Modificando as Realidades Educacionais: O Lugar da Interdisciplinaridade nos Desafios da Educação Superior
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Modificando as Realidades Educacionais - Luiza Olivia Lacerda Ramos
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
À família Lacerda, de quem a confiança e o apoio foram inabaláveis, e, sobretudo, ao Pedro, filho amado, por aceitar esta jornada de forma companheira e amiga.
PREFÁCIO
A obra que estamos prefaciando, intitulada Modificando as realidades educacionais: o lugar da interdisciplinaridade nos desafios da formação superior, de autoria de Luiza Olívia Lacerda Ramos, caracteriza-se como um trabalho de caráter didático-científico, que tem como objetivo trazer para o debate reflexões sobre a inserção da interdisciplinaridade em projetos de formação na educação superior, com foco numa nova modalidade de graduação: os Bacharelados Interdisciplinares, cujos primeiros cursos surgiram em 2008.
A autora Luiza Olívia Lacerda Ramos, doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2016), não é iniciante nos estudos sobre interdisciplinaridade. Muito pelo contrário, desde seus estudos realizados durante o mestrado em Ciências da Educação, em 2004, em que defendeu uma dissertação com o título As Percepções sobre Conceitos e Práticas de Interdisciplinaridade de Professores do Ensino Médio na Área das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias
, o tema da interdisciplinaridade tem se constituído em um dos objetos centrais de seus estudos e pesquisas. Como uma confluência desses interesses, Luiza Ramos atua como líder do REDIs - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Interdisciplinaridade da Universidade Federal da Bahia.
Quanto ao tema central que se constitui no fio que tece toda a obra, a interdisciplinaridade, pode parecer que muito já foi dito sobre ele. No entanto, sabemos o quanto esse termo é polissêmico e permeado por significações diversas e conceitos vários. Nesse cenário, a obra em questão oferece elementos que vão desde o debate sobre a exaustão do modelo disciplinar no contexto daquilo que se convencionou chamar de crise do paradigma da ciência moderna; sobre as bases teóricas e os fundamentos da interdisciplinaridade pensados a partir de diferentes abordagens; chegando até às reflexões sobre o processo de incorporação de uma abordagem interdisciplinar nos processos formativos no âmbito da educação superior.
Com relação ao tema da interdisciplinaridade podemos perceber, ao longo da obra aqui prefaciada, que a mesma se ancora em um debate que questiona uma racionalidade exclusivamente disciplinar e que afirma a necessidade de se ancorar em novas perspectivas orientadas pelo contexto do debate mais contemporâneo sobre o tema. O que significa dizer que a perspectiva adotada pela autora, questiona uma racionalidade que produz um fazer científico que contribuiu, e ainda contribui, para fragmentar objetos de estudos e distanciar o sujeito de uma compreensão em que a totalidade do real seja posta como prioridade.
Por outro lado, é importante situar que a autora não nega a importância das grandes especializações, pois considera que estas trouxeram, e ainda trazem, contribuições significativas para o desenvolvimento das sociedades. No entanto, considera que sozinhas se apresentam cada vez mais como olhares isoladas que não contribuem para tratar a complexidade do real promovendo mais rupturas que convergências com relação ao conhecimento do mundo.
Nesse contexto, apesar de alguns considerarem que esse é um debate que, em certa medida, já teria se esgotado, não nos parece ser esse o caso, na medida em que o tema ainda causa polêmica em nossas instituições educativas, sejam elas da Educação Básica ou da Educação Superior. Percebemos, assim, que pensar interdisciplinarmente a organização dos processos formativos escolares ainda enfrenta resistência, pois significa confrontar com um modelo de formação homogêneo, centrado na disseminação do conhecimento parcializado, em que cada professor se localiza em seu espaço fechado sem abertura para o diálogo com o outro.
Dessa forma, entendemos que se faz urgente tratar desse tema, e a autora enfrenta isso muito bem, ao sustentar nos argumentos postos ao longo do livro, que vivemos novos tempos, tempos de profundas mudanças nas formas de inserção dos sujeitos na vida coletiva e no mundo do trabalho frente às novas tecnologias da informação e da comunicação que faz emergir, cada vez mais, a necessidade de pensar o tema da interdisciplinaridade. Esse contexto promoveu o surgimento de novos olhares sobre o conceito de interdisciplinaridade e tem se destacado na produção sobre o tema sob diversos enfoques que a autora tão bem sistematiza nesse livro, o que vai desde uma perspectiva epistemológica ou da filosofia da ciência; de uma perspectiva pragmática, pensando o seu contexto de uso nas práticas educativas, entre outras possibilidades.
Outro mérito da obra tem relação com as questões pertinentes a formação no âmbito da educação superior e da possibilidade de implementar uma nova organização curricular para cursos desse nível de ensino tendo a interdisciplinaridade como seu pressuposto central. É nesse contexto que a autora nos traz o debate sobre um projeto formativo defendido no contexto da implementação do Reuni que foi instituído por meio do Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, que teve como um dos seus objetivos ampliar o acesso e a permanência na educação superior.
O processo de expansão desencadeado a partir do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2007, que coincide com o segundo mandato do Presidente Lula, esteve articulado à intenção de implantar um novo modelo de universidade cujo delineamento ficou conhecida como Universidade Nova
, proposto inicialmente pela Universidade Federal da Bahia. A proposta implicava uma transformação radical da arquitetura acadêmica da universidade pública brasileira, visando a superar os desafios construindo um modelo flexível de formação e ancorado na perspectiva interdisciplinar. A principal alteração proposta na estrutura curricular da universidade é a implantação de cursos de graduação denominados Bacharelado Interdisciplinar (BI).
No livro aqui prefaciado, o leitor encontrará um importante debate sobre questões relevantes que emergem desse processo, momento em que a autora tenta responder a problematizações que vão desde a articulação entre os perfis profissionais para o mundo atual propostos nos projetos dos cursos e uma proposta pedagógica de caráter interdisciplinar defendida; até aos conceitos e ao lugar da interdisciplinaridade nesse novo projeto de formação.
O livro, portanto, revela-se como resultado de uma pesquisa de grande relevância para a educação brasileira e, mais especialmente, para a Educação Superior, principalmente se considerarmos que a interdisciplinaridade sempre teve lugar de destaque dentre os princípios orientadores da educação brasileira, tanto na Educação Básica quanto na Educação Superior, apesar de nunca ter avançado de forma mais efetiva nas organizações curriculares e na vivência cotidiana das instituições educativas.
Nesta obra, portanto, encontramos um conjunto de discussões pertinentes e atuais que nos estimulam a recomendá-la como uma leitura imprescindível para quem se interessa pelos temas da interdisciplinaridade e da educação superior no Brasil.
Cruz das Almas, outubro de 2019.
Rosilda Arruda Ferreira
Docente adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Sumário
INTRODUÇÃO 15
1
O conhecimento científico na modernidade e o surgimento da especialização 21
1.1 O advento da ciência moderna e o processo de especialização do conhecimento 22
1.2 Impactos da especialização sobre as Universidades 30
1.3 Desafios da complexidade à ciência moderna:
o projeto em questão 35
1.4 Os modelos de ciência e o disciplinar em exaustão –
as rupturas 41
1.5 O surgimento da interdisciplinaridade 44
1.5.1 A legitimação da Interdisciplinaridade 45
1.5.2 A interdisciplinaridade no Brasil – contextos, trajetórias, debates, intenções 47
1.6 A Interdisciplinaridade na universidade brasileira atual 51
2
BASES FILOSÓFICAS, POSTULADOS TEÓRICOS E FUNDAMENTOS EM QUE SE APOIAM CONCEITOS DE INTERDISCIPLINARIDADE 59
2.1 SENTIDOS DA DISCIPLINA: UM RADICAL QUE SUGERE 60
2.2 EM TORNO DA INTERDISCIPLINARIDADE 68
2.3 INTERDISCIPLINARIDADE: CONCEITOS CLÁSSICOS 72
2.3.1 O que há de polissêmico 73
2.3.2 O que há em comum 81
2.4 A INTERDISCIPLINARIDADE SOB TRÊS PERSPECTIVAS: EUROPEIA, NORTE-AMERICANA E BRASILEIRA 84
2.4.1 A perspectiva europeia 84
2.4.2 A perspectiva norte-americana 88
2.4.3 A perspectiva brasileira 91
2.5 POR UMA INTERCONEXÃO 95
2.6 POR OUTRA PERSPECTIVA DA e PARA A INTERDISCIPLINARIDADE 98
2.7 FORMAÇÃO SUPERIOR E INTERDISCIPLINARIDADE 100
2.8 BREVEMENTE, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 102
3
O Bacharelado Interdisciplinar: uma nova arquitetura curricular da Universidade Nova 103
4
o percurso metodológico 121
5
O LUGAR DA INTERDISCIPLINARIDADE NOS CURSOS DE BACHARELADOS INTERDISCIPLINARES DA UFBA 125
5.1 Os Bacharelados Interdisciplinares na Universidade Federal da Bahia: estrutura, finalidade e fundamentos 126
5.1.1 Os Projetos Pedagógicos dos Bacharelados Interdisciplinares da Universidade Federal da Bahia 136
5.2 As concepções da interdisciplinaridade 155
5.2.1 Concepções de interdisciplinaridade expressas nos perfis dos egressos e nas competências e habilidades por curso 162
5.3 O currículo na prática: possibilidades para realização de uma perspectiva interdisciplinar 174
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS SEM PONTO FINAL 189
REFERÊNCIAS 195
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, mudanças substanciais têm ocorrido no modelo educacional do país, mais especificamente no contexto da educação superior. Com isso, observei a necessidade de verificar a adequação entre o projeto de formação defendido pelos cursos de Bacharelados Interdisciplinares da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a sua proposta pedagógica com suporte na perspectiva interdisciplinar. Essa conjuntura fez emergir questões importantes, a saber: até que ponto a incorporação do discurso sobre interdisciplinaridade na formação universitária, tendo como referência o projeto de BI, articula de forma clara perfis profissionais para o mundo atual a uma proposta pedagógica de caráter interdisciplinar? Que lugar a interdisciplinaridade ocuparia nesse novo projeto de formação e que conceitos de interdisciplinaridade estariam subjacentes aos Projetos Pedagógicos dos cursos de bacharelado interdisciplinar da UFBA?
Essas questões surgiram da problemática sobre o uso da interdisciplinaridade como mote para caracterizar cursos de formação para o mundo do trabalho – ou uma etapa dela – no sistema da educação superior do Brasil como cursos contemporâneos e, portanto, adequados para atenderem às exigências do mundo do trabalho atual.
Para avançar nos objetivos da pesquisa, interpretei e analisei a concepção de interdisciplinaridade subjacente aos seguintes dispositivos: perfil do egresso e competências e habilidades esperadas, percebendo como a interdisciplinaridade é abordada, traduzida e representada com possibilidade prática por esses documentos orientadores. Incluí nessas intenções ampliar a discussão da interdisciplinaridade como elemento central na formação universitária da contemporaneidade.
Foi justamente o uso, talvez excessivo, do termo interdisciplinaridade nas propostas consideradas inovadoras do sistema da educação superior do Brasil o que me motivou a realizar esta pesquisa. Para assumirem esse nome, tais propostas deveriam superar a visão fragmentada e linear da produção do conhecimento, num novo projeto de formação para fins de atender às necessidades do mundo do trabalho e possibilitar a inserção dos estudantes.
Nesse pensamento, é possível constatar que, ao longo do tempo, a sobrevivência humana esteve relacionada com a necessidade de conhecer e controlar os fenômenos naturais à sua volta, determinando formas de produzir conhecimentos e utilizá-los, caminhando, de uma forma mitológica de conhecer, da filosofia até à ciência nos moldes que conhecemos hoje. Contudo a mera curiosidade intelectual, que impulsionou a gênese humana ao pensar filosófico, só foi experimentada na Grécia Antiga.
Até o século XVI, os conhecimentos filosóficos e científicos estavam articulados e percebidos como integrados, o que pode ser percebido na denominação de filosofia natural. Galileu Galilei (1564-1642) marca a passagem da filosofia natural da Antiguidade ao método científico atual, a partir da revolução científica por ele iniciada, conceituada como sendo o período da história europeia em que, inquestionavelmente, os critérios conceituais, metodológicos e institucionais da ciência moderna foram estruturados pela primeira vez. Nesse período, a ideia de um universo orgânico, vivo e espiritual foi trocada pela noção mecanicista. Na transição do paradigma medieval para o moderno, verifica-se uma transformação generalizada na ciência, trazendo novas maneiras de conceber, estudar, descrever e atuar sobre o mundo.
Assim, os fundamentos da Ciência Moderna encontram-se associados a pensadores como Galileu, Newton, dentre outros, sendo que o método analítico matemático de raciocínio, originado em Descartes, tornou-se o aspecto substancial do cientificismo moderno. Sobre a matemática, Santos¹ nos diz o quanto ela contribuiu com a ciência moderna, fornecendo não só o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, e ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria
.
Com a implantação da metodologia científica, a produção do conhecimento passa a ocorrer de forma linear, segmentando o todo para melhor compreendê-lo e objetivando a ciência para além da visão anterior. À medida que avança o conhecimento da ciência, torna-se cada vez mais especializada na tentativa de explicar questões mais e mais complexas. Com suas regras redutoras, abordava os problemas mais complexos como se estes fossem simples e fáceis de resolver, tratando-os do complexo ao simples, do geral ao particular.
O conhecimento produzido pelo método cartesiano ou físico-matemático, tais como os estudos sobre a mecânica celeste, sobre a gravidade, sobre a luz, constitui base do mundo moderno e ainda não foi superado. Entretanto é fato que, desse movimento, o conhecimento foi sendo compartimentado e subdividido em função do modelo determinista adotado. Na atualidade, o estudo dos fenômenos aleatórios e a teoria do caos, por exemplo, reclamam por novas formas de lidar com essa indeterminação. O uso social do conhecimento é, desse modo, fortemente orientado por determinados grupos de interesses que assumem o poder.
Nas universidades, o modelo de formação, pautado em princípios cartesianos, destacado sobretudo pela compartimentação das disciplinas, ainda é percebido na atualidade. Os progressos das ciências numa perspectiva disciplinar, ao tempo que trouxeram benefícios na divisão do trabalho, trouxeram junto os "inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do despedaçamento do saber. Não só