da Arquidiocese de Braga. Pagaria
300 libras ao Rei e anualmente pagava à Sé 30 libras.
Apenas umas setenta igrejas pagavam importân-
cia superior a essa. E como Cervães, pagavam mais
umas vinte e uma igrejas, o que significa que Cervães
tinha bens que se distinguiam ao lado dos das mil e
duzentas e tantas igrejas paroquiais então existentes
na Diocese de Braga (fl).
A título de curiosidade registe-se que, à excepção
da igreja do Mosteiro de Valdreu, taxada em 430 libras,
e da de S. João de Coucieiro (onde também houve
Mosteiro), igualmente taxada em 300 libras, mais
nenhuma das 58 igrejas das freguesias do actual con-
celho de Vila Verde pagou tanto como Cervães.
Para vermos o que sobre a igreja paroquial de Cer-
vães se pensava em 1758, passemos a transcrever o que

(") Fortunato de Almeida, Hist. da Igr. em Portugal, II,


Coimbra, 1910, p. 629; cf. p. 623, ss.
61

aos 21 de Abril desse ano escreveu o P. João Pereira;


«A igreja desta paróquia está no meio da freguesia no
lugar ou aldeia, que é termo da Vila de Prado, que se
chama Mosteiro. íÉl Seu orago o Salvador de Cervães;
tem três altares; o maior, que íél o do Salvador, no
qual está colocado o Santíssimo Sacramento; o colate-
r
al da parte do Evangelho (lado esquerdo de quem olha
Para o Sacrário) é de N. Senhora do Rosário, é pri-
vilegiado aos Sábados, geral de sete anos; o outro cola-
teral da parte da Epístola é do Santíssimo nome de
Deus. Nesta igreja tem duas Irmandades: uma do Sub-
s
jno e outra do Arcanjo São Miguel. Não tem naves,
h antiquíssima. Foi Mosteiro dos Templários. É sagrada
conforme os sinais que nela se acham. Tem um letreiro
cobre a porta travessa da parte do sul com as letras
seguintes: um G.; por baixo dele um E; um M com dois
CC7H4444. Dom V.B.B. Velasco Vehegas me fecit.» (7).
Como se vê, também a tradição recolhida nesta
data nos dá como antiquíssima a igreja de Cervães.
Uma coisa muito importante que o presente texto nos
'"avela é que a igreja sofreu algumas alterações depois
dessa data, nomeadamente a que diz respeito à pedra
da inscrição acima, e que hoje se pode ver na fachada
Principal, do lado poente e junto à porta principal do
templo.
Não sabemos se já estará de todo resolvido o pro-
b|
ema da leitura da referida inscrição, a qual, segundo

í7) O/c. Geog. de Portugal, X, p. 1892. O P. J. J. da Silva


bacelar afirma acerca da igreja o seguinte: «Repito porém
dÇe tudo leva a crer que era dos Templários, encontrando-se
ai
nda a comprová-lo um escudo com as cinco chamas na parede
"s residência paroquial, que 0era o seu escudo [deles templá-
nos) «[Apontamentos, fl. 6 v. ). Efectivamente são até dois os
"^os escudos: um fica do lado norte, em frente da porta lateral
sul
a da igreja e o outro fica do lado poente, junto ao pátio de
c
cesso à residência paroquial velha. Mas tratar-se-á de cinco
hamas ou de cinco chagas?
62

leituras mais recentes, reza assim: «E MCCxxjjjj DONUS


B. VOLASCO VENEGAS REFECIT», e que quer dizer;
«Na era de 1224, ou seja no ano de Cristo de 1186,
Dom B. Volasco Veegas (a) reconstruiu» (8).
É curioso sublinhar que embora o P. João Pereira
afirme que a Igreja de Cervães foi Mosteiro dos Tem-
plários, e depois dele, todos os que se serviram das
informações recolhidas no seu manuscrito, também é
certo que o autor da Corografia Portuguesa, que publi-
cou a sua notícia em 1706, não faz qualquer alusão aos
Templários e limita-se a dizer que «o Salvador de Cer-
vães foi Mosteiro antigo da Ordem de S. Bento, e fun-
dação do tempo de S. Martinho de Dume». (9).
A tradição que corria nos ambientes beneditinos na
primeira metade do séc. XVII também não deve ser
esquecida. Apesar das reservas com que se deve con-
sultar a obra de Frei Leão de S. Tomás, este autor
recolheu na sua Benedictina Lusitana aquilo que cons-
tava adentro da sua Ordem e ao tratar «de alguns outros
Mosteiros de S. Bento que estão convertidos em igrejas
seculares», diz que fará menção daqueles «que a mudan-
ça dos tempos converteu em igrejas paroquiais e de
que há menos noticia que doutros» e os referirá «para
que sequer os nomes deles saibamos e não se perca de
todo a memória do que os nossos antigos mereceram
e alcançaram»; refere, entre outros, o Mosteiro de Cer-
vães «posto uma légua e meia da mesma cidade de
Braga para a parte do oeste» (10).
Um historiador moderno dá como pertencendo à
lista dos mosteiros fundados até ao século XII, o mos-

(8) História, Arte e Paisagens do Distrito de Braga — I —


O Concelho de Vita Verde, Braga, 1963, p. 46.
í9) A. Carvalho da Costa. Corografia Portuguesa, I (2."
ed.), Braga, 1868, p. 222. .
(10) Fr. leão de S. Tomás, Benedictina Lusitana, II, Coim-
bra, 1651, p. 406.
63

teiro de Cervães C1). Mas porque não encontrou


documentos comprobativos nem sequer tentou deter-
minar se se tratara dum Mosteiro dos Beneditinos ou
dos Templários ou dos discípulos de S. Martinho de
Dume.
Dado que são diferentes as opiniões dos autores
s
obre a questão da atribuição do Mosteiro de Cervães,
ssra acima de tudo conveniente não se esquecer que
ar
ites do ano de 1050 não era ainda observada em
r|
enhum mosteiro do território de Portugal a Regra de
Bento C1-) e que a Ordem Militar do Templo fora
fundada em 1119 e suprimida em 1311. Segundo as
I ^formações que colhemos nas Inquirições de 1220, os
' emplários tinham em Cervães apenas a terça parte de
Ur
n casal; os Hospitalários possuíam alguns campos e
( uma vinha; a Sé de Braga possuía oito casais e a igreja
Paroquial tinha nada mais nada menos do que treze
casais.
Deixando de parte a questão de saber se o Mos-
teiro de Cervães foi antiquíssimo ou não, o que nos
'nteressa é sublinhar que ele existiu de facto e isso
ar
>tes de 1220.
Mais. A igreja desse mosteiro já em 1220 estaria a
funcionar como igreja matriz da freguesia de Cervães,
a
qual deveria ter imposto o seu padroeiro. As proprie-
uades que haviam sido doadas ao mosteiro e à sua
'Qreja teriam ficado ligadas desde então à paróquia ou
furiam sido repartidas entre esta e a Sé de Braga.
Sabemos ainda que muito cedo (antes de 1369-
^380), a igreja de Cervães, da Terra do Prado apare-
C|
a incluída na lista das igrejas pertencentes ao Couto

■.ls í11) Miguel de Oliveira, As paróquias rurais portuguesas,


boa, 1950, p. 204-205.
,
l3
C12) lb., p. 183. Idem, História Eclesiástica de Portugal,
-' ed.), Lisboa. 1958, p. 141.
64

de Braga e como pagando doze moios de telha, sendo


de duzentas telhas cada moio (13). Esta taxa constante
do Censual dito do Couto, aparece igualmente referida
no Censual do Cabido de entre 1369-1380, onde se
acrescenta, todavia, que a telha era dada por alturas
de Santa Maria de Agosto (15 de Agosto) ou pagava,
em vez da telha, sete maravedis (")• Entretanto hou-
vera alteração na distribuição de determinadas igrejas
pelo Cabido e segundo o que se vê no Censual de
D. Jorge da Costa (de entre 1489-1493), a igreja de
Cervães aparece já como fazendo parte da Terra do
Mestrescolado e pagando 30 libras ou meio marco de
prata (l15).

5. A comenda da Ordem de Cristo. Por se tra-


tar de uma das igrejas mais ricas da Arquidiocese de
Braga, não é de estranhar que a igreja paroquial de Cer-
vães tenha sido também cobiçada por todos quantos
gostavam de ver acumulados os seus benefícios. Não
admira pois que ela nos surja no século XVI como
fazendo parte das Comendas criadas em 1514 por
el-Rei D. Manuel I e que ficaram conhecidas sob a
designação de Comendas novas da Ordem de Cristo.
Destinavam-se estas comendas a todos os que durante
dois anos fossem servir em África, à sua custa, na
guerra contra os Mouros (1G).
O primeiro comendador da Igreja de Cervães parece
ter sido o fidalgo do Solar de Azevedo (Lama), Martim
Lopes de Azevedo, a qual lhe foi dada pelo próprio Rei
D. Manuel I, no ano de 1524 ou 1525, tendo estado de

(is) Avelino de Jesus da Costa, O Bispo D. Pedro..., II,


Coimbra, 1959, p. 275.
f") lb., p. 314.
(") lb., p. 334.
(1°) Dicion. da Hist. de Portugal, dirigido por Joel Serrão, I
(Lisboa, 1971), p. 620, Comendas.
65

posse dela até ao mês de Setembro de 1541, data do


seu falecimento (17).
O segundo comendador de Cervães e das igrejas
que com aquela andavam anexas e que eram S. Miguel
de Gualtar e S. Julião da Laje, foi o sobrinho
do próprio Rei D. João III, D. Nuno Álvares, o qual, para
esse efeito, havia partido para as Áfricas a fazer a
guerra contra os mouros e em que se saíra com muito
aprumo. Esta concessão fora-lhe feita pelo Rei, logo a
seguir ao falecimento do comendador de Azevedo.
Através duma carta de D. João III ao seu embaixa-
dor junto do Papa Paulo III, que desde 1540 era D. Cris-
tóvão de Sousa Domingues (18), ficámos a saber da
existência duma questão surgida entre o novo comen-
dador D. Nuno Álvares e a Ordem de Cristo, por um
lado, e Diogo Garcia Caldeirão, titular da igreja de
S. Miguel de Gualtar, pelo outro. E ficámos igualmente
a saber que quando a igreja de Cervães foi tomada para

(17) Foi este Martim Lopes de Azevedo o 17." Senhor


e Morgado do Solar dos Azevedos, na Lama (Barcelos). Foi, além
de comendador em Cervães, na Ordem de Cristo, provedor dos
Resíduos na Província do Minho. A ele pertencia fazer a apre-
sentação da igreja de Santa Maria de Galegos (Barcelos). Casara
com D. Leonor da Silva, filha do Alcaide de Barcelos, Alvaro
Pinheiro. Tiveram sete filhos: Pedro Lopes de Azevedo, herdeiro
due foi da Quinta e pai do que protegeu o Ermitão João da
Cruz, na obra do Bom Despacho, ou seja de Martim Lopes de
Azevedo, que teve o mesmo nome de seu avô. Miguel de Aze-
vedo, outro dos filhos do 17.° Morgado de Azevedo, foi Abade
de Galegos. Seu irmão Jerónimo de Azevedo havia professado
ca Ordem de S. Bento e fora Abade do Mosteiro de Carvoeiro,
como consta em 1611 [Benedictina Lusitana, II, p. 112); Henrique
de Azevedo foi Cónego de S. João Evangelista (dos Loios, de
Vilar de Frades), além de algumas religiosas. (Cfr. D. António
Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Rea! Portu-
guesa.18XII, 2." parte, Lisboa, 1748, p. LV).
( ) Corpo Diplomático Português, IV, Lisboa, 1870,
P- 305, ss.
5
66

a Comenda dos Cavaleiros da Ordem de Cristo, junta-


mente com as duas outras suas anexas, ela estava em
posse do Arcediago do Couto, que o mesmo é dizer do
Arcediago de Braga, ao tempo, Diogo Gomes de Abreu.
Por morte deste Arcediago, cuja data não conse-
guimos apurar, o seu sucessor pôs questão contra o
Mestrado da Ordem de Cristo, argumentando que a
igreja de Cervães e as suas anexas de S. Miguel de
Gualtar e de S. Julião da Laje estavam anexas para
sempre ao dito Arcediagado. A sentença porém foi favo-
rável ao Mestrado, que, logo em seguida, delas pudera
dispor e atribuir a Martim Lopes de Azevedo, no ano de
1524 ou 1525, como já atrás se referiu.
Note-se contudo que a Igreja de Cervães, que era
a cabeça das três, jamais tivera qualquer motivo de
contestação. Nem tampouco a da Laje. Mas já assim
não aconteceu com a igreja de Gualtar, visto que Diogo
Garcia Caldeirão não abdicava do seu lugar, que havia
recebido de D. Frei Diogo da Silva, pouco tempo antes
do falecimento de Martim Lopes de Azevedo e sem
este ter chegado a tomar posse dela.
Por isso, o pedido do Rei ao seu embaixador orien-
ta-se no sentido de que o papa não queira passar sobre
a Comenda de Cervães e suas anexas qualquer Breve,
Bula ou Provisão, porquanto é pertença do Mestrado
e o seu provimento é feito pelo Arcebispo (10).
Ainda na Torre do Tombo existe um documento
em que consta que aos 12 de Junho de 1526 foi firmado
um entendimento feito, em Azevedo, sobre a anexação
da igreja de Cervães ao Arcediagado de Braga p0).
Ignoramos durante quanto tempo esteve a igreja
de Cervães ligada ao regime de comenda da Ordem de
Cristo e quando dele se viu livre. Em 1706 era já uma

P") ANTT, Gaveta 19, Maço 3, n.0 28.


(-0) ANTT, Gaveta 19, Maço 7, n.° 7.
67

simples Abadia do Arcebispo de Braga, diz-nos o P. An-


tónio Carvalho da Costa, o qual acrescenta que ren-
dia então 250 mil reis, dos quais cem mil reis se desti-
navam ao Reitor apresentado pelos Arcebispos (al).
Em 1758 continuava o Reitor a ser apresentado
pelo Ordinário e mediante sujeição a concurso ou opo-
sição. O seu ordenado era então de quinze mil reis,
rnais duas rasas de trigo e dois almudes de vinho,
podendo render no total, como média, cerca de 70$000
reis. Nesta data recebia os frutos da igreja de Cervães
o Abade sem cura António de Figueiredo Machado,
residente na vila de Alenquer, e esses frutos rendiam-
-Ihe para cima de 500$000 reis (-2).
Resta acrescentar que Paulo Dias de Niza, no seu
Portugal Sacro-Profano nos informa que por esta época
tinha a freguesia os seus 235 fogos e confirma a notí-
cia do provimento do Reitor mediante concurso sino-
dal, bem assim como o seu rendimento de 70$000 reis
de ordenado Em relação a estas notícias, nada
acrescentam Pinho Leal ou José Augusto Vieira, não
obstante escreverem um século depois.

6. A Igreja que até nós chegou. Encontramo-nos


felizmente bem documentados para poder referir o que
fora a vida da paróquia e da igreja de Cervães dos tem-
pos modernos. E isso devêmo-lo ao valioso contributo
do P. J. J. da Silva Bacelar, natural da freguesia e fale-
cido a 17-2-1937, o qual em 1927 escreveu, contando
já 81 anos de idade, um precioso livrinho intitulado
Apontamentos para a história da Igreja de Cervães e
Pue até hoje permaneceu manuscrito. Era este livrinho,
de apenas 24 folhas de reduzido formato, oferecido ao

21
f22 ) Corografia Portuguesa, I, Braga (2." ed.), p. 222.
( ) D/c. Geogr. de Portugal. X, p. 1892 (do ANTT).
(asj Portugal Sacro-Profano, I, Lisboa, 1767, p. 162.
68

pároco de então, P. António Maria de Araújo Santana,


para ele corrigir e completar, como acrescentava o
autor. O certo é que aquele pároco nada corrigiu nem
acrescentou, visto nada aí existir que ofendesse a
verdade.
E posto isto, aproveitaremos em seguida com todo
o carinho as informações do venerando velhinho, que
muitos ainda hoje em Cervães recordam com saudade.
A actual igreja de Cervães não é o edifício antigo,
edificado ou reedificado no séc. XIII, mas será feita
com pedra daquele, observa com razão o P. J. Bacelar,
que acrescenta, a dada altura: «a mesma inscrição refe-
rida, colocada a um lado da porta principal sem con-
tornos nem lavores que a destaquem, denota que foi
ali colocada, simplesmente, para não desprezar uma
pedra que se tinha e podia utilizar-se» (24). Podemos
relembrar aqui o que já atrás registamos. Esta inscrição
encontrava-se em 1758, por cima da porta travessa do
lado sul, donde fora transferida para o novo lugar
durante o séc. XVIII, por ocasião de obras de recons-
trução da igreja, que poderão ter sido profundas. É
provável que datem mesmo dessa época todas as aber-
rações resultantes da colocação indevida de pedras
aqui e além por entre as paredes e que tanto chocaram
a sensibilidade do nosso autor que, a propósito, escreve:
Muitas outras pedras se encontram encaixadas nas suas
paredes e da sua torre com lavores impróprios do lugar
e que para ali não foram feitas; como no pavimento-
pedras e inscrições que não foram para ali feitas, mas
vindas de outra parte; mesmo inscrições sepulcrais em
lugares impróprios» (-5).

{2I) P. José [Joaquim da Silva] Bacelar, Apontamentos


para a História da Igreja de Cervães, 1927, manuscrito do Arquivo
Paroquial, fl. 5.
(25) Ib.
69

Qual o rumo que levaram as pedras com inscrições


sepulcrais ou outras, não o sabemos e o nosso cronista
também o não revela, ao falar da reforma do pavimento,
que à roda de 1860, teve lugar. Nessa altura as sepul-
turas, que ainda então eram na igreja, ficaram a dispor
de encaixilhamentos de pedra para poderem receber
as tampas de madeira, também denominadas taburnos,
e isso até ao momento em que tais encaixilhamentos
foram retirados e substituídos por soalho à fiada. Veri-
ficou-se isso logo que os enterramentos se passaram
a fazer no Cemitério Paroquial. E se podemos acreditar
na data referida no seu portão, ele remonta a 1908.
No dizer do P. J. J. da Silva Bacelar ainda, «a porta
principal fda igreja!, a pia baptismal e o lavatório da
sacristia acusam estilo Luis XV, e portanto, sé-
culo XVIII» (26), o que mais reforça ainda a nossa obser-
vação acima feita de que à segunda metade desse
século remontam profundas transformações ou acres-
centos na igreja paroquial de Cervães.
Não obstante tratar-se duma igreja rica em bens
materiais e que, por conseguinte, se prestavam a fomen-
tar a cupidez dos Clérigos e dos Abades leigos (Comen-
)dadores), a igreja de Cervães terá sido um edifício mal
apetrechado e mal assistido no que dizia respeito à
r
azão de ser da sua própria existência: servir para a
celebração do culto divino.
Mas vejamos o que nos refere o já citado P. J. Ba-
celar: «Desde a sua fundação até meados do século
Passado, pode dizer-se que ninguém dela figreja! cui-
dou. mais que para receber os seus pingues rendimen-
tos. Primitivamente Abades leigos, com um padre aqui,
de titulo Reitor, a fazer as suas vezes de pároco, e tal-
vez de rendeiro mais do que de pároco; depois de 1834,
Ur
n Reitor a residir em Braga — P. Francisco Uosé dei

í26) lb., fl. 5 v.0.


70

Carvalho, com um irmão (minorista, sem uso de ordens)


aqui a residir e a receber os rendimentos, com um cura
da freguesia ("7), quase de graça, a administrar os
sacramentos, dizer missa e alguma vez ler por um livro
uma prática, eis a sorte a que estava reduzida a fre-
guesia» (28).
Poderia parecer exagerado o teor desta informação
a quem não esteja a par do que foram as misérias de
certos eclesiásticos em tempos idos, que nem sequer
poupavam as vítimas que eram os curas pobres e humil-
des, aos quais ostensivamente exploravam e prepoten-
temente amordaçavam. Mas para melhor penetrarmos
no estado de espírito desses verdadeiros ditadores, vol-
temos a dar a palavra ao autor de Cervães.
«.Ouvi dizer, é ele quem escreve, que quando o Rei-
tor Carvalho entendeu fazer sua entrada na fregue-
sia C"9), alguns paroquianos o esperaram armados em
Cruto e o fizeram retirar a Braga; ele porém requisitou
uma força militar que fez, por castigo, aboletar na fre-
guesia até que lhe deixaram a entrada livre» (:i0). E é
curiosa a apreciação que do facto fez o P. J. J. Bacelar.
Diz ele: «Sem lhes louvar a acção, acho que tinham
razão de o não quererem pelos poucos serviços que
dele tinham que esperar» (3il). Com vontade ou sem
ela, o certo é que o povo de Cervães teve que aguentar
este Reitor nada mais, nada menos que uns 28, se não
até uns 31 anos, conforme se depreende de documen-
tos que pudemos consultar no Arquivo Paroquial.
«O primeiro pároco que teve, que dela [igreja I
cuidou a sério, foi o Rev. P. António Joaquim Fernandes

(228D O P. Manuel de Oliveira.


(20) Apontam, para a Hist. da Igreja de Cervães, fl. 6 v,°. 7.
f } Em 1840 já aparece efectivamente a assinar documen-
tos em30 Cervães.
( ) Apontamentos..., fl. 7.
(") lb., fl. 7 v.0.
71

de Barros. Antes dele, igreja e residência estavam como


nasceram, ou pouco mais, a não ser o indispensá-
vel» (32). São ainda palavras do mesmo ilustre sacer-
dote de Cervães, que de perto conheceu o homena-
geado. Efectivamente, o Abade Fernandes de Barros
estava já de posse da freguesia aos 12 de Março de
1871 e nela permaneceria uns trinta e sete anos. Fale-
ceu a 25 de Outubro de 1907, tendo deixado Testa-
mento e como sua testamenteira a sua sobrinha Custó-
dia Maria Soares da Costa (33).

7. A igreja nos tempos do Abade Carvalho.


Entre os melhoramentos efectuados na igreja antes
de 1871, são de registar a colocação dum cofre-forte de
Pedra e ferro, dum sanefão no arco-cruzeiro, além da
reforma do pavimento e do tecto do corpo da igreja.
O cofre-forte era destinado a guardar as pratas da
igreja e que deviam ser pertença das quatro confrarias
ou irmandades que nela existiam, a saber: a do Santís-
simo, a do Rosário, a das Almas e a de S. Miguel. A
decisão de construir este cofre surgiu somente depois
de ter sido roubada a custódia, a qual foi aliás mais
tarde encontrada esmagada no fundo dum poço, cujo
dono foi obrigado, por sobre ele recaírem todas as
suspeitas, a mandar fazer, com a prata da antiga, a que
actualmente existe. É esta custódia de excelente tra-
balho e conserva como lembrança da antiga, as tábuas
da lei em prata dourada (34).

C382) Ib.
F
í ) Livro de Cópia dos Testamentos dos Defuntos da
reguesia de Cervães, fl. 124 v.°. e 125; Relatório do Apos-
tolado 34da Oração, XXXVI (1907), p. 9.
( ) Uma vez que a partir de agora todas as informa-
ções são recolhidas directamente dos Apontamentos..., do
P- José Bacelar, decidimos não referir a paginação, por uma
questão de espaço.
72

O sanefão do arco-cruzeiro, embora de péssima


talha e destoando completamente do resto da igreja
deve-se à iniciativa duns senhores Loges que para o
obter fizeram uma subscrição. Apesar de arranjos ou
melhoramentos que recebeu, nunca ficou bem.
Em relação à reforma do tecto do corpo da igreja,
melhor teria sido que nele não tivessem mexido!

8. Nos tempos do Abade Barros. As verdadeiras


grandes reformas iniciaram-se, diz o P. J. Bacelar, com
a Associação do Coração de Jesus e a ela se devem.
Mas tudo isto ocorreu já em tempos em que era pároco
o Abade Fernandes de Barros.
As primeiras obras feitas no seu tempo foram, ao
que parece, o aumento ou ampliação da Sacristia, que
chegou só até ao lavatório e para o que foi preciso des-
fazer um morro de pedra onde estava o cofre. 0 guar-
da-vento ou anteparo, também parece ser da mesma
altura.
Em 1876 existia já na igreja a imagem do S. Cora-
ção de Maria, a qual havia sido feita em Viana. Em
ordem à erecção da Associação do Coração de Jesus,
encomendou-se, também em Viana, a imagem do
S. C. de Jesus. A imagem do C. de Maria estava num
oratório pendente junto à porta travessa, mas ficava
mal e para o C. de Jesus fazia falta um altar. 0 lugar
julgado mais conveniente para aquelas novas imagens
era o altar do Senhor dos Passos e da Senhora da Sole-
dade, que era de pouco merecimento. Resolveu-se por
isso remover aquelas piedosas imagens para o lugar em
que ficaram acomodadas e erguer um novo altar para
os CC. de Jesus e de Maria.
Foi este altar construído pelo escultor António
Ferreira, de Sequeira, que mais tarde fez as sanefas
do Corpo da igreja, o florão e remate no tecto da tri-
buna ainda inexistente. Fez igualmente a tampa da pia
73

baptismal, o corrimão do púlpito e o púlpito. A antiga


balaustrada do púlpito passou-a para resguardar o bap-
tistério, onde nada havia. Como passou igualmente a
mesa do antigo altar que era do Senhor dos Passos para
a sacristia, acomodando-a debaixo duma portada que
para aí fora cedida pela Casa da Custariça.
Depois da obra do entalhador ou escultor, passou-
-se à obra do pintor, tendo vindo de Braga para a efec-
tuar o Mestre Firmino. Pintou e dourou o novo altar
e restaurou a pintura do altar das Almas e de S. Ger-
mano, que viria a ser adaptado para receber o Senhor
dos Passos. A imagem de S. Germano era uma pintura
sm madeira, que, não se sabe porquê, inutilizaram. 0
mesmo pintor restaurou ainda a pintura do arco-cru-
zeiro (sanefão).
Mais tarde e já neste século, refere igualmente o
P- J. J. Bacelar, um discípulo daquele Mestre, o bon-
doso José Dias Ferreira pintou e dourou de novo o
altar-mor, o púlpito e as sanefas das frestas do Corpo
da igreja.
0 pavimento da igreja era todo primitivamente em
Pampas de madeira, que depois receberam encaixilha-
mentos de pedra, até ser esta novamente levantada
Para se colocar um primeiro soalhamento à fiada. 0
P- Bacelar esclarece que em 1927 já se estava no
segundo soalhamento e que a madeira para ele havia
sido dada pelas Casas da Custariça, Talho, Couras e
Portes, do Barral.
0 pavimento da Capela-mor, todo de grandes
Pedras em desalinho e desencontradas, foi refeito em
^adrês pelo Mestre pedreiro da freguesia Manuel
Pereira.
Os degraus do altar-mor corriam todos de fora
a
fora e pelo mesmo artista, e muito mais tarde, foram
modificados para terem os parapeitos e varandins que
se vêem, para maior elegância e comodidade dos padres.
74

Do cofre da Associação do C. de Jesus saiu a principal


parte da despesa.
As paredes da igreja estavam todas a cal e mal
veneradas. Por isso foram mandadas escareolar, fazen-
do-se essa operação, primeiro, à capela-mor e, em
seguida, ao corpo da igreja. Foram também restaurados
e pintados os tectos, colocando-se um Coração de Jesus
ao centro e cercaduras ao lado no corpo da igreja,
pinturas que foram custeadas pelo associado do C. de
Jesus José Joaquim da Silva Bacelar (Padre) e com
o apoio do Abade Fernandes de Barros, o qual normal-
mente entrava com a esmola de uma libra (35).
Até nas disposições do seu Testamento foi gene-
roso este venerando Abade de Cervães. Registemos
aqui algumas a título de ilustração. Para a Junta da
Paróquia, a que presidiu, na sua qualidade de pároco,
deixou em dinheiro 200$000 destinados à compra de
inscrições do Governo, sendo o seu rendimento para
as Missas de manhã dos dias santos e quintos domin-
gos, pelas almas do Purgatório. Ao Rev. José Joaquim
da Silva Bacelar deixou 40$000 para as obras da igreja,
a executar em combinação com o pároco. Para as Con-
frarias do SS. Sacramento e da Senhora do Rosário
deixou 100$000, a cada uma, para fundos. À Associa-
ção da Propagação da Fé, 100$000; a N. Senhora do
Bom Despacho, para obras, 30$000; ao Seminário de
S. António e S. Luís Gonzaga, 40$000; ao Hospital
de S. Marcos, da cidade de Braga, 40$000 í™).
O donativo destinado a obras na igreja adminis-
trou-o o P. J. Bacelar e sendo já pároco o P. Araújo
Santana, na obra de colocação de azulejos na base das
paredes, tanto do corpo da igreja como da capela-mor.
Foi o seu assentamento feito em cal hidráulica e

t35 ) Apontamentos..., fi. 12.


f36) Livro de Cópia dos Testamentos, fl. 125.
75

cimento, pelo artista António Azevedo. Na mesma


ocasião foi a igreja novamente coberta, desta vez com
telha do sistema dito de Marselha ou francesa.
Depois de escareolados os interiores das paredes
e reformados os tectos, quanto a pinturas foi tomada
a acertada decisão de não permitir a entrada de arma-
dores na igreja por via dos estragos que sempre lhe
causavam.
Em 1880, o P. José Bacelar, mediante subscrição
feita entre o clero da freguesia, conseguiu obter o cor-
tinado de damasco da capela-mor, que se utilizava nas
festividades. E algum tempo mais tarde, também João
de Oliveira e Silva Bacelar conseguiu, pelo mesmo pro-
cesso e entre os fiéis o cortinado para o corpo da igreja
e o pano da porta principal (reposteiro), cujo risco a
ele se deve e cuja feitura pertenceu ao alfaiate da fre-
guesia, Custódio de Oliveira.
0 lampadário ou lustre da capela-mor foi pago
com dinheiro da Associação do Coração de Jesus, de
que adiante se falará mais desenvolvidamente, e subs-
tituiu um outro mais pequeno e menos artístico, que
para ali havia sido dado, a pedido do P. José Bacelar,
por Domingos Dias da Silva Couto. O lustre dado por
este benfeitor, foi oferecido e levado para a igreja de
Ateães.
Quanto aos lustres do corpo da igreja (altares do
Rosário e das Almas ou Senhor dos Passos) foram
adquiridos com esmolas e restos das despesas das
Confrarias.
O gradeamento do corpo da igreja foi dado por
Francisco da Silva Queira; anteriormente não existia
e por isso houve que modificar o degrau de pedra sobre
o qual foi aquele colocado.

9. As Filhas de Maria e a Associação do C. de


Jesus. Não julguemos porém que se limitou o Abade
76

Fernandes de Barros à promoção de obras e melhora-


mentos materiais na sua igreja! Obras como a Associa-
ção das Filhas de Maria e depois a Associação do
Coração de Jesus mereceram toda a sua atenção e
certamente por isso foram capazes de lhe dar valiosa
colaboração em tudo quanto na igreja realizou.
O P. J. J. da Silva Bacelar refere que as Filhas de
Maria, de que, em 1927, já ninguém se lembrava em
Cervães, constituíram a primeira Associação de pie-
dade que existira na freguesia, tendo sido nela esta-
belecida em 1870, portanto antes da chegada do Abade
Barros.
Além da santificação individual e remoção de
escândalos, era seu fim principal a educação cristã,
mesmo através de escolas próprias.
Sob este aspecto salientaram-se as Filhas de Maria
de Cervães, que chegaram a criar uma Escola de
meninas, a qual em 1927 funcionava como escola ofi-
cial, depois de ter sido para isso oferecida, pela presi-
dente que foi das Filhas de Maria, D. Joaquina M. da
Silva Bacelar, já que do Estado se não conseguia obter
escola nenhuma. Aquela senhora era da Casa da
Custariça, em cuja Capela faleceu piedosamente, no dia
de Natal de 1889, depois de aí ter assistido à celebração
de 12 missas, que tantas foram as que nesse dia
aí houve.
A Associação do Coração de Jesus, essa foi erecta
em 15 de Janeiro de 1876, como conclusão duns
exercícios dados ao povo pelo missionário P. João
Manuel Barbosa.
A nova Associação foi buscar às Filhas de Maria
as suas principais dirigentes e zeladoras. Com o tempo,
chegou-se à conclusão de que o melhor seria fundir as
duas obras numa só, o que efectivamente se fez, tendo
prevalecido a Associação do Coração de Jesus e mais
tarde, também Associação do Apostolado da Oração.
77

Informava o P. J. J. da Silva Bacelar que nos pri-


meiros cinquenta anos da sua existência, nunca em
ano algum deixara a Associação de fazer o seu triduo
com comunhão geral e festa solene. Para o efeito eram
sempre convidados pregadores distintos. Refere o mes-
mo cronista que por três vezes havia o tríduo sido
substituído pelas missões.
A primeira dessas missões foi pregada em 1904,
Por António Barbosa Leão, que anos depois viria a ser
o Bispo do Porto, e pelo P. José Pinto de Moura, do
p
orto. A segunda missão teve lugar em 1913, tendo sido
Pregadores os abades de Anta e de S. Martinho de
Bougado, diocese do Porto. A terceira missão foi feita
em 1923, tendo pregado os PP. João Mesquita e Manuel
Soares, de Braga.
Por ocasião desta missão de 1923 e como remate
da mesma, veio o Arcebispo D. Manuel Vieira de Matos
administrar o Crisma a umas 600 e tantas pessoas,
tendo-se em seguida dirigido à Casa da Custariça, para
aí tomar a sua refeição.
e
Outras obras de Apostolado se criaram e existiam
m 1927, em Cervães. Não podemos contudo indicar
Puais as datas da sua instituição. Encontram-se neste
caso a Obra da Juventude, que dispôs de Casa própria
e
dentro da qual existira uma Congregação Mariana,
e
a Obra da Catequese, esta última canonicamente
instalada.
Cabe também aqui uma referência especial às
Confrarias da igreja paroquial. Como já mais atrás refe-
r|
mos, eram quatro as confrarias estabelecidas na igreja.
Ptam a do Santíssimo, a do Rosário, a das Almas e a de
Miguel e que para evitar despesas e trabalhos multi-
plicados em contas e orçamentos de cada uma se deci-
diu fundi-las ou uni-las a todas numa só. Os Estatutos
foram por isso reformados e em 1914 aprovados civil
6
eclesiasticamente.
78

10. Nos tempos do Abade Santana. Fora certa-


mente na segunda metade do séc. XVIII que as paredes
da igreja foram argamassadas e caiadas por fora, não
obstante o serem elas feitas de boa cantaria. Estavam
no princípio do séc. XX a reclamar grande limpeza, mas
ninguém se resolvia a meter-se à obra por implicar ela
enorme despesa.
Foi nas vésperas da visita pastoral de 1923 que
tais obras foram levadas a cabo. Para isso o então
pároco, P. A. M. de Araújo Santana, convocou os maio-
rais da freguesia para uma reunião no adro. Depois de
lhes expor a necessidade de se proceder a tais obras,
bem assim como a uma reparação geral por fora e por
dentro, foi constituída uma Comissão que percorreu a
freguesia a recolher esmolas para tal fim. Nesse pedi-
tório foram recolhidos 8:401 $300, e as obras foram
por diante.
A limpeza da pedraria e reparos nos telhados foi
arrematada por 2:830$000 pelos mestres da terra Oli-
veira e Macedo. A reparação do corpo da igreja (esca-
reolar as paredes, reformar a pintura do tecto, gradea-
mento do coro, limpeza do guarda-vento, altares, etc.,
foi arrematada por António de Abreu, por 800$000. A
reforma das paredes da Capela-mor e tecto, essa ficou
a cargo do pintor José Mendes, de S. Jerónimo, por
2:422$000, o qual igualmente reformou as pinturas da
tribuna, sanefas do arco-cruzeiro, todos os altares,
tocheiras, lanternas, pelintres e baptismo no Baptisté-
rio, pelo que ascendeu a mais 300$000 a despesa com
este artista.
Na mesma ocasião foi adquirida a cúpula dourada
do Sacrário, algumas cortinas e a alcatifa, o que impor-
tou em 969$450, sem se esquecer já os 2:771 $300
gastos na aquisição de materiais. O total da despesa
atingiu os 12:097$750,
Como a receita do peditório se ficara pelos
79

8:401 $300 havia um desfalque para o pároco verdadei-


ramente considerável. Foi por esse motivo que lançou
ur
n apelo às pessoas de boa vontade a fim de que o
a
judassem. Desse apelo resultou obterem-se mais
T^SOSTOO, reduzindo-se o desfalque para 2:445$750, o
qual foi aguentado pelo próprio pároco, pelo P. José
Bacelar, por D. Joaquina de J. Silva Bacelar, por
Pj Maria da Ascensão da Silva Bacelar e pela Associa-
ção do C. de Jesus, tocando a cada um a quantia de
489$lio reis.
Além de todos os que contribuíram com esmolas
Multadas, cujos nomes omitimos, por brevidade, salien-
taram-se
r|
o encarregado da fiscalização das obras, Amé-
co de Macedo, sem se falar já no P. António Maria
de Araújo Santana, que além do trabalho, deu para as
ebras 989$110, o que para a época era uma fortuna,
^las ficara-lhe sequer a consolação como prémio, ao
que se refere o venerando P. J. J. da Silva Bacelar,
quando diz: «tem hoje a grande satisfação de ser pároco
da igreja de melhor arquitectura, mais bem reparada e
asseada do Arciprestado» (37).
Mas não ficou por aqui o bom apetrechamento da
'Qreja de Cervães. Algum tempo depois foi a altura de
air
ida uma vez mais o nosso bom cronista dar mostras
da sua generosidade e do seu amor à igreja da sua
^arra natal. Por entender que a igreja ainda não estava
c
ornpleta sem um harmónio, o P. J. J. da Silva Bacelar,
9rande apóstolo da Associação do Coração de Jesus,
Mandou vir um directamente de Paris para a igreja de
Cervães. Ficou a ser o melhor harmónio de todas estas
r
edondezas e custou, posto no lugar, nada mais nada
aienos, 4:470$000.
Em vez de alongarmos este capitulo, com mais

P7) Apontamentos..., fl. 19.


80

indicações sobre obras mais recentes efectuadas na


igreja ou residência paroquial, preferimos remeter o lei-
tor para o capítulo dos Benfeitores do Bom Despacho
e da Paróquia.

11. A Capela da Estrela ou Santa Maria de


Penoucos. Entre os mais antigos templos de Cervães
figurava a Capela de N. Senhora da Estrela, hoje total-
mente desaparecida, e que foi célebre à roda de 1640,
alturas em que a ela viveu intimamente ligado o Ermi-
tão João da Cruz, como melhor adiante se verá.
Ficava esta Capela situada no lugar de Penoucos e
em 1808 devia estar bastante arruinada. De outra sorte
não teria razão de ser a decisão do P. António José
Pereira, Abade de Lomar e Visitador do Arcediagado
do Neiva, que na visita de 19 de Novembro daquele
ano, a Cervães, determinou que o então Reitor Pedro
Gonçalves Coura da Costa velasse para que fossem
restauradas as Capelas das Quintas de Gomariz e da
Estrela í38).
Ignoramos desde quando data exactamente a deno-
minação da Capela de N. Senhora da Estrela, como
ignoramos ainda quando e em que circunstâncias terá
ela chegado às mãos de particulares. Sabemos que em
1644 era propriedade dum fidalgo bracarense, o Doutor
Mateus Pereira Bravo. Igualmente sabemos que o seu
último proprietário fora José M. Cerqueira Esteves, o
qual, no princípio deste século, no dizer do P. J. J. da
Silva Bacelar, «teve a coragem de a vender para ser
demolida e utilizada a pedra para outras construções».
E o nosso cronista esclarece que só soube do caso
quando ela já estava por terra e quando já não restava
qualquer possibilidade de a salvar. Informou ainda o

(38) Livro de Capítulos da Visita, fl. 5 v.". (de 1806 em


diante).
81

mesmo sacerdote de que em 1927 os restos da Capela


da Estrela pertenciam ao P. João Evangelista Pereira
Gomes, natural de Atiães, o qual por essa altura tinha
a intenção de a reconstruir na sua freguesia (:i!)). Uma
capela chegou a ser efectivamente construída com
Parte dessa pedra, mas tal Capela não se encontra
Posta ao culto.
Sabemos, por outro lado, que muita da pedra da
Capela da Senhora da Estrela foi vendida para uma
grande e antiga Casa agrícola, cujos proprietários a
utilizaram na construção dum enorme alpendre ou
coberto, porventura o maior que até ao presente nos
foi dado observar em zonas rurais do Norte do país.
Situa-se essa Casa na margem direita e a poucos metros
do rio Puriço e no lugar que dá pelo nome de Espaçante,
sntropónimo de segura proveniência medieval. Pude-
mos examinar muitas das pedras desse alpendre.
Embora nelas se não encontrem inscrições (apenas
conseguimos ver um D), trata-se de excelentes blocos
de granito em esquadria e em que porventura existirão
agora ocultas outras letras. Pudemos igualmente des-
cortinar ainda uma pedra com lavores próprios de pedra
'grejeira destinada ao arremate de qualquer cornija.
Na Capela da Estrela existira uma pia que conse-
guiu sobreviver até mais tarde e que foi adquirida pela
Paróquia de Oleiros, para servir de pia baptismal, na
s
ua igreja paroquial, totalmente reconstruída, cerca de
f950, quando era pároco o P. António Augusto Dias
Barbosa (1940-1957) (10).
Da imagem de N. Senhora da Estrela (41) ninguém

(30 ) Apontamentos..., fl. 25 (pertencente já à capa).


(40) Acção Católica, XLV (1959), p. 143.
(«) Sabe-se que era uma Senhora que sustentava na mão
um facho, em cuja ponta se via uma estrela, donde provavel-
mente o nome popular que recebeu.
6
82

sabe o paradeiro. Existirá na Atiães? Terá ido para


o Porto? Ninguém o sabe ao certo.
0 P. J. J. da Silva Bacelar, que em 1927, contava
Já os seus 81 anos, escrevera nessa data que a Capela
da Senhora da Estrela «era muito antiga e de estilo
manuelino)). Contudo, e porque não era este autor mes-
tre em artes achamos dever acrescentar imediatamente
a opinião do Cónego Manuel de Aguiar Barreiros, que,
em 1931, escreveu: Esta Capela, que era românica,
não vai há muito que foi vandalicamente destruída)) (4a).
A isto se limitavam os conhecimentos dos natu-
rais de Cervães acerca do que fora a Capela da Senhora
da Estrela.

12. Santa Maria de Penoucos, antiga paróquia.


Embora a atribuição a essa Capela duma pia bap-
tismal nos houvesse despertado uma certa curiosidade,
o certo é que foi informação de 1758 e uma referência
casualmente lida no livro de cópias de Testamentos
da freguesia que nos situou no caminho de verdadeiras
descobertas. Dizia assim o P. João Pereira, em 1758:
«Tem mais esta freguesia outra Ermida de Nossa Senhora
da Estrela sita no lugar de Penoucos; é antiquíssima e é
senhor dela João Luis da Silva e Sousa, da Cidade de
Braga)) (43).
Estas palavras associadas à menção feita num texto
de testamento do séc. XIX a Santa Maria de Penoucos
abriram-nos inteiramente novas perspectivas e leva-
ram-nos a proceder a buscas documentais cujos resul-
tados passaremos a expor imediatamente e sem mais
delongas.
A Capela de N. Senhora da Estrela antes de ter

(42) Nossa Senhora nas suas imagens e no seu culto


na Arquidiocese de Braga, Braga, 1931, p. 109, nota 5.
(43) D/c. Geográf. de Portugal, X, p. 1893 (ANTI, manusc,).
83

recebido este nome, durante o séc. XVI ou princípios


do séc. XVII, era conhecida por Capela de Santa Maria
de Penoucos. Tratava-se duma designação medieval,
recebida, quando tal capela era uma verdadeira igreja
Paroquial, do título de Santa Maria. E assim se com-
preende perfeitamente o facto de nela ter existido uma
Pia baptismal, a única peça que dela sobreviveu após
a
demolição total da dita Capela, antes de 1927.
Quando terá sido fundada esta igreja paroquial?
Eis-nos perante uma interrogação a que não sabemos
dar resposta clara e decisiva. Sabemos que, ela remon-
ta
rá, se não a épocas anteriores, pelo menos e segura-
mente ao século XII ou primeiros anos do séc. XIII.
Com efeito, em 1320, aos 17 de Novembro, os
juizes executores da cidade de Braga taxaram a igreja
de Santa Maria de Penoucos em setenta ilibras I (44).
Sabemos que era uma das 12 igrejas mais ricas de
er
itre as 35 que então pertenciam à Terra do Arcedia-
9ado do Neiva. Na Arquidiocese de Braga era esta uma
das 52 igrejas taxadas com 70 libras, emparceirando
Por isso em questão de riquezas com igrejas como
Santa Maria de Valença, S. Gens de Macarome (actual-
mente lugar de Cabanelas), Santa Marinha de Oleiros,
Santa Maria de Covas, S, Pedro de Fragoso, S. Martinho
de Alvito, S. Martinho de Galegos, S. Martinho de Balu-

C4) Fortunato de Almeida, Hist. da Igr. em Portugal, II,


Coimbra, 1910, p. 629. O Papa Inocêncio III, em Bula datada de
^ssis, onde a 28 de Julho de 1208 se encontrava, manda ao
Deão de Zamora que decida da questão surgida entre o Arce-
bispo de Braga, D. Martinho Pires e os Reitores de várias igre-
Jss, que se recusavam a pagar o catedrático ou o sinodático e
outros direitos episcopais. Entre esses reitores figura o da igreja
de Penoucos. Nesse caso, e como se deve indiscutivelmente
tratar da igreja de Santa Maria de Penoucos, de Cervães, pode-
remos datá-la, seguramente e pelo menos, do século XII. (Cf.
Avelino de Jesus Costa, O Bispo D. Pedro..., II, Coimbra, 1959,
doe. 88, p. 445).
84

gães, Santa Maria de Ardegão, Santa Eulália de Vila


de Punhe, etc., para unicamente referirmos diversos
nomes mais familiares ou mais próximos destes sítios.
Em todo o caso, na Diocese de Braga, havia nessa data
mais de 700 igrejas paroquiais mais pobres do que a
de Santa Maria de Penoucos (45).
Em 12 de Janeiro de 1333 era Abade da Igreja de
Santa Maria de Penoucos o honrado varão Durão Este-
ves, Cónego de Braga, cujos direitos foram oficialmente
reconhecidos sobre a dita igreja, após a contenda que
com ele tiveram Pero Martins, tabelião de Braga e sua
mulher Francisca Tomás, os quais reclamavam para si
o direito de padroado da mesma igreja. A sentença foi
dada pelos Cónegos Esteves Anes, Arcediago de Neiva
e Estêvão Pais, Vigários Gerais do Arcebispo D. Gon-
çalo Pereira, os quais incumbiram Lourenço Fernandes,
clérigo (pároco) de Cervães, de dar execução à tal
sentença, com recurso à ajuda do braço secular se para
tanto fosse mister (46).
Além de nos documentar acerca da existência da
paróquia de Penoucos, esta sentença esclarece-nos que
Cervães formava outra paróquia, presidida por pároco
próprio e totalmente independente do de Penoucos.
Já atrás nos referimos a este Reverendo, pelo que não
vamos repetir aqui o que sobre ele já ficou dito.
É de admitir que muitos outros documentos pos-
sam existir com dados preciosos relativos ao período
de 175 anos que medeia entre 1333 e 1508, data dum
outro documento precioso para a história da igreja de
Santa Maria de Penoucos. Trata-se duma Bula do Papa
Júlio II, datada de Roma, aos 26 de Agosto de 1508
e cujos principais elementos passamos a referir.

(15) lb.. pp. 622-651.


(«Ó Rerum Memorabilium, Livro III, fl. 163 (Arq. Distr. de
Braga, manuscrito).
85

Em 10 de Junho do ano de 1431, a igreja de


Santa Maria de Penoucos foi perpetuamente unida
anexada e incorporada na igreja paroquial de S. Romão
da Ucha mantendo-se assim durante um período que não
sabemos precisar (47)- Era esta a situação de facto
e de direito quando o Reitor de S. Romão da Ucha,
Diogo Gonçalves tomou conta dos destinos daquela
Paróquia. Mas, fosse por que motivo fosse, Diogo Gon-
çalves não quis ter a igreja de Penoucos unida, anexada
e incorporada na sua igreja da Ucha. E por isso pediu
ao Papa Júlio II, (o que se terá verificado depois de
1503) que dissolvesse tal união, anexação e incorpo-
ração, ao que de bom grado acedeu Júlio II, ficando
desde então a igreja sem cura de Penoucos vaga e,
como tal, automaticamente pertencente à Santa Sé.
Em face disto e porque o Arcebispo de Braga, ao
tempo, D. Diogo de Sousa, era o senhor da freguesia
de Areias e como a igreja de Santa Maria de Penoucos
fica próxima daquela, enviou o dito Arcebispo ao
Papa um pedido em que lhe requeria a concessão de
Santa Maria de Penoucos para a sua Mesa Arcebispal.
A razão era que, no dizer do Arcebispo, em Areias não
Possuía ele qualquer casa em condições onde se pudes-
se comoda e honestamente retirar, nem sítio para a
mesma construir. E uma vez que era pacífica a sua
Posse de Areias e dado que a referida igreja de Penou-
cos reunia condições óptimas para aí poder o Arcebispo
construir digna morada, requeria humildemente de Sua
Santidade essa graça.
0 Papa não se fez rogado e anuiu ao pedido do
Metropolita Primás exarando a presente Bula, por força
da qual unira, anexara e incorporara para sempre a

(47) Capítulo I — Cervães, seu nome, sua terra e suas


gentes, § 9 — Cervães, uma ou duas freguesias?, nota n.0 53.
86

igreja sem cura de Santa Maria de Penoucos na referida


Mesa Arcebispal. Declarou que o Arcebispo D. Diogo
estava autorizado, por si ou por outrem, a tomar fisica-
mente posse da igreja e dos direitos a ela adjacentes.
Não obstante o facto de se tratar duma igreja sem
cura, impôs todavia Sua Santidade a cláusula de que a
dita igreja de Santa Maria de Penoucos continuasse ao
serviço do culto em conformidade com os encargos ou
obrigações costumadas (48).
Como dissemos, a Bula está datada de 26 de
Agosto de 1508. A tomada de posse por parte do Arce-
bispo foi feita, no dia 17 de Março de 1509, na pessoa
do seu criado João Freire e na presença do Notário
António Fernandes, Tercenário na Sé de Braga e de
mais testemunhas, entre as quais se assinam Afonso
Gil, escudeiro e Diego Lopes, caseiro da igreja de Santa
Maria de Penoucos.
O acto da tomada de posse ficou devidamente
registado e é sobre esse texto que recolhemos estes
pormenores de informação. Teve o acto lugar na porta
principal da igreja e constou da apresentação dum
Alvará pelo próprio criado do Arcebispo D. Diogo de
Sousa e da exibição da Bula contendo as Letras Apos-
tólicas da dita concessão.
Eis o teor do texto do mencionado Alvará Arce-
bispal: «Nós. o Arcebispo de Braga, primaz, etc. por
este presente damos poder e autoridade a João Freire
cavaleiro de nossa Casa que em nosso nome e da nossa
Igreja de Braga e Mesa Arcebispal dela haja e cobre e
tome posse real e actual da igreja de Santa Maria de
Penoucos do nosso Arcebispado que ora o Santo Padre
Júlio segundo nosso Senhor teve por bem anexar in

(48) Bula transcrita in Rerum Memorabilium, Livro II,


fl. 247 v.0-248 (Arq. Distr. de Braga, manuscrito).
87

perpetuam à dita Mesa pontifical e da posse que assim


tomar, peça e expida quaisquer letras e instrumentos
que forem necessários. Feito na nossa cidade de Braga,
aos dezasseis dias do mês de Março, ano do Senhor
de mil e quinhentos e nove anos» (49).
Foi com este texto de procuração e com a Bula
pontifícia nas mãos que João Freire abriu a porta da
igreja, entrou nela e foi ao altar-mor, onde pedindo
que lhe dessem os paramentos da dita igreja, pegou
neles. Em seguida foi ao sino e tangeu-o e foi a todas
as casas da dita igreja e entrou nelas, abrindo e fechan-
do as portas, cujas chaves tornou a entregar, por sua
própria mão, ao caseiro e, desta maneira, se declarou
em posse de Santa Maria de Penoucos (r'0).
Não tentamos saber durante quanto tempo perma-
neceu a igreja de Santa Maria de Penoucos na posse
directa da Mesa Arcebispal de Braga, já que entre 1509
e 1758 decorrem nada mais nada menos do que 249
anos. Em 1527, o cadastro da população do Reino refe-
m-se aos «coutos de Vilar de Areias e Penoucos (51)
que são do Arcebispo e a jurisdição deles», vendo-se à
margem do nome de Penoucos a anotação de que aí
«não entra Corregedor» (52).
Em face dos textos de 1508 e de 1509 ficamos a
interrogar-nos se o Couto de Cervães não datará de
então, resultando muito simplesmente da sua anexa-
ção ao Couto de Vilar de Areias, esse incontestavel-

(49) fíerum Memorabilium, Livro III, fl. 163 v.° (Arq.


Distr. 5de Braga).
( °) lb., fls. 163 e v.0.
(51) Por evidente erro de leitura, no texto publicado no
Archivo Histórico de Portugal, III (1905), p. 263, refere-se «os
coutos de Vyllar d Arcas e Penoveos que sam do Arcebispo-,
em vez52de se ler «Vilar de Areias e Penoucos-,
( ) Loc. c/f.
88

mente antigo? Trata-se porém dum assunto sobre o


qual não nos devemos aqui debruçar.
É contudo provável que a posse de Penoucos por
parte dos Arcebispos de Braga tenha durado tanto
quanto durou a sua jurisdição nos Coutos eclesiásticos.
Como é sabido esta foi suspensa por leis do final do
séc. XVII e primeiros anos do séc. XVIII, tendo-se um
caso ou outro arrastado até ao reinado de D. Maria I
(1777-1816). Mas no caso de Cervães sabemos con-
cretamente que em 1758, a antiga igreja de Santa
Maria de Penoucos não pertencia já à Sé ou aos Arce-
bispos de Braga. Era propriedade do cidadão bracarense
João Luís da Silva e Sousa.

13. A Capela de S. Bento. Depois da Capela


de Santa Maria de Penoucos, é provável que se siga em
antiguidade a Capela da Ermida, sítio que já em 1258
tinha este nome.
A capela da Ermida, contrariamente ao que se
poderia supor, não fora inicialmente dedicada a S. Bento.
titular que hoje conserva, mas sim a outro santo, que
tudo parece indicar ter sido S. Pedro.
Nunca chegaríamos a esta conclusão sem a feliz
descoberta que conseguimos fazer no ano de 1975,
quando encontrámos o texto dos primitivos Estatutos
da Irmandade Leiga de S. Pedro de Montório. Diz assim
a consideração terceira do texto introdutório a esses
Estatutos: «Havia naquela freguesia (de Cervães), e
no lugar da Ermida uma Capela, na qual se festejava
de tempos antigos o Glorioso Apóstolo S. Pedro; porém
com o descuido dos fundadores estava totalmente arrui-
nada e indecente. E porque o sitio era verdadeiramente
ermo e incapaz pela estreiteza de nele ter habitação
um santo digno de toda a munificência se resolveram
os presentes juiz e mordomos edificar uma nova Capela
noutro sitio mais espaçoso e acomodado, em que o
89

Santo Apóstolo fosse venerado com decente e perpétuo


culto. E como facilmente se executa o que eficazmente
se deseja, logo puseram em execução o intento» (■").
Foram estas palavras escritas em 1681 e referem-
-se ao Juiz e irmãos de S. Pedro. Eram eles o P. Lucas
Rodrigues, Juiz eleito para 1680-1681 e outros padres,
todos residentes em Cervães e da freguesia naturais,
cujos nomes se poderão ver ao tratar da questão da
fundação da Confraria de S. Pedro de Montório.
Quem tivesse sido o fundador da Capela da Ermida,
tem sequer o podemos suspeitar, o mesmo aconte-
cendo, aliás, em relação à data da sua fundação.
Admitindo como aceitável a hipótese da existência
do Mosteiro beneditino em Cervães, o P. J. J. da Silva
Bacelar era de opinião que a Capela de S. Bento dataria
de antes da Monarquia Portuguesa. Por falta de
documentos não somos nós quem irá confirmar ou
desmentir a sua impressão. Limitar-nos-emos a relem-
brar que antes de 1680 o titular dessa Capela era
S. Pedro e não S. Bento, como certamente aquele
'lustre sacerdote nem sequer ousara suspeitar. Se
S. Bento vinha ou não sendo venerado nessa mesma
Capela é que facilmente poderemos admitir, mesmo que
fal facto possa remontar às suas origens.
Em 1758 é igualmente nomeada a Capela de
S. Bento como sendo um dos oito templos então exis-
tentes dentro da área da freguesia.
Em 1896 esta Capela foi reedificada à custa de
José de Oliveira Lago, como consta dos dizeres da
lápide que encima a graciosa porta que hoje tem e que
um excelente portão mais ajuda a embelezar. O P. Bace-
lar informa que os melhoramentos de então consistiram

(53) Estatutos da Irmandade do Glorioso S. Pedro Montorio


da freguesia do Salvador de Cervães do termo de Prado,
f- 2 e v.0.
90

na reformação da frontaria e das paredes laterais que


se altearam um pouco, além da colocação das pirâmides
e do portão de ferro. No que se refere ao devoto recons-
trutor, o mesmo venerável cronista deve tê-lo confun-
dido, pois diz que se chamava António, pormenor insig-
nificante, se tivermos em conta que ele era efectiva-
mente natural do lugar da Ermida e residente no Brasil.
Em 1927 era já falecido.
Tal como em tempos passados, o culto ao glorioso
S. Bento continua a ser muito concorrido nesta sua
Capela, onde quase todos os anos se realizam grandes
festividades, sem se esquecer a constante afluência de
romeirinhos e de muitos outros devotos.
No decorrer dos últimos dois anos beneficiou a
Capela dum ligeiro restauro, além da construção duma
pequena casa para sacristia, que na falta de melhor
espaço, teve de ser construída do lado norte e separada
do pequeno templo.
O revestimento em azulejo, tanto no seu interior
como na sua frontaria foi outro melhoramento recente
que muito valorizou esta Capela.
Presentemente, além da imagem do titular, venera-
-se igualmente uma imagem com o título de N. Senhora
do Sameiro.

74. Capela de S. Pedro de Montório. A Capela


de S. Pedro de Montório foi construída para acolher
a imagem de S. Pedro que até então se venerava na
Capela do lugar da Ermida, tida por pequena e pobre
demais para possibilitar a celebração dum culto con-
digno com a grandeza de que era merecedor o Príncipe
dos Apóstolos.
A decisão de construir nova capela foi tomada em
1680 e logo posta em prática. De tal forma que, em
28 de Agosto, dia de Santo Agostinho, desse ano de
1680, foi lançada a primeira pedra no alicerce dessa
91

construção. Deve a cerimónia ter sido revestida duma


certa solenidade. Ao local escolhido, denominado então
sítio do Calvário, provavelmente pelo facto de por ali
terminar o percurso de alguma Via-Sacra (54), terão
acorrido provavelmente, além do Reitor de Cervães,
o P. Manuel da Cruz, sucessor do Ermitão João da Cruz
e capelão da Capela da Senhora do Bom Despacho,
situada não longe dali, e certamente o Juiz e os Mor-
domos que se haviam responsabilizado pelas obras.
E dizemos que terá acorrido esta gente toda, porque
não poderemos admitir que aí tivesse vindo sozinho o
conhecido fidalgo e morgado de Azevedo, Pedro Lopes
de Azevedo, para, privadamente, lançar a primeira pedra
no alicerce da Capela (,5).
No capítulo acerca das Irmandades falamos mais
acerca desta capela, na qual existem, ainda hoje, os
mesmos três altares com que foi dotada desde o prin-
cípio e dedicados a S. Pedro, o altar-mor; a S. Brás,
o colateral do lado do Evangelho e a S. Pedro, o outro
colateral do lado da Epístola. Isto o que se via ainda
em 1758 í5"), não se referindo, portanto, a existência
da imagem de N. Senhora do Amparo, que veio poste-
riormente ocupar o lugar antes reservado a S. Brás.
Deve-se referir que a Capela de S. Pedro de Mon-
tório é um edifício espaçoso, de boa construção e
dotado duma ampla sacristia e duma pequena torre
com sinos. Dentro dum adro de tipo rectangular e vasto.
Pode ver-se ainda um elegante cruzeiro de bom gra-

(54) A existência de outros cruzeiros espalhados ao longo


de alguns caminhos da freguesia parece confirmar esta ideia.
Como vestígio desse uso antigo, talvez subsistam hoje ainda
as Endoenças, que se fazem na Quinta Feira Santa, por deter-
minação dos Estatutos do Santíssimo, de três em três anos.
(65;) Estatutos da Irmandade de S. Pedro, fl. 2 v.0.
f" ) D/c. Geogr. de Portugal, X, p. 1893 [ANTT, manusc.).
92

nito. No frontespício, além duma bela cruz com três


braços, conhecida mais propriamente por cruz papal,
pode vêr-se uma bela fresta cruciforme encimada por
um razoável friso de granito contendo esculpidas em
alto relevo as imagens de Cristo e de S. Pedro.
Em 1927 o P. J. J. da Silva Bacelar informa que
os Senhores da Casa de Azevedo ainda então conti-
nuavam a observar o costume antigo de serem os Juí-
zes ou Presidentes da Irmandade Leiga e de anual-
mente pagarem o sermão no dia da Festividade do
Santo.
A respeito da situação financeira de ambas as
Confrarias de S. Pedro, afirma: Estas Irmandades tinham
ambas cerca de 12 contos de capitais, mas que hoje
nada são, atentos os compromissos e minguados ren-
dimentos pela desvalorização da moeda vivendo em
graves dificuldades e em risco de perecerem» ('7)-

15. Capela da Senhora do Carmo. Uma outra


Capela referida em 1758 é a de N. Senhora do Carmo
situada na Quinta de Gomariz, naquele tempo proprie-
dade de João de Almada e Melo, Governador das Armas
da cidade do Porto (r>8). Esta Quinta pertencia em 1644
a André Velho de Azevedo, ao qual sucedeu o seu
filho Francisco da Cunha da Silva, Mestre que foi de
Campo e Governador da praça de Monção. 0 P. Bace-
lar que a considera antiga e que diz ser de talha renas-
cença, informa-nos que ela pertence a D. Ana Valada-
res e que foi em seguida vendida em praça. Em 1927,
já não estava ao culto e era seu proprietário Manuel
da Silva Couto. Presentemente já nem se fala nela, por
ter sido o seu espaço utilizado para outros fins. A

(57) José Bacelar, Apontamentos para a História da Igreja


de Cervães, 1927, p. 24.
(58) D/c. Geogr. de Port., X, p. 1893.
93

Quinta de Gomariz é propriedade do Sr. Dr. Aristides


Couto e filhos.

76. A Capela de Santo António. Adjacente à


Casa da Quinta da Custariça existe ainda hoje uma
Capela do título de Santo António. Esta Capela toda-
via já não é a primitiva. A primitiva, diz o P. J. J. da
Silva Bacelar, ficava situada junto da entrada da Quinta
e à beira do caminho público. A actual foi construída
em 1852 pelos familiares de João de Oliveira e Silva
Bacelar, então senhor da Casa. Mais ampla do que a
a
ntiga, esta Capela foi benzida a 21 de Agosto do mes-
mo ano de 1852. A primeira festa que aí se fez teve
lugar a 8 de Dezembro. Constou de Exposição do San-
tíssimo e pregação pelo Missionário, P. José de Sousa
Teixeira.
Quando esta foi construída já há mais de duzen-
tos anos que naquela casa havia a Capela de Sto. Antó-
nio, cuja imagem transitou para a nova, juntamente
com uma imagem de S. José. Nesta nova Capela foi
também colocada uma imagem do Coração de Maria.
É de salientar o facto de que, desde a sua erecção,
mantém licença para conservar o Santíssimo Sacra-
mento perpetuamente no Sacrário. Foi esta licença
concedida pelo Arcebispo Cardeal D. Pedro Paulo e
confirmada pelo Núncio Apostólico, em Lisboa, de 2
de Dezembro de 1854 (B0).
0 Papa Leão XIII, por Breves de 11 e 28 de Maio
de 1888 também concedeu graças e indulgências aos
ciue a visitassem. Aos que o fizessem no dia de Natal,
de S. José e de Sto. António, depois de comungarem,
a
indulgência plenária; aos que a visitassem naqueles
dias ou quaisquer dias de preceito, 300 dias de indul-

(5!>) Apontamentos..., fls, 22-23.


94

gências; aos que no dia 2 de Agosto a visitassem, a


chamada Indulgência da Porciúncula, lucrável como se
pessoalmente visitassem qualquer igreja francisca-
na C'0).
77. Capela de Santo Afonso de Ligório. Dedi-
cada a Santo Afonso Maria de Ligório, existiu e existe
no lugar dê llhô. Mandou-a construir junto da casa
da sua família, o P. José Ribeiro de Macedo (Loge) e
pôs a sua imagem à veneração dos fiéis. Após a sua
morte e a morte do seu irmão da casa, esta passou para
novos possuidores, entre os quais se contava, em 1927,
José F. Pinto da Silva. Sabe-se que este reparou a
Capela, mas não a conservou a público (61).

18. Capela de S. João Baptista. No lugar de


Soutelinho, construiu João J. da Silva Bacelar uma
Capela em honra do Santo do seu nome. Havia este
senhor casado) para ali, indo da Casa da Largata. Fale-
ceu sem sucessores, mas a Capela mantivera-se ao
culto em tempos do P. Domingos Flores, parente da
viúva daquela casa.
Embora se não exerça nela o culto, esta Capela
continua a ser venerada. Existe até um olival, de cujo
rendimento é obrigado o proprietário a assegurar tal
veneração í62).

19. Os Nichos de Alminhas. No lugar de Fon-


toura existe também uma Capelinha dedicada ao Senhor
dos Aflitos.
Entre as manifestações de piedade pelos defuntos
sobressaem pelo seu poder de sugestão e de captação
(«<|) Graças concedidas à Capella da Custariça — Decla-
ração (texto impresso e assinado pelo P. António Augusto Gomes
da Costa, Secretário da Câmara Eclesiástica de Braga).
C51) Apontamentos..., fl. 24 v.0.
r-] Ib.
95

das generosidades dos fiéis as Alminhas, ou seja, esses


nichos tão típicos que a cada passo nos surgem nas
curvas ou nas encruzilhadas dos mais concorridos cami-
nhos. Embora não muito numerosas, também em Cer-
v
ães ainda subsistem algumas amostras desses nichos.
Pessoalmente, pudemos ver as Alminhas da Custariça,
Junto à entrada da Quinta; as Alminhas do Barral, numa
Ca
sa também ligada à Quinta da Custariça; as Alminhas
de S. Miguel, por ficarem situadas naquele lugar.

20. Os Cruzeiros. Diversas são as finalidades


dos cruzeiros. São uns sinal de jurisdição paroquial,
como os cruzeiros paroquiais. São outros meros substi-
tutos dos pelourinhos em coutos ou terras de jurisdi-
ção eclesiástica. Têm outros a função de demarcar
ar
eas ou terrenos anexos a capelas ou igrejas e como
tais considerados zonas sagradas. Vêmo-los ainda a
servir de calvários, ou como padrões funerários, a enci-
mar as cabeceiras das sepulturas ou a assinalar, tanto
cas «Alminhas», como em qualquer localidade, onde
alguém morreu, aos vivos a memória dos defuntos.
Em Cervães, além dos lugares das Cruzinhas e da
^ruz, existem numerosos cruzeiros, mais luxuosos e
belos, uns, mais pobres e singelos, os outros. De entre
todos eles sobressai o actual Cruzeiro Paroquial, sito
ao lugar do Sobral, justamente, considerado imóvel de
"Heresse público.
Este é um dos belos espécimens de cruzeiros paro-
guiais antigos que ainda se podem contemplar aqui
e
além no nosso país. Sabemos que o local da sua
Primitiva
a
colocação não foi o lugar do Sobral. Viera para
gui do lugar de Penoucos, onde servira de cruzeiro
Paroquiai à igreja de Santa Maria que entre os séc. XII-
"^V| lá existira. O P. J. J. da Silva Bacelar deixou regis-
tada, nos seus apontamentos, a informação de que este
c
ruzeiro, dito da Estrela, não ficou mencionado na
96

escritura de compra, que fizera Valentim Esteves, da


Casa e Capela de N. Senhora da Estrela, talvez por
esquecimento do vendedor, uma vez que tal cruzeiro
ficava situado um pouco afastado da dita capela. Sabe-
mos igualmente que a Junta da Paróquia entendeu ser
público esse cruzeiro e por isso decidiu apeá-lo e trans-
feri-lo, para servir de cruzeiro paroquial, no local em
que se encontra. Não obstante os protestos de José
Maria Esteves, herdeiro da Quinta da Estrela, foi imen-
samente feliz aquela ideia da transferência. Se ela não
tivesse sido executada, estaria esse belo cruzeiro já
hoje em ruínas ou totalmente destruído dentro de
alguma parede ou a servir de calço de algum caminho,
que parecido foi o destino da Capela a que durante
largos séculos andou ligado.
Do primitivo pouco mais restará hoje do que a
cruz propriamente dita com o seu valioso conjunto
insculpido em granito da região. 0 fuste, bem assim
como o pedestal, sobre que se levanta, são mais recen-
tes, devendo-se este último à época da sua colocação
no Sobral, ao que parece já nos princípios do séc. XX,
ou últimos anos do séc. passado.
Na sua face anterior (voltada ao nascente), vê-se
insculpida em alto relevo a imagem de Cristo crucifi-
cado, vendo-se ainda dois outros personagens ao pé
da Cruz que não soubemos identificar. Na face poste-
rior (lado poente), vê-se também insculpida N. Senhora
de pé, coroada de Rainha, sustentando o Menino Jesus,
que lhe fica sentado na mão esquerda e a lembrar as
belas imagens de Santa Maria de entre os séc. XIV-
-XVI, das catedrais e das mais antigas igrejas de Por-
tugal.
Sabemos efectivamente que a igreja da antiga
paróquia de Penoucos era dedicada a Santa Maria,
como o demonstrámos sobejamente neste mesmo capí-
tulo. Por isso, compreendemos que o Cruzeiro dessa
97

antiga paróquia tivesse a imagem da sua padroeira.


De quando datará ele é assunto sobre o qual nos não
decidiremos ainda, não obstante o parecer autorizado
do Sr. Cónego Luciano dos Santos, que o estudou
depois de particularmente o examinar, e que o faz datar,
^ sua parte mais antiga, do séc. XVI.
Ao conferirmos este com os cruzeiros góticos de
5. Domingos de Aveiro, do Cristo das Maleitas de
Coimbra, do Padrão do Salado, ou de S. Francisco de
Guimarães, ou ainda do Cruzeiro das Laranjeiras, somos
dentados e encorajados a poder colocar o Cruzeiro de
Cervâes entre os raros espécimens do séc. XV, pelo
tnenos C3).
Resta ainda registar aqui que, aquando da sua
transferência de Penoucos para o Sobral, se verificou
que o rosto do Menino, que N. Senhora sustenta nos
braços, estava espedaçado ou mutilado. Nessa ocasião
s
e compôs ou pôs de cimento com a perfeição que o
artista então pôde ou soube incutir-lhe. É o que nos
'fforma igualmente o P. J. J. da Silva Bacelar.
Outros cruzeiros merecem ainda uma referência
es
Pecial, além do cruzeiro paroquial. Encontram-se
Uessa situação o cruzeiro de S. Pedro de Montório e
0
do Bom Despacho, feitos até talvez pelo mesmo
ar
tista e na mesma época; o cruzeiro da Capela da
Custariça (este mandado construir em 1864 pelo
p
- José da Custariça, como consta de inscrição nele
'avrada), bem assim como o da Capela de S. Bento
ba Ermida merecem igualmente ser lembrados. E isto

(63) Cf. Reinaldo dos Santos, A Escultura em Portugal, I,


Lisboa, 1948, pp. 46-56; Alfredo Guimarães, Guimarães — Guia
de Turismo, 1953; Sousa Viterbo, Cruzeiros de Portugal, Contri-
buições para o seu Catálogo descritivo (Separata do «Boletim
Jos Arquitectos e Arqueólogos de Portugal» (1.' Série, pp. 11,
19 e 42).
7
98

sem deixar de esquecer naturalmente todo um conjunto


de outras cruzes ou cruzeirinhos dispostos através da
freguesia de Cervães, conhecidos como cruzes da via-
-sacra. Segundo lista que nos foi fornecida, encontram-
-se dispersos da seguinte maneira: 4 no lugar do Bom
Despacho; 2 no de Visage; 2 no de llhô; 3 no de Bouça;
2 no da Cruz e no lugar do Mosteiro. Junto da Capela
de S. Pedro de Montório existe do lado sul e fora do
seu adro um destes cruzeirinhos. Segundo a denomina-
ção que em 1680 davam àquele lugar — Calvário,
tudo nos leva a crer que ali teria inicialmente o seu
termo a procissão que percorreria o conjunto das cruzes
da Via-sacra.
III

Cervães e suas conírarias

Como índice das manifestações da fé do povo de


Cervães, devemos apontar igualmente as suas irman-
dades ou confrarias.
Existiram na freguesia diversas irmandades, qua-
tro das quais são anteriores a 1758, motivo por que as
designaremos como antigas. São elas a Irmandade do
Subsino; a do Arcanjo S. Miguel; a de S. Pedro de
Montório (dos Leigos); a irmandade dos Clérigos ou
Eclesiástica de S. Pedro de Montório.

I — AS ANTIGAS IRMANDADES

1. Irmandades da Igreja Paroquial. As duas pri-


rneiras irmandades (Subsino e S. Miguel) são prova-
velmente as mais antigas de todas. Em 1758 existiam
ambas na igreja. Qual delas a mais antiga, não o sabe-
mos dizer, embora dêmos o lugar à de S. Miguel.
A respeito desta, é de supor que tenha sido ins-
tituída no actual lugar de S. Miguel. Como no capí-
tulo II se disse, aí existirá desde tempos muito antigos
a
capela onde se prestava culto ao Arcanjo. Também
se referiu que em tempos idos aí terá existido a igreja
Paroquial, se não de toda, pelo menos de parte da fre-
guesia de Cervães. E isso teria acontecido antes do
100

séc. XIII. Esta tradição que ainda corria no fim do


século passado, teve também o apoio documental do
velho Tombo de Cervães, que o P. João Pereira ainda
consultou, em 1758 f1). A passagem duma imagem de
S. Miguel para o segundo lugar de destaque, dentro
da igreja paroquial, deve corroborar plenamente esse
facto, desde que a igreja de S. Miguel deixou de ser
paroquial, para ceder o seu lugar à igreja do Salvador,
até então pertencente ao Mosteiro beneditino ou tem-
plário. E ocorrera tudo isso antes de 1220 e, provavel-
mente, antes de 1186.
Explicação para o facto de se haver instituído esta
Confraria e de ela existir na igreja devemos encon-
trá-la no desejo de manter vivo o culto do antigo
padroeiro, assegurando como seria lógico, igualmente
a conservação da antiga igrejinha, reduzida à simples
categoria de capela.
A Irmandade do Subsino devia ser, como todas
as demais deste título, (e que existiam através de todo
o Entre-Douro e Minho) antiquíssima. Tinha por fina-
lidade auxiliar o pároco na correcta administração dos
bens paroquiais e velar pelo asseio e conservação da
igreja, a fim de nela se poder assegurar o digno fun-
cionamento do culto divino.
Até quando existiu esta irmandade e quais os
estatutos por que se regia, também o não conseguimos
descobrir. Supomos que terá sido substituída pela
Irmandade do Santíssimo Sacramento.

2. Irmandades da Capela de S. Pedro. Acerca


destas irmandades já nos encontramos bastantemente
documentados.

C1) Dicionário Geográfico de Portugal, X (Manuscrito do


Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa), p. 1891 e 1893.
101

A IRMANDADE LEIGA

A Irmandade de S. Pedro de Montório, a cuja


denominação seria mais tarde necessário apor o desig-
nativo de Leiga, foi a mais importante de todas as que
jamais foram instituídas em Oervães. É certo que a
Irmandade Eclesiástica de S. Pedro de Montório atin-
9iu, nos seus períodos áureos, uma expansão e um
prestígio superiores, mas não se pode considerar como
instituição nascida na freguesia, como adiante melhor
se demonstrará.
A Irmandade Leiga de S. Pedro de Montório é
aquela cuja história melhor ficámos a conhecer, graças
a uma ocasional, mas sensacional descoberta que, em
Outubro de 1975, conseguimos efectuar, por ocasião
de mais uma das nossas pacientes buscas levadas a
cabo, na Capela de S. Pedro de Montório. Trata-se da
descoberta da documentação manuscrita, original e
autêntica relativa à fundação da Capela e da Irman-
dade de S. Pedro. Apesar do seu péssimo estado de
conservação, foi-nos ainda possível recuperar para a
história aquilo que, dentro de pouco tempo, se torna-
ria absolutamente perdido.
A Irmandade (Leiga) de S. Pedro de Montório foi
instituída praticamente aquando da fundação da Capeia,
cuja primeira pedra fora lançada a 28 de Agosto de
1680 e cujo termo fora atingido logo no ano seguinte,
a pontos de, aos 26 de Junho de 1681, se terem nela
reunido os fundadores para redigirem os primitivos
estatutos.
Eis como os redactores dos Estatutos nos explica-
ram a razão da fundação da Irmandade de S. Pedro:
«Mas porque também as pedras morrem com a
sucessiva idade dos tempos, a este material edifício
agregaram uma edificação espiritual, e instituíram na
nova Capela uma Confraria ou Irmandade do Glorioso
102

Apóstolo São Pedro, na qual todas as pessoas de qual-


quer estado, sexo e qualidade que fossem se alistassem
para servir ao Santo» (2).
E como muitas foram as que se alistaram ou mos-
traram desejos de o fazer, logo tiveram os fundadores
de melhor estruturar a sua instituição, dotando-a com
os respectivos regulamentos ou Estatutos. Vejamos
qual o espírito que movia todos quantos se desejavam
fazer irmãos: «Logo multas [pessoas] pediram que as
aceitassem por Irmãos; como todos queriam chegar a
Deus, entenderam que só na barca de S. Pedro podiam
navegar seguros e lograr o porto da salvação; porque
nesta barca, ainda que seja contrário o vento, se faz
para o Céu viagem tão sossegadamente como se esti-
veram presos os ventos, firmes os poios, tranquilos os
mares e quietas as ondas» (3).
Foram fundadores da Irmandade e redactores dos
Estatutos os primeiros Irmãos que foram os seguintes:
Reverendos Lucas Rodrigues, Administrador Geral e
Juiz da dita Irmandade, o P. Manuel Francisco, Cura
de S. Mamede fde Escarizl, o P. António Domingues
Leitão, o P. Inácio da Costa, o P. Domingos João, o
P. Bento da Costa, o P. Sebastião da Silva, o P. Nuno
Cerqueira, o P. Lourenço da Costa, o P. João Francisco,
todos moradores na dita freguesia ide Cervães] e mor-
domos eleitos para servir ao glorioso Santo neste pre-
sente ano de 1680 e 1681» (4), sem se esquecer já o
Reitor da freguesia de Cervães que então era o Licen-
ciado João Ribeiro (5).

(2j Estatutos da Confraria do Glorioso Apóstolo S. Pedro


de Montório da freguesia do Salvador de Cervães do termo de
Prado, 3 fl. 2 v.0.
( ) lb., fls. 2 v.0 e 3.
(4) lb., fls. 2,4 e 60 v.°.
(5) lb., fls. 2 e 6 v. .
103

Formados por dez capítulos, os primeiros Estatu-


tos da Irmandade (Leiga) de S. Pedro podem resu-
mir-se no seguinte:
No capitulo 1° foi ordenado que a irmandade tives-
se três livros — o dos Estatutos, o da inscrição dos
trmãos e o dos termos das Contas, rendimentos e des-
pesas.
Dispunha-se no segundo que cada ano haveria na
Confraria um juiz, dois mordomos (um para a cera e
outro para os paramentos e fábrica da Capela), um
tesoureiro (eleito com o parecer do juiz para dar conta
dos anuais e despesas) e um escrivão (o qual devia
ser sempre um irmão- clérigo).
No capitulo 3° declarava-se que na Capela de
S- Pedro se diriam 20 missas por cada irmão que fale-
oosse, sendo de 60 reis o estipêndio de cada uma.
O capitulo 4° dispunha da forma como se havia
de dar a cera para alumiar e acompanhar os confrades
defuntos.
Das missas que em cada mês devia celebrar o
Escrivão pelos confrades vivos e defuntos, tratava o
capitulo 5.°.
0 capitulo 6." continha o disposto acerca das con-
dições de admissão dos irmãos (a ajustar em cada
easo) e do anual, cujo pagamento era de 30 reis por
Pessoa.
Tanto os que vivessem a mais de meia légua de
distância, como os que se tivessem ausentado, deve-
dam deixar um procurador. Disso trata o capitulo
sétimo.
Sobre a celebração do aniversário trata o capitulo
8°, onde se diz que a ele «assistirão todos os irmãos
sacerdotes, e se algum deles faltar sem causa, será mul-
tado a arbitrio da mesa. E estando algum ausente maior
distância
v
do que duas léguas será obrigado (onde esti-
er) [ai satisfazer com a missa e o oficio. E este aniver-
104

sário será (") de nove lições e se fará no dia da Vigília


do Glorioso Apóstolo, véspera da sua Festa; e sendo im-
pedido, será no dia antecedente; e não se dará de esmola
aos sacerdotes coisa alguma. E demais todos os sacer-
dotes assistirão à festividade do Santo, nas vésperas
como também no d/a» (7).
Importamte era a determinação consignada em
todo o capitulo 9.°. Transcrevemos, por isso, o seu con-
teúdo, o qual reza assim: «Determinaram que no fim
deste Aniversário, que em todos os anos se fizer, se
dirá um responso cantado ou rezado, aplicado pelos
moradores, assim do termo da Vila de Prado, como
desta freguesia de Cervães, que ajudaram esta tão
pia obra e concorreram para a fundação da Capela.
E deste sufrágio terão grande cuidado os oficiais da
Mesa para que se cumpra com toda a satisfação» (8).
O capitulo 70.° contem disposições relativas à
obrigação de a Irmandade assegurar de todo o necessá-
rio a fábrica da Capela de S. Pedro.

Nem tudo podia estar previsto em Estatutos de


âmbito tão reduzido e por isso algumas dúvidas se
foram levantando. Em resposta a esses problemas ou
dúvidas tiveram os instituidores de redigir alterações
ou adições que aos Estatutos foram juntando. Os pró-
prios Estatutos haviam já encarado esta eventualidade
quando neles se dizia: «e sendo necessário para utili-
dade da Confraria novos Estatutos se farão de con-
sentimento de todos os Irmãos» (9).

(<■>) lb.. fl. 5 v.0.


(q lb., tl. 6.
(s) lb., fl. 6.
(9) Estatutos, fl. 6 v".
105

A primeira das adições surgiu aos 26 de Janeiro


de 1687, ou seja três anos depois de passada a Pro-
visão de aprovação e confirmação do texto dos Esta-
tutos, que vem datada de Braga aos 21 de Janeiro de
1683. Tal provisão foi passada e escrita pelo escrivão
da Câmara Eclesiástica, Manuel Pereira Lobo e assinada
pelo Doutor António de Figueiredo Brito, Provisor e
Vigário Geral do Arcebispo D. Luís de Sousa. 0 Vigário
Geral, porém, só ordenou que se passasse provisão
depois de recebido o parecer favorável do Doutor Faus-
tino Valente da Silva, Desembargador da Relação, o
qual havia sido concedido, a 16 de Dezembro de 1682.
Determinara-se naquela primeira adição que a
missa a celebrar em cada mês teria lugar na primeira
segunda feira do mês. Assinam esse texto o secretário
da Irmandade, P. Domingos João, o Juiz, que já então
era Pedro Lopes de Azevedo e talvez o tesoureiro,
Sebastião Alves (i10).
Encontrava-se a Confraria em fase de expansão,
não só dentro da freguesia, como também fora dela.
Sendo assim, compreende-se que novos problemas
tenham surgido e para os quais havia que buscar res-
postas. Foi exactamente isso que fizeram, com data
de 15 de Maio de 1689, o Juiz da Confraria, que con-
tinuava a ser o fidalgo da Casa e Solar de Azevedo
(Lama), Pedro Lopes de Azevedo, e os demais irmãos
Padres Inácio da Costa, Sebastião da Silva, João
Ribeiro, António da Costa, António Domingues, João
Francisco, Domingos João, Nuno Cerqueira, Lourenço
da Costa e o Licenciado João Ribeiro que devia ainda
ser o Reitor de Cervães e os leigos Constantino da
Rocha, Filipe Dias, Miguel Francisco e Domingos
Vaz f11).

(i») lb.f fl. 8.


f11) Estatutos, fls. 10 v." e 11.
106

Deram a esse conjunto de novas determinações o


nome de Adições segundas aos Capítulos atrás e outras
cousas necessárias, as quais vêm distribuídas por doze
pontos, caída qual com o seu próprio título.
Na adição n.0 1 — De quando se há-de fazer
Mesa — ficou determinado que em todos os terceiros
domingos de cada mês se reuniriam na Capela alguns
membros da Mesa, quer para aceitarem novos Irmãos,
quer para tratarem de outros assuntos.
Para aliviarem o tesoureiro, bastante sobrecarre-
gado, determinou-se eleger um procurador para fazer
parte da Mesa e ajudar, tanto o tesoureiro, como os
irmãos encarregados da cobrança dos anuais fora da
freguesia. Disto trata a adição n.0 2 e ainda parte da
do n.0 3.
Os dois mordomos ficariam encarregados de arre-
cadar os anuais. Um encarregava-se da parte do Couto
e o outro da parte de baixo da freguesia. Nas freguesias
onde houvesse muitos irmãos, eleger-se-ia quem aí o
fizesse; naquelas onde fossem poucos, competia esse
trabalho ao procurador. Este o conteúdo da adição n.0 3.
Devido aos encargos para com a Confraria, foram
os padres dispensados do pagamento dos anuais e
ficaram obrigados a fazer somente o ofício na Vigília
de S. Pedro (Adição n.0 4)
O juiz pagaria do seu bolso a pregação do dia de
S. Pedro; o tesoureiro, o procurador e os mordomos
dariam os dez tostões para os dez padres que assistis-
sem às vésperas e à missa cantada. Cada padre rece-
bia cem reis ou um tostão (Adição n.0 5).
Dos critérios de admissão na Irmandade tratava a
adição n.0 6. Quem entrasse até aos 20 anos pagava
300 reis; até aos 34, 400 reis. Dessa idade para cima,
seria uma quantia a combinar com a Mesa.
A adição n.° 7 determinava que o tesoureiro só
podia ter em sua posse 10 mil reis para cera e missas.
107

O restante dinheiro devia ser posto a juro, de baixo de


boas fianças.
O número de missas pelos irmãos subiu de 20 para
24. Estas, a celebrar na Capela. Uma outra missa seria
celebrada ainda, mas essa, no altar privilegiado de
S. Pedro da Sé de Braga. E isto apenas enquanto na
Capela de Cervães se não obtivesse o altar privile-
giado í1-'). A adição n.0 8 tudo isso determinara.
Após a festa de S. Pedro, e mais concretamente,
no 3.° domingo de Julho, os mesários novos e velhos
deviam reunir-se na Capela para entrega e tomada de
contas e fábrica da dita Capela e Irmandade. Em livro
próprio se fazia acta, que os novos mesários assinavam,
desonerando assim a mesa cessante (Adição n.0 9).
Os anuais deviam ser pagos até ao dia 29 de Junho,
ou com tolerância, até ao 3.° domingo de Julho. Quem
até esta data não satisfizesse ficava sujeito às pena-
lidades previstas (Adição n.0 10).
Os irmãos que se ausentassem sem deixar pro-
curador ou que deixassem de aparecer seriam risca-
dos, podendo, contudo, ser a todo o tempo readmiti-
dos, desde que satisfizessem as dívidas (Adição n.011).
Os pontos da adição n.0 12 referem-se aos acom-
panhamentos dos confrades falecidos ou outros.
No funeral dos irmãos falecidos todos os confrades
eram obrigados a participar, sob pena de multa de
20 reis. Os mordomos eram obrigados a avisar cada
irmão da hora em que o falecido ia a sepultar e se o
acompanhamento saía de casa deste ou se saía da

(12) Em 1736 ou 1737 já na Capela de S. Pedro de Montório


se celebravam as 25 missas por cada irmão no altar privilegiado.
Se esse privilégio fora ou não obtido por breve ou concessão
válida por um septénio, como aconteceria em 1747, não sabe-
mos. Cremos todavia que assim tenha efectivamente acontecido.
A concessão de 1747 teria sido precedida pela de 1740 e pela
de 1733, pelo menos.
108

Capela da Confraria. Isto acontecia quando se levava


a tumba da Irmandade. E, neste caso, todos deviam
sair juntos e em filas, sob as ordens dos oficiais. Estes
levariam as suas becas vestidas. Além disso, o tesou-
reiro levava a cruz e os dois mordomos levavam as
tochas ao lado da cruz; o juiz e o procurador levavam,
cada um, a sua vara para governar a irmandade em
boa ordem.
No caso de se levar a tumba para funeral fora da
freguesia, seriam eleitos, de cada vez, quatro irmãos
para a levarem, sob pena de uma libra de cera (13). E os
herdeiros do defunto eram obrigados a dar a estes qua-
tro irmãos uma colação, ou seja, uma ligeira refeição.
Quem, apesar de não ser irmão, quisesse ser
transportado na tumba, podia fazê-lo, desde que
pagasse 500 reis para a Irmandade.
Estas 12 Adições e Reformações de Capítulos,
depois de vistas pelo Desembargador da Relação, Dou-
tor Jerónimo Ferreira, foram aprovadas e confirmadas
pela Provisão que, em nome de D. Luís de Sousa, man-
dou passar o Vigário Geral, R. Doutor Bento Lopes
Pedrosa, que a assina. Subscreve esta provisão o
P. Manuel da Costa, escrivão da Câmara Eclesiástica
e vem datada de Braga, aos 22 de Junho de 1689.
Em 1737, o Juiz perpétuo, que então era ainda o
fidalgo Pedro Lopes de Azevedo, requer autorização
para que o estipêndio das missas, que pelos irmãos
deviam ser celebradas, pudesse continuar a ser de
60 reis e não de 80 reis (esmola que «se arbitrou
agora»). E isto porque, diz ele, «a confraria é pobre e
não tem rendimentos capazes» para satisfazer os sufrá-
gios devidos. Estes constavam ainda de 25 missas,
todas elas já celebradas no altar privilegiado da Capela
de S. Pedro de Montório.

(") A libra era o mesmo que arrátel ou 459 gramas.


109

Apesar de o despacho ter sido favorável, o certo é


que os oficiais não encontraram sacerdotes que lhas
celebrassem por menos dos 80 reis tabelados. Foi essa
a
razão que levou novamente o Juiz, bem assim como
os restantes oficiais a dirigirem-se aios seus superiores
eclesiásticos (visto ser da jurisdição ordinária a dita
confraria) para que determinassem que a soma dos
oitenta reis fosse levada em conta pelos oficiais res-
pectivos.
Datada de 26 de Janeiro de 1751, o Desembar-
gador do Tribunal da Relação da Cidade e Arcebispado
de Braga, Doutor Faustino Pereira da Silva, ao mesmo
tempo Juiz provedor, contador e executor geral dos
resíduos, enviou aos párocos da visita do Arcediagado
do Neiva uma ordem ambulatória ou circular. Nela se
afirmava nomeadamente; «Tanto que esta da minha
parte lhes for apresentada a bem da justiça, logo sem
demora, e no termo de dez dias sob pena de suspen-
são, ipso facto, avisem as confrarias e irmandades das
suas freguesias, somente aquelas que dão contas a
esta jurisdição eclesiástica e a ela são sujeitas e as
avisem na pessoa dos oficiais que actualmente o forem
delas para que não aceitem legado nem obrigação
alguma perpétua, sem primeiro obterem consentimento
e autoridade ordinária na forma estabelecida na cons-
tituição sinodal deste Arcebispado e em sua observân-
cia sob pena de excomunhão, ipso facto incurrenda, e
debaixo da mesma pena lhes farão registar esta ordem,
em algum dos seus livros aonde esta fique mais patente
para todo o tempo dela constar e de como tudo assim se
fez, como também fica feito o registo na forma desta
ordem» (14).

(14) Texto transcrito numa das folhas do processo da


documentação relativa à Irmandade Leiga de S. Pedro, não
numerada.
110

Cabe informar que esta Irmandade viria a dar ori-


gem a toda uma polémica, cuja evolução não interessa
aqui relatar. Baseava^se fundamentalmente no seguinte:
a Confraria de S. Pedro de Montório era «de sua natu-
reza secular, porque teve seu princípio sem prévia auto-
ridade do Senhor Ordinário, que só depois de feita e
erigida (a confraria) se alcançou, e por isso como pos-
terior não pode nem deve fazer eclesiástica quem a seu
princípio tomou a natureza de secular». Foi este o teor
das palavras com que Manuel António da Cunha Vilela
se dirigiu, em exposição datada de Cervães, aos 4 de
Dezembro de 1793, ao Doutor Desembargador, Corre-
gedor, Provedor, o qual era então o Doutor António
José Silveira e Silva,
É curioso verificar que nesse mesmo dia 4 de
Dezembro de 1793, esse Doutor António Silveira, do
Desembargo de sua Majestade, e com alçada na cidade
de Braga e em todo o seu termo, estivera em correição
no Couto de Cervães. São de seu mandato as seguintes
palavras relativas aos Estatutos da Irmandade Leiga
de S. Pedro de Montório; «Faço saber a quantos o pre-
sente virem em como por ele confirmo e hei por confir-
mados os Estatutos retro na forma deles e com as
declarações da resposta do Doutor Promotor, que
mando se cumpram e guardem como neles se contem
e declara, para o que lhe interponho minha autoridade
judicial e juratório Decreto, etc. Dado e por mim assi-
nado e selado e como valha sem selo ex causa neste
Couto de Cervães em Correição aos 4 de Dezembro
de 1793. Dez tostões 80 reis e de Assinatura e selo
69 reis e eu António de Barbosa Ribeiro Coutinho,
Escrivão da Correição, que pelo da Provedoria o
escrevi».
Escusado será dizer que estas palavras viriam a
causar grande estranheza ao Desembargador Procura-
do/ Geral da Mitra que, em 1805, teve a curiosidade
111

de examinar os Estatutos e as Adições da Irmandade


Leiga de S. Pedro de Montório. Desse exame tirou a
conclusão de que esta Irmandade a que chamavam
Leiga era pelo contrário uma das mais genuinamente
eclesiásticas e que havia sido usurpada pela jurisdi-
ção secular.
Por isso escrevia a dada altura; «Não posso deixar
passar intacta a usurpação que se fez à Jurisdição em
que lhe tiraram uma Irmandade das mais Eclesiásticas»,
prosseguindo imediatamente o seu pensamento com
palavras deste teor: «Por isso, requeiro que se man-
dará entregar pelo Escrivão da Câmara estes Estatu-
tos ao Reverendo Desembargador Juiz dos Resíduos
para deixar autenticada a instituição, erecção e con-
firmação desta Irmandade e procederá ao mais que
julgar necessário para se f restituir? ] á Jurisdição no
que for seu e proceder e autuar os Eclesiásticos que
sem autoridade legitima passaram a fazer actos de
sujeição a Jurisdição incompetente». Este um texto
que felizmente resistiu às moléstias do tempo e do
descuido dos homens e que vem apenas rubricado com
o nome Peixoto.
###

Não podendo aprofundar a evolução de todos


estes incidentes, passaremos imediatamente à conside-
ração de outros pontos, também eles úteis para a his-
tória da Irmandade Leiga de S. Pedro de Montório.
Num livro quase totalmente apodrecido pela humi-
dade e que se desfez totalmente à medida que o fomos
transcrevendo naquilo em que tal ainda foi possível,
descobrimos elementos para avaliar a expansão da
Irmandade, pelo menos, no que se refere ao período
de entre 1812 e 1833. Tratava-se, pois dum livro
recente, mas que fora totalmente perdido e desfeito.
112

sendo as últimas páginas aquelas que mais desfeitas


se encontravam. As datas de 1833 e de 1832 eram as
que se encontravam com menos elementos recupe-
ráveis.
Havia na Irmandade Leiga de S. Pedro irmãos das
seguintes freguesias: Cervães, Oliveira, Parada de Gatim,
Cabanelas, São Gens, Santa Marinha de Oleiros, Prado
fSanta Maria), São Mamede de Escariz, São Romão
da Ucha, Lama, Igreja Nova e Ateães.
No ano de 1814 foram celebradas missas de sufrá-
gio por 26 confrades falecidos durante o ano transacto,
contando-se entre eles um sacerdote de Cervães
(P. Domingos da Costa e Silva). Os demais irmãos,
homens e mulheres pertenciam a diversas freguesias.
Em 1815 foram sufragados os 11 irmãos falecidos
durante o ano de 1814. No ano de 1815 faleceram 7
confrades, sufragados no ano seguinte. Em 1816 subiu
esse número a 15 falecidos e em 1817 chegou aos 20.
Durante o ano de 1818 faleceram 16.
No ano de 1820 faleceram 14 irmãos; no de 1821
subiu esse número a 22 e no ano seguinte (1822)
desceu um pouco, ficando-se pelos 12 falecidos, en-
quanto durante o ano de 1823 já subia a 17, Seria
curioso acompanhar até mais além este sobe e desce
dos números. Mas isso não foi mais possível, porquanto
nos encontrávamos já perante uma pasta de papel (?)
em que raramente se viam letras.
Verifioa-se através deste testemunho que a Irman-
dade satisfazia os seus compromissos relativamente à
celebração das 25 missas por cada irmão no ano
seguinte ao da sua morte. Além disso, refere-se sem-
pre a celebração das missas de cada mês e duma missa
anual de Legado.
Entre 1812 e 1823, pelo menos, exerceu o cargo
de secretário da Irmandade, o P, João Domingues Mar-
tins, Cura da Igreja de Cervães.
113

Por se tratar duma autêntica raridade, achamos


por bem registar a lista dos Mesários da Irmandade
Leiga, tal como ficou constituída em 1850-1851 e que,
por acaso, até nós chegou num simples papel avulso
e já bastante estragado:
«Juiz — Ex.mo Senhor Visconde de Azevedo.
Secretário — R. José Joaquim da Silva Bacelar
— 14 votos, R. Serafim dos Anjos Garcia — 1 voto.
Tesoureiro — Manuel de Sousa, da Frondosa — 12
votos, António Francisco — 3 votos.
Procurador — Manuel Domingues, de Laceiras —
14 votos, João de Oliveira, do Paço — 1 voto.
Mordomo da parte do Couto — Manuel da Silva
Gonçalves — 15 votos.
Mordomo da parte de baixo — José Afonso, de
Mangoeiros — 15 votos.
Mordomos de fora:
Oliveira — António da Silva...
Lama — João Rodrigues.
S. Romão — Pedro Fernandes, do Cabo.
Cabanelas — Domingos Joaquim Gonçalves.
S.ta Marinha — António Araújo, do Barral.
Parada — Manuel, filho de Domingos..., do Puriço.
Ateães — Manuel Pereira».
No verso do mesmo papel constavam os nomes
dos Mesários para o ano de 1852-1853, muitos dos
quais se encontravam totalmente apagados. No entan-
to, pudemos ainda transcrever os seguintes:
«Juiz — Ex.mo Senhor Visconde de Azevedo.
Secretário — R. José Francisco Ribeiro — 11 votos,
R. Manuel de Oliveira — 0 votos.
Tesoureiro — António Francisco da Silva, do Bom
Despacho — 1 voto, Manuel do Couto — 10 votos.
Procurador — Manuel..., da Ermida — 11 votos,
João Domingues, idem — 0 votos.
8
114

Mordomo da parte do Couto — José Forte, do


Souto — 11 votos.
Mordomo da parte de baixo — Domingos José, de
Cervelhos — 11 votos.
Mordomos de fora:
S. Romão — Manuel... Gomes da Costa.
Cabanelas — Domingos Joaquim.
— Domingos da Silva.
Parada — António de Oliveira.
Lama — Manuel José».
###

Para a expansão da Irmandade Leiga de S. Pedro


de Montório muito terão contribuído, desde meados
do séc. XVIII em diante, as graças pontifícias obtidas
e nomeadamente as indulgências aplicáveis aos defun-
tos da Irmandade.
Nas Adições que em 1689 se fizeram aos Esta-
tutos já se tinha a preocupação de que uma das 25
missas de sufrágio, a celebrar por cada irmão falecido,
fosse celebrada no altar privilegiado de S. Pedro exis-
tente na Sé de Braga. E isto devia ser feito «enquanto
o não houver nesta capela, porquanto havendo [- o,
tal missal se dirá nele » ("). Não podemos informar
quando obtiveram os mesários tal privilégio, por falta
de documentação sobre o assunto. Sabemos, todavia,
que em 1737, pelo menos, já era certo que todas as
25 missas eram celebradas «no altar privilegiado da
mesma capela» (ie).
Encontrámos alguns textos de decretos pontifícios,
mas são todos posteriores a esta data. É um de 17 de

(is] Documentação da Irmandade Leiga, fl. 9 v.°.


(io) f|. não numerada.
115

Novembro de 1747 e refere-se à concessão duma Indul-


gência especial aplicável aos defuntos pelos quais fos-
sem celebradas missas por qualquer sacerdote, secular
ou regular, na Capela de S. Pedro de Montório, no dia
dos fiéis de Deus ou dentro da sua oitava, bem assim
como em qualquer segunda feira do ano.
É já mais ampla a concessão obtida em 1754, aos
7 de Dezembro, do mesmo Papa Bento XIV. Mediante
o novo Decreto, concedeu o Papa que todas as missas
celebradas em qualquer dos altares da Capela de
S. Pedro de Montório, ou da Igreja paroquial de Cer-
vães, desde que celebradas em sufrágio de algum con-
frade da Irmandade Leiga, de S. Pedro, lhe aproveitas-
sem como sendo celebradas em altar privilegiado, e
isto perpetuamente.
Fora este Decreto pontifício tornado público na
Diocese de Braga mediante Edital assinado pelo Doutor
José da Silva Chaves, Abade de S. Julião de Calen-
dário e Provisor diocesano, com data de 17 de Março
de 1755. Uma cópia original desse edital existe ainda,
actualmente, afixada no arco-cruzeiro da Capela de
S. Pedro de Montório.

A IRMANDADE ECLESIÁSTICA

A Irmandade Eclesiástica de S. Pedro de Montó-


rio fora uma importante Irmandade cuja história nos
seria hoje totalmente impossível reconstituir sem a
feliz ideia que em 1854 tiveram e executaram os mem-
bros da Comissão que então fora encarregada da actua-
lização dos seus Estatutos (")•

(17) Tentaremos resumir aqui um estudo que publicámos


in Itinerarium, XX (1974), pp. 267-324, de que se fez Separata
de 62 pp. Tem esse estudo o título Subsídio para o Estudo das
116

Comecemos por informar que o nome primitivo da


Irmandade ou Confraria não era nada que se parecesse
com os nomes que lhe deram, séculos depois. Inicial-
mente denominava-se Irmandade dos Fiéis de Deus
ou das Almas. Teve ela o seu berço na Igreja paroquial
de Parada de Gatim. Mas o melhor será darmos por ins-
tantes a palavra aos autores da Noticia Histórica, que
antecede o texto da Reforma dos Estatutos da Irman-
dade dos Clérigos de S. Pedro de Montórío. Dizem
assim:
«Se para toda e qualquer benéfica instituição
humana é um titulo de glória a antiguidade da sua
fundação, poucas terão mais bem fundado direito a
esse glorioso titulo, do que esta veneranda Irmandade
Eclesiástica de S. Pedro de Montório. Teve ela o seu
berço em mui remota era, de cuja data não há memó-
ria, na Paroquial Igreja do Salvador de Parada de Gatim,
onde primitivamente foi fundada pelos primeiros devo-
tos, segundo a tradição antiga, Luis Anes, Francisco
Gonçalves, Álvaro Pires, Martim Anes, Afonso Pires
e Gonçalo Anes e por estes ordenados os primeiros
fundamentos dela, denominando-a e intitulando-a
Irmandade dos Fiéis de Deus, ou das Almas» ('*).
Não dispunham de elementos que lhes permitis-
sem indicar qualquer data os redactores do texto que
acabámos de transcrever. Sabemos que eram homens
honestos os Reverendos Manuel Domingues de Macedo,
Abade de Alheira (Barcelos), António José Correia,
Abade da Ucha( Barcelos), Joaquim da Silva Bacelar,
de Cervães (Vila Verde), Manuel Fernandes Lopes e

Irmandades ou Confrarias de Portugal — A Irmandade dos Fiéis


de Deus de Entre Cávado e Neiva, uma Associação de Clérigos
do séc. XV? Para ele remetemos quem desejar melhor documen-
tação l8
ou melhores esclarecimentos.
( ) Transcrito no nosso estudo, in Itinerarium, XX, p. 280;
Separata, p. 18.
117

José Gomes Fernandes Cónego, ambos de Cabanelas


(Vila Verde) e que dessa tarefa airosamente se incum-
biram. Por isso, limitaram-se a dizer, como era seu
dever, que estavam em face duma veneranda Irman-
dade, de mui remota era, de cuja data não há memória.
Felizmente, estamos hoje em melhores condições
do que esses ilustres eclesiásticos para apontar, não
já uma total solução do problema, mas antes elemen-
tos que contribuirão de algum modo para essa solução.
Com efeito, sabemos quem eram Francisco Gon-
çalves e Martim Anes, dois dos eclesiásticos funda-
dores da Irmandade dos Fiéis de Deus. Era o primeiro
o «capelão de Santa Maria de Freiriz», como o refere
um documento de 29 de Maio de 1508, em que apa-
rece como «procurador do Abade que para o tal Auto
era requerido». O segundo nome encontrámo-lo igual-
mente na mesma data e no mesmo documento que era
o Tombo da Freguesia de S. Mamede de Escariz. Aí
aparece referido como sendo o «cura da Igreja de
Parada», cargo que ocuparia durante algumas dezenas
de anos (I9). Sendo assim, poderemos ver nesta data
de 1508, como que um esteio ou um indispensável
ponto de referência para a datação da fundação da
Irmandade dos Fiéis de Deus, não sendo pois exagero
algum defender que ela remontará aos primeiros anos
do século XVI ou até possivelmente já aos últimos
anos do século XV (20).
Se alguma dúvida se oferecesse quanto a ter sido
Parada de Gatim o berço da fundação da Irmandade
das Almas ou dos Fiéis de Deus, seria ela facilmente
eliminada com informações, que, embora tardias, nos
revelam contudo uma continuidade de tradição por
todos pacificamente recebida. Numa das actas, que

(19 ) Itinerarium, XX, p. 281; Separ., p. 19.


(20) lb., p. 282 e 321; Separ., p. 20 e 59.
118

no livro denominado Titulo das Faltas e Condenações


desta nossa Confraria se encontra, e referente a cele-
bração do ofício geral desse ano, lê-se o seguinte: «Aos
três dias do mês de Junho de 1669 fazendo-se o Anual
da Confraria dos Fiéis de Deus na paroquial Igreja de
Parada de Gatim e nele faltaram os irmãos seguintes»,
passando imediatamente a enumerá-los.
Contudo, será útil transcrever também parte do
texto da acta que segue: «Aos 11 de Maio de 1671 se
fez o Anual na Igreja e cabeça de Parada de Gatim
onde faltaram os seguintes: os R.dos Pero Martins (-1),
Domingos Dias, Manuel da Cruz (22), Inácio da
Costa {23), Francisco da Costa (21), Domingos Simões,
Vigário de S. Gens {'M), Gaspar Alves ou Álvares, de
Prado, Gaspar Dias, de Ateães, Pero Cardoso (2I!),
Miguel Alves, o Abade de S. Lourenço ido Mato, Ponte
de Limai mandou Cura, o Vigário de S. Julião fde
Freixo!...» (27).
A quem nos perguntar como apareceu então em
Cervães, e mais concretamente na Capela de S. Pedro
de Montório, a Irmandade dos Fiéis de Deus de Parada
de Gatim, responderemos com a seguinte passagem
fundamental, que se encontra registada na Noticia His-
tórica, a que mais atrás se fez alusão:

(21) Era o capelão da Casa-Solar de Azevedo (Lama,


Barcelos).
i22] Sucessor e continuador do Ermitão João da Cruz,
nas obras
23
de construção do Bom Despacho.
(24 ) Cf. o Capítulo sobre Cervães e o seu Clero.
(25) Cf. Cervães e o seu Clero.
f ) Isto é, S. Gens de Macarome. Foi paróquia indepen-
dente entre 1220-1855, data em que foi incorporada como lugar
na freguesia de Cabanelas (Vila Verde).
(2<i) De Arcozelo. Chegamos a pensar que do Concelho
de Vila27Verde. Mas pode ser antes de Barcelos.
( ) Itinerarium, XX, p. 284; Separata, p. 22.
119

«Passados talvez séculos, L corria o ano de 16871


a Irmandade Leiga de S. Pedro de Montório, estabe-
lecida na sua Capela da mesma denominação, na fre-
guesia de Cervães, fez aos 28 de Abril do dito ano
escritura pública na Nota de João Vieira Mendes, Tabe-
lião do Couto de Vilar e Areias, à Irmandade Eclesiás-
tica dos Fiéis de Deus, instituída, como dito fica, na
Igreja de Parada de Gatim, para poder trasladar-se
desta Igreja para aquela Capela, e serem nela morado-
res e dela usarem como sua, assim como também das
imagens e do sino, e nela fazerem as suas Festas e
Ofícios e mais coisas do seu uso em qualquer tempo
do ano, excepto na Véspera e Dia de S. Pedro, a 29 de
Junho (28); declarando que se a Confraria Leiga qui-
sesse em algum tempo aumentar mais os sufrágios
pelas almas dos seus irmãos, o poderia fazer, sem que
se encontrasse com os da Confraria Eclesiástica. Outros-
sim declarando que cada uma das ditas Confrarias se
serviria com os seus ornamentos, assim com os Iquei
de presente tem, como com os que para o futuro tives-
se; e que ambas as ditas Confrarias seriam meeiras
em todas as obras, que se fizessem, sendo úteis e
necessárias à dita Oapela; e que, sendo necessário,
cada Confraria teria sua chave para a serventia dela e
entrar e sair todas as vezes que necessário fosse; e que
a casa, que a Irmandade Eclesiástica fizesse para reco-
lhimento dos seus irmãos, no dia do Anual e mais
ofícios, a daria e emprestaria à dita Confraria Leiga na
Véspera e Dia de S. Pedro, a 29 de Junho. E com estas
reservas, cláusulas e condições disseram os oficiais da
Irmandade Leiga davam à Eclesiástica o consentimento
de se trasladar para a Capela de S. Pedro de Montó-
rio, sem nunca irem contra ele, nem também pedirem

(28) Nestes dias celebrava a Irmandade Leiga as festivi-


dades do seu Patrono e o seu ofício anual.
120

coisa alguma do casco {-") da dita Capela, sino e


imagens e a Irmandade Eclesiástica assim o acei-
tou» (■,0).
Depois desta longa transcrição ficamos em condi-
ções de compreender parte da história de ambas as
Irmandades, que no século XX acabariam por se fundir
numa só, a fim de tentarem sobreviver.
Portanto, a data jurídica da transferência da irman-
dade dos Fiéis de Deus de Parada de Gatim para Cer-
vães encontra-se firmada em escritura de 28 de Abril
de 1687. Ignoramos se a trasladação de facto se fez
imediatamente a seguir ou se ainda demorou algum
tempo, uma vez que nenhum documento encontrámos
que sobre isso nos esclarecesse. Mas fosse como fosse,
o certo é que a Confraria Eclesiástica das Almas ou
dos Fiéis de Deus aí continuou a usar o mesmo título
antigo, que tinha, até ao ano de 1741, data em que se
efectuou a segunda reforma dos Estatutos e em que
S. Pedro foi dado como Patrono à referida Confraria,
que até então estivera sem nenhum. Nessa mesma
data lhe alteraram o nome, o qual passou a ser Irman-
dade dos Clérigos ou Eclesiástica de S. Pedro de Mon-
tório, por ter recebido S. Pedro como Patrono
celeste (31).
Teriam provavelmente século e meio os Estatutos
primitivos quando, em 1652, foram sujeitos a uma pri-
meira Reforma. Embora não nos ficasse registado o
nome dos primeiros reformadores, nem tampouco o
texto por eles redigido, sabemos, contudo que tal texto
foi aprovado pela autoridade do «senhor Ordinário», ou
seja o Cabido então a governar por estar vacante a Sé,
desde 1641. A data dessa aprovação é do ano 1653 (:i2).
(2i>) Isto é o capital ou o conjunto dos bens temporais.
(30 ) Itinerarium, XX, p. 285-286; Separata, p. 23-24.
(812) lb., p. 286, 291, 300; Separ., p. 24, 29, 38.
D) lb., p. 291-292; Separ., p. 29-30.
121

Vemos assim que a Irmandade Eclesiástica dos


Fiéis de Deus de Parada de Gatim procedia à primeira
reforma dos seus Estatutos, quando muitas das Irman-
dades das Almas elaboravam os seus ou estariam ainda
para nascer (33).
Pelo que nos ficou registado no livro Título das
Faltas e Condenações desta nossa Confraria, com infor-
mações compreendidas entre os anos de 1665 e 1693,
pudemos assentar em que a Irmandade dos Fiéis de
Deus era formada por clérigos (padres) e por alguns
poucos leigos. Provavelmente, já então, não devia o
seu número ultrapassar os quinze. Os leigos podiam
ser casados ou não e pertencer a ambos os sexos.
Casos havia em que os membros do casal faziam parte
da Irmandade na qualidade de meeiros. Mas também
podiam pertencer como irmãos de pleno direito. Seria
uma questão de pagarem as quotas exigidas aos irmãos
em tais condições. Os irmãos meeiros, porque pagavam
apenas metade da quota prevista, gozavam de dois
ofícios de sufrágio, em vez dos quatro previstos para
os irmãos de pleno direito. Além dos ofícios, benefi-
ciavam os Irmãos de missas de sufrágio, cujo número
não conseguimos descobrir.
Sublinhe-se que os irmãos podiam, além disso,
optar pelas modalidades de entrada como irmãos remi-
dos ou como aposentados, à excepção das mulheres,
que já então se deveriam inscrever na qualidade de
remidas. Os irmãos remidos ficavam dispensados de ir
assistir aos ofícios, com a excepção do da Festa do
Anual. Os aposentados nem sequer eram obrigados a
assistir ao Anual, mas se o quisessem, podiam fazê-lo.
Entre Junho de 1665 e Setembro de 1693, terá a
Irmandade dos Fiéis de Deus efectuado mais de 229
ofícios, ou seja, oito, como média, em cada ano. Sabe-

(33) Itinerarium, XX, p. 292; Separata, p. 30.


122

mos os nomes dos irmãos por quem foram celebrados


muitos desses ofícios, como sabemos quais os irmãos
que a eles deviam ter assistido e faltaram. É disso que
precisamente se ocupa o Titulo das Faltas e Conde-
nações. Sim, porque também havia condenações para
todos aqueles que faltavam, sem motivo ou razão para
o fazerem.
A respeito do local da celebração dos ofícios,
deve-se dizer que, normalmente, era a igreja paroquial
de Parada de Gatim, até ao momento da trasladação
da Confraria para S. Pedro de Montório. Isto era abso-
lutamente exacto noi que se refere à celebração do
ofício do Anual. Quanto aos ofícios por alma de cada
um dos confrades, podemos dizer que alguns deles,
pelo menos, foram celebrados na igreja da paróquia a
que tal confrade pertencia e na igreja mãe ou cabeça
da Irmandade.
Entre os cargos de mesários da Confraria que nos
aparecem referidos ao longo do referido livro Titulo
das Faltas, contámos os seguintes: procurador, escrivão
ou secretário, prior e deputados, sendo, se não todos,
pelo menos, estes últimos, cargos que se exerciam,
por um ano apenas.
Não tinha ainda decorrido um século quando, em
1741, sentiram os Confrades da Irmandade de S. Pedro
de Montório ser necessário proceder-se a nova reforma
dos seus Estatutos. Para esse efeito elegeu a Irmandade,
por votos, uma comissão de seis membros, os quais,
juntamente com os oficiais da Mesa em exercício,
deviam proceder a tal reforma. Foram os seguintes os
membros da comissão eleita: Reverendos Bento de
Sousa da Cunha de Azevedo, Moço Fidalgo da Casa
Real e Abade de Santa Maria de Galegos e sua anexa
o Salvador de Quírás; Domingos Gomes, Abade de
S. Veríssimo de Tamel; Manuel Antunes Rebelo, Reitor
de S. Martinho de Galegos; Domingos Lopes, Vigário
123

de S. Gens de Macarome; Doutor João da Costa e


Pedro da Costa, ambos de S. Romão da Ucha.
O texto desta reforma também parece ter desapa-
recido, mas os Reformadores de 1854 tiveram-no à mão
e conheciam-no sobejamente. O facto de ter podido
vigorar um total de 113 anos é uma prova da eficiência
dessa reforma e da competência dos seus autores.
Uma das inovações que julgamos ter sido intro-
duzida neste período dizia respeito ao princípio dos
limites da Irmandade, ou seja, do território dentro do
qual viviam ou não os irmãos obrigados a deslocar-se à
celebração dos ofícios e, como tais, se denominavam
irmãos residentes. De contrário tinham de se dar por
aposentados ou então como remidos.
Segundo o que pudemos concluir duma análise de
listas de Confrades da Irmandade, relativas ao período
de entre 1775 até 1800, pouco mais ou menos, o número
de padres que, pelo facto de não serem considerados
residentes, se viram forçados a pedir a aposentação,
atingiu os 17. Cada irmão aposentado era obrigado a
nomear um procurador residente, que o representasse
junto da Irmandade e que o informasse de tudo quanto
nela de importante se fosse passando...
***

«A/o decurso de um século, renova-se a face do


mundo, pois os homens que existiam há cem anos, não
existem hoje, e os que existem hoje. não existiam há
cem anos; homens seculares são tão raros, que esses,
que de longe em longe aparecem, apontam-se como
prodígios de longevidade e duração. Diferentes tempos,
diversos usos e costumes, multiplicadas e, quase ao
infinito, variadas circunstâncias acompanham a nova
geração, que surge; e por isso as leis humanas regula-
mentares da sociedade, anteriormente estabelecidas e
124

proveitosas, umas se tornem insuficientes para os seus


fins, outras caem em desuso, algumas tornam-se noci-
vas, poucas talvez conservam inteira sua primitiva esta-
bilidade, firmeza e utilidade. Eis aqui a origem donde
vem a necessidade de multiplicadas reformas, que só
deixam de ser úteis, e até serão perniciosas, quando são
desnecessárias, quando dimanam de incompetente
autoridade, quando destroem os fundamentos da socie-
dade, ou não levam em vista o bem comum dela e tam-
bém quando são confeccionadas por Ineptos reforma-
dores, faltos de luzes e capacidade bastante» (").
Com estas palavras justificou plenamente a sua
tarefa reformadora a Comissão dos cinco membros
encarregados de dar à Irmandade Eclesiástica nova e
actualizada legislação. Foram os oficiais da Mesa que
governava a Irmandade em 1850 quem propôs, em
Junta Geral, que se nomeasse comissão reformadora.
A Irmandade, depois de anuir à proposta, elegeu, entre
os sacerdotes, para esse efeito tidos como os mais capa-
zes, os seguintes: Reverendos Manuel Domingues de
Macedo, António José Correia, Joaquim da Silva Bace-
lar, Manuel Fernandes Lopes e José Gomes Fernandes
Cónego, como já atrás referimos.
A Comissão meteu mãos à obra e deu-a por con-
cluída no dia 21 de Agosto de 1854, sendo então Mesá-
rios da Irmandade os Padres José Gomes Fernandes
Cónego (Prior), Manuel Emílio Gomes da Costa (Se-
cretário), José Joaquim da Silva Bacelar (Promotor),
António Gonçalves de Oliveira (Tesoureiro) e Pedro
José Fernandes da Costa (Vedor).
Aos 13 de Novembro de 1854, os Estatutos foram
tidos em termos de poderem ser aprovados, segundo
parecer do Desembargador Procurador Geral da Mitra,
Domingos José Mendes da Rocha. A provisão de

f34) lb., p. 315; Separ., p. 53.


125

D. Pedro Paulo de Figueiredo da Cunha e Melo, Cardeal


Arcebispo de Braga, foi passada com data de 20 de
Novembro, pelo Secretário que então era na Câmara
Eclesiástica, o P. José Luciano Gomes da Costa (35) e
a mandado do Doutor Provisor Miguel Gomes Soares
que a assinou. Ficou registada no Livro do Registo
Geral a fl. 342v.0, com data de 27 de Novembro desse
mesmo ano de 1854.
Foi também requerida aprovação régia, que foi
dada por Decreto datado do Paço em 12 de Maio de
1856, vindo tal aprovação averbada a fl. 70 pela mão
do próprio Conselheiro Oficial Maior Secretário Geral
do Ministério do Reino, B. Fonseca Magalhães, que
declara ter rubricado todas as setenta meias folhas de
papel, em que se encontram escritos os ditos Estatutos.
Não nos vamos deter a examinar o conteúdo dos
30 capítulos desses Estatutos. Referiremos apenas que,
em conformidade com o capítulo XXIII, a Irmandade
era obrigada a fazer anualmente, na segunda-feira a
seguir à festa da Ascensão do Senhor, o ofício geral de
defuntos, constando de três Nocturnos e Laudes e
Missa, sendo tudo cantado. No fim, devia ser feita
procissão de defuntos ao redor da Capela.
Por ocasião da morte de cada irmão, fazia-se ofício
completo de defuntos e Missa cantada, ou de corpo
presente, na igreja onde fosse sepultado, ou então na
Capela de S. Pedro, no prazo de 15 dias.
Além disso, devia a Confraria mandar celebrar
quinhentas missas por cada confrade falecido, a dis-

Lí5) Era natural de S. Romão da Ucha. Em 1879 ainda


desempenhava as mesmas funções. Devia ter entrado para esse
lugar em 1851, visto ter requerido em 2/6/1851 a aposentação
da Irmandade Eclesiástica, por já estar em Braga, como Secre-
tário. Faleceu em Braga a 29 de Setembro de 1889, Era irmão
do P. Manuel Emílio Gomes da Costa.
126

tribuir no mesmo dia do ofício, e cada uma dessas


missas gozava da Indulgência de altar privilegiado.
Contudo, com o declínio da Irmandade o quantita-
tivo das Missas foi diminuindo, a passos largos, a partir
de 1906. Efectivamente, a 27 de Abril desse ano come-
çaram-se a dar menos missas aos padres (300 ou 200),
deixando-se certamente as restantes para mandar cele-
brar na Espanha, talvez por ficar mais económica essa
distribuição. A partir de 1912 só se distribuem já 200
missas; em 1918 celebram-se apenas 100; em 1921, só
se distribuíam 50; em 1924, só se celebravam já 25 ou
até mesmo 20, quantia que aliás se conseguiu manter
até 1941.
Outros compromissos tinha a Irmandade. O de
mandar celebrar semanalmente três missas por todos
os seus confrades vivos e defuntos era compromisso
perpétuo, segundo os Estatutos de 1854; pertencia ao
Tesoureiro celebrá-las ou arranjar quem o fizesse.
Os ofícios de obrigação eram todos gratuitos, mas
as Missas, essas eram pagas com os rendimentos da
Irmandade.
Aos confrades doentes pobres era obrigada a Con-
fraria a prestar condigna assistência, bem assim como
a fazer um decente funeral àqueles a quem tal não fosse
possível por causa do seu estado de pobreza.
A obtenção da Indulgência do Altar privilegiado
foi conseguida em Decreto de Bento XIV, datado de
28 de Março de 1753, a que a Cúria Bracarense deu
publicidade, em Edital de 6 de Julho de 1753. O essen-
cial dessa concessão pontifícia era do teor seguinte:
«todas as vezes que qualquer Sacerdote Secular ou
Regular celebrar Missa, em qualquer Igreja ou Altar
dela, pela alma de qualquer confrade ou confrada da
confraria dos Clérigos de S. Pedro de Montório, esta-
belecida na mesma Capela da mesma invocação na
freguesia do Salvador de Cervães, (...) e sendo as ditas
127

Missas daquelas que por Estatuto da dita confraria


lhes são determinadas, lhes sirvam as ditas Missas
como se fossem celebradas em Altar privilegiado»,
como se pode ver, tanto no próprio texto dos Estatu-
tos de 1854, como no Edital publicado por D. José de
Oliveira Calado, Bispo de Mauricastro e Provisor do
Arcebispado e cuja cópia autêntica se pode igualmente
ver afixada no arco-cruzeiro da Capela de S. Pedro de
Montório.
Interessa ainda sublinhar aqui que foi considerável
a aceitação e a consequente expansão da Irmandade
dos Fiéis de Deus. Embora não possamos determinar
com rigor quais os seus limites antes de 1854, pode-
mos, contudo, esclarecer que, já na segunda metade
do séc. XVII, a Irmandade Eclesiástica dos Fiéis de
Deus ultrapassava de longe os limites do medievo con-
celho de Prado. Incluía, além de todas as deste conce-
lho, freguesias da margem esquerda do Cávado, tais
como S. Paio de Merelim e Padim da Graça, ia abran-
ger na margem direita do Neiva terras como S. Lou-
renço do Mato, Friastelas, S. Julião do Freixo, San-
diães e Gaifar, sem falarmos já de terras mais próxi-
mas, como S. Mamede de Escariz, S. Martinho de Esca-
riz, Arcozelo, Vilar das Almas, Moure e Laje, ou outras
mais distantes, como Gondiães e Portela de Penela, ou
como S. Pedro de Alvito, Quirás, Ginzo e Gueral.
No séc. XVIII, deparamos com irmãos provenientes
de terras como S. Veríssimo de Tamel, de Fornelos,
Mariz, Mondim, Manhente, Santa Eugênia (Rio Covo) e
Lijó, todas das bandas de Barcelos, além de outras bem
mais distantes como Abadim, Basto, Creixomil, Anissó,
Rendufe, Barros, Penascais, Marrancos, S. João da
Ribeira, Souto de Rebordões, Moreira de Lima, Maza-
refes, Cristeío, Gamil e Santa Senhorinha de Basto.
A aceitação da distância de uma légua e meia de
raio a partir do Centro da Irmandade, que era a Capela
128

de S. Pedro de Montório, como critério estabelecido


nos Estatutos de 1854, veio alterar profundamente a
zona de expansão da Irmandade. Certamente que os
redactores dos Estatutos viam bem o problema e, além
disso, tinham eles pelo seu lado a experiência e o
bom senso.
E assim propuseram que as freguesias incluídas
dentro da zona e cujos irmãos se deveriam considerar
residentes passassem a ser as seguintes: Cervães,
Parada de Gatim, Escariz (S. Mamede), Escariz (S. Mar-
tinho), Freiriz, Vilar das Almas, Sandiães, Igreja Nova,
Alheira, Alvito (S. Pedro), Ginzo, Roriz, Galegos (Santa
Maria), Galegos (S. Martinho), Manhente, S. Vicente
de Areias, Lama, Oliveira, Ucha, Cabanelas, S. Gens
de Macarome, Oleiros, Atiães, Moure, Laje, Soutelo,
Prado, Merelim (S. Paio), Panoias, Santa Maria de
Mire, Graça, Pousa e Areias de Vilar.
Só com o consentimento de toda a Irmandade é
que estes limites poderiam ser alargados. Mas escusado
será dizer que todos quantos quisessem nela ser con-
frades, embora habitando fora destes limites, o pode-
riam fazer, desde que entrassem na qualidade de irmãos
remidos.
0 período que vai de 1876 até 1906 pode consi-
derar-se de verdadeiro apogeu na moderna história
da Irmandade dos Clérigos de S. Pedro de Montório;
e isso, devido, não só à notável afluência de irmãos
sacerdotes aos ofícios, cujo número chegou a atingir
as quatro dúzias, mas também a capacidade económica
da fábrica de S. Pedro, para satisfazer condigna e gene-
rosamente todos os compromissos espirituais da mes-
ma Irmandade.
Depois de 1906, a tendência é uma orientação
para o declínio, tanto em pessoal como em capacidade
financeira, o qual cada vez se vai precipitando mais,
até ao ponto de numa reforma, efectuada em 1934, ser
129

necessário fundir numa só corporação as duas grandes


e antigas Irmandades, a Eclesiástica e a Leiga (,6).

II — AS MODERNAS IRMANDADES

Reservaremos esta denominação para as irman-


dades instituídas depois de 1758, designadamente a de
N. Senhora do Rosário, as Irmandades Unidas do San-
tis si mo Sacramento, do Rosário, Almas e S. Miguel,
todas estas da igreja paroquial, e a Irmandade e Asso-
ciação de S. Pedro de Montório (Unidas), da capela
daquele titular.
Talvez não seja muito rigoroso considerarmos
moderna a irmandade da Senhora do Rosário. Embora
não saibamos quando foi instituída, podemos contudo
afirmar que data de entre 1758 e 20 de Março de 1774.
Nesta última data procederam os irmãos à redac-
ção de aditamentos e reformas dos Estatutos, consi-
derados já então envelhecidos, certamente por mal ela-
borados ou desadaptados dos reais interesses de todos.
Ignoramos também quando, e quem redigiu esses pri-
mitivos estatutos, os quais, mediante aquela reforma,
foram dados como revogados e sem nenhum valor.
Nessa primeira reforma de 1774 sairam redigidos
12 capítulos, cujo conteúdo resumiremos aqui, à excep-
ção do primeiro, cujo texto se perdeu, por terem desa-
parecido as folhas em que se encontrava.
A mesa era formada por um Juiz, Secretário ou
escrivão (devia ser sempre um sacerdote da freguesia).
Tesoureiro, Procurador e dois Mordomos. É o que nos
diz o segundo capitulo.
Do processo da eleição tratava o cap. 3.°. no qual

(:ili) Cf, artigo 61 dos Estatutos da Irmandade e Associa-


ção de S. Pedro de Montório ("Unidas-) da Freguesia de Cervães.
9
130

se determinava igualmente que os mordomos, o tesou-


reiro e o procurador deviam ser eleitos alternadamente,
isto é, num ano os da parte de baixo da freguesia e
no outro os da parte de cima.
O cap. 4° declarava que o Juiz, tanto podia ser
eclesiástico como leigo. A ele competia pagar o sermão
de uma das festas da Senhora (no 1.° Domingo de
Outubro ou no 1.° Domingo de Maio).
Dispunha o cap. 5° que o Secretário tinha por
obrigação dizer gratuitamente as missas das duas fes-
tas. E nos restantes dez primeiros Domingos tinha de
celebrar as missas na igreja paroquial ao nascer do sol.
Do Tesoureiro trata o cap. 6.". A ele competia reco-
lher o pão, o linho e o dinheiro das esmolas das eiras,
ou seja do peditório feito pelo São Miguet, e cuidar
de todas as contas da Confraria.
Em colaboração com o Tesoureiro, trabalhava o
Procurador, a quem competia cobrar as pensões, foros
e juros dos dinheiros e dar contas ao tesoureiro. Disto
se ocupava o sétimo capitulo.
No 8." cap., lembravam-se quais as obrigações dos
Mordomos: repicar os sinos nas Vésperas dos primeiros
Domingos e nos mesmos Domingos, de manhã; tocar e
repicar os sinos e preparar a cera, a lâmpada e o
altar, etc.
A Confraria tinha de pagar as dez missas dos pri-
meiros Domingos do mês (excepto Maio e Outubro),
as missas dos Legados e a oferta dos oito rosários que
em cada festa se devia fazer. Disto e doutros pormeno-
res tratava o 9." capitulo.
Os mesários, à excepção do Juiz e Secretário,
deviam assistir a todos os funerais com opas, guião e
suas tochas. E em todos os primeiros Domingos, bem
assim como nos terceiros (missas do Senhor), deviam
arranjar seis tochas para se levar, eis as disposições
principais do capitulo décimo.
131

A primeira festa da Senhora celebrava-se no pri-


meiro Domingo de Maio. Constava de Vésperas, na
tarde do Sábado anterior, e no Domingo, de Sermão,
Missa cantada e acolitada e Procissão ao Cruzeiro,
para o que havia a devida provisão. Nos outros primei-
ros domingos, havia sempre procissão, mas esta, em
redor da Igreja. Disto trata o 11° capitulo.
O 72.° e derradeiro capitulo tratava da maneira de
fazer a prestação de contas, a qual se devia efectuar
no 1.0 Domingo de Julho.
Estas novas disposições foram assinadas por trinta
e dois irmãos, doze dos quais o fazem com uma cruz,
por não saberem escrever o seu nome. 0 Alvará de
confirmação foi passado pelo Doutor José Nunes Cola-
res, Desembargador e Provedor de sua Majestade,
el-Rei D. José, na Comarca da Vila de Viana da Foz do
Lima, com data de 17 de Abril de 1774.
Quarenta e quatro anos volvidos, nova reforma se
impôs! Vejamos também como ela se processou. Para
isso, apoiemo-nos rigorosamente no texto seguinte:
«Aos vinte e dois dias do mês de Agosto de mil
oitocentos e dezoito anos, juntos os oficiais da Mesa
de Nossa Senhora do Rosário desta freguesia do Salva-
dor de Cervães, determinaram o seguinte: Que como
esta chamada confraria de N. Sr." do Rosário não tem
Irmãos nem Sufrágios alguns (37) e tudo o que se faz
no que respeita ao espiritual é em beneficio geral dos
vivos e defuntos, se darão de esmola ao Rev. Secre-
tário, que disser as Missas das duas Festas, duzentos e
quarenta reis por cada uma e todas as mais de que
há obrigação, se dará por cada uma a esmola de que
houver costume; e se clarão, em cada uma das Festas,
dez rosários e, nas missas dos meses, se darão seis, em

Q7) 0 sublinhado é nosso.


132

cada uma, e toda esta despesa fará o Tesoureiro pelos


rendimentos da Senhora; e mandará fazer toalhas para
o Altar e reedificar as velhas e sacras e castiçais e tudo
o mais que for preciso para decência do mesmo Altar e
veneração da Imagem de Nossa Senhora pelos seus
rendimentos; e tudo o que houver oposto a esta deter-
minação, o hão por revogado, como se não fosse feito;
e aqui hão por chamados todos os capítulos como que
fossem apontados em particular, e só querem que se
observe esta determinação no que neta se declara e na
Festa [©ml que o Juiz paga o Sermão, farão os oficiais
as mais despesas das suas bolsas, à excepção da cera
e oficio» (38).
Encontra-se este texto em dois locais da pasta
dos documentos da Irmandade da Senhora do Rosá-
rio. A fl. 9, transcrito pelo punho do Pároco de Cervães,
P. Pedro Gonçalves Coura da Costa. E a fl. 20 v.0, por
mão de outro escrivão, que não conseguimos identifi-
car. Tanto num como no outro texto, assinam os Mesá-
rios: João de Oliveira (Juiz), Francisco Fernandes
(Tesoureiro), Alexandre da Silva (Procurador), Domin-
gos da Silva (com cruz) e José Gonçalves (Mordo-
mos). Na fl. 21, vêem-se ainda vários outros nomes
apoiando as assinaturas daqueles, aos quais se seguem
palavras do Pároco atrás nomeado. São do seguinte
teor: «Reconheço os sinais supra ser dos mesmos neles
declarados», continuando ainda com estas outras pala-
vras: «e como não tem Irmãos, não há mais quem
assine, somente se se convocar a freguesia ou os indi-
víduos dela, o que nunca se praticou, porque não tem
aqui voz activa nem passiva, pois somente são pro-
curados no tempo do São Miguel para a socorrerem
com as suas esmolas, e por isso se gratificam com os

P8) Estatutos da Confraria da Senhora do Rosário de


Cervães, fl. 20 v." e 9.
133

rosários, por sortes, as quais são feitas geralmente.


Salvador de Cervães, de Setembro, 5 de 1818».
Nada melhor do que todas as palavras transcritas
para podermos conhecer e compreender os problemas
e a evolução que sofreu a Irmandade ou Confraria dita
da Senhora do Rosário de Cervães.
A aprovação e confirmação foi requerida mas não
foi imediatamente concedida, pelo facto de ser insu-
ficiente o número de Irmãos que requeriam a petição.
Isto o que se soube da resposta dada pelo Doutor Pro-
motor da Comarca de Braga, António José da Silva
Reis, com data de 9 de Setembro de 1818 (39).
Por isso, teve o documento de regressar a Cervães,
a fim de recolher mais assinaturas até atingir o número
de 35, o que efectivamente depressa se conseguiu, como
se pode ver a fls. 22, pela data em que o texto chegou
de novo à presença do Doutor Promotor. Desta vez,
ainda não vinha tudo em ordem. Faltava o reconheci-
mento jurado feito pelo Pároco, como consta da obser-
vação averbada ao fundo da página pelo mesmo Doutor
Promotor, que assina com data de 15 de Setembro
de 1818.
Escusado será dizer que o pároco não teve qualquer
dificuldade em reconhecer as assinaturas, o que foi
feito com data de 19 de Setembro, após o que foi man-
dado passar o Alvará de Confirmação e Aprovação,
que saiu, aos 28 de Setembro de 1818, e foi dado pelo
Doutor Francisco Inácio Pereira de Sequeira Ferraz,
Juiz de Fora, do Crime e Órfãos, com Alçada na cidade
de Braga e a servir interiormente de Corregedor e Pro-
vedor com Alçada e tudo em nome dei-Rei D. José.
A aprovação eclesiástica foi pedida posterior-
mente e porque fora determinada no decorrer da Visita
canónica, como se vê do termo da fl. 22 v.0, datado de

p"! Ib., fl. 21 v.0.


134

«S. Romão da Ucha, em Visitação de 24 de Junho de


1825. Guedes)).
E como nada havia que obstasse à sua aprovação,
esta foi efectivamente concedida pelo Arcebispo Dom
Frei Miguel da Madre de Deus, aos 23 de Agosto de
1825, o qual assina pessoalmente o texto redigido pelo
Secretário da Câmara Eclesiástica, Custódio Luís de
Araújo. Vê-se igualmente o Selo branco das Armas do
dito Arcebispo. Ficou esta Provisão registada no Livro
competente do Registo Geral a fl. 165 v.", aos 28 de
Agosto de 1825, assinando o termo o Escrivão Aju-
dante José António de Sousa.
Mas não se ficaria ainda por aqui a Confraria çm
matéria de reformas.
Efectivamente, em 1 de Abril de 1834, nova Refor-
ma fora levada a cabo pelos Mesários Manuel Domin-
gues (Juiz), P. José Francisco Ribeiro (Secretário),
António Francisco Ribeiro (Tesoureiro), João de Oli-
veira (Procurador), João Sequeira e Manuel Francisco
Ribeiro (Mordomos). Foi essa reforma corroborada por
mais 28 assinaturas, entre as quais a do P. Francisco
Gonçalves Coura da Costa, que já então devia ser o
novo pároco.
Através das afirmaçÕGS produzidas, acjuando da
Reforma de 1818, já se podia depreender que era uma
Irmandade esquisita esta de N. Senhora do Rosário
de Cervães. Na verdade, uma confraria ou irmandade
sem irmãos não é irmandade nenhuma e o próprio uso
de tal designação nada mais poderia ser do que impró-
prio e abusivo.
Disso tinham plena consciência os reformadores
de 1834, os quais falaram apenas uma vez, por engano,
em Confraria, erro que imediatamente se apressaram a
corrigir. Para eles, a única designação aceitável era a
de Legado de N. Senhora do Rosário.
0 mais grave, porém, é que se tratava dum Legado,
135

cujo fundo e rendimentos estavam em vias de falência.


E era precisamente para tentar obstar a que isso acon-
tecesse que determinaram a presente reforma.
No ponto 2.° da Reforma de Estatutos, lemos o
seguinte: «Não se duvida que em tempo tivesse este
Legado fundo e rendimento para o Tesoureiro satisfa-
zer as despesas mandadas no Cap.° 9.° de fls. 76 v.0;
porém ou fosse pela má administração, ou pelo rendi-
mento não poder superar em cada um dos anos, hoje
se acha reduzido quase a nada e com um rendimento
certo muito deminuto, que, segundo o Livro das Entra-
das não excede de cinco a seis mil reis. E como os
actuais Tesoureiros se empenham e gastam das suas
algibeiras para satisfazer as obrigações do cap." 9°,
que são fazer dois aniversários, cada um de dez padres,
pagar um sermão e outras que se contêm no mesmo
cap. supra citado, e como estas despesas sejam muito
superiores ao rendimento da Confraria, digo do Legado,
por isso querem os actuais Mesários que o dito cap."
9° fique de nenhum efeito» (40).
Em substituição do conteúdo daquele capítulo,
propuseram outra solução tida como mais justa e viá-
vel. Para o estudo das vicissitudes das Confrarias, con-
virá registar aqui o ponto 3.° da Reforma dos Estatutos
deste Legado da Senhora do Rosário: «Como a sole-
nização das Missas Cantadas em os primeiros Domin-
gos de cada mês excite muito a devoção dos fiéis cató-
licos a dar a esmola que se costuma pedir pelas eiras
no tempo de S. Miguel; e juntamente a distribuição de
certo número de rosários que também se costuma fazer
no fim de cada uma das ditas missas cantadas: por
isso será o Tesoureiro deste Legado obrigado pelo ren-
dimento do fundo que ainda resta, (...), mas na falta
do dito rendimento, pelo subsidio da esmola a mandar

(40) lb.. fl. 25 v,0. O sublinhado é nosso.


136

dizer uma missa cantada em os primeiros domingos


de cada mês (...) e também se distribuirão no fim de
cada missa seis rosários» (11).
Com estas disposições não pretenderam de forma
alguma os Mesários coarctar a liberdade e generosi-
dade de outros mesários que por acaso desejassem
fazer a® festas à sua custa. Quiseram, como se impunha,
desobrigar da satisfação dum dever, que já não era um
dever, mas sim uma injustiça, cujas vítimas seriam,
como era natural, os mais pobres.
0 texto, uma vez submetido à aprovação superior,
foi, depois do parecer favorável dado em 3 de Junho
de 1834, aprovado mediante Alvará de Confirmação,
nessa mesma data, pelo Doutor João Nuno Silvério
Cerqueira Gomes e Lima, Corregedor e Provedor Inte-
rino com Alçada na cidade de Braga e seu termo, da
parte de Sua Majestade a Rainha D. Maria II.
Tudo nos leva a crer que este texto não chegara
a ser submetido à apreciação da autoridade eclesiástica
para obtenção de qualquer aprovação por parte da
mesma.

Resume-se a pouco o que actualmente resta ligado


à antiga vitalidade cristã da Capela de S. Pedro de Mon-
tório. Tudo se vê concentrado na Irmandade e Associa-
ção de S. Pedro de Montório («Unidas») cuja fusão
fora decidida aos 26 de Dezembro de 1933 (' ), pela

(ii) lb., fl. 26, ,


(42) É o seguinte o teor do art.0 61.° dos Estatutos: «Em
tudo o que se não oponha a estes estatutos aprovados das duas
corporações agora unidas — Irmandade Eclesiástica de S. Pedro
de Montório e Associação de Beneficência do mesmo nome
(com que designariam a Irmandade Leiga) as quais por legítima
deliberação dos seus irmãos e associados, de futuro ficam cons-
tituindo uma só corporação».
137

Mesa de então, a qual era constituída pelos Reverendos


PP. António Augusto Gomes da Costa (Juiz), José do
Patrocínio da Silva e Oliveira (Secretário), Benjamim
Ferreira de Sousa (Tesoureiro) e José Joaquim da
Silva Bacelar Júnior (Vogal).
Eles mesmos fizeram a adaptação dos Estatutos
que viriam a ser aprovados em 23 de Março de 1938
por Provisão do Arcebispo D. António Bento Martins
Júnior.
Os pontos que poderemos considerar de mais
relevo nesses Estatutos são os seguintes: «São consi-
derados sócios beneméritos os que pertencem à Irman-
dade Eclesiástica cujos nomes constam do registo com-
petente — e ordinários os que constam do registo de
irmãos da «Associação de Beneficência e Piedade de
S. Pedro de Montório» e que tenham os seus anuais
pagos em dia» (§7, art.0 11).
A reunião dos irmãos associados devia efectuar-se
anualmente no dia 28 de Junho, ou seja na véspera da
festividade de S. Pedro, padroeiro da Confraria. Esta,
segundo o art.0 8.° do Regulamento apenso aos Esta-
tutos, consta «pelo menos de missa cantada e sermão,
seguida de procissão e bênção do Santíssimo Sacra-
mento».
A Mesa, que administra a Confraria por prazo de
um ano, entra em funções no I.0 domingo de Julho, a
seguir à sua posse. Segundo o art.0 23.° dos Estatutos,
a Mesa consta de Juiz, Secretário, Tesoureiro, Procura-
dor, Fiscal, dois Vogais ou Consultores e dois Suplentes.
No art.0 60.° afirma-se que «a Mesa compor-se-á
sempre de leigos e eclesiásticos, cabendo a estes, quan-
do possível, os cargos de presidente, secretário e pro-
motor e tesoureiro».
Acharam também útil prever a nomeação de qua-
tro zeladoras que cuidassem dos altares e dos irmãos
doentes.
138

Entre os encargos espirituais da Irmandade, são


de referir os seguintes:
1.° — Todos os meses uma missa pelos irmãos
vivos e defuntos.
2° — Por cada irmão que falecer deve celebrar-se
uma missa de aviso logo a seguir à sua morte e dentro
do ano do falecimento, mais duas ou mais ainda se os
recursos financeiros assim o permitirem. Sendo irmão
benemérito, terá direito a vinte missas, ou mais, se
possível for.
3.° — Os irmãos beneméritos terão ainda direito a
um ofício de cinco padres e missa na Capela de S. Pedro
de Montório.
4.0 — No dia 28 de Junho, um ofício geral de defun-
tos, de cinco padres, com missa cantada. E os padres
também tinham obrigação de missa.
Uma outra obrigação, mas esta mais ligada aos
mesários, consiste em ir acompanhar os irmãos defun-
tos, devendo para o efeito levar as insígnias da Con-
fraria, a saber, a cruz e as opas vermelhas. Esta obri-
gação aplica-se exclusiivamente aos irmãos falecidos
dentro duma área de cinco quilómetros.
* * I#
Do que resta das antigas ou modernas irmandades
pertencentes à igreja paroquial subsiste a Irmandade
Unida do Santíssimo Sacramento, do Rosário, das Almas
e de S. Miguel, que tantas eram as que existiam antes
da união. Informa-nos o P. J- J- da Silva Bacelar que
esta união se fez para evitar despesas e trabalhos nas
contas e orçamentos das mesmas irmandades. Os esta-
tutos das confrarias unidas foram reformados e aprova-
dos em 1914 civil e eclesiasticamente (") ■ Sabemos
(") j. j, da Silva Bacelar, Apontamentos para a história
da igreja de Cervães, 1927, fl. 19 v.". (manuscrito do Arquivo
Paroquial de Cervães, Braga).
139

que até 1927 tiveram sempre as contas em dia e espe-


ramos que o mesmo agora aconteça.
###

Para encerrar este capítulo, transcrevemos aqui


um soneto de autor anónimo e que se encontra a
p. XVIII dos Estatutos da Irmandade Eclesiástica de
S. Pedro, de 1854:

«Qualquer urna pequena as cinzas cobre


do homem por maior que tenha sido,
De nada já lhe vale o ter valido,
Ter sido poderoso, rico ou pobre.

Embora o rouco tiro, e sino dobre...


O lânguido cadáver estendido.
Vai ser abandonado e destruído,
Sem que a terra o respeite por ser nobre.

Não é já, mais que pó organizado,


que em grosseiro burel ou em veludo,
pouco vale que seja amortalhado.

Ele entrou no segredo eterno e mudo,


E sem ficar do pó mais que um punhado,
Em um triste Aqui jaz se encerra todo».
IV

Párocos de C ervaes

É ostensivamente reduzido o presente elenco dos


párocos e curas da freguesia de Cervães, tenham eles
o título de Reitor, de Vigário, de Abade ou qualquer
outro. A documentação por nós conhecida e utilizada
não permitiu elaborar lista mais completa do que a que
fornecemos relativa aos últimos trezentos anos.
Pode ser que o acaso proporcione novas descober-
tas e permita aperfeiçoá-la, o que profundamente dese-
jamos.
As datas aqui registadas são aquelas que nas fon-
tes utilizadas se encontram expressamente reieridas e
como tais dignas de toda a confiança.

Pedro Pequeno (Capellanus) 1220


Pedro Monacus (Prelatus Ec-
clesie) 1258
Lourenço Fernandes (Cléri-
go) (') 1333
Aires Pais (Cónego do Couto
de Areias) 1335
Durão Esteves (Cónego) (2) 1333 - 1346

(') Era então o pároco do Salvador de Cervães.


(-) Era o abade de Santa Maria de Penoucos. Também o
foi, pelos vistos, do Salvador de Cervães. Mas se o foi simul-
taneamente duma e doutra igreja, isso já não sabemos.
142

João de Abreu (Arcediago do


Couto de Braga) 7...-1461 (*)
Diogo Gomes de Abreu (Ar-
:t
cediago ( ) 1524
Martim Lopes de Azevedo
Comendador, Leigo (') 1524- 1541
D. Nuno Álvares (Comenda-
dor, Leigo) (5) 1541 - ?
Manuel Cerqueira (Vigário)
(«) 1623- 1645-?
Filipe Rebelo Pereira (Rei-
tor) H 1645 - 1679
Inácio da Costa (Cura) 1676
João Ribeiro (Licenciado, Rei-
tor e Vigário) ? - 1680 - 1710 - ?
João Pereira (Reitor) ?- 1737 - 1762 - ?
António de Figueiredo Ma-
chado (8) ? ■ 1758 - 1759 - ?

(*) D. Fernando da Guerra privou-o do seu benefício da


igreja de Cervães, por se tratar de uma descarada acumulação
de benefícios (Cf. José Marques, Subsídios para o estudo da
Arquidiocese de Braga no século XV, in Brecara Augusta, XXX
(1976) 3 p. 89),
( ) Arcediago do Couto de Braga a que pertencia o Couto
de Areias. Mas decerto apenas recebia o benefício de Cervães,
bem assim como das igrejas que lhe andavam anexas, Laje
e Gualtar. , ,
(4) Foi o primeiro Comendador leigo. Era o morgado do
Solar de Azevedo (Lama).
(=) Segundo Comendador leigo.Sobrinho del-Rei D. João III.
(B) Primeiramente amo e em seguida protector do eremi-
tâo João da Cruz. Terá falecido em 1644-1645.
{') Aparece já referido num doe. de 13 de Dezembro de
1645, fazendo funções de pároco.
(8) Era um abade sem cura de almas; apenas usufruía do
benefício. Nos anos referidos até estava a residir na Vila de
Alenquer. Em Cervães tinha como seu procurador bastante o
P. Manuel José da Silva, Cónego da Colegiada de Guimarães.
143

Belchior Luís de Brito de


Lima (") ? - 1777 - 1784 (t1806)
Pedro Gonçalves Coura da
Costa ... ? - 1804 - 1834 - ?
João Domingues Martins
(Cura) ? - 1812 - 1823 - ?
Francisco Gonçalves Coura da
Costa Júnior (10) 1834 - 1839
Raimundo José de Macedo 1839 - 1840
João Luís da Silva Couto (En-
carregado da Cura de
almas) 1843 . ?
Francisco José de Carva-
lho (n) 1840 ■ 1868 - ?
Manuel de Oliveira (12) 1855 1871
António Joaquim Fernandes
de Barros (13) 1871 1907
Manuel de Azevedo Lima (14) 1907 1909

(9) Também conhecido pelo nome de Belchior de Brito e


Abreu. Deve ter residido, pelo menos, algum tempo na fregue-
sia. Aposentou-se na Irmandade dos Clérigos de S. Pedro de
Montório, em 1792. Era designado Reservatário de Cervães, mas
não sabemos desde quando.
(10) Na freguesia da Lama houve um padre com este
mesmo nome, mas faleceu no Porto à tirania dos franceses,
antes de 28 de Julho de 1809, data em que a Irmandade dos
Clérigos o sufragou por ser confrade seu. O P. Coura da Costa
Júnior 11era de Cervães.
f ) Segundo informação do P. J. J. da Silva Bacelar (o
segundo deste nome) este reitor ou pároco residia em Braga.
Vide o12capítulo acerca dos templos de Cervães.
f ) Usou sucessivamente os títulos de Cura, Coadjutor
e Pároco encomendado.
f13) Foi o primeiro grande abade de Cervães. Faleceu a
25 de 14Outubro de 1907.
C ) Era natural de Prado (Santa Maria). Tinha 25 anos,
quando, a 27 de Abril de 1906, deu entrada na Irmandade dos
Clérigos de S. Pedro de Montório.
144

António Maria de Araújo San-


tana (,s) 1909-1948 (11954)
Domingos Correia Neiva Pi-
nheiro í1") 1948 -
Em relação a este conjunto de padres são utili-
zadas as designações de capellanus, prelatus, reitor,
abade ou até simplesmente clérigo ou ainda cura. Não
tratamos de saber quais as causas de semelhante desig-
nação se é que alguma existe. Nem tampouco distingui-
mos aqui os abades de Penoucos dos Abades de
Cervães.

(13) Natural de Parada de Gatim, onde nasceu a 6 de


Setembro de 1876, Ordenado a 23 de Dezembro de 1899, e depois
de ter permanecido algum tempo em casa da família, foi paro-
quiar S. Martinho de Escariz, com o título de Reitor, cremos
que em 1907. Nomeado em 1909 abade de Cervães. aí perma-
neceu no cargo até Julho de 1948, data em que resignou. Viveu
na freguesia, em casa particular, até 30 de Maio de 1954, data
do seu falecimento. Foi sepultado em Cervães.
('<■■) Nascido em S. Pedro de Alvito (Barcelos) em 20 de
Junho de 1919. É filho de Manuel Correia de Miranda e de Maria
Neiva Pinheiro. Ordenou-se em 1942, tendo sido loao nomeado
pároco de Landim (Famalicão) e aí trabalhou até 1946, ano em
que foi nomeado oároco da Ucha (Barcelos), onde oermaneceu
até 1948. A 5 de Setembro deste ano tomou posse da freguesia
de Cervães. em que continua cheio de entusiasmo a realizar
excelente obra de apostolado.
V

,ervães e o seu Llero

É sumamente vantajosa paira o historiador, sobre-


tudo de assuntos locais a consulta de listas de pessoas
tidas como influentes nos grupos ou nos ambientes
sociais. Encontram-se neste caso as autoridades políti-
cas, judiciais, administrativas, os industriais, os profes-
sores, os padres, os médicos, farmacêuticos e outras
pessoas instruídas.
Embora a presente lista, referente à freguesia de
Cervães inclua apenas alguns elementos acerca de
padres dela naturais, achamos ser todavia útil publicá-
-la aqui. Ela revelar-nos-á, para além da frieza de nomes
e datas relativos a defuntos, toda uma mentalidade
destas gentes, toda uma fé e um estilo cristão de vida
deste povo a nível social e familiar. A própria aprecia-
ção da pastoral paroquial ou regional, se não mesmo
diocesana, disso se ressente, como não poderia deixar
de ser.
Como da lista se depreende, deu Cervães à Igreja,
nos últimos 310 anos, a que estes elementos se repor-
tam, mais de sete dezenas de sacerdotes, sem pratica-
mente contar com outros, que possivelmente terá havi-
do, pertencentes ao clero regular ou religioso. E dito
isto, imediatamente se fica a saber que aqui se trata
de nomes de sacerdotes do clero diocesano, muitos
dos quais passaram por assim dizer, a sua vida toda
na freguesia em que nasceram e faleceram.
10
146

Lamentamos não poder fazer para outras épocas


aquilo que conseguimos relativamente à segunda meta-
de do séc. XVII e seguintes.
Para maior facilidade de consulta utilizamos o sis-
tema de apresentação por ordem alfabética.
À excepção dum ou doutro caso, são absoluta-
mente de primeira mão as informações aqui contidas.
Foram colhidas em fontes muito diversas, desde os
tombos paroquiais de Escariz (S. Mamede), Parada
de Gatim, até aos livros de Testamentos, Estatutos das
Confrarias da Senhora do Rosário, das Irmandades Lei-
ga e Eclesiástica de S. Pedro de Montório, e tantos
outros livros a elas pertencentes (') e existentes na
freguesia de Cervães, sem esquecer ainda o Livro das
faltas e condenações da Confraria Eclesiástica dos Fiéis
de Deus de Parada de Gatim, nem os Livros de Capí-
tulos da mesma paróquia (2).
P. André José da Silva — Encontrámo-lo referido
como membro da Confraria Eclesiástica de S. Pedro
de Montório entre 1777 e 1793.
P. António Augusto Gomes da Costa — Nasceu
no lugar do Barral, em 1852. Tinha 25 anos quando a
7/5/1883 entrou na Irmandade dos Clérigos, em que

f1) O leitor mais curioso poderá reportar-se ao estudo


que em 1974 publicámos sob o título Subsídio para o Estudo das
Irmandades ou Contrarias de Portugal in Itinerarium, XX (1974),
p. 277, ss. ou em Separata do mesmo, a pp. 15-17, onde enume-
rámos 2 esses documentos.
( ) Com muita máqoa se deve registar aqui, para a pos-
teridade, que estes livros, como aliás todos os mais valiosos
existentes no Arquivo paroquial de Parada de Gatim desapa-
receram, para sempre, na voragem das chamas dum inexplicável
incêndio que, na madrugada de 3 de Julho de 1975, destruiu
toda a residência paroquial. Era então encarregado da paróquia
o P. Manuel Gonçalves da Costa, que não residia.
147

foi secretário 3 anos. A 14/7/1891 requereu a aposen-


tação por ter ido para Braga, para Secretário da Câmara
Eclesiástica. Faleceu em 1908, tendo sido sufragado
na Capela de S. Pedro a 1/6/1908. É tio do P. António
A. Gomes da Costa, ainda vivo e mais conhecido por
P. António Forte.
P. António da Costa — Da Irmandade Eclesiástica
dos Fiéis de Deus. Assina a acta de 7/10/1687 e é refe-
rido a 5 de Novembro de 1688.
P. António Domingues Leitão — Um dos onze fun-
dadores da Capela e Confraria de S. Pedro de Montó-
rio, em 1680. Assina os primeiros Estatutos em
26/6/1681 e as Adições de 15/5/1689, sendo então
Juiz da Confraria o fidalgo Pedro Lopes de Azevedo.
P. Frei António Germano da Silva — Nascido no
lugar da Frondosa. Foi professo numa Ordem religiosa.
A 19/5/1843 entrou na Confraria Eclesiástica, onde
exerceu vários cargos. Aparece como redactor de diver-
sos testamentos de habitantes de Cervães, nos quais
diz, por vezes, ser da Quinta da Estrela. Na qualidade de
«egresso» se foi conservando na freguesia. Deixou no
seu testamento quinze missas para serem celebradas
pelos seus companheiros de Ordem e uma a Nossa
Senhora das Graças. Faleceu a 28/3/1898. Seria gra-
clano? Isto é, dos Eremitas de Santo Agostinho ou
agostinhos calçados, que em Braga tinham o Colégio
do Pópulo?
P. António Luis Pereira — Entrou na Confraria dos
Clérigos a 11/5/1891, com a idade de 27 anos. Desde
aquela data até 1900, ano em que faleceu, viveu sempre
em Cervães. Teve oficio de sufrágio a 4/7/1900.
P. António de Matos — Apenas sabemos que, aos
29 de Fevereiro de 1668, faltou ao segundo dos 4 ofí-
cios celebrados pelo P. Francisco Saraiva, Vigário de
S. Julio do Freixo. Era membro da Irmandade Eclesiás-
tica dos Fiéis de Deus, de Parada de Gatim.
148

P. António Soares de Macedo — Da Casa da Lar-


gata. Aos 23 de Maio de 1849 entrou na Irmandade
Eclesiástica de S. Pedro. Foi reitor de Vilar de Frades.
Foi sufragado a 9/2/1895. Irmão do P. Joaquim José.
P. António Soares de Macedo Gomes — Nasceu
em 1867. Aos 11/5/1891, entrou na Irmandade Eclesiás-
tica, tendo 24 anos. Pagou de entrada 5$000. Em 1893
aparece como Vedor da Confraria. Foi sufragado aos
3/1/1894.
P. Bento do Couto — Aos 13 de Janeiro de 1667
já era confrade da Irmandade Eclesiástica dos Fiéis de
Deus. Foi um dos membros fundadores da Irmandade
de S. Pedro de Montório e respectiva Capela. Em 30 de
Junho de 1689 ainda era vivo.
P. Domingos da Costa Couto Flores — Do lugar de
Soutelinho. Entrou na Irmandade Eclesiástica, aos
27/5/1805, sendo então apenas «clérigo iniciado». Dei-
xou testamento. Faleceu a 25/12/1863 e foi sufragado
na Capela de S. Pedro a 5/1/1864.
P. Domingos da Costa e Silva — Era da Custa-
riça. Confrade da Irmandade Eclesiástica, tendo nela
satisfeito as suas obrigações no período entre 1806 e
1812. Faleceu em 1813 e foi sufragado com 25 missas,
no ano de 1814, por ser também confrade da Irmandade
Leiga de S. Pedro.
P. Domingos João — Natural de Cervelhos. Foi
um dos fundadores da Capela de S. Pedro de Montório
e da Confraria em 1680 e em 1681. Redactor dos Esta-
tutos e das Adições aos mesmos, em 1681 e 1689.
Vivia em 1695. Foi um dos dez padres presentes, em
28/4/1682, no 3.° ofício pelo P. Luís de Teive, Abade
que fora de S. Mamede de Escariz e falecido em 1681.
P. Domingos Vaz de Almeida — Entrou na Con-
fraria Eclesiástica a 22/6/1825. Pagou de entrada 2$400.
Faleceu a 18 de Novembro de 1883. Foi Reitor de Santa
Marinha de Forjães (Esposende). Teve ofício na Capela
1<9

de S. Pedro, aos 12/12/1883 e foram distribuídas as


500 missas estatutárias por 43 padres.
P. Filipe de Sousa — Aparece referido como mem-
bro da Irmandade Eclesiástica entre 1743 e 1754. Era
do Bom Despacho. Supomos que seria Capelão.
P. Francisco da Costa — Confrade da Irmandade
Eclesiástica dos Fiéis de Deus. Diversas vezes referido
no «Livro das Faltas», entre 1669 e 1675, data em que
faleceu.
P. Francisco Domingues de Macedo — Nasceu no
lugar de São Miguel, em 1854. Entrou na Irmandade
Eclesiástica a 28/5/1882, contando 28 anos. Até 1900
viveu ininterruptamente em Cervães. É provável que o
mesmo tenha acontecido no resto da sua vida, até 1906.
Foi celebrado o ofício por sua alma a 27 de Abril de
1906 e distribuídas por 31 padres as 500 missas. Rece-
beu a Tonsura e Ordens Menores a 12/9/1875.
P. Francisco Gonçalves Coura da Costa — Fez-se
confrade na Irmandade Eclesiástica a 9/5/1842, tendo
pago 9$600. Foi Pároco de Cervães desde antes de
1834 até, pelo menos, 1839, tendo sucedido a seu Tio,
o P. Pedro Gonçalves Coura da Costa. Viveu, se não
sempre, pelo menos a maior parte da sua vida na fre-
guesia. Faleceu ali de Abril de 1882. Teve ofício, em
S. Pedro, a 22 de Abril, estando presentes 47 padres
pelos quais foram distribuídas as 500 missas.
P. Gonçalo Dias — Membro da Irmandade Ecle-
siástica dos Fiéis de Deus. Faleceu em 1681 e foi sufra-
gado com o primeiro dos quatro ofícios, a 12 de Feve-
reiro desse ano.
P. Inácio da Costa — Referido como membro da
Irmandade Eclesiástica dos Fiéis de Deus entre 1667 e
1689. A 15/5/1679 era o Prior da Irmandade. Foi um
dos fundadores da Capela e Confraria de S. Pedro de
Montório e membro do grupo redactor dos Estatutos
e das Adições aos mesmos.
150

P. Inácio Francisco (da Costa) — Da Irmandade


dos Clérigos desde antes de 1743. Falecera em 1778.
Tivera o 1.° ofício a 6 de Fevereiro de 1778.
P. João de Araújo — Nasceu em 1835. Entrou na
Irmandade Eclesiástica a 17/5/1858, com 23 anos.
Pagou 3$000. Em 3/6/1867 requereu a aposentação
por estar a viver na cidade de Lisboa. Ficou a seu
procurador o P. Frei A. Germano da Silva. Faleceu a
16/4/1881.
P. João Caetano Pereira (Portela) — É o mesmo
que João José Caetano Pereira, etc., ou ainda só João
José Caetano. Natural do lugar da Portela. Desde
16/7/1853 foi confrade da Irmandade Eclesiástica.
Pagou de entrada 4$800. Faleceu aos 23/5/1898. Parece
ter vivido sempre em Cervães.
P. João Domingues — Da Irmandade Eclesiástica
desde antes de 1743. Faleceu em 1749. Sufragado com
o 1.0 dos quatro ofícios, a 19 de Novembro desse ano.
O último ofício teve lugar a 22/4/1750,
P. João Domingues Martins — Há dele referências
a partir de 1785. Membro da Irmandade dos Clérigos
e da Irmandade Leiga, de que foi Secretário, pelo menos
entre 1812 e 1823, na sua qualidade de Cura que então
era da igreja de Cervães. Em 1836 ainda era vivo, pois
assistiu ao anual da Confraria Eclesiástica. Natural do
Carvalhal.
P. João Ferreira — Por ser membro da Irmandade
Eclesiástica dos Fiéis de Deus, aparece o seu nome
entre 1675-1689 no «Livro de Faltas».
P. João Francisco — Referido como membro da
Irmandade Eclesiástica dos Fiéis de Deus entre 1677-
-1689. Foi também do grupo dos fundadores da Capela
e Confraria de S. Pedro de Montório. Assina também
os Estatutos em 1681 e as Adições em 1689.
P. Doutor João Francisco Paredes — Da Irman-
dade dos Clérigos. Referido entre 1786 e 1806, ano em
151

que faleceu. Sufragado com ofício celebrado aos


28/7/1809.
P. João Francisco Ribeiro — Entrou na Confraria
Eclesiástica a 9/6/1823. Em 1860 ainda vivia.
P. João Francisco da Silva Couto — Nasceu no
lugar de Resela. Sua mãe chamava-se Mariana da Silva
e era sobrinha do P. Inácio Francisco da Costa. Faleceu
ela em 1812. Do seu filho nada mais soubemos.
P. João Luís da Silva — Membro da Confraria dos
Clérigos desde antes de 1788. Faleceu em 1826. A
6/12/ desse ano tivera ofício d© sufrágio. Do lugar do
Penedo.
P. João Luís da Costa — Referido entre 1743 e 1754
como membro da Irmandade Eclesiástica.
P. Licenciado João Ribeiro — Em 1680 era o Reitor
da Paróquia de Cervães. Foi um dos mordomos funda-
dores da Capeia de S. Pedro de Montório e um dos ins-
tituidores da respectiva Irmandade e seus Estatutos e
Adições aos mesmos.
P. João da Silva Bacelar— Referido em 1777 como
membro da Irmandade Eclesiástica. Em 1794 ainda
estava vivo.
P. Joaquim Gomes da Costa — Nasceu em 1865.
A 9/8/1889, com 24 anos, entrou na Irmandade Ecle-
siástica de S. Pedro. Ordenara-se de Presbítero aos
28/10/1888 e foi durante muitos anos Secretário da
Câmara Eclesiástica de Braga. Faleceu com 76 anos
aos 28/1/1941.
P. Joaquim José da Silva Bacelar — Da Custariça,
onde nasceu a 21/6/1807. Filho primogénito de Bento
José da Silva Bacelar e de Antónia Maria. Seu pai,
natural do lugar do Castelo, foi capitão miliciano. Sua
mãe, descendente de gente de Prado, já havia nascido
na Custariça. Ordenou-s© o P. Joaquim José antes de
1833. Em 20 de Maio desse ano entrou na Irmandade
Eclesiástica, pagando 4$800. Foi um dos 5 membros
152

da Comissão Reformadora dos Estatutos dessa Irman-


dade, cujo trabalho terminou a 21 de Agosto de 1854.
Faleceu a 3 de Junho de 1875. O 5.° dos seus 8 irmãos
também foi padre. Chamava-se José Joaquim da Silva
Bacelar.
P. Joaquim José Soares de Macedo — Nascido na
Casa da Largata. Também conhecido por Joaquim S. de
Macedo. É irmão do Reitor de Areias de Vilar, P. Antó-
nio Soares de Macedo. Entrou aos 22/7/1856 na Con-
fraria dos Clérigos, tendo 24 anos e sendo ainda diá-
cono. Pagou 3$000. Faleceu com 49 anos, a 29/9/1881.
P. Joaquim de Oliveira — Nasceu em 1887. Aos
5/6/1916, tendo 29 anos, entrou para a Confraria Ecle-
siástica. Pagou 9$000. Era Capelão do Bom Despacho
quando faleceu em 1918, vitimado pela epidemia pneu-
mónica, que, pela mesma altura, dizimou os párocos
de Parada de Gatim, de Freiriz, de Oleiros e de S. Romão
da Ucha.
P. José de Araújo — Aos 17/5/1858 deu entrada
na Irmandade Eclesiástica. Em 1867 satisfez ao anual.
Mais não sabemos.
P. José Bacelar Júnior — Ver José Joaquim da
Silva Bacelar Júnior.
P. José Francisco Ribeiro — Membro da Irmandade
Eclesiástica desde 9/6/1823. Faleceu a 18 de Outubro
de 1860. Ofício a 29/10,
P. José Gonçalves Coura da Costa — Entrou na
Irmandade Eclesiástica aos 29/6/1868, tendo pago
3$000. Em 1876 vivia em Cervães. Por ocasião do ofício
de seu Tio, o P. Francisco Gonçalves Coura da Costa,
a 22/4/1882, aparece já com o título de Reitor e assim
até 1884, data em que parece eclipsar-se. Reaparece
o seu nome em 30/1/1900, e desta vez como Reitor
ou Abade de S. Romão da Ucha, onde se manteve até
à morte, em 1915. Teve ofício em S. Pedro a 16/3/1915
153

e foram distribuídas as 200 missas estatutárias por


13 padres.
P. José Joaquim de Oliveira e Silva — Entrou na
Irmandade Eclesiástica a 18/5/1826. Faleceu antes de
13/8/1841, data em que foí sufragado.
P. José Joaquim da Silva Bacelar (Sénior) — Nas-
ceu na Custariça a 24/10/1816. Filho de Bento José
da Silva Bacelar e de Antónia Maria. Ordenando-se
sacerdote, foi grande amigo do apostolado do confes-
sionário e da pregação. Sempre que pregava algum
sermão de festa, pregava também alguns sermões de
missão sendo estes gratuitos. Entrou na Confraria dos
Clérigos de S. Pedro a 25/5/1846, onde exerceu diver-
sos cargos. Em 1876-1877 ainda exerceu o cargo de
Prior. Faleceu a 24/8/1891 e a 2/9 foi sufragado com
ofício por 32 padres, a quem foram distribuídas as 500
missas. Era irmão do P. Joaquim José da Silva Bacelar
e tio e padrinho dó seguinte do mesmo nome.
P. José Joaquim da Silva Bacelar — Filho de João
de Oliveira da Silva Bacelar e de Josefa Domingues de
Oliveira, nasceu a 31 de Agosto de 1845, na Casa da
Custariça. Foi o segundo com este nome e sobrinho e
afilhado do sacerdote anterior. Ordenou-se em Dezem-
bro de 1872, tendo cantado Missa Nova na igreja de
Cervães a 29 daquele mês. Pregou o P. João Veloso,
de Braga. A 26/5/1873 entrou na Irmandade Eclesiás-
tica de S. Pedro de Montório. Já durante os estudos se
manifestou como companheiro inseparável dum homem
providencial da Arquidiocese de Braga, que foi o P. Joa-
quim Fernandes Lopes, de S. Paio de Merelim, futuro
abade de Frossos, capelão do Bom Jesus do Monte,
fundador e director do Seminário de Santo António
e de S. Luís Gonzaga. Juntamente com este sacerdote
e com o P. João Gonçalves, de S. Romão da Ucha,
futuro membro da Companhia de Jesus, o P. J. J. da
Silva Bacelar esteve na origem do que se poderia hoje
154

designar como fraternidade sacerdotal, cujo primeiro


objectivo consistira na organização de exercícios espi-
rituais para o Clero bracarense. Em Setembro de 1873
conseguiram reunir já no velho convento de Vilar de
Frades 43 padres, que aí fizeram o seu retiro sob a
direcção dos Jesuítas, PP. Francisco Pereira e João
Baptista Meli. Apesar de instado para que se dedicasse
à vida paroquial, o P. J. Bacelar preferiu dedicar-se à
vida missionária, em cuja decisão não esteve alheio
o P. Meli. Quando este efectivamente fundou a Con-
gregação ou Associação dos Missionários do Coração
de Jesus, encontrou no P. Bacelar um colaborador
valioso e entusiasta. Foi esta Associação aprovada pelo
Arcebispo D. João Crisóstomo de Amorim Pessoa, Nela
permaneceu sempre o P. Bacelar, gozando da confiança
de todos os Prelados que àquele sucederam. Missionou
mais de meio século, particularmente nas dioceses de
Braga, Vila Real, Porto e Lamego, tanto em vilas, como
em cidades e aldeias, em muito mais de trezentas loca-
lidades. Duravam as suas missões e as dos seus com-
panheiros da Associação dez ou quinze dias. Mas foram
sempre mais estas do que aquelas. Todas as missões
destes padres missionários eram dadas inteiramente
de graça. Só aceitavam a quantia correspondente às
despesas de viagem e a esmola do sermão da festa,
se o trabalho concluísse com festividade que requeresse
tal sermão. Este mesmo princípio era igualmente apli-
cado a todos os tríduos do Coração de Jesus ou de
N. Senhora.
Foi duas vezes a Paris e Roma e muitas a Lurdes,
em devotas peregrinações. Foi igualmente um dos
maiores benfeitores da sua paróquia, onde sempre gos-
tou de manter a sua residência e isso não obstante
todos os cargos que teve de desempenhar na Associa-
ção dos Missionários do Coração de Jesus ou mais
tarde na Associação dos Pregadores da Diocese, em
155

que teve de desempenhar alguns. Trabalhou também


muito na difusão de obras como a da Propagação da
Fé e Santa Infância (3).
Como apóstolo da devoção do S. Coração de Jesus
fora encarregado de coordenar o Regulamento da
Comissão Directora do Apostolado da Oração e Arqui-
-Confraria Romana do Sagrado Coração de Jesus e que
foi aprovado, em 8 de Março de 1887, pelo Arcebispo
de Braga, D, António de Freitas Honorato (')■ Desde,
pelo menos Agosto de 1899 fora da Direcção do pri-
meiro Círculo do Apostolado, com sede em Braga (3).
Em 1921 ficou a Director Delegado do Apostolado da
Oração do Arciprestado de Vila Verde (")■
Em 1916 e 1917 escreveu para o Boletim arquidio-
cesano de Braga, Acção Católica, uma série de artigos
sobre a devoção ao Coração de Jesus. Associou-se à
Homenagem prestada, em 1931, ao seu condiscípulo
Mons. Joaquim Fernandes Lopes. Publicou, em 1898,
a brochura Apontamentos Históricos do Santuário de
N. Senhora do Bom Despacho em Cervães e deixou
inéditos uns Apontamentos para a história da igreja
de Cervães, dados prontos em 1927 e oferecidos ao
Abade de então, e que são cuidadosamente aproveita-
dos na sua quase totalidade nesta obra, em seu devido
lugar. Deixou ainda recolhidos interessantes aponta-
mentos para uso e conhecimento da sua família.
Faleceu santamente na Custariça, com 92 anos,
a 17 de Fevereiro de 1937, tendo sido sufragado em
S. Pedro de Montório a 26 do mesmo mês. As 20 mis-
sas foram distribuídas pelos 6 padres presentes. Num

(3) Acção Católica, XXII (1937), p. 249.


(<) /t/em, II (1917), p. 201.
(3) lb.. p. 233-234.
('■•) Acção Católica, VI (1921), p. 116.
156

dos livros da Irmandade ficaram estas palavras a recor-


dar esse «irmão muito saudoso e que durante largos
anos foi o sustentáculo e benfeitor generoso desta
Irmandade» (7). Foi irmão do Cónego Manuel José da
Silva Bacelar e tio do sacerdote seguinte, o terceiro do
mesmo nome. Dele fala ainda a Acção Católica (8).
P. José Joaquim da Silva Bacelar — Filho de Antó-
nio José da Silva Bacelar e de Maria do Carmo Pereira
Couto, tendo sido o último dos 10 filhos do casal. Tinha
pouco mais de um ano de idade quando ficou sem pai.
Este faleceu a 26 de Junho de 1899, vítima dum desas-
tre de trabalho, no monte da Cobrosa, perto do antigo
«Engenho do Linho», quando estava a apor os bois ao
carro, sob o qual ficou esmagado. O filho José Joaquim
nascera a 27/8/1898. Ordenou-se sacerdote a 8 de
Abril de 1923 e cantou missa na igreja de Cervães a
6 de Maio seguinte. A 2/6/1924 entrou na Irmandade
Eclesiástica, pagando dez escudos. Paroquiou Freiriz,
desde fins de 1924 até pelo menos 1932. Em 1937 era
pároco de S. Romão da Ucha e aí permaneceu até à
morte, a 28/6/1946. Em 1941 era o tesoureiro da
Irmandade e Associação de S. Pedro de Montório (Uni-
das). Era mais conhecido por P. José Bacelar Júnior.
Foi irmão do conhecido médico João Cândido da Silva
Bacelar (nascido a 21 de Outubro de 1884), formado
no Porto e falecido a 24 de Outubro de 1971.
P. José Luis do Couto — Membro da Confraria dos
Clérigos desde antes de 1774, Faleceu em 1801 ou
antes do anual de 1802.
P. José de Oliveira — Entrou na Irmandade Ecle-

(7) Livro de assentos dos sacerdotes que disserem as


Missas pelas almas dos Irmãos da Irmandade Eclesiástica de
S. Pedro de Montório, (iniciado em 16 Outubro 1876) fl. 127.
(8) Vol, II (1917), p. 103; IV (1919), pp. 160 e 248; V (1920),
p. 232; etc.
157

siástica aos 24/11/1862, e nela ocupou alguns cargos.


Normalmente vivera em Cervães, onde faleceu em 1894.
Foíí sufragado com ofício a 22/9/1894 e teve 500 mis-
sas distribuídas por 36 padres.
P. José do Patrocínio da Silva e Oliveira — Nasceu
em 1877. Com 29 anos entrou na Irmandade dos Clé-
rigos, a 28 de Maio de 1906. Pagou 9$000. Foi pároco
colado de Igreja Nova e em 1936-1938 passou a pároco
de Parada de Gatim, conservando aquela igreja anexa
a esta. Já em 1932-1933 havia paroquiado Parada de
Gatim.
P. José Ribeiro de Macedo — Era natural do Souto
da Bouça, da Casa dos Lojes, onde edificou uma Capela
dedicada a Santo Afonso Maria de Ligório. Viveu
durante o séc. XIX.
P. Lourenço da Costa — Confrade da Irmandade
Eclesiástica dos Fiéis de Deus. Aparece referido entre
1675 e 1689.
P. Lucas Rodrigues — Um dos fundadores da
Capela e Confraria de S. Pedro de Montório, de que
foi o primeiro Administrador Geral e Juiz. Referido em
1680 e 1681.
P. Manuel da Costa — Referido como confrade da
Irmandade Eclesiástica entre 1743 e 1754.
P. Manuel da Costa Fontoura — Nasceu em 1880.
Aos 13/5/1907 entrou para a Irmandade Eclesiástica,
pagando 5$000, pois contava 25 anos. Havia-se orde-
nado sacerdote em 29/7/1906. Paroquiou Gaifar e outras
freguesias. Em 1923 foi residir em Cervães, para o Bom
Despacho, onde foi Capelão. Em 1948 foi internado na
Casa de Saúde de S. João de Deus — Barcelos, onde
falecera a 20 de Dezembro de 1956 (9).
P. Manuel da Cruz — Além de sucessor do funda-

(") Cf. Acção Católica, XLII (1957), p. 95.


158

dor do Bom Despacho, foi membro da Irmandade Ecle-


siástica dos Fiéis de Deus, na qual aparece desempe-
nhando, pelo menos as funções de Promotor e de Depu-
tado. Vê-se referido no «Livro das Faltas» entre 1665
e 1690.
P. Manuel Domingues de Macedo — Entrou na
Confraria dos Clérigos, a 4/5/1818. Faleceu a 11 ou 12
de Setembro de 1873 (10).
P. Manuel Domingues Martins — Referido como
irmão da Confraria dos Clérigos entre 1797 e 1822.
Faleceu em 1823 e foi sepultado no Bom Despacho,
onde foi Capelão desde 1813.
P. Manuel Félix Ribeiro — Nasceu em 1876, Entrou
na Irmandade dos Clérigos a 20/5/ 1901, tendo 26 anos
incompletos. Pagou 6$000. Em Setembro de 1901 apa-
rece ligado a Igreja Nova. Em Agosto de 1902 aparece
em Cervães. Em Maio de 1904 é chamado Abade. Entre
1922-1924 aparece sem título. Entre 1937-1939 surge
novamente com o título de Abade, mas não consegui-
mos ver donde.
P. Manuel Fernandes Gomes — Nascido no Casal
Novo, em 1829. Entrou na Irmandade dos Clérigos a
2/8/1871. Tinha 42 anos e pagou 12$500 reis. Faleceu
a 16/12/1892. Teve ofício a 30 de Janeiro de 1893,
estando presentes 38 padres, pelos quais se distribuí-
ram as 500 missas.
P. Manuel Francisco — Referido entre 1679 e 1687
como membro da Irmandade Eclesiástica dos Fiéis
de Deus.
P. Manuel José Gomes — Entrou a 15/5/1821 na

(10) Foi um dos cinco membros da Comissão nomeada


em 1850 para proceder à Reforma dos Estatutos da Irmandade
Eclesiástica de S, Pedro de Montório. Era Abade da freguesia
de Alheira.
159

Irmandade dos Clérigos, a qual o sufragou com ofício


celebrado a 16/12/1834.
P. Manuel José da Silva Bacelar — Também conhe-
cido por Manuel da S. Bacelar. Era irmão do P. José
Joaquim da Silva Bacelar (segundo deste nome). Nas-
ceu na Custariça a 2/4/1851, sendo o 5.° de 8 irmãos.
A 29/5/1876 entrou na Irmandade Eclesiástica de S. Pe-
dro, pagando 5$000, pois tinha 25 anos. Ordenou-se
em 1877, tendo dito a primeira missa na Capela da
Custariça, a 5 de Abril desse ano, em íntima festa de
família. Nomeado professor de Português no Colégio
da Formiga (Ermesinde), dedicou-se igualmente à pre-
gação, tendo sido orador das grandes circunstâncias
em cidades como Braga, Porto, Lamego e Coimbra.
Homem de grandes relações sociais, foi muito viajado,
conhecendo bem diversos países da Europa. Só a Paris
e Roma foi duas vezes. Quando estava no Colégio da
Formiga, o Bispo do Porto de então. Cardeal D. Amé-
rico Ferreira dos Santos Silva (1871-1899) convidou-o
para pároco de Vila Nova de Gaia, cargo que, por obe-
diência ocupou durante dois anos. Tendo concorrido
nessa altura para as vagas da Colegiada de Guimarães,
obteve um lugar de cónego na mesma. Para lá se diri-
giu, indo reger a cadeira de Português no Seminário-
-Liceu anexo à Colegiada. Atingido por persistente
doença da espinha teve de renunciar ao trabalho e ao
coro e regressar à Custariça. A 30 de Maio de 1892
aposentou-se na Irmandade Eclesiástica de S. Pedro,
na qual exercera os cargos de Vedor e Promotor. Na
sua doença beneficiou de melhoras notáveis, tidas até
por milagrosas, o que fora atribuído à intercessão de
N. Senhora de Lurdes, de quem fora grande devoto.
Só ao seu Santuário, a Lurdes, fez umas vinte e tan-
tas viagens! Em 1894, realizou a freguesia de Cervães
uma grandiosa festa em acção de graças à Senhora de
Lurdes pelas suas melhoras, entronizando então a sua
160

imagem na antiga Capela de S. Miguel. Faleceu na


Custariça, após resignada vida de sofrimento, a 30 de
Maio de 1921 (").
P. Manuel de Macedo da Silva Bacelar — Entrou
para a Irmandade Eclesiástica no último quartel do
séc. XVIII. Ausentou-se para os Estados Unidos, sem
deixar procurador, pelo que o seu nome foi riscado.
P. Manuel de Oliveira — Aos 8/5/1837 entrou na
Irmandade Eclesiástica, tendo pago 5$760 reis. Faleceu
em 1896, depois de ter vivido em Cervães, se não toda
a vida, pelo menos desde 1876. Depois de 1891 deixou
de participar nos ofícios, certamente por falta de saúde
ou por estar aposentado. Foi sufragado a 15/12/1896.
As 500 missas foram distribuídas a 35 padres.
P. Manuel Pereira — Do lugar de Cervainhos. Entre
1743 e 1790 aparece como membro da Confraria Ecle-
siástica.
P. Manuel da Silva Couto — Referido entre 1782
e 1788 na Irmandade Eclesiástica.
P. Nuno Cerqueira (da Costa) — Frequentemente
referido como membro da Irmandade Eclesiástica dos
Fiéis de Deus entre 1665 e 1689. De 1675-1678 foi cura
da Paróquia de Parada de Gatim. Foi também um dos
fundadores da Capela de S. Pedro de Montório, da res-
pectiva Confraria e Estatutos.
P. Pedro Domingues Martins — Ordenado presbí-
tero em 1812, entrou para a Irmandade Eclesiástica a
11/5/ 1812. Faleceu a 13 de Maio de 1867.
P. Pedro Francisco — Natural do lugar da Machin-
ca. Aparece como testemunha do casamento de Fran-
cisco da Silva Bacelar com Ana Maria de Oliveira Goios,
em 3 de Agosto de 1701.

(") J, J. da Silva Bacelar, Apontamentos Históricos do


Santuário de N. Senhora do Bom Despacho, p. 29, nota 1. Acção
Católica, VI (1921), p. 327 (fascículo de Julho).
161

P. Pero ou Pedro Martins — Natural do lugar da


Pedreira, aparece referido entre 1623 e 1680, em
documentos de Cervães. Foi confrade da Irmandade
Eclesiástica dos Fiéis de Deus, a qual o sufragou com
o I.0 dos 4 ofícios a 28 de Janeiro de 1680. Parece
ter sido, durante muitos anos o Capelão do Solar da
Quinta de Azevedo (Lama).
P. Pedro Martins — Encontramos este sacerdote
a testemunhar num casamento de 14 de Julho de 1737.
Sabemos que era de Cervães e nada mais.
P. Rodrigo Vaz— Irmão na Confraria dos Clérigos,
pelo menos entre 1743-1754. Ainda vivia em 1762.
P. Sebastião da Silva — Foi um dos membros fun-
dadores da Capela de S. Pedro de Montório, da Irman-
dade Leiga e dos respectivos Estatutos e Adições.
P. Serafim dos Anjos Garcia — Natural do lugar da
Bouça. Deixou testamento, cuja parte espiritual fora
transcrita, após seu falecimento, no livro de Testamen-
tos da Paróquia. Essa transcrição teve lugar a 25 de
Janeiro de 1853. Nele pedia que o sepultassem dentro
da igreja paroquial.

Sacerdotes de Cervães vivendo ainda em 1976:

P. António Augusto Gomes da Costa — Nasceu a


3 de Agosto de 1886. É filho de José Gomes da Costa
e de Rosa Gomes de Sousa Abreu, senhora da Casa
dos Fortes, do Barral. Ordenou-se de padre em 1908
tendo cantado Missa no dia de Natal. Em 1917 foi
nomeado coadjutor do Pároco de Cervães. Em 24/5/1909
entrou na Irmandade dos Clérigos de S. Pedro, pagando
de entrada 5$000. Nomeado Capelão do Bom Despacho
em 1919, exerceu este cargo durante 16 anos. Em 1941
era o Presidente da Confraria de S. Pedro (Unidas),
cujos Estatutos e Regulamento ajudou a redigir, aos 26
n
162

de Dezembro de 1933, e assinou na qualidade de Juiz,


que então era da mesma. Interveio na aquisição do
guarda-vento da igreja de Montariol, para o Santuário
do Bom Despacho.
P. José do Patrocínio Bacelar e Oliveira — Nascido
na Casa do Talho a 18/10/1916. É filho de Hilário da
Silva Oliveira e de Maria Bernardete da Silva Bacelar.
Frequentou os Seminários Diocesanos de Braga,
antes de ingressar na Companhia de Jesus, na qual
se ordenou sacerdote, em Julho de 1946. Licenciou-se
em Filosofia, em 1944, em Madrid; e em Teologia, em
1947, em Granada. Em 1949, doutorou-se em Filosofia
na Universidade Gregoriana de Roma. Desde então,
tem sido professor de diversos ramos das Ciências filo-
sóficas na Faculdade de Filosofia de Braga, de que
foi Director de 1962-1968. Foi Vice-Reitor (desde 1968)
e Reitor (desde 1972) da Universidade Católica Por-
tuguesa. Foi Secretário Geral do I Congresso Nacional
de Filosofia (Braga, 1955) e é membro de diversas
associações científicas estrangeiras. Tem participado
em numerosos congressos e outras reuniões de Filo-
sofia. É colaborador da Revista Portuguesa de Filosofia.
e tem publicados trabalhos diversos da sua especia-
lidade (12).
P. João Evangelista Bacelar e Oliveira — Nasceu
também no Talho a 6 de Abril de 1918. É irmão do ante-
rior. Estudou nos Seminários dos Franciscanos Portu-
gueses, em cuja Ordem ingressou a 7 de Setembro
de 1937. Professou solenemente a 19 de Dezembro de
1941 e foi ordenado sacerdote a 25 de Julho de 1943.
Tem exercido o seu apostolado na Metrópole e ocupado
alguns cargos na Ordem a que pertence em diversas
Casas do país.

(12) Enciclopédia Verbo, XIV, Lisboa (1973), col. 581-582.


163

P. Júlio do Patrocínio Oliveira Martins — Nascido


na Machinca a 7 de Novembro de 1919. É filho de João
António da Silva Oliveira e de Júlia da Silva Martins.
Ingressou, juntamente com o anterior, que é seu primo,
a 7 de Setembro de 1937 na Ordem Franciscana, em
que professou solenemente aos 19 de Dezembro de
1941. Ordenou-se sacerdote também em 25 de Julho
de 1943, depois de ter frequentado o curso nos Semi-
nários da Ordem Franciscana de Portugal. Em Fevereiro
de 1945 partiu como missionário para a Guiné-Bissau,
onde exerceu profícuo apostolado até vésperas da inde-
pendência daquele jovem Estado. Em 1975 foi nomeado
Superior do Convento Franciscano de Vilarino, que os
Franciscanos Portugueses possuem na Galiza (Es-
panha).
P oema

A Orides Aires Braga

Bom-Despacho! Ó monte cheio de encanto!


meus olhos choram de pranto,
de saudades por ti!
Quem me dera viver e morrer, ai.
à sombra do teu majestoso mosteiro,
como humilde obreiro
entre os mais humildes do Senhor!
Testemunhar-te todo o meu fervor
e a minha admiração
pelo teu maravilhoso horizonte!
Ó Avé-Maria do Céu, ó monte
que irradias luz!
Iluminas os espaços siderais
e as choupanas humildes dos mortais!
Ó Deus! Ó Natureza!
Ó templo majestoso de granito,
ó velho guardião de Jesus aflito,
em imagens reais,
a recordar o drama do Calvário!
ó sacratíssimo relicário,
túmulo de eremitas,
rochoso santuário de Deus vivo!
Como eu te quero
Como eu te adoro!
Como eu te venero
Como eu te choro e bendigo!

Leça, 2-8-66

Júlio Pontes
II PARTE

CERVÃES E O SANTUÁRIO

DO BOM DESPACHO
1

João J a Cruz
funJaJor Jo Bom DespacLo

1. Uma palavra sobre a freguesia da Bela. A uma


légua de Monção e junto à estrada que desta vila- se
dirige a Melgaço, localiza-se a freguesia de Bela. Como
paróquia, nasceu depois do Concílio de Trento, ou seja,
de 1563. E resultou da fusão de duas pequeninas e
antigas paróquias: Santa Eugênia de Barbeita e Santo
André da Torre. Além da nova designação, recebeu
também uma nova padroeira: Nossa Senhora das
Neves O).
Em 1225, Santa Eugênia de Barbeita fora, ao que
se diz, instituída em Couto dos Abreus, na pessoa de
Pero Anes de Abreu. E contava em 1527, 115 fogos.
Não seria rica demais a sua igreja, dado que, em 1320,
foi onerada, em função dos seus rendimentos, com uma
taxa de 30 libras, quantia com que contribuiria para a
continuação da guerra contra os mouros.
A igreja de Santo André da Torre foi taxada em 20
libras. Como o demonstra o cadastro da população do
Reino, de 1527, era pouco populosa, pois contava,
então, apenas 25 fogos (2).

í1) Enciclopédia de Cultura Verbo, art. «Bela», III, col.


953: Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, II,
Coimbra, 1910, p. 652.
(2) Archivo Histórico Português, III (1905), p. 247.
168

O P. A. Carvalho da Costa, que escreve antes de


1706, informa-nos que Bela era uma vigararia dos
Padres da Companhia, ligada ao seu Colégio de Coim-
bra (3) e que aí havia, além de três ermidas, uma popu-
lação dispersa por 140 fogos (')• Este número viria a
subir a pontos de em 1890 contar a freguesia 778 pes-
soas, em 172 fogos. Em 1911, o número de fogos era
já de 199 e 880 as pessoas recenseadas. Em 1960,
contava 1073 pessoas em 250 fogos, o que denota um
ritmo demográfico ascendente.
A lembrar ainda a existência da antiga paróquia
de Santa Eugênia, aí se encontra um lugar com este
nome.

(3) Tinha efectivamente razão o P. Carvalho da Costa.


Sabemos que em 20 de Junho de 1558 constituiu el-Rei D. Sebas-
tião seu procurador a seu sobrinho D. Afonso, Comendador-mor
da Ordem de Cristo e seu Embaixador junto do Papa, para, em
seu nome, aceitar dos Padres da Companhia do Colégio de Coim-
bra o direito de padroado das vigararias das igrejas do dito
Colégio, uma vez que, para sossego das suas almas, queriam
os ditos padres renunciar a esse direito e transferi-lo para
el-Rei, para sempre. E pede para que o Papa dê despacho. Entre
as igrejas citadas, lá figuram de facto as de Santa Eugênia e
a de Santo André da Torre, nessa data ainda por unir (cf, Antó-
nio José Teixeira, Documentos para a História dos Jesuitas em
Portugal, Coimbra, 1899, p. 479; note-se que quase todas as
igrejas citadas pertenciam ao antigo Arcediagado de Cerveira
cf. Fortunato de Almeida, Hist. da Igr. em Portugal, II, pp. 652-
-653). Numa ordem datada de 20 de Fevereiro de 1578, o Arce-
bispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires anuncia que os Padres
jesuítas haviam arranjado relíquias de santos para várias igrejas
suas e manda aos reitores, curas e vigários das ditas igrejas
que à estação das missas o tornem público, bem assim como
os|squarenta dias de indulgência concedidos aos que visitassem
ta igrejas. Entre essas igrejas consta já o nome da da paróquia
de Bela (Cf. António José Teixeira, Op. c/f., pp, 224-225).
p. ■190.
inn Aa 1.'
Corografia Portuguesa,
edição deste I (2.'
primeiro vol. é de edição),
1706. Braga, 1868,
169

2. Quando e como nasceu João da Cruz. Foi


nesta freguesia de Bela que, a 24 de Junho de entre
1610-1625, nascera o futuro fundador do santuário e
do culto de Nossa Senhora do Bom Despacho, em
Cervães.
Eram seus pais pessoas humildes do povo. Tão
humildes que parece nem terem ficado registados para
a história dos homens os seus nomes modestos.
Conta-se, todavia, que andando sua mãe à erva na
horta, aí mesmo dera à luz aquele a quem, por ter nas-
cido em dia de S. João, lhe puseram o nome de João.
Se o apelido da Cruz é ou não nome de família, não
no-lo referem as fontes que nos guiam.

3. De como seus pais o puseram a estudar. Ape-


sar de não terem mais nenhum filho e não obstante
serem escassos os seus recursos financeiros, como
bons cristãos que eram, não se recusavam, se ele tam-
bém o desejasse, a pôr o João ao serviço de Deus na
vida clerical.
A vida clerical, graças ao sistema de ensino que a
Igreja, desde havia muito, tinha organizado, era já, e
fora-o até ainda há pouco tempo, o único meio de que
dispunham geralmente os pobres para se habilitarem
nas letras. Era certamente esta também uma ideia que
cabia no espírito daqueles pais, encantados com a
esperteza do seu Joãozito.
Ao terem conhecimento de que António Velho de
Azevedo, nobre cavaleiro da vila de Monção (5), ia
mandar para Braga, para os estudos, os seus irmãos
mais novos, e como o menino João contava já os seus

(5) Segundo o texto duma outra cópia do manuscrito do


Santuário do Bom Despacho, André Velho de Azevedo viveria
mesmo na freguesia de Bela.
170

oito anos de idade foram-lhe pedir para que, juntamente


com eles, levasse também o seu pequeno.
Ou fosse por serem os pais do João caseiros do
fidalgo de Monção, ou fosse porque aquele vinha mui-
tas vezes à aldeia de Bela com os seus irmãos mais
pequenos, o certo é que as crianças se conheciam já
e entre si se consideravam verdadeiros amigos. Este, e
o facto de ver que o menino João era de índole vivo e
bem criado, teriam sido argumentos de peso a encora-
jar António Velho de Azevedo a levar também de boa
vontade para as escolas de Braga o filho daquele
humilde casal.
Em data que não podemos imaginar, lá entrou o
João com os seus companheiros de Monção em casa
da ama que deles cuidava e os mandava diariamente
a aprender às escolas. Nelas, se habilitariam para, a
seu tempo, poderem ter acesso ao «Colégio do Semi-
nário», então assim chamado, e onde receberiam o
hábito e a imposição do barrete. Eram estas as cerimó-
nias da praxe, a partir das quais ficavam os alunos sob
a alçada do Reitor.

4. De como estudante apenas o foi alguns meses.


É de crer que fosse estudante aplicado o menino João
e que em nada se gostaria de ver ultrapassado pelos
seus companheiros.
Nas oitavas do Espírito Santo costumavam os estu-
dantes ir passar uns dias de férias com as famílias.
Aconteceu que os seus colegas Velhos de Azevedo
foram, nesse ano, passar esses poucos dias a casa dum
parente seu. Abade do Pico de Regalados, freguesia
situada obra de três léguas ao norte de Braga. O João,
entretanto, permanecera em Braga, em casa e na com-
panhia da ama que de todos cuidava.
O isolamento (e isto é de todos sabido!) faz medrar
em pessoas ensimesmadas ideias que, não raro, nada
171

mais são do que tontas. E fora mesmo o que veio a


acontecer com o nosso João. Vendo-se privado da com-
panhia e o coração a derreter-se-lhe em saudades pela
voz firme do pai e pelas carícias brandas da mãe, esten-
deu o olhar pela porta fora e, sem deixar recado a nin-
guém, meteu-se à toa pela cidade de Braga. E foi-se
sem reparar por onde ia e sem saber que rumo buscar,
pois tampouco sabia de que banda ficava a sua terra.
Ao acaso, meteu pela rua da Cónega (6) abaixo
e caminhou até à freguesia de Panoias, vizinha do rio
Cávado e então pertencente à jurisdição do Couto do
Mosteiro de Tibães. Nessa freguesia de Panoias, e por-
que não sabia declarar qual o nome da sua terra, mas
apenas nomes de colegas seus de estudo e que nin-
guém conhecia, permaneceu João alguns dias. Vivia
em casa dum lavrador, que, à velha moda minhota, o
recolheu entre os mais membros da sua família.

5. Como João da Cruz passou por ladrão. Jamais


em casa daquele lavrador havia, até então, alguém tirado
fosse o que fosse. Aconteceu, porém, que entretanto
se dera em casa pela falta de algum dinheiro. Todas as
suspeitas recaíram logo sobre a pessoa do João. Por
isso foi ele fechado em casa, a ver se dessa forma con-
fessava onde havia escondido o dinheiro. Como vissem
que nada dizia, recorreram ao processo das ameaças.
Todavia, a dada altura, a dona da casa foi alumiar à
criada, que estava a deitar a lavadura aos porcos, e
viu que do seio da moça caíra qualquer coisa. Quis
saber o que era e verificou tratar-se dum paninho, den-
tro do qual estava embrulhada toda a quantia que fal-
tava. Por isso, foi o João reconhecido como totalmente
inocente e imediatamente posto em liberdade.

(6) Ainda hoje se conhece com este nome a rua dita da


Boavista.
172

6. De como se ia afogando e se salvou. No dia


seguinte, mandaram-no os familiares do lavrador de
Panoias seguir seu caminho. Como que pressentindo que
a sua terra ficava para os lados do norte, lá se pôs a
andar atrás dos passantes que se encaminhavam em
busca da margem direita do Rio Grande ou Rio de
Prado, nomes com os quais costuma o povo daqui
designar o rio Cávado. Como os demais, lá chegou a
Padim da Graça e, aí, viu que toda a gente atravessava
o rio a vau. E, sem qualquer hesitação, começou, por
sua vez, também a atravessá-lo. Sucedeu, no entanto,
que, por ser pequeno, por se ter desiquilibrado ou por
qualquer outro entropeço, perdeu o vau e caiu ao rio.
Por mais esforço que fizesse para se desenvencilhar da
água, verificava que o não conseguia. Começou por isso
a gritar para que alguém o salvasse. Imediatamente
acorreu a acudir-lhe um homem de Cabanelas, chamado
o «homem forte», e que na altura andava a sachar o
milho duma leira, ali ao pé.
Estava-se já em Junho ou talvez ainda nos fins do
mês de Maio. Era tempo quente e as pastagens do
monte estavam viçosas e capazes de enfartar os gados.
0 «homem forte» precisava dum guardador do seu
gado e por isso não duvidou em propor ao Joãozito
que ficasse em sua casa para lhe ter conta no gado.
Sabemos que o João não desmereceu, nem da
dedicação, nem da confiança que nele depositava o
lavrador que lhe salvara a vida. Em sua casa permane-
ceu alguns anos. Só não sabemos dizer se cinco, se
seis ou se até mais.

7. Desgosto dos seus familiares. Não será fácil


imaginarmos como terá sido, em Braga, a aflição da
ama, primeiro, e dos seus colegas Velhos de Azevedo,
em seguida, ao darem pelo desaparecimento do João.
Indiscutivelmente maior seria ainda a aflição dos
173

pais, ao saberem, tempos depois, do desaparecimento


do filho único dos seus enlevos. Contrariamente, ao que
em nossos dias acontece, em que escassos momentos
depois se podem fazer apelos ou dar avisos que muita
gente pode escutar comodamente em suas casas,
naqueles tempos ninguém sonhava com rádios e os
únicos avisos que se poderiam publicar, seriam os
dados nas igrejas paroquiais, à estação das missas ditas
conventuais.
Aqueles pais não saberiam que fazer e tanto
podiam supor que o João estava vivo como podiam
imaginar que ele já era morto. Numa situação destas
restava pouco mais do que optar por uma das alternati-
vas do infortúnio; sofrer, chorar ou esperar.
Entretanto, o João lá continuava a servir em casa
do «homem forte» de Cabanelas, ali na margem extensa
do rio Cávado. Era rapaz estimado, não só em casa do
lavrador, mas também por toda aquela alegre e turbu-
lenta miudagem que, com ele, convivia horas e horas
nas andanças contínuas da guarda dos gados.
Amigo de evitar travessuras, desculpáveis naquelas
idades, o João, perfeitamente identificado com aquele
ambiente sadio da vida campesina, não tinha qualquer
acanhamento de ser o que era: um cristão em toda a
sua altura e que tinha gosto de dar exemplo da sua
fé, não só por actos, como ainda pelas palavras. E
assim era frequente vê-lo armado em «mestre» a ensi-
nar a doutrina aos seus colegas e à miudagem que
pelos montes se ajuntava.
Tal como nos dias de hoje, também no século XVII,
tinham os padres das aldeias por uso prestar serviço
nas igrejas uns dos outros, sempre que exigências de
ordem pastoral lho requeriam.
De harmonia com estas praxes, a cada passo se
encontrava em Cabanelas para os ofícios, o Padre
Manuel Cerqueira, Vigário da igreja de Cervães, cujo
174

Reitor poderia até viver dela ausente. 0 certo é que o


feitio e o ar esperto de João da Cruz agradou sobre-
maneira ao bom do Padre, que não se cansava de
importunar o lavrador para que este lhe cedesse o João
e lho deixasse levar como criado para a sua residência
de Cervães. Face a tamanhas instâncias e pelo respeito
que a sua pessoa lhe merecia, não teve «o homem forte»
de Cabanelas coragem para dizer não ao padre Cer-
queira. E assim se foi o nosso João a servir novo amo.
Desta vez, na aldeia que, com gratidão, lhe registaria
o nome.
Ignoramos que idade teria o João por esta oca-
sião. Provavelmente estava já naquela dura fase da
vida em que o rapaz tanto sonha com feitos de homem
grande, como se arrepia ainda com o peso de respon-
sabilidades e se espairece com brincadeiras de menino
que já não é nem admite que lho lembrem.

8. Aos dezasseis anos ia falecendo. Fora até


então sempre robusto e atilado o nosso jovem. Aos
dezasseis anos, porém, foi apanhado por uma terrível
maleita, que o levou mesmo a delirar. Viram-se assus-
tados os familiares do Vigário de Cervães por não sabe-
rem o que fazer ao moço que de forma alguma reagia
aos efeitos de todas as espécies conhecidas como
medicinas caseiras. Naquele tempo ainda ao nosso
país não haviam chegado essas maravilhosas esperan-
ças dos doentes que foram as Boticas e os boticá-
rios (7). Se algum cirurgião ou médico chegou a exa-
minar o futuro ermitão João da Cruz não o refere o seu

(7) A primeira Botica ou Farmácia fundada em Portugal


com carácter público data de 1720 e foi Prado, de ao pé do
Cávado, quem teve a honra e o proveito dos seus serviços.
Foi da iniciativa de Paulo da Silva (Cf. História, Arte e Paisagens
do Distrito de Braga I — Concelho de Vila Verde, Junta Distrital
de Braga, 1963, p. 157j.
175

biógrafo. 0 certo é que a doença não tinha jeitos de


desaparecer.
Se era inoperante o remédio dos homens, não
seria ineficaz a força de Deus. Assim o teria pensado,
firme na sua fé, o bom do João!
A dada altura, apanhando-se só em casa e não
obstante a sua fraqueza, vestiu-se, e, como pôde, lá
se foi arrastando a caminho da Capela de Nossa Senho-
ra da Estrela, também conhecida, de tempos antigos,
por Santa Maria de Penoucos. por ficar situada neste
lugar da freguesia de Cervães. Aí a foi consultar e, diz-
-nos o seu biógrafo, «aí se ofereceu à Senhora e lhe
prometeu, se daquela doença a Senhora o livrasse, ser
seu ermitão» (8).

9. Melhoras e o que fez em seguida. Ao darem


peia falta de João, todos ficaram assustados, em casa
do Vigário Manuel Cerqueira. Cada um por seu lado
suspeitava o pior, enquanto o procurava pelos diver-
sos recantos da casa. Uma pista apareceu, finalmente.
Apesar de inesperada, possibilitou contudo descobrir-
-Ihe o paradeiro. Eram algumas manchas de sangue caí-
das aqui e além por sobre as pedras do chão. Denun-
ciavam uma caminhada penosa. Seguiram esses vestí-
gios e foram encontrar o jovem doente recolhido dentro
da Capela de Nossa Senhora da Estrela. Sossegados,
trataram de o trazer novamente para casa. Após o
regresso, começou logo a sentir consideráveis melhoras.
Passados alguns tempos de convalescença, disse
João ao Vigário, seu amo, que tinha de cumprir o seu
voto de se fazer ermitão de Nossa Senhora da Estrela.

(8) J. J. da Silva Bacelar, Apontamentos Históricos do


Santuário de N. Senhora do Bom Despacho, Braga, 1898, p. 12:
cf. também O Comércio do Minho, n." 1568, de 30 de Agosto
de 1883 (XI ano).
176

O Vigário só até certo ponto tomou a sério a


manifestação daquele projecto do jovem. E apressou-se
a apresentar-lhe razões para o demover de pôr em prá-
tica semelhante ideia. Sem querer dar a entender que
o principal motivo da sua argumentação se baseava em
conveniências de puro interesse pessoal, o Reverendo
Vigário tentava convencer o jovem de que, por ser
demasiado moço ainda, não seria capaz de dar boa
conta de si, assumindo encargo tamanho. Além disso,
em sua opinião, não possuía o moço aquele tipo de
dotes que lhe possibilitassem aguentar com um seme-
lhante género de vida.
De nada valeram os argumentos do padre! Se João
adivinhou neles ou não ressaibos de oportunismo, não o
sabemos. O que sabemos é que ele em nada se assus-
tou e contentou-se com lhe ripostar, dizendo que «a
Mãe de Deus a quem desejava servir o encaminharia e
seria sua Mestra para que agradasse a seu bendito
Filho» (9). Escusado será dizer que esta pequena res-
posta, que calaria o malis sabido dos teólogos, não per-
mitiu ao Vigário de Cervães rebuscar mais arrazoados.
Convencido, mas satisfeito, começou, doravante, a ser
todo atenções para o jovem, futuro ermitão.

10. Ermitães na região. Ermitão ou ermita é todo


aquele que se propõe viver em sítio ermo ou isolado
das populações. Sob este aspecto nada teve de original
a decisão de João da Cruz de se fazer ermitão. A vida
eremítica era coisa antiga, mas continuava a praticar-se
um pouco ainda por toda a parte. Só em Portugal, eram
célebres os Eremitas da Serra da Ossa, que, em 1628,
estavam na posse de dezanove conventos.
Contemporâneos de João da Cruz e tendo abra-

(9) J. J. da Silva Bacelar, op. c/f., p. 12; cf. O Comércio


do Minho. n.° 1569, de 1 de Setembro de 1883.
1. Neste pormenor do Cruzeiro paroquial, Nossa Senhora apresen-
ta-nos Jesus, seu Bendito Filho.
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4. Altar de Nossa Senhora do Rosário. É o mais
antigo e de melhor talha da igreja de Cervães.
5. Capela de S. Pedro de Montório, numa sólida
construção de 1680-168!.

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Oferece este aspecto rústico a Igreja paroquial
de Bela (Monção).
9. Pia baptismal onde terá sido baptizado
João da Cruz.

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da actual igreja de Bela.
11. Julgava-se ser Nossa Senhora da Estrela a imagem
de Nossa Senhora dos Prazeres (dum oratório par-
ticular de Cervães).
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14. O Santuário e respectivo Cruzeiro, numa bela imagem


de conjunto.
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15. Amostra da talha, num dos altares colaterais


do Santuário.
16. O novo altar-mor deixa entrever por detrás o antigo
altar com sacrário e retábulo da titular.
17. Muitos são os noivos que sob as bênçãos da Senhora
aqui vêm unir os seus destinos.
18. Cristo em Marfim (séc. XVII). È uma
escultura de estilo luso-indiano.
Senhora do
Leite, numa
bela imagem
de madeira
policrornada.
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28. O P. João Evangelista Bacelar e Oliveira é
um Franciscano natura! de Cervães.

29. Irmã Maria Júlia do Menino Jesus Bacelar


Gonçalves. Nascida no Castelo, a 5/1211949,
entrou em I96S na Congregação das Adora-
doras.

30. Irmã Beatriz Ribeiro. Nascida no dia 4 de


Setembro de 1926, entrou com 18 anos na
Congregação das Religiosas Franciscanas Mis-
sionárias de Nossa Senhora (Calais), onde
professou, a 21 j! 111946.
31. O P. José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, da Companhia de
Jesus e Reitor da Universidade Católica Portuguesa, é um cerva-
nense e grande amigo do Santuário.
32. O P. António Augusto Gomes da Costa, aos
65 anos. E o último Capelão do Santuário
ainda vivo.

Ir. José da Silva Araújo. Desde Agosto de


1953, membro da Pia Sociedade de S. Paulo
(Paulistas), onde professou a 8(911959.

■HMI

34. Dr. João Maria Macedo da Cunha, médico,


grande benemérito dos doentes.
35. P. Domingos Correia Neiva Pinheiro, pároco
de Cervães, dinâmico propulsionador do pro-
gresso dã freguesia e do culto no Bom Des-
pacho.

36. P. Júlio do Patrocínio de Oliveira Martins,


franciscano, mais de 25 anos missionário na
Guiné-Bissau.

37. Rúben Gomes da Costa e Esposa, grandes benfeitores, residentes


no Brasil.

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177

çado uma forma de vida semelhante à sua, foram Pedro


do Rosário e Belchior da Encarnação.
Pedro do Rosário, a quem mais adiante se voltará
a fazer referência, vivia pelos anos de 1629 como ermi-
tão no actualmente chamado Bom Jesus do Monte
(Braga) e junto duma ermida da invocação do Bom
Jesus, por nela existir uma bela imagem de Cristo.
Nessa data, havia um grupo de devotos acabado de
restaurar a dita ermida, e nela instituído uma confraria,
que, daí para o futuro, dela cuidasse. Para assegurar
o asseio da capeia, bem assim como a sua abertura a
quem a quisesse visitar, nomearam um ermitão, tendo
essa nomeação recaído na pessoa de Pedro do Rosá-
rio (10).
Belchior da Encarnação foi outro ermitão cujo nome
rapidamente ultrapassou os limites da freguesia de
S. Fins de Tamel (Barcelos), onde desde 1633 se havia
fixado, restaurando assim a velha tradição eremítica da
região. Trocara Belchior da Encarnação, igualmente
conhecido por Belchior da Graça, as suas terras de
Basto por estes sítios mais avizinhados do mar, e mais
precisamente ainda, pelo lugar da Portela, junto a uma
antiga Capela de Nossa Senhora, que aí existia. Nessa
capela havia sido erecta, em 1500, uma confraria do
Rosário, que nos meados do séc. XVIII estava na depen-
dência dos Dominicanos de Viana do Castelo, os quais
provavelmente a ela estariam ligados desde a origem.
Dêmos contudo a palavra ao cronista barcelense. Frei
Francisco de Santiago, que, baseado na documentação
do Arquivo do convento franciscano de Barcelos, pôde
escrever:

(10) Martinho A. P, da Silva, Manual do Romeiro do Bom


Jesus do Monte, Braga, 4.* edição, 1870, p. 42; Diogo de Sampaio
Pimentel, Memórias do Bom Jesus do Monte, Coimbra, 1876,
pp. 89-90.
12
178

«A/o ano de 1633, um homem leigo natural de


Basto, chamado Belchior da Encarnação, com desejos
de servir Deus em lugar solitário, se saiu de sua pátria
e veio ao dito sitio da Portela: e como era de louváveis
costumes determinou com o titulo de ermitão servir ali
ao Senhor e a sua Santíssima Mãe naquela capelinha.
Contigua a esta havia uma bouça de mato que nunca
fora reduzida a cultura, reguenga e foreira à Sereníssima
Casa de Bragança, a quem seus possuidores reconhe-
ciam com o foro de 150 reis. Estes possuidores, por
caridade e esmola, permitiram que Belchior da Encar-
nação fizesse em um ângulo da dita bouça umas limi-
tadas casas e um limitadissimo cerco para uma corti-
nha, o que fez à sua custa e expensas, para ali se con-
servar em seus santos exercidos, no serviço de Deus e
de Nossa Senhora, em que continuou quarenta anos,
com vida solitária, penitente e exemplarissima. E como
era bom latino, ensinou a muitos sem interesse
algum» í11)-
Não sabemos se Belchior da Encarnação teve qual-
quer influência na decisão de João da Cruz ou até nas
atitudes protecionistas do P. Manuel Cerqueira, quanto
ao estilo de vida do ermitão de Cervães.
De qualquer forma, diz-nos o seu biógrafo, João da
Cruz preparou-se para se ensaiar no serviço de Deus
e da sua Mãe com a ajuda do Vigário da paróquia de
Cervães. E assim deu os seus primeiros passos, ves-
tindo hábito de burel, sem manto e andando descalço.
Tal como o ermitão do Tamel, Belchior da Encar-
nação, também o futuro ermitão do Bom Despacho,
C1) Crónica da Província da Soledade, II, p. 387, Trata-se
dum vol. manuscrito ainda inédito e propriedade da Província
Portuguesa da Ordem Franciscana. Cf. também Bartolomeu
Ribeiro, Os Terceiros Franciscanos Portugueses, Braga, 1952,
p. 222; id., Guia de Portugal Franciscano, Leixões, 1946,
pp. 60 e 83.
179

João da Cruz, se deixara seduzir pela estamenha fran-


ciscana e, mais do que isso, pelo espírito da Ordem
Terceira de S. Francisco.
Frei Agostinho de Santa Maria, informado através
de relatos de «pessoas verdadeiras e fidedignas» ('-)
e recebidos talvez ainda em vida do sucessor do Ermi-
tão, que foi o P. Manuel da Cruz, diz que João da Cruz
era franciscano da Ordem Terceira, o que equivale a
dizer membro do ramo secular da Ordem Francis-
cana C18).
Como nos não informa desde que data era terceiro
franciscano, continuaremos a ignorar se ele o fizera
antes de vestir o hábito de burel, se por essa ocasião
ou se muito posteriormente. Todas as buscas que nesse
sentido fizemos foram absolutamente inúteis, pela ine-
xistência ou desconhecimento de documentos desse
período e dessa zona.
11. João da Cruz e os Franciscanos. Em João da
Cruz, é visível a influência da tradição da vida penitente
e eremítica de muitos que, inspirados na Regra da Ordem
Terceira de S. Francisco de Assis, se recolheram em
ermitérios ou fundaram pequenas comunidades a que
chamaram Recoletas. E não podemos deixar de acentuar
a profunda influência das características fundamentais
da espiritualidade franciscana na pessoa e nas devoções
do Irmão João da Cruz. Pensemos nomeadamente^ nas
relacionadas com o nascimento de Jesus no presépio,
com a paixão e morte de Jesus, ambas elas bem paten-
tes no ternário das capelas, cujos sucessivos restauros
terão certamente mantido intacto, até aos nossos dias.
E isto para não falarmos já na sua filial devoção e

(12) Santuário Mariano, IV, Lisboa, 1712, p. 45. De notar


que este vol. já estava pronto para a publicação antes de 1709.
{cq ib., p. 42.
180

dedicação a Nossa Senhora e na sua fé e sincera ado-


ração de Cristo no culto da Eucaristia.
Que João da Cruz esteve relacionado com os fran-
ciscanos do Convento de S. Frutuoso de Real, junto a
Braga, não precisamos de o duvidar. O que não sabemos
é até que ponto essa influência lhe teria vindo só atra-
vés dessa via ou se também os franciscanos do Con-
vento da Franqueira (Barcelos) nele tiveram igualmente
influência.
Também não sabemos se João da Cruz, logo que
se fez ermitão, arranjou moradia sua junto da Capelinha
da Senhora da Estrela ou se continuou, ainda por algum
tempo, a recolher-se em casa do Vigário de Cervães.
Fosse como fosse, o certo é que João da Cruz aca-
bara por arranjar poiso junto da Capela da Senhora da
Estrela, ali no lugar de Penoucos.
Esta capela, carregada de história e de anos, estava
unida a uma quinta, nessa altura, propriedade de um
médico de Braga a quem chamavam o Saraiva (14) e
que tudo nos indica tratar-se do Doutor Mateus Pereira
Bravo, das famílias Bravos da cidade primás (ir').
Conta-nos o biógrafo anónimo de João da Cruz
que Mateus Pereira Bravo lhe dera efectivamente uma
casinha para se recolher e aí dar início à sua vida ere-
mítica.

12. Da sua caridade para com os Fiéis de Deus.


São ainda desse seu mesmo biógrafo as seguintes infor-
mações, que à letra transcrevemos: «Era o seu exercício
ir pelas freguesias circunvizinhas encomendar as almas
do Purgatório, ficando-lhe esta devoção de, uma noite,

P4) Ib. , ,
(,5) Domingos de Araújo Afonso, Da verdadeira origem
de algumas famílias de Braga e seu termo, in Bracara Augusta.
XX (1966), pp, 114 e 98; O Distrito de Braga, IV (1970), pp. 692-708.
isi

estando em casa do Vigário, que tinha pegada à igreja,


ouviram todos os da casa um grande sussurro de vozes
que parecia (que) era um numeroso exército de gente
dentro da igreja, com que o Vigário com a família da
casa com muitas lágrimas se pôs com os seus a enco-
mendar as almas dos defuntos que estavam em penas
do Purgatório E àquela hora, que era prima noite,
mandava tanger os sinos, para que os ouvintes (17)
rezassem pelas almas (18), de que ficou este uso pelas
demais freguesias, e a João da Cruz esta devoção
impressa na alma. que enquanto viveu (19) a exercitou.
Sucedeu-lhe, que uma noite vindo (20) da freguesia
de Cabanelas para a de São Romão, encomendando as
almas na gandra do barco, o rodearam umas pessoas,
todas vestidas de branco e com valor (21) tocou a cam-
painha. se pôs de joelhos, rezando por elas, e levantan-
do-se desapareceu aquela visão, donde ficou mais fer-
voroso a exercitar aquela devoção (22)».

f10) Uma outra cópia do manuscrito diz: «estavam gri-


tando 17do Purgatório».
( ) Outra versão diz: «os que ouvissem».
(18) O costume de tocar os sinos às almas ou para se
rezar pelas almas havia-se espalhado por todo o concelho de
Vila Verde e como dizia J. J. da Silva Bacelar conservava-se
ainda em Braga, cidade, no ano de 1897. Tal uso ainda há pouco
se observava em Parada de Gatim. Nos conventos franciscanos
de Portugal ainda recentemente se fazia o mesmo, ao tocar a
silêncio (às trindades). Um religioso cantava a determinada
altura pedindo um Pai nosso e uma Avé Maria pelas almas do
Purgatório e prosseguia: Agua benedicta s/f nohis salus et vita,
ao mesmo tempo que aspergia a casa com água benta,
(io) Outra cópia do manuscrito diz: «vivo».
(2tl) Segundo a cópia manuscrita que temos, lemos:
-sucedeu-lhe que vindo uma noite».
fsi) Supomos que deve ter havido ma leitura do original.
Talvez seja «calor» e não «valor». Este mesmo erro existe nos
manuscritos que temos à mão. . . j o-i □ i
(22) Acerca desta devoção, afirma J. J. da Silva Bacelar:
-Ainda hoje, sobretudo na quaresma, há nesta freguesia o
182

13. Ermitão amigo das ermidas. Entretanto, a


capela da Senhora da Estrela estava votada ao aban-
dono. Achava-se «desfabricada de retábulo, de forro e
doutras coisas necessárias ao ornato e culto divino (-3).
Por isso, resolveu o Ermitão pôr-se a pedir, pelos devo-
tos, esmolas para o seu restauro. E enquanto pelas
almas pedia orações, para Nossa Senhora pedia esmo-
las. Com estas, reparou totalmente a medieva capela
de Nossa Senhora da Estrela, conhecida e falada nos
tempos antigos como Santa Maria de Penoucos.
Neste breve passo da sua vida, em tudo foi seme-
lhante ao jovem Francisco de Assis o jovem ermitão
João da Cruz. Francisco de Assis restaurou Santa Maria
da Porciúncula, também mais conhecida por Senhora
dos Anjos; João da Cruz restaurou Santa Maria de
Penoucos, no seu tempo e no futuro conhecida por
Senhora da Estrela.

costume de, noite alta já, algum devoto subir ao monte a erguer
um clamor em voz disfarçada em favor das almas do Purga-
tório» [Op. c/f., p. 13, nota 3). Recordámo-nos pessoalmente de
de que há não muitos anos também em Parada de Gatim alguém
repetia este uso e costume, cantando todavia da janela de casa.
O conteúdo desse pregão era: «Alerta, alerta! A vida é curta;
a morte é certa. Hoje vive-se; amanhã, está a sepultura aberta./
Ó irmãos meus, filhos de Jesus Cristo, lembrai-vos das benditas
almas que estão nas penas do fogo do Purgatório! Rezai um
Padre nosso e uma Avé Maria!» E cantava-se tudo isto três vezes.
«Na freguesia de Gualtar [(Braga), que em tempos idos
esteve anexa à de Cervãesl, durante o mês da Quaresma havia
muito o costume, e ainda hoje há, de ir uma pessoa todas as
noites, para uma pequena elevação sobranceira ao lugar ou
para cima de uma árvore donde encomendava as almas do Pur-
gatório: com voz lúgubre e cantada, lembrava aos vivos todos
os que tinham desaparecido do seu convívio, um de cada vez,
e pedia para que lhe rezassem um P. N. e uma A. M. Iam lem-
brando os que tinham morrido e as pessoas, em suas casas,
rezavam pela alma dos defuntos» (Patrício Gonçalves, Os
Mortórios, in O Distrito de Braga, IV (1968), p. 77).
(28) J. J. da Silva Bacelar, op. c/f., p. 14.
183

E porque já então era viva no seu espírito a devo-


ção à Paixão do Senhor, resolveu construir, dentro do
mesmo templo e do lado da Epístola (à direita de quem
entra), uma capelinha para aí colocar a imagem de Cristo
com a'cruz às costas. Esta imagem, designada popular-
mente Senhor dos Passos, logo conquistou a devoção
das populações, que aí começaram a afluir em multi-
dão a venerá-la. Não sabemos se esta imagem terá sido
levada para a sua capela hoje existente como anexa
ao grandioso santuário do Bom Despacho.
14. Reencontro dum velho companheiro. Andava
João da Cruz, certo dia, no seu peditório, quando depa-
rou com um fidalgo que só de ano a ano costumava
aparecer por Cervães. Recolhia-se na Casa de Gomanz,
onde vinha, junto dos feitores, arrecadar as pensões
ou rendas dessa sua quinta. Deslocava-se esse fidalgo
das bandas de Monção onde residia com a família e
chamava-se André Velho de Azevedo. Dirigindo-se-lhe,
João da Cruz, informou-o acerca dos seus intentos e
convidou-o e contribuir para as obras de restauro da
capela de Penoucos. Vestido de burel, sem manto, e
praticamente descalço, João da Cruz aguçou fortemente
a curiosidade do fidalgo de Monção, que, por isso, lhe
perguntou quem era e donde era. João da Cruz não teria
dificuldade em responder à primeira pergunta. Contudo,
já assim não sucedia em relação à segunda.
Efectivamente, o Ermitão começou por lhe contar
que era ainda criança quando saíra da casa paterna.
Fora para os estudos, em Braga, tinha os seus oito
anos. Aí estivera alguns meses em companhia duns
meninos (chamava-se um André Velho!), até que um
dia fugira da casa da ama. Desde esse dia andara per-
dido, sem nada mais ter sabido nem desses meninos,
nem dos seus pais, nem sequer onde poderiam viver
uns e outros. Agora andava a cumprir o voto que a
184

Nossa Senhora fizera se ela lhe valesse, sendo seu


ermitão.
André Velho de Azevedo cuidaria que estava a
sonhar, mas não! Estava a reviver e a relembrar cenas
há muito ocorridas e que também a ele diziam respeito!
Aquelas férias passadas com o Abade do Pico dos Rega-
lados, que, para ele, sempre ficaram como malditas, ou
não foram elas a causa do desaparecimento do João-
zinho?
Ficou radiante o fidalgo de Monção com as notícias
colhidas naquele encontro. Partidário daqueles que
defendem ser o segredo toda a alma do negócio, André
Velho não se deu nem por conhecido nem por conhece-
dor do assunto. Contudo, quando se dirigia a caminho
de Monção, ia ansioso por se poder abeirar daqueles
angustiados pais para lhes dar tão feliz notícia!
Não podemos descrever o que se passou quando
André Velho de Azevedo, acabado de chegar de Cer-
vães, se aproximou dos pais de João da Cruz para lhes
dizer que ele ainda estava vivo e que se tinha feito
ermitão de Nossa Senhora da Estrela, lá bem perto da
sua quinta e casa de Gomariz. Conta-nos o seu bió-
grafo anónimo que vieram eles, imediatamente, em
busca do João, a caminho de Cervães, na intenção de
o levarem para a sua companhia. No entanto, e não
obstante as muitas súplicas dos seus familiares, nada
conseguiram. Era inabalável a decisão de João da Cruz:
tinha prometido servir Nossa Senhora nestas terras onde
ela lhe valera. Havia que cumprir incondicionalmente o
seu voto (24).
Biógrafo recente do Ermitão, baseado nao sabemos
em que fonte, discorda do teor do manuscrito encon-
trado no Santuário do Bom Despacho, quando escreve:
«Deu ÍAndré Velho de Azevedo! à família de João a

[2") Ib.
185

notícia do filho vivo. A mãe sentiria a mais viva alegria


se, há seis meses, uma febre traiçoeira a não tivesse
vitimado. Ao tomar conhecimento, o simpático velhinho
do pai ia sucumbindo a tanta consolação. Aquele que
estava perdido tinha sido encontrado!
Fora sempre este o pensamento do seu coração
paternal. Não se enganara: João não podia ter mor-
rido...» (25).
Segundo o mesmo biógrafo moderno, havia já vinte
e cinco anos que os familiares de João da Cruz tinham
sofrido o golpe do seu desaparecimento. Entretanto, e
depois de muitos soluços e aflições, a mãe do João
tivera a consolação de lhe ver nascer um segundo filho,
no mesmo dia em que havia nascido o João, com quem
tanto se parecia (26).
Se algum crédito nos puderem merecer estas afir-
mações, estaremos em condições óptimas para saber-
mos que João da Cruz contaria por esta época os seus
trinta e três anos de idade.

15. Busca refúgio na Penaliveira. A vida do


Ermitão na casinha de ao pé da Senhora da Estrela cor-
ria aparentemente sossegada. No entanto, é próprio
dos apaixonados e amorosos, dos místicos e dos poetas
arranjarem pretextos para se escapulir de entre as mul-
tidões e darem consigo sós a contemplar mistérios
sublimes.
João da Cruz andava apaixonado por bem fazer os
seus exercícios espirituais e sentia que, no meio daquela
vizinhança, lhe era impossível deixar medrar desafoga-
damente o seu fervor. Tratou, por isso, de solucionar o

(2S) Gil Afonso, Senhora do Bomdespacho, Porto, 1944,


pp. 27-28.
j26) Gil Afonso, ib., p. 25.
186

problema, porque a cada problema que surge, não raro


se podem dar diversas soluções.
E a melhor solução que se lhe ofereceu foi buscar
retiro noutro local mais acomodado às suas ânsias de
contemplação. Por estes lados, não se poderia imaginar
muito melhor sítio do que trepar um pouco ao longo das
fraldas do monte Busto, aquele mesmo a que os homens
de há mais de mil anos denominariam já alpe Aliária.
Foi precisamente na encosta sudeste desse monte,
no sítio da Penaliveira, que João da Cruz descobriu
uns penedos, junto dos quais jorravam duas fontes com
aquela saborosa água típica das nascentes do granito.
É airoso o sítio porque a vista se espraia pelo vale
e pela serra e sobe ao infinito e anda em cata, ora dum
campanário, dum pinhal, dum prado, ora duma aldeia e
logo de outra aldeia; mais distante, vê-se um mosteiro e
mais longe outros ainda: depois fixa-se o olhar no
Cávado preguiçoso, sereno, autoritário: as vilas e, mais
a sudeste, a Braga dos Arcebispos a apontar as serras
do Sameiro, da Falperra, da Santa Marta, por um lado;
o Bom Jesus, pelo outro; o monte de S. Félix, o Facho
a fechar as vistas do sul. A nascente e norte erguem-se,
ao largo, as altitudes que conduzem ao Gerês, à Serra
Amarela, ao Ourai, depois de ter ultrapassado o Bor-

Fácil nos é imaginar que não fora nada desacertada


a solução do ermitão João da Cruz, que no desvão dos
enormes penedos da Penaliveira, aproveitou uma gruta,
que lhe servia, às mil maravilhas, para dentro dela,
buscar agasalho nas intempéries e sossego nas con-
templações, Foi para ali que João da Cruz mudara a
sua residência. Ou melhor, mudara-se ele, que de mobí-
lias e conforto desde sempre andara ele despojado.
Aquando das suas idas, de porta em porta, recor-
rendo à mesa do Senhor e encomendando as almas, o
Ermitão quedava-se, de vez em quando, a remirar, de
187

longe, o local dos seus segredos. Aos santos e às pes-


soas de bem, tudo ressuma beleza e vislumbram aquilo
que os olhos profanos jamais acreditam ou suspeitam
ser possível contemplar-se. Por isso, dizia o Ermitão
ver sair daqueles penedos um grande resplendor. Os
outros, mesmo arregalando bem os olhos, nada viam,
nada percebiam.
Cada qual ganha lei aos factos, às pessoas ou às
coisas em que empenha a sua vida e que passam a
fazer parte da sua história. Assim acontecera igual-
mente com João da Cruz. A vida não lhe pertencia. Era
da Senhora da Estrela. A Senhora da Estrela fazia igual-
mente parte da história da sua existência. Recolher-se
sem ela à gruta da Penafiveira, não seria possível. Por
isso, pegou nela e levou-a para a lapa. E a fim de não
ser devassado o seu «santuário», vedou com uma por-
tinhola o boqueirão dessa gruta ou lapa.

16. Ruindade de Mateus Bravo. Conta-nos Frei


Agostinho de Santa Maria no seu Santuário Mariano
que o médico de Braga, proprietário da quinta e ermida
de Nossa Senhora da Estrela, «tinha uns filhos muito
travessos, aos quais parece que tomou o demónio por
instrumentos seus, para apartar ao servo de Deus
( João da Cruz I dos seus bons propósitos; e tão grande
foi a guerra que lhe fizeram, que houve de deixar o sitio
de Nossa Senhora da Estrela e afastar-se daquela per-
seguição» (27)-
Segundo este autor, teria sido esta a principal
causa que moveu o Ermitão a buscar refúgio entre os
penedos da Penaliveira. Mas não nos deteremos a dis-
cutir sobre qual das versões será a mais exacta. Limi-
tar-nos-emos a sublinhar que a informação de Frei Agos-
tinho de Santa Maria é menos pormenorizada e ao que

(27) Santuário Mariano, IV, p. 42.


188

parece mais afastada dos meios afectos ao santuário.


Porém, o que é certo é que ambas as versões coincidem
quanto à fuga do ermitão da sua casinha de Penoucos
e quanto ao seu novo tipo de morada na gruta da Pena-
liveira, tapada com adobes e onde, por algum tempo,
viveu muito satisfeito por aí poder cantar à sua vontade
os seus louvores a Deus.
Por seu lado, o demónio não é demónio se não
elaborar maquinações e artimanhas sucessivas a quem
se esforça por amar e servir a Deus e ao próximo. E
não desiste em seus instintos de ruindade, não se sujei-
tando a regras nem razões.
E assim quando o Dr. Mateus Bravo e seus filhos
souberam que João da Cruz, havendo deixado a sua
capela, se tinha ido recolher na Penaliveira, onde cons-
truíra a sua própria ermidinha, ficaram furiosos e não
sossegaram enquanto não sucumbiram vítimas das ins-
tigações diabólicas. Conta-nos o biógrafo anónimo do
Ermitão que o médico «se embraveceu mais do que o
sobrenome que tinha, fazendo-se um leão bravo» e
«mandou logo um filho chamado Manuel Bravo com
alguns criados e caseiros derrubar-lhe a obra que o
servo de Deus tinha feito para se recolher» (28). Mais
ainda. Traziam ordens de o perseguir e molestar, caso o
encontrassem.
E efectivamente o Autor do Santuário Mariano
regista que todos aqueles familiares de Mateus Pereira
Bravo, não só lhe derrubaram a ermidinha, mas ainda
lhe deram pancadaria (29).
Como era de esperar, ficou muito desconsolado o
Ermitão. Convencido de que por ali não mais podia
viver, dirigiu-se para o Bom Jesus do Monte, próximo
da cidade de Braga.
(-8) J. J. da Silva Bacelar, Apontamentos Históricos do
Santuário de N. Senhora do Bom Despacho, p. 15.
P) Santuário Mariano, IV, p. 43.
189

17. No Bom Jesus: encontro de Ermitães. Nesse


monte havia uma antiga ermida, que se chamava de
Santa Cruz. Tinha sido construída, em 1494, pelo Arce-
bispo D. Jorge da Costa e reedificada, em 1522, pelo
Deão de Braga, D. João da Guarda. No entanto, cem
anos de vida e, muitos deles, em relativo abandono,
fizeram com que em 1629 tal ermida estivesse, por
arruinada, uma verdadeira indecência.
Foi nesse ano de 1629 que diversos devotos da
cidade de Braga, com esmolas suas e outras que tinham
conseguido recolher, restituíram a ermida ao seu antigo
estado de decência. Colocaram nela uma imagem de
Cristo, que passou a ter a invocação de Bom Jesus do
Monte. Erigiram também uma Confraria e nomearam,
para zelar a capela, um Ermitão (30).
Esse ermitão chamava-se Pedro do Rosário, cujo
nome nos ficou, quer da lápide que, em 1647, mandou
lavrar para vir a cobrir a sua sepultura, quer ainda de
documentos arquivados no cartório da Coniraria, cm
que consta ter sido ele o primeiro legatário do san-
tuário. Em 1663 ainda era vivo (").
No Bom Jesus do Monte encontrou João da Cruz o
ermitão Pedro do Rosário, seu particular amigo. E aí
procurou onde se abrigar, a uma escassa centena de
metros acima da Capela, e ia vivendo da assistência
que, também a ele, lhe prestavam diversas pessoas
devotas e amigas.
Mas nem sequer ali o haveria de deixar sossegado
(30) P. Martinho A. P. da Silva, Manual do Romeiro em
visita ao real Santuário do Bom Jesus do Monte, 4.' ed., Braga,
1870, pp. 41-42 e 53-54; Diogo Pereira Forjaz de Sampaio Pimen-
tel Memórias do Bom Jesus do Monte, 1876, p. 89; Guia de
Braga. Arte e Turismo, Braga, 1959, p. 121; Guia de Portugal,
IV Entre Douro e Minho II. Minho (Lisboa, 1965), p. 840.
(st) j. J. da Silva Bacelar, op. c/t., p. 15, nota 1; P. Mar-
tinho A. P. da Silva, Manual do Romeiro..., p. 54; Diogo P. F.
Pimentel. Memórias do Bom Jesus do Monte, pp. 94 e 104.
190

aquele demónio do Dr. Mateus Bravo! Mal o médico


de Braga soubera que o ermitão João da Cruz estava
agora a viver ali, cheio de raiva, e, querendo vingar-se
por ele ter abandonado- a sua capela e casa de Penou-
cos, em Cervães, mandou lá emissários seus a destruir-
-Ihe o abrigo e a dar-lhe forte descompostura. Acon-
teceu, porém, que, nesse dia, João da Cruz não foi
alvo dos maltrates e fúria dos mercenários de Mateus
Bravo. Encontrava-se ausente, visto ter ido visitar os
franciscanos do Convento de S. Frutuoso de Real, a
poente de Braga, para em fraterno convívio retemperar
entusiasmos e abeirar-se do seu confessor (32).

18. João da Cruz e o Solar dos Azevedos. Infe-


lizmente os humildes e pequenos deste mundo, em
quase toda a parte, encontram perseguidores. Sem
falarmos já dos exploradores das suas necessidades,
quando não das suas misérias! Mas também, de quando
em vez, lá surge um dos grandes que, troçando do seu
pedestal, se põe, como é justo, a reconhecer-lhes os
seus reais direitos.
Depois de ver no Bom Jesus do Monte a sua gruta
destruída, convenceu-se João da Cruz que não era pos-
sível viver-se neste mundo senão encostado a algum
desses homens poderosos a quem todos respeitam,
quando não fosse por razões de prestígio, ao menos,
por motivos de medo. Pensou, por isso, em arranjar
um Messenas que lhe desse a mão e diante da socie-
dade o defendesse.
Sob este aspecto, foram-lhe úteis todos aqueles
anos passados naquelas terras da margem direita do
Cávado. Tinha aprendido que em todas elas havia mais
ou menos fidalgos, de nomes feitos e falados. Ao seu
espírito ocorreu imediatamente o nome do Solar de

(32) J. J. da Silva Bacelar, op. c/f., p. 16.


191

Azevedo, na freguesia da Lama, ali mesmo ao lado de


Cervães e terra muito sua conhecida.
Naquela data (estaríamos já no ano de 1644) era
19.° senhor e morgado daquela antiga e nobre casa,
sede de Couto e Solar dos Azevedos, Martinho Lopes
de Azevedo. Era gente de prosápia esta dos Azevedos,
toda ela consciente de que não seriam vãos os 410
anos de morgadio que já então se contavam na exis-
tência daquele solar (3:').
São unânimes todos os genealogistas quando afir-
mam que se pode contar esta família como uma das
mais antigas e nobres de Portugal (34). E na verdade,
não ficará desapontado quem tentar fazer a contraprova,
para esse efeito remontando a cadeia dos ascendentes
do fidalgo Martinho Lopes de Azevedo. De seus nomes
não rezam apenas os livros de brasões. Rezam igual-
mente os livros de batalha, as crónicas dos reis, os
memoriais dos mosteiros, as crónicas dos conventos,
os registos dos cavaleiros da Ordem de Cristo e as
matrículas de ordens da Igreja Primacial de Braga.
Era Martim ou Martinho Lopes de Azevedo um
fidalgo particularmente relacionado e ligado com indi-
víduos do mundo eclesiástico. Fora Abade de Galegos
o seu tio Miguel; seus tios Jerónimo e Henrique eram

(3S) Memórias de D. João I, vol. Ill, Lisboa, 1732, p. 1508.


(34) Uvro de Linhagens do séc. XVI: Fr. Manuel dos San-
tos, Monarquia Lusitana, VIII, Lisboa, 1727, p. 701; Memórias de
D. João I, vol. Ill, Lisboa, 1732, p. 1507 ss.; D. António Caetano
de Sousa, Provas da História Genealógica da Casa Real Portu-
guesa (Suplemento), VI, Lisboa, 1748, p. 699, s.; Anselmo Braam-
camp Freire, Brasões da Sala de Sintra, III, (2.' ed.), Coimbra,
1930, pp. 189-197. Recolherá igualmente muitas informações
sobre esta família quem se der ao trabalho de consultar os
índices dos 14 volumes de Monumenta Henricina, Coimbra,
1960-1973; não esquecendo <á os dez volumes relativos às Gave-
tas da Torre do Tombo, que se publicaram, em Lisboa, entre
1960-1974.
192

frades: o primeiro beneditino Cem 1611, ocupava o


cargo de Abade do Mosteiro de Carvoeiro (Viana)];
o segundo, loio. Suas tias Cecília e Margarida eram
também freiras, no Porto e em Vale de Pereiro, respec-
tivamente. Tinha irmãos seus na vida eclesiástica. O
Cristóvão e o João eram ambos beneditinos. O Filipe
fradou-se a dominicano; o Gabriel era loio e o Inácio
metera-se a Cónego Regrante. Em conventos de Braga,
tinha também a freiras algumas irmãs. E duas filhas suas
também foram religiosas no convento das Clarissas de
Vila do Conde.
Em face de tudo isto, seríamos levados a crer que
fora imediata a adesão de Martim Lopes de Azevedo
às solicitações do Ermitão João da Cruz. Tentemos
reconstituir como se lhe teria dirigido o Ermitão:
— As pessoas pequenas e pobres encontram sem-
pre felicidade em ver-se atendidas por fidalgos de
mérito como V. Mercê, pelo que se mo permite, eu lhe
falaria daquilo que muito me atormenta.
— Esteja à sua vontade, e diga V. Caridade dos
motivos desses tormentos, atalhara o fidalgo.
— Sabe V. Mercê alguns dos tormentos por que
tenho passado. Achei dever recorrer agora a esta Casa
para nela tomar como protector a pessoa de V. Mercê.
Será talvez a única maneira de poder cumprir o voto
feito para toda a minha vida: ser ermitão de Nossa
Senhora a quem me apeguei na doença e de quem me
não quero afastar na saúde, dissera João da Cruz, que
continuava narrando ao fidalgo de Azevedo todos os
desgostos e contrariedades da sua vida.
Martim Lopes de Azevedo nunca interrompeu o
Ermitão durante o seu extenso discurso. Contudo, e
por ser de feitio ponderado, não se afoitou em respos-
tas prontas com ressaibos de facilidade. Foi apenas
relembrando os perigos que correria a sua casa da parte
do próprio Mateus Bravo, caso o Ermitão nela encon-
193

trasse acolhimento e guarida. Com estas considerações


do fidalgo, retirou-se o ermitão João da Cruz verdadei-
ramente desanimado.

19. O Morgado de Azevedo e sua mulher. Logo


que o Ermitão partiu, entrou o fidalgo em casa e pôs
sua mulher a par de tudo o que se passara. D. Luisa de
Sousa (assim se chamava ela) era senhora de grandes
virtudes e o seu nome andava, tal como o do seu
marido, ligado ao das maiores famílias do Reino
d'aquém e d'além-mar. Pensemos nos Sousas vizinhos
dali, os de Prado, que eram os Condes da Vila e seriam
os futuros Marqueses das Minas (Brasil)!
D. Luisa era de vontade que se favorecesse o Ermi-
tão, como senhora que era amiga de tomar a seu cargo
tanto pobres como desprotegidos. Por isso, com bran-
dura e entusiasmo, dissera ao Morgado, seu marido:
— Em atenção às nossas pessoas, aos nossos actos
e às ameias da nossa Casa tão antiga, Mateus Pereira
Bravo não será bravo senão no nome e na sua capaci-
dade de respeito por todos e pelo ermitão João da Cruz,
a quem Deus nos dará a honra de sermos úteis. Não
esqueçamos também de que quem dá aos pobres
empresta a Deus.
O fidalgo concordou com as palavras da esposa, a
qual no dia seguinte, de manhã, pediu ao marido que
mandasse chamar o Ermitão, pois nessa noite havia
sonhado que naquela fria lapa da Penaliveira se havia
de construir um Santuário maravilhoso, destinado ao
culto divino.
Imediatamente ordens foram dadas ao Capelão da
casa para que fosse chamar o Ermitão. E ele assim
o fez.

20. O Capelão de Azevedo e o Ermitão. Era


Capelão de Azevedo o P. Pedro Martins. Natural de
13
194

Cervães, viria a falecer em Janeiro de 1680, depois de


ter sido confrade da Irmandade dos Fiéis de Deus de
Parada de Gatim, que aos 28 de Janeiro daquele ano
o sufragou com o primeiro dos quatro ofícios de defun-
tos. Se à data do falecimento residia em Azevedo, não
o conseguimos apurar. O certo é que naquele verão de
1644, o P. Pedro Martins contactara com o ermitão
João da Cruz, a fim de que este viesse novamente
junto do fidalgo Martim Lopes de Azevedo.
O Ermitão assim fez, apresentando-se à porta do
solar. Tendo deparado com o 19.° Morgado daquela
Casa, perguntou-lhe João da Cruz qual o motivo por
que o havia mandado chamar. O fidalgo disse-lhe que,
pelo que lhe constava, Mateus Pereira Bravo tinha todo
o empenho e por muitas razões todo o interesse em que
o ermitão lhe estivesse na Capela da Estrela. Mas uma
vez que estava João da Cruz convencido de que nenhum
mal lhe faria o médico de Braga se a Casa de Azevedo
o protegesse, acrescentou ainda o fidalgo, de boa mente
o tomaria então a seu cuidado.
Ouviu o Ermitão com visível agrado estas pala-
vras. A dado momento, perguntou o fidalgo:
E agora que deseja mais, V. Caridade, fazer?
_ Gostaria de tapar o boqueirão da gruta da
Pena li veira para aí continuar a viver. Ansiava igual-
mente edificar um oratório onde pudesse colocar a
imagem da Senhora do Bom Despacho, visto ter tido
V. Mercê a bondade de despachar ser meu protector,
respondera João da Cruz.
— Mas tem V. Caridade dinheiro para as obras?,
continuou o fidalgo.
Não, mas procurarei arranjá-lo quanto antes,
foi a resposta.
— Bem! Vou pôr-lhe à sua disposição alguns valo-
res, afirmou-lhe o morgado de Azevedo, vá empenhá-los
195

e arranje o dinheiro de que precisa. E no primeiro dia


de Agosto iremos dar início às obras! Certo?
João da Cruz, se contente estava, mais contente
ficou. Imediatamente se pôs a fazer todas as diligências
necessárias para tudo bem se conjugar em ordem ao
início das obras no dia aprazado (38).
Entretanto foi igualmente a Braga encomendar uma
imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho de ves-
tidos e duns quatro palmos de altura (36).

21. Inicio das obras e Culto no Bom Despacho.


No dia combinado, lá compareceram João da Cruz,
alguns trabalhadores de Cervães e familiares da Casa
nobre de Azevedo. No decorrer das obras, tanto os
criados do fidalgo, como igualmente os seus filhos ali
permaneceram, de dia e de noite, armados, de guarda e
para que todos vissem. Na porta da lapa, afixaram um
letreiro com os seguintes dizeres: «Esta obra se fez de
esmolas. Protector: Martim Lopes de Azevedo» {").
Depressa veio a surgir no espírito de todos a ideia
de tornar pública aquela ermida. Contudo, para a obten-
ção de tal licença era mister dotá-la de fábrica sufi-
ciente.
Ao que parece, teria sido mais uma vez o fidalgo
de Azevedo quem se prontificou a dar anualmente
alguns alqueires de pão, que lhe ficassem a servir de
fábrica (38).
0 certo é que tudo foi tão rapidamente conseguido,
que aos dez de Agosto já o Ermitão, depois de obtidas
todas as licenças e despachos da Cúria Bracarense,
podia ver celebrar a primeira missa naquele local e em

(35 ) J. J. da Silva Bacelar, Apontamentos Históricos, p. 17.


(36
37
) Santuário Mariano, IV, p. 43.
(38) J. J. da Silva Bacelar, op. c/f., p. 17.
( ) Santuário Mariano, IV, p. 43.
196

frente da imagem da Senhora do Bom Despacho. E a


este propósito assinala o seu biógrafo o seguinte:
«Coisa maravilhosa foi naquele dia se achar na
solenidade gente de mais de três léguas em redondo,
pela fama que se divulgou das perseguições do ermitão
João da Cruz» (111).
Era este o primeiro grande gesto de solidariedade
do povo para com o fundador do Bom Despacho. Não
era todavia um gesto isolado. As esmolas dos que ali
acorriam tornavam-se cada vez mais generosas e abun-
dantes. E já que se tratava de dinheiro da Senhora, à
Senhora do Bom Despacho devia ser dedicado.
Foi assim que o Ermitão se pôs a fazer mais obras
que tornaram aquele local um de entre os mais célebres
santuários marianos de todo o norte do país.
São concordes todos os cronistas do Santuário ao
dizerem que João da Cruz, depois de construída a
Capela da Senhora do Bom Despacho, na gruta, «foi
minando o monte e por debaixo daqueles penhascos foi
fazendo capelas onde pôs os passos da Paixão do
Senhor até o monte Calvário» í40).
Tais capelas, cujo número e titular não sabemos
se coincide com o das oito actualmente existentes,
foram construídas, mediante adaptações feitas, em torno
da Capela da lapa. É agora Frei Agostinho de Santa
Maria quem nos informa: «Ficam estas Capelas cerca-
das ifechadas^, mas com janelas para fora, para por
elas serem vistas as santas imagens que nelas colocou;
porque na cerca não entram mulheres; e só se permite
que possam lá entrar homens devotos e pessoas
nobres» (■")■
0 P. Carvalho da Costa, depois de ter declarado

(:!!>) Bacelar, op. c/f., p. 18.


(i") Santuário Mariano. IV, p. 44.
(■") tbid.. pp. 44-45.
197

que João da Cruz meteu a Senhora do Bom Despacho


entre dois penedos, acrescenta, por seu lado, que «nos
recôncavos deles [penedos], com serventia oculta,
í meteu] os passos da Paixão de Cristo, de modo que,
vendo-se de fora, a todos se vai por dentro» (42).

22. Os 17 últimos anos do Ermitão. Quando o


Ermitão viu o seu santuariozinho acabado, tratou logo
de obter para ele do Sumo Pontífice «muitas graças e
jubileus» ("),
A festa da Senhora do Bom Despacho começou a
celebrar-se todos os anos com muita solenidade no dia
25 de Março, dia da Encarnação de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Por esta ocasião, e embora nela ainda não
houvesse sacrário, ficava o Santíssimo exposto durante
três dias nessa pequena Capela (44).
As graças e jubileus, por um lado, o renome das
virtudes do Ermitão, por outro, a curiosidade de ver e a
devoção de recorrer ou de festejar a Senhora, ainda por
outro, tudo isso contribuiu para que os fiéis afluíssem
numerosos aos penedos da Penaliveira.
As capelas-grutas, embora de tosca feitura, eram
cheias de originalidade, constituindo só de per si uma
forte atracção para a piedade e a curiosidade popula-
res. Poder-se-ia até ver nelas como que uma pré-edição
do que viriam a ser no século seguinte os complexos
do Bom Jesus do Monte, em Braga, ou, em data que
não conseguimos apurar, da Senhora da Peneda, em
Gavieira (Arcos de Valdevez).
O Autor da Corografia Portuguesa escreveu da
Senhora do Bom Despacho que ela «é muito frequen-
tada de romagem de muitas partes e lhe cantam várias

(«) Corografia Portuguesa, (2." ed.), I, p. 222,


(43) Santuário Mariano, IV, p. 44.
(") Ib.
198

cantigas (46) cada uma a seu intento» (46). Por sua


vez, o Santuário Mariano, impresso três anos depois
daquela obra, a que aliás se refere, afirma: «Tem por
ali [junto às capelas do Bom Despacho] muita quan-
tidade de casas de romagem e todas são necessárias
à multidão da gente que concorre de várias partes a
fazer novenas à Senhora» (47).
Ignoramos todavia se essas casas, de que hoje
praticamente pouco resta, bem como a afluência que
as justificou, remontam ainda à vida do ermitão João
da Cruz ou se terão já sido construídas no tempo do
P. Manuel da Cruz, seu sucessor. Nenhum dos dois
cronistas tantas vezes citados, nem sequer o autor
anónimo do manuscrito do Santuário, nos elucida sobre
o assunto.
Nem tampouco são unânimes no registo da data
exacta do falecimento do Ermitão. A este respeito, os
informadores de Frei Agostinho de Santa Maria garan-
tem que «assistiu o servo de Deus João da Cruz até
o ano de 1670 pouco mais ou menos» (48). Por seu
lado, o antigo manuscrito do Santuário apresenta-se-
-nos como mais preciso e categórico, quando nos cer-
tifica de que João da Cruz «administrou o Santuário de
Nossa Senhora do Bom Despacho dezassete anos», até
que «no ano de mil e seiscentos e sessenta e um, com
grandes mostras de predestinado deu a alma ao Criador,
cantando até expirar: Ecoe crucem Domini. fugite partes
adversae, o que significa; Eis a cruz do Senhor; fugi,
hostes inimigas (49).

(4Í) De algumas dessas cantigas, daremos algumas amos-


tras noutro
46
lugar.
(47 ) Corografia Portuguesa, (2." ed.), I, p. 222.
(48) Santuário Mariano, IV, p. 45.
( ) lb-
(49) Bacelar, op. c/f., p. 18: cf. Gil Afonso, Senhora do
Bomdespacho, p. 34.
199

23. O P. Manuel da Cruz, sucessor do Ermitão.


Por morte de João da Cruz, fundador do Bom Des-
pacho, ficou em seu lugar o Padre Manuel da Cruz, seu
afilhado, e que desde os seus dez anos fora criado em
sua companhia, até à idade em que andou nos estudos
para se poder ordenar sacerdote (lli0).
Qual a família do P. Manuel da Cruz, não o sabe-
mos, por falta de informações. Que era de Cervães, já
não temos receio de o afirmar, pois documentos há que
o afirmam (S1). Acerca do seu zelo pelo Santuário do
Bom Despacho bastará transcrever a seguinte passa-
gem do antigo manuscrito, constantemente seguido;
«Tem feito um sumptuoso templo que hoje existe, tteml
reedificado as capelas e feito outras casas de residên-
cia, cerca, olivais que dão azeite de sobejo para a lâm-
pada e gastos da casa» C12). Lamentando que o autor
destas palavras não tenha registado o ano em que as
escreveu, somos inclinados a pensar que foram escritas
sendo ainda vivo o P. Manuel da Cruz. Mais ainda
teriam sido escritas por alguém muito ligado ao San-
tuário, a par das despesas e receitas no que respeita
ao azeite.
Se Manuel da Cruz já era padre quando o Ermitão
faleceu, não o sabemos negar nem afirmar. 0 mais que
nos seria permitido era conjecturar. Contudo, temos
a certeza de que fora ordenado alguns anos antes
de 1665.
Num velho livro quase a desfazer-se em conse-
quência do desprezo a que andara votado, descobrimos
que o P. Manuel da Cruz exercia no ano de 1665 o
cargo de promotor da Irmandade Eclesiástica dos Fiéis

(=<>) Santuário Mariano, IV, p. 45 e Bacelar, op. c/f., p. 18


são absolutamente concordes quanto a este ponto.
(si) Título das Faltas e Condenações desta nossa Confra-
ria. Ano de 1665, em diversas passagens.
(52) J. J. da Silva Bacelar, op. c/f., p. 18.
200

de Deus, ao tempo instalada na igreja paroquial de


Parada de Gatim, onde no fim do séc. XV ou princí-
pios do séc. XVI havia sido fundada. Pudemos ver algu-
mas actas por ele redigidas e assinadas.
Além do cargo de promotor, por ele próprio assim
referido (B3), aparece-nos também referido, em 1667,
como deputado na mesma Irmandade (54).
No ano de 1674 e porque entretanto entraram na
mesma Irmandade Eclesiástica outros padres com igual
nome, o Padre Manuel da Cruz passou a ser sistemati-
camente designado por P. Manuel da Cruz do Bom
Despacho ou ainda por P. Manuel da Cruz de Cervães.
A última vez que no velho Titulo das Faltas e Conde-
nações se regista, sem perigo de confusão o nome do
sucessor do Ermitão do Bom Despacho foi em 1685 (55).
Consta, todavia, pelos informadores de Frei Agostinho
de Santa Maria que em 1690 ainda continuava ao ser-
viço da Senhora o mesmo P. Manuel da Cruz, tendo
então em sua companhia mais três ermitães {5").
Quando morreu, não o podemos assegurar. Se não
tivessem desaparecido ou sido destruídos os livros das
Confrarias da Capela de S. Pedro de Montório, talvez
não tivéssemos de enfrentar em vão este problema.
Temos, no entanto sérios motivos para supor que ele
não terá morrido antes de 2 de Junho de 1694 (57).

24. As Ordens Religiosas e o Bom Despacho.


Dissemos atrás que o Bom Despacho se havia tornado
um centro de atracção da piedade popular. Mas não
só. Até as próprias ordens religiosas teriam sido aler-

í53 ) Titulo das Faltas, fl. 21.


(r'4) T/f. das Faltas, fl. 37 v.".
(")
5<1
T/f. das Faltas, fl. 70.
(57 ) Sant. Mariano, IV, p. 45.
í ) Termina com esta data o livro Titulo das Faltas e
Condenações, que encontrámos muito incompleto.
201

tadas pelos cheiros de espiritualidade que rescendiam


das penedias da região. O autor do Santuário Mariano,
cremos que com fundamentos dignos de crédito, diz
que os Padres da Ordem da Santíssima Trindade, aí
pelos anos de mil seiscentos e cinquenta e tal haviam
requisitado^ as capelas e dependências da Penaliveira
para aí fundarem um convento. E o mesmo teria aconte-
cido aliás com outras ordens que, por sinal, não enu-
mera (58).
Rebuscámos na História Cronológica da Ordem
da Santíssima Trindade elementos para confirmar ou
desmentir a notícia de Frei Agostinho de Santa Maria.
Nada aí encontrámos expressamente registado sobre o
assunto. Ficou-nos porém a impressão de que teria sido
bem possível haverem os superiores da Ordem posto
o problema, nomeadamente em tempos do P. Mestre
Doutor Fr. Diogo de Sousa, filho do III Conde de Prado,
D. Luís de Sousa. Aquele ilustre membro da Ordem,
embora nascido em Olinda, no Brasil, professou em
1633 e na Ordem exerceu os cargos de Reitor, em 1654,
de Definidor Apostólico, em 1658 e de Visitador geral,
em 1661 (5").
Sabemos, além disso, que em 20 de Abril de 1653
foi assinado um documento que assegurava a fundação
do Convento das Trinas, na cidade de Guimarães í80).
Sendo assim, não nos repugna admitir que o pro-
blema da fundação dum mosteiro no Bom Despacho
haja sido posto, quer por sugestão daquele venerando
religioso, quer por indicação da sua família ou de qual-
quer outra pessoa influente e conhecedora daquele cen-
tro mariano.

(58) Santuário Mariano, IV, p. 43.


(59) Frei Jerónimo de S. José, História Cronológica da
Ordem<!0da Santíssima Trindade, II, Lisboa, 1794, p. 203.
( ) Frei Jerónimo de S, José, op. c/f., II, pp. 183-186.
202

25. Os Detractores da Obra do Ermitão. Não


faltou também quem viesse deturpar e tentar emporca-
lhar as intenções e a obra de João da Cruz.
Baseados talvez na tradição de que alguns religio-
sos pensaram fundar no Bom Despacho casa para a sua
Ordem, os detractores aparecem-nos personificados, se
não nos autores do Portugal Antigo e Moderno e de
O Minho Pitoresco, pelo menos naqueles em que se
baseou Pinho Leal e que José Augusto Vieira angelical
e burguesmente copiou. Pinho Leal não foi visitar a terra
de que fala e imagina pura e simplesmente com os
olhos do mata-frades o que teria feito o povo de Cer-
vães, dois séculos antes.
Mais grave é contudo o desplante de J. Augusto
Vieira. Por se limitar a informar-nos sobre o Minho,
tinha por obrigação estar mais bem documentado.
Em relação a Cervães e ao Santuário do Bom Des-
pacho, o autor de O Minho Pitoresco, também por lá
não passou. Como principal, se não única, fonte de
informação, tomou a obra de Pinho Leal. Mas foi tanto
mais infeliz quanto não só copiou escrupulosamente
alguns dos erros do Portugal Antigo e Moderno, como
até incompreensível e injustificadamente lhos aumentou.
Vejamos como o autor de O Minho Pitoresco nos
informa, ou melhor, nos mente, acerca do Bom Des-
pacho:
«Além da igreja matriz, (...), existem na freguesia
a capela de Nossa Senhora da Estrela, edificada entre
duas fragas, tendo no recôncavo os passos da Paixão;
e a de Nossa Senhora do Bom Despacho, um pouco
mais acima desta, a que deu princípio em 1640 o ere-
mita João da Cruz, natural de Monção. Mais levantados
intentos tinha o eremita, segundo reza a tradição, por-
que aí pretendia fazer um mosteiro duplex (); o povo

í61) Os mosteiros dúplices existiram na Idade Média.


203

opôs-se, porém, à realização de tal ideia, sendo preciso


até que o general das armas da Província, D. Diogo de
Lima, viesse com tropa sossegar esse fermento de
revolta jacobina contra as santas intenções do anaco-
reta, que afinal não desejava senão que as beatas auxi-
liassem os bons frades... no cultivo da vinha do Senhor?
Um terrível povo este de Cervães! Exactamente
como o de Prado, seu vizinho, com o qual em tudo se
parece, até mesmo na indústria das olarias, sendo aí
que se fabrica muita da louça de barro ordinário» (62).
Se J. Augusto Vieira tivesse rebuscado a Coro-
grafia Portuguesa e o Santuário Mariano já não teria
produzido tamanha monstruosidade. Mais. Se tivesse
indagado, «in loco» até talvez tivesse podido ver ainda
o manuscrito antigo do Santuário. Em todo o caso, teria
encontrado quem lhe referisse a recente publicação
desse interessante manuscrito no jornal Comércio do
Minho, de 1883 por iniciativa do Dr. J. B. da Silva
Ramos.
O leitor daquele trecho de O Minho Pitoresco
poderá saborear-lhe a prosa. Mas não deixará de lhe
fustigar o anticlericalismo, o sectarismo e o que é pior
ainda a mentira, ao confrontar as suas afirmações com
o que pessoalmente conhece e com as afirmações
documentadas, que continuará a encontrar ao longo das
presentes páginas.

havendo duas comunidades (homens para um lado, mulheres


para outro) e completamente separados.
(62) o Minho Pitoresco, I, Lisboa, 1886, p. 411; cf. Pinho
Leal, Portugal Antigo e Moderno — Dicionário, II, Lisboa, p. 255.
11

O sanluári o, sua
e seu es lilo

1. Para bem conhecer o Santuário. Quem do


exterior contemplar o santuário do Bom Despacho,
está longe de imaginar o que de história, de riqueza e
de beleza podem esconder aquelas paredes, sem inte-
resse de maior, por demasiado singelas e pobres.
Não obstante, não é de todo desgraciosa a fachada
principal. Graças à relativa harmonia das suas linhas
e ao acabado dos seus contornos, e abstraindo de
outros motivos de embelezamento, a fachada, em si, não
se ficará nada aquém da de tantas outras igrejas do
norte do país e que se tornaram célebres centros de
romagem; S. Bento da Porta Aberta (Rio Caldo, Ter-
ras do Bouro), Senhora da Aparecida (Balugães, Barce-
los), Senhora da Peneda (Gavieira, Arcos de Valdevez),
para apenas citarmos alguns dos nomes mais conhe-
cidos. E, mais agradável se tornaria a fachada do Bom
Despacho se, em toda a extensão da sua frontaria, se
eliminasse aquele ultrapassado resguardo, que mais
não serve senão para lhe tolher as vistas. Substituído
por uma simples escadaria estendida de lés-a-Iés tería-
mos um excelente conjunto, que logo nos empurraria
para maiores alturas e melhores ressaibos de beleza.

2. Celebridade do Bom Despacho. Foi um céle-


bre santuário, este de Nossa Senhora do Bom Despacho,
206

de Cervães! A demonstrá-lo, nada melhor do que as


referências que a ele tiveram de fazer, não só um Frei
Agostinho de Santa Maria f1), um Carvalho da
Costa (2), (nos princípios do séc. XVIII), e ainda um
Pinho Leal (3) e um J. Augusto Vieira (4), (no
séc. XIX), mas também um João Baptista de Castro (5)
e um Agostinho Rebelo da Costa (G), além de certa-
mente vários outros, cujos nomes omitimos, por impos-
sibilidade de a todos encontrar e conhecer.
E isto, para não falarmos já dos Livros de Usos e
Costumes de tantas freguesias minhotas (cujo inven-
tário não tentámos elaborar) e nos quais estavam pre-
vistos, ora os clamores, ora outras peregrinações e
romagens, a este santuário, quer em dias certos, quer
em alturas de aflição colectiva, como acontecia quando
se tornavam exageradamente prolongadas as estia-
gens (7).
O Cónego M. de Aguiar Barreiros também não se
esqueceu de Nossa Senhora do Bom Despacho, nem
na sua monografia sobre as imagens e o culto de Nossa
Senhora na Arquidiocese de Braga (8), nem nos Ensaios

f1) Santuário Mariano, IV, Lisboa, 1712.


(23) Corografia Portuguesa, I, 1706; 2." ed. em 1868.
( ) Portugal Antigo e Moderno — Dicionário, II.
(45) O Minho Pitoresco, I, Lisboa, 1886.
( ) Mapa de Portugal Antigo e Moderno, III, 3: ed. Lisboa,
1870, p. 165.
(6) Descrição topográfica e histórica da Cidade do
Porto, 7 1789.
( ) Alberto Pimentel, História do Culto de Nossa Senhora
em Portugal, Lisboa. (1899), p. 468; cf. J. J. da Silva Bacelar.
Apontamentos históricos do Santuário de Nossa Senhora do Bom
Despacho, Braga, 1898.
(8) Nossa Senhora nas suas imagens e no seu culto na
Arquidiocese de Braga, Braga, 1931. De não esquecer é igual-
mente a obra de Jacinto dos Reis, Invocações de Nossa Senhora
em Portugal, Lisboa, 1967.
207

Iconográficos, aquando da Exposição Mariana de Braga,


em 1954.
O Guia de Portugal, relativo ao Minho, embora
escasso em maiores referências, alude também ao Bom
Despacho, quando afirma acerca de Cervães: «Aí se
encontram as ruínas da velha Casa-Torre de Gomariz
e o templo-santuário do Bom Despacho edificado nos
meados do séc. XVII (de cujas torres campanárias se
abrange um amplo horizonte sobre o vale do Cá-
vado)» (9).

3. Retalhos de uma História. A Capela primitiva.


A história deste santuário seria, contudo, incompreen-
sível, se desligada da vida do ermitão, seu fundador.
Foi por este motivo que fomos levados a apresentar,
primeiramente, tudo aquilo que da sua vida se conhece.
Tal como hoje o vemos, não nos permite o Templo,
só de per si, descortinar facilmente as diversas etapas
por que passou a sua construção. O observador menos
atento ou esclarecido poderia cuidar que esta igreja
fora toda construída duma única assentada. Sabemos,
porém, que assim não foi.
Sem falarmos já da adaptação inicial feita tosca-
mente pelo próprio ermitão João da Cruz e que lhe
fora derrubada, o Bom Despacho começou a resultar
do aproveitamento do abrigo de entre dois enormes
penedos, que felizmente sempre se conservaram até aos
nossos dias, para arranjo de uma moradia e duma sin-
gela capelinha ou oratório. As obras dessa adaptação
fizeram-se em muito menos de dez dias. Tiveram início
a 1 de Agosto de 1644. A 10 do mesmo mês, já nela
se celebrou a primeira missa, em presença da imagem
da titular e de bastante povo, refere o cronista (1()). A
(9) Guia de Portugal, IV. Entre Douro e Minho. II Minho
(Lisboa, 1965), p. 908).
(10) J. J. da Silva Bacelar, op. c/f., p. 18.
208

imagem primitiva era de vestidos e media os seus qua-


tro palmos de altura O1).

4. A segunda Capela da Senhora do Bom Des-


pacho. A esta primitiva capela, necessariamente aca-
nhada, sucedeu uma segunda, certamente bastante mais
ampla e aperfeiçoada, também ela encostada ao Penedo
dito da Penaliveira e cujo acesso se encontraria do
lado nascente. Só este facto poderá explicar a existên-
cia de uma parede, que ainda hoje se pode ver, enci-
mada por duas sineiras e que já na opinião do Padre
J. J. da Silva Bacelar deveriam pertencer a uma capela
provisória. Em 1897, escreve este conhecedor das coi-
sas do Bom Despacho: «Encostado ao outão do altar-
-mór e fazendo cruz com o santuário existe ainda uma
fachada de igreja, ultimada com duas sineiras, que não
é fácil averiguar se serão restos da primitiva igreja, se
de capela provisória durante o tempo das obras da
actual; o que parece mais provável» (12).
Pessoalmente, somos de opinião que se tratará
de resto da Capela que antecedeu o actual santuário e
que foi desaparecendo à medida que se foram con-
cluindo as obras do mesmo. Como as sineiras não estor-
vavam fosse o que fosse, ali as deixaram intactas. As
capelas dos Passos do Senhor, feitas de redor do
penedo, já estariam prontas, e isso desde os tempos
do Ermitão, não tendo certamente sido necessário de
novo abrir qualquer porta na parede da mesma capela
para o acesso ao seu interior.
Seria esta a Capela existente, em 1667, aquando
da reunião que, a 2 de Junho, aí efectuaram os mesá-
rios velhos e novos da Confraria Eclesiástica dos Fiéis
de Deus, de Parada de Gatim, a fim de prestarem as

f11 ) Santuário Mariano, IV, p. 43.


(12) Bacelar, op. c/f., p. 24, nota 2.
209

suas contas anuais (13). É esta a Capela que os funda-


dores da Irmandade e Capela de S. Pedro de Montório
tomam como ponto de referência, quando, em 26 de
Junho de 1681, redigiram os Estatutos da dita Irman-
dade, posteriormente conhecida como Leiga (14).

5. Tempo, factor indispensável para a construção.


Porque exclusivamente mantidas com os donativos dos
devotos, as obras do Bom Despacho prolongaram-se
por quase um século.
Nada há, contudo, a estranhar nesse facto. É a
sorte normal de todas as grandes obras erguidas pela
piedade dos fiéis, nomeadamente em regiões com uma
população pouco endinheirada. Pensemos, por exem-
plo, no que está a acontecer com o santuário de tra-
çado neo-gótico de Nossa Senhora do Alívio (Soutelo -
- Vila Verde), cujas obras, apesar de iniciadas em 1872,
ainda não conseguiram atingir totalmente o seu termo,
não obstante a campanha nesse sentido lançada por
ocasião do seu primeiro centenário (1|5). Recordemos
igualmente que o Santuário da Senhora do Sameiro se
iniciou em 31 de Agosto de 1873 (10) e estamos longe
de poder afirmar que as obras hajam terminado.
O próprio conjunto do Bom Jesus do Monte andou
em obras desde 1629 até 1832. O santuário propria-
mente dito, apesar de iniciado em 1784, viu a sua

(13) Titulo das Faltas e Condenações desta nossa Confra-


ria, 1665,
14
fl. 4.
(18 ) Documentos da Irmandade Leiga, fl. 2 v.°.
(16) O Vilaverdense, n." 406, de 13 de Agosto de 1972.
( ) Guia de Braga — Arte e Turismo, 1959, p. 153;
B. Xavier Coutinho, Como nasceu o Santuário do Sameiro, in
O Distrito de Braga, IV (1968). Por este estudo (p. 264) sabemos
que fizera parte da Comissão central encarregada dos meios
para levar a efeito esta construção o P. José Luciano Gomes
da Costa, natural da Ucha, confrade da Irmandade Eclesiástica
de S. Pedro de Montório, referido nestas páginas.
14
210

última pedra colocada em 1811 e só em 1857 foi


sagrado (17).

6. A construção do Santuário do Bom Despacho.


Ignoramos a data em que se terá iniciado a construção
do actual templo-santuário do Bom Despacho. Um
documento que nos poderia informar a esse respeito
seria o manuscrito que no Santuário existira e que em
1859 se conseguiu evitar de ficar perdido. Mas infeliz-
mente, o autor dele, talvez por pouco entendido em
questões de história, esqueceu-se de datar aquilo que,
mesmo assim, constitui um testemunho valioso.
Somos inclinados a crer que o Santuário propria-
mente dito terá sido iniciado no último quartel do
séc. XVII e provavelmente depois de 1680-1681, data
em que foi construída a Capela de S. Pedro de Montó-
rio e até talvez em resultado dos entusiasmos desper-
tados por causa desta construção.
Dado que não dispomos de documentos, qualquer
tentativa de enumeração das diversas fases de cons-
trução do Santuário será por isso arbitrária e discutível.
Contudo, o que é certo, e isso ninguém o nega, é que
umas coisas foram construídas antes e outras em segui-
da. Por isso, quer-nos parecer que no período de 1704
a 1728, que coincide com a presença do Arcebispo
D. Rodrigo de Moura Teles à frente dos destinos da
Arquidiocese de Braga, poderia ter ficado concluído
todo o corpo do Templo, com a obra de talha igual-
mente incluída.
O historiador bracarense, que foi Mons. José
Augusto Ferreira, afirma que o Arcebispo D. Rodrigo
de Moura Teles contribuiu com donativos para as obras

(l7) Diogo de Sampaio Pimentel, Memórias do Bom Jesus


do Monte, Coimbra, 1876, pp. 56 e 63; Guia de Braga — Arte
e Turismo, 1959, p. 128.
211

do Santuário de Nossa Senhora do Bom Despacho, É


o que quererá significar o seu brasão prelatício que o
púlpito do Bom Despacho ostentou em tempos.
É certo que esta obra não figura nas listas normal-
mente publicadas, mas também se sabe que tais listas
estão longe de ser completas (18).
As torres foram as últimas construções que se
levaram a efeito no santuário do Bom Despacho. A do
lado nascente contém uma lápide com a seguinte
legenda:
Torre que mandou fazer o capitão-mor João de
Oliveira e seu irmão António de Oliveira, naturais desta
freguesia e assistentes nas partes do Brasil. 1740.
Se estes beneméritos tivessem tido demasiada
modéstia e nos houvessem ocultado o seu contributo,
hoje, nem uma ideia teríamos acerca da data das tor-
res. Mesmo assim continuaremos sem saber se eles
mandaram construir esta torre imediatamente a seguir
à outra (do lado poente) ou se apenas uns anos depois.
Uma outra data que aqui se deve registar, embora
pouco valor demonstre ter à primeira vista, é a de 1717
e que chamará porventura a atenção do visitante do
Santuário quando entre na porta principal pelo lado
esquerdo. Tal data está aposta a uma redoma de vidro
que resguarda umas ossadas humanas achadas no inte-
rior do templo e junto à porta principal em duas sepul-
turas, vendo-se igualmente dentro duma delas umas
esporas de cavaleiro.
Ninguém sabe de quem são as ossadas nem tam-
pouco a quem pertenceram as esporas. Pessoalmente,
suspeitamos que parte das ossadas serão, se não
do fundador do Bom Despacho, o ermitão João da Cruz,
pelo menos do seu sucessor, o P. Manuel da Cruz.

(18) J. Augusto Ferreira, Fastos Episcopais da Igreja Pri-


macial de Braga. Ill, Braga, 1932, p. 268.
212

Quanto às esporas, essas fazem-nos lembrar os fidal-


gos da Casa de Azevedo, algum dos quais terá sido
certamente benfeitor insigne do Santuário, como o fora,
por exemplo Pedro Lopes de Azevedo em relação a
S. Pedro de Montório. Serão até porventura deste
mesmo fidalgo? Nada sabemos.
0 que é certo, é que foi pena haverem raspado as
letras que se viam escritas nas lousas que tapavam as
sepulturas da entrada do Santuário, sem ao menos ter
havido o cuidado de as copiar. Ficou a data de 1717,
mas tal informação é deveras insuficiente.
Sabe-se que fora sepultado no Santuário o Capelão
P. Manuel Domingues Martins. Mas este vivia ainda,
no período que vai pelo menos, de 1797 até 1823.

7. Autores das obras e suas dimensões. É des-


conhecido o nome do Mestre que concebeu e executou
o traçado do Santuário do Bom Despacho, no que
respeita à obra de pedreiro. Quem quer que tivesse
sido, concebeu-o grandioso e resistente.
Mede, no interior, 29 metros de comprimento, 9
de largura e 10 de altura de parede, até às cornijas. Tem
tecto de abóbada construído em tijolo entre fortes arcos
de pedra. Tudo isto assente em paredes que medem
nada menos do que dois metros e quarenta centímetros
de espessura! (1!)).
Este tipo de construção tem sido duma solidez
inexcedível. Afirma J. J. da Silva Bacelar que «se assim
não fosse, abalada como tem sido, com descargas
eléctricas, que por vezes as torres têm apanhado e

(19) Dada a espectacular espessura de tais paredes, gos-


tam os antigos de contar que a pedra para a construção que se
estava a realizar era levada nos carros de bois por cima das
mesmas paredes. Mesmo que tal afirmação não passe dum gra-
cejo, é útil referir aqui que o rodeiro dum carro de bois tem
entre 1,40 m. e 1,50 m. de largura!
213

comunicado, teria desabado» (20). Efectivamente,


escreve ainda o mesmo cronista: «só neste século
[refere-se ao séc. XIXJ por duas vezes descargas eléc-
tricas derrubaram a cúpula, cornija e escadas interiores
da torre do nascente, com cujos reparos se gastaram
centos de mil réis. A última descarga foi em 1871» (21).
Estes acidentes só foram definitivamente afastados
com a colocação de pára-raios nas duas torres, em 1887,
benefício de que se encarregou o Rev. Cónego Manuel
José da Silva Bacelar, com a colaboração dos seus
amigos do Porto e de Guimarães, cidades onde, por
vários anos, se distinguiu como professor.
t Em 1897, e para substituir um velho relógio de
pouco valor que, aquando do desabamento da torre, se
havia também destruído, deu João de Oliveira e Silva
Bacelar, da casa da Custariça, um novo relógio, de sis-
tema alemão, com corda para oito dias e batendo todas
as horas e meias horas. De sua construção e montagem
encarregou-se um relojoeiro de Vila Verde: Francisco
Fontes, trabalho em que foi verdadeiramente feliz (22).

8. A talha do Santuário e o seu estilo. Além dos


dois monumentais penedos de granito, sob os quais
se abrigam o nicho da Senhora do Bom Despacho, o
Sacrário e o altar-mor (23) (recentemente aí foi colo-
cado um outro moderno para se celebrar virado para
o povo e que felizmente condiz com o conjunto), con-
tém este Santuário um retábulo verdadeiramente monu-
mental de estilo renascença, como que a rematar todo
o conjunto da Capela-mor.

(20) Apontamentos Históricos do Santuário..., p. 10.


(21) Op. c/f., p. 26.
(22
23
) Op. c/f., pp. 26 e 27.
C ) A imagem da Senhora do Bom Despacho que octna
o lugar de honra, dentro da lapa, é aquela cuja gravura se po-
derá ver na capa desta monografia.
214

Os altares colaterais e os laterais (com excepção


do de Santo António) são da mão do mesmo mestre
que delineou o Retábulo e tudo indica terem sido tam-
bém as mesmas mãos que o executaram.
0 ilustre historiador da arte que foi o americano
Prof. Robert C. Smith no decorrer dos seus estu-
dos sobre a arte em Portugal, pôde verificar que «no
último quartel do séc. XVII a talha portuguesa sofreu
uma profunda transformação» (25), mercê da introdu-
ção duma quantidade de elementos que acabaram por
produzir «a primeira manifestação inteiramente barroca
na história da arte portuguesa» que ele gosta de desig-
nar por estilo nacional, cuja cronologia «é ainda obscura
por falta de exemplares datáveis» {2a).
Entre outros elementos típicos deste estilo, tais
como a coJuna de fuste espiral, por exemplo, contam-se
os relevos de pássaros, anjinhos ou meninos, folhas de
acanto, além da presença nos retábulos das capelas-
-mores da tão original tribuna, dentro da qual se vê
ainda por vezes um trono ("), ou então, em seu lugar,
um pequeno altar, como acontece nos retábulos de
Nossa Senhora do Bom Despacho, em Cervães, do Con-
vento de Cós (Nazaré) e da Sé Nova de Coimbra (28).
A referência de tão ilustre mestre ao retábulo do
Santuário do Bom Despacho, incluindo-o dentro do ciclo
das chamadas «igrejas forradas de ouro» dispensa-nos
de tentar fazer outras descabidas considerações.

(2>) Professor da Universidade da Pensilvânia (Filadélfia).


Faleceu em 1975. tendo deixado importantes estudos sobre a
arte e vários escultores e entalhadores de Portugal, nomeada-
mente dos do séc. XVIII. _ . .■ ,
(2,1] Robert C. Smith, A Talha em Portugal, Lisboa,
1962, p. 69.
(2") Smith, op. c/t., ib.
(22) lb., pp. 70 e 71.
(28) lb., p. 74. É nosso o sublinhado.
215

Portanto, e para concluir este apontamento de refe-


rência ao retábulo da Capela-mor do Bom Despacho,
diremos que se trata dum belo exemplar de talha dou-
rada daquele barroco a que se pode chamar «estilo
nacional» e cuja expressão «atingiu o seu auge de
esplendor no período desde 1690 até 1730», na afir-
mação ainda do mesmo falecido Prof. Robert Smith (29).
Trata-se precisamente do período dentro do qual
foram executadas todas as obras de talha, pintura e
muitas das de escultura do Santuário do Bom Despa-
cho, já que as obras de arquitectura (umas anteriores a
1690 e outras posteriores a essa data e anteriores a
1740) nem sequer merecem ser consideradas sob o
ponto de vista de arte.
Do mesmo estilo do retábulo monumental são os
retábulos dos altares colaterais, cujas telas são do
mesmo período e igualmente de autor desconhe-
cido (30). O altar dos esponsais de S. José e N. Senhora
é o do lado esquerdo (de quem entra). É também
conhecido modernamente por altar de N. Senhora de
Fátima, por aí ter sido colocada a sua imagem. O cola-
teral do lado direito é o da apresentação de N. Senhora
no Templo, quando menina. Por aí haver sido colocada
a sua imagem (por sugestão certamente dos Domini-
canos ligados ao Patronato, à roda de 1930), é este
altar também conhecido como altar de S. Domingos.
Quanto ao altar de S. António, também do lado
esquerdo, o seu retábulo, embora de estilo semelhante
é muito mais reduzido e menos valioso e tudo indica
tratar-se dum acréscimo um pouco mais tardio.

(29) O 'Bronze Dourado» em Braga e no Porto 1600-1800,


in Bracara Augusta, XXIX (1975), p. 7, nota 1.
(30) O Sr. Dr. Cónego Luciano dos Santos, que procedeu
a um estudo destas telas, indo para o efeito examiná-las no
local, concluiu serem do séc. XVIII e de autor não identificável.
216

Do retábulo monumental propriamente dito, além


de duas telas bastante maltratadas e situadas num
segundo plano, de cada lado da tribuna, pode ver-se
um altar com uma preciosa escultura policromada de
N. Senhora da Assunção, que datará também dos fins
do séc. XVII ou primeiro quartel do séc. XVIII. Da mes-
ma época poderão ser ainda as esculturas dos nichos
do retábulo, representando uma Cristo Ressuscitado
(lado esquerdo) e a outra S. João Baptista (lado
direito).
Uma imagem muito apreciada, por se tratar duma
elegante escultura em barro policromado, é a de N. Se-
nhora da Conceição e que em tempos conseguimos ver
na Sacristia do Santuário, local onde aliás se guardava,
como coisa preciosa, um crucifixo luso-indiano do
séc. XVII, em que se vê um belo Cristo em marfim com
resplendor, que atrás reproduzimos.

9. As esculturas das Capelas. Imagens ou escul-


turas de muita devoção são todas as que estão dispos-
tas através das Capelas que circundam o Santuário pelo
norte e poente. Para melhor acompanhamento desta
descrição seria conveniente utilizar aqui a planta do
Santuário e sua respectiva legenda.
No átrio de acesso ao interior das Capelas ou à
Sacristia deparamos com duas belas esculturas de
madeira pintadas. São imagens de S. José e de N. Se-
nhora do Leite respectivamente.
A capela dita do Boi Bento ou Nascimento de Jesus
é um magnifico presépio, constituído apenas pelas figu-
ras principais: S. José, N. Senhora, o Menino, o Boi
Bento e o Burro, sendo cada uma destas peças de
tamanho grande e esculpidas em barro policromado.
Pendente do rochedo vê-se o dístico Gloria In excelsis,
num conjunto de madeira.
A esta, seguem-se as Capelas dos Passos ou da
217

Paixão, por evocarem sete dos grandes passos da Pai-


xão do Senhor, considerados aliás os principais, nos
princípios do séc. XVII. Começam no Horto e terminam
na Casa de Herodes (31).
A primeira capela representa a Agonia de Jesus no
Horto, ou jardim das oliveiras. Aí se vê Jesus, de joe-
lhos a orar e em sua frente, ao alto, o anjo com o cálice
da amargura.
A segunda capela mostra Jesus, de pé, preso à
coluna e com as mãos atadas uma na outra. Também
se designa este passo como o da Flagelação.
A terceira capela é a de Jesus coroado de espinhos,
aqui, no sítio, conhecido por Senhor da pedra fria, devi-
do à sua posição. Está sentado no rochedo, coberto
com um manto vermelho e de mãos atadas.
A quarta capela é a do Ecce Homo, mais conhecido
por Senhor da Cana Verde. Jesus está de pé, susten-
tando uma cana na mão direita.
A quinta capela é a da queda de Jesus quando
levava a cruz aos ombros. É vulgarmente conhecido por
Senhor dos Passos. Dizem que esta imagem tem ido
num andor nas Endoenças. Terá sido esta a imagem
que existira na Capela de Penoucos, nos tempos do
Ermitão João da Cruz? Ou será antes a que fora levada
e ainda existe na igreja paroquial? Eis duas perguntas
para as quais não vemos qualquer resposta.
A sexta capela é a do desnudamento de Jesus.
Todas estas imagens são de boa escultura de
madeira do séc. XVII (segunda metade) ou do primeiro
quartel do séc. XVIII. São imagens de tamanho grande,
quase natural, de boa pintura, que foram devidamente
restauradas, sempre que se impôs, pelo que é excelente
o seu estado de conservação.

(31) Fr. Rodrigo de Deus, Tratado dos Passos, Lisboa,


1618, fl. 12.
218

A todas estas capelas se pode ir por dentro, pas-


sando-se dumas às outras.
A sétima capela, essa ficou isolada daquelas e do
Santuário, certamente para melhor se aproveitar os
efeitos do rochedo de granito, criando assim um cená-
rio mais ao vivo do passo da morte de Jesus no Calvá-
rio. Aí se vê Jesus, morto, suspenso da Cruz. De cada
lado encontram-se duas cruzes, sem ladrões e que não
foram levantadas. Cinco personagens modificam total-
mente o ambiente deste Calvário. Devem ser dois
homens e três mulheres. Nossa Senhora figura ao pé
da Cruz e um dos homens deve ser S. João, o discípulo
amado.
Parece ser indiscutível que estas capelas e estas
imagens terão tido sempre grande influência na vida
e piedade do povo de Cervães. A conservação do uso
de celebrar, ainda hoje, as Endoenças ou até, já duas
vezes, os Passos, parece-nos ser disso uma demons-
tração. Mas é já tempo de concluir de vez as nossas
considerações.

10. Legenda da Planta do Santuário.

1 — Torre do relógio e do carrilhão.


2 — Porta principal e anteparo que foi do Convento
de Montariol, Braga.
3 — Ossadas encontradas junto da porta principal.
São de 1717, mas não se sabe de quem. Serão do
P. Manuel da Cruz?
4 — Altar de Santo António.
5 — Local do púlpito.
6 — Altar dos Esponsais ou Senhora de Fátima.
7 — Oratório de N. Senhora do Bom Despacho
(séc. XIX).
8 — Pequeno altar de Cristo Ressuscitado.
219

9 — Altar-mor recentemente colocado.


10 — Altar-mor antigo, com banqueta, sacrário e nicho
na Lapa para a imagem antiga da titular do San-
tuário.

18
LJ 16
10
m
21
15
22

23 13

íiQUEMA io SANTUÁRIO to BC^ ÍBSTACHO

CERVÃES
220

11 — Local, onde, apoiado nos rochedos, se ergue o


retábulo monumental, verdadeira jóia artística do
Templo.
12 — Pequeno altar de S. João Baptista.
13 — Altar da Apresentação de N. Senhora no Templo
ou de S. Domingos.
14 — Porta lateral e acessos (pelo meio das paredes)
ao Coro e à Torre do carrilhão.
15 — Sacristia e acessos ao Templo, às Capelas da
Paixão e ao exterior.
16 — Vasto recinto-capela onde se veneram as belas
imagens de S. José e N. Senhora do Leite.
17 — Capela do Nascimento de Jesus, também dita
do Boi Bento. Belo presépio com esculturas gran-
des, em barro poilicromado.
18 — Primeira Capela dos Passos — Agonia de Jesus
no Horto.
19 — Capela de Jesus preso à coluna ou Flagelação.
20 — Capela da coroação de espinhos (Senhor da pedra
fria ).
21 — Capela do Ecce Homo ou Senhor da cana verde.
22 — Cristo com a cruz às costas ou Senhor dos
Passos.
23 — Capela do desnudamento de Jesus.
24 — Capela do Calvário ou Cristo pregado na Cruz.
25 — Torre do lado poente.
III

O B om DespacLo
e sua irradiação espirílua

1. A invocação e sua expansão. São relativa-


mente raros, tanto os templos, como as imagens da
invocação de Nossa Senhora do Bom Despacho.
Na Arquidiocese de Braga, além do Santuário de
Cervães, existem capelas em Abadim (Cabeceiras de
Basto) e em Gominhães (Guimarães) a ela dedicadas.
Imagens, além das desses templos com os seus res-
pectivos altares, existem na Sé de Braga, na Matriz de
Viana do Castelo, na igreja de Bárrio (Ponte de Lima)
e na de Barbeita (Monção) C1).
Outras terras veneram ou veneraram Nossa Senho-
ra, sob esta invocação. De entre outras, convém referir
ainda o antigo convento franciscano de Castelo
Branco (-), a freguesia de Sendim (Tabuaço, diocese
de Lamego) (3), que também lhe chamava Senhora da
Livração, sem se esquecer igualmente as terras de

(') Cf. P. Manuel de Oliveira Veloso. Nossa Senhora na


Arquidiocese de Braga, seu culto e suas principais invocações,
in Actas do II Congresso Mariano Nacional (1954), Braga, 1956,
p. 874-875.
(2) Fr. Francisco de Santiago, Crónica da Província da
Soledade, II volume (manuscrito), p. 189-190.
(s) Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano. VII,
Lisboa, 1721, p. 374.
222

além-mar, como Tararipe, no Brasil ("), Ponta Delgada,


nos Açores (5) e Pangim (Nova Goa), na índia (").

2. Antiguidade desta invocação. Desde quando


se venera Nossa Senhora sob a invocação do Bom Des-
pacho, não será talvez fácil determiná-lo. O que por
ora mais nos interessa saber é que, também sob este
aspecto, não fora original a escolha do ermitão João
da Cruz.
Quando, em 5 de Janeiro de 1542, o primeiro grupo
de jesuítas, por cedência que el-Rei D. João III lhes
fizera, tomou conta do antigo colégio ou mosteiro de
Santo Antão, na Mouraria (Lisboa) e que foi a primeira
casa que a Companhia possuiu como própria, em todo
o mundo (7). já na igreja desse mosteiro existia uma
imagem de Nossa Senhora com o título do Bom Des-
pacho, a qual «era muito venerada, e servida de uma
grande e devota Irmandade e se lhe faziam festas (8).
E conta-se que S. Francisco Xavier alimentou por esta
imagem particular devoção, não sendo até de estranhar
que haja sido ele ou outros membros da Companhia
de Jesus quem divulgou o seu culto e devoção em
terras da índia, nomeadamente em Pangim.
A capela de Gominhães, situada em território do
antigo couto de S. Torcato, era uma capela de três
altares, coro e com torre de dois sinos, sendo a torre
construída nos fins do séc. XIX. Administrada por uma
Irmandade que remontaria, pelo menos, ao séc. XVIII,

(45) ld., Santuário Mariano, IX, Lisboa, 1722, p. 203-204.


(6) ld., Santuário Mariano, X, Lisboa, 1723, p. 323.
( ) Jacinto dos Reis, Invocações de Nossa Senhora em
Portugal, Lisboa. 1967, p. 108, onde enumera diversas terras.
(7) Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal,
3.» ed.,8 Lisboa, 1958, p. 246-247.
( ) Fr. Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, i.
Lisboa, 1707, p. 299.
223

a capela aparece referida em livros paroquiais de 1669


e em livros da Colegiada de Guimarães, em 1644, nos
quais se diz que era antiga. As datas posteriores, que
no edifício se vêem, indicam tratar-se de restauros ou
reconstruções {")■

3. Significado da invocação Senhora do Bom Des-


pacho. A devoção mariana é um verdadeiro culto e
não apenas uma devoção como a que se pode ter a
Santo António, a S. Bento ou a Santa Luzia. Ela baseia-
-se no dogma que nos ensina que Maria é a Mãe de
Deus, na pessoa de Cristo, salvador dos homens.
As devoções particulares à pessoa de Maria não
têm valor absoluto, pelo que não se deverá exagerar o
seu alcance. Numa família grande, todos os filhos vene-
ram a mãe, cada qual à sua maneira, mas nenhum
poderá jamais monopolizá-la para si ou pretender que
ela só a um atenda.
Por Maria, Cristo tornou-se um de entre nós e
estabeleceu-se em único mediador entre o Pai e nós.
A salvação vem de Cristo, mas ele no-ia oferece como
já sublimemente realizada em Maria, que, com o seu
Fiat (faça-se), de modo sublime a aceitou. Com Nossa
Senhora e por sua influência de Mãe, podemos encon-
trar-nos com Cristo feito homem, o qual nos introduz
na Casa do Pai.
Não é Maria que nos dá Jesus. É Jesus que nos
dá Maria por Mãe, escolhendo para si e para nós uma
mesma Mãe. Unidos a ela, também nós encontraremos
graça junto de Deus.
Maria é o seio que gera todos os irmãos de Cristo.
O encontro com Cristo faz-se nela.

(9) J, G. de Oliveira Guimarães; Guimarães e Santa Maria


— História do culto de Nossa Senhora no Concelho de Guima-
rães, Porto, 1904, p. 74.
224

Se apoiarmos as nossas preces a Cristo no Fiat


(faça-se) de Maria, esse íaça-se torna-se poderosíssimo
peso para que as nossas preces, feitas com amor, com
esperança e com fé, sejam efectivamente atendidas (10).
Eis-nos em face do que se poderá chamar o autên-
tico caminho para um bom despacho. Eis a razão pela
qual poderemos continuar a invocar Nossa Senhora sob
o antigo e ainda actual título do Bom Despacho.
Recorde-se, a este propósito, este desabafo-prece
de S. Bernardo:
«Lembrai-vos, ó péssima Virgem Maria, que nunca
se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido
à vossa protecção, implorado a vossa assistência e
reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desampa-
rado-».

4. Feição das imagens da Senhora do Bom Des-


pacho. Vejamos agora como interpretaram os escul-
tores que esculpiram imagens de Nossa Senhora do
Bom Despacho estas ideias atrás referidas.
A mais antiga imagem desta invocação a que se
refere Frei Agostinho de Santa Maria é a do Colégio
de Santo Antão, da Mouraria (Lisboa). É toda em
madeira, com os seus sete palmos de altura e apre-
sentava-se de mãos postas O11).
Já as imagens do convento franciscano de Castelo
Branco (o título desta foi tirado à sorte!) (12), e a de
Tararipe (Brasil) eram esculturas em madeira com o
Menino Jesus no braço esquerdo. A de Tararipe era
estofada e tinha três palmos de altura C13).

(10) Cf. E.-H. Schillebeeckx, O. P., Maria Mãe de Reden-


ção, Petrópolis, R. J., 1966, pp. 95-99.
(n
12
) Santuário Mariano, I, p. 299.
( ) Crónica da Província da Soledade, II (manuscrito),
p. 189. 3
C ) Santuário Mariano, IX, p. 203-204.
225

Quanto às imagens de Sandim (Tabuaço) e à de


Ponta Delgada, eram ambas imagens de roca e vestidos,
tendo a primeira três palmos de altura e suportando o
Menino Jesus no braço esquerdo (14), e a segunda,
quatro palmos e suportava Jesus em ambos os braços.
Esta última deve datar de à roda de 1660, por ter sido
então fundada a sua Capela por devoção do Capitão
Jerónimo da Câmara (15).
A primitiva imagem de Nossa Senhora do Bom
Despacho de Cervães, que havia sido encomendada
ainda pelo ermitão João da Cruz, fora também uma ima-
gem de vestidos e de quatro palmos de altura, nada
mais referindo a seu respeito o Autor do Santuário
Mariano (16). Ignoramos por quanto tempo foi vene-
rada esta imagem ou quando foi substituída. Só uma
datação rigorosa da actual nos poderia elucidar um
pouco, sem todavia nos dizer qual o destino da primeira.
Aguardando embora melhor e mais autorizada opi-
nião, quer-nos parecer que a imagem que actualmente
ocupa o seu lugar na gruta dos penedos do Santuário
pode datar dos fins do séc. XVII, na pior das hipóteses,
do primeiro quartel do séc. XVIII, dando-nos até a
impressão de que poderia ter sido esculpida por um
artista da mesma oficina em que foram feitas imagens
como as da Senhora da Conceição de Entre-Rios (Ponte
da Barca) e da igreja de Santo António (Ponte de
Lima).
Segundo gravura recolhida pelo Cónego Manuel
de Aguiar Barreiros, era diferente da que tem hoje a
posição do Menino Jesus. Via-se deitado sobre ambas
as mãos da Senhora, ao passo que hoje aparece como

14
(15 ) Santuário Mariano, VII, p. 374.
(lc) Santuário Mariano, X, p. 323.
( ) Idem, IV, p. 43.
15
226

que aconchegado ao seu peito e sustentado levantado


com ambas as mãos da Senhora (17).
Uma segunda imagem existe ainda no Santuário de
Cervães da invocação da Senhora do Bom Despacho.
É também como a anterior uma imagem de madeira de
mais reduzidas dimensões e que apenas remonta ao
séc. XIX, como se pode ver nos Ensaios Iconográficos
do já citado Cónego Aguiar Barreiros ("")• Tem esta
escultura a particularidade de se ver o Menino Jesus
segurando com a mãozinha esquerda um tinteiro, e com
a direita está rubricando num livro que sua mãe sustenta
aberto, qualquer despacho que lhe havia sido apresen-
tado. Como obra de arte, é esta imagem de menos valor
do que a anterior, como se poderá até avaliar das gra-
vuras reproduzidas (10).
5. A afluência de devotos. As festividades em
Cervães. Surgido pouco depois do acto que assinalou
a restauração de Portugal e tendo sido aumentado e
enriquecido ao longo de quase cem anos, durante os
quais se ia cimentando, tanto nas chancelarias, como
até nas próprias praças militares, a independência patna,
foi este centro mariano motivo de atracção de ilustres
fidalgos e militares, empenhados na vitória política.
E quando não eram eles, eram as suas mulheres e fami-
liares que aí acorriam a recomendar a Nossa Senhora
do Bom Despacho o êxito das campanhas em que ainda
todos andavam envolvidos.
São unânimes os testemunhos dos cronistas do
Bom Despacho a respeito da afluência dos povos a este
santuário. Frei Agostinho de Santa Mana, o mais com-

píj^Nossa Senhora nas suas imagens e no seu culto na


Arguidiocese de Braga, Braga, 1931, p. 109. .
(is) Ensaios Iconográficos — Exposição Mariana, Braga,
1954, lâmina XX, n.° 391.
P9) Ver secção das gravuras e capa.
227

pleto de todos, depois de isso mesmo referir, acres-


centa: «A esta casa e a esta Senhora buscavam os
Generais, e nela faziam suas mulheres novenas pelos
bons sucessos de seus maridos, nas armas que gover-
navam naquela Província» (20).
Efectivamente, no Bom Despacho, além das nove-
nas que individualmente algumas pessoas vinham fazer
e durante as quais ocorreram autênticos factos tidos
por miraculosos, celebravam-se diversos outros actos
devotos. Assim acontecia, quer por ocasião da vinda
de romeiros, quer, e sobretudo, por ocasião da festa
anual. Esta, o ermitão começou a celebrá-la em 25 de
Março dia da comemoração do Fiat de Nossa Senhora,
mediante o qual se verificou a Encarnação de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Por essa ocasião tinha o Santís-
simo exposto durante três dias, e apesar de na Capela
ainda não dispor de sacrário (21).
Com o decorrer dos anos e visto que outras cele-
brações se começaram a fazer grandiosas, perdeu-se
totalmente o uso e até a memória da festividade de 25
de Março. Era exactamente isto que acontecia em 1758.
Nesta data, os dias de grande romagem ou afluência
de devotos ao Bom Despacho eram a Ascensão do
Senhor, a primeira oitava do Espirito Santo; o dia de
S. Tiago (22 de Julho), o dia 8 de Setembro (Nativi-
dade de Nossa Senhora ), o dia de Todos os Santos
(1 de Novembro) e o dia de S. Silvestre (31 de Dezem-
bro) (22). Recorde-se que segundo o determinado nas
antigas Constituições Sinodais de Braga, de 1639, todos
estes dias eram dia santos de guarda (23).
20
(21 ) Santuário Mariano, IV, p. 45.
[22 ) lb., p. 44.
f ) Dicionário Geográfico de Portugal, X, p. 1894 (manus-
crito, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa).
(28) Constituições Sinodais do Arcebispado de Braga
Lisboa, 1697, p. 170-171.
228

O P. J. J. da Silva Bacelar, que escreve em 1897,


deixa-nos entrever que houvera entretanto grandes
alterações no que respeita à celebração das festividades
do Bom Despacho. Estas encontravam-se já então redu-
zidas a duas apenas: «uma no dia da Ascensão, outra
na segunda feira do Espirito Santo, aquela em honra
de Nossa Senhora do Bom Despacho, esta de Nossa
Senhora das Dores» (24).
Pelo mesmo cronista, sabemos que estariam estas
festividades longe da sua antiga projecção e esplendor,
realidades ainda fixadas nas lembranças dos mais anti-
gos. De outra sorte, não teria escrito as seguintes pala-
vras: «Estas festividades foram outrora muito frequen-
tadas de romeiros; hoje, com a erecção de novos san-
tuários em honra da Virgem e melhores vias de comu-
nicação, hão diminuído muito, ressentindo-se disso o
santuário na escassês de esmolas para a sua conserva-
ção» (25). Entre esses santuários recentes destacavam-
-se naturalmente os do Alivio e do Sameiro, já que os
da Aparecida de Balugães, da Franqueira, do Bouro, da
Abadia e da Peneda já antes existiam ou eram suficien-
temente distantes para afectarem o santuário do Bom
Despacho, que, não obstante, tinha contra si, quase
como ainda hoje, as relativamente fracas vias de acesso
e a falta de propaganda.
Deixemos, contudo, a palavra ao mesmo cronista.
«Ainda assim, vêm romeiros de longe no dia da festa,
e até muitas paróquias incorporadas em romaria, a que
chamaram clamores, e que fazem parte dos usos da
freguesia; e algumas2 mesmo fora da festividade, em
dias certos do ano» i *) ■
Peregrinações do tipo dos clamores, havia-as a

(") Apontamentos Históricos do Santuário de N. Senhora


do Bom Despacho, Braga, 1898, p. 25.
(25) lb., p. 25.
(28) lb.
229

cada passo de diversas freguesias e de diferentes dis-


tâncias. Por exemplo, o Livro de Usos e Costumes de
Alvarães (Viana do Castelo) de 1718, incluía entre as
obrigações do pároco a de acompanhar o clamor à
Senhora do Bom Despacho. Semelhante obrigação
recaía, em 1752, sobre o pároco de Parada de Gatim, o
qual era obrigado a acompanhar os seus fregueses ao
Bom Despacho no dia primeiro de Dezembro (■')■

6. Registo de Milagres. Todo este movimento


em volta do Santuário do Bom Despacho tinha uma
justificação ou uma razão de ser que ultrapassava
muito o facto da originalidade da sua construção ou
dos temas das suas Capelas. É que as pessoas estavam
não só possuídas de profunda devoção, mas também
animadas duma verdadeira fé, a fé dos humildes que
pedem e confiam. Neste estado de espírito diversas
foram as pessoas que viram atendidos os seus dese-
jos e sanadas as suas enfermidades. Casos houve que
foram tidos como autênticos milagres. Alguns deles
foram registados por acaso, já que não havia qualquer
necessidade de o fazer. Tinha razão o Ermitão João da
Cruz quando respondia àqueles que lhe sugeriam que
mandasse registar todos os factos milagrosos. Dizia
ele que da Mãe de Deus não se escreviam milagres,
uma vez que só para a canonização dos Santos é que
era essa uma diligência necessária (2R).
No entanto, fosse como fosse, alguns sempre tive-
ram as honras do registo no atingo manuscrito outrora
existente no Santuário. Porque andam divulgados em
publicações de difícil acesso ou em cópias manuscritas

(27) Cf. o nosso estudo Génese dum «Livro de usos e


costumes- do séc. XVIII — seu conteúdo e alcance pastoral-,
in Itinerarium, XVIII (1972), p. 393; Separata, p. 50.
(28) J. J. da Silva Bacelar, Apontamentos Históricos, p. 22;
Cópia manuscrita, fl. 8.
230

que hoje serão uma raridade, achamos dever aqui regis-


tá-los para a posteridade. Na transcrição que fazemos
seguiremos de perto não só o texto impresso no jornal
Comércio do Minho, de 1883, ou nos Apontamentos
Históricos do Santuário de N. Senhora do Bom Des-
pacho. mas também os textos manuscritos de cópias
provavelmente feitas sobre o antigo manuscrito ou sobre
versão que tem indícios de toda a fidelidade. Começa
assim o texto do referido manuscrito: Direi alguns
milagres que Nossa Senhora obrou em os devotos que
com viva fé se valem da intercessão da Mãe de Deus
com a invocação do Bom Despacho í29).

Primeiro Milagre que Nossa Senhora fez para mais


devoção dos devotos de Nossa Senhora do Bom Des-
pacho.
Foi que estando o Vigário Manuel Cerqueira para
dizer Missa a muitos devotos (30) e romeiros que tinham
vindo à Senhora na sua lapa. descendo a lâmpada, se
afogou (31) a griseta no azeite e se apagou; e como
não havia ainda casas naquele sitio {:l-) nem quem

(29) O texto publicado no Comércio do Minho e repro-


duzido nos Apontamentos Históricos continua ainda com estas
palavras: -que com propriedade tem esta invocação desde que
deu o seu consentimento para a Incarnação do Verbo divino,
porque desde aquele instante ficou Mãe de Deus, com a invoca-
ção do Bom Despacho, que todos o querem para suas pretensões,
assim espirituais como temporais' (p. 19). Como é evidente,
são estas palavras uma adição ao relato primitivo de que a
cópia que transcrevemos deve ser testemunho fiel. A termino-
logia e o conteúdo teológico não condizem de forma alguma com
a singeleza ou mesmo ingenuidade do redactor primitivo.
(30 ) Devotos e, palavras omitidas na cópia manuscrita.
f31
S2
) O texto manuscrito diz: se apagou.
( ) Recorde-se que o relator está a falar ainda de factos
ocorridos depois de 1644 e antes de 1661, portanto, em vida
do Ermitão João da Cruz, uma vez que ainda era Vigário de
Cervães o P. Manuel Cerqueira.
231

obtivesse lume (S3), porque o Ermitão vivia na lapa,


sem ter casa, gritando os romeiros que não havia lume,
e o Padre revestido, se (34) foi correndo à aldeia bus-
cá-lo. Sucedeu que depois de ido, ateou-se o lume na
lâmpada com tal fogo que o azeite começou a desbor-
dar (33) e a cair por fora, que os romeiros aproveitaram
em lenços e panos para os ensopar no óleo milagroso,
de que ficou aos romeiros a fé do óleo da alâmpada (3'J),
para vários achaques, de que muitos alcançavam a
saúde (37) conforme a fé com que era aplicado; e cor-
rendo a fama deste milagre abalou muita gente a devo-
ção da Mãe de Deus do Bom Despacho.

Segundo Milagre

Foi uma mulher tolhida de todos os membros. Veio


estar (38) uma novena, e por não haver recolhimentos
de casas, dormia, com os outros romeiros, debaixo da
lapa: e na última noite dos nove dias, foram tão grandes
as dores que padeceu, que não deixou dormir os cir-
cunstantes, e lhe estalavam os ossos de sorte que se
podia ouvir muito longe; e na quebrada da manhã
adormeceu e em menos de uma hora se levantou lou-
vando a Mãe de Deus por se ver sem lesão alguma,
atribuindo-se este milagre à virtude que Nosso Se-
nhor (3Í>) punha no óleo da alâmpada que alumiava a
imagem de sua Santíssima Mãe.

(33 ) No texto impresso lê-se: que tivessem lume.


(S4
35
) O texto manuscrito omite o se.
( 3) O texto impresso registou bordar.
P ) A cópia manuscrita omite aqui para os ensopar.
(") O texto manuscrito contem muito.
(38) O manuscrito tem detestar, o que deve ser erro, por
cjq GStdT
p9) O texto manuscrito diz Nossa Senhora, mas vê-se que
foi erro, como o denuncia o contexto.
232

Terceiro Milagre

Uma preta, chamada Maria, que por ser cega, sem


ver nada, a mandaram seus senhores mendigar. Ouvindo
os milagres de Nossa Senhora do Bom Despacho se ofe-
receu com viva fé à dita Senhora com uma novena, e
todos os dias se untou com o óleo da alâmpada e no
fim (40) da novena, dando volta ao redor da lapa ficou
vendo com vista clara (41) e cantando e louvando a Mãe
de Deus (42) por se ver restituída da sua vista; e os
romeiros, que presentes estavam, deram graças a Deus
por tão grande milagre.

Quarto Milagre

Félix Pereira, cavalheiro da Vila de Monção, tendo-


-Ihe já tangido (43) os sinos a defunto {l'), uma reli-
giosa de virtudes, sua irmã. chamando com grande (45)
fé por Nossa Senhora do Bom Despacho, para que desse
vida a seu irmão, foi tal a sua deprecação que tornou
à vida (4<i); e seu irmão que presente estava, João
Gomes, Abade, em gratificação do milagre, trouxe o
hábito (47) com mil reis (48) de oferta (49).

40
(41 ) O manuscrito diz na última.
(42) O texto impresso omite: ficou vendo com vista clara.
( ) O texto publicado dizia: veio cantando e bailando,
louvando.
(") Na cópia manuscrita está tocado.
(44 ) No texto impresso de defunto.
(45) A cópia manuscrita omite grande.
f") No texto manuscrito, depois de irmão, lê-se apenas:
logo vem a si.
C487) Isto é, a mortalha, tão usada em tempos passados.
f49) O texto da cópia manuscrita diz: vinte mil reis.
í ) Um pouco diferente é o texto da cópia manuscrita,
mas, exceptuada a quantia referida na nota anterior, é uma
questão de colocação das palavras.
233

Quinto Milagre

Um ourives da cidade do Porto havia anos que era


casado. Desgostoso de não ter sucessão, veio de roma-
ria à Senhora do Bom Despacho com sua mulher, e lhe
pediram com devoção, que lhes desse íruto daquele
matrimónio e fosse para serviço de Deus. Sucedeu ouvir
a Mãe de Deus a sua petição e dai a um ano (50) vie-
ram com um menino dar graças à Senhora com a oferta
de um cálix de prata aparelhado.

Sexto Milagre

Pedro Correia, natura! da cidade de Braga, sendo


furriel duma tropa na praça de Salvaterra, na Galiza (51),
tendo um choque com os inimigos, foi passado com
uma bala pelo umbigo que lhe saiu às costas, ficando
guardada na camisa; e chamando pela Senhora do Bom
Despacho com fé e tintenção] de a servir todos os anos
com uma Missa Solene (lB2) e sua oferta, sarou (53);
já carregado de anos, foi capitão de infantaria, casado
em Ponte de Lima.

Sétimo Milagre

Um estudante chamado Fulano Monteiro, da fre-


guesia do Couto de Manhente, sendo vexado terrivel-
mente do Inimigo comum, trouxeram-no seus pais com
viva fé nove dias à Senhora do Bom Despacho, por ser
meia légua [de distância! aonde moravam e foi livre do

(50) O texto manuscrito acrescenta vir.


(51 ) O manuscrito não contem sendo furriel, etc.
(52
53
) A versão utilizada no texto impresso diz cantada.
( ) 0 manuscrito diz o curou em pouco tempo.
234

inimigo que o não deixava entrar na igreja. Foi depois


sacerdote e Vigário da mesma freguesia.

Oitavo Milagre

João de Araújo, da freguesia de Santa Cruz, termo


de Ponte de Lima. estando de novena em Nossa Senhora
do Bom Despacho, saindo da igreja, de cantar o terço,
com umas contas na mão, a aplacar uma grande desor-
dem (54), deu-se um tiro dos contendores e acertou
nele uma bala í55). Chamando por Nossa Senhora do
Bom Despacho que lhe valesse e retirando-se ao seu
quartel { , sucedeu que ao quinto dia vomitou a bala
pela boca, havendo-lhe entrado por uma pá: e dentro
de quinze dias se foi para sua casa a pé com grande
admiração de todos os que estavam presentes (")■
Em gratificação deste milagre vem todos os anos servir
a Senhora com uma novena.

Depois de haver posto ponto final à narrativa des-


tes oito milagres ou factos de alguma maneira mara-
vilhosos, lêem-se ainda estas seguintes palavras no
texto manuscrito a que tantas vezes nos cingimos:
«Não se põem aqui todos os milagres que a Senhora
está fazendo todos os dias porque o menos que a
Senhora pode fazer são milagres por via do seu San-
tíssimo Filho de Deus (68).
A fama dos milagres atribuídos a N. Senhora do

(54 ) O texto impresso diz uma briga.


(53) No texto impresso acrescenta-se por uma pá.
('") Quererá certamente designar com isto o seu abrigo
na casa
57
dos romeiros!
( ) O texto impresso diz ainda; atribuindo todos a milagre
da Senhora.
(58) A versão utilizada no texto impresso diz apenas:..
pode fazer são milagres, tendo tal filho.
235

Bom Despacho não ficou apenas registada nos papéis.


Ela encontra-se igualmente firmada noutros documen-
tos denominados ex-votos. Não sabemos se existem
muitos referentes ao Bom Despacho. Sabemos que um
pelo menos figurou na Exposição Mariana de Braga,
em 1954, como consta do respectivo catálogo (59) e
que se intitulava Milagre de Nossa Senhora do Bom
Despacho, sendo uma engraçada pintura em tábua,
datada de 1783 e que felizmente ainda hoje se con-
serva na sacristia do Santuário. Diz assim o texto desse
ex-voto, cujas abreviaturas aqui desdobrámos: «Milagre
que fez N. Senhora do Bom Despacho a António dos
Santos, da Póvoa de Varzim, que vindo com três pes-
soas em um batel para entrar na Barra, se levantou o
mar e o submergiu, de sorte que dois sairam a nado, e
um desapareceu. E o sobredito andou quatro horas
em água amarrado ao batel, até que sua mãe Maria
Francisca se apegou com a dita Senhora, que foi ser-
vida dar-lhe tempo a uma lancha o fosse buscar, pois
não sabia nadar. Em Janeiro de 1783 anos».

7. Cânticos à Senhora do Bom Despacho. Não


ficava o povo insensível às graças ou mercês recebidas
por intercessão da Senhora do Bom Despacho. Uma
das formas mais vulgarizadas de agradecimento con-
sistia em fazer a romaria ou em levar uns romeiros,
isto é, um grupo de moças ou criancinhas a cantar músi-
cas religiosas desde a casa do vovente até ao Santuá-
rio da Senhora. Esta pequena peregrinação podia, além
dos cânticos, levar também velas, flores ou outras ofer-
tas para depositar aos pés de Senhora.
Os dizeres utilizados nos cânticos dos romeirinhos
constavam geralmente das seguintes palavras;

(59) Cónego Manuel de Aguiar Barreiros, Ensaios Icono-


gráficos, Braga, 1954, p. 81.
236

Senhora do Bom Despacho,


Aqui vos trazemos
Estes romeirinhos.
Que vos prometemos.

Inda mais também:


No céu e na terra,
Para sempre. Amém!

Senhora do Bom Despacho,


Aqui vos levamos
Estes romeirinhos
De velas e ramos.

Inda mais também:


Na vida e na morte.
Para sempre. Amém!

Mas isto é apenas uma ligeira amostra dum texto


muito usado por esse Minho fora. Efectivamente outras
cantigas se usavam com dizeres como estes:

Senhora do Bom Despacho,


Ó minha Salvé Rainha,
Dai-me grão pado moleiro,
Qu'ele me dará farinha.

Senhora do Bom Despacho,


Entre pedras, noite e dia!
Ao acenderem as luzes,
Ai! Jesus, que alegria!

São estas letras composições espontâneas que


brotam do fundo do coração popular. Muitas outras
surgiriam, como as que aqui registaremos em seguida,
e que se destinavam a ser cantadas com melodias ini-
237

cialmente pertencentes a outras cantigas, como o cân-


tico Virgem Pura:

Senhora do Bom Despacho


Com um tinteiro na mão!
Todas as penas da terra
Vão bater-lhe ao coração.

Senhora do Bom Despacho,


Manda o Menino escrever.
Só espera as suas ordens
Para logo me atender.

Senhora do Bom Despacho,


Branquinha como o luar,
Tem nos olhos a brancura
Do linho do nosso lar!

Senhora do Bom Despacho!


Capelinhas ao redor;
Hei-de corrê-las a todas,
Senhora, quando lá for.

Senhora do Bom Despacho


Entre rochas a rezar;
Não há altar como o vosso,
Em toda a roda do mar.

Senhora do Bom Despacho,


Sobre os montes a velar!
Donde quer que os olhos se abram
Sempre aqui vêm parar.
238

Senhora do Bom Despacho,


Candeia das nossas casas!
Sobre nós caia o teu manto,
Que abriga melhor do que asas.

Senhora do Bom Despacho!


Sinos novos a tocar!
Até parece que os anjos
Vieram do Céu a cantar.

Senhora do Bom Despacho,


Que lindo é o vosso véu!
Quando se acabar a vida,
Abri-me a porta do Céu.

8. O Bom Despacho no final do séc. XIX Não


obstante o ter beneficiado de grandes melhoramentos
efectuados no Santuário entre 1887-1897, cujo custo
ultrapassou os quinhentos mil reis, as necessidades
nem por isso ficaram todas satisfeitas.
Sabemos terem sido incansáveis os membros da
Comissão que então levou as obras a bom termo.
Convém recordar aqui os seus nomes: P. António Joa-
quim Fernandes de Barros, Abade da freguesia í00);
António Joaquim de Oliveira Quintela, Capelão do San-
tuário; P. José de Oliveira; P. José Joaquim da Silva
Bacelar; P. José Joaquim da Silva Bacelar Júnior;
P. Manuel José da Silva Bacelar; Sento José da Silva

C10) Faleceu a 25 d® Outubro de 1907 e por disposição


testamentária deixou 100:000 reis às Confrarias do Santíssimo
Sacramento e N. Senhora do Rosário, para fundos e a cada uma
e a N. Senhora do Bom Despacho deixou 30:000 reis para obras,
além de muitas ofertas a várias associações católicas (Livro
de Cópia dos Testamentos dos Defuntos desta Freguesia de
Cervães, fl. 125).
239

Bacelar, João de Oliveira e Silva Bacelar, Joaquim


Gomes da Costa, Manuel Soares de Macedo, José
Maria da Silva Couto, António Fernandes Gomes,
Manuel Francisco Ribeiro, João Ribeiro de Macedo,
José da Costa, João Valentim Cerqueira Esteves e Fran-
cisco da Silva Queira (61).
0 dia 13 de Novembro de 1903 foi data de rara
solenidade para a Santuário do Bom Despacho, que
sob o seu tecto acolheu a autoridade máxima da Igreja
de Braga, o Arcebispo de então, D. Manuel Baptista
da Cunha. Mas sobre este assunto deixemos a palavra
ao próprio visitante: Juntamente com esta igreja lparo-
quial] visitámos a capela pública de Santo António da
Custariça e o Santuário de N. Sr.' do Bom Despacho,
onde no dia 13 do corrente crismámos oitocentas
pessoas»
Como consta ainda da acta da respectiva visita
pastoral indulgenciou o Arcebispo com 40 dias algu-
mas imagens da freguesia, entre as quais «a de N. Sr.'
do Bom Despacho veneranda em seu Real Santuário»,
podendo lucrar estas indulgências, uma vez por dia,
quem diante dela rezasse três Avé-Marias
Nenhum reparo fez o Arcebispo acerca do estado
do Santuário. E quanto à vida cristã dos cervanenses,
não teve receio de deixar registadas as seguintes pala-
vras: «Quanto ao espiritual pareceu-nos florescente a
piedade cristã deste povo e por isso esperamos que
continuará assíduo em frequentar as catequeses e homi-
lias do seu R. Pároco, que procurará manter o fervor
religioso pela frequência dos Sacramentos e devoção
do SS. Coração de Jesus e Maria»

(ei) J. J. da S. Bacelar, Apontamentos Históricos..., p. 27.


(62) úVro de Capítulos da Visita, fl. 116.
("3) lb., fi. 116 v.0. 0
(«q lb.t fl. 116-116 v. .
240

9. Recente revitalização. O Culto e as peregrina-


ções ao Bom Despacho. Para lhe dar o devido realce,
deixamos para capítulo próprio a referência às obras
mais recentes ou até mais antigas, mas efectuadas no
decorrer deste séc. XX. Corresponderam elas a um rea-
vivar da chama da devoção e do culto em honra de
N. Senhora do Bom Despacho. E não há dúvida que não
é uma questão de falta de fé ou piedade das popula-
ções, a principal causa da aparente indiferença que por
vezes se nota. É antes uma questão de falta de inicia-
tiva e de esclarecimento por parte dos responsáveis reli-
giosos pelo povo cristão. As iniciativas do actual pároco
de Cervães demonstram-no cabalmente. E não tenha-
mos dúvidas de que o Santuário do Bom Despacho terá
uma inexplorada missão a cumprir dentro da pastoral
e da evangelização deste conjunto de paróquias da
margem direita do Cávado desde Prado até Galegos ou
desde Alheira até S. Martinho de Escariz ou até mesmo
Freiriz.
O culto no Santuário vem aumentando e vai-se
actualizando, a pontos de atrair, não apenas as crian-
ças ou as pessoas de mais idade, como ainda a própria
juventude. A este propósito é de assinalar a preferência
dada por muitos noivos a este Santuário, que, cada
vez mais, o buscam para nele celebrarem o grande
sacramento que os unirá por toda a sua vida.
A cada passo são requisitadas missas de pro-
messa, cantadas umas, solenizadas outras; o terço, os
sermões, os romeiros, etc., são outras tantas manifes-
tações de que está verdadeiramente encaminhado para
a vida este Santuário.
E desde há uns anos a esta parte tem sido de
grande projecção a celebração duma peregrinação, par-
tindo, ora duma, ora doutra paróquia, de entre as que
rodeiam ou são mais vizinhas da de Cervães. Todas,
se têm associado ao movimento de revitalização
241

espiritual e renovação do culto mariano neste belo


Templo tricentenário.
Estas peregrinações têm aumentado em entusias-
mo de ano para ano e no passado ano de 1975 foram
já doze as paróquias que quiseram tomar parte nesta
peregrinação com as suas confrarias e respectivos
párocos tendo sido enorme a população nesse dia reu-
nida nas imediações do grandioso Santuário.

10. A instituição duma Confraria. A maior parte


das capelas ou santuários antigos chegaram até aos
nossos dias, graças à dedicação e às sucessivas inicia-
tivas de Irmandades ou Confrarias que, melhor ou pior,
velaram pela sua conservação.
A Senhora da Abadia, da Peneda, do Sameiro, do
Alívio, todas têm a sua Confraria. O próprio Bom Jesus
do Monte também tem a sua, e bem antiga.
A Senhora do Bom Despacho, de Cervães, nunca
teve Confraria. Porquê? Não terá sido necessária?
Ninguém se terá lembrado antigamente de a instituir?
Eis algumas perguntas a que será de todo desneces-
sário responder.
Segundo nos revelou o actual pároco e grande
restaurador do Bom Despacho, «a constituição duma
Confraria não está fora dos planos para o futuro». E,
como que antecipando-se àquilo que deverão ser os
requisitos básicos ou estatutários para a sua legítima
constituição, acrescentava o seguinte: «Para isso, é
necessário que as esmolas continuem, que os membros
dessa Confraria sejam bons católicos, praticantes e
que só tenham em vista o aumento do culto à Santís-
sima Virgem sendo obedientes à legitima autoridade
eclesiástica, e que não pretendam simplesmente criar
dificuldades ao pároco da freguesia,atraidos talvez pela
falsa miragem de ter na mão as reduzidas esmolas que
o Santuário recolhe e que, para já, poderão perfe/fa-
16
242

mente ser administradas pela Comissão Fabriqueira».


É natural que o ressurgimento da vida espiritual, que se
prevê para um futuro muito próximo neste santuário,
possa vir a aconselhar a criação duma Irmandade que
se preocupe com lhe aumentar a projecção. Mas antes
disso haverá que consultar evidentemente todo o povo
cristão de Gervães, bem assim como o seu Pastor, o
Arcebispo que dele tem todo o cuidado e solicitude
pastorais.
IV

uns capelães J» Bom Despacko

Seria relativamente interessante registar aqui o


nome de todos os capelães do Santuário do Bom Des-
pacho. Todavia isso não é possível por nos faltarem
elementos. Os que conseguimos recolher, foram encon-
trados aqui e acolá, a esmo, e como que por acaso.
Outros haverá até que nos serão conhecidos. Porém
como neles não vimos sequer a designação de «cape-
lão do Bom Despacho», também lha não iríamos pôr.
Trata-se, pois, dum elenco incompleto. Poderá
acontecer que alguém possa vir a contribuir para o seu
aperfeiçoamento. Oxalá que muitos possam ter essa
satisfação! Eis os nomes dos padres capelães:

Manuel da Cruz (1662-1690) (')


Filipe de Sousa (1743-1754) (2)
Manuel Domingues Martins (1797-1823) (!)

P) Desde, pelo menos 1665 até 1690, temos referências


dignas de toda a confiança acerca da sua presença no Bom
Despacho.
(2) Diz-se que era do Bom Despacho, sem se afirmar que
era o capelão. Mas também ao anterior nunca o designam os
documentos por capelão.
(3) Foi capelão do Santuário desde 1813 até 1823, onde
ficou sepultado, com as devidas licenças. As datas propostas
são as que encontrámos em restos de documentos que ainda
conseguimos decifrar e que pertenceram à Irmandade Leiga
de S. Pedro.
244

José Francisco Ribeiro (...-1836-?) (4)


João Luís da Silva Couto (...-1843) (5)
António Joaquim de Oliveira Quintela (1855-
-1903) (6)
Avelino Lopes Pojeira (...-1915) (7)
Joaquim de Oliveira (1915-1918) (8)
António Augusto Gomes da Costa (1919-1935) (9)
Manuel da Costa Fontoura (1923-1948) (10)
(4) Vimos o seu nome num documento em que consultou
a Cúria Bracarense a fim de saber se estava ou não obrigado
a dar contas dos rendimentos do Santuário à Junta da Paróquia
da mesma freguesia, a qual lhas pretendia exigir. Foi este o teor
da resposta: 'Não deve o Suplicante dar contas à Junta de Paró-
quia, por não ser este Santuário sujeito à mesma Junta, mas sim
a esta 5jurisdição. Braga, 4 de Novembro de 1836. Rebelo-.
C ) Assistiu, aos 25 de Junho de 1843, com delegação para
o efeito, ao casamento de João de Oliveira da Silva Bacelar com
Josefa6 Domingues de Oliveira, que foram donos da Custariça.
f ) Faleceu a 20 de Setembro de 1903, já velhinho, com
88 anos, mas desempenhando ainda o cargo de capelão. Era natu-
ral da freguesia de Alheira (Barcelos), onde nascera em 1815.
Em 21/5/1855, com 40 anos, entrou na Irmandade Eclesiástica
de S. Pedro, pagando 10$500. Deve ter vindo nesse ano para o
Bom Despacho, embora só o tenhamos visto expressamente
referido como capelão em documento de 15 de Agosto de 1863.
Seguiu-se a este Capelão um sacerdote natural de S. Martinho
de Escariz, P. Estrada, cujo nome não foi possível apurar correc-
tamente.
(7) Natural de Cabanelas. Com 35 anos, entrou na Irman-
dade Eclesiástica de S. Pedro, aos 28 de Maio de 1900. Faleceu
em 1915, tendo sido sufragado com o ofício, em S. Pedro de
Montório, a 10 de Dezembro desse ano.
(8) Nasceu em Cervães, Em 5/6/1916, contava 29 anos.
Era capelão quando faleceu vitimado pela epidemia da pneumó-
nica que grassou feroz por esta região, entre Agosto e Dezem-
bro de 1918, desmantelando muitas famílias ou dizimando até
famílias inteiras. Foi sufragado, em S. Pedro a 2 de Dezembro
desse 9ano. Mais notícias no capítulo sobre o clero de Cervães.
í 1 Ver informações sobre o clero de Cervães.
(1°) Ver também o capítulo sobre o clero de Cervães.
Esteve muito ligado ao Bom Despacho, onde celebrava, embora
sem ser oficialmente capelão.
V

OL ras recentes. Benfeitores insignes


da paróquia e Jo santuário.
Outras coisas a não esquecer

1. Nos primeiros 40 anos do séc. XX. Longos


anos passou sem o benefício das reparações, que a
tempo se impunham, o Santuário da Senhora do Bom
Despacho.
Datavam da década de 1887-1897 as últimas gran-
des obras de restauração e de melhoramento. Entre-
tanto, meteu-se pelo meio a igreja paroquial a reclamar
arranjos de vulto, que, pelo menos, o foram no que
diz respeito às verbas dispendidas. Estávamos quase
em 1923, quando a essas obras deitaram mãos todos
os mais generosos e entusiastas da freguesia. Já men-
cionámos a sua acção ao tratar da história da igreja
de Cervães. E o certo é que em face da enorme quan-
tia de dinheiro que então foi necessário mobilizar e
despender, o povo dá freguesia não se sentiria com
grandes fôlegos para se abalançar a novas obras tão
cedo. Sobretudo, o pároco tinha para isso razões de
sobra! E assim se compreenderá facilmente que o San-
tuário do Bom Despacho tenha sido relegado para ficar
à espera de melhores dias.
Foram contudo terrivelmente prejudiciais esses
longos dias, de mais de meio século, sem conveniente
246

assistência material, também esta resultante, até certo


ponto, da pobreza de vida espiritual, que aí não existia
ou quase de todo se extinguira.
Procurámos indagar quando e de que modo terá
ficado o Santuário do Bom Despacho privado da quinta
que desde os seus inícios lhe pertencera. Consta que foi
à praça! Mas ninguém foi capaz de o saber explicar
con ven i ente mente.
Neste caso, porém, é verdade que o que à Igreja
pertencia, à Igreja tornou, uma vez que a dita quinta
veio parar às mãos dos religiosos da Ordem Domini-
cana, a qual na pessoa dum seu ilustre membro, o
Rev. P. Frei Gil Afonso, aí instituiu o Patronato da
Senhora do Bom Despacho, em 1930.
Fazia este Patronato parte dum benemérito Serviço
da Igreja denominado Obra da Criança Abandonada,
a que de alma e coração se dedicara o bondoso Frei
Gil. No Bom Despacho, chegou a albergar uns quarenta
rapazinhos desprotegidos da sorte, por serem órfãos,
abandonados, ou filhos de pais desavindos ou doen-
tes, etc.
Apesar de o Patronato do Bom Despacho ter sido
suspenso, por motivos que desconhecemos, sabemos
todavia que a Obra da Criança Abandonada continua
a existir no Porto e noutras localidades, que não vem a
propósito enumerar.
Se não fora muita, alguma influência decerto tive-
ra a presença de semelhante obra social, na vida do
Santuário do Bom Despacho. Se mais não fosse, teria
contribuído, pelo menos, através da gritaria da sua
rapaziada, para que aquele sítio deixasse de ser uma
aparente tumba de abandono e morte.

2. A celebração do tricentenário do Bom Des-


pacho. Entretanto, com a aproximação de 1944, avizi-
nhava-se a lembrança do terceiro centenário da funda-
247

ção ou nascimento da obra que culminou na existência


desse grandioso templo.
O Frei Gil, que bem pôde presenciar com os seus
olhos o estado desse mosteiro ou santuário, não teve
receio de dizer que se tratava dum mosteiro em rumas
e que Nossa Senhora aí estava a ser, não só muito
esquecida, mas ainda muito maltratada (l).
Foi por essa altura que surgiu, e não sem tempo,
um movimento de restauração, chefiado pelo Dr. Cân-
dido Bacelar, médico da terra, pelo P. José Bacelar,
também da terra e então pároco da Ucha, e pelo indus-
trial Amaro de Macedo, igualmente da freguesia, sem
esquecer, naturalmente, o Pároco.
Até as galinhas de Cervães acabaram por tomar
parte nesse movimento! Como? Dando à Senhora do
Bom Despacho todos os ovos que conseguissem pôr
aos Sábados! Estes ovos eram recolhidos por zeladoras
que percorriam para o efeito toda a freguesia, se não
semanalmente, pelo menos de quinze em quinze dias.
O telhado ameaçava ruir, e nesta emergência, foi
o industria! Amaro de Macedo quem não hesitou em
oferecer toda a telha indispensável a uma nova e total
cobertura. Desde a sua fábrica de Cruto até ao Bom
Despacho foi realizado o mais belo acarretamento que
jamais na freguesia se vira. Eram mais de cinquenta
carros de bois, todos eles ricamente enfeitados e gar-
bosos como se fossem conscientemente oferecer o seu
trabalho a Nossa Senhora.
E não se esqueça de registar também aqui, que ao
terminar esse magnífico cortejo, foi celebrada Missa
Campal com Sermão de circunstância (2).
De 1944 data, além desse conjunto de obras de
restauro, o enriquecimento do Santuário com um carri-

P) Gil Afonso, Senhora do Bomdespacho, Porto, 1944, p. 17.


(2) Ibid., p. 18.
248

Ihão capaz de nele se executar qualquer música para ser


tocada mediante utilização de sinos. Dada a excelente
cor do seu som, bem mereceria ser divulgada, através
de discos e cassetes! Será esta uma perspectiva que
certamente não deixará, a seu tempo, de ser encarada,
disso não temos dúvida!
Como remate da obra de restauro efectuada em
1944 e solenização do ano do III Centenário do Bom
Despacho foi organizada uma grandiosa peregrinação
ao Santuário, num dos domingos de Agosto, e à qual
viera pessoalmente presidir o Arcebispo D. António
Bento Bartins Júnior, que também, segundo me infor-
maram, celebrou Missa Campal para os peregrinos.

3. Os últimos restauros e melhoramentos. As


obras de 1944 ficaram muito longe de esgotar ou satis-
fazer inteiramente as necessidades de melhoramentos
que comportava um conjunto de edifícios como os
do Bom Despacho.
E é assim que se pode dizer que as obras também
nunca lá se acabaram. Pelo menos, desde 1960 até ao
presente sempre lá tem havido que fazer. Não será
exagero nenhum afirmar-se que o verdadeiro restauro,
aquele que se conseguiu fazer com profundidade e
persistência, foi precisamente o que ultimamente se
conseguiu levar a cabo. Que o digam os pavimentos,
as paredes, os telhados, as imagens, os altares e o
vitral do frontespício, ou o novo altar artístico destinado
à celebração da missa voltada para o povo! E sem se
esquecer a electrificação, as instalações sonoras, o
relógio eléctrico e o órgão electrónico! Todo um con-
junto de obras avaliado em mais de dois mil contos.
Onde se foi buscar todo esse dinheiro?
Além dumas escassas comparticipações do Estado,
poder-se-á acrescentar que todo ele foi dado pelos
fiéis e pelos benfeitores, tanto da própria freguesia
249

como das freguesias vizinhas, nomeadamente daque-


las que, de há uns anos a esta parte, se têm incorpo-
rado nas peregrinações de apoio às obras de restauração
do Santuário.
Julgamos que não será motivo de melindre para
ninguém ou de envaideci mento doentio para os pró-
prios, registar aqui os nomes de alguns benfeitores que
acharam por bem pôr ao dispor das obras da comuni-
dade cristã de Cervães algum do dinheiro resultante
das suas economias ou dos seus lucros, certamente
conseguido após longo e porfiado trabalho.

Amaro de Macedo, industrial. Foi o grande entu-


siasta da aquisição do terreno para a construção da
nova igreja paroquial e novo salão, para cuja compra
emprestou parte do dinheiro, dando ainda a quantia
de dez mil escudos. E como atrás se disse, foi um dos
grandes obreiros da restauração do Santuário do Bom
Despacho, em 1944. Faleceu em 24 de Junho de 1964,
no Hospital de S. Marcos (Braga), depois de ter sido
vítima dum brutal acidente, ocorrido no Gerês.

Benedito de Oliveira, a residir na Venezuela. Con-


correu com o donativo de setenta e cinco mil escudos
para um candelabro e outras reparações no Santuário.

João de Oliveira. Concorreu com cinquenta mil


escudos para a restauração do pombal anexo ao San-
tuário, bem assim como para os muros de suporte e
caminhos de acesso para a quinta de cima, do mesmo
Santuário.

António Abreu e esposa. Contribuiram com trinta


mil escudos para as portas do Santuário. Recorde-se
que o antigo guarda-vento ou anteparo havia sido para
ali trazido da igreja do convento de Montariol. Fora
250

nesta altura modificado, fazendo-se mais pequeno e


mais ao moderno, mas aproveitando-se as boas madei-
ras do anterior.
José Bento da Costa Correia. Concorreu com trinta
mil escudos para a restauração de todos os altares do
Santuário.
Netos de João Carlos Oliveira. A trabalhar nos
Estados Unidos da América do Norte. Contribuíram com
quinze mil escudos para a nova Residência paroquial e
para o Santuário.
Silvina Alves. Contribuiu com 70 mil escudos para
a compra dum relógio electrónico na igreja paroquial e
obras do Bom Despacho.
Por intermédio de Leonardo da Costa. Foram obti-
dos dezanove mil escudos para a aquisição dum órgão
electrónico para o Santuário.

Casimiro Ribeiro. Ofereceu todos os tacos da resi-


dência paroquial no valor de 10 contos.

António de Oliveira Macedo, de Soutelinho. Ofe-


receu toda a telha para a Residência nova, no valor de
dez mil escudos.

Eng." Macedo e seu saudoso irmão, Olindo, t em


Outubro de 1974. Ofereceram todo o tijolo da Residên-
cia nova, no valor de quinze mil escudos.

P. António Augusto Gomes da Costa. Em madeira


e dinheiro, ofereceu a quantia de dez mil escudos.

Manuel de Oliveira Gertrudes. Ofereceu a placa do


tecto da nova Residência, no valor de dez mil escudos.
251

António Ferraz, de Cruto. Ofereceu parte da telha


para a igreja paroquial, no valor de dez mil escudos.

Rúben Gomes da Costa e esposa. Presidente do


Clube Português de Niterói, no Brasil. Prontificou-se a
custear metade das despesas a efectuar com a constru-
ção do novo salão paroquial e que atingirá milhares de
contos. Com essa finalidade entregou-nos já 100 contos
e o projecto no valor total de 140 contos.

Embora não fosse nossa intenção registar aqui os


nomes de todos os benfeitores, o que se tornaria inviá-
vel, tomámos a liberdade de arquivar as duas listas
públicas que colhemos na Sacristia do Santuário do
Bom Despacho.
Contém a primeira as quantias e os nomes dos
que em 1/12/1970 ofereceram o relógio eléctrico para
o Santuário:
Manuel S. Fortes, 6.000$00; João S. Pereira,
3.000$00; João Carlos de Oliveira, José S. Alves Por-
tela, José Vaz, Júlia F. Oliveira, José Caetano, D. Amé-
lia, Adonias Costa, Alberto S. Alves Portela, António
R. Macedo, Manuel Pereira, Manuel Alves Portela,
Manuel R. Macedo, Manuel Gonçalves, Vitalino Pereira,
Vítor C. Oliveira, Flerculano S. Maciel, Francisco Pereira,
Adelino Pereira, todos com 1.000$00; David C. Pereira
e João Fernandes, com 500$00.
A segunda lista refere os que ofereceram as ins-
talações sonoras do Santuário, em 1/1/1971;
D. Amélia G. Silva, José Caetano da Silva, Vita-
lino Francisco Pereira, Manuel Alves Portela, José
A. Portela, João Almeida, Manuel da Silva Fortes,
António da Costa Fontoura, João de Oliveira (B. Des-
pacho) Augusto X. de Oliveira, Domingos X. de Oli-
veira, João da Silva Macedo, todos com 1.000$00;
David Martins (Bouça), 600$00; José de Lima, António
252

Vilaverde, António Araújo, António Gomes (B. Des-


pacho), João Martins, Bernardo (B. Despacho), Augus-
to de Faria, Armando Gomes, João da S. Grilo, José
Ferraz, António Leça, Manuel R. Mendes, Laurindo
Lopes, Alcides Couto de Azevedo, José Carlos A. Por-
tela, Cândido de Lima Azevedo, Claudino Ribeiro, Leo-
nardo da C. Fontoura, João Saramago e Manuel Pereira
(I. Nova), todos com 500$00, cada.

4. Outras coisas a não esquecer. São igualmente


de arquivar aqui os seguintes factos relacionados com
a vida da Paróquia de Cervães, por dizerem respeito
à sua igreja paroquial ou ao Santuário do Bom Des-
pacho;
• Em 20 de Maio de 1944, uma Comissão de
vinte elementos, presidida pelo Sr. Dr. Aurélio da Silva
Macedo e Cunha, adquiriu, para o Santuário, a cha-
mada Quinta da Rosalina, que num futuro mais ou
menos longo poderá vir a constituir o Parque do San-
tuário.
• Por escritura de 24 de Outubro de 1963 foi
adquirida uma bouça de mato e pinheiros para o Bom
Despacho.
• A Quinta do Rebelo, destinada à construção da
nova igreja paroquial, foi adquirida por escritura de 7
de Maio de 1964.
• Também já se encontra feito e aprovado o
projecto para a construção duma nova estrada para o
Santuário e o lugar de Leiroinha, com prolongamento
até à Capela de S. Pedro de Montório.

• O terreno da Quinta do Rebelo virá a compor-


tar, além da nova igreja, o novo salão paroquial e o
253

parque infantil, com rinque de patinagem, estando


tudo orçado em milhares de contos.

• A construção da Residência nova para o pároco


foi levada a cabo em 1974-1975. Apesar de simples,
será edifício para valer os seus setecentos contos.

• Foram restauradas a residência velha e a igreja


paroquial, bem assim como as capelas da Senhora de
Lurdes, de S. Pedro de Montório, S. Bento, sem se
esquecer os paramentos, bandeiras, opas, carreta fune-
rária, sinos e telhados, tudo no valor de mil contos.

Embora a vida litúrgica duma paróquia se possa


praticamente confinar aos limites dos seus templos ou
recintos sagrados, a vida dos cristãos, que são também
cidadãos, não se pode deforma nenhuma fechar nesses
locais. Pelo contrário, eles têm de participar na política,
na educação, no trabalho e em todas as formas de
cultura e de melhoria das condições de vida individual
e social. Não ficará por isso mal registar aqui duas pala-
vras acerca da Banda Musical, da Telescola e da Casa
do Povo, três iniciativas que grandemente beneficiaram
não só a população de Cervães, como ainda as popu-
lações de outras freguesias.

A Banda de Música

Teve esta freguesia uma banda de música que


durante muitos anos levou a arte dos belos sons a
muitas terras, onde em festas modestas ou imponentes
conquistou aplausos e louvores. Embora se não saiba
já ao certo a data da sua fundação, calcula-se que ela
terá surgido à roda de 1850, por iniciativa de José
Rebelo, seu primeiro regente.
Nos últimos anos conheceu momentos de triunfo
254

e designadamente sob a regência de João Carlos de


Oliveira, do lugar do Bom Despacho. A partir de 1968
e devido a vários factores, sobressaindo de entre eles
a emigração e a prestação de serviço militar de muitos
jovens, teve de passar à inactividade. Sem nos confor-,
marmos com a sua extinção, resta-nos aguardar que
possa um dia regressar à vida.

A Telescola

Sob a inspiração do pároco e de duas professoras


naturais da freguesia, foi criada há cinco anos este
moderno processo de ensino. Graças a ela, tem sido
possível a diversas crianças prosseguir os seus estudos
mais para além do que constituía a antiga 4.3 classe.
Espera-se que o Ciclo também em breve possa ser
uma realidade nesta freguesia. Um pedido já fora feito
a quem de direito e nesse sentido.

A Casa do Povo

A Casa do Povo do núcleo de Cervães, destinada


às populações rurais desta e das freguesias de Caba-
nelas e Parada de Gatim, foi fundada em 1948. 0 seu
alvará data de 21/2/1944 e o seu timbre ostenta o San-
tuário do Bom Despacho (!).
Foi formada por uma Comissão Administrativa
constituída por Luís Gonzaga Bacelar e Oliveira, Aires
Martins Duarte e Manuel Antunes de Oliveira.
Em 1950 esta Comissão foi substituída por uma
Direcção e Assembleia Geral, cujos membros eram:
Luís Gonzaga Bacelar e Oliveira, Presidente; Manuel da
Silva Pojeira, Secretário e João Cândido Pereira Cor-

(:!) Reproduzimos o teor desse timbre no frontespício da


presente monografia.
255

reia. Tesoureiro. Da Assembleia Geral faziam parte:


Dr. Aurélio da Silva Macedo e Cunha, Presidente; José
Domingos Forte e João Baptista de Lima, 1.° e 2.°
vogais, respectivamente.
A actual Direcção é formada por Orides Aires da
Silva Braga, Presidente; Manuel da Silva Pojeira, Secre-
tário; João Cândido Pereira Correia, Tesoureiro; José
Domingos da Santa, Vice-Presidente; Arlindo Gomes,
1.0 Vogal e Aires Martins Duarte, 2.° Vogal.
A actual Assembleia Geral comporta os seguintes
indivíduos: Dr. Aurélio da Silva Macedo e Cunha, Pre-
sidente; Engenheiro Avelino de Macedo, 1.° Vogal e
Vitorino Gomes Pinto, 2.° Vogal.
A título de curiosidade registe-se que o actual
número de sócios é o seguinte:

Sócios contribuintes 1.092


Sócios efectivos 417
Beneficiários por conta própria 48
Sócios reformados por velhice e invalidez 330

A Casa do Povo paga mensalmente entre 500 a 600


contos e o principal projecto que em ordem ao futuro
acalenta consiste na construção duma nova sede, capaz
de poder satisfazer a todos os requisitos duma moderna
assistência social.

As Juntas de Freguesia

Para finalizar este capítulo acrescentaremos algu-


mas informações relativas às actividades desenvolvidas
pelas Juntas da freguesia dos últimos 28 anos.
A Junta que em 1948 se encontrava em exercício
era presidida por Hilário António da Silva Oliveira, coad-
juvado por Maciel de Azevedo e Sousa e Augusto de
Macedo. Fez face a muitas das dificuldades decorrentes
256

da guerra e empenhou-se sobretudo em obter melhora-


mentos em caminhos.
Em 1950 entrou em exercício a Junta presidida
por António de Oliveira Macedo. Como secretário, tra-
balhou José Afonso Pereira e como tesoureiro, José
Bento Pereira. Conservou-se esta Junta durante dois
mandatos ou seja até 1958 e promoveu diversas obras
de beneficiação da freguesia, nomeadamente;
1 — De colaboração com o pároco, obtendo (após
levantamento do respectivo projecto) uma comparti-
cipação de duzentos contos para a restauração do Bom
Despacho; além da colaboração prestada nos arranjos
que foi necessário promover na residência e na igreja
paroquial.
2 — Concedendo terrenos a umas vinte famílias
pobres a fim de construírem as suas moradias, o que
de outra sorte nunca conseguiriam.
3 — Dando início ao trabalho de delimitação da
freguesia, obra que infelizmente não teve seguimento
com as Juntas posteriores, o que tem acarretado pre-
juízos, sobretudo, para a paróquia.
4 — Defendendo, mesmo em Tribunal, direitos
públicos, designadamente respeitantes a caminhos.
5 — Construindo os principais passeios do Cemi-
tério e numerando as respectivas campas ou sepul-
turas.
6 — Conseguindo o registo do correio e requerendo
o posto de telefone público e a distribuição domiciliá-
ria da correspondência.
7 — Empenhando-se a sério na electrificação da
freguesia, embora sem êxito algum, por falta de apoio
da parte de quem devia secundar a iniciativa.
8 — Dando largo contributo para a manutenção
da Banda Musical da freguesia, conseguindo até fixar
alguns elementos desse agrupamento.
A Junta seguinte foi constituída por Orides Aires
257

Braga (presidente), João Cândido Pereira Correia


(tesoureiro) e Adelino Ribeiro (secretário). Deu valioso
patrocínio às obras do Bom Despacho, cujos acessos
foram imensamente beneficiados com a carreira de
camionagem que diariamente atravessa a freguesia,
ligando-a a Braga e Viana. Construiu quatro fontená-
rios desde llhô ao Sobral, reparou o Cemitério e faci-
litou a construção de casas a diversos pobres.
Seguiu-se a Junta presidida por João Carlos de
Oliveira e formada por João Cândido Pereira Correia
(tesoureiro) e Adelino Ribeiro (secretário), a qual pro-
moveu:
1 — 0 levantamento do projecto da estrada de
Oliveira até à capela de S. Pedro de Montório, pas-
sando pelo Bom Despacho.
2 — O pedido da construção duma estação do
Correio no lugar do Sobral, bem assim como da colo-
cação de telefones públicos em llhô e em Soutelinho.
3 — O pedido de electrificação do resto da fre-
guesia e a montagem de uma rede de iluminação
pública.
4 — O pedido de ampliação das escolas do Sobral
e a distribuição domiciliária do correio extensiva a toda
a freguesia.
5 — 0 prosseguimento da obra social de constru-
ção de casas para famílias pobres, a exploração de
águas e a obtenção dum carimbo ou selo novo.
Após o movimento patriótico do 25 de Abril de
1974, tomou conta da Junta uma Comissão Adminis-
trativa, constituída por Antero Pinto da Silva (presi-
dente), João Ferreira (secretário) e José Bento de
Sousa Alves (tesoureiro). Diversas obras levou já a
cabo, como a da ampliação do Cemitério, a montagem
de escolas pré-fabricadas, a compra de terreno para
novas escolas, o alargamento de caminhos e calceta-
mento de outros, a construção de mais fontenários, a
17
258

electrificação do Cemitério, as reparações das escolas,


a oferta dum carrinho a um inválido pobre, tudo na
importância de muitas centenas de contos. Entre as
obras projectadas, contam-se os arranjos de mais cami-
nhos, a construção de novos fontenários e escolas,
da sede da Junta, a compra de terreno anexo ao Cemi-
tério e o alargamento do mesmo, etc. (*).

(*) Em 12 de Dezembro de 1976 efectuar-se-iam eleições


democráticas para as autarquias locais. Em Cervães concorre-
ram listas propostas pelo PPD/PSD (Partido Social Democrata),
CDS (Centro Democrático Social) e PS (Partido Socialista).
Saiu assim constituída a equipa que orientará o progresso da
freguesia nos próximos tempos:
JUNTA DE FREGUESIA: Presidente — Manuel Gonçalves:
Secretário — José de Oliveira; Tesoureiro — José de Oliveira.
ASSEMBLEIA DE FREGUESIA: Presidente — Arcélio da
Silva Miranda: 1° Secretário — Manuel de Azevedo; 2." Se-
cretário — Carlos de Sousa Afonso da Cunha; Vogais — Paulo
Barbosa da Cunha, António Guerra Fontes, José Correia Gon-
çalves, Alberto Barbosa de Faria, Américo Martins Duarte e
Ántero Pinto da Silva.
VI

Cronologia Jo Bom DespaeLo

1610-1625 — Período em que terá nascido João da


Cruz.
1633 — Em S. Fins de Tamel, estabelece-se o Ermitão
Belchior da Encarnação, latinista.
1634-1640 — Período em que nasceu o P- Manuel de
Cruz.
1644 — Lançamento da 1.a pedra da primitiva capela
da Senhora do Bom Despacho, no 1.° de
Agosto.
1644 — Celebra-se a 1.a Missa na Lapa, com licença
ordinária, no dia 10 de Agosto.
1650 e tantos — Os Padres da Ordem da Santíssima
Trindade pretendem estabelecer no Bom Des-
pacho Casa para a sua Ordem.
1652 — Faz-se a 1.a Reforma dos Estatutos da Irman-
dade Eclesiástica dos Fiéis de Deus, ainda em
Parada de Gatim.
1653 — É aprovada a dita Reforma.
1661 — Falecimento do Ermitão João da Cruz.
1662 — Data provável da Ordenação do P. Manuel
da Cruz, sucessor do Ermitão.
1665 — Como membro da Irmandade dos Fiéis de Deus,
o P. Manuel da Cruz exerce o cargo de «Pro-
motor».
1667 — A 2 de Junho reuniram-se no lugar da Senhora
do Bom Despacho, para fazerem as contas os
260

mesários novos e velhos da Irmandade dos


Fiéis de Deus. É «Deputado» o P. Manuel da
Cruz.
1670 — Segundo o Santuário Mariano, o Ermitão João
da Cruz teria morrido à volta deste ano.
1679 — Falece o Reitor de Cervães, P. Filipe Rebelo
Pereira.
1680 — A 28 de Janeiro, celebra-se o 1.° dos quatro
ofícios pelo P. Pedro Martins, Capelão da Casa
de Azevedo (Lama).
1680 — Aos 28 de Agosto, é lançada por Pedro Lopes
de Azevedo, Morgado de Azevedo, a 1." pedra
da Capela de S. Pedro de Montório, no então
chamado lugar do Calvário.
1681 —Redigidos, a 26 de Junho, na Capela já con-
cluída, os primeiros Estatutos da Irmandade
Leiga de S. Pedro de Montório, recentemente
instituída.
1683 — Passada, a 21 de Janeiro, a Provisão de apro-
vação dos Estatutos da Irmandade Leiga.
1686 — São referidas, pela última vez, as faltas do
P. Manuel da Cruz, do Bom Despacho, aos ofí-
cios da Irmandade dos Fiéis de Deus.
1687 — Por escritura pública de 28 de Abril, a Irman-
dade Leiga de S. Pedro de Montório autoriza
a Irmandade dos Fiéis de Deus a trasladar-se
para a Capela de S. Pedro, onde ambas ficam
coexistindo.
1690 — Consta pelo Santuário Mariano que ainda estava
ao serviço, no Santuário, o P. Manuel da Cruz.
1704-1728 — O Arcebispo, D. Rodrigo de Moura Teles,
terá contribuído com donativos para as obras
do Santuário do Bom Despacho, em cujo púl-
pito figurou o seu brasão prelatício, talvez por
esse motivo.
1740 O Capitão-Mor João de Oliveira e seu irmão
261

António de Oliveira, naturais da freguesia e a


viver no Brasil, mandaram construir a Torre do
lado nascente.
1741 —Faz-se a 2.a Reforma dos Estatutos da Irman-
dade dos Fiéis de Deus. S. Pedro é-lhe dado
como patrono e passa a designar-se Irman-
dade dos Clérigos ou Eclesiástica de S. Pedro
do Montório.
1753—Por Decreto de Bento XV, de 28 de Março, a
Irmandade Eclesiástica obtém a graça de altar
privilegiado para todas as missas, que, em
conformidade com os Estatutos, fossem cele-
bradas pelos seus confrades.
1753 — O Bispo de Mauricastro, D. José de Oliveira
Calado, Provisor, publica, a 6 de Julho, o Edi-
tal com a anterior concessão pontifícia.
1754 — Bento XV, em 7 de Dezembro, permitiu que
as missas pelos confrades da Irmandade Leiga
ficassem equiparadas às de altar privilegiado,
desde que celebradas na Capela de S. Pedro
de Montório ou na Igreja Paroquial de Cervães.
1755 —Edital, de 17 de Março, do Dr. José da Silva
Chaves, Provisor; torna pública a concessão da
graça anterior.
1774 — Redigida em 20 de Março a Reforma dos pri-
meiros Estatutos da Confraria de N. Senhora
do Rosário de Cervães, é aprovada a 17 de
Abril seguinte.
1808 — Aos 19 de Novembro, visita a Paróquia o P. An-
tónio José Pereira, Abade de Lomar e Visitador
do Arcediagado do Neiva. Urgiu o Pároco de
então para que mandasse promover o restauro
das Capelas das Quintas de Gomariz e da
Estrela.
1825 — O P. José Joaquim Ferreira Guedes, Reitor da
Veiga de Lila (Chaves) e Visitador de Nóbrega
262

e Neiva, encarrega o Pároco de Cervães e o


Capelão do Bom Despacho de avisarem o
Administrador das esmolas, fábrica e fundos do
Santuário (ao tempo residente em Braga), para
dali em diante apresentar contas ao visitador,
a fim de serem aprovadas.
1859 — A 17 de Setembro, o P. João Carlos de Macedo
copiou «com toda a verdade e escrúpulo» dum
antigo manuscrito de data e autor desconheci-
dos, existente no Santuário, a Vida e morte do
ermitão João da Cruz, e princípio que teve a
Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho,
situada nas fraldas do Monte do Busto, na Lapa
dos penedos, chamados Penaliveira, da fregue-
sia e Couto de Cervães, da Mitra Primacial; e
princípio que teve a dita Senhora e milagres.
1871 —Janeiro: descargas eléctricas causaram sérios
estragos no Santuário. 0 relógio antigo ficou
esmagado. Era de pouco valor.
1881 —0 P. Manuel Emílio Gomes da Costa, a 22 de
Outubro, tirou uma cópia da do P. João Car-
los de Macedo, a qual viria a oferecer ao seu
irmão, P. José Luciano Gomes da Costa, secre-
tário que foi da Câmara Eclesiástica de Braga.
1882 — A 7 de Setembro, o Doutor J. B. da Silva Ramos
obteve a sua cópia da Vida e morte do ermi-
tão... a partir da cópia do P. José Luciano
G. da Costa.
1883 — Pela 1." vez, é editado, sob a forma de folhe-
tim, o texto fiel e integral do antigo manuscrito
do Bom Despacho. Editou-o o Dr. J. B. da
Silva Ramos no jornal O Comércio do Minho,
de 1883 (ano XI), nos seguintes números:
1568 (6.a-feira, 30 Agosto), 1569 (sábado, 1
Setembro); 1570 (3.a-feira, 4 Setembro); 1571
263

(5.a-feira, 6 Setembro); 1572 (sábado, 8 de


Setembro).
1884 — A pedido do P. J. J. da Silva Bacelar, através
do Arcebispo D. António José de Freitas Hono-
rato, Leão XIII, por Breves de 15 e 19 de Julho,
concedeu cem dias de Indulgência para quem,
em qualquer dia do ano, visitasse o Santuário
do Bom Despacho.
A quem o visitasse nos dias da Imaculada
Conceição, Natividade, Anunciação, Purifica-
ção e Assunção da Santíssima Virgem; nos
Domingos da Quinquagésima, Pentecostes ou
nas festas da Ascensão e Natal do Senhor,
concedeu Indulgência Plenária.
1887 — Uma Comissão, chefiada pelo Pároco e pelo
Capelão do Santuário e constituída por outros
sacerdotes e homens da freguesia, conseguiu
angariar fundos para reparação do Santuário,
cujas obras orçaram em mais de quinhentos
mil réis.
1891 —Por Breve de 18 de Agosto e a pedido do
P. António Augusto Gomes da Costa, obteve-se
a renovação das Indulgências para o Santuário.
1894 — Na Pascoela, foi inaugurada a gruta e a ima-
gem de Nossa Senhora de Lurdes, esta na
antiga Capela até então dedicada a S. Miguel
e que dera o nome a este lugar. Aquela imagem
foi adquirida em Lurdes pelo Cónego Manuel
José da Silva Bacelar, cuja saúde recuperou
milagrosamente graças à Senhora de Lurdes,
e que em acção de graças a ofereceu à Capela,
que agora tem o seu nome.
1897 — É colocado na Torre do Santuário do lado nas-
cente um relógio novo de sistema alemão, feito
pelo relojoeiro de Vila Verde, Francisco Fon-
tes, com corda para oito dias e batendo as
264

horas e as meias horas. Ofereceu-o João de


Oliveira e Silva Bacelar, da Casa da Custariça.
1898 — A Tipografia Lusitana de Braga, publica o opús-
culo de 32 páginas intitulado Apontamentos
Históricos do Santuário de Nossa Senhora do
Bom Despacho em Cervães concelho de Vila
Verde coordenados pelo P. J. J. da Silva Bace-
lar em 1897. Esta reedição integral do texto do
antigo manuscrito! do Santuário vem enrique-
cida com fotogravuras, bem assim como com
notas e outros apontamentos.
1903 — Em 13 de Novembro (6."-feira), o Arcebispo
D. Manuel Baptista da Cunha, visitou o San-
tuário do Bom Despacho, onde crismou, só
nesse dia, 800 pessoas.
Indulgenciou diversas imagens, entre as
quais a da Senhora do Bom Despacho, com
40 dias de Indulgências lucráveis em seu real
Santuário, uma vez por dia, por quem, diante
da sua imagem rezasse três Avé-Marias.
1931 —0 Cónego Man jei de Aguiar Barreiros publica
Nossa Senhora nas suas imagens e no seu
culto na Arquidiocese de Braga. Da Senhora
do Bom Despacho trata a páginas 109-111. A
gravura mostra-nos que a imagem da Senhora,
que se encontrava sob os penedos, sustentava,
então, o Menino Jesus deitado sobre ambas
as mãos.
1943 — Um Movimento de Restauração, cuja iniciativa
se deve ao médico da freguesia, Dr. Cândido
Bacelar, pugna pela salvação e recuperação do
Santuário do Bom Despacho. Até as galinhas
de Cervães colaboraram! Todos os ovos por
elas postos, aos Sábados, se destinaram a
Nossa Senhora.
1944— Da pena de Gil Afonso e editado na Tipografia
265

Porto Médico, L.da, sai a público a brochura


de 60 páginas. Senhora do Bom Despacho. Aí
a narrativa do Autor incide em considerações
intimamente ligadas à família de Lopo Seabra,
seu amigo pessoal e futuro governador civil de
Aveiro. Além dum breve resumo da vida do
Ermitão, encontram-se ocasionalmente algumas
notícias de interesse para a moderna história
do Santuário.
1948 — Aos 5 de Setembro, entra como novo Pároco
da freguesia o R. P. Domingos Correia Neiva
Pinheiro, natural de S. Pedro de Alvito.
1952 — Falece em Cervães, em sua residência parti-
cular, o P. António Maria de Araújo Santana,
natural de Parada de Gatim, e pároco que foi
desta freguesia, desde 1909 até 1948.
1960-1970 — Novo período de Restauro, cuja iniciativa
se deve ao actual pároco, P. Domingos Pinheiro.
1968 — Após a reconstrução da E. M. 541 em paraleli-
pípedos e a sua ligação por Igreja Nova à E. N.
306, é inaugurada, a 17 de Abril, a carreira
entre Braga e Viana com passagem por esta
freguesia assegurando melhores condições de
acesso até perto do Santuário do Bom Des-
pacho.
1970 —A 23 de Outubro e depois de deferida pela
C. M, de Vila Verde, começou-se a realizar no
Largo de Souto da Bouça (perto do Bom Des-
pacho) e quinzenalmente (às sextas-feiras),
uma feira franca de produtos agro-pecuários e
outros de tipo popular,
1971 —Domingo, 11 de Julho, à tarde. A Senhora do
Bom Despacho sai do seu Mosteiro para a
Igreja Paroquial de Parada de Gatim.
1971—Domingo, 18 de Julho, de manhã. Acompa-
nhada pela população de Parada de Gatim, que
na sua igreja a venerara, e pela de Cervães
que a viera receber, a imagem da Senhora
regressa em peregrinação ao seu Santuário do
Bom Despacho. À chegada é celebrada Missa
Campal.
Nesta ocasião são homenageados os maio-
res benfeitores das obras do Santuário.
Homenageado igualmente o Prof. Doutor
P. José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, S. J.,
natural d-a freguesia, por celebrar as suas Bodas
de Prata Sacerdotais. Nascido na Casa do
Talho a 18 de Outubro de 1916, ordenou-se em
Granada (Espanha) em Julho de 1946 e é
desde 1968 Vice-Reitor da Universidade Cató-
lica Portuguesa, com Sede em Lisboa.
1971 — Domingo, 10 de Outubro. Escuteiros dos con-
celhos de Braga, Barcelos, Famalicão, Vila
Verde, Ponte de Lima e Santo Tirso vêm ao
Bom Despacho associar-se à apresentação ofi-
cial do Grupo de Escuteiros de Cervães, criado
por iniciativa do R. Pároco. Presidiu à Euca-
ristia e às cerimónias da Promessa dos novos
Escutas o Assistente Regional, P. Américo Fer-
reira Alves. Todos deram óptima impressão,
tendo-se contudo salientado, pela sua simpa-
tia, as Guias do CNE de Prado.
1971 —A 24 de Outubro, falece, com 87 anos, o Dr.
João Cândido da Silva Bacelar, médico gine-
cologista. Católico exemplar, lutou pelo bem
público, pelas obras católicas e foi grande
amigo do Bom Despacho. Publicou, em 1913,
um Manual de Higiene e Terapêutica perante a
obstetrícia e a pediatria.
ÍNDICE

Dedicatória ^
7
Duas palavras
A servir de introdução ''

I PARTE — CERVÃES: ELEMENTOS PARA A SUA HISTÓRIA


CIVIL E RELIGIOSA
I — Cervães, seu nome, sua terra e suas gentes
19
1. Sua localização geográfica
21
2. Cervães — O seu nome
29
3. Cervães — O seu solo
4. Cervães — A sua gente 22
34
5. Cervães e a Coroa
3
6. Cervães e as Casas fidalgas '
39
7. Cervães e o seu Couto
49
8. Cervães e o Concelho de Prado
9. Cervães: uma ou duas freguesias? 45
10. Cervães e o seu movimento demográfico 47
11. Cervães e a emigração 50
12. Cervães e a promoção intelectual 51
268

II _ Cervães. Manifestações da sua fé: templos, alminhas


e cruzeiros
1. Sinais da fé 53
2. Para a história do culto cristão 54
3. A capela de S. Miguel 55
4. O Mosteiro. A igreja paroquial 59
5. A Comenda da Ordem de Cristo 64
6. A igreja que até nós chegou 67
7. A igreja nos tempos do Abade Carvalho 71
8. Nos tempos do Abade Barros 72
9. As Filhas de Maria e a Associação do Coração de Jesus 75
10. Nos tempos do Abade Santana 78
11. A capela da Estrela ou Santa Maria de Penoucos 80
12. Santa Maria de Penoucos, antiga paróquia 82
13. A capela de S. Bento 88
14. A capela de S. Pedro de Montório 90
15. A capela da Senhora do Carmo 92
16. A capela de Santo António 93
17. A capela de Santo Afonso de Ligório 94
18. A capela de S. João Baptista 94
19. Os nichos de Alminhas 94
20. Os Cruzeiros 95

III — Cervães e suas Confrarias


I — As antigas irmandades 99
1. Irmandades da igreja paroquial 99
2. Irmandades da Capela de S. Pedro 100
A Irmandade Leiga 101
A Irmandade Eclesiástica 115
II — As modernas Irmandades 129
IV — Párocos de Cervães 141
V — Cervães e o seu Clero 145
Poema 164
269

II PARTE — CERVÃES E O SANTUÁRIO DO BOM DESPACHO


I — João da Cruz, fundador do Bom Despacho
1( 7
1. Uma palavra sobre Bela 5
2. Quando e como nasceu João da Cruz 169
3. De como seus pais o puseram a estudar 169
4. De como estudante apenas o foi alguns meses 170
5. Como João da Cruz passou por ladrão 171
6. De como se ia afogando e se salvou 172
7. Desgosto dos seus familiares 172
8. Aos dezasseis anos ia falecendo 174
9. Melhoras e o que fez em seguida 175
10. Ermitães na região 176
11. João da Cruz e os franciscanos 179
12. Da sua caridade para com os Fiéis de Deus 180
13. Ermitão amigo das ermidas 182
14. Reencontro dum velho companheiro 183
15. Busca refúgio na Penaliveira 185
16. Ruindade de Mateus Bravo 187
17. No Bom Jesus, encontro de Ermitães 189
18. João da Cruz e o Solar dos Azevedos 190
19. O morgado de Azevedo e sua mulher 193
20. O capelão de Azevedo e o ermitão 193
21. Início das obras e culto no Bom Despacho 195
22. Os 17 últimos anos do Ermitão 197
23. O P. Manuel da Cruz, sucessor do Ermitão 199
24. As Ordens religiosas e o Bom Despacho 200
25. Os detractores da obra do Ermitão 202

II — O Santuário, sua história e seu estilo


1. Para bem conhecer o Santuário 205
2. Celebridade do Bom Despacho 205
3. Retalhos de uma história. A capela primitiva 207
4. A segunda capela da Senhora 208
270

5. Tempo, factor indispensável 209


6. A construção do Santuário do Bom Despacho 210
7. Autores das obras e suas dimensões 212
8. A talha do santuário e seu estilo 213
9. Esculturas das capelas 216
10. Legenda da planta do Santuário 218

III — O Bom Despacho e sua irradiação espiritual


1. A invocação e sua expansão 221
2. Antiguidade desta invocação 222
3. Significado da invocação «Senhora do Bom Despacho» 223
4. Feição das imagens da Senhora do Bom Despacho 224
5. Afluência de devotos. Festividades em Cervães 226
6. Registo de milagres 229
7. Cânticos à Senhora do Bom Despacho 235
8. O Bom Despacho no final do séc. XIX 238
9. Recente revitalização. Culto e peregrinações 240
10. A instituição duma Confraria 241
IV — Alguns Capelães do Bom Despacho 243
V — Obras recentes. Benfeitores insignes da Paróquia e do
Santuário. Outras coisas a não esquecer
1. Nos primeiros 40 anos do séc. XX 245
2. A celebração do tricentenário do Bom Despacho 246
3. Os últimos restauros e melhoramentos 248
4. Outras coisas a não esquecer 252
A Banda de Música 253
A Telescola 254
A Casa do Povo 254
As Juntas de Freguesia 255
VI — Cronologia do Bom Despacho 259
índice 267
Acabou de se imprimir na
Tip. Editorial Franciscana - Braga
a 15 de Junho de 1977
3.000 exemplares

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