As Teorias de Relações Internacionais Pensando A Cooperação
As Teorias de Relações Internacionais Pensando A Cooperação
As Teorias de Relações Internacionais Pensando A Cooperação
Resumo
A partir da segunda metade do sculo XX, a cooperao internacional fortaleceu-se como uma importante ferramenta de relacionamento entre os diversos atores do sistema internacional. Com base nesse processo, este artigo objetiva discutir o crescimento da cooperao como alternativa de relacionamento no mbito internacional e como algumas teorias das relaes internacionais justificam essas aes. Palavras chave: relaes internacionais; cooperao; teorias; atores no sistema internacional.
Abstract
Since the second half of the twentieth century, international cooperation has been strengthened as an important relationship tool among the several international systems actors. Based on this process, this article aims to discuss the increase of cooperation as an alternative of relationship in the international scope and how some International Relations theories justify these actions. Keywords: International Relations, cooperation; theories, international systems actors.
Por que os seres humanos cooperam? Segundo Bruno Aylln (2007, p. 40), o significado etimolgico da palavra cooperar atuar conjuntamente com outros para conseguir um mesmo fim. Dessa forma, os seres humanos cooperariam para satisfazer necessidades ou realizar aes que gerem felicidade, ou seja, teoricamente, ajudando aos
Este artigo desenvolve parte das idias expostas no Trabalho de Concluso de Curso, intitulado A mo invisvel da Poltica Externa Brasileira: A Cooperao Tcnica Internacional como ferramenta estratgica, orientado pelo Prof. Dr. Moiss da Silva Marques.
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Mestrando em Cincias Sociais (Relaes Internacionais) pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Graduado em Relaes Internacionais pela Faculdade Santa Marcelina. Bolsista Pibic 2006/2007, apresentando o trabalho intitulado As Organizaes Internacionais e as polticas sociais no estado de So Paulo: anlise do caso BID e o Programa Pr-Social, orientado pelo Prof. Dr. Thiago Rodrigues. Membro do GT II (Governana Global e Transformaes Ps-Conflito) do Grupo de Anlise e Preveno de Conflitos (GapCon), vinculado Universidade Cndido Mendes (UCAM) e ao Centro de Estudos das Amricas (CEAs). E-mail: [email protected].
outros
ajudaramos
ns
mesmos.
Ao
cooperar
estaramos
desenvolvendo aes coordenadas para problemas comuns para os quais no possumos resposta ou capacidade individual para solucionlos. Mas possvel o estabelecimento de paralelos entre as motivaes que levam os indivduos e as que levam os Estados a cooperarem? Essa resposta depender da perspectiva terica a ser adotada. Em resposta dinmica belicista, intrinsecamente relacionada formao do Estado Moderno, diversos autores escreveram sobre a paz como forma de redimensionar a relao entre esses entes. Podemos identificar o estopim dessa discusso nas propostas do abade de SaintPierre (1658-1743), que no sculo XVIII j propunha uma unio federativa da Europa em favor da paz para o continente. Ao negociar o Tratado de Utrecht de 1712-1713 (assinado entre o Reino Unido e os representantes de Lus XIV da Frana), Saint-Pierre se entusiasmou com a ideia de uma nova organizao poltica para o Velho Mundo que possibilitasse a paz e os bons governos. Um resultado dessa aspirao foi a publicao de duas obras: Projeto de Paz Universal entre as Naes e Projeto para a Paz Perptua entre os Cristos. Por seus ideais no corresponderem com as intenes dos governantes do perodo, suas idias permaneceram esquecidas, at que Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi incumbido de resumir seus manuscritos. Rousseau foi o responsvel pela disseminao e aprofundamento das ideias do abade de Saint-Pierre sobre unificao europeia e consequente ambiente pacfico na regio. Mas, certamente, tais ideais foram abordados de forma mais incisiva e determinante por Immanuel Kant (1724-1804). No sculo XVIII, Kant dedicou um tratamento jurdico-poltico ao tema da paz, reformulando a lgica religiosa presente nas reflexes do abade. Partindo da diviso entre o estado de natureza e o estado de sociedade, Kant v a instabilidade do estado de natureza como invivel, sendo a alternativa racional o estabelecimento do pacto social que garantisse a liberdade civil, e no a liberdade grotesca do estado de
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natureza; e a melhor forma de se estabelecer esse contrato seria por meio de uma repblica. O diferencial de Kant que ao olhar o estado de natureza que impera no plano internacional, ele vislumbra a possibilidade de uma convivncia pacfica, mesmo que no haja um Leviat que governe a todos. A tendncia racional que os Estados se aproximem por interesse, percebendo que a paz vantajosa e a guerra irracional. O pacto internacional deveria ser feito pelas repblicas, formando uma federao de povos livres. O direito desta federao seria o direito cosmopolita (direito das gentes), garantindo a isonomia entre os Estados. Desta forma, o pacto federativo no seria utpico, e sim necessrio, e tambm no seria um tratado de paz, j que um tratado desse gnero pe fim a uma guerra. O pacto federativo poria fim a todos os conflitos, criando a possibilidade da paz permanente. Esses autores serviram de inspirao direta para Normam Angell (1872-1967) que, em 1912, via a poltica belicista como uma grande iluso e pedia ateno para a fragilidade do equilbrio nas alianas entre potncias naquele perodo. Para Angell, numa poca de
interdependncia econmica, uma guerra de conquistas seria um suicdio comercial, prejudicial inclusive para os vencedores da guerra. A lgica militar somente traria gastos e nenhuma estabilidade real. A paz entre os Estados derivaria da cooperao, o que traria vantagens concretas a todos. No entanto, no podemos esquecer que h anlises de cunho realista sobre o surgimento da cooperao internacional, que seria entendida como uma ferramenta para ampliao do poder de
determinado Estado ou para a manuteno do equilbrio de poder entre diversos Estados no sistema internacional. Celso Amorim (1994, p. 151) considera que a ordem internacional vista pela tica hobbesiana faz muito sentido no desenvolvimento da cooperao, j que essa ferramenta teria como pressuposto a idia de alteridade, respeitandose a existncia dos outros Estados, inclusive os objetivos delimitados por cada um desses. A cooperao seria a manifestao do desejo de
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ausncia de guerras e equilbrio no sistema, aps diversos conflitos que assolaram o mundo at meados do sculo XX, e apenas tardiamente ela deixou de ser efeito de alianas para evitar o surgimento de uma superpotncia para ilustrar um desejo maior de convivncia pacfica.
Internacional do Trabalho (OIT). A partir desse momento, podemos atentar para a evoluo do prprio Direito Internacional como forma de regular as aes no sistema internacional. A devastao da Primeira Guerra Mundial tambm serviu como impulso para o estabelecimento do campo de estudos das relaes
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internacionais. As escolas liberais e realistas surgiram como forma de explicar as guerras interestatais e, por meio de suas teorias, passaram a refletir sobre a realidade internacional. Aps os conflitos da Primeira Guerra, diversos autores defenderam a idia de interdependncia entre os Estados, o que exigiria uma forte cooperao entre todos. Tal ideal, defendido pelos liberais, tornou-se o paradigma predominante na fase inicial da trajetria terica das relaes internacionais. A cooperao mtua daria margem para que os liberais pensassem em uma sociedade internacional, com regras comuns de convivncia, havendo a lgica de supranacionalidade dessas normas. A Liga das Naes possuiria as rdeas dessas regras supranacionais e atenderia pretenso dos liberais de evitar novos conflitos. O presidente norte-americano (1912-1921) Woodrow Wilson (1856-1924) foi o te-rico considerado smbolo desse perodo. Principal impulsionador da Ligas das Naes, ele props algumas regras que criassem uma nova ordem mundial (o que ficou conhecido como os 14 pontos de Wilson), que possuam clara influncia kantiana. Desta forma, pode-se dizer que o pacto da Liga das Naes como um todo foi uma espcie de contrato kantiano. Enquanto isso, os autores realistas criticavam ferrenhamente a criao da Liga, j que viam no fato de no haver nada que obrigasse os Estados a cumprirem as regras estabelecidas como o fator chave para que essa instituio fracassasse. Um expoente desse perodo foi Edward Carr (1892-1982) que, na sua crtica histrico-poltica do liberalismo do entreguerras, apontou a falta de bom senso em relao realidade como o erro daqueles que idealizaram a Liga das Naes. Aps o fracasso da Liga das Naes e a exploso da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os ideais pacifistas ganharam nova fora com a Organizao das Naes Unidas (ONU), em 1945, criada a partir do discurso de se repensar a incapacidade dos Estados de cooperarem para a construo de uma espcie de paz estvel. A Carta da ONU reconhece no seu artigo 1 a cooperao tcnica internacional como ferramenta para a promoo do desenvolvimento econmico, social,
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cultural e humanitrio, alm de convocar o respeito aos direitos humanos como forma de garantir uma convivncia pacfica entre todas as populaes. Alm disso, os artigos 55 e 56 do captulo IX da Carta estabelecem os princpios gerais da cooperao tcnica, solicitando que todos os membros da ONU se comprometessem a cooperar
inserida na lgica do sistema de alianas estabelecida pelas duas grandes potncias da poca, disseminando-se num contexto estratgico. Ao longo dos anos 1950, a cooperao se tornou uma ferramenta mais disseminada, mas ainda prevalecia o conceito de ajuda ou assistncia internacional para atenuar as sequelas produzidas pelo subdesenvolvimento, como se as dificuldades dos pases mais pobres fossem solucionveis por meras ajudas de cunho paternalista, havendo um doador (nica fonte de conhecimento e recursos tcnicos) e um
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receptor passivo desses insumos. Entretanto, j havia diversas reaes oposicionistas ao mundo bipolar e segmentao do globo em zonas de influncias, podendo ser divididas em trs grupos principais: a) a partir do desejo de maior autonomia poltico-econmica, a Europa comeou a delinear a integrao de alguns de seus pases em um mercado comum; b) os pases de economia mais frgil da frica, sia e Europa exigiam a superao de um mundo dividido em zonas de influncia para que houvesse um ambiente mais favorvel para a promoo do
desenvolvimento; c) a Amrica Latina, baseada nas teorias da Cepal, tambm exigia melhores condies para o desenvolvimento, vendo a promoo da industrializao como fator chave. Atendendo s reivindicaes dos pases do Sul para que a cooperao ultrapassasse o sentido de uma ajuda vinculada a interesses poltico-estratgicos e passasse a ser uma fonte de trocas e interesses mtuos, enriquecendo e capacitando todos os entes
envolvidos a ONU reviu o conceito de assistncia tcnica e o substituiu pelo termo cooperao tcnica na Resoluo 1.383, na Assembleia Geral da ONU de 1959. Dessa forma, pretendeu-se conferir um carter mais congruente a essa ferramenta, ao reconhecer a possibilidade de aprendizado e ganhos mtuos a partir de uma relao de trocas entre partes iguais e/ou desiguais. No entanto, o sistema internacional no decorrer da Guerra Fria mostrou a crescente dependncia econmica de algumas regies. At meados da dcada de 1970, os pases pobres se viam diante de uma generosa oferta de emprstimos partindo de diversos organismos de crdito. O mesmo capital que significou uma guinada no processo de desenvolvimento de diversos pases, inclusive os latino-americanos, tambm significou uma forte dependncia posterior por conta do endividamento externo. A segunda crise do petrleo e as medidas econmicas implementadas pelos Estados Unidos, que colocavam um fim na conversibilidade dlar-ouro de Bretton Woods, mostraram a fragilidade na qual esses pases estavam imersos.
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Essas dificuldades geraram empecilhos para o desenvolvimento de projetos de cooperao, impulsionando as Naes Unidas a desenvolverem, no decorrer da dcada de 1970, o conceito de Cooperao Tcnica entre Pases em Desenvolvimento (CTPD), tambm conhecida como cooperao horizontal. Nesse contexto de reduo da tradicional cooperao Norte-Sul foi concebido o Plano de Ao de Buenos Aires (PABA), que serviu como forma de determinar as diretrizes bsicas para que a CTPD fomentasse uma cooperao mais ampla entre os pases do Sul. Vale lembrar que a CTPD no nascia para substituir as cooperaes bilaterais e multilaterais existentes, mas sim como um novo elemento a ser acrescido a esse leque de opes. A partir do incio da dcada de 1980, as dificuldades econmicas e o protecionismo das grandes potncias, por conta da mencionada recesso mundial, significaram fortes limitaes para os pases do Sul em relao ao recebimento de recursos por meio de cooperao internacional. No caso da Amrica Latina, a crise das dvidas, a partir de 1982, acentuou ainda mais o fim de um perodo no qual havia intensa oferta de recursos por parte dos organismos internacionais. Os recursos disponibilizados por organismos do sistema das Naes Unidas eram direcionados para pases com intensos ndices de pobreza, o que significou a suspenso de auxlios para diversos pases do Sul. Esse cenrio impulsionou ainda mais o desenvolvimento da cooperao SulSul como alternativa para a promoo do desenvolvimento nesses pases. No decorrer da dcada de 1990, diversas conferncias da ONU propuseram mudanas nos modos de ajuda aos pases mais pobres para que fossem alcanados nveis de desenvolvimento humano mais satisfatrios. Nesse cenrio, a cooperao internacional foi influenciada pelas determinaes da Conferncia de Monterrey (2002) e da Declarao de Paris (2005), ambas objetivando a potencializao da eficcia da ajuda ao desenvolvimento, procurando revisarem os ditames formulados na Declarao do Milnio e expostos nos Objetivos de
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determinada forma. Deste modo, as diversas teorias sobre a crescente interdependncia entre esses entes ajudam a explicar a relevncia adquirida pela cooperao tcnica internacional como ferramenta de relacionamento e desenvolvimento mtuo no ambiente internacional. Um exemplo dessa relevncia, que ocorreu a partir da criao da ONU e as suas diversas agncias especializadas em fomentar a cooperao multilateral, foi a disseminao dos regimes internacionais.2 Se por um lado no houve a criao de um governo centralizado que regule os Estados, por outro surgiu um conjunto de regimes internacionais que auxiliam na almejada manuteno da ordem, por meio de uma srie de fatores que criam diversas normas e regras que direcionam as aes dos Estados, possibilitando expectativas de uma convivncia cooperativa. A natureza dos regimes a intersubjetividade, j que h uma mtua constitutividade entre normas e atores. Alm
Regimes so considerados instituies formadas por um conjunto de princpios, normas, regras e procedimentos decisrios, em relao aos quais as expectativas dos Estados convergem numa mesma rea das relaes internacionais. Aqui vale diferenciar os regimes das organizaes internacionais, j que as ltimas so sujeitos institucionalizados do Direito Internacional, enquanto os regimes fazem parte de um conceito mais abstrato. Esse conjunto de regras, normas e princpios geram uma certa expectativa positiva de ao, produzindo uma espcie de senso comum gerado por esses referenciais.
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disso, o significado dos regimes s entendido por aqueles que esto se relacionando. Tal dinmica nos faz lembrar o dilema do prisioneiro, pois a tentativa de criar meios de contato e negociao entre os prisioneiros sendo importante que o negociador possua neutralidade, fora, eficcia, etc. gerar a gradativa confiana entre as partes,
possibilitando uma soluo mais agradvel para todos. Essas pontes de negociao entre os prisioneiros seriam as instituies, que podem ser as organizaes e os regimes internacionais. Processos dotados de uma lgica de consenso baseado na confiana geram mais segurana e previsibilidade nas negociaes internacionais, que passam a ser mais organizadas. A discusso sobre regimes internacionais faz parte do argumento desenvolvido por Robert Keohane e Joseph Nye em Power and Interdependence (1977) que, ao criticarem a anlise focada no poder e na segurana nacional que os realistas fazem das relaes interestatais, propem um olhar mais amplo da realidade internacional, que abarque as diversas foras transnacionais que deixam essa realidade mais complexa. Considerando a idia de Kant de que os Estados cooperam por serem egostas, e no altrustas Keohane e Nye apontam para a crescente interdependncia entre os Estados, o que possibilitaria o alcance da paz por meio da cooperao. Ou seja, esse jogo de trocas que caracteriza a interdependncia (cada vez mais necessria para a sobrevivncia no sistema internacional) no exclui competies ou assimetrias. Criticando a viso do Estado como nico ente dominante nas relaes internacionais, esses autores atualizaram a escola liberal, que estava comedida desde meados da dcada de 1930. Mas tambm criticam as anlises simplistas de alguns liberais, que viam a possibilidade de transformar o mundo numa aldeia global, o que seria uma idia extremamente romntica, j que as foras transnacionais so distribudas desigualmente. Desta forma, eles criaram um critrio de avaliao da quantidade de poder do Estado, baseada nos conceitos de sensibilidade (grau de abalo de fatores externos) e vulnerabilidade
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(capacidade de reao a esse abalo). Portanto, para esses autores h um crescimento dos intercmbios sociais e econmicos, que em conjunto com as organizaes internacionais, movimentos sociais transnacionais e corporaes multinacionais criam um mundo sem fronteiras, no qual o poder militar no se mostra como alternativa vivel para uma coexistncia com comodidade (Keohane; Nye, 1977: 15-19). Essa lgica de confiana mtua faz parte do argumento da escola construtivista, que ao tentar se contrapor s escolas tradicionais das relaes internacionais prope uma anlise mais intersubjetiva. Os construtivistas afirmam que os atores que interagem nas relaes internacionais so subjetivos, por isso uma anlise objetiva sobre essas relaes seria falha. O correto seria contextualizar os fatos, envolvendo conhecimento e contato, abarcando as subjetividades presentes no processo. Opondo-se tradio que se prende ao racionalismo instrumental, os construtivistas revelam o quo importante a anlise do comportamento dos Estados em determinada realidade social. Desta forma, essa escola procura compreender e explicar o modo como ocorre a construo social dos diversos atores e das estruturas sociais nas quais eles se encontram. A identidade, a racionalidade, os interesses e as preferncias so construdos socialmente, o que mostra que uma anlise de cunho sociolgico pode compreender a dinmica que esse processo adquire. O papel das normas como influenciadoras do comportamento dos atores nas relaes internacionais enfatizado, e as instituies so capazes de alterar as identidades e interesses dos Estados. Neste ponto relevante lembrar que para essa escola os atores e as estruturas sociais se constituem mutuamente, enquanto que para outras escolas tradicionais h uma precedncia de um elemento frente ao outro, alguns defendendo que h a antecedncia ontolgica do agente e outros da estrutura (Nogueira; Messari, 2005: 162-164). Portanto, as
instituies no s influenciam atuando como frum que propicia a discusso e a mtua transformao dos atores mas se transformam de maneira correlata. Mesmo o conceito de soberania estaria se
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modificando nesse rico processo de argumentao, j que as polticas externas e domsticas dos Estados podem ser influenciadas por normas internacionais, na maioria das vezes produzidas e difundidas a partir das organizaes e regimes internacionais (Herz; Hoffmann, 2004: 7576). Por fim, os construtivistas iro considerar o aumento do conhecimento recproco adquirido por meio dos regimes. Para estes, quando um Estado quebra a regra os demais pases devem avaliar o porqu do descumprimento, analisando o contexto e os fatores subjetivos para concluir se devem ou no ser aplicadas sanes sobre tal Estado. Dessa forma, os construtivistas levam em conta as condies histricas e o aprendizado resultante das relaes neste processo, considerando que os Estados so atores sociais. Por isso, essa escola considerada a mais sociolgica, pois defronta-se com as posies mais tradicionais, que so consideradas duras e
burocrticas. A escola construtivista acaba sendo alimentada pelos diversos fatores humanos, sociais, histricos e culturais presentes nas relaes internacionais.3 Os autores realistas e neo-realistas tambm permaneceram avaliando, na segunda metade do sculo XX, as motivaes para a cooperao internacional. Para esses autores, o sistema internacional ainda deve ser analisado por meio da idia de estado de natureza hobbesiano, no qual a sobrevivncia e a segurana estatal determinam as polticas externas e as cooperaes internacionais. Para os autores vinculados a esse enfoque, dentre os quais podemos destacar Hans Morgenthau, a ajuda externa determinada pelo interesse do doador. A poltica exterior no seria definida pela moralidade, e sim pelo interesse nacional. A amoralidade marcaria a cooperao entre os Estados, pois esses entes agem num mundo em que prevalece o jogo de soma zero, quando para um ganhar o outro tem que perder. A cooperao
Considerando os diversos enfoques adotados pela vertente construtivista, podemos afirmar que o principal representante dessa escola Alexander Wendt (1958 - ), que publicou o livro Social Theory of International Politics, avaliado como uma importante obra para o estudo das Relaes Internacionais.
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internacional
serviria
para
os
Estados
manterem
seu
poder
crescimento, para conseguirem influncia poltica, prestgio, vantagens geoestratgicas e intensificao do comrcio, para garantirem
investimentos ou, tambm, como forma de oferecerem subornos para as elites dos pases em desenvolvimento em troca de apoios, por exemplo, em organismos internacionais. Dessa forma, as polticas de cooperao seriam inseparveis das relaes de poder, aonde no haveria espao para consideraes ticas (Aylln, 2007, p. 42). Os estruturalistas, que possuem um enfoque de raiz marxista, entendem que a cooperao internacional uma manifestao do imperialismo. A ajuda reforaria os padres de desigualdade e injustia herdados do perodo colonial, impedindo as reformas estruturais necessrias para a implementao de um novo modelo de
desenvolvimento para os pases do Sul. Autores como Tibor Mende, Willem Zelystra, Susan George e Teresa Hayter consideram a ajuda para o desenvolvimento como um instrumento estratgico de
dominao, um anzol lanado pelas potncias aos pases do Sul. A cooperao seria um modo de expandir os padres de vida ocidentais sobre diversos pases, os quais receberiam ajudas pautadas em modelos no viveis de modernizao. O verdadeiro objetivo no seria cooperar com o Sul, mas sim a garantia do atendimento dos interesses das potncias. A ajuda se converte em um sinnimo de explorao, um mecanismo que assegura a intromisso do Norte nos assuntos internos de outros pases (Aylln, 2007, p. 42). Por fim, tambm podemos recordar o enfoque neoliberal, no qual autores como Milton Friedman apontam que o processo de cooperao extremamente prejudicial para o desenvolvimento real, que apenas seria garantido no ambiente do livre mercado. A ajuda penalizaria o crescimento, pois seria uma ao intervencionista do Estado sobre as leis da oferta e demanda, prejudicando a dinmica competitiva do mercado mundial. Dessa forma, uma poltica de cooperao para o desenvolvimento deveria se resumir a assegurar o livre fluxo de capitais e a liberalizao dos acessos ao mercado mundial.
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Portanto, podemos dizer que, em conjunto com a complexificao das relaes polticas, econmicas e sociais no sistema internacional aps a II Guerra Mundial, houve o surgimento de um significativo nmero de correntes tericas que buscaram compreender esses fenmenos. Realismo, liberalismo, marxismo, construtivismo, etc., debateram para explicarem, cada um ao seu modo, o mundo que surgiu com a criao da ONU e a tenso da Guerra Fria, e como a cooperao internacional se tornou uma ferramenta cada vez mais utilizada nas relaes internacionais. Mas, muito alm da pregao do discurso liberal, construtivista, etc., como base central para o desenvolvimento da cooperao tcnica, tambm preciso entender as transformaes ocorridas na forma de governar durante o mesmo perodo. Por trs do discurso liberal de busca pela paz ou do discurso realista de criao de mais uma ferramenta para a construo de um equilbrio de poder (pases buscando atender a interesses individuais por meio de um discurso mais soft), evitando assim a unipolaridade, a cooperao pode ser entendida por meio da anlise da complexificao do sistema
internacional e da reformulao dos modelos de governamentalidade. Diversos projetos de cooperao poderiam ser entendidos como mais um exemplo de como os Estados se retiraram de diversas funes (fim do Estado Providncia) e novos atores passaram a auxili-lo no objetivo de governar. Muito alm de objetivos altrustas, a manuteno do sistema que est em questo, e no a sua contestao. Como apontou Foucault (2008, pp. 402-410), desde o Tratado de Vestflia e a cristalizao da estrutura dos Estados Modernos o que se objetiva explicitamente com a poltica internacional a busca do equilbrio. Este fim est presente na argumentao tanto dos liberais como dos realistas. A ordem operada pelos Estados no deve permitir a supremacia de um desses entes sobre os outros. A paz universal no esperada de uma supremacia unitria, mas da pluralidade. Esse mesmo objetivo se reatualiza com o surgimento de novos atores e fluxos que formam a realidade internacional, e diversos projetos de cooperao
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implementados podem ser vistos como ferramenta que proporciona a sustentao do equilbrio internacional.
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