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A marca de uma lágrima de
Pedro Bandeira: entre o coração
dos leitores e o da literatura João Luís Cardoso Tápias Ceccantini Público & crítica • Em literatura infanto-juvenil, é difícil encontrar obras que consigam alcançar sucesso de público e reconhecimento da crítica. • As que alcançam, teriam conseguido responder ao questionamento de Edmir Perrotti (O texto sedutor na literatura infantil,1986): “como conjugar literariedade e condições de recepção?” (CECCANTINI, 2006, p. 105) • A marca de uma lágrima (1985) é exemplo disso. Vendeu 800 mil exemplares, é popular entre os jovens e recebeu o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte de 1986. • O objetivo do crítico é relacionar autor, obra e público a fim de se compreender o fenômeno representado por essa narrativa de Pedro Bandeira. • Entrevista/ análise/ impressões de leitores (alunos de 6a série em Tupã-SP). Um “quadrilátero amoroso”
• AMDUL mistura elementos psicológicos
(sentimentais) com aventuras, a fim de cativar um público tanto de meninas quanto de meninos. Essa mistura também diz respeito ao projeto literário e às influências do autor. • Elementos sentimentais (relações amorosas): Isabel, uma adolescente que se acha feia e que é muito inteligente, vai à festa de Cristiano,um primo distante, por quem se apaixona. Cristiano, por sua vez, se apaixona por Rosana, melhor amiga de Isabel. Ironicamente, Isabel ajuda o casal, escrevendo cartas de amor um para o outro. Fernando, outro adolescente que estuda na mesma escola dos demais, se apaixona por Isabel. • Elementos de aventura (um crime a ser desvendado): Dona Albertina, a diretora da escola, supostamente se suicida. Isabel, por acaso, percebe que a diretora foi assassinada. Um cúmplice do assassino passa a intimidar Isabel até ela ser vítima de uma tentativa de assassinato, justamente quando resolveu desfazer a farsa e revelar a verdade a Cristiano. • No desfecho, Isabel descobre que o beijo da festa havia sido dado por Fernando, não por Cristiano. Os dois então ficam juntos. Os criminosos são descobertos e presos. • Dividida em três partes, a narrativa é linear, segue ordem cronológica, dura um mês e se distribui em 18 capítulos. • O próprio autor identifica a relação intertextual com Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand. Folhetim juvenil
• (CECCANTINI, 2006, p. 109)
• Outro ponto favorável: focalização interior; caracterização de Isabel (atualização da heroína romântica). Exemplo: sugestão de cena de masturbação de Isabel, o que vai contra à bem-comportada literatura juvenil. • Também é interessante o recurso do diálogo com o espelho, “o inimigo” de Isabel. escola. (CECCANTINI, 2006, p. 110) • A escola é o espaço das intrigas amorosas e do crime. Nesse sentido, a representação tende ao negativo. Na escola é cometido um assassinato e os dois vilões pertencem ao ambiente escolar: Virgínia e Brucutu. O fracasso dos professores em sua relação com os alunos é abordado. Os defeitos dos mestres também são sublinhados. • O narrador é onisciente e a focalização recai quase que exclusivamente sobre Isabel, com uso de discurso indireto livre. O narrador modaliza seu discurso, o que denuncia sua aproximação da protagonista e do desejo de aproximar o leitor dela. • (CECCANTINI, 2006, p. 112) • Pontos negativos: • personagens caracterizadas de modo unidimensional e caricatural; • maniqueísmo da história; • superficialidade no tratamento do tema; • o desfecho em happy end muito fechado. • De certa forma, tudo isso já é esperado de narrativas juvenis. • Ceccantini acredita que um problema mais sério a ser abordado na narrativa é o da linguagem. • Há o mérito de Isabel escrever poemas despudorados, coerentes com a idade e sua psicologia, mas, de acordo com Ceccantini (2006, p. 113), “não se justifica que o tom kitsch que modula tanto esses bilhetes e poemetos de desabafo e de amor derramado quanto a própria linguagem da garota contamine as demais instâncias linguísticas da narrativa”. • A questão do “purismo linguístico”: diálogos fluentes, porém “artificiais”. • Exemplo: Cristiano não se considera bom com as palavras, sempre passa raspando em português, e acaba emitindo frases que correspondem perfeitamente ao padrão da língua. • Imagens de gosto duvidoso (p. 113-114). Identificação máxima
• Impressões de leitura com os alunos de 6a
série de rede pública da cidade de Tupã - SP: • solicitação de resumo (mais alongado); • “Elabore um comentário sobre o livro que você leu” (mais sucinto). • Dos 29 alunos, 26 disseram que gostaram do livro. Os 3 que não gostaram eram meninos. • Forte indentificação - Pedro Bandeira acredita que o livro escrito para jovens deve despertar a identificação imediata. Formalmente, não haveria diferenças, a não ser pela extensão, uma vez que jovens não costumam se interessar por narrativas muito longas. • Depoimentos:
• (CECCANTINI, 2006, p. 115)
• Valorização de ideais românticos;
• (CECCANTINI, 2006, p. 115)
• Resumos: • ênfase no episódio da festa; • ênfase no assassinato da diretora; • ênfase no espelho. • Os alunos não problematizaram a ambiguidade fantástica do espelho. De acordo com Ceccantini (2006, p. 116), esse aspecto pode ser questionado em diversos níveis: • Entretanto, houve outros questionamentos que tangem a noção de verossimilhança:
• (CECCANTINI, 2006, p. 116)
• O verismo da narrativa mereceria outro estudo, pois a questão da veracidade do amor adolescente é bem recebida, mas a questão dos problemas familiares não:
• (CECCANTINI, 2006, p. 117)
• Os alunos gostaram de Isabel, por se identificarem com ela e por admirarem a personagem: é inteligente, de caráter. • O desfecho é muito importante para a noção geral de recepção de uma obra. Nesse sentido, o desfecho de A marca de uma lágrima é bem aceito por ser feliz. Por outro lado, outros alunos não gostaram porque torciam pelo par Cristiano/Isabel (um final ainda mais ortodoxo). • Os alunos quase não mencionaram questões relativas à narração. Há poucas referências ao tom confessional, às cartas trocadas pelas personagens e pelos poemas. • Duas alunas consideraram o livro difícil. • Ceccantini (2006, p. 119) também considera, em sua análise, “uma certa escolarização da leitura realizada pelos alunos, no esforço de elaborar seus comentários, chegando a determinadas formulações que revelam a introjeção de modos muito didatizantes e tradicionais de abordar o texto literário.” • Exemplos: • busca de mensagens moralizantes (“moral da história”); • oportunidade para o treino de competências escolares; • a escolha da professora; • o fato de terem gostado da obra. • Em outras palavras, em seus depoimentos, tentam alcançar o que imaginam ser a expectativa de resposta por parte dos mediadores. • Exemplos: • o livro ajuda a ler melhor; • o livro agiliza a mente; • o livro exercita a leitura; • o livro propicia leitura de poesia; • o livro ensina os jovens. • Uma aluna estranhou o fato de ter gostado de ler uma obra proposta pela disciplina de língua portuguesa na escola. • O embate entre leitura por obrigação e leitura por escolha. • Ainda que baseadas na necessidade de encontrar a mensagem do texto, algumas leituras tentaram ir além da leitura escolarizada: • deve-se amar uma pessoa como você é; • é o destino quem escolhe o ser amado; • deve-se valorizar a própria beleza, tanto a interior quanto a exterior. • Uma aluna admitiu que não aprendeu nada com o livro, que ele não teria nada a ensinar, mas não é por isso que deixa de ser atraente. Entre dois corações • Os aspectos comentados até aqui “configuram um conjunto dinâmico e marcado por tensões bastante características do subsistema literatura juvenil, ora apontando para o atendimento de exigências próprias do universo da arte, ora apontando para imposições que visam a assegurar a recepção da obra pelos leitores em formação, numa atualização bem concreta da questão básica emprestada a Perrotti [...]”. (CECCANTINI, 2006, P. 121, grifo do autor) • O escritor de literatura juvenil, então, tem que lidar com esse problema, o de conciliar qualidade literária com o alcance ao público jovem. • Se o escritor de LJ se preocupar apenas em alcançar o “coração” do sistema literário “elevado”, aspirando apenas adentrar o cânone, corre o risco de não ter leitores, ainda em fase de formação. • Por outro lado, se esse mesmo escritor se dedica apenas às exigências do coração dos jovens leitores, corre o risco de fazer apenas o jogo do mercado e da indústria cultural, afastando-se do universo artístico e literário. • Pedro Bandeira comenta sobre esse embate: tentou ser “realista” com a obra O medo e a ternura, abordando temas como violência, sequestro, estupro. Entretanto, teve recepção negativa. Então, o escritor acha importante agradar seus leitores, não de forma individualizada, mas de modo a alcançar o que é comum a todos os homens. • Pedro Bandeira, pelo retorno que tem de seu público, acredita que tem um papel social a desempenhar; por isso, prefere ficar onde está, escrevendo textos que agradem seus leitores e os façam gostar de ler literatura. • “Como se procurou apontar, a obra padece de algumas fragilidades típicas do folhetim [...] e nem sempre atinge um bom resultado no que concerne ao tratamento dado à linguagem. No entanto, demonstra evidentes qualidades na urdidura da trama, na construção da protagonista e no modo de narrar. E, sobretudo, demonstra [...] uma enorme capacidade de alcançar empatia junto a seu público-alvo.” (CECCANTINI, 2006, p. 124, grifo do autor)