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O Ermitão de Muquém/Ao leitor

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Cumpre-me dizer duas palavras ao leitor a respeito da composição do presente romance, o qual (seja dito de passagem) repousa sobre uma tradição real mui conhecida na província de Goiás.

Consta este romance de três partes muito distintas, em cada uma das quais forçoso me foi empregar um estilo diferente, visto como o meu herói em cada uma delas se vê colocado em uma situação inteiramente nova, inteiramente diversa das anteriores.

A primeira parte está incluída no Pouso primeiro, e é escrita no tom de um romance realista e de costumes; representa cenas da vida dos homens do sertão, seus folguedos ruidosos e um pouco bárbaros, seus costumes licenciosos, seu espírito de valentia e suas rixas sanguinolentas. É verdade que o meu romance pinta o sertanejo de há um século; mas deve-se refletir que é só nas cortes e nas grandes cidades que os costumes e usanças se modificam e transformam de tempos em tempos pela continuada comunicação com o estrangeiro e pelo espírito de moda. Nos sertões, porém, costumes e usanças se conservam inalteráveis durante séculos, e pode-se afirmar sem receio que o sertanejo de Goiás ou de Mato Grosso de hoje é com mui pouca diferença o mesmo que o do começo do século passado.

Do meio dessa sociedade tosca e grosseira do sertanejo o nosso herói passa a viver vida selvática no seio das florestas, no meio dos indígenas. Aqui força é que o meu romance tome assim certos ares de poema. Os usos e costumes dos povos indígenas do Brasil estão envoltos em trevas, sua história é quase nenhuma, de suas crenças apenas restam noções isoladas, incompletas e sem nexo. O realismo de seu viver nos escapa, e só nos resta o idealismo, e esse mesmo mui vago, e talvez em grande parte fictício. Tanto melhor para o poeta e o romancista; há largas enchanças para desenvolver os recursos de sua imaginação. O lirismo, pois, que reina nesta segunda parte, a qual abrange os Pousos segundo e terceiro, é muito desculpável; esse estilo um pouco mais elevado e ideal era o único que quadrava aos assuntos que eu tinha de tratar, e às circunstâncias de meu herói.

O misticismo cristão caracteriza essencialmente a terceira parte, que compreende o quarto e último Pouso.

Aqui há a realidade das crenças e costumes do cristianismo, unida à ideal sublimidade do assunto. Reclama, pois esta parte um outro estilo, um tom mais grave e solene, uma linguagem como essa que Chateaubriand e Lamartine sabem falar quando tratam de tão elevado assunto.

Bem sei que a empresa é superior às minhas forças; bom ou mau, porém, aí entrego ao público o meu romance; ele que o julgue.

Ouro Preto, 10 de novembro de 1858

O AUTOR