O Novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação No Brasil: Desafios para A Universidade

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O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil: desafios para a


universidade

Article · June 2018


DOI: 10.51861/ded.dmdo.2.011

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3 authors, including:

Maria Beatriz Machado Bonacelli Martha Delphino Bambini


University of Campinas Brazilian Agricultural Research Corporation (EMBRAPA)
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Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

98 Desenvolvimento em Debate
O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

O novo marco legal de ciência,


tecnologia e inovação no Brasil:
desafios para a universidade

The new legal framework for science,


technology and innovation in Brazil:
challeges for universities
Ana Maria Nunes Gimenez*
Maria Beatriz Machado Bonacelli**
Marta Delpino Bambini***

Resumo Abstract

Este artigo promove uma reflexão sobre a This article promotes a reflection on the evolution of
evolução da legislação brasileira relacionada à Brazilian legislation related to Science, Technology
Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), do ponto and Innovation (CT&I), from the point of view of
de vista das Universidades inseridas em um Universities inserted in a National Innovation System.
Sistema Nacional de Inovação. O estudo teve The study had empirical-theoretical characteristics
características empírico-teóricas e natureza and qualitative nature, seeking to identify the
qualitativa, buscando identificar os principais main challenges imposed on Universities for the
desafios que se colocam às Universidades para assimilation of the new CT&I Legal Framework
a assimilação do novo Marco Legal de CT&I (MLCTI). The results indicate that the enactment
(MLCTI). Os resultados indicam que apenas of new laws alone does not lead to a substantial
a promulgação de novas leis não leva a uma change in the positioning of the actors involved,
mudança substancial no posicionamento dos including Universities. To this end, it is necessary to
atores envolvidos, incluindo as Universidades. Há understand the possibilities opened by the MLCTI and
que se compreender, para isso, as possibilidades to develop a culture and institutional environment
abertas pelo MLCTI e desenvolver uma cultura better suited to the new context, establishing bridges
e um ambiente institucional mais adequados with the productive sector, based on different
ao novo contexto, estabelecendo pontes com o strategies and policies.
setor produtivo, a partir de diferentes estratégias
e políticas. Keywords: Regulatory Framework, Universities,
Systems of Innovation, Technology Transfer.
Palavras-chave: Marco Regulatório, Universidades,
Sistemas de Inovação, Transferência de
Tecnologia..

* Doutora em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (DPCT/IG/UNICAMP).


Pós-doutoranda no DPCT/IG/UNICAMP; bolsista CAPES/BRAIL pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento - INCT/PPED. E-mail: [email protected]
** Doutora em Ciências Econômicas pela Université des Sciences Sociales de Toulouse, França. Professora Livre-
docente do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (DPCT/IG/
UNICAMP). E-mail: [email protected]
*** Doutoranda no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas
(DPCT/IG/UNICAMP). Analista de Transferência de Tecnologia na Embrapa Informática Agropecuária, em
Campinas/SP. E-mail: [email protected]

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Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

INTRODUÇÃO
Nos países em desenvolvimento, as universidades públicas e os institutos públicos
de pesquisa costumam ser os principais locus das pesquisas nacionais, o que torna
cada vez mais relevante a criação de um arcabouço legal e de estruturas próprias
para fomento e facilitação das pontes entre a academia e a sociedade, especialmente
com o setor industrial, com vistas à promoção das atividades de P&D e de inovação,
(WIPO, 2010), levando-se em consideração que o locus preferencial da inovação é a
empresa. Essas interações dependem da existência de estruturas de suporte, como
recursos financeiros e humanos, políticas de incentivo e de apoio ao desenvolvimento
de novas tecnologias e conhecimento, políticas de financiamento e fomento, políticas
de propriedade intelectual. Além disso, também é necessária a criação de uma cultura
favorável à proatividade da comunidade acadêmica frente a esse novo arcabouço e
dinâmicas concebidas. O estabelecimento dessas estruturas é importante não apenas
para profissionalizar a s a tividades d e p roteção, a nálise e v aloração t ecnológica,
como também para os processos negociais e para estimular e facilitar a criação de
um ambiente no qual a transferência de tecnologia, o espírito empreendedor e a
valorização da criatividade e dos direitos à ela relacionados possam gerar círculos
virtuosos de conhecimento e inovação.
Sendo assim, o objetivo deste trabalho é o de promover uma reflexão sobre os
desafios q ue s e colocam p ara a a ssimilação d o n ovo M arco Legal d e C T&I – i mple-
mentado pela lei n. 13.243/2016, com foco especial na atuação das Universidades
Públicas, que efetivamente exercem atividades de ensino e pesquisa. Para tanto,
foi realizada uma pesquisa empírica-documental sustentada por um arcabouço
conceitual que tem o progresso técnico e a dinâmica da inovação como motores do
desenvolvimento econômico e social. Por meio de buscas on-line foram identificados
artigos de opinião, notícias, relatórios técnicos, legislação etc. Os dados são
provenientes de diferentes fontes – repositórios institucionais, jornais (de grande
circulação ou de entidades e associações científicas e d e f omento à p esquisa e à
inovação), entre outros, bem como de diferentes atores – formuladores de políticas,
técnicos, cientistas, juristas e outros. Devido à amplitude da temática e dos resultados
obtidos, optamos por uma abordagem mais suscinta, com foco na evolução do marco
legal da CT&I, e na identificação de gargalos e desafios para a sua assimilação pelas
universidades.
Além desta introdução, o artigo apresenta outras quatro partes, que abordam,
respectivamente: breves considerações sobre o SNI brasileiro, suas forças e fragilidades;
apresentação e análise, não exaustivas, do arcabouço jurídico da inovação no Brasil,
bem como das principais inovações introduzidas pela Emenda Constitucional 85/2015
e pelo novo Marco Legal de CT&I (MLCTI) - implementado pela lei n. 13.243/2016 e
Decreto n. 9.283/2018; reflexões sobre os desafios que se colocam para a incorporação
do MLCTI às práticas rotineiras das atividades inovativas das Universidades Públicas
brasileiras; e, finalmente, considerações finais.

100 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

PARTICULARIDADES DO SISTEMA DE INOVAÇÃO BRASILEIRO:


UMA BREVE EXPLANAÇÃO
Arrocena e Sutz (2000) afirmam que os sistemas de inovação latino-americanos,
em geral, são fracos ou incompletos e que as razões não estão apenas nas deficiências
internas do próprio sistema, mas nos valores, econômico e social, que historicamente
têm sido atribuídos aos conhecimentos endógenos e à inovação. Segundo os autores,
em países desenvolvidos e com sistemas de inovação maduros parece existir um grau
bastante grande (e generalizado) de consenso acerca da importância econômica
e política dos papéis da ciência e da tecnologia para a aumento das capacidades
nacionais, algo que falta na América Latina.
Suzigan e Albuquerque (2011, p. 17), por sua vez, comentam que o Brasil enfrenta
significativas dificuldades para a mobilização de “contingentes de pesquisadores,
cientistas e engenheiros em proporções semelhantes às dos países mais desenvolvidos”
e as empresas se envolvem pouco com atividades de inovação. Entre os motivos desse
quadro estão o tardio processo de industrialização e a forma como foi conduzido,
assim como a tardia criação de instituições de educação superior e de instituições
monetárias e financeiras, elementos que podem explicar, pelo menos em parte, os
limites do nosso sistema de inovação, como também a fraca articulação com o setor
produtivo.
Segundo Mazzucato e Penna (2016), o Estado brasileiro deve adotar uma nova
abordagem para a construção de uma política de inovação estratégica e eficiente que,
sem deixar de considerar os pontos fortes e fracos do sistema de inovação brasileiro,
coloque a inovação no centro da política de desenvolvimento econômico, conectando
as políticas de natureza econômica, conduzidas pelo Ministério da Fazenda às
promovidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
(MCTIC). Essa nova abordagem foi chamada de política orientada por missões
(“mission-oriented”). “As políticas orientadas por missões podem ser definidas como
políticas públicas sistêmicas que se baseiam em conhecimentos de fronteira para
atingir metas específicas ou ‘ciência grande implantada para enfrentar problemas
grandes’” (MAZZUCATO; PENNA, 2016, p. 6), tendo em vista que a existência de
missões bem definidas fornece um senso de direção e orientação a todos os atores
que integram o sistema de inovação, favorecendo sua evolução, amadurecimento
e, consequentemente, melhoria da sua capacidade de resposta às demandas da
sociedade.
Em que pese a existência de instituições-chave indispensáveis à conformação
dos quatro tipos de subsistemas necessários, quais sejam: o subsistema de educação
e pesquisa; o subsistema de produção e inovação; o subsistema de financiamento
público e privado; e o subsistema de políticas e regulação, existem importantes
fragilidades que obstam a evolução do SNI brasileiro (MAZZUCATO; PENNA, 2016).
No Quadro 1 foram sintetizadas as principais fraquezas ou fragilidades do SNI brasileiro:

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Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

Quadro 1 – Fraquezas do SNI brasileiro

Fraquezas
Política CT&I apresenta-se mais como bandeira da comunidade científica e menos como política
estratégia do Estado brasileiro.
Inexistência de uma agenda estratégica consistente e sustentável, a longo prazo, que dê coerência às
políticas públicas realizadas pelas diferentes instituições públicas e que oriente a pesquisa científica e
aos agentes privados em seus esforços de inovação.
Entraves jurídicos e institucionais à inovação: gargalos de coordenação; gargalos de sinergia nas relações
público-privadas; gargalos de aprendizado e experimentação na política; gargalos na seletividade da
política.
Fragmentação e antagonismo entre os subsistemas de educação e pesquisa e de produção e inovação:
por exemplo, agendas de pesquisa desconectadas com as necessidades da sociedade; falta de demanda,
pelo setor industrial, do conhecimento produzido na academia; baixa propensão para inovar do
subsistema de produção e inovação.
Ineficiência do subsistema de política e regulação, especialmente, com a sobreposição de
responsabilidades, descontinuidade dos investimentos e de programas, burocracia excessiva, entre
outras.
Fonte: elaborado pelas autoras a partir de Mazzucato e Penna (2016); Pacheco (2018) e Coutinho e Mouallem (2018).

Em palestra ministrada na Universidade Estadual de Campinas, em agosto de 2018,


Carlos Américo Pacheco afirmou que uma das mais importantes fragilidades do SNI
brasileiro reside na grande dificuldade para definição das prioridades, bem como para
coordenar as ações de governo (especialmente os orçamentos atrelados às políticas
e aos diferentes ministérios envolvidos) e para interagir com outros atores do sistema
de inovação. O MCTIC, segundo ele, encontra-se isolado das outras áreas do governo,
além de deter baixa capacidade de coordenação, o que torna extremamente difícil
legitimar mudanças sensíveis na distribuição dos recursos. Desse modo, “o ativismo
estatal está muito mais focado na criação de instrumentos, especialmente pela via
legislativa, do que em estratégias de ação” (PACHECO, 2018)1.
Coutinho e Mouallem (2018), por seu turno, afirmam que os entraves jurídicos
e institucionais à inovação no Brasil, que os autores chamam de gargalos, seriam
os seguintes: gargalos de coordenação – insuficiente coordenação entre os órgãos
públicos – tanto entre as instituições gestoras do fomento, como as de controle;
gargalos de sinergia nas relações público-privadas – desarticulação e descompasso
nas interações entre o setor público e o privado (“fragilidade da relação triangular
entre Estado, empresas e universidades); gargalos de aprendizado e experimentação
na política – a capacidade de coordenação deve ser constantemente revisada e
aperfeiçoada; e gargalos na seletividade da política – dificuldade para realizar escolhas
e priorizar setores mais intensivos em inovação e traçar objetivos definidos, com vistas
a evitar a pulverização de recursos. Para Buainain, Corder e Bonacelli (2018, p. 42),
embora o SNI brasileiro seja robusto e complexo,
é um sistema que não tem densidade e nem amplitude para apoiar e viabilizar pro-
cessos de inovação mais amplos, nas pequenas e médias empresas, e para aden-
sar e elevar a importância da inovação e agregação de valor nas cadeias de valor
nas quais o país conta com empresas líderes competitivas. É também um sistema

102 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

desequilibrado e concentrado regionalmente, que sofre descontinuidades que


caracterizam as políticas públicas no país, vinculadas tanto às flutuações da conjun-
tura econômica como às mudanças de governos, que ainda não assumiram que as
políticas de CT&I são intervenções de médio e longo prazo e que as modificam em
função de conveniências de curto prazo.

Em estudo relativo a políticas de inovação do Brasil, Argentina e China e capacidades


estatais comparadas, Castro (2016) concluiu que no Brasil, em que pese o Plano Brasil
Maior (PBM), instituído pelo Decreto nº 7.540/2011, tenha estabelecido um sistema
de gestão para a integração das ações governamentais voltadas às políticas industrial,
tecnológica e de comércio exterior, na prática, “as coordenações sistêmicas parecem
atuar mais em aconselhamento e indicações de políticas que na efetiva formulação e
articulação de políticas” (CASTRO, 2016, p. 18).
Essas fragilidades e deficiências chamam atenção para a necessidade de desen-
volvimento e melhoria das capacidades estatais2, bem como para a transformação
das instituições públicas para que o Estado brasileiro possa fazer frente aos desafios
que se colocam para a consolidação de seu Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia
e Inovação. Dessa forma, um arcabouço institucional que estimule e facilite o
aprendizado contínuo, as interações e relacionamentos entre as organizações que
desenvolvem novos conhecimentos e inovações, garantindo os direitos de titularidade
e propriedade intelectual dos ativos gerados, é parte essencial desse processo.

A CONSTRUÇÃO DO NOVO MARCO LEGAL DE CT&I NO BRASIL


O arcabouço jurídico da inovação no Brasil inclui um número considerável de
normas jurídicas -portarias ministeriais, leis, decretos, etc. - referentes, principalmente
à Política Industrial e de Comércio Exterior, aos incentivos à inovação tecnológica no
ambiente produtivo, aos incentivos fiscais, às parcerias público-privadas, compras e
contratações, e atividades de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) no país. A Lei de
Inovação (Lei nº 10.973/2004) e o seu decreto regulamentador (Decreto nº 5.563/2005),
concederam eficácia aos artigos 218 e 219 da Constituição Federal brasileira que tratam
da ciência e da tecnologia. Esse arcabouço jurídico-institucional foi especificamente
criado para incentivar a inovação e a pesquisa científica no ambiente produtivo, com
vistas à autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País. O Quadro 2
apresenta, sinteticamente, esses marcos.

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Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

Quadro 2 – Evolução do Arcabouço Jurídico-Institucional


relativo à Ciência, Tecnologia e Inovação no país

Ano Marco Regulatório Propósito

1996-1998; Propriedade Lei nº 9.279/1996 (Propriedade Industrial); Lei nº 9.456/1997


2007 Intelectual (Cultivares); Lei nº 9.609/1998 (Programa de computador); Lei
nº 9.610/1998 (Direitos Autorais e Conexos); Lei nº 11.484/2007
(Topografia de Circuito Integrado).
1999 Fundos Setoriais de São instrumentos de financiamento de projetos de pesquisa,
Ciência e Tecnologia desenvolvimento e inovação no País. O primeiro foi o CT Petro,
criado para estimular a inovação na cadeia produtiva do setor
de petróleo e gás natural, a formação e qualificação de recursos
humanos, bem como parcerias entre empresas e universidades,
instituições de ensino superior ou centros de pesquisa.
2003-2004 Política Industrial, Foi concebida para aumentar a eficiência da estrutura produtiva,
Tecnológica e de a capacidade de inovação das empresas brasileiras e expansão
Comércio Exterior das exportações.
2004 Lei de Inovação n˚ Foi concebida para incentivar a inovação e a pesquisa científica
10.973/2004 e tecnológica, especialmente no ambiente produtivo, mas sob
a concepção de um SNI. Revelou-se uma PPP (Parceria Público-
Privada), com a intenção de capacitar agentes públicos e
privados para a promoção da inovação no país.
2005 Decreto nº Regulamentou a Lei de Inovação (Lei no 10.973/2004).
5.563/2005
2005 Lei de Incentivos Também conhecida como Lei do Bem, dispôs sobre Incentivos
Fiscais n˚ fiscais para a inovação tecnológica.
11.196/2005
2006 (...) Leis Estaduais de Entre os primeiros estados a legislarem estão: Amazonas (2006);
Inovação São Paulo (2008), Rio de Janeiro (2008), Minas Gerais (2008),
Bahia (2008), Pernambuco (2008), Ceará (2008), Mato Grosso
(2008), entre outros.
2007-2010 Ciência, Tecnologia Considerado o principal documento de planejamento do
e Inovação para o Governo Federal para a ciência, tecnologia e inovação no
Desenvolvimento período 2007-2010. Voltou-se, especialmente, à definição de
Nacional: Plano de prioridades estratégicas, inciativas, ações e programas de
Ação (PACTI) 2007- estímulo à P,D&I nas empresas, entre outros objetivos.
2010)
2012-2015 Estratégia Nacional A ENCTI deu continuidade e aprofundou o Plano de Ação em
de Ciência, Ciência, Tecnologia e Inovação 2007-2010 (PACTI).
Tecnologia e
Inovação (ENCTI)
2015 Emenda Alterou e adicionou dispositivos na Constituição Federal para
Constitucional nº 85 atualizar o tratamento das atividades de ciência, tecnologia e
de 26 de fevereiro de inovação.
2015 (EC 85/2015)
2016 Lei nº 13.243, de 11 Dispôs sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à
de janeiro de 2016 - capacitação científica e tecnológica e à inovação, tendo alterado nove leis,
Novo Marco Legal de especialmente, a Lei de Inovação (2004).
Ciência, Tecnologia e
Inovação (MLCTI)
2018 Decretoº 9.283, de 7 Regulamentou o conjunto de alterações introduzidas pelo Novo MLCTI.
de fevereiro de 2018

Fonte: elaboração própria.

104 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

Neste estudo discutimos algumas das inovações introduzidas no arcabouço


jurídico da ciência, tecnologia e inovação, especificamente, por duas normas: a
Emenda Constitucional nº 85 de 26 de fevereiro de 2015 (EC 85/2015); o Novo Marco
Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016) e seu
Decreto regulamentador (nº 9.283/2018).

EVENTOS PREPARATÓRIOS À INSTAURAÇÃO DE UM NOVO


MARCO LEGAL
O Novo Marco Legal é o resultado de discussões iniciadas no ano de 2011, con-
forme apresentado no Quadro 3, a seguir.

Quadro 3 – Discussões prévias à aprovação do PL n°.2177

Período Descrição dos Fatos Ocorridos

04/2011 A audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da


Câmara dos Deputados, para subsidiar o Projeto de Lei.
08/2011 Apresentação do Projeto de Lei n°. 2177/2011 na Câmara de Deputados para instituir o
Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil.
10/2013 Última audiência pública antes da votação do Projeto de Lei 2177/11, na Câmara dos
Deputados.
05/2014 Pedidos recorrentes de parlamentares ligados à área de CT&I para inclusão do Projeto de
Lei (PL) 2177 na pauta de votações do Plenário da Câmara dos Deputados, fruto de um
grupo de trabalho formado pela SBPC, ABC, CONSECTI e CONFAP.
06/2014 Reunião de representantes do setor científico e tecnológico com parlamentares, na
Câmara dos Deputados, para tratar mais uma vez sobre o novo marco legal para o setor.
07/2015 Redação final aprovada e assinada pelo Relator do PL 2177/2011; encaminhamento ao
Senado Federal, onde o Projeto recebeu nova numeração (PL 77/2015).
01/10/2015 A Medida Provisória (MP) 694/2015 suspendeu os efeitos dos artigos 19, 19A e 26 da Lei
do Bem (a partir de 2016), a qual permitia que empresas deduzissem, de seus impostos
anuais, os investimentos em P&D&I. É um incentivo importante e que motivou o
desenvolvimento de centros de P&D de multinacionais no país. No entanto, a MP perdeu
o efeito em 08 de março de 2016, por não ter sido convertida em lei, no prazo de 120 dias
da sua publicação (60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias).
24/10/2015 Aprovação por unanimidade, nas comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Ciência e
Tecnologia (CCT) do Senado Federal, do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 77/2015, antigo
Projeto de Lei (PL) 2177/2011, que altera e aperfeiçoa nove legislações que regulamentam
as atividades de ciência, tecnologia e inovação (CT&I).
01/12/2015 Atraso na votação da PL 77/2015 em função da votação do déficit do Governo, do evento
COP 21 na França (os relatores do projeto estariam na comitiva do governo).
08/12/2015 Com o intuito de acelerar a aprovação do chamado Código de Ciência, Tecnologia e
Inovação (projeto de lei nº 77/2015) no plenário do Senado Federal, e, em seguida, a
sanção presidencial, 17 instituições nacionais, dentre elas, a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), lançaram um documento intitulado “Aliança em Defesa do
Novo Marco Legal de CT&I”.
09/12/2015 Aprovação, no Senado, do PL 77/15, que institui o Código de Ciência, Tecnologia e
Inovação e promove uma série de ações para o incentivo à pesquisa, à inovação e ao
desenvolvimento científico e tecnológico. Matéria enviada à análise e sanção presidencial.
18/12/2015 Formação de uma Aliança em Defesa do Marco Legal da CT&I para conscientização sobre
a aprovação do PLC 77/2015 sem vetos.
Fonte: elaborado pelas autoras a partir de buscas realizadas nas seguintes bases: Agência ABIPTI, Jornal da Ciência/SBPC, ANPEI, Senado Federal,
Câmara dos Deputados.

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Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

Pacheco, Bonacelli e Foss (2017, p. 214) explicam que a ideia original era o estabe-
lecimento de Código Nacional de CT&I,
que contemplava a robustez e a complexidade de um compêndio de leis relaciona-
das à CT&I. Após rodadas de audiências e consultas públicas sobre o Projeto de Lei
2177 de 2011, a proposta de um código foi abandonada em favor de uma estratégia
mais pontual que visava modificar a Constituição Federal e revisar a Lei de Inova-
ção, bem como alterar outras normas relativas à CT&I. Essa estratégia resultou na
Emenda Constitucional n. 85, de 26 de fevereiro de 2015, e na Lei n. 13.243, de 12
de janeiro de 2016, que passou a ser conhecida por “Marco Legal da CT&I” (MLCTI).

Nota-se, portanto, que o processo de construção do Novo Marco iniciou em abril


de 2011, com audiência pública na Câmara dos Deputados, sendo fruto de discussões
e preocupações que envolveram não apenas o Poder Legislativo, como também a
comunidade científica nacional, bem como organizações da sociedade civil.

AS ALTERAÇÕES CONSTITUCIONAIS: A EC N°. 85/2015


A Emenda Constitucional nº 85 de 26 de fevereiro de 2015 (EC 85/2015) preparou
o caminho para as regras do Novo Marco, incorporando na Constituição Federal um
novo direcionamento para o tratamento da temática da ciência, tecnologia e inovação.
A EC 85/2015 permitiu a flexibilização do orçamento, permitindo a realocação de
recursos quando o objetivo for a viabilização de projetos de ciência, tecnologia e
inovação, conforme transcrição a seguir:
§ 5º A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma
categoria de programação para outra poderão ser admitidos, no âmbito das
atividades de ciência, tecnologia e inovação, com o objetivo de viabilizar os re-
sultados de projetos restritos a essas funções, mediante ato do Poder Executivo,
sem necessidade da prévia autorização legislativa prevista no inciso VI deste
artigo (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Pedrosa (2018, p. 10) explica que esse novo permissivo legal representa uma
exceção ao princípio da proibição de estorno, expressamente previsto no art. 167,
VI da CF. Em outras palavras, recursos previstos na Lei Orçamentária podem ser
direcionados/remanejados/transpostos para outras áreas, orgãos etc., com o intuito
de viabilizar projetos estritamente ligados à atividades de ciência, tecnologia e
inovação, bastando, para tanto, a edição de um Decreto do Poder Executivo (exceção
ao princípio da legalidade, já que essa realocação depende de lei).
A Emenda também alterou o “sistema de repartição de competências consti-
tucionais, incluindo ciência e tecnologia no rol das competências comuns e
concorrentes” (PEDROSA, 2018, p. 11). Sendo assim, com a EC 85/2015 os incisos V, do
artigo 23 e o inciso IX, do artigo 24, passaram a ter a seguinte redação (as partes em
negrito foram acrescentadas pela Emenda):
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:

106 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

[...] V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à


tecnologia, à pesquisa e à inovação;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrente-
mente sobre:
[...] IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, de-
senvolvimento e inovação (BRASIL, 1988; 2015, grifo nosso).

A competência comum (cumulativa), prevista no artigo 23 da Constituição Federal,


significa que tanto a União, quanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem
legislar sobre as matérias previstas no rol do referido artigo. No caso da competência
concorrente (artigo 24), caberá à União estabelecer as regras gerais, estando os demais
entes federativos (exceto os Municípios) autorizados a legislarem sobre as mesmas
matérias, com observância da regra geral estabelecida pela União.
No capítulo que trata da Educação, Cultura e do Desporto, foi definido que o
Poder Público concederá apoio financeiro às atividades de pesquisa, de extensão e de
estímulo e fomento à inovação realizadas não apenas por universidades, mas também
por instituições de educação profissional e tecnológica (artigo 213, § 2º). No capítulo
que trata da Ciência, Tecnologia e Inovação foi introduzida uma das mais importantes
alterações promovidas pela Emenda nº 85, ou seja, a institucionalização do Sistema
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), ao acrescentar no corpo normativo
da Constituição Federal os artigos 219-A e 2019-B.
Art. 219-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar
instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades pri-
vadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e
capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimen-
to científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não
financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei.
Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será orga-
nizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com
vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação (BRASIL,
1988, 2015).

A EC 85/2015 também estabeleceu que o Estado deverá proporcionar tratamento


prioritário à pesquisa básica e tecnológica; apoiar a formação de recursos humanos
para atuarem nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, inclusive por meio da
extensão tecnológica; estimular o investimento empresarial em inovação; a articulação
entre entes públicos e privados; entre outros (artigos 218 a 219-B), como também
incluiu entre as competências do Sistema Único de Saúde (SUS), a incrementação
do desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação, no âmbito da sua área de
atuação (artigo 200, inico V). Segundo o MCTIC, em face desse novo quadro normativo,
o mérito da EC 85/2015 foi o de “conferir maior destaque às políticas de Estado
relacionadas com o tema CT&I, abrindo a oportunidade para uma regulamentação
que possa conferir maior centralidade aos assuntos do setor pelos entes da Federação”
(2017, p. 74).

v.6, n.2, p.99-119, 2018 107


Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

A LEI Nº. 13.243/2016: ENFIM UM NOVO MARCO LEGAL DA


CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
A Lei nº 13.243/2016 (regulamentada pelo Decreto nº 9.283/2018) promoveu
alterações significativas no arcabouço jurídico da inovação (ao todo, nove leis foram
alteradas) para que fosse possível introduzir o novo regramento legal, conforme
listado no Quadro 4.

Quadro 4 - Leis alteradas pelo Novo Marco Legal

Número da Lei Nome/Escopo da Lei

1 Lei nº 10.973, de 2 de dezembro Lei de Inovação


de 2004
2 Lei nº 6.815, de 19 de agosto Estatuto do Estrangeiro
de 1980
3 Lei nº 8.666, de 21 de junho Lei de Licitações
de 1993
4 Lei nº 12.462, de 4 de agosto Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC
de 2011
5 Lei nº 8.745, de 9 de dezembro Relativa à contratação por tempo determinado para atender a
de 1993 necessidade temporária de excepcional interesse público
6 Lei nº8.958, de 20 de dezembro Relativa às relações entre as instituições federais de ensino superior e de
de 1994 pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio
7 Lei nº 8.010, de 29 de março Relativa às importações de bens destinados à pesquisa científica e
de 1990 tecnológica

8 Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990 Isenção ou redução de impostos de importação

9 Lei nº 12.772, de 28 de dezembro Relativa ao Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal; e Carreira do
de 2012 Magistério Superior
Fonte: elaboração própria.

A seguir, são apresentadas algumas das alterações e/ou inovações introduzidas


pela Lei nº 13.243/2016 (Novo MLCTI):
a) introdução do termo “inovação” ao nome das ICTs - Instituição Científica,
Tecnológica e de Inovação (art. 2º, inciso IV da Lei nº 10.973/2004 - Lei de Inovação);
b) introdução do conceito de extensão tecnológica: “atividade que auxilia no
desenvolvimento, no aperfeiçoamento e na difusão de soluções tecnológicas
e na sua disponibilização à sociedade e ao mercado” (art. 2º, inciso XII da Lei nº
10.973/2004 - Lei de Inovação);
c) permissão para que pesquisadores e docentes de ICTs públicas, em regime de
dedicação exclusiva, exerçam atividade de pesquisa também no setor privado,
com remuneração (art. 14-A da Lei nº 10.973/2004 – Lei de Inovação);
d) concessão de licença não remunerada, a pesquisador público, para constituição
de empresa cujo objeto de exploração esteja relacionado com a inovação (pelo

108 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

prazo de três anos consecutivos, renováveis por igual período) (art. 15 da Lei nº
10.973/2004 - Lei de Inovação) – “pesquisador público: ocupante de cargo público
efetivo, civil ou militar, ou detentor de função ou emprego público que realize,
como atribuição funcional, atividade de pesquisa, desenvolvimento e inovação”
(art. 2º, inciso VIII da Lei nº 10.973/2004 - Lei de Inovação);
e) aumento do número de horas que os docentes vinculados ao regime de
dedicação exclusiva podem dedicar a atividades “esporádica de natureza científica
ou tecnológica em assuntos de especialidade do docente, inclusive em polos
de inovação tecnológica”: passou de 120 horas para 416 horas anuais; 8 horas
semanais (alteração no quadro de carreira do Magistério Federal, art. 21, inciso XII
– Lei nº 12.772/2012);
f) incorporação na Lei do conceito de “capital intelectual: conhecimento acumu-
lado pelo pessoal da organização, passível de aplicação em projetos de pesquisa,
desenvolvimento e inovação” (art. 2º, inciso XIV da Lei nº 10.973/2004 – Lei de
Inovação);
g) obrigatoriedade da instituição de uma política de inovação nas ICTs públicas,
nos termos do artigo 15-A da Lei nº 10.973/2004 – Lei de Inovação:

Art. 15-A. A ICT de direito público deverá instituir sua política de inovação, dispon-
do sobre a organização e a gestão dos processos que orientam a transferência de
tecnologia e a geração de inovação no ambiente produtivo, em consonância com
as prioridades da política nacional de ciência, tecnologia e inovação e com a política
industrial e tecnológica nacional.
Parágrafo único. A política a que se refere o caput deverá estabelecer diretrizes e
objetivos:
I - estratégicos de atuação institucional no ambiente produtivo local, regional
ou nacional;
II - de empreendedorismo, de gestão de incubadoras e de participação no ca-
pital social de empresas;
III - para extensão tecnológica e prestação de serviços técnicos;
IV - para compartilhamento e permissão de uso por terceiros de seus laborató-
rios, equipamentos, recursos humanos e capital intelectual;
V - de gestão da propriedade intelectual e de transferência de tecnologia;
VI - para institucionalização e gestão do Núcleo de Inovação Tecnológica;
VII - para orientação das ações institucionais de capacitação de recursos huma-
nos em empreendedorismo, gestão da inovação, transferência de tecnologia e
propriedade intelectual;
VIII - para estabelecimento de parcerias para desenvolvimento de tecnologias
com inventores independentes, empresas e outras entidades.

h) permissão para que os Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) possam atuar


como Fundações de Apoio - autorização incluída no artigo 1º, § 8º da Lei nº
8.958/1994 (que dispõe sobre as Fundações de Apoio). Além disso, acrescentado o

v.6, n.2, p.99-119, 2018 109


Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

artigo 2º, inciso VII da Lei nº 10.973/2004 (Lei de Inovação) passou a ter a seguinte
redação:
Fundação de apoio: fundação criada com a finalidade de dar apoio a projetos de
pesquisa, ensino e extensão, projetos de desenvolvimento institucional, científico,
tecnológico e projetos de estímulo à inovação de interesse das ICTs, registrada e
credenciada no Ministério da Educação e no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ino-
vação, nos termos da Lei no 8.958, de 20 de dezembro de 1994, e das demais legisla-
ções pertinentes nas esferas estadual, distrital e municipal (grifo nosso).

Redação anterior:
VII - instituição de apoio – fundação criada com a finalidade de dar apoio a proje-
tos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e
tecnológico de interesse das IFES e demais ICTs, registrada e credenciada nos Minis-
térios da Educação e da Ciência e Tecnologia, nos termos da Lei no 8.958, de 20 de
dezembro de 1994 (grifo nosso).

i) estímulo à internacionalização das ICTs, permitindo que atuem no exterior (art.


3º - C, Lei nº 10.973/2004 – Lei de Inovação);
j) dispensa de abertura de processo licitatório para celebração de contratos de
transferência de licenciamentos, que poderão ser firmados diretamente (art. 6º, §
2º da Lei nº 10.973/2004 – Lei de Inovação);
k) tratamento prioritário e simplificação dos procedimentos para importação e
de desembaraço aduaneiro de bens, insumos, reagentes, peças e componentes a
serem utilizados em pesquisa científica e tecnológica ou em projetos de inovação
(Leis nº 8.010/1990 e nº 8.032/1990).
l) simplificação e uniformização dos procedimentos de prestação de contas dos
recursos repassados (art. 27-A, da Lei nº 10.973/2004 – Lei de Inovação).
A Lei nº 13.243/2016 foi sancionada pela Presidente da República com oito vetos,
sendo cinco deles na proposta de aperfeiçoamento e ampliação dos benefícios da Lei
de Inovação (10.973/2004). Os temas abrangidos pelos dispositivos vetados incluem,
entre outros: isenção de incidência de contribuição previdenciária para as bolsas de
estímulo à inovação concedidas aos alunos de graduação e pós-graduação, docentes
e pesquisadores de universidades e instituições científicas e tecnológicas (ICTs)
privadas (somente as bolsas concedidas por ICTs públicas estão isentas); isenção das
importações de empresas para atender projetos de P&D; possibilidade de inclusão,
nos contratos firmados com ICTs, empresas, fundações de apoio, agências de fomento,
de taxa de administração para cobertura de despesas operacionais e administrativas4;
e a dispensa de licitação para contratação de micro, pequenas e médias empresas para
prestarem serviços ou fornecerem bens elaborados com aplicação de conhecimento
científico e tecnológico. Atualmente, encontra-se em tramitação, no Senado Federal,
o Projeto de Lei n° 226/201655, que propõe a recuperação integral da matéria original.

110 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

Finalmente, o Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018 (em 10 capítulos e 87


artigos), regulamentou o conjunto de alterações promovidas pelo Novo Marco. Dado
à abrangência da matéria, foram selecionados alguns dos temas presentes no Decreto,
sobre os quais são destacados dois novos conceitos introduzidos pelo Decreto no
arcabouço jurídico da ciência, tecnologia e inovação brasileiro. O primeiro, é o conceito
de ecossistema de inovação, nos termos do artigo 2º., inciso II, alínea “a”:
ecossistemas de inovação - espaços que agregam infraestrutura e arranjos institu-
cionais e culturais, que atraem empreendedores e recursos financeiros, constituem
lugares que potencializam o desenvolvimento da sociedade do conhecimento e
compreendem, entre outros, parques científicos e tecnológicos, cidades inteligen-
tes, distritos de inovação e polos tecnológicos.

Embora não se trate de uma ideia nova, pois tem sido desenvolvida pela lite-
ratura especializada, sendo conhecida pelos que atuam nessa área, trata-se do seu
enquadramento/reconhecimento oficial (formal), como um dos “ambientes promo-
tores de inovação”, previstos no artigo 2º, II.
O segundo, é o conceito de risco tecnológico (artigo 2º, inciso III): “risco tecnológico-
possibilidade de insucesso no desenvolvimento de solução, decorrente de processo em
que o resultado é incerto em função do conhecimento técnico-científico insuficiente à
época em que se decide pela realização da ação”. É o reconhecimento da necessidade
de tratamento diferenciado às atividades de CT&I, dadas às suas especificidades e que
requerem, portanto, monitoramento e avaliações que levem em conta essas questões.
Sendo assim, em caso de não atingimento das metas estabelecidas, em face de
problemas ligados aos riscos inerentes ao objeto, não haverá o dever de ressarcimento,
nos termos do artigo 48, inciso I, do Decreto.
Cabe ressaltar que o impacto das mudanças propostas pelo novo MLCTI, mas
também dos vetos à nova Lei ainda foram pouco sentidos, pois não basta uma lei ser
promulgada – sua “instalação” não é automática. É necessário que seja compreendida e
disseminada a ponto de integrar-se às práticas rotineiras. Portanto, a sua disseminação
se dá pela aplicação e uso de suas diretrizes pelos atores do SNI, cada qual a sua maneira
e possibilidades. Papel especial têm as agências de financiamento e de fomento à CT&I,
mas também os órgãos de controle, acompanhamento e avaliação. As universidades
também têm um raio de manobra que possibilita a internalização do arcabouço e
dos instrumentos legais e regulatórios da CT&I, os quais, se bem empregados, podem
mudar o perfil, a conduta e os impactos de suas ações e seu desempenho em ensino,
pesquisa e extensão.

UNIVERSIDADES E O NOVO MARCO LEGAL DE CT&I: DESAFIOS


PARA ASSIMILAÇÃO
A partir da segunda metade do século XX, as atividades de transferência de tecno-
logia passaram a ganhar destaque e a ocorrer de forma estruturada e deliberada nos

v.6, n.2, p.99-119, 2018 111


Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

países desenvolvidos, onde, em geral, são vistas como fortemente importantes para o
desenvolvimento técnico-econômico de uma nação.
No entanto, devido aos papéis clássicos da academia e da indústria, a transferência
de tecnologia também pode envolver aspectos indesejáveis, pois existe uma lacuna
cultural entre esses dois atores. Trata-se de um abismo que alguns estudiosos chamam
de “o vale da morte”, pois ambos são essencialmente diferentes, e essas diferenças,
muitas vezes, podem ser conflitantes (WIPO, 2012, p. 4). Sendo assim, “o desafio da
transferência tecnológica é o desafio de interligar essas duas culturas, de construir
uma ponte sobre ‘o vale da morte’, que os separa” (WIPO, 2012, p. 4).
Desde a sua fundação, o objetivo final das universidades tem sido a criação de
conhecimento, sua preservação e disseminação para o benefício das gerações
vindouras. Autonomia e liberdade são duas condições fundamentais para a cultura
acadêmica, cujo propósito é assegurar o seu compromisso com a disseminação do
conhecimento, em seu aspecto mais amplo, sem distinções. A indústria, por outro
lado, possui diferentes metas, sendo que a principal é gerar lucro próprio e, direta ou
indiretamente, proporcionar divisas e riquezas para o país. Sendo assim, na indústria
prepondera o foco em determinados produtos e campos de pesquisa, sob a lógica do
controle e da propriedade. Portanto, um dos grandes desafios que se colocam para
a relação academia-indústria é equilibrar os diferentes interesses: os interesses do
público em geral - beneficiário dos produtos gerados pela academia - notadamente,
a produção e disseminação do conhecimento e a formação de recursos humanos;
e os interesses daqueles que participam do processo - indústria, universidade e
pesquisador. Logicamente que, quando a indústria prospera são criados benefícios
também à sociedade por meio da criação de empregos e do aquecimento da
economia etc. (WIPO, 2012).
Nesse sentido, tanto a academia quanto a indústria servem à sociedade, mas
enquanto o objetivo direto da indústria é a geração de riqueza, em primeiro lugar para
os seus sócios, sendo o benefício público (sociedade) um subproduto desse objetivo,
na academia, por outro lado, o benefício da sociedade é o objetivo central. “A tentativa
de construir uma ponte sobre este ‘vale da morte’, envolve a infiltração do pensamento
empresarial na academia” (WIPO, 2012, p. 8). Ocorre que essa situação tem gerado
desconforto e até mesmo resistência no seio da academia.
Slaughter e Leslie (1997), por exemplo, usam o termo “capitalismo acadêmico”, para
criticar a interiorização pela academia de valores e lógicas do mercado, que segundo
os autores, podem comprometer e colocar em risco os seus próprios valores, a sua
autonomia e o seu modus operandi. Para Florida (1999), a ideia das universidades como
produtoras de tecnologia e motores do desenvolvimento regional é equivocada, pois,
em última análise elas devem cumprir o seu papel de desenvolvedoras de talentos,
não de tecnologia. Esses pontos de vista baseiam-se no temor de que a crescente
ênfase de governos e dirigentes universitários nas interações e relacionamentos com
a indústria, desenvolvimento de tecnologias patenteáveis e realização de transferência

112 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

de tecnologia, possa provocar alterações nas agendas pesquisa, que passariam a


ter enfoques mais utilitaristas, acirrariam a apropriação privada dos resultados da
pesquisa, obstariam a disseminação do conhecimento, em vista da necessidade de
sigilo, entre outros aspectos negativos.
De toda forma, há uma grande mudança em curso, tendo em vista que, no
Brasil, as universidades públicas, como todo ente público que trabalha com ensino
e pesquisa, foram obrigadas a criar em seu interior, instâncias, programas, projetos e
diretrizes (formais e informais) para tratar da transferência de tecnologia e das relações
universidade-sociedade – especialmente com empresas.
Sob a égide de uma economia baseada em conhecimento, da escassez de recursos
financeiros para ensino e pesquisa, e da competição por mecanismos de fomento,
entre outros, se intensificam os debates e as cobranças em torno das contribuições das
pesquisas acadêmicas à sociedade, especialmente quando financiadas com recursos
públicos. As universidades de pesquisa têm um papel importante nos Sistemas
de Inovação dos países, pois formam recursos humanos, treinam pesquisadores,
contribuem para ampliação dos estoques de conhecimento, prestam serviços, entre
outras contribuições.
Trazendo essa discussão para o caso brasileiro, Gimenez (2017), que investigou a
relação universidade-sociedade no Brasil e no exterior, concluiu que na universidade
pública brasileira ainda imperam algumas visões contraditórias acerca da pertinência
e da legitimidade dos envolvimentos com os diversos setores da sociedade,
preponderando, em muitos casos, resistência às interações com empresas, ao
patenteamento e à transferência de tecnologia, bem como posturas e preferências
extensionistas que ainda denotam um ranço assistencialista. Arbix e Consoni (201, p.
205), por seu turno, afirmam que mesmo tendo ocorrido mudanças que impactaram
positivamente as estruturas institucionais das universidades, favorecendo as ações de
proteção à propriedade intelectual e de transferência de tecnologia, nota-se que
a universidade brasileira permanece insulada e carece de canais de ligação capazes
de viabilizar a estreita sintonia com os esforços que faz o país para se desenvolver. A
realização desse debate, muitas vezes tomado falsamente como um ataque à auto-
nomia universitária, é cada vez mais urgente. A universidade, no mundo todo, vive
uma segunda revolução acadêmica. Ensino e pesquisa combinam-se agora com for-
te atuação de transferência de conhecimento para a sociedade. No Brasil, é urgente
a necessidade de se ampliar a sinergia e os fluxos de conhecimento entre universi-
dade e sociedade, determinantes para a absorção, a aprendizagem e a geração de
inovação e tecnologia.

Segundo Pacheco (2018), o uso e implementação do arcabouço jurídico e legal


relativo à CT&I no país dependem fortemente das Fundações de Apoio à C&T e das
agências de fomento, que podem internalizar em seus programas, projetos e editais
as novas normas, disseminando assim as novas diretrizes embutidas no quadro legal
da CT&I. Dessa forma,

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Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

[...] não basta constar do texto da Lei que parcerias púbico-privadas promoverão
ambientes propícios à inovação, mas sim é necessário o comprometimento dos ato-
res envolvidos para que sejam criados os arranjos jurídico-institucionais necessários
para instrumentalizar as parcerias almejadas (PACHECO; BONACELLI; FOSS, 2017, p.
214).

Junta-se a isso, a necessidade de uma outra postura do Direito Administrativo,


capaz de também internalizar tais mudanças e tentativas de modernização do
aparato jurídico, desfazendo entraves para a difusão de uma cultura em prol das
atividades de inovação, as quais, pela sua natureza, envolvem riscos, incertezas e
prazos mais longos para a maturação de projetos e investimentos. No entanto, não se
trata de uma tarefa fácil, pois, em primeiro lugar, as regras jurídicas comumente não
conseguem acompanhar a dinâmica social, ao contrário. É comum que estejam quase
sempre defasadas em face da celeridade das mudanças, especialmente no campo do
avanço tecnológico, mas não somente. A morosidade do processo legislativo, aliada
à necessidade de estabilidade institucional e segurança jurídica explicam, em parte,
esse processo de transformação mais lento, embora existam situações de fronteira,
como é o caso do Código Civil, publicado em 2002, cuja tramitação perdurou por
27 anos.
Isso assume outros contornos quando se está no âmbito do Direito Público,
tendo em vista que o regime jurídico-administrativo delineia-se em função de dois
princípios fundantes, quais sejam: a supremacia do interesse público sobre o privado;
e a indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos, tendo em vista
que seu comprometimento último é com o interesse geral da sociedade (BANDEIRA
DE MELLO, 2018). Além disso, a Administração Pública, da qual fazem parte as ICTs
públicas - como as universidades, as fundações, os institutos de pesquisa, bem como
as agências de fomento e outros entes, que integram a administração pública indireta,
também estão atreladas aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (Constituição Federal, artigo 37, caput), evidenciando rigidez
e controle dos atos praticados. No entanto, no entendimento de Ribeiro (2016), o
Direito Administrativo deve ser entendido a partir de um viés instrumental que lhe
permita atender a demandas concretas e cotidianas que influenciam a atividade
administrativa. Logo:
Esse caráter cotidiano e concreto resulta em que o direito administrativo e seus ar-
ranjos jurídicos respondam também a fatores externos de pressão e conformação,
como a premência fiscal, o controle externo, as desigualdades sociais, a competi-
tividade de empresas nacionais no plano global e, especialmente para o que aqui
importa, ao desenvolvimento tecnológico (RIBEIRO, 2016, p. 189).

Sendo assim, o conjunto de alterações promovidas pela Emenda Constitucional


85, bem como pela Lei nº 13.243/2016 amenizou parcialmente essa rigidez ao permitir,
por exemplo, a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de
uma categoria de programação para outra, em se tratando de projetos de ciência,

114 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

tecnologia e inovação, por meio de Decreto Presidencial – mais célere (e não de lei, que
é a regra geral), a dispensa de licitação para celebração de contratos de transferência
de e licenciamentos, a simplificação da prestação de contas, entre outras.
Em um nível mais geral, pode-se afirmar que o engajamento de atores como
agências e fundações de fomento e financiamento, de controle, acompanhamento e
avaliação, para a disseminação das novas regras é fundamental, Logo, é necessário
que sejam entendidos e internalizados os ditames do MLCTI e de outros marcos legais
para que seja possível dar conta das novas formas de interação Universidade-Empresa
(U-E). A criação de instrumentos interpretativos como guias e manuais para os usuários
torna-se também um imperativo para a efetivação das regras.
Além disso, é preciso que os estados realizem adaptações em suas leis de inovação
(COSTA, 2018). Especialmente no que diz respeito às leis estaduais6, as adaptações são
urgentes e relevantes, tendo em vista a possibilidade de antinomias jurídicas, ou seja,
eventuais situações conflitantes e contraditórias entre a regra federal (o novo Marco
Legal de CT&I) e as legislações estaduais. Para alguns estados, entretanto, é necessário
que a lei ainda seja criada, ou regulamentada, tendo em vista que nem todos os
estados brasileiros haviam implementado suas leis de inovação até data da entrada
em vigor do novo MLCTI7.
Desse modo, a assimilação do MLCTI pelas universidades e outras ICTs envolve
um conjunto mais amplo de fatores, para além arcabouço normativo e do seu
conhecimento, tendo em vista que requer também um ambiente institucional no qual
a cultura do empreendedorismo, da criatividade e da inovação promova, estimule
e valorize a proatividade da academia. Sem a concorrência desses fatores, o novel
arcabouço legal terá reduzida efetividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o final dos anos 1990, imprimiu-se no país um conjunto de leis de
suporte às ações de C&T, reforçadas, posteriormente, por arcabouços legais voltados
fortemente ao estímulo de atividades de Pesquisa e Desenvolvimento e de Inovação.
Com uma concepção mais clara do papel das empresas nesse processo, mas também
da própria concepção de Sistema de Inovação, a relação Universidade-Empresa fica
ainda mais relevante em países cuja atividade de P&D se encontra fortemente atrelada
às universidades, como é o caso do Brasil. No entendimento de Philippi Jr. (2018),
somente poderemos contornar as dificuldades que bloqueiam a interação eficaz entre
as universidades e as empresas se forem garantidos três elementos essenciais:
1. Projeto de Estado com continuidade, que se mantenha prioritário no curso de
várias administrações sucessivas.
2. Foco em problemas não resolvidos, cujas soluções não existam prontas para
serem importadas.

v.6, n.2, p.99-119, 2018 115


Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

3. Pessoal capacitado e dedicado nas universidades e centros de P&D das indústrias.


Sem esses três componentes, fica muito difícil dar saltos tecnológicos. Podemos
até ter bom desempenho em vários setores industriais, mas com pouca capacidade
competitiva em nível internacional (PHILIPPI JR., 2018, p. 67).

Da parte governamental, é necessário, pois, que seja iniciado um processo de


aperfeiçoamento e aprendizado por meio do qual possam ser revistos, testados,
corrigidos e equalizados continuamente, não apenas as políticas, a legislação, mas
também outros mecanismos e instrumentos necessários à consolidação e evolução
do novo arcabouço de CT&I. É imprescindível que esse processo também contemple
a melhoria dos canais de comunicação, para que informações relevantes aos demais
atores do SNI possam fluir com mais facilidade, com vistas ao favorecimento das
interações, especialmente a tão desejada relação triangular universidade-indústria-
governo. Logo, é necessário que o Estado brasileiro desenvolva capacidades estatais
que possam contribuir para que as políticas de CT&I sejam políticas de Estado e
não somente uma bandeira da comunidade científica e de associações e entidades
interessadas, bem como atuar no sentido de melhoria das capacidades de governança
e coordenação, conforme apontado por estudiosos dessa temática.
O novo Marco Legal de CT&I constitui uma iniciativa importante para o
aperfeiçoamento do SNI brasileiro. Porém, muitas ressalvas devem ser feitas como
colocado anteriormente sobre o papel dos agentes de financiamento e de fomento à
CT&I no país e do próprio Direito Administrativo.
No que se refere às universidades e suas possibilidades de interação com o setor
produtivo e outros atores que compõem o sistema, entende-se que a nova legislação
necessita ser mais bem compreendida no âmbito da gestão universitária, a fim de
que normativas internas possam ser reavaliadas para se beneficiar de alterações
implementadas pelo novo marco legal. É importante considerar que embora existam
exemplos notáveis de envolvimento das universidades públicas com atividades
ligadas à cultura do empreendedorismo, da inovação e ações de transferência de
tecnologia e propriedade intelectual, tais envolvimentos não são consensuais e não
estão generalizados no Brasil. Isso pode ser o resultado de diferentes fatores, como
visões estreitas acerca das possibilidades de vinculação da universidade com os
diversos setores da sociedade, preferência pela prestação de serviços comunitários e
ações voltadas a grupos menos favorecidos e a atividades artísticas e culturais, receio
de preterimento das atividades de ensino às atividades de colaboração com empresas
e outras entidades não acadêmicas, perda de liberdade de escolha e temas de
pesquisa, entre outros fatores. São preocupações que já foram fortemente discutidos
em vários estudos e fóruns de debate, apontando que tais temores não têm razão de
ser. Por sua vez, o que é verdadeiro são os entraves causados pela falta de recursos
financeiros e humanos a serem destinados a essa interação, e, mais grave, a dificuldade
de interpretação e implementação das diretrizes do arcabouço legal e regulatório
voltado à CT&I.

116 Desenvolvimento em Debate


O novo marco legal de ciência, tecnologia e inovação no Brasil

Do ponto de vista das empresas, é interessante também um esforço de


compreensão da nova legislação para que possam beneficiar-se de parcerias com
universidades, a fim de potencializar seus esforços de Pesquisa, Desenvolvimento e
Inovação.
A existência de um arcabouço jurídico para a ciência, tecnologia e inovação e
de outras estruturas e mecanismos que estimulem e facilitem a interação entre as
instituições científicas e tecnológicas e as empresas é o primeiro passo (mas longe de ser
suficiente), para o favorecimento de uma cultura de valorização das atividades criativas,
da sua proteção, mas é necessário que essas regras sejam conhecidas e incorporadas
às práticas rotineiras da academia. Para tanto, é indispensável a existência de diretrizes
internas claras e objetivas, proatividade e comprometimento da direção central, canais
de comunicação internos e externos eficientes. Ao favorecer internamente a cultura
do empreendedorismo e da inovação, as universidades contribuem para a criação de
círculos virtuosos de estímulo à criatividade e proatividade, formando e qualificando
recursos humanos com potencial para a replicação desse aprendizado na sociedade.

Notas
1
Carlos Américo Pacheco é o Diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
2
Sobre capacidades estatais, para Evans (2008), devido à crescente importância que ativos intangíveis
assumiram no século XXI, especialmente, as ideias, as habilidades e as redes, torna-se crucial a construção
de mecanismos e instrumentos que capacitem o Estado para a promoção de novas dinâmicas
econômicas e sociais.
3
Ver em Instituto CODEMEC. Leis Estaduais de Inovação. Disponível em: <http://codemec.org.br/geral/
leis-estaduais-de-inovacao/>; e Em discussão: Revista de audiências públicas do Senado Federal, ano 3, n.
12, setembro de 2012. Disponível em: <https://bit.ly/38nmbIO>. Acesso em: Acesso em: 21 nov. 2018.
4
“Este veto impacta diretamente as fundações das universidades, responsáveis, em sua maioria, pelo
trâmite financeiro e burocrático da execução dos projetos de parceria. A alteração da Lei 13.243 propunha
sanar riscos jurídicos na cobrança de taxas de administração por parte das fundações. O efeito esperado
desta proposição era a simplificação da administração dos contratos assinados e a desburocratização
e simplificação dos projetos de P,D&I, que acabam embutindo os custos desta transação em seu bojo
(In: ANPEI. Posicionamento Anpei: vetos presidenciais ao Marco Legal de C,T&I. 14 jan. 2016. Disponível em:
<https://bit.ly/38tFX5A>. Acesso em: 21 nov.2018.
5
Projeto de Lei do Senado n° 226, de 2016. Ementa: Altera a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a Lei
nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, e a Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990, para aprimorar a atuação das ICTs
nas atividades de ciência, tecnologia e inovação, e dá outras providências. Ver em: <https://bit.ly/2PeA9Fr>.
Acesso em: 21 nov. 2018.
6
Uma tentativa de contribuir com os desafios dessas novas diretivas no caso do Estado de São Paulo, é
o conjunto de artigos que comentam os termos do Decreto voltado à inovação e a sua capacidade de
implementação e mudança no patamar do desenvolvimento econômico, social e tecnológico do estado.
Ver Monteiro, In: Cadernos de Direito e Inovação n. 1 – “Decreto Paulista de Inovação”. Núcleo Jurídico do
Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto
7
Até março de 2018 apenas os estados de São Paulo e Minas Gerais já haviam adaptado as suas leis de
inovaçãoao novo marco e alguns ainda não haviam criado as suas leis de inovação (cf. informações
disponíveis em Izique,C. Marco legal da inovação estreita relação entre instituições científicas e empresas.
Agência FAPESP, 02 demarço de 2018. Disponível em: <https://bit.ly/36Bmdvd). Acesso em: 21 nov. 2018.

v.6, n.2, p.99-119, 2018 117


Ana Maria Nunes Gimenez, Maria Beatriz Machado Bonacelli e Marta Delpino Bambini

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