2 - Aquisição de Língua Materna - Tema 1

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Pandaemonium germanicum 10/2006, 283-338


As interferências da Língua Materna e o
aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira
por crianças bilíngües

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Karen Pupp Spinassé*

Abstract: A learner’s mother tongue influences the acquisition or learning of


another language, regardless of whether we are dealing with a second or a
foreign language. But there are other factors influencing these processes. One
can therefore only analyze these interferences by taking into account certain
factors which include elements transferred from the mother tongue, elements
from other languages that the learner has already learned, and elements coming
from the language being learned or acquired. Moreover, these so-called
interferences do not only occur at the linguistic level, but also at the extra-
linguistic level. This paper describes and discusses these factors in order to
describe the process of learning German as a foreign language in Brazil and
its peculiarities with regard to bilingual education. Through the description
and analysis of empirical data and on the basis of the theory of the “great
hypotheses”, this text aims at better understanding the relationship between
first and foreign/second language and their mutual interferences.

Keywords: Interference; Second language acquisition; Foreign language


learning; Bilingual education.

*
A autora é bolsista Pós-Doc do CNPq na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.

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Pupp Spinassé, K. – As interferências da Língua Materna

Zusammenfassung: Die Muttersprache beeinflusst den Erwerbs- oder


Lernprozess einer weiteren Sprache – unabhängig davon, ob es sich dabei um
eine Zweit- oder um eine Fremdsprache handelt. Es gibt aber auch andere
Faktoren, die bei diesen Prozessen eine wichtige Rolle spielen. Daher kann
man den Einfluss anderer Sprachen beim Erwerb oder Erlernen einer weiteren
Sprache nur dann richtig einschätzen, wenn mehrere Faktoren für die Analyse
untersucht werden. Der hier beschriebene Ansatz bezieht sich daher sowohl
auf Elemente, die aus der Muttersprache transferiert werden, als auch auf
solche aus anderen zuvor erlernten Sprachen und schließlich auf Elemente
aus der Zielsprache selbst. Daneben sollte nicht vergessen werden, dass diese
sogenannten Interferenzen nicht nur auf linguistischer, sondern auch auf ex-
tra-linguistischer Ebene vorkommen. Der vorliegende Artikel zielt darauf ab,
diese Faktoren zu beschreiben und zu diskutieren, um den Lernprozess des
Deutschen als Fremdsprache in Brasilien sowie seine Besonderheiten in Bezug
auf die bilinguale Erziehung zu charakterisieren. Durch die Beschreibung und
die Analyse empirischer Daten soll, ausgehend von der Theorie der Großen
Hypothesen, über die Beziehungen zwischen Erst- und Fremd- bzw.
Zweitsprache sowie deren gegenseitigen Interferenzen reflektiert werden.

Stichwörter: Interferenz; Zweitsprachenerwerb; Fremdsprachenlernen;


bilinguale Erziehung.

Palavras-chave: Interferência; Aquisição de segunda língua; Aprendizagem


de língua estrangeira; Educação bilíngüe.

1. Introdução
A língua materna (L1) exerce influência inquestionável no aprendizado de
línguas estrangeiras (LE). Muitas vezes, os alunos “transferem” elementos
da língua materna para a língua-alvo. Esses elementos transferidos podem
trazer vantagens e desvantagens no processo de aprendizado. A língua
materna, entretanto, não desempenha esse papel sozinha. Durante muito
tempo ela foi vista como o único fator influente no processo de aquisição
de línguas estrangeiras ou de segundas línguas (L2). Contudo, elementos de
outros sistemas lingüísticos já adquiridos, ou anteriormente estudados, bem
como elementos da própria língua-alvo, também são levados em considera-

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ção como estratégia de aprendizado. Apesar disso, ainda lança-se mão, fre-
qüentemente, apenas de informações da língua materna, quando se quer ana-
lisar os desvios lingüísticos no processo de aprendizagem.
Nesse artigo, a autora busca tratar do conceito “interferência”, a fim
de discutir a diferenciação entre este e o conceito de “erro”, assim como a
influência concreta da língua materna em detrimento de outros fatores.
Contudo, para que a teoria possa ser apresentada sob a luz da prática, serão
apresentados, a título de ilustração, no final do texto, alguns exemplos reti-
rados de testes feitos com alunos monolíngües e bilíngües no Brasil, quan-
do do aprendizado do alemão-padrão como língua estrangeira (DaF – Deutsch
als Fremdsprache).1
Enquanto os alunos monolíngües aqui pesquisados possuem apenas
o português como L1, os alunos bilíngües estudados falam, além do portu-
guês, uma outra língua materna, o “hunsrückisch”, que historicamente está
intimamente ligado e estruturalmente muito próximo da língua-alvo em
questão.2 Por isso, parte-se sempre do pressuposto, que os falantes bilín-

1
O presente artigo tem como ponto de partida a tese de doutoramento da auto-
ra, defendida em fevereiro de 2005 e publicada em livro em junho de 2005
(PUPP SPINASSÉ 2005).
2
Como o hunsrückisch é considerado um sistema lingüístico independente, por
mais que existam muitas semelhanças com o alemão-padrão e, ao mesmo tem-
po, muitos empréstimos do português, tratamo-lo aqui também dessa forma.
Os alunos pesquisados no contexto sulino preenchem vários pré-requisitos que
os caracterizem como falantes nativos do hunsrückisch (como domínio total do
hunsrückisch, primeira língua na ordem de aquisição, ou aquisição após o por-
tuguês, mas ainda na infância, língua com a qual se identificam, língua dos pais,
de casa, da comunidade, etc.), além de possuírem também o português dentro
dessas mesmas condições. Por isso, consideramos esses alunos como bilíngües.
Em poucas linhas torna-se difícil definir bem e fazer clara a denominação, mas
algumas fontes ajudam a entender melhor a situação de nativos e de bilíngües
desses falantes, como ALTENHOFEN 1996, 2001, 2002; PUPP SPINASSÉ 2006;
ALTENHOFEN & PUPP SPINASSÉ no prelo; ZIEGLER 1996 entre outros. Nesse sen-
tido, os projetos ALMA-H, ESCRITHU e EAMHP, da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, trabalham para legitimar esse caráter, produzindo tam-
bém considerações a respeito (vide PUPP SPINASSÉ no prelo)

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gües aprenderiam melhor o alemão-padrão, unicamente porque já trariam


consigo um “pré-conhecimento” da LE a ser adquirida (mais possibilida-
des de transfer). O nosso intuito é, entretanto, observar o comportamento
da L1 em situação de aprendizagem, considerando também outros fatores,
como o contexto, a motivação e a empatia.
Para que se possa entender melhor a questão da interferência e da
influência da L1, iniciaremos a parte teórica com a descrição das “grandes
hipóteses” que dissertam a respeito da relação L1 x L2 (LE) no momento
da aquisição da última. Essas teses, porém, não determinaram a análise.
Pelo contrário, tentou-se adequar a análise a partir de seus resultados a um
modelo de tese para observar a validade das mesmas. O capítulo 2 visa
apenas a dar o apanhado histórico de hipóteses dos estudos da aquisição de
L2 – elas não valem, porém, como verdades absolutas para as análises,
sendo simplesmente norteadoras.

2. As chamadas “grandes hipóteses”3


Na teoria de aquisição de línguas, na Alemanha, fala-se de muitas teses
importantes e interessantes, que se ocupam do processo de aprendizado de
uma língua (vide EDMONDSON/ HOUSE 1993; SCHLOTER 1992; WODE 1985).
Elas se complementam nos diversos aspectos desse complexo processo,
que é constantemente marcado por inúmeros fatores. Dentre elas existem,
no entanto, três determinadas teses lingüísticas e didáticas de especial im-
portância, quando se trata da análise do processo de aquisição de uma lín-
gua, já que, normalmente, os pressupostos teóricos de uma dessas assim
denominadas grandes hipóteses estarão por trás da análise. Elas são a

3
Cabe aqui talvez discorrer brevemente sobre a motivação da escolha bibliográ-
fica. Apesar de haver pesquisas mais atuais a respeito da aquisição de L2 (por
exemplo, GRIESSHABER 2002), essas trazem como novidade, geralmente, apenas
novas aplicações empíricas – como faremos também no presente artigo. A teo-
ria, contudo, costuma ser reproduzida, ou seja, os autores atuais citam, em gran-
de parte, as mesmas fontes originais, sem acrescentar novos dados. Por isso,
sem haver grandes mudanças significantes na discussão teórica, e por visarmos
uma caracterização diacrônica, consideramos válido citar quem o disse primeiro.

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“Kontrastivhypothese” (Hipótese da Análise Contrastiva, ou simplesmente
Hipótese Contrastiva), a “Identitätshypothese” (Hipótese de “Identidade”) e a
“Interlanguage-Hypothese” (Hipótese de Interlíngua).
A Hipótese Contrastiva, também denominada como Interferenzhypothese
(Hipótese da Interferência), traz como base os pressupostos behavioristas
da teoria de aprendizado. Os pioneiros dessa tese foram FRIES (1945) e
LADO (1957), e uma das maiores contribuições dela foi a discussão sobre os
“erros” no processo de aprendizado. Até então, os erros não haviam ganhado
a devida posição como um tema na teoria e não eram vistos como um
fenômeno a ser pesquisado (cf. SCHLOTER 1992: 3; HEINDRICHS/GESTER/
KELZ 1980: 103).
LADO observou em seus estudos, que alunos com uma mesma língua
materna faziam os mesmos erros na língua-alvo. De acordo com a Hipóte-
se Contrastiva, a aquisição de uma L1 e de uma L2 não ocorrem da mesma
forma: quando da aquisição de uma L2, o aprendiz já possui uma L1, e
sendo assim, ele se utilizaria, automaticamente, do seu conhecimento
lingüístico já existente (enquanto na aquisição de L1 não há um conheci-
mento lingüístico pré-existente). Segundo essa vertente, então, a(s) L1 in-
fluencia(m) o processo de aquisição de uma outra língua, porque regras e
elementos lingüísticos casualmente idênticos nas duas línguas levarão a um
aprendizado mais fácil e sem erros, enquanto regras e elementos lingüísti-
cos diferentes levam a dificuldades na aprendizagem e, conseqüentemente,
a erros (cf. BAUSCH/KASPER 1979; KNAPP/KNAPP-POTTHOFF 1982).
LADO (1957: 2) escreve: “Those elements that are similar to his native language
will be simple for him, and those elements that are different will be difficult.” Se há um
caso de semelhança, a regra da língua materna será transferida para a lín-
gua-alvo e o resultado será positivo. A isso damos o nome de “transfer”.
Caso, porém, elementos e regras divergentes sejam confrontados, o aluno
recorrerá à língua materna, não achará uma solução para o seu conflito e,
certamente, cometerá um erro. Isso resulta em uma transferência negativa,
a saber, “interferência”. Ambos os termos derivam basicamente de um
mesmo produto; devido ao seu valor, porém, eles são denominados de
formas diferentes.
Por causa disso, essa tese contrastiva também é chamada de Hipótese
da Interferência. Segundo ela, o aprendizado de uma língua estrangeira é

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facilitado pelas semelhanças com a língua materna. Deve-se chamar a aten-


ção dos alunos, porém, para as diferenças entre ambos os códigos em sala
de aula, para que essas possam ser reconhecidas e, conseqüentemente, para
que as interferências possam ser evitadas. O objetivo é criar uma “aula
preventiva”, na qual se trabalhe uma “profilaxia” dos erros. Acreditava-se,
com esta tese, que se podiam prever todos os erros possíveis na aquisição
de uma língua estrangeira e, com isso, evitá-los (cf. SCHLOTER 1992: 8).
No entanto, essa tese deixa várias lacunas, como é argumentado em
BAUSCH & KASPER (1979), EDMONDSON & HOUSE (1993) e STEINMÜLLER
(2001). Primeiramente, nem todos os erros na língua-alvo resultam, neces-
sariamente, de um transfer da língua materna; segundo, as interferências
podem ter vindo da transferência de estruturas da própria língua-alvo (como
veremos no capítulo 4); em terceiro lugar, a Hipótese Contrastiva não dá
conta de esclarecer por que os alunos com uma mesma língua materna
muitas vezes não cometem o mesmo erro na língua estrangeira; e por últi-
mo, existem erros constantes e regulares na L2 ou LE, para os quais, entre-
tanto, não se consegue achar explicação de causa na L1. Além disso, se os
argumentos dessa tese procedessem sem objeção, as dificuldades de ale-
mães aprendizes do português deveriam ser as mesmas que as dos brasilei-
ros que aprendem alemão, uma vez que, através do contraste, independente
da direção, se identificariam as mesmas diferenças. Todavia, esse não é o
caso.
Essa tese, tão influente e difundida ainda hoje, é um tanto unilateral e
não leva em consideração fatores como a atitude, a motivação, a idade e as
condições socioculturais, bem como o professor, o método e o material
didático. Além disso, acredita-se que através do contraste, ou seja, da com-
paração, se possam prever e evitar erros, o que na verdade não é possível –
como estudos mais tarde o comprovaram: “Ein solcher Mechanismus würde
zwar zu irgendwelcher Generalisierung führen, aber nicht garantieren, dass der Lerner
die richtigen Generalisierungen findet” (FELIX 1985: 130).
A Hipótese Contrastiva foi duramente criticada, e concluiu-se que, se
as crianças cometem erros quando da aquisição de sua primeira língua,
mesmo sem poder recorrer a uma língua aprendida anteriormente, então
seus erros não podem ser oriundos de interferências interlinguais, mas sim
de mecanismos intralinguais. A aquisição de outras línguas (não maternas)

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deve, então, se desenvolver dessa mesma forma. Além disso, a possível
influência da L1 ganhava muito destaque nessa tese contrastiva, pois se
acreditava que “the habits of the L1 would be carried over into the L2” (ELLIS
1994: 29). Naturalmente, os elementos da língua materna são de grande
importância, mas são apenas uma parte de todo um processo extenso e
complexo.
A Hipótese de Identidade recorre, então, à teoria cognitiva de
Chomsky4 sobre a gramática gerativa, segundo a qual se afirma que o ser
humano possui uma gramática universal inata e implícita, que torna possível
o aprendizado de línguas. A partir disso, desenvolveu-se a idéia de que o
homem seria biologicamente pré-programado para a aquisição de línguas, e
todo o processo desse tipo seguiria uma determinada seqüência de desen-
volvimento, ou seja, ocorreria simplesmente porque o aluno é propenso a
isso – igualmente na L1, na L2 ou em LE.
DULAY & BURT (1974) dedicaram-se intensivamente aos estudos da
Hipótese de Identidade, a fim de comprovar que as influências da língua
materna não são tão importantes quanto se acreditava na Hipótese
Contrastiva. A tese, também chamada de “L1=L2”, defende a posição de
que a aquisição de uma L1 e a aquisição de uma L2 não se dão de formas
diferentes, pois o aluno ativa, em ambos os casos, os processos mentais
naturais e intrínsecos que determinam as estruturas e seqüência de desen-
volvimento específicas para o aprendizado. Segundo os pressupostos dessa
tese, as interferências não desempenham grande função, já que o aprendi-
zado de uma segunda língua não depende e nem deve ser diferenciado a
partir da L1 que se domina (cf. WODE 1985: 12).
De acordo com a Hipótese de Identidade, então, os erros na aquisi-
ção da primeira língua resultam da estrutura da própria primeira língua; da
mesma forma, os erros no aprendizado de uma L2 são determinados pelas
estruturas da L2, e não pelas da L1 (cf. BAUSCH/KASPER 1979: 9). A partir
disso, outros fatores internos e externos também não são levados em con-
sideração, uma vez que a seqüência – determinada neurologicamente – será

4
Chomsky já havia se posicionado contra Skinner, defensor da Hipótese
Contrastiva, e contra as idéias behavioristas (cf. CHOMSKY 1959).

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Johnen, Th. – Zur Herausbildung der Kategorie Modalverb

inevitavelmente seguida (cf. STEINMÜLLER 2001: 14). Resumindo, a aquisi-


ção ou aprendizado de uma língua (L1, L2 ou LE) é visto, exclusivamente,
como um processo criativo, que ocorre entre o Input (informação recebida)
e o Intake (informação já filtrada e trabalhada), e é monitorado pelo próprio
aluno (DULAY/BURT 1974: 97).
Foi averiguado com pesquisas, que esta tese também não é suficiente-
mente abrangente. Seu processo contempla determinadas estruturas, mas a
regularidade esperada não foi comprovada em todas as áreas e níveis
lingüísticos.5 A fim de comprovar que a Hipótese Contrastiva era unilateral,
por se ater exclusivamente a uma única fonte de erros (no caso, a L1), a
Hipótese de Identidade cometeu o mesmo erro ao fixar-se no aspecto in-
tralingual como único mecanismo para a aquisição de uma língua, como se
esse procedimento fosse a única possibilidade de o aluno exercer um papel
ativo num processo criativo de aquisição lingüística (cf. SCHLOTER 1992:
16). Além disso, uma ou outra expressão sempre terá que ser esclarecida a
partir das transferências da L1; esse processo, porém, é totalmente recusa-
do pela Hipótese de Identidade. Aliado a isso – e como já foi dito – a tese
não prevê os fatores extralingüísticos em sua análise.
A outra grande tese é a Hipótese de Interlíngua. Seus pressupostos
ganham cada vez mais lugar e reconhecimento na teoria, pois em compara-
ção com as outras teses, essa consegue ser mais abarcadora e mais comple-
ta. Ela lança mão de elementos das duas outras teses, adicionando a eles um
foco mais intenso nos aspectos da cognição e da psicologia – embora se
tenha como objetivo, não mais descrever formalmente o produto, mas sim
os fenômenos que levaram a ele (cf. SCHLOTER 1992: 4).
O termo Interlanguage (interlíngua) foi criado e aplicado pela primeira
vez por SELINKER (1972) e denomina uma “língua intermediária” desenvol-
vida pelo aluno quando do aprendizado da língua, ou seja, um sistema de
transição entre elementos da língua-alvo já adquiridos e a língua-alvo final
propriamente dita. Ela também é chamada de “Interimsprache” (RAABE 1974),
“Lernersprache” (KIELHÖFER 1975) ou “idiosyncratic dialect” (CORDER 1971).

5
Para a descrição das lacunas dos estudos de DULAY & BURT e críticas à Hipótese
de Identidade, vide HATCH (1983) e MCLAUGHLIN (1987).

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Não se trata necessariamente de sinônimos, mas nesse caso os termos de-
notam a mesma estratégia. A diferença básica é que “Interimsprache” e
“Lernersprache” prevêem os fatores idade, pré-conhecimento em L1, pré-
conhecimento em L2, domínio de outras línguas estrangeiras, tempo de
aprendizado, contexto social, sob a perspectiva da aula de língua estrangei-
ra (vide KASPER 1981: 13).
VOGEL (1990: 13) define Lernersprache como “Sprachgebilde, das sich in
einem Fremdsprachenlerner infolge Konfrontation mit zielsprachlichen Daten herausbildet,
ohne dabei jedoch völlig mit der jeweiligen Zielsprache identisch zu sein.” ELLIS (1994:
30/31) descreve o termo, de forma mais ampla, como “the interim grammars
which learners build on their way to full target language competence” e acrescenta que
a interlíngua possui três fases: innovation (receber novas informações lin-
güísticas), elaboration (trabalhá-las, descobrir como usá-las), e revision (adaptá-
las, comprovar sua validade).
O interessante na teoria de Interlíngua é que o aluno é visto como co-
responsável para o sucesso do aprendizado, e não apenas como agente
passivo, que só se deixa influenciar. Segundo a Hipótese de Interlíngua, o
aprendizado de uma língua é influenciado predominantemente por fatores
individuais, pessoais (cf. STEINMÜLLER 2001). Com isso, os fatores internos
e externos, sobretudo os psicológicos e os sócio-situacionais, desempe-
nham uma grande função no processo, mas o fator determinante é o apren-
diz, que trabalha esses aspectos como bem quer. A interlíngua é o ponto
principal.
Essa tese parece ser mais abrangente do que as outras duas, porque
ela também trabalha com características daquelas, sem ser unilateral. En-
quanto a Hipótese Contrastiva e a Hipótese de Identidade favorecem de-
terminadas linhas e negam outras por completo, a Hipótese de Interlíngua
se utiliza de aspectos das duas teorias anteriores simultaneamente. Na Hi-
pótese de Interlíngua se fala, assim como na Hipótese Contrastiva, de trans-
ferências da língua materna, porém sem que essa ganhe a importância total,
mas também sem ignorar esse processo. Para essa tese o processo de apren-
dizado de uma língua consiste em um processo criativo – como na Hipóte-
se de Identidade –, sem que, contudo, a seqüência de desenvolvimento seja
marcada apenas por ele. A Hipótese de Interlíngua aceita que o aprendiza-
do de uma língua estrangeira seja tanto um fenômeno interlingual (entre

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Pupp Spinassé, K. – As interferências da Língua Materna

duas ou mais línguas) quanto intralingual (leva fatores da língua-alvo em


consideração, como complexidade, irregularidade, arbitrariedade e freqüên-
cia) (cf. KIELHÖFER 1995: 35).
Os erros não são o principal tema da Hipótese de Interlíngua: todo e
qualquer tipo de produção por parte do aprendiz deve ser considerado.
Segundo as regras dessa tese, toda a produção é correta aos olhos do aluno,
pois ela é registrada pelo aluno em sua interlíngua como válida.

3. O Conceito “Interferência”
“Interferência” não deve ser entendida como o termo principal para o apren-
dizado de línguas estrangeiras; é, porém, sem dúvidas, de grande importân-
cia, e por isso será cuidadosamente definida e discutida.
O termo Interferência, com o mesmo significado, tem (no mínimo)
três diferentes aplicações na lingüística. No que concerne ao contato
lingüístico, interferência denota o contato intenso entre duas ou mais lín-
guas, que ao longo do tempo e devido ao uso concorrente e alternado,
acabam se misturando (vide WEINREICH 1967 e WANDRUSZKA 1979). Na
Hipótese Contrastiva, acredita-se que toda a expressão errada na língua
estrangeira seja uma interferência. Na Hipótese de Interlíngua, contudo,
interferência significa, ao contrário das outras definições, um processo mais
complexo e diversificado de influência sobre a língua a ser aprendida, sem
ser tão vaga como na Hipótese Contrastiva – é apenas um fenômeno den-
tre outros.
Nos três casos, o termo carrega o significado de influência lingüísti-
ca, entretanto em processos diferentes e com características diferentes, ou
seja, eles são levados em consideração de formas variadas. Com o termo
“interferência” entende-se, primeiramente, influência, trazida através de um
processo de transferência. Transfer, por sua vez, denota a transferência de
unidades de uma língua. Por isso, muitos teóricos costumam denominar
transfer como um processo e interferência como seu resultado (cf. EHNERT
1989; WEINREICH 1967; WODE 1985). Com isso, todo o tipo de influência
interlingual (bem como intralingual) pode ser classificado como interferên-
cia, independente de ser “positiva” ou “negativa”, ou de trazer benefícios
ou malefícios ao aprendizado.

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Segundo JUHÁSZ (1970), interferência é “die durch die Beeinflussung von
anderen sprachlichen Elementen verursachte Verletzung einer sprachlichen Norm, bzw.
der Prozess der Beeinflussung.” VOGEL & VOGEL (1975: 100) apontam, porém,
para o fato de transfers não serem vistos, necessariamente, como algo nega-
tivo no aprendizado de língua estrangeira, pois o processo é um sinal para
conhecimento adquirido e desenvolvimento ativo.
Interferências são conceituadas, de forma geral, como influências,
das quais resultam erros. No entanto, nem toda interferência causa erros,
assim como nem todo erro remete a uma interferência. Os termos “erro” e
“interferência” não devem ser vistos como sinônimos. As interferências
são fatores lingüísticos e pragmáticos, que influenciam o aprendizado de
uma língua (de forma positiva ou negativa), e são – quando corretos –
difíceis de serem reconhecidos na interlíngua. Os erros, por sua vez, são
desvios da norma descritiva, que dificultam o aprendizado. Eles estão pre-
sentes na interlíngua, mas só recebem importância sob o olhar do profes-
sor, pois ele aguarda sempre determinadas estruturas fixas por parte de
seus alunos.
Para a autora, interferência é uma transferência interlingual e intralin-
gual de estruturas de uma língua (inclusive da língua materna) no sistema
da nova língua, e que pode a partir disso, causar erros. Entretanto, não se
pode traçar um paralelo entre os dois conceitos. Pode ser que muitos erros
sejam interferências, mas sua origem (L1, etc) é de se discutir, já que a L2
também serve como fonte para interferências (cf. KIELHÖFER 1975: 95).
Além disso, como já afirmamos anteriormente, as interferências intralin-
guais são de igual relevância na interlíngua, pois esses mecanismos de trans-
ferência lingüística pertencem à estratégia de aprendizado do aluno.
Enquanto o transfer é caracterizado por ser um processo de transferência
(ou seja, consciente), a interferência deve ser entendida como uma estraté-
gia de aprendizado (ou seja, consciente ou inconsciente).
Os alunos constroem suas estratégias como procedimentos cognitivos
a serem aplicados no processo de assimilação, controlando toda a aquisição
lingüística. Criam-se, então, hipóteses de uso para as informações adquiri-
das, a partir de estruturas já internalizadas (independente de sua origem) e
do input recebido. O aprendiz procura, com isso, utilizar-se das informa-
ções de acordo com as suas regras, de acordo com o que ele considera

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Pupp Spinassé, K. – As interferências da Língua Materna

correto a partir de sua experiência. Dependendo da reação obtida do seu


interlocutor (no caso, do professor), ele decide “salvá-la” ou “deletá-la” de
sua competência, de sua interlíngua.
As estratégias também podem ser do tipo emocional e influenciam,
então, não com elementos lingüísticos, mas com características externas,
nos momentos da aquisição, da decisão por “salvar” ou “deletar”, da grava-
ção da informação e da integração dessa no sistema da língua-alvo. Através
disso, pode-se concluir que o transfer ocorre no processo lingüístico, mas as
interferências devem ser entendidas como todo tipo de influência lingüísti-
ca e extralingüística.

4. Os alunos bilíngües pesquisados


Com a imigração em massa de falantes de língua alemã para o Brasil no
século XIX, também a língua alemã entrou no Brasil de maneira forte. Os
muitos dialetos daquela época foram trazidos para o Brasil, onde foram
confrontados uns com os outros. Em colônias extremamente homogêne-
as, esse aspecto histórico-lingüístico não consistiu, a priori, em nenhum
fenômeno; em colônias heterogêneas, entretanto, os dialetos foram se mis-
turando ao longo dos anos. Além disso, objetos e seres novos, ou até então
desconhecidos pelos imigrantes, deveriam ser nomeados. Aliado a isso, houve
ainda o contato lingüístico com outros idiomas de imigrantes, mas sobretu-
do com o português, o que levou a empréstimos e à mistura. Esses três
aspectos contribuíram diretamente para que ocorressem mudanças lingüís-
ticas com as variedades de “alemão” que chegaram no Brasil. Do contato
lingüístico entre a coiné dos dialetos com (principalmente) o português,
aliado ao desenvolvimento natural de uma língua viva, originou-se uma
variedade lingüística própria e característica de regiões do sul do Brasil, a
qual se dá o nome de “hunsrückisch” (cf. ALTENHOFEN 1996).
O termo “hunsrückisch” remete à região do Hunsrück, na Alemanha,
de onde veio a maioria dos imigrantes de língua alemã dessas colônias onde
hoje se fala o hunsrückisch. O termo é utilizado, porém, para denominar
apenas essa variedade (e suas variações) do sul do Brasil. Na Alemanha, o
dialeto falado na região do Hunsrück pertence ao grupo do Rhein-Mosel-
Fränkisch (entre as delimitações do Rhein-Fränkisch e do Mosel-Fränkisch),

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variedade dialetal localizada entre os rios Reno e Mosela (cf. KÖNIG 2001,
ZIEGLER 1996). “Hunsrückisch” vai caracterizar sempre o assim chamado
“alemão brasileiro”, e nunca o dialeto original falado na região alemã de
onde vieram esses imigrantes.
O dialeto dos imigrantes do Hunsrück (o Rhein-Mosel-Fränkisch), por
ser o da maioria, se impôs aos outros nessas regiões, quando do processo
da mistura. Ao resultado que temos hoje, após o processo de variação,
contato, mistura e mudança lingüística, dá-se o nome de hunsrückisch. Não
se trata, entretanto, da única variedade lingüística de origem germânica do
sul do Brasil: encontramos aqui também o westfaliano, o pomerano, o bávaro,
dentre outros. “Hunsrückisch” denomina as variedades brasileiras atuais
de base francônio-renana. Ele vale como um conceito-teto para todas essas
variedades, uma vez que, apesar de uma estrutura macro semelhante, pode-
se constatar, de região para região, diferenças lingüísticas sutis entre as for-
mas. Todas são chamadas, porém, de hunsrückisch.
A língua materna dos alunos pesquisados em duas escolas no sul do
Brasil é, ao lado do português, o hunsrückisch. Essa variedade lingüística
traz aspectos semelhantes ao alemão-padrão, mas possui já estruturas dife-
renciadas daquele, embora também siga determinadas regras gramaticais –
elas são, contudo, naturais, e muitas diferem do Hochdeutsch (alemão-
padrão).
No seu doutorado, a autora procurou identificar interferências da lín-
gua materna no aprendizado do alemão como língua estrangeira no Brasil.
O fato de haver dois contextos bem distintos no país – de um lado o con-
texto monolíngüe e do outro lado um contexto bilíngüe – contribuiu para
a metodologia da análise, uma vez que as diferenças entre as línguas servi-
riam de parâmetro para a averiguação das produções e dos resultados dos
testes.
Foram selecionadas três escolas de DaF: em um contexto monolíngüe,
a saber, no Rio de Janeiro, o Colégio Cruzeiro; no contexto bilíngüe, o
Colégio Teutônia e o Instituto de Educação Ivoti, ambos localizados em
contextos de contato lingüístico hunsrückisch-português no Rio Grande
do Sul (Teutônia e Ivoti respectivamente). Apesar de estarem em contextos
diferentes, as três instituições de ensino apresentam, praticamente, as mes-
mas características, tendo perfis muito semelhantes. As três são escolas de

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alemão como língua estrangeira (ou seja, elas oferecem a língua alemã como
primeira língua estrangeira no currículo obrigatório, na maioria das vezes já
a partir do jardim da infância), têm um grande número de alunos e são
ótimas escolas, de renome em seus contextos específicos. Trata-se de esco-
las privadas, cujos professores tiveram uma formação semelhante e utiliza-
vam na época o mesmo material escolar (Wer, Wie, Was) – sendo o método
também semelhante (método comunicativo com perguntas indutoras, ên-
fase na gramática, aulas alternando entre o alemão e o português).
A pesquisa contou com a participação de 382 alunos. Foram feitas
entrevistas, que visavam a traçar o perfil dos alunos de cada escola (infor-
mações pessoais, atitudes, crenças e sentimentos lingüísticos) e realizados
testes para avaliar os conhecimentos nas quatro habilidades e averiguar os
elementos da interlíngua.
Depois de uma entrevista com os alunos, pudemos averiguar ainda,
que todos eles são brasileiros, que começaram a aprender o alemão-padrão
na escola, sem manter qualquer outro contato com essa variedade da língua
fora da escola. Eles gostam de aprender a língua por motivos diferentes,
mas nunca estiveram na Alemanha.
O único fator, que à primeira vista pôde ser analisado como diferença
entre as três escolas, foi a situação bilíngüe desses alunos das escolas do Rio
Grande do Sul, em comparação com os alunos do contexto do Rio de
Janeiro, que possuíam apenas o português como língua materna. Claro que
há a já citada diferença de contextos (cidade grande – cidade interiorana),
mas como a análise não queria julgar comportamento ou mentalidade, mas
sim propriedades pessoais de aprendizado de língua estrangeira, não de-
mos peso a esse fato. A diferença de contexto justamente nos possibilitava
a diferença de status lingüístico bilíngüe x monolíngüe. Se analisássemos
uma escola como o Centro de Ensino Pastor Dohms, de Porto Alegre, não
teríamos as mesmas diferenças em comparação com os alunos do Rio de
Janeiro. No interior, as línguas de imigração estão mais conservadas. Por
isso escolhemos escolas que tivessem perfis muito semelhantes, apesar dos
contextos diversos, para que o fator bilingüismo fosse praticamente o úni-
co diferencial relevante nesta análise.
Os testes comprovaram, porém, que as interferências não são oriun-
das apenas da L1 e que, mesmo provenientes da língua materna, elas não se

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dão da forma que se costuma esperar (como determinado na Hipótese
Contrastiva). Os melhores exemplos puderam ser levantados no contraste
entre os contextos monolíngüe e bilíngüe (português-hunsrückisch), como
veremos a seguir nos quatro exemplos selecionados.

5. Análise prática
Como dito, foram feitas entrevistas e testes escritos com os 382 alunos.
Esses testes foram analisados, buscando reconhecer e tentar identificar a
possível influência da língua materna. Essa, porém, nem sempre se deixa
perceber de forma clara. Partíamos, portanto, de argumentos prós e con-
tras (imparcialmente), procurando ver qual teria mais plausibilidade. Como
afirma KIELHÖFER (1975: 78), as análises de interferências devem ser feitas
aliadas a conceitos como “menos provável”, “provável”, “mais provável” e
“quase certo”, já que a causa de um desvio (ou de um acerto), só se identi-
fica hipoteticamente. Portanto, utilizamo-nos também de comparações entre
os resultados do contexto monolíngüe e do bilíngüe. Entretanto, temos
que ressaltar que não se trata de comprovações e verdades absolutas. Pro-
curamos apenas fazer uma análise que levasse vários fatores em considera-
ção.
Nosso objetivo, como descrito na introdução, não é negar as interfe-
rências, mas sim tentar analisá-las de uma forma diferente. Não vemos
problemas em trabalhar com interferências, só acreditamos que o puro con-
traste, a pura comparação com a língua-alvo não seja totalmente satisfatório.
Relatamos aqui, então, os passos de nossa análise, que tentava sair do pon-
to comum de “se a língua materna é diferente, ocorrerá erro” e que ao
mesmo tempo não queria ignorar o fato de a L1 também influenciar. Por
isso, nossa crença se assemelha à Hipótese de Interlíngua que, mesmo ten-
do idéias chomskyanas e traçando algumas comparações, busca ser dife-
rente por aceitar mais possibilidades de análise.
Nossas análises são, com isso, apenas uma das possibilidades, levan-
do em consideração os fatores internos (aspectos cognitivos, empatia, sen-
timentos, motivação) e externos (aspectos sociais, todas as formas de input,
tais como livros didáticos, professores e aulas, e a interação prática com a
língua-alvo), averiguados através de observações de aula, entrevistas, estu-

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dos históricos e análise dos contextos. Preocupamo-nos, além disso, em


não analisar apenas os desvios, mas também em nos questionarmos a res-
peito da ausência desses – conseqüentes acertos. O objetivo não é encon-
trar as respostas absolutas, nem formular teorias, mas sim arriscar palpites
para comprovar ou descartar hipóteses que não dão conta de explicar o
fenômeno, que deixem dúvidas em aberto.

a) Mein Hobby ist tv *olhieren (Mein Hobby ist fernsehen / Fernsehen gucken)
Sie haben *brigiert (Sie haben gestritten)

Esses exemplos não proviriam, à primeira vista, de influência do


hunsrückisch, já que os verbos alemães “gucken” e “streiten” existem na vari-
edade do sul do Brasil – enquanto *olhieren e *brigieren não. Poder-se-ia tra-
tar de interferências do português (dominado pelos dois grupos), uma vez
que nesse idioma há os verbos “olhar” e “brigar”, e os alunos poderiam ter
utilizado simples e estrategicamente o sufixo alemão -ieren de forma
“hipergeneralizada” através de analogias (português “produzir” = alemão
produzieren; português “comentar” = alemão kommentieren; então, português
“olhar” = alemão *olhieren).
O mesmo não acontece, entretanto, com os alunos monolíngües (o
que, na verdade, seria de se esperar se só levássemos em conta os preceitos
da Hipótese Contrastiva). Só se observou uma forma dessas no contexto
monolíngüe fora dos testes, enquanto dois alunos conversavam entre si. A
expressão, porém, foi usada de forma irônica, fazendo-se piada metalin-
güística, uma vez que era consciente aos alunos que tal forma não existia, e
eles riam disso. Nos testes, eles tiveram a oportunidade de aplicar essa es-
tratégia, sobretudo no exercício de descrição de uma gravura, já que lhes
faltava o vocabulário adequado, mas mesmo assim ninguém o fez.
Todavia, os alunos do contexto bilíngüe se utilizaram dessa estratégia
quando a palavra “streiten” lhes faltou – e isso ocorreu várias vezes. Não se
poderia, entretanto, falar de interferência morfológica ou mesmo lexical
por parte do hunsrückisch (uma de suas L1), uma vez que streiten pertence
ao seu vocabulário. E para ser interferência do português (a outra L1), por
que os alunos monolíngües não o fizeram?

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Esses questionamentos levaram-nos a uma análise provável, levando
em conta a história e as características lingüísticas do hunsrückisch, de que
a interferência dessa L1, neste momento, teria ocorrido sutilmente no pro-
cesso de percepção da língua-alvo. Como na evolução do hunsrückisch
esses fenômenos ocorreram diversas vezes, os alunos teriam a impressão,
ou mesmo a certeza, de que eles também podem proceder dessa forma
com a língua. A língua materna não transfere aqui o morfema ou o lexema,
mas sim a “permissão” de o criarem. Essa interferência extralingüística
ocorre, na interlíngua do aluno, no plano da aquisição, e não no plano da
aplicação.

b) Mein Hobby ist tv cucan (Mein Hobby ist Fernsehen gucken)

O fenômeno que ocorre com esse exemplo, porém, é outro. O verbo gucken
não é encontrado em material didático. Nos livros didáticos “sieht man fern”
ou, no máximo, “sieht man Fernsehen”. Contudo, Fernsehen schauen e Fernsehen
gucken são formas raras em livros didáticos escolares de ensino de DaF,
apesar de fazerem parte do uso diário normal na Alemanha. Com isso, os
alunos que só têm contato com a língua alemã em sala de aula desconhe-
cem o verbo.
Em contrapartida, os alunos do contexto bilíngüe estudado utiliza-
ram freqüentemente essa forma em seus testes. Na análise, pudemos averi-
guar, então, que aqui deve se tratar de um fenômeno de interferência da
língua materna hunsrückisch, já que essa forma está no seu paradigma de
vocabulário a ser utilizado no “alemão”.6 Eles conhecem o verbo através
da L1 semelhante à LE.
Essa interferência da língua materna pode se tornar mais provável
quando reparamos que o fenômeno não ocorre com os alunos do contexto
monolíngüe, ou seja, se usarmos essa comparação como parâmetro. Ele
pertence exclusivamente à interlíngua desses alunos bilíngües, e só por eles
é utilizado como estratégia lingüística. O processo de transfer já se dá, na

6
Lembramos aqui que, para os falantes de hunsrückisch, o que eles falam é “ale-
mão”.

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verdade, na língua-alvo (os lexemas são selecionados do paradigma “ale-


mão”). O fato de esse lexema pertencer ao paradigma da interlíngua e ser
tido como válido, pode ser uma interferência da língua materna. Essa inter-
ferência seria lingüística, já que o verbo foi emprestado da L1; a validez
creditada ao processo seria, contudo, um fenômeno extralingüístico.

c) Plural (-s versus -er, -e, -en etc.)

Um caso constante foi a forma “*Schwesters” para o plural de Schwester (ao


invés de Schwestern) e de “Tigers” para o plural de “Tiger” (no lugar de Tiger
mesmo). Tal fenômeno pode ser uma hipergeneralização na própria L2
(como a língua alemã possui muitas possibilidades para a formação do plu-
ral, entre eles o não tão freqüente morfema -s, o aluno escolheria um dos
modelos para aplicar com mais freqüência em caso de dúvida) ou interfe-
rência da língua materna propriamente dita (no português a formação do
plural se dá com -s). Fazendo o advogado do diabo, arrisca-se supor que, se
o fenômeno fosse exclusivamente uma interferência da língua materna, como
explicar que os alunos monolíngües tenham criado, para o plural de Stuhl, a
forma “*Stuhle” (algo como “*Stuhls” não apareceu uma só vez)? Da mes-
ma forma como “*Bruders” também não foi utilizada. Para tal, todos os
alunos usaram a forma padrão Brüder (isso já mostra, por exemplo, como
os desvios e acertos não podem ser previstos apenas através da compa-
ração).
Para “Bahn”, por exemplo, surgiu no teste de um aluno monolíngüe a
forma “*Bähne”, o que soa para ele, provavelmente, muito lógico (se Schwamm
> Schwämme; Hahn > Hähne; Kran > Kräne; então Bahn > *Bähne).
Os alunos procuram, na própria L2 ou na própria LE, a forma que
melhor cabe naquilo que ele quer dizer, e para isso eles se utilizam da lógica
de sua interlíngua e da sua intuição lingüística. Não parece se tratar aqui de
uma transferência, mas sim de um fenômeno da interlíngua (aquisição de
L2 como um processo criativo, o que também propõe a Hipótese de Iden-
tidade).
Não seria de se admirar que a forma “*Schwesters” tenha aparecido
também no contexto bilíngüe. Se pensarmos que essa palavra não pertence

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ao hunsrückisch, uma vez que nessa variedade se faz uso da forma “irmã”,
emprestada do português, os alunos não têm em sua L1 parâmetros para a
construção de seu plural em alemão, e estão na mesma situação que os
alunos monolíngües: só podem recorrer, se for o caso, ao português. O
fenômeno, portanto, é o mesmo.

d) Ich habe zum Zoo gefahren

De acordo com uma análise contrastiva, poder-se-ia dizer que os alunos se


confundem na hora de usar os verbos auxiliares “haben” e “sein”, porque
essa estrutura não se faz presente no português,7 e teríamos que constatar
um caso de interferência da língua materna. Todavia, não quisemos ser
simplistas, e procuramos também outras possibilidades. Provavelmente seja
devido ao hunsrückisch o fato de os alunos bilíngües não terem apresenta-
do esse desvio. Contudo, no contexto monolíngüe, é muito difícil de aceitar
que o português contribua de alguma forma para essa estratégia. A consi-
deração seria até plausível, se não fosse este questionamento: se a língua
portuguesa não possui essa estrutura com essa semântica, como ela pode
transferir e causar essas interferências? Isso não é possível conceitualmente.
Os alunos têm que ter achado a estratégia em outra fonte, que não na L1,
pois aqui, eles dificilmente achariam nas suas formas analíticas parâmetros
para tal.
O caso seria interferência, se os alunos, por exemplo, soubessem falar
italiano. Esse idioma também apresenta estruturas analíticas de passado,
compostas por verbo auxiliar + verbo principal na forma de particípio.
Para tanto, a língua se vale, como no alemão, de dois verbos auxiliares, a
saber, essere (ser, estar) e avere (ter), utilizados alternadamente em casos es-
pecíficos. Os alunos estariam acostumados à estrutura. Quando o aluno
quisesse formar a frase “Ich bin geschwommen” (“Eu nadei”) em alemão, por

7
Na verdade, a língua portuguesa até possui uma estrutura semelhante à alemã
para expressar passado, como “ter feito” (além de outras formas analíticas, como
para o Pretérito mais que Perfeito, o Futuro do Presente e o Futuro do Pretéri-
to). A semântica, no entanto, é outra.

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influência do italiano, que só oferece para o verbo nadar (nuotare) a forma-


ção de passado com o verbo avere (Io ho nuotato), ele se deixaria influenciar
pela língua estrangeira já aprendida anteriormente e faria a frase “Ich habe
geschwommen”.8
Entretanto, esse não é o fato. O citado desvio da norma padrão ocor-
rido nos testes não seria, na verdade, para os alunos do contexto monolíngüe,
uma interferência, nem de L1 e nem de L2. Trata-se de mais uma peculiari-
dade da língua alemã, com a qual os alunos ainda não sabem lidar bem. A
estrutura ainda não está presente na sua competência lingüística. A interfe-
rência (lingüística) seria na própria LE, quando os alunos buscam no
paradigma da LE por uma solução.

6. Considerações finais
Com os exemplos apresentados, vimos que a língua materna não é o único
fator que influencia o aprendizado de uma língua – diferentemente do que
prega a Hipótese da Análise Contrastiva. É muito interessante observar,
porém, como a língua materna, mesmo não agindo sozinha, exerce influên-
cia, de diversas maneiras, no aprendizado de uma língua estrangeira – ao
contrário do que afirmava a Hipótese de Identidade. Também outras lín-
guas já dominadas e a própria língua-alvo contribuem para a formação da
interlíngua dos alunos e, conseqüentemente, para a paulatina aquisição da
nova língua. Com isso, através dos exemplos expostos, apesar do número
reduzido para o presente artigo, pôde-se confirmar a maior validade da
Hipótese de Interlíngua em comparação com as outras teses apresentadas
para esse tipo de análise que nós desenvolvemos.

8
Trata-se de uma frase gramaticalmente correta, por isso reforçamos: interferên-
cia não significa apenas influências negativas. No citado caso, porém, tem-se o
agravante de que a forma com o haben, apesar de correta, não é comumente
usada pelos alemães, o que a torna um desvio estilístico. Segundo a gramática,
contudo, o Perfekt de schwimmen (nadar) em alemão alterna entre haben e sein,
dependendo do foco do movimento (Duden 4 2005: 472), ou da conotação de
deslocamento para um objetivo x movimento em um determinado lugar, sem
um alvo (DREYER/SCHMITT 2004: 63).

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Não há, entretanto, como já fora mencionado, uma verdade absoluta
no que diz respeito a meios de análise. Na maioria das vezes é necessária
uma combinação de vários fatores, a L1 inclusive, para se chegar à conclu-
são da melhor análise a ser feita. Mesmo assim, como prega a Hipótese de
Interlíngua, mesmo sem que a L1 seja responsável por tudo o que acontece
na L2, ela também deve ser levada em consideração, bem como os fatores
internos e externos relacionados ao processo.
Como se pôde perceber através dos testes dos alunos bilíngües, em
comparação com os dos monolíngües, a língua materna não se manifesta
somente no âmbito lingüístico, mas também no extralingüístico, pondo
atitudes, macro-estruturas, estratégias emocionais e até mesmo valores à
disposição para serem transferidos para o uso na LE.
No caso do hunsrückisch como uma das línguas maternas e do apren-
dizado especificamente do alemão-padrão como língua estrangeira em sa-
las de aula, isso implica em uma análise maior por parte dos professores no
que diz respeito à interlíngua dos alunos. Ela deve ser mais bem trabalhada,
observada e até mesmo aproveitada como substrato para a aula de LE.
Simplesmente traçar comparações entre os dois sistemas lingüísticos para
determinar as interferências, de acordo com o que prega a Hipótese
Contrastiva, não é, como vimos, um procedimento eficaz, pois sozinha não
teria dado conta de explicar nenhum fenômeno (nem mesmo de forma
especulativa, como permite a Hipótese de Interlíngua). A interlíngua não
pode ser prevista, bem como as interferências – em especial de alunos bi-
língües, uma vez que três línguas estão em confronto na mente do aluno.
O método mais ideal ou a melhor forma de se trabalhar com a ques-
tão bilíngüe em sala de aula (em especial em contextos de contato
hunsrückisch-português), ainda é um campo a ser mais bem analisado e
discutido. Queríamos, com este trabalho, dar um impulso, chamando a aten-
ção para mais aspectos. Há, no entanto, ainda muito trabalho pela frente.

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