Agua Viva FP
Agua Viva FP
PORTO ALEGRE
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DE LITERATURA
ESPECIALIDADE: LITERATURA COMPARADA
LINHA DE PESQUISA: LITERATURA, IMAGINÁRIO E HISTÓRIA
PORTO ALEGRE
2011
Para Rodrigo, meu filho.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha orientadora, Profª. Drª. Jane Tutikian, pelos ensinamentos e pelo
incentivo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS e seus professores.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
concessão de uma bolsa de estudos durante a realização deste trabalho.
Aos professores Daniel Conte, Márcia Ivana de Lima e Silva e Antônio Marcos Vieira
Sanseverino, que gentilmente se disponibilizaram a ler e a contribuir com esse estudo.
Um agradecimento especial a minha esposa, Gabriela, a minha mãe, Zenaide, e a toda
minha família e meus amigos.
Por fim, agradeço a todos que fizeram ser possível a realização desse trabalho.
RESUMO
O presente trabalho justifica-se por duas razões: proporcionar um estudo acerca das
relações entre Fernando Pessoa e Clarice Lispector e servir de material de apoio, dada a
escassez de textos que aproximem ambos os autores. Objetiva-se, primeiramente, mostrar que
Água Viva e os poemas sensacionistas, do heterônimo pessoano Álvaro de Campos, tem
características em comum e, ao compará-los, verificar se, de fato, a busca de identidade como
proposta é o motivo de sua proximidade, uma vez que pertencem a séries literárias diferentes.
A análise das relações entre a estética sensacionista, cujos poemas de Campos são os
principais representantes, e Água Viva será realizada por meio de um método comparativo, a
fim de desvendar o que tais relações supõem; porém, sem o intuito de mostrar se de fato um
escritor leu ou conheceu o outro, mas sim de conhecer e entender o uso dos elementos que
aproximam ambas as obras. Para tanto, o corpus deste trabalho é composto pelo romance
Água Viva, de Lispector, e os poemas sensacionistas de maior expressão, “Ode Triunfal”,
“Ode Marítima”, “Saudação a Walt Whitman”, “Mestre, meu mestre querido”, “Passagem das
horas”, “A melhor maneira de viajar é sentir” e “Tabacaria”, todos atribuídos a Álvaro de
Campos. Para analisar estes textos, parte-se dos textos teóricos sobre a estética sensacionista
escritos por Fernando Pessoa. Por fim, a partir das análises, é possível afirmar que a busca de
identidade como proposta é o fator que desencadeia as relações possíveis entre Fernando
Pessoa e Clarice Lispector.
Palavras-chave: Fernando Pessoa; Sensacionismo; Álvaro de Campos; Clarice
Lispector; Água Viva.
ABSTRACT
The present essay is justified for two reasons: to provide a study of the relations
between Fernando Pessoa and Clarice Lispector and to be used as a support material due to
the shortage of texts which approximate both authors. It is aimed, first of all, to show that
Água Viva and the sensationist poems, by the heteronym of Pessoa Álvaro de Campos, have
characteristics in common and, when compared, verify if, in fact, the search of identity as a
proposal is the motive of their proximity, although they are from different literary series. The
analysis of the relations between the sensationist aesthetic, whose poems of Campos are the
main representatives, and Água Viva is done through a comparative method, in order to reveal
what such relations suppose, without the intent of showing if, in fact, a writer read or knew
the other, but of knowing and understanding the use of elements which make both works
close. For this, the corpus of this study consists of the novel Água Viva, by Lispector, and
sensationist poems of greater expression, “Ode Triunfal”, “Ode Marítima”, “Saudação a Walt
Wittman”, “Mestre, meu querido mestre”, “Passagem das horas”, “A melhor maneira de
viajar é sentir” and “Tabacaria”, all attributed to Álvaro de Campos. In order to analyze these
texts, the starting point are the theoretical texts about the sensationist aesthetic written by
Fernando Pessoa. At last, through the analysis, it is possible to affirm that the search of
identity as a proposal is the factor that triggers the possible relations between Fernando
Pessoa and Clarice Lispector.
Keywords: Fernando Pessoa; Sensationism; Álvaro de Campos; Clarice Lispector;
Água Viva.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 ........................................................................................................................ 24
Figura 02 ........................................................................................................................ 25
Figura 03 ........................................................................................................................ 62
Figura 04 ........................................................................................................................ 63
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09
2. SENSACIONISMO .................................................................................................... 12
2.1 Origem do Sensacionismo no grupo Orpheu ..................................................... 14
2.2 O que é Sensacionismo? ................................................................................... 19
2.3 Alberto Caeiro, o mestre ................................................................................... 26
2.4 Álvaro de Campos, poeta sensacionista............................................................. 28
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 82
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 87
1. INTRODUÇÃO
obras. Lispector cria personagens que lutam pela liberdade e que estão associadas a conflitos
sócio-culturais e, em especial, psicológicos, passando, assim, a ter novas percepções de “ser”
e do “estar” no mundo. Disso resulta um processo de busca e construção de identidade por
parte das personagens protagonistas, característica levada ao extremo em Água Viva, cuja
primeira publicação foi feita em 1973. O texto em forma de monólogo, classificado como
ficção pela própria autora, tem como personagem-narradora uma pintora solitária que se lança
em inúmeras reflexões sobre a vida e a morte, o medo e a coragem, a passagem do tempo e,
principalmente, sobre o ato de escrever. Procurando usar as palavras como um pintor usa as
cores, a personagem-narradora escreve para se conhecer, numa jornada em busca de sua
identidade.
A partir da leitura dos poemas sensacionistas e do livro Água Viva observa-se que há
semelhanças entre eles, e disso surge o seguinte questionamento: como obras de diferentes
séries literárias3, baseadas em diferentes arquétipos, de nacionalidades distintas, e ainda
separadas pelo tempo, alcançaram um resultado tão próximo? Como um princípio para
responder a essa pergunta, admite-se a hipótese de que há uma proposta temática que é
comum a ambos. Essa proposta seria, conforme Gotlib (1989 e 1997), a busca de identidade.
O presente estudo, portanto, justifica-se por duas razões: proporcionar um estudo a
cerca das relações entre Fernando Pessoa e Clarice Lispector, e servir de material de apoio,
dada a escassez de textos que aproximem ambos os autores. Objetiva-se, primeiramente,
mostrar que Água Viva e os poemas sensacionistas, do heterônimo pessoano Álvaro de
Campos, são comparáveis e, ao compará-los, verificar se, de fato, a busca de identidade como
proposta é o motivo de sua proximidade, uma vez que pertencem a séries literárias diferentes.
A análise das relações entre a estética sensacionista, cujos poemas de Álvaro de Campos são
os principais representantes, e Água Viva será realizada por meio do método comparativo, a
fim de desvendar o que tais relações supõem, sem o intuito de mostrar se de fato um escritor
leu ou conheceu o outro, mas de conhecer e entender o uso dos elementos que aproximam
ambas as obras. Para tanto, o romance Água Viva e os poemas sensacionistas de maior
expressão, “Ode Triunfal”, “Ode Marítima”, “Saudação a Walt Whitman”, “Mestre, meu
mestre querido”, “Passagem das horas”, “A melhor maneira de viajar é sentir” e “Tabacaria”,
todos atribuídos a Álvaro de Campos, são tomados como corpus deste trabalho. Para analisar
estes textos, parte-se dos textos teóricos sobre a estética sensacionista escritos por Fernando
Pessoa e dos artigos Pessoa em Clarice e Olhos nos olhos (Fernando Pessoa e Clarice
3
Na concepção de Tynianov (1976), o conjunto de obras representativas de uma determinada literatura nacional.
11
Lispector) de Gotlib (1997 e 1989, respectivamente), nos quais a estudiosa aproxima Pessoa e
Lispector.
No primeiro capítulo, apresenta-se um estudo sobre o Sensacionismo, buscando dar
conta de sua origem no grupo Orpheu e da influência provinda dele, além de explicitar como
Fernando Pessoa caracteriza seu movimento, seus princípios e a percepção da sensação.
Outrossim, aborda-se a contribuição dos heterônimos Alberto Caeiro e, de maneira especial,
Álvaro de Campos. No segundo capítulo, apresenta-se um estudo sobre Água Viva abordando
sua relação com outras obras da autora, seu rompimento com o romance tradicional e a busca
da personagem-narradora pelo auto-encontro, além de tratar das relações entre o texto e a
pintura, e sua consequente aproximação com a poesia. Por fim, no último capítulo, busca-se
aproximar o texto lispectoriano aos poemas sensacionistas a fim de revelar características em
comum.
2. SENSACIONISMO
4
Fernando Pessoa guardou todos os textos, poemas e mesmo pequenas notas, nas quais dava conta da
organização de um poema ou mesmo de um projeto de livro, dentro de um baú, que muitos críticos designaram
como arca. Pessoa fez cópia até mesmo das cartas escritas e enviadas ao amigo Adolfo Casais Monteiro para
guardá-las. Após sua morte, a arca foi encontrada por sua família e foram descobertas mais de 27.000 anotações,
entre ensaios, cartas, poemas e pequenas notas. Durante muitos anos diversos estudiosos de sua obra se
dedicaram aos textos, como Jacinto do Prado Coelho, Maria Alice Galhoz, Cleonice Berardinelli e Georg Rudolf
Lind, entre outros, possibilitando a publicação de inúmeros textos até então inéditos, como as obras poéticas
ortônimas em português Cancioneiro e Fausto, a obra poética ortônima em inglês The Mad Fiddler, as obras
poéticas heterônimas em português Poesias de Alberto Caeiro, Poesias de Álvaro de Campos e Odes de Ricardo
Reis; as obras em prosa ortônimas em português O Banqueiro Anarquista, Cartas de amor e O Caminho da
Serpente; as obras em prosa ortônimas em inglês Erostratus e Essay on Initiation; além da obra em prosa
heterônima em português O livro do Desassossego (atribuído ao semi-heterônimo Bernardo Soares). Ainda hoje
há um grupo de críticos da obra de Pessoa dedicado a estudar os textos da arca.
13
5
Poema sensacionista atribuído ao heterônimo Álvaro de Campos.
6
As notas sobre o Sensacionismo fazem parte das obras póstumas O Banqueiro Anarquista, organização de
Fernando Luso Soares, e Páginas Íntimas e de Auto-interpretação, organização de Georg Rudolf Lind e Jacinto
do Prado Coelho.
7
Pessoa ingressa na Literatura como ensaísta ao publicar três artigos em homenagem ao Saudosismo:
Apontamentos para uma estética não-aristotélica, A nova poesia portuguesa socialmente considerada e A nova
poesia portuguesa no seu aspecto psicológico.
8
Revista difusora da Nova Renascença Portuguesa, organizada por Teixeira de Pascoaes.
9
Fernando Pessoa parte da ideia de que todo grande movimento produz um grande poeta. Explora as épocas
áureas da humanidade para exemplificar: a sociedade grega produziu um Homero, a Renascença produziu um
Shakespeare. Portanto, partindo do pressuposto de que a Renascença Portuguesa inaugura uma nova época áurea,
profetiza a aparição, em Portugal, de um poeta que superaria até mesmo Camões.
14
que todas as grandes épocas literárias exprimem a “alma do povo”, traduzindo-a de maneira
universalmente inteligível. Nesse sentido, é notório o fato de Pessoa encarar a escola
sensacionista como um empreendimento supranacional, isto é, de escala européia, sem se ater
a regionalismos; no entanto, a audiência limitada das publicações portuguesas foi incapaz de
tornar conhecido o Sensacionismo nos meios literários europeus.
Pessoa, afirma Lind (1970), reconheceu que a nova poesia portuguesa não podia ser
realizada por Teixeira de Pascoaes, líder do movimento saudosista, pois era preciso um grupo
de escritores mais jovens. Esse grupo se formou algum tempo depois e criou seu próprio
porta-voz: a revista Orpheu. O tempo forte da carreira de Pessoa foi o grupo Orpheu, como
explica Bréchon (1998, p. 263), “o único momento em que ele escreve e age como um homem
das letras profissional”. Da mesma forma, foi para Orpheu o principal mentor, o guia, o
inspirador e, até mesmo, o censor, quando necessário. É indiscutível que Pessoa é mais
importante do que todo o movimento do Orpheu; no entanto, graças a esse movimento ele se
deu a conhecer pela primeira vez e exerceu a sua influência.
10
Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) foi um escritor e poeta português e amigo íntimo de Fernando Pessoa. Em
vida publicou além de poemas, teatro, novelas e contos. Também é considerado um dos principais nomes do
Modernismo em Portugual.
15
11
Guilherme de Santa-Rita (1889-1918), mais conhecido como Santa-Rita Pintor, foi um pintor e escritor
português e um dos principais nomes do Modernismo em Portugual. É considerado o introdutor do Futurismo
em seu país.
12
Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), foi um jornalista, escritor e poeta italiano. Foi o fundador do
movimento futurista, cujo famoso manifesto publicou no jornal parisiense Le Figaro, em 1909. No manifesto,
mostra sua oposição às fórmulas tradicionais e acadêmicas, expondo a necessidade de abandonar as velhas
fórmulas e criar uma arte livre e anárquica, capaz de expressar o dinamismo e a energia da moderna sociedade
industrial.
13
Poeta brasileiro, amigo de Montalvor. Talvez tenha sido o primeiro a ter a ideia de criar a revista que viria a se
chamar Orpheu. Foi designado co-diretor brasileiro da revista, sendo Montalvor o diretor português.
14
José Sobral de Almada Negreiros (1893-1970) foi um pintor, escritor e poeta português e figura de vanguarda
tanto na literatura como nas artes plásticas. Também ligado ao grupo modernista, foi um dos principais
colaboradores da Revista Orpheu.
15
Poeta brasileiro que contribuiu com poemas no número dois da revista Orpheu.
16
16
Álvaro de Campos enviou a um jornal uma carta ofensiva a Afonso Costa, o mais popular político de seu
tempo. Essa carta gerou reações inclusive dos próprios membros do Orpheu que eram partidários do político.
17
Entre os escândalos mais relevantes, está o do jornalista André Brum, do jornal A Capital, que esbravejou
contra o grupo, chamando-os de loucos de camisa-de-força. Para mais informações ver BRÉCHON, Robert.
Fernando Pessoa: Estranho Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record. 1998.
17
18
Seita filosófico-religiosa originada na Grécia do século VII a.C., cuja fundação, ritualística e doutrinária, era
atribuída a Orfeu, um poeta mitológico, e que tinha na ideia de transmigração, a reencarnação da alma humana
após à morte corporal, o núcleo místico de sua doutrina, e o fator por meio do qual influenciou escolas
filosóficas gregas como o pitagorismo, empedoclismo e platonismo. Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss da
Língua Portuguesa (2002).
18
113) diz que “a Ásia, a América, a África e a Oceania são a Europa, e existem todos na
Europa” e que esta é quem dá a direção a todo o mundo. É na Europa que, graças à
colonização, toda a terra está comprimida. Assim, a arte universal buscada pelos orphistas só
é possível na Europa. Isso contradiz, de certa maneira, a desnacionalização máxima pregada
pelo grupo, pois se fez necessário dar ênfase ao tipo europeu de civilização já grandemente
industrializado e desenvolvido.
Esse europeísmo dos orphistas é, à primeira vista, o reverso da literatura
absolutamente nacional da nova renascença portuguesa da revista A Águia. Ordoñes (1994)
explica que a renascença portuguesa, que ficou conhecida como movimento saudosista,
buscou uma ideia condutora que guiasse a renovação espiritual do país e baseou-se na
saudade, de onde provém o nome: saudosismo. Face ao nacionalismo dos saudosistas, se
opuseram os orphistas, cosmopolitas em busca de uma arte universal, trazendo as novas ideias
que já corriam a Europa. No entanto, Campos defende que não pode haver uma literatura
tipicamente portuguesa, pois os portugueses são universais. Diz:
A grande prova de tal universalidade foi o período dos Descobrimentos, “o grande ato
cosmopolita da História” (PESSOA, 1966, p. 151). Assim, a originalidade dos orphistas vinha
justamente de, sendo portugueses, serem universais, isto é, de incorporarem o temperamento
português, que é universal. Nesta linha de raciocínio, a exploração desta característica faz
com que os orphistas se aproximam dos saudosistas; entretanto, de acordo com Monteiro
(1958), não trouxeram a renovação de fora de Portugal, mas restabeleceram a poesia
portuguesa a sua tradição universalista.
Pessoa denominou como sensacionista tudo o que foi produzido pelo grupo Orpheu.
Para ele “uma arte cosmopolita no tempo e no espaço” (1966, p. 113) que acumulasse dentro
de si todas as partes do mundo era o próprio Sensacionismo, uma doutrina liberal, ampla e
acolhedora. É na revista Orpheu que Campos ingressa na literatura, publicando seus primeiros
poemas sensacionistas. Pessoa também procurou por discípulos para a nova escola e os
encontrou em Sá-Carneiro e Almada Negreiros, que, juntamente com ele, são os mais
notáveis poetas do Orpheu. O Sensacionismo, por singularizar o Modernismo Português, foi a
grande contribuição estética do grupo e teve como órgão de difusão a revista.
19
Pessoa não esclarece a origem do nome, mas o termo marca a sensação como
elemento fundamental. Sensacionismo, literalmente doutrina da sensação (sensacion- + -
ismo), é o hábito ou o costume de produzir sensações19. A sensação é o processo no qual uma
experiência provoca uma reação ou um efeito específico. A partir disso, poder-se-ia pensar a
teoria criada por Fernando Pessoa como uma manifestação radical do pensamento empirista;
entretanto, o Sensacionismo pessoano não se assenta sobre a experiência, mas sobre a
sensação, puramente tal, que, de acordo com o poeta, é a base por excelência do fenômeno
artístico. Prova disso é a atitude central da estética sensacionista de que a sensação é a única
realidade na vida e, como consequência, “a única realidade na arte é a consciência da
sensação” (PESSOA, S/D, 239).
O Sensacionismo provém de uma evolução das tentativas programáticas de Pessoa
para solucionar a evolução da criação poética da vanguarda portuguesa, Paulismo e
Interseccionismo. O Paulismo surgiu antes mesmo dos heterônimos, com o poema “Pauis” (de
onde vem o nome Paulismo) ou “Impressões do crepúsculo”, e é a primeira tentativa de
Pessoa de construir uma estética moderna. O seu elemento fundamental é o sonho, pois este
mantém uma separação entre pensamento e ação. Gonçalves (1995) esclarece que o objetivo
era ser uma estética onírica, um programa que considerasse a arte moderna uma transposição
da realidade para o sonho. Assim, a linguagem poética tinha como objetivo a constituição de
um “jogo” de significantes, entre o sentir e o pensar, entre a sinestesia e a escrita. Já para Lind
(1970), não era senão uma tentativa de aperfeiçoar o simbolismo português, por ter como
19
Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2002).
20
Para o heterônimo Álvaro de Campos, uma arte assim universal é fruto de um povo
universal. Segundo ele, “o fato significativo acerca dos portugueses é que eles são o povo
mais civilizado da Europa. Eles nascem civilizados porque nascem aceitadores de tudo”
21
(PESSOA, 1966, p. 152). Logo, o Sensacionismo só poderia ter tido início em Portugal, criado
e realizado por portugueses, capazes de aceitar todas as artes. Ser um sistema aberto,
entretanto, pode resultar num sistema pouco organizado, pois, como diz Lind (1970), ser um
sistema sem base nenhuma é um mau ponto de partida, já que a doutrina pode ser eclética
demais e com contornos mal definidos. De fato, é difícil para um crítico asseverar, por
exemplo, que determinado poema de Álvaro de Campos é sensacionista ou não, pois, como
explica Lind (1970), as definições e considerações de Pessoa não têm a clareza e a convicção
indispensáveis a uma doutrina estética praticável.
Álvaro de Campos, no prefácio à Antologia de Poetas Sensacionistas (nunca
publicada) encontrado na arca de Pessoa, atribui à origem do Sensacionismo a amizade entre
Pessoa e Sá-Carneiro, mas não destrinça qual a contribuição de cada para o movimento. Essa
relação é retomada por Bréchon, quando explica que “Pessoa ensinou Sá-Carneiro a pensar,
este ensinou Pessoa a sentir” (1998, p. 165). Pessoa sabia pensar, faltava-lhe saber sentir; por
isso, a influência de Sá-Carneiro é, então, o elemento mais importante a colaborar com a
origem do Sensacionismo. Para Bréchon,
é sem dúvida alguma a convivência com o amigo (...) que vai levar Pessoa a
integrar o imenso domínio das sensações em sua arte poética, razão porque
se chamará, na pessoa de Campos, “poeta sensacionista”, criará uma escola
literária chamada “Sensacionismo” e tomará por divisa: “sentir tudo de todas
as maneiras” (1998, p. 166)
20
Intitulada Modernas correntes na Literatura Portuguesa e publicada em PESSOA, 1966, p. 125-126.
22
21
Coração ao alto!
23
(figura 01)
O cubo de sensação é composto de linhas, que são as ideias; de planos, que são as
imagens interiores (da natureza dos sonhos); e de sólidos, que são as imagens de objetos. O
cubo pode ser olhado sob três perspectiva: 1) de apenas um lado; 2) de modo que se veja dois
lados; 3) com um vértice mantido diante dos olhos, de modo que se possa ver três lados.
25
Quanto mais faces do cubo da sensação sejam visíveis, maior ou mais completa será a
apreensão da realidade.
(Figura 02)
Ordoñes (1994) explica que para Pessoa, cada homem organiza de maneira própria,
devido ao seu temperamento, o mundo exterior, constituindo assim a realidade, ou melhor,
sua versão da realidade, ao processar por meio do intelecto os mais variados dados sensíveis
percebidos. Nesse raciocínio, a realidade existe apenas através das sensações, conforme o
postulado básico do Sensacionismo que diz “não existe nada, não existe a realidade, apenas
existem sensações.” (PESSOA, S/D, p. 247) Se não há realidade, qual seria a finalidade da
arte? A finalidade da arte é simplesmente ampliar a autoconsciência humana, como afirma
Pessoa (S/D, p. 248) quando escreve: “quanto mais decompusermos e analisarmos nossas
sensações em seus elementos psíquicos, tanto mais ampliaremos nossa autoconsciência”. A
sensação aparece como base por excelência do fenômeno artístico e, para que passe de mera
emoção sem sentido à emoção artística, precisa ser intelectualizada. Pessoa expõe nesses
termos os processos sucessivos para que se possa exprimir uma sensação:
Segundo tais princípios, o poeta deve transformar uma sensação sua em objeto – o
qual é a própria obra de arte – para, através dele, comunicar o valor do que se sente a um
interlocutor, visto que o que se sente não se pode comunicar, mas apenas o seu valor; por isso,
a necessidade de transformar as sensações em objetos que suscitem novas sensações em quem
tiver contato com os objetos criados. A arte, então, é a conversão da sensação em obra de arte,
em poema, para que este gere novas sensações nos leitores. No entanto, cada ideia, cada
sensação, deverá ser expressa de maneira diferente das outras. Lind (1970) entende que a
consciência das sensações deve ser explorada ao máximo e cada uma delas deve evocar um
halo de sensações a ela relacionadas, as quais são agrupadas ao redor de uma representação
central determinada. Como resultado, o texto sensacionista é concebido como uma colagem
de imagens, resultante das diversas sensações. Pessoa definiu regras, dentro das quais a
sensação precisa ser expressa:
A arte destina-se a criar todos orgânicos, assim, todo poema é como um ser vivo:
necessita de harmonia, precisa fazer sentido. Cada artista expressa sua versão da realidade na
obra de arte, por isso, a “arte é expressão da vida psíquica”; entretanto, a obra é destinada a
um público formado por individualidades, de maneira que a sensação deverá ser livre de tudo
aquilo que seja estritamente pessoal para aproveitar o que, sem deixar de ser individual, é
geral. Portanto, a obra de arte deve estimular a quem percebe (o leitor, no caso de um poema)
a consciência de sua própria sensação, isto é, de sua realidade. Este é o fim da arte.
Na famosa carta sobre a origem dos heterônimos escrita a Adolfo Casais Monteiro
(1935), Pessoa descreve Alberto Caeiro como de estatura média, frágil, de pouca instrução,
27
escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza
não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter
outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se
seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o
nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim
o meu mestre. (PESSOA, S/D, p. 150)
Teria ele nascido em 1889 e falecido em 1915, tendo vivido quase toda sua vida no
campo. Por isso, Alberto Caeiro é um poeta simples, que busca apenas olhar para as coisas
sem pensar, num estilo discursivo e sem descrições pictóricas. Nesse sentido, é o oposto a
busca do mistério de Fernando Pessoa.
Caeiro é o poeta do real objetivo, fundador de um movimento filosófico e estético
intitulado Neopaganismo, inspirado na Antiguidade Clássica. Perrone-Moisés (1989) explica
que o objetivo desse movimento era reativo e terapêutico, buscava recuperar o objetivismo
dos gregos e romanos em oposição ao subjetivismo deformador do real provindo do
cristianismo. Assim, destaca-se em Caeiro a sua relação direta com o mundo, dispensando
qualquer referência ao oculto, a algo superior (como Deus) e, ao mesmo tempo, a qualquer
pensamento, filosofia ou metafísica. Vejamos um trecho do poema “II” de O Guardador de
Rebanhos:
Os seus pensamentos não passam de sensações. Caeiro é um homem que vive pelos
olhos, vive de ver. Para Coelho (1980), o que lhe é característico é a acentuação do ato de ver,
do ato de sentir, sem se importar com o objeto da visão. Da mesma maneira, o conteúdo da
sensação lhe é indiferente, e é neste ponto que Caeiro se distancia da teoria sensacionista, que
prega a intelectualização das sensações. Caeiro não admite o passado e o futuro porque não
podem ser perceptíveis através dos sentidos, e recordar seria, portanto, atraiçoar a natureza.
Em regra, lê-se Caeiro argumentando, criticando, expondo sua metodologia, mas não
transmitindo sensações; ao invés disto, ele discorre sobre as sensações. Isto porque Caeiro é,
sobretudo, um pensador, um teórico, e sua poesia uma proposta de método, uma lição sensata
de como se deve e não se deve olhar o mundo.
Coelho (1980) afirma que o Caeiro pensador sobrepõe-se ao poeta, e isso procede do
seu próprio estilo. Pessoa forjou o heterônimo pagão partindo da inteligência para ilustrar uma
personagem típica. Por isso, mesmo que Caeiro queira nos convencer de que seu pensamento
é de um poeta ingênuo, instintivo, a sua poesia nos dá a impressão contrária, a de que é um
poeta da inteligência. Lendo-o não vê-se natureza, mas a exposição de sua doutrina; não
explora o conteúdo das sensações, mas o ato de sentir; não é, portanto, um típico
sensacionista, mas é ele quem dá base para a doutrina.
Na carta escrita a Adolfo Casais Monteiro sobre os heterônimos, Pessoa explica que o
heterônimo Álvaro de Campos surgiu como um discípulo de Caeiro, porém são confusas as
29
circunstâncias dessa “aparição”. Segundo Pessoa, o poema “Ode Triunfal” surgiu “num jato, e
à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda” (S/D, p. 150). Provavelmente, Pessoa
criou primeiro a ode, depois “o homem com o nome que tem” (S/D, p. 151). Interessa
ressaltar as características que desde cedo Pessoa atribuiu ao heterônimo sensacionista.
Campos teria nascido em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890, recebido uma “educação
vulgar de liceu” e estudado engenharia na Escócia, primeiro mecânica, depois naval. Seria
alto, magro, tendente a curvar-se, entre branco e moreno, cabelo liso e monóculo.
Álvaro de Campos é o único heterônimo que percorre uma linha evolutiva. Caeiro será
sempre o mesmo poeta pagão de O guardador de rebanhos, Ricardo Reis será sempre o poeta
clássico e Pessoa ele mesmo reconhece a ausência em si mesmo de qualquer evolução.
Curiosamente, Campos é o único heterônimo a acompanhar Pessoa até o fim da vida, tanto
que, nos últimos anos de vida, não há mais poemas em língua portuguesa de Fernando
Pessoa22, apenas de Campos.
Coelho (1980) reconhece três fases na obra de Campos: a do “Opiário”, em 1914; a do
Futurismo, de poemas como “Ode Triunfal” e “Saudação a Walt Whitman”, e a Pessoal, que
inicia com o poema “A Casa Branca Nau Preta” e vai até 1935. Na sua primeira fase, Campos
ainda não conhece aquele que virá a ser seu mestre, Alberto Caeiro, nem mesmo aquele de
quem recebe grande influência, o poeta americano Walt Whitman23. Essa fase é marcada,
principalmente, pelo poema “Opiário”, datado de março de 1914. No entanto, Pessoa também
atribui a Campos três sonetos datados de 191324, entre eles o “Soneto já antigo”,
posteriormente, publicado na revista Contemporânea em 1922. Tais poemas possuem as
características típicas da primeira fase.
No poema “Opiário”, composto de 172 versos, organizados em quadras com rimas
emparelhadas e interpoladas, Campos já demonstra o seu apreço por poemas longos e bem
construídos, embora este poema não seja tão bem estruturado como as grandes odes. O poema
segue os moldes clássicos, o verso não é livre, nem a linguagem esfuziante. Em carta a
Monteiro, Pessoa (S/D) explica que fez, a fim de preencher o número de páginas necessárias
para a publicação do primeiro número de Orpheu, o “Opiário”, um poema “antigo” de Álvaro
22
No fim da vida, Pessoa ele mesmo escreve apenas poemas em língua inglesa.
23
Walt Whitman (1819-1892) foi um poeta, ensaísta e jornalista estadunidense. É considerado o pai do “verso
livre”. Nos seus poemas, Whitman elevou a condição do homem moderno, celebrando a natureza humana e a
vida em geral em termos pouco convencionais. Profundamente identificado com os ideais democráticos da nação
americana, não deixou de celebrar o futuro da América.
24
Esses poemas teriam sido escritos por Pessoa e atribuídos a Álvaro de Campos somente após a criação desse
heterônimo em 1914.
30
de Campos, datado ficticiamente de março de 1914, buscando revelar como seria ele antes de
conhecer Caeiro, seu mestre.
Supostamente sob o efeito do ópio, Campos diz que sua mágoa de viver nada tem que
ver com isso, é antes do ópio que sua vida é doente. O cansaço de viver o sufoca. O
descontentamento consigo é não ter personalidade alguma, é não poder estar em parte alguma.
A vida doente é ter de pedir esmolas às portas da Alegria, é ver um inglês sorrir por dinheiro,
25
Grifo meu.
31
26
Grifo meu.
32
afirmação esta que remete diretamente para Caeiro. No poema “Mestre, meu mestre querido”,
demonstra sua admiração e afeição pelo mestre:
Para Lourenço (1973), os poemas de Campos revelam com transparência os laços reais
que unem a poética de Whitman a sua. No trecho citado, fica clara a adesão do heterônimo às
ideias de união, satisfação e realização humanas do poeta estadunidense. Ademais, a profunda
admiração de Campos por Whitman está presente do início ao fim do poema.
Neste trecho de Saudação a Walt Whitman, vê-se como Álvaro de Campos exalta a
mecânica (“Clímax a ferro e motores”), a velocidade (“Escadaria pela velocidade acima”), a
modernidade, demonstrando a influência recebida pelo movimento futurista. Além disso, a
oralidade e a prosificação dos poemas, herdadas de Whitman, demonstram o abandono das
antigas fórmulas, tão desejado pelos futuristas.
Campos é, então, o poeta das sensações, por influência de Caeiro, o poeta da
velocidade e da força do mundo moderno, por influência do Futurismo de Marinetti, e o poeta
da volúpia da imaginação e da energia explosiva, por influência de Walt Whitman. Assim, o
Campos da segunda fase é reconhecível pela emoção transbordante, pelas imagens grandiosas
e pelo estilo eloquente. Além disso, é nesse período que contribui para a revista Orpheu,
incorporando em seus poemas os objetivos a que se propunha o grupo Orpheu, em especial, o
de ser uma arte moderna e universal.
O Sensacionismo de Campos é, para D’onofrio e Árabe (1980, p. 61-62), uma
“estética inovadora que reflete no mimetismo poético os excessos dionisíacos imanentes da
influência do poeta norte-americano Walt Whitman e de Marinetti”. Seu discurso poético
resume-se na exteriorização excessiva das sensações. No poema “Passagem das horas”, o
próprio subtítulo, “Ode sensacionista”, já o define. Trata-se da ode em que Campos exprime a
essência do Sensacionismo lançando mão da sua divisa.
34
27
Grifo meu.
35
próprio Campos quando, em um dos versos da “Ode Marítima”, diz: “e há uma sinfonia de
sensações incompatíveis e análogas” (PESSOA, 2007a, p. 77). Isso justifica, segundo Lind
(1970), a sequência caótica de imagens nas odes mais longas de Campos.
Outro processo estilístico usado pelo poeta é enfileirar objetos heterogêneos, tendo
como resultado uma enumeração caótica28. Em poemas como “Ode Triunfal” e “Ode
Marítima”, esse recurso é explorado de maneira exaustiva. Em “Ode Triunfal”, é comum a
enumeração vir antecedida por interjeições extáticas, em especial por eia, que transmite ideia
de êxtase, de encantamento, de fascínio. Tomemos um exemplo:
28
Segundo Lind (1970), o processo de enfileirar objetos heterogêneos foi chamado por Spitzer de chaotische
Häufung (enumeração caótica).
36
O poeta usa a metáfora do “conteúdo confuso de uma gaveta despejada no chão” para
explicar o processo de enfileirar objetos heterogêneos. No verso “vosso seja o laço que me
une ao exterior pela estética”, Lind (1970, p. 189) afirma que “o próprio poeta dá a entender
que a enumeração caótica é um dos elementos do programa sensacionista”. Na continuação do
poema, o Eu poético identifica-se com todas as coisas citadas, deixando-se levar por sua força
a um delírio, no qual as coisas perdem os contornos e se fundem com o Eu poético.
A ânsia de “sentir tudo de todas as maneiras” faz o Eu poético sentir ao mesmo tempo
as sensações opostas de dor (“morrer triturado”) e prazer (“deliciosa entrega”). Lourenço
(1973) chama atenção para o fato de que o Eu poético frequentemente manifesta caráter
passivo (ser possuído) e raramente caráter ativo (possuidor). Isso acontece, segundo Batalha
(1996), porque o poeta coisifica-se na ânsia de abarcar totalmente a realidade. Prova disso é a
estrutura dialógica introduzida por verbos no modo imperativo na 3ª pessoa do plural,
sugerindo ferocidade, como em “atirem-me”, “metam-me”, “espanquem-me”. O sujeito lírico
29
Grifo meu.
37
almeja ser a própria coisa que recebe a ação dita, para, sofrendo os males desta ação,
experienciar novas sensações. O mesmo processo vê-se em “Ode Marítima”:
30
Grifo meu.
38
31
O mais importante manifesto futurista com relação à literatura, por tratar-se exatamente do aspecto expressivo.
Foi publicado na Itália, em 11 de maio de 1912.
41
A terceira fase de Campos, que inicia após o fim do Orpheu em 1916 e vai até 1935,
tem seu início marcado, segundo Lind (1970), pelo poema “Casa Branca Nau Preta”. A
principal característica do Campos dessa fase é estar liberto de influências nítidas, por isso, é
caracterizada como pessoal. A exaltação, os excessos dionisíacos e a aglomeração propositada
de sensações, além da longa extensão das grandes odes, cedem lugar à resignação e ao
desapontamento. Campos passa ser o poeta do abatimento, da atonia, da aridez interior, do
descontentamento consigo e com os outros. O que subsiste nele é apenas a tendência para o
conhecimento do Eu. É nesse período que o poeta escreve vários de seus poemas mais
conhecidos: “Tabacaria” (1928), “Aniversário” (1929), “Apontamento” (1929),
“Dactilografia” (1933) e “Poema em linha recta” (S/D). “Tabacaria”, que chegou a ser
intitulado “Marcha da derrota”, é o que melhor representa a última fase de Campos. Nele
percebemos a melancolia, a amargura e o pessimismo do poeta já nos primeiros versos do
poema:
O sujeito lírico percebe-se vencido, sem esperanças e apresenta-se dividido entre duas
realidades: a externa, que é a realidade concreta que ele vê pela janela, e a interna, o seu
íntimo. Essa estrutura é a mesma das odes sensacionistas, nas quais havia a realidade
concreta, marcada pelo exterior do sujeito (as fábricas em “Ode Triunfal”, um navio se
aproximando do cais do porto em “Ode Marítima”), e a realidade abstrata, marcada pelos
sonhos, memórias, devaneios no íntimo do sujeito lírico.
composição; atira desordenadamente ao papel pensamentos, imagens que lhe ocorrem. Talvez
por isso, é nessa fase que encontramos um Álvaro de Campos mais humano, mais sincero.
O que restou de Campos é a melancolia, os devaneios e a profunda ironia com que
descreve o mundo. Nessa fase, está muito mais próximo de Pessoa na dor de pensar e na
saudade da infância ou de qualquer coisa irreal. Compreende-se que seja o único heterônimo
que tenha participado e ainda participe até o fim da vida extraliterária de Pessoa.
Campos retorna a escrever sonetos e há muito já não consegue mais compor grandes
odes e lamenta ter perdido tudo o que lhe fazia consciente. Em um poema sem nome, o poeta
nos dá a chave para entender sua obra: “Vale a pena sentir para ao menos deixar de sentir”
(PESSOA, 2007a, p 318). Campos agora é dominado pelo pensar, não consegue mais sentir.
Apagou-se a influência de Sá-Carneiro (que ensinou Pessoa a sentir), de Walt Whitman (que
buscava sentir com vigor a natureza) e, principalmente, a de Alberto Caeiro.
A obra de Campos é como uma ode sensacionista, inicia com o poeta preso à
realidade, com o pensamento em primeiro plano; segue com o clímax, “sentir tudo de todas as
maneiras”, em que o poeta explora as sensações, exalta o sentir na busca de si mesmo,
mantendo as emoções em primeiro plano; e finda com a diminuição do ritmo, o retorno à
realidade, a desilusão consigo mesmo, o não poder mais sentir e o retorno do pensamento em
primeiro plano, o sono, o fim.
É interessante observar o que diz o heterônimo Ricardo Reis sobre a obra de Álvaro de
Campos. Como ponto de partida, no texto intitulado “(Nota Preliminar)”32, Reis assume que
um poema nada mais é do que uma ideia projetada em palavras por meio de uma emoção,
sendo esta apenas um instrumento para que se transponha a ideia em palavras. Portanto, a
base da poesia não é a emoção. Do mesmo modo, assume-se que a palavra contém,
obrigatoriamente, uma ideia e uma emoção. Sendo assim, não há entre prosa e poesia uma
diferença fundamental, pois ambas usam um instrumento que é intelectual e emotivo ao
mesmo tempo, diferenciando-se apenas pelo meio exterior a palavra escolhido pela poesia, a
saber, o ritmo, ou a rima, ou a estrofe, ou o uso de dois ou mais concomitantemente. O
heterônimo afirma que a ideia, servindo-se da emoção para se exprimir em palavras, contorna
e define essa emoção, e que a projeção desse contorno é o ritmo, ou a rima, ou a estrofe. Com
isso, se a ideia não contorna e define a emoção, esta se extravasa e perde a capacidade de
expressão. A partir disso, Reis entende que ocorre nos poemas de Campos um extravasar de
32
Tirado de PESSOA, Fernando. Nota Preliminar. In: Ficções do interlúdio/4: poesias de Álvaro de Campos.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 11-14.
43
emoção, causado pela inversão na relação entre a ideia e a emoção, ou seja, a ideia passa ser o
meio usado para transpor a emoção em palavras na poesia de Campos. Este fato faz com que a
emoção domine a inteligência na poesia do poeta sensacionista e disto provém a crítica de
Reis, para quem a superioridade da poesia em relação à prosa é justamente exprimir um grau
maior do domínio da emoção pela inteligência.
Reis afirma que numa prosa mais emotiva – “aquela cujos sentimentos poderiam com
igual facilidade ser expostos em poesia” (PESSOA, 1983, p. 12) – deve-se dar mais atenção à
disposição do assunto e ao ritmo, diferenciando-se da prosa científica, que exprime
predominantemente ideias e, portanto, necessita de menos obediência a regras de cunho
estético. Assim, para Reis, o que Campos faz quando escreve um verso é, na verdade,
escrever prosa ritmada com pausas maiores marcadas pelo fim dos versos. E afirma:
Por fim, o heterônimo esclarece que uma emoção harmônica é uma emoção ordenada,
e que esta, por sua vez, é uma emoção traduzida num ritmo ordenado, tendo em vista que o
ritmo e a ordem são dados pela emoção. Portanto, conhecedor da emoção incontida nos textos
de Campos, Reis entende que não há neles ordem ou ritmo ordenado, pois lhes falta uma
emoção harmônica. E sobre a prosa ritmada de Campos, sugere que ele crie um novo sinal de
pontuação para substituir a quebra de linha na determinação na ordem da pausa, desfazendo a
confusão que estabeleceu ao dispor seu texto em verso.
3. ÁGUA VIVA
Grandes mudanças são observadas nos romances com o passar do tempo no que se
refere à representação. Por exemplo, se ao ler um romance de Balzac33 o leitor pode conhecer
mais acerca das personagens do que elas mesmas, em grande parte dos romances atuais isto
não é possível. Os modos de representar a realidade evoluem, pois, segundo Lukács (S/D, p.
57), “todo novo estilo surge como uma necessidade histórico-social da vida e é um produto
necessário da evolução social”. O romance realista tradicional, que era a expressão lógica da
cultura que se firma no século XVIII, tem pouca força na cultura do final do século XX.
A prosa realista, segundo Ian Watt (S/D), surge graças à originalidade dos novos
escritores (Defoe34, principalmente) que contrapõem a tradição clássica centrada nos valores
da aristocracia. Para o crítico, o realismo é marcado historicamente pela ascensão da
burguesia e, por isso, traz consigo uma filosofia burguesa, acentuando o indivíduo e os
valores burgueses. Já para Auerbach (1976), o romance realista assumiu a herança da tragédia
clássica, tornando-se uma forma séria, o que lhe deu o direito de tratar qualquer objeto de
maneira séria, utilizando-se até mesmo de argumentos político-sociais e científicos, como
afirma no trecho “o povão, em todas suas partes, devia ser incluído no realismo sério como
tema” (p. 447). Para tanto, os caracteres, as atitudes e as relações das personagens atuantes
deveriam estar estreitamente ligados às circunstâncias da história da época. Encaixando a
existência do personagem de baixa extração social, Julian Sorel, na história da época,
Stendhal35 (1979) inaugurou um fenômeno novo e muito importante. Assim, o realismo é,
para Auerbach, o prosaico e cotidiano elevado a trágico, tratando do conflito entre indivíduo e
a ordem social.
33
Honoré de Balzac (1799-1850) foi um escritor francês, considerado o fundador do Realismo na literatura
moderna. Sua obra máxima, A Comédia Humana, consiste em 95 romances, novelas e contos que retratam com
detalhes os costumes de sua época, em particular os da burguesia francesa.
34
Daniel Defoe (1660-1731) foi um escritor e jornalista inglês, famoso por seu romance Robinson Crusoe.
Muitos críticos consideram que este texto narrativo deu início a forma moderna do romance.
35
Henri-Marie Beyle (1783-1842), mais conhecido como Stendhal, foi um escritor francês conhecido pela fineza
na análise dos sentimentos de seus personagens e por seu estilo direto e objetivo de narração. Em sua obra,
Stendhal representou as ambições de sua época e as contradições da emergente sociedade de classes. É autor de
O Vermelho e o Negro, publicado pela primeira vez em 1830, cujo protagonista, Julien Sorel, representa um
novo tipo de herói, tipicamente moderno, caracterizado por seu isolamento da sociedade e seu confronto com
suas convenções e ideais.
50
36
LUKÁCS, Georg. Narrar ou Descrever. In: Ensaio sobre literatura. 2. ed. Civilização Brasileira, S/D, p. 47-
99.
37
Liev Tolstói (1828-1910) foi um escritor, pacifista e pensador moral russo, notável por suas idéias de
resistência a não violênci. Suas obras mais famosas são Guerra e Paz e Anna Karenina.
38
Émile Zola (1840-1902) foi um consagrado escritor francês, considerado criador e representante mais
expressivo da escola literária naturalista. Sua obra principal, Thérèse Raquin (Teresa Racan), apresenta inúmeras
inovações que permitem classificá-la como primeira obra naturalista. Nela, Zola combina algumas das teorias
mais polêmicas de sua época, tais como darwinismo, evolucionismo e determinismo científico, compondo o
primeiro romance de tese já escrito.
39
Gustave Flaubert (1821-1880) foi um escritor francês, que marcou a literatura francesa pela profundidade de
suas análises psicológicas e seu senso de realidade. Flaubert levou à perfeição o ideal do romance realista de
harmonizar a arte e a realidade. Sua obra se caracteriza pelo cuidado na sintaxe, na escolha do vocabulário e na
estrutura do enredo. Inaugura um romance em que como dizer é mais importante do que o que dizer. Sua obra
principal é Madame Bovary.
40
Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (1871-1922) foi um escritor francês, mais conhecido pela sua
obra Em Busca do Tempo Perdido. Proust inaugura a técnica do fluxo de consciência, que mais tarde foi usada
por diversos escritores, entre eles James Joyce e William Faulkner, entre outros.
41
James Augustine Aloysius Joyce (1882-1941) foi um romancista, contista e poeta irlandês. É considerado um
dos autores de maior relevância do século XX. Em seu romance, Joyce utiliza-se do fluxo de consciência, da
paródia e de outras técnicas literárias para apresentar seus personagens. Suas obras mais conhecidas são Ulisses e
Finnegans Wake.
42
André Paul Guillaume Gide (1869-1951) foi um escritor francês, fundador da revista Nouvelle Revue
Française e da editora Gallimard. Considerado um dos intelectuais franceses de maior destaque.
43
William Cuthbert Faulkner (1897-1962) foi um escritor estadunidense. Narrou a decadência do sul dos
Estados Unidos da América, interiorizando-a em seus personagens utilizando a técnica do fluxo de consciência.
Sua obra é tida como hermética e desafiadora por impor bruscas mudanças de tempo narrativo e descrever
múltiplos pontos de vista.
51
No romance moderno, busca-se representar uma realidade mais profunda e mais real
do que a representada pelo romance realista e do senso comum. Para validar essa nova visão
do que é real, a relatividade é assimilada na própria estrutura da obra. Assim, espaço e tempo,
formas relativas na nossa consciência, passam a ser tratadas como relativas e subjetivas
também no romance moderno, pois antes eram tratadas como absolutas pelo romance realista.
O romance moderno deixa de refletir a realidade tal qual e segue os caminhos da
recriação e reinvenção, buscando apresentar ao leitor não uma imitação fiel do mundo, mas
uma reflexão sobre a existência e sobre a própria criação literária. Do leitor será exigido que
desenvolva uma consciência crítica, ao contrário do leitor do romance tradicional, acostumado
a esperar que o autor resolva as questões e conflitos que surgem na narrativa, por reconhecer
um autor onisciente e um relato objetivo ainda vinculado ao tom oral. Assis Brasil (1969),
afirma que a mudança de perspectiva proposta pelo romance moderno obriga o leitor a não
mais artificializar o que lê, e, sim, se incorporar ao clima de criação não pela imaginação, mas
pelos sentidos.
O caso mais saliente dessa nova forma de representar a realidade é o romance
psicológico, ou romance de introspecção. Para Rosenfield (1973), a radicalização do romance
psicológico e realista do século passado tem como consequência a inversão da forma do
romance tradicional. Enfocando a vida psíquica, focaliza-se apenas uma parcela da realidade,
eliminando a distância entre narrador e o que é narrado. Com essa aproximação,
52
perde-se a noção da personalidade total e do seu ‘caráter’ que já não pode ser
elaborado de modo plástico, ao longo de um enredo em sequência causal,
através de um tempo de cronologia coerente. Há, portanto, plena
interdependência entre a dissolução da cronologia, da motivação causal, do
enredo e da personalidade. (ROSENFELD, 1973, p. 85)
44
Lei de causa e efeito.
53
3.3 Auto-encontro
Para me criar, destruí-me
Fernando Pessoa (Livro do Desassossego)
Água Viva é um livro de instantes em que cada página pode ser isolada como um
quadro, fato que se deve à organização da estrutura da obra. Trevisan (1987) entende que a
estrutura de Água Viva resulta em uma sequência cujas partes componentes são organizadas
em torno de um tema, o Instante de vida. Essas partes componentes, ou imagens, se
apresentam de formas diversas (como um “tema atemático”, que dá a impressão de que o
texto é fragmentado e/ou desestruturado), mas engajam-se num todo sucessivo, de tal forma
55
que uma imagem leva a outra e cada uma participa da outra. Este tema é como uma linha que
atravessa todo o livro e mantém presa a si as mais diferentes imagens. Os conceitos de início e
fim se confundem, pois cada uma das imagens contém, de certa maneira, a obra inteira e a
revela de uma determinada perspectiva, “como as figuras sucessivas num caleidoscópio”
(LISPECTOR, 1980, p 14). Dessa forma, tem-se um todo coeso e semanticamente
indissolúvel, como prevê a personagem-narradora:
Este texto que te dou não é para ser visto de perto: ganha sua secreta
redondez antes invisível quando é visto de um avião em alto vôo, Então
adivinha-se o jogo das ilhas e vêem-se canais e mares. (LISPECTOR,
1980, p. 27)
Neste trecho, percebe-se o percurso percorrido até a morte ao mesmo tempo em que a
personagem-narradora tenta explicar que esse processo não é verdadeiro, mas fictício, “é uma
morte sensual”, pois se dá dentro do ser e, por ser uma morte fictícia, só pode ocorrer por
meio da palavra. Da mesma forma, o nascimento é fictício e só é possível por meio da
palavra. A escrita é o limiar de entrada para o “útero do mundo” por meio do qual a
personagem-narradora nascerá.
pessoal tem como símbolo recorrente o parto, entendido por Trevisan (1987, p. 97) como um
“anúncio de uma renovação mítica necessariamente posterior à anulação do real”. Portanto, o
parto surge como instrumento capaz de neutralizar a condição do homem no mundo,
geralmente medíocre e imprevisível, e, por isso, é um recurso de salvação, por meio do qual
se alcança, então, um nível de sublimação serena – o nível do “it”. No trecho abaixo, percebe-
se o percurso transcorrido até o nascer da personagem-narradora.
Minha vida vai ser longuíssima porque cada instante é. A impressão é que
estou por nascer e não consigo.
Sou um coração batendo no mundo.
Você que me lê que me ajude a nascer.
Espere: está ficando escuro. Mais.
Mais escuro.
O instante é de um escuro total.
Continua.
Espere: começo a vislumbrar uma coisa. Uma forma luminescente. Barriga
leitosa com umbigo? Espere – pois sairei desta escuridão onde tenho medo,
escuridão e êxtase. Sou o coração da treva.
[...]
Agora as trevas vão se dissipando.
Nasci.
Pausa.
Maravilhoso escândalo: nasço.
(LISPECTOR, 1980, p. 37)
É preciso ressaltar que tanto o sonho quanto a morte e o nascimento são possíveis
apenas no mundo das palavras, na linguagem; portanto, toda a busca é realizada através do
processo de escrita. Escrever é uma tentativa de se entender, de encontrar a si mesma, e isso é
compreendido pela personagem-narradora. Se a linguagem é que possibilita a procura, é ela
também que possibilita a reconstrução do Eu. Quando ela diz “Estou me fazendo.” (Ibid., p.
41), o verbo fazer, no gerúndio, indica que isso é um processo que está ocorrendo enquanto
ela escreve. O ato de escrever é, para a personagem-narradora, o próprio processo de
reorganização de si mesma.
A intensa procura de uma essência, de sua identidade, seja por meio da morte e do
(re)nascimento sensual, seja por meio do sonho, uma realidade inventada, seja procurando
viver tudo isso ao mesmo tempo e de todas as maneiras, acaba por gerar o efeito contrário do
desejado, pois só faz aumentar o vazio de si mesma, tornando-se, como afirma Helena (1994),
cada vez mais um desfazer da completude do Eu. Entretanto, a compreensão de si parece ser
alcançada ao final do texto:
E eis que depois de uma tarde de “quem sou eu” e de acordar à uma hora da
madrugada ainda em desespero – eis que às três horas da madrugada acordei
e me encontrei. Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem
fulminação. Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar.
(LISPECTOR, 1980, p. 97)
A epígrafe de Michel Seuphor45, que abre o livro Água Viva, traduz a intenção de
Lispector, que não quer realizar uma arte figurativa, mas um texto literário livre da
dependência da narrativa, da trama – assim como Seuphor almeja uma pintura livre da
45
Michel Seuphor (1901-1999) foi um crítico de arte abstrata, pintor e escritor francês.
59
dependência da figura –, uma arte não mimética, a qual não ilustre coisa alguma. Cito a
epígrafe:
A escolha de uma epígrafe que trate da pintura e não da literatura indica o caminho
pelo qual Lispector escolheu andar. Clarice Lispector conhecia a arte da pintura, pois, além de
escrever, também pintava quadros e isso certamente a influenciou a aproximar estas duas
formas de arte. A personagem-narradora de Água Viva se apresenta como uma pintora e
anuncia sua vontade de escrever como um pintor, de escrever como se pinta. A enunciação
alternante torna-se, então, ambígua, pois ora se escreve, ora se pinta. Não é dito de modo claro
que se escreve ou como se escreve, mas que se escreve e que se pinta, ou que se escreve como
se pinta. No entanto, essa ambiguidade não representa falta de clareza ou de definição no
texto, mas sim plurivalência e versatilidade, que ampliam os significados do texto. A palavra,
neste processo, deixa de ser palavra para ser imagem e o gesto de escrever é o que se pretende
destacar cada vez mais.
Não pinto idéias, pinto o mais inatingível “para sempre”. Ou “para nunca”, é
o mesmo. Antes de mais nada te escrevo dura escritura. Quero como poder
pegar com a mão a palavra. A palavra é objeto? E aos instantes eu lhes tiro o
sumo da fruta. (Ibid., p. 12)
esvazia de sentido até que surja uma imagem, que, juntamente com outras imagens, formam
um composto de significações por meio da união das linguagens. Esse discurso seria um
diálogo com outros discursos, do qual é possível revelar imagens que são transformadas em
sensações. Água Viva é, então, um texto poético, que se concretiza por meio de imagens. A
imagem a que me refiro aqui é definida e descrita por Paz (1982, p. 119) como “toda forma
verbal, frase ou conjunto de frases, que o poeta diz e que, unidas, compõem o poema”.
Portanto, metáforas, jogos de palavras, símbolos, alegorias, mitos, fábulas, comparações, são
as imagens do poema. Paz afirma ainda que cada imagem possui muitos significados por
vezes contrários ou desiguais, mas os abrange e os harmoniza. Apesar de as imagens terem
uma pluralidade de significados, o sentido delas não é um querer dizer alguma coisa, pois o
sentido é a própria imagem, isto é, não se pode dizer com outras palavras. “A imagem
explica-se a si mesma.” (PAZ, 1982, p. 133)
Água Viva é uma prosa-poética em que o ritmo tem incorporado a si a construção do
lirismo, o que, analogicamente, pode ser associado à pintura e à música. Para tanto, o ritmo,
que é formado por metáforas imagéticas, é poético, uma vez que a narrativa é fragmentária e
tenta proporcionar ao leitor sensações e visões. Desse modo, a percepção é provocada pelas
imagens, que se realizam através de metáforas poéticas, caracterizadas pela
multisensorialidade.
Na busca de indícios de que o texto Água Viva é escrito procurando usufruir de
características multisensoriais, Jardim (2008) apresenta uma estratégia usada por Lispector
para aproximar o texto de uma pintura: o uso do sentido da visão. Jardim chama atenção para
o fato da personagem-narradora nos convidar a olhar o que pintou “O que pintei nessa tela é
passível de ser fraseado em palavras?” (LISPECTOR, 1980, p. 11). O sentido da visão é
explorado ao máximo nesta obra, a fim de proporcionar ao leitor um maior número de
sensações. A pergunta, ao mesmo tempo em que alude ao uso do sentido da visão para
interpretar o quadro traz à tona uma outra questão, se é possível traduzir de uma arte para a
outra. Lispector não nos dá resposta, antes nos instiga ainda mais ao tratar das fronteiras entre
a pintura e a literatura.
Na pintura, o pintor tem a liberdade de fabricar diversas cores e o uso destas cores não
segue regras ou normas, depende apenas da vontade ou arbítrio daquele que pinta. Na
61
literatura, embora haja uma imensa quantidade de palavras, seu número é finito, e o escritor
não dispõe de liberdade para fabricar todas as palavras com que construirá um texto, ou
mesmo para dispô-las seguindo apenas sua vontade. A cor está para a pintura assim como a
palavra está para a literatura, entretanto, Lispector distingue a cor, signo natural, da palavra,
signo arbitrário e artificial, reconhecendo que características atribuídas à pintura são
diferentes das características atribuídas à literatura. Em outro momento, Lispector alude à
relação tempo/espaço na pintura e na literatura quando a personagem-narradora diz “Quero
pôr em palavras mas sem descrição46 a existência da gruta que faz algum tempo pintei.”
(LISPECTOR, 1980, p. 15) A pintura, segundo Lessing (1998), só poderia representar através
do espaço, devendo renunciar ao tempo; a literatura, por sua vez, só poderia representar
através do tempo, renunciando ao espaço. A gruta pintada pela personagem-narradora é,
então, representada no espaço e é apreendida inteira rapidamente pelo olho. Na literatura, a
gruta teria que ser representada no tempo, isto é, através da ação, como Homero (1962), em
Ilíada, retrata o escudo de Aquiles, não o descrevendo, mas narrando o seu processo de
produção. A personagem-narradora não quer descrever a gruta porque a descrição é
monótona, assim, terá que narrar não o objeto, a gruta, mas a ação. Diante disso, surge
novamente a pergunta “O que pintei nessa tela é passível de ser fraseado em palavras?”.
Lispector parece ter buscado respostas a essa pergunta pintando e escrevendo, de tal
maneira que em seus quadros dominam as características marcantes já encontradas em seus
textos, em especial a de uma arte não mimética, com imagens não figurativas. Em seu quadro
Luta sangrenta pela paz47, pintado em 1975, Lispector busca representar não um objeto, uma
figura, ou mesmo a realidade, mas um sentimento, um estado de espírito, uma procura pela
paz.
46
Grifo meu.
47
Retirado de VARIN, Claire. Água Viva: revestimento de ouro. In: Língua de fogo: ensaio sobre Clarice
Lispector. São Paulo: Limiar, 2002, p. 159.
62
(Figura 03)
Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou pessoa extremamente
ocupada: tomo conta do mundo. [...] Antes de dormir tomo conta do mundo
e vejo se o céu da noite está estrelado e azul-marinho porque em certas
noites em vez de negro o céu parece azul-marinho intenso, cor que já pintei
em vitral. Gosto de intensidades. Tomo conta do menino que tem nove anos
de idade e que está vestido de trapos e magérrimo. (LISPECTOR, 1980, p.
61-62)
O ato de tomar conta do mundo certamente tem um fim que não é explicito, mas pode
ser entendido como uma tentativa de manter a ordem natural das coisas, indiretamente uma
tentativa de manter a paz. Como prejuízo, a personagem-narradora perde seu vigor, sua
energia. Essa leitura permite uma analogia entre o trecho citado e o quadro acima, pois ambos
exprimem o mesmo sentimento, a mesma procura pela paz. Além disso, a tinta vermelho-vivo
do quadro representa o sangue perdido na luta, assim como o cansaço de tomar conta do
mundo representa o vigor perdido nesta atividade, tendo ambas o mesmo propósito.
63
Da mesma maneira, é possível relacionar outro quadro pintado por Lispector com
Água viva; trata-se de Tentativa de ser alegre48, de 1975. Assim como Luta sangrenta pela
paz, a pintura reproduzida abaixo não representa um objeto, mas um sentimento. A oposição
entre cores vivas, no centro do quadro, e cores mortas, nas extremidades do quadro, sugere
um sentimento de alegria envolto em sentimentos antagônicos.
(Figura 04)
A complexa sensação de querer e tentar ser feliz também é expressa em palavras, mas,
ao invés de opor cores vivas e cores mortas, opõe tipos diferentes de dor, a dor que é sensação
desagradável e que surgiu em decorrência de algum dano físico ou sentimental e a dor
proveniente de um processo de libertação, como os sofrimentos provenientes do trabalho de
parto. Viver esta “dor boa” é a tentativa de ser alegre da personagem-narradora de Água Viva,
conforme a passagem:
Não vê que isto é como um filho nascendo? Dói. Dor é vida exacerbada. O
processo dói. Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento
amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro,
respiro. (LISPECTOR, 1980, p. 65)
48
Disponível no site http://www.revistatxt.teiadetextos.com.br/04/claricelispector.htm , acessado no dia
30/09/2010.
64
em expansão, como sugerem as cores vivas que rompem com a escuridão e direcionam-se às
margens lateral esquerda e inferior da superfície pintada em Tentativa de ser alegre, e
também a comparação com um filho nascendo em Água Viva. Assim, ambos, texto e pintura,
retratam a mesma cena, o processo de crescimento do sentimento de alegria.
Eis uma imagem de Água viva que poderia ser uma tela intitulada “mulher e cavalo”:
49
Individualismo não significa aqui alheamento, pois todo sentimento é tanto individual como genérico, porque
se orienta para valores universais.
65
A chave para qualquer relação entre Clarice Lispector e Fernando Pessoa parece ser a
busca de identidade, como é apresentado por Gotlib em dois artigos que tratam das possíveis
relações entre ambos, Pessoa em Clarice50 e Olhos nos olhos (Fernando Pessoa e Clarice
Lispector)51. Enquanto no primeiro Gotlib apresenta elementos passíveis de relação entre
ambos – as diversas citações de Pessoa a que recorre Lispector, as ideias em comum entre
Lispector e o heterônimo Alberto Caeiro –; no segundo, compara como Lispector, em seu
livro A paixão segundo G.H., e Pessoa, nos poemas que compõem Chuva Oblíqua, desenham,
cada um a seu modo, uma viagem em direção a uma identidade. Se em Chuva Oblíqua, a
sobreposição de planos, do sonho e do real, centra-se no confronto sentir/pensar e baseia-se na
situação do ato de escrita e na duração deste processo, em A paixão segundo G.H., Gotlib
(1989) entende que a construção narrativa também se baseia na circunstância do ato de escrita
e do processo de criação, em que o Eu é cindido em busca de uma identidade, real ou fictícia.
O confronto no texto lispectoriano, porém, concentra-se entre dois personagens, G.H. e o
outro, que é, entre outros, a barata.
O argumento de Gotlib é de que a busca obsessiva de identidade como proposta
possibilita certa coincidência na literatura de Pessoa e de Lispector, pois, em Pessoa, o
problema da busca de identidade o leva à criação heteronímia, tida como instrumento de
indagação; em Lispector, por sua vez, a busca de identidade é refletida no intenso ritmo de
procura de seus romances, tendo como instrumento de indagação a exploração da alteridade,
que se faz por uma tentativa de “aproximação” do outro.
50
GOTLIB, Nádia Battella. Pessoa em Clarice. In: Anais do II Encontro de Centros de Estudos Portugueses no
Brasil. Org. Izabel Margato e Ronaldo Menegaz. Rio de Janeiro, NAU, 1997, p. 104-108.
51
GOTLIB, Nádia Battella. Olhos nos olhos (Fernando Pessoa e Clarice Lispector). In: Remate de Males,
Campinas, n. 9, 1989, p. 139-145.
67
Álvaro de Campos é, sem dúvida, o heterônimo pessoano que melhor explora a busca
do Eu, tanto que o Campos posterior, o da terceira fase, está longe de quaisquer excessos
dionisíacos, subsistindo nele apenas a tendência para o conhecimento do Eu. Aliás, é a partir
dessa procura por si mesmo que surge o lema sensacionista, “sentir tudo de todas as
maneiras”. Segundo Ordoñes (1994), a relação entre sensacionismo e heteronímia é
indissolúvel, uma vez que o primeiro, como concepção da realidade, admite a realidade (o
mundo externo) como uma totalidade só parcialmente apreensível pelo percebedor devido às
limitações que a individualidade impõe. Essa ideia fundamenta a heteronímia, que pretende
livrar tais limitações por intermédio da despersonalização, exercício de extrema abstração,
cuja finalidade é pensar e sentir como outro o faria, para assim organizar de maneira
inteiramente própria outra e outras versões da realidade, outras “sensações”. Essa ideia é
expressa pelo próprio Campos no poema “Passagem das horas”: “Multipliquei-me para me
sentir / Para me sentir, precisei sentir tudo” (PESSOA, 2007a, p. 119).
Água Viva é, por sua vez, a obra de Lispector em que a busca do Eu, do conhecimento
do Eu, é mais explícita. Já presente desde o primeiro romance da autora, o ritmo de procura
aduz para um ser cindido, muito próximo do apontado por Paz (1972) como característico da
lírica, um ser em “perpétuo desgarramento, sempre separado de si, sempre em busca de si”
(122). Esse ser desgarrado, apresentado em Água Viva apenas como um Eu, sem nome (como
se desde o princípio lhe faltasse algo), buscará o conhecimento de si por meio de uma
“aproximação” ou mesmo de um “confronto” com o outro, apresentado apenas como um Tu,
explorando a alteridade (por oposição à identidade) constituindo a sua própria identidade por
meio de relações de contraste, distinção, diferença, do que é do outro. Portanto, em Água
Viva, como em todos os romances lispectorianos, o conhecimento de si só é possível por meio
do outro.
A busca de identidade como chave para relacionar Pessoa e Lispector aponta, então,
para a obra Água Viva e para os poemas sensacionistas de Álvaro de Campos, além dos textos
teóricos do próprio Pessoa sobre o Sensacionismo. A procura por si mesmo se faz presente
através de um ser fragmentado, que não conhece inteiramente a si mesmo e, por isso, almeja
conhecer-se. Enquanto a personagem-narradora de Água Viva admite “sou inopinadamente
fragmentária. Sou aos poucos” (LISPECTOR, 1980, p. 74), o Eu poético do poema
“Passagem das horas”, de Álvaro de Campos, expressa claramente seu desejo de conhecer-se,
admitindo querer iniciar a busca de seu auto-encontro:
68
Essa correspondência torna-se ainda mais harmônica quando se vê que tanto o sujeito
poético do poema de Campos quanto a personagem-narradora do romance lispectoriano
reconhecem-se diversos. No poema, lê-se “Sou mais variado que uma multidão de acaso / Sou
mais diverso que o universo espontâneo” (PESSOA, 2007ª, p. 147) e, no romance, lê-se
“divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária
que sou e precários os momentos.” (LISPECTOR, 1980, p. 10) E novamente as palavras do
Eu poético de Campos, “Todas as épocas me pertencem um momento” (PESSOA, 2007a,
147), encontram eco no texto de Lispector, como mostra a passagem “Sou um ser
concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro.” (LISPECTOR, 1980, p.
22)
No desejo de conhecerem-se, ambos procuram explorar as infinitas possibilidades de
ser. O Eu poético de Campos lança-se ao desejo descontrolado de sentir, característica
presente já no início do primeiro poema atribuído a Campos, “Ode Triunfal”, em que o Eu
poético quer ser como uma máquina, ferrenho, veloz, moderno, e rugir, ranger, ciciar como
um motor.
A busca de identidade também é expressa através do desejo de ser tudo para conhecer-
se (e, por que não, para se ser) em Água Viva. Lispector apresenta um Eu que procura
aproveitar as infinitas possibilidades de ser possuindo o instante em que se é, isto é, possuindo
sua existência no presente fugidio, no agora.
Esse Eu que empreita conhecer-se não se satisfaz em apenas viver o seu instante de
vida. Indo além dos limites da realidade, a personagem-narradora de Água Viva penetra no
70
mundo lírico e, conforme nos explica Trevisan (1987), atinge um espaço uno, no qual seu
interior e seu exterior não estão divididos. Tem-se um sujeito enunciador que se une ao meio
externo numa tentativa de viver com mais intensidade o seu instante de vida, sendo, a um
mesmo tempo, diversas coisas, como bicho das cavernas, palavra, eco, etc.
Tenho medo então de mim que sei pintar o horror, eu, bicho de cavernas
ecoantes que sou, e sufoco porque sou palavra e também o seu eco.
(LISPECTOR, 1980, p. 16)
Sou uma árvore que arde com duro prazer. (Ibid., p. 40)
Também a personagem-narradora de Água Viva sofre por viver, sua vida é feita à custa
de esforço, é árdua – “Tenho coragem? Por enquanto estou tendo: porque venho do sofrido
longe, venho do inferno de amor...” (LISPECTOR, 1980, p. 16) –, mas é por meio disso que
ela se sente existir. E continua:
A ânsia de ser tudo ao mesmo tempo, de viver tudo e sentir de todas as maneiras,
chega ao limite quando, em Campos, o sujeito poético se consubstancia com o outro, sendo
ele mesmo e o outro ao mesmo tempo – “Tu sabes que eu sou Tu e estás contente com isso!”
(PESSOA, 2007a, p. 102) – e quando, em Lispector, a personagem-narradora deseja ser o
outro a quem supostamente escreve em busca do seu auto-encontro – “minha fresca vontade
de viver-me e de viver-te” (LISPECTOR, 1980, p. 75). Assim, para que o Eu poético do
poema sensacionista e a personagem-narradora de Água Viva sejam eles mesmos, precisam
também ser outros.
Por fim, da mesma maneira que a insatisfação íntima consigo mesmo marca uma boa
parte da trajetória do Eu poético de Campos na busca de identidade, transparecendo em
inúmeros poemas sua frustração, como nos versos de “Tabacaria” – “Vivi, estudei, amei, e até
cri, / E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.” (PESSOA, 2007a, p. 164) –
e de um poema não intitulado – “Eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de
água.” (Ibid., p. 310) –, também é apresentada pela personagem-narradora de Água Viva a
mesma insatisfação consigo mesma – “Embora às vezes grite: não quero mais ser eu!”
(LISPECTOR, 1980, p. 21). Contudo, enquanto em Campos a frustração perdura até seus
últimos poemas, em Água Viva a personagem-narradora encontra uma saída, expressa em
“mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida. [...] a
caminhada é longa, é sofrida, mas é vivida.” (Ibid., p. 21)
4.2 Alteridade
52
Em itálico no original.
72
produzir sensações. Contudo, Pessoa argumenta que não se pode transmitir a outra pessoa o
que se sente, apenas o valor do que se sente, e diz:
Só o que se pensa se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode
comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer
sentir o que se sente. Não que o leitor sinta a pena comum. Basta que sinta
da mesma maneira53. (PESSOA, 1966, p. 217)
O poeta é um fingidor.
Finge to completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(PESSOA, 2007b, p. 131)
O poema “Isto”, que pode ser lido como uma continuação do anterior, completa:
Seu sentir é atravessado pela razão, ou seja, sente com a imaginação; por isso, a
sensação manifestada no poema não é real, é somente literária, portanto, fingida. A criação
poética deve ser objetiva e, para isso, o poeta não deve sentir com o coração, mas sim o leitor,
ao poeta cabe fingir.
53
Grifo meu.
73
O livro de Lispector, por sua vez, apresenta-se como um projeto complexo que, desde
o início, pretende envolver o interlocutor, que é interpelado para uma participação da mesma
proporção que a vivenciada pela personagem-narradora por meio de uma estratégia de
sedução, como pode ser observada no trecho “O que estou te escrevendo não é para se ler – é
para se ser.” (LISPECTOR, 1980, p. 38). A narrativa constrói-se com um Eu, uma voz
narrativa, que se dirige a um Tu, um interlocutor não especificado. O Eu declinado no
feminino escreve a um Tu declinado no masculino, expondo pensamentos, ânsias e sensações
íntimas em tom de confissão e, ao mesmo tempo, de sedução. Esse destinatário Tu ao qual a
personagem-narradora se refere pode ser entendido como uma antiga história de amor que fez
parte de seu passado – como demonstram os trechos “Aleluia, grito eu, aleluia que se funde
com o mais escuro uivo humano da dor da separação [...] porque ninguém me prende mais”
(LISPECTOR, 1980, p. 9) e “não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma
aleluia” (Ibid., p. 10) –; entretanto, Jardim (2008) afirma que o texto permite ser lido ao acaso
e, por isso, também sugere, e talvez com maior eficácia, que “nos incluamos nesse fluxo de
referências móveis e fugidias” (p. 435). Trevisan (1987) explica que a necessidade de
destinatário no texto de Clarice Lispector se deve à presença, neles, de um interlocutor
sugerido, com quem se estabelece um diálogo virtual, que existe apenas como possibilidade e
não como realidade, caracterizando, assim, um monólogo dialógico. Tem-se, então, a
pretensão de que o interlocutor (ou o leitor) se envolva com uma intensidade similar a da
vivenciada pela personagem-narradora:
requer um tipo de leitor que entre no jogo textual e preencha os espaços vazios; para tanto,
Lispector abre mãe do monólogo interior para expor os fluxos de consciência e assim ajustar a
consciência da personagem-narradora à consciência do leitor, de maneira que as vivências de
um sejam as do outro. A utilização desse recurso, segundo Povillon (S/D apud NUNES,
1995), é “o esforço mais adequado à eliminação da diferença entre o romance e a vida real no
que esta tem de temporal, visto que, para ser lido deve ele ocupar a própria vida do leitor sem
acelerá-la nem retardá-la” (p. 65).
Percebe-se que a ideia da personagem-narradora de fazer com que o leitor sinta o
mesmo que ela (ou pelo menos do mesmo modo) é a mesma defendida por Pessoa nos textos
teóricos sobre sua estética. É certo que os poemas sensacionistas de Álvaro de Campos,
prática da teoria de Pessoa, não trazem nenhuma referência direta ao seu interlocutor, mas é
inegável sua tendência de comunicar sua “consciência das sensações” conforme teoriza o
criador dos heterônimos. Já em Água Viva, a necessidade de fazer o outro sentir o mesmo que
se sente é tão grande que a personagem-narradora revela, até mesmo, dúvida e preocupação
com a compreensão por parte do interlocutor (ou melhor, do leitor) do que sente, como pode
ser observado na passagem “será que estou te dando uma ideia do que uma pessoa passa em
vida?” (LISPECTOR, 1980, p. 19).
O Eu poético divide-se entre dois planos principais: de um lado o real, a dívida que
tem na “Tabacaria”, e de outro o sonho, a sensação de que tudo é sonho. O plano do real é
“real por fora”, representando assim o mundo externo ao sujeito poético; já o plano do sonho
75
é “real por dentro”, sendo o íntimo desse sujeito. Contudo, se nos poemas que compõem
Chuva Oblíqua a intersecção de planos é clara para o Eu poético, nos poemas de Campos o
Eu poético por vezes se confunde, a verdade faz-se lhe obscura e acaba por não saber a que
plano pertence, se ao real ou ao sonho, se ao presente ou ao passado. Nos versos de
“Saudação a Walt Whitman”, – “Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo /
Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos.” (PESSOA, 2007a, p.102) –, o Eu
poético de Campos acaba por não saber se seu lugar real é no mundo ou nos versos que lê.
É nas grandes odes sensacionistas que Campos melhor explora a intersecção de
planos. Em “Ode Triunfal”, interseccionam-se os seguintes planos: 1) o momento real em que
se encontra o Eu poético ao escrever, compreendendo o presente, por assim dizer, “à dolorosa
luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica / Tenho febre e escrevo” (Ibid., p 44); 2) a
imaginação movida por sensações diversas, como apresentada nos versos “deixai-me partir a
cabeça de encontro às vossas esquinas, / E ser levado da rua cheio de sangue / Sem ninguém
saber quem eu sou!” (Ibid., p. 49); 3) o passado recordado, como em “Na nora57 do quintal da
minha casa / O burro anda à roda, anda à roda” (Ibid., p. 51). O cruzamento desses planos
permite o acúmulo das mais diversas sensações, permitindo ao poeta sensacionista “sentir
tudo de todas as maneiras”.
Em “Ode Marítima”, talvez dada à grande extensão do poema, o número de planos que
se cruzam é ainda maior, tornando-o mais sinestésico e complexo. O plano da realidade (o
real vivido pelo Eu poético no momento do poema) abre o poema e aos poucos é permeado
pelo plano interior do Eu poético, sua imaginação, suas sensações, enfim, pelo sonho, como
pode ser observado em “A manhã de Verão está, ainda assim, um pouco fresca (...) / Acelera-
se ligeiramente o volante dentro de mim. / E o paquete vem entrando, porque deve vir
entrando sem dúvida” (Ibid., p. 65). No trecho que segue, o plano do íntimo do sujeito poético
se cruza com o plano marítimo, isto é, o que envolve a vida no mar, as coisas navais.
57
Engenho para tirar água de poços ou cisternas, composto de uma roda que faz girar a corda a que estão presos
os vasos que servem para tirar água.
76
no convés a céu aberto representando o passado heróico. Ao mesmo tempo, o navio a vapor é
o presente real do sujeito lírico, que o vê chegar ao porto no qual se encontra, e o veleiro e
seus marinheiros de antigamente são também recordação de histórias conhecidas pelo sujeito
poético, portanto, fazendo parte também do plano do sonho.
Mas ninguém pode me dar a mão para eu sair: tenho que usar a grande força
– e no pesadelo em arranco súbito caio de bruços no lado de cá. Deixo-me
ficar jogada no chão agreste, exausta, o coração ainda pula doido, respiro às
golfadas. Estou a salvo? Enxugo a testa molhada. Ergo-me devagar, tento
das os primeiros passos de uma convalescença fraca. Estou conseguindo me
equilibrar.
77
Não, isto tudo não acontece em fatos reais mas sim no domínio de – de uma
arte? sim, de um artifício por meio do qual surge uma realidade
delicadíssima que passa a existir em mim. (LISPECTOR, 1980, p. 20-21)
É o ato da escrita (arte) que permite que uma outra realidade, realidade sonhada, possa
existir. A personagem-narradora vive alternando entre a realidade e o sonho, de maneira que
ambos se interseccionam. A necessidade de transfiguração da realidade real para uma
realidade sonhadora é assim escrita pela personagem-narradora de Água Viva:
Nesse trecho, percebe-se o cruzamento dos dois planos: a realidade – “há muito já
parou o martelar real” – e o sonho – “o outro lado de mim me chama”. O limite entre ambos é
tênue, pois comporta um Eu dividido em dois, e estes se cruzam da mesma maneira – “os
passos que ouço são os meus”. Essa duplicidade de planos surge quando a personagem-
narradora expressa rejeição à realidade externa (marcada pelo fim de seu relacionamento
amoroso) por meio de uma sensação inquietante de aflição e ansiedade e deixa-se envolver
pelo sonho, por uma realidade inventada existente apenas no plano da arte, e “suspende o seu
compromisso com a lógica do real” (TREVISAN, 1987, p. 93). Esse ato permitirá a ela
adentrar na sua intimidade e na intimidade das coisas, fazendo emergir a fantasia, o insólito e
o absurdo. Trevisan (1987) entende que a fantasia, o insólito e mesmo o simbólico e o mítico
procedem da necessidade de anulação da ambiguidade da existência humana e explica que, no
plano do real, a ordem aparente, apreendida por meio do ato de “ver”, é admitida pelo Eu, o
qual se submete à limitação da verdade, esta revelada na banalidade do viver comum. Em
contrapartida, no plano idealizado, um Eu intuitivo não se conforma com a desordem oculta
78
do mundo exterior apreendida por meio do ato de “sentir”, que, para a superação da
ambiguidade exposta, exige dele a proposta de ultrapassar a realidade imediata.
Obviamente, a intersecção de planos existente nos poemas sensacionistas de Álvaro de
Campos tem origem distinta da existente no romance Água Viva de Lispector, mas esta
distinção não altera a proximidade do resultado do uso deste recurso nestes textos. Uma
realidade imaginária (sonhada ou idealizada) é criada em ambos os textos e nela o Eu poético
de um e a narradora de outro exploram suas sensações de maneira excepcional.
4.4 A sensação
58
John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês e ideólogo do liberalismo. É considerado o principal
representante do empirismo, teoria denominada de “Tabula rasa” por afirmar que as pessoas nascem sem saber
absolutamente nada e que aprendem pela experiência.
59
Protágoras de Abdera (480 a.C.- 410 a.C.) foi um filósofo da Grécia Antiga, responsável por cunhar a frase:
“O homem é a medida de todas as coisas”.
60
Sextus Empíricus foi um médico e filósofo grego que viveu entre os séculos II e III.
61
George Berkeley (1685-1753) foi um filósofo irlandês. Segundo ele, o que existe realmente nada mais é do
que um feixe de sensações e é por isso que ser é ser percebido.
62
Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) foi um filósofo francês. Sua doutrina, o Sensualismo, defende a
idéia de que todas as ideias provêm dos sentidos.
79
escritura procuro ver estritamente no momento em que vejo – e não ver através da memória
de ter visto num instante passado” (Ibid., p. 77).
Lispector busca explorar os sentidos através de uma personagem-narradora que é uma
pintora-escritora, além de amante de música. Desde o início do texto insinuam-se sensações
provindas diretamente dos sentidos. Em um primeiro instante, a personagem-narradora nos
conduz para o campo do sabor, em que diz “Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e
o sabor-a-ti é abstrato como o instante” (LISPECTOR, 1980, p. 10). Em outro momento, a
personagem-narradora soma ao olfato a audição através de uma imagem paradoxal que evoca
barulho, mas se manifesta no silêncio – “Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em
fogos de artifício eles espocam mudos no espaço.” (Ibid., p. 9) Em outro instante, a pintora-
escritora cria uma imagem na qual produz a sensação de uma tela impressionista, na
proporção em que justapõe cores inexatas pelo fluxo da água e, para compor seu triângulo
sinestésico (visão, audição e olfato), inclui o perfume dos elementos retratados.
Vejo que nunca te disse como escuto música – apóio de leve a mão na
eletrola e a mãe vibra espraiando ondas pelo corpo todo: assim ouço a
eletricidade da vibração, substrato último no domínio da realidade, e o
mundo treme nas minhas mãos. (Ibid., p. 11)
mesma. O que pintei nessa tela é passível de ser fraseado em palavras? Tanto
quanto possa ser implícita a palavra muda no som musical (LISPECTOR,
1980, p. 11)
Os textos teóricos sobre o Sensacionismo escritos por Pessoa são falhos, deixam
dúvidas sobre a estética e são, por vezes, contraditórios. Quando trata das origens do
movimento, por exemplo, Pessoa ora afirma que a estética sensacionista provém da evolução
do Paulismo e do Interseccionismo, ora afirma que deriva do movimento Futurista e, ao
mesmo tempo, do Simbolismo francês e do Panteísmo transcendentalista. Álvaro de Campos,
por outro lado, afirma que o Sensacionismo origina-se da amizade de Pessoa e Mário de Sá-
Carneiro e também atribui a origem do movimento à poesia de Alberto Caeiro. Por esse
motivo, falta, como afirma Lind (1970, p. 169-170), “a clareza e o poder de convicção
indispensáveis a uma doutrina estética praticável”. É bem provável que esta falta de clareza,
somada à falta de bases sólidas – vide o fato de que o Sensacionismo não se opõe a nenhum
outro movimento, ao invés disto, abarca todos –, tenha prejudicado o engajamento de um
grupo maior de escritores nesta estética.
Contudo, esses textos ajudam no entendimento de boa parte da obra de Campos e
esclarecem as principais características do Sensacionismo. Essas, por sua vez, ecoam em
Água Viva, de Clarice Lispector, que apresenta características muito próximas às dos poemas
sensacionistas de Álvaro de Campos. Faz-se necessário esclarecer que tanto Campos quanto
Lispector tem propostas estéticas distintas. Campos, de acordo com os princípios
estabelecidos por Pessoa, propõe-se a fazer uma análise de sensações e conscientemente
exprimi-las, de maneira que gerem no leitor sensações e que estas possam gerar outras novas.
Lispector, por sua vez, propõe-se a escrever Água Viva como quem pinta um quadro, criando
imagens com palavras que pretendem ser como as cores, vazias de significado, o que lhe
possibilita eliminar a história em prol do fluxo de consciência e criar uma literatura não
representativa, livre, portanto, da dependência de uma história. Apesar disso, ambos
aproximam-se na maneira de realizar suas propostas.
A proximidade dos textos é concebível graças a uma proposta temática comum a
ambos, a busca de identidade. Entende-se identidade como aquilo que se é, ou seja, o conjunto
83
de características e circunstâncias que distinguem uma pessoa das outras e devido às quais é
possível individualizá-la. É a consciência de si mesmo, de sua própria personalidade e de sua
essência. O princípio de identidade faz, portanto, oposição ao da alteridade, aquilo que é do
Outro.
A busca de identidade está na base do fenômeno heteronímico; por isso, a íntima
relação entre o Sensacionismo e a heteronímia merece ainda ser destacada, tendo em vista que
a concepção de realidade admitida pela estética pessoana – um todo apreensível apenas
parcialmente pelo sujeito – fundamenta o seu processo heteronímico de Pessoa, que pretende,
por meio da despersonalização, possibilitar que o sujeito pense e sinta como outra(s)
pessoa(s), de maneira que ele possa, por meio de diferentes versões da realidade, melhor
organizá-la e melhor conhecer-se63. Nos poemas sensacionistas de Campos, transparece a
busca de identidade, especialmente por meio da atitude de “sentir tudo de todas as maneiras”
assumida pelo poeta. Esta atitude reproduz-se na ideia central do Sensacionismo, ser uma arte
que seja todas as artes ao mesmo tempo, ou seja, que abranja todas as artes, abandonando,
para tanto, todas as regras.
Nos romances de Lispector, a busca de identidade é tema recorrente e aparece no
ritmo de intensa procura dos textos, sendo derivada geralmente da rejeição da realidade pela
personagem protagonista. Em Água Viva, Clarice Lispector apresenta uma personagem-
narradora em busca do seu auto-encontro, possível apenas através do ato de escrever.
Sou um dos fracos? fraca que foi tomada por ritmo incessante e doido? se eu
fosse sólida e forte nem ao menos teria ouvido o ritmo? Não encontro
resposta: sou. É isto apenas o que me vem da vida. Mas sou o quê? a
resposta é apenas: sou o quê. (LISPECTOR, 1980, p. 21)
63
Curiosamente, há uma passagem de Água Viva em que a personagem-narradora expressa a síntese da
heteronímia pessoana quando diz: “que fazer quando sinto totalmente o que outras pessoas são e sentem? Vivo-
as” (LISPECTOR, 1980, p. 54-55).
84
É tão curioso ter substituído as tintas por essa coisa estranha que é a palavra.
Palavras – movo-me com cuidado entre elas que podem se tornar
ameaçadoras; posso ter a liberdade de escrever o seguinte: “peregrinos,
mercadores e pastores guiavam suas caravanas rumo ao Tibet e os caminhos
eram difíceis e primitivos”. Com esta frase fiz uma cena nascer, como num
flash fotográfico. (LISPECTOR, 1980, p. 23)
64
PESSOA, 1966, p. 137-138.
86
E eu vivo de lado – lugar onde a luz não me cresta. E falo bem baixo para
que os ouvidos sejam obrigados a ficar atentos e a me ouvir.
Mas conheço também outra vida ainda. Conheço e quero-a e dovoro-a
truculentamente. É uma vida de violência mágica. É misteriosa e
enfeitiçante. Nela as cobras se enlaçam enquanto as estrelas tremem. Gotas
de água pingam na obscuridade fosforescente da gruta. Nesse escuro as
flores se entrelaçam em jardim feérico e úmido. E eu sou a feiticeira dessa
bacanal muda. Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. E
vejo que sou intrinsecamente má. (LISPECTOR, 1980, p. 72)
Por fim, enquanto os poemas sensacionistas terminam sem que o Eu poético encontre
a sua identidade, ou seja, sem que sua busca tenha um fim; em Água Viva, a personagem-
narradora alcança o seu auto-encontro em um final alegre, ao contrário dos poemas
sensacionistas de Campos, que apresentam um Eu poético que não se satisfaz e, ao fim do
poema, dá-se conta de que nada restou de sua busca – “nada depois, é só eu e a minha
tristeza” (PESSOA, 2007a, p. 95). A personagem-narradora do texto lispectoriano alcança a
plenitude do ser, e diz:
E eis que depois de uma tarde de “quem sou eu” e de acordar à uma hora da
madrugada ainda em desespero – eis que às três horas da madrugada acordei
e me encontrei65. Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem
fulminação. Simplesmente eu sou eu. E você é você66. É vasto, vai durar.
(LISPECTOR, 1980, p. 97)
65
Grifo meu.
66
Grifo meu.
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