Direito e teologia
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Sobre este e-book
No campo do Direito são reunidos estudos sobre a obediência hierárquica no Direito Penal, examinada à luz do experimento realizado pelo psicólogo americano Stanley Milgram. Faz-se abordagem sobre a privatização de presídios dentro do conceito de Estado Mínimo. Integra a coletânea, também, análise sobre o custo do encarceramento no Brasil, feita sob a ótica da Análise Econômica do Direito, assim como a participação plena na democracia. No campo da Teologia são reunidas reflexões sobre a hermenêutica teológica e a hermenêutica jurídica, sobre os fundamentos teológicos da ideia de justiça, além do papel da Igreja na proteção do meio ambiente, tomando-se como base o conhecimento interdisciplinar.
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Direito e teologia - Carlos Lélio Lauria Ferreira
1. ANÁLISE DOS LIMITES DA OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA NO DIREITO PENAL À LUZ DO EXPERIMENTO DE MILGRAM
¹
Carlos Lélio Lauria Ferreira²
Gina Marcilio Vidal Pompeu³
RESUMO
Por meio do presente artigo, elabora-se análise dos limites da obediência hierárquica no Direito Penal à luz do experimento de Stanley Milgram. Justifica-se a escolha do tema por entender-se que se trata de questão desconsiderada no mundo jurídico-penal brasileiro e, de certa forma, pouco explorada no meio acadêmico. O objetivo da pesquisa é mostrar, inicialmente, que o Código Penal brasileiro incorre na omissão sobre aspectos relevantes que justificam a isenção de pena do agente. Para demonstrar essa incongruência, utiliza-se a metodologia doutrinária e jurisprudencial, com comparação entre a lei penal, a doutrina e a jurisprudência criminal com os resultados do experimento de Milgram. O problema constatado na abordagem é a previsão sobre a obediência hierárquica no Direito Penal comum e no militar, com a exclusão da culpabilidade de agente que pratica um fato em estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, considerando-se, estritamente, aspectos relacionados à legalidade ou ilegalidade da ordem emitida. Ao final, formula-se crítica à disciplina do instituto da obediência hierárquica que exclui a culpabilidade do agente, sem exame dos aspectos psicológicos de sua conduta.
Palavras-chave: Direito Penal. Culpabilidade. Direito Penal Militar. Obediência hierárquica. Experimento de Milgram.
INTRODUÇÃO
A reflexão apresentada neste artigo tem o propósito de elaborar análise crítica da natureza jurídica da obediência hierárquica no Direito Penal brasileiro, com destaque para o Direito Penal Militar, à luz do experimento realizado pelo psicólogo americano Stanley Milgram, na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em 1974.
É certo que as contemporâneas correntes de Filosofia do Direito propõem estudo interdisciplinar. Assim, no presente artigo, pretende-se estabelecer a conexão entre Direito e Literatura, e a partir disso alcançar a melhor compreensão dos limites da obediência hierárquica, questão jurídica relevante no Direito Penal. De fato, a interpretação do roteiro de filme (1) ou de texto literário como Obediência à autoridade
, de Stanley Milgram, permite que se tenha novo olhar para questões jurídicas complexas. Embora não seja classificada como ciência, a Literatura é fundamental para compreensão do Direito. Os dois campos do conhecimento se aproximam especialmente quanto às técnicas de análise.
Convém esclarecer nesta introdução que o tratamento dado à obediência hierárquica no Código Penal brasileiro incorre na omissão sobre aspectos relevantes que justificam a isenção de pena do agente. Para demonstrar a incongruência, usa-se metodologia na qual se comparam a lei penal, a doutrina e a jurisprudência criminal com os resultados do experimento de Milgram, dando-se ênfase aos limites dentro dos quais é possível aceitar-se o reconhecimento de excludente de culpabilidade sob o pálio da obediência hierárquica.
A questão examinada e que constitui o problema enfrentado neste artigo é desafio para os aplicadores da lei penal brasileira, sobretudo pela ausência de debate e abordagem acanhada da doutrina penal. O que se põe em pauta, nuclearmente, portanto, é que não se pode admitir a exclusão da culpabilidade de agente que realiza um fato em estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, considerando-se, estritamente, aspectos relacionados à legalidade ou ilegalidade da ordem emitida, como previsto no Código Penal brasileiro e sustentado pela quase unanimidade da doutrina.
Diante do problema formulado, foram elaboradas três hipóteses, vinculadas aos métodos e técnicas utilizados nesta pesquisa: a obediência hierárquica tem relação significativa com a ausência de análise crítica na doutrina penal; a jurisprudência criminal não valoriza o aspecto psicológico presente no comportamento do agente; ausência de interesse em reforma da lei penal brasileira, ainda atrelada à legislação estrangeira.
Entende-se, em harmonia com os resultados do experimento de Milgram, que ato realizado obedecendo a ordens é, psicologicamente, de caráter profundamente diferente da ação espontânea, o que, em outras palavras, significa dizer que a pessoa que, por convicção, odeia roubar, matar e assaltar pode ver-se a executar alguns desses atos com relativa facilidade ao cumprir as ordens de autoridade, isto é, o comportamento que é inimaginável em determinada pessoa que esteja agindo por conta própria pode ser executado, sem hesitação, quando feito em obediência a ordens, sendo suficiente que tenha consciência da aparência de não manifesta ilegalidade do que lhe foi determinado. Acredita-se, portanto, que a omissão legislativa incentiva prática de atos bárbaros sob o manto da impunidade.
As conclusões constantes desta reflexão foram pautadas pelo estreitamento crescente das relações entre Direito e Psicologia, ressaltando-se, neste trabalho, o valor do ensaio científico destinado à verificação de certo fenômeno na história da pesquisa científica, com a observação de que o experimento científico nunca decide debate epistemológico, como proposto com esta divergência.
1. A OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA NO DIREITO PENAL COMUM
A observação crítica sobre institutos históricos exige ponderação acerca de sua evolução e análise de sua integração no direito positivo. É importante registrar que o instituto da obediência hierárquica é tratado no art. 22 do Código Penal brasileiro nos seguintes termos: se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. Extrai-se do referido dispositivo que o subordinado que cumpre ordem que não seja manifestamente ilegal, isto é, aparentemente legal, emanada de seu superior hierárquico, tem sua culpabilidade excluída, ficando isento de pena.
Esclarecedoras, porém insuficientes, são as lições de NUCCI (2017) ao afirmar que há requisitos que caracterizam a obediência hierárquica. Em primeiro lugar, há a existência de ordem não manifestamente ilegal, ou seja, de duvidosa legalidade, o que caracteriza a excludente como misto de inexigibilidade de outra conduta com erro de proibição. Exige-se, ainda, relação de subordinação hierárquica entre o mandante e o executor, em direito público (2), tudo de acordo com estrito cumprimento da ordem. É importante, principalmente, verificar se há proporcionalidade entre o comando dado e o resultado a ser atingido.
Em importante diferenciação entre a coação irresistível e a obediência à ordem, PIRES (1973) assevera que em ambas as circunstâncias há impossibilidade de conformar os comportamentos ao ordenamento jurídico, mas, enquanto na ordem de superior hierárquico tal impossibilidade resulta da suposição por parte do agente de que realiza ato lícito, na coação irresistível, embora o agente saiba que executa ato ilícito, outro procedimento não se lhe exige juridicamente. O autor fala em suposição
, mas também é omisso ao não enfrentar questão relevante para o Direito Penal quanto à gravidade do ato praticado em obediência à ordem.
No Direito Penal italiano, o cumprimento de ordem emanada de superior hierárquico é previsto como causa excludente de ilicitude. É a situação em que o agente está diante da necessidade de cumprir a ordem ou obedecer ao disposto na lei, considerando que a ordem não é manifestamente ilegal, na linha do entendimento de GARCIA (1980) e diferente do que sustentam VARGAS (1977) e FRAGOSO (1995), no sentido de que haveria, na hipótese de obediência à ordem não manifestamente ilegal, erro de proibição, pois se daria juízo equivocado sobre a licitude do ato a ser cumprido em obediência à ordem do superior hierárquico.
Contudo, a questão deve ser examinada por outro ângulo, segundo REALE JÚNIOR (2012), ao afirmar que a ordem manifestamente ilegal não cabe ser cumprida, pelo fato de que, se quem a emite não tem competência para tal ou se não é atribuição do receptor da ordem realizar a ação determinada, ou seja, se o agente não tem condição de desrespeitar o comando ilegal, é de se analisar a configuração de situação de necessidade por coação e, nas circunstâncias, se a ação não é reprovável, e sim válida, exclui-se a culpabilidade; nesse caso, se o cumprimento da ordem for reprovável, respondem pelo crime o executor da ação e o autor da ordem a ser executada.
Assim, acrescenta REALE JÚNIOR (2012), mesmo que o inferior hierárquico tenha dúvida e possa questionar a legalidade, prevalece o dever de obediência, em razão do que é ação praticada destituída de ilicitude, pois não é possível impor-se o dever de obediência ao inferior hierárquico quando a ordem não for manifestamente ilegal e, doutra parte, reputar a prática da obediência, a realização da ação ordenada, crime (3). O inferior hierárquico ao realizar a ação ordenada não o faz por imaginar que não seja proibida, mas sim para obedecer à ordem do superior, sendo, portanto, causa de justificação ou excludente de ilicitude (4).
Como demonstrado mais adiante, a doutrina penal não enfrenta a questão nuclear do instituto da obediência hierárquica: omissão relevante na lei penal quanto ao comportamento do agente, passível de legitimação de atos cruéis cometidos em obediência à ordem. Nesse caso, pelo que sustentam os autores, a situação tornar-se-ia mais esdrúxula: a atrocidade não isentaria o agente de pena, mas excluiria a própria ilicitude da conduta.
Entenda-se ordem de superior hierárquico
por determinação originada de alguém no exercício de cargo ou função de natureza pública, cujo destinatário é seu subordinado hierárquico, para executar uma ou mais ações ou omissões. Considerando que se exige o estabelecimento de relação de Direito Público, não há de se falar em obediência hierárquica em relação que não envolva servidores ou agentes do serviço público. Em outras palavras, a obediência que tem significado para o Direito Penal é a obediência hierárquica de Direito Público, e não se inclui, nesse caso, a relação de natureza laboral, doméstica ou eclesiástica (5). No que diz respeito às ordens legais advindas do superior hierárquico, não há relevância para o Direito Penal por não constituírem ilícito penal.
Como se pode observar, mesmo a despeito de se considerar a insuficiência de critérios da lei penal, é essencial que se faça a distinção entre ordem manifestamente ilegal e ordem não manifestamente ilegal. A primeira não apresenta nenhuma dificuldade de identificação de sua indiscutível ilegalidade. Na segunda, a ilegalidade não é patente, clara, por isso é discutível.
Qualquer atividade desenvolvida no âmbito estatal e sujeita a ordem hierárquica é passível de temor reverencial, que consiste no medo ou receio entre os participantes de relação em que esteja presente o dever de obedecer. Há, de qualquer modo, presunção de legalidade nas ordens superiores, as quais em tese estão em conformidade com a ordem jurídica, suposição que se estende à falta de consciência da ilegalidade da ordem, o que, no caso concreto, permite que o ato seja desculpável. Ressalte-se, entretanto, entendimento aqui expressado quanto à omissão legislativa e silêncio na doutrina em relação à conduta do agente que executa a ordem.
Com o intuito de fundamentar os argumentos sustentados no presente artigo, convém destacar que a obediência hierárquica tem estreita relação com os institutos do erro de tipo e do erro de proibição. De fato, conforme ensina MAYRINK DA COSTA (2005), aquele que cumpre ordem de superior hierárquico o faz convicto da legalidade do que deve ser executado, ao mesmo tempo em que lhe é permitido fazer um juízo de valor sobre a legalidade da ordem. O autor apresenta três soluções para a vexata quaestio: (a) o sistema de obediência passiva, em que se exclui a possibilidade de o inferior indagar a legalidade da ordem recebida; (b) o sistema da externa das baionnettes inteligentes, no qual tem o direito de discutir a ordem e de recusar obediência, quando ilegal; (c) o sistema intermediário, em que, cumprida a ordem manifestamente ilegal, a circunstância da obediência apenas atenuará a pena de incorrer em delito, como resultado do cumprimento da ordem (atenuante da errada compreensão da lei penal) (6).
Com base nas questões suscitadas por Mayrink da Costa, é preciso fazer algumas observações em forma de resumo: só haverá causa de exculpação quando a dependência hierárquica entre o superior que manda e o subordinado que obedece seja de caráter oficial; no caso do subordinado que tenha a faculdade de analisar a ordem, se constatada sua ilicitude, ao cumpri-la, responde pelo ato praticado; na hipótese do subordinado que tenha a faculdade de avaliação e deixa de fazê-la, cumprindo-a, se a ordem é ilícita, responderá a título de negligência; quando o subordinado não tem a faculdade de avaliação, não será reprovável com fulcro na obediência hierárquica que justifica seu comportamento.
Sobre o assunto, oportuna a opinião de JUNQUEIRA (2017) no sentido de que não se exige do funcionário público que proceda a exame detalhado e minucioso das ordens que recebe. É esse o fundamento da inculpabilidade do agente, e não qualquer suposto dever de obediência (que inexiste; se existisse seu cumprimento seria, mais uma vez, caso estrito do dever legal). Portanto, caso a ilegalidade da ordem salte aos olhos
, ou seja, não exija nenhum esforço anormal do funcionário público para percebê-la, desaparece por completo a razão de ser da causa de exculpação.
Para ilustrar a reflexão aqui pretendida, reproduz-se o exemplo pensado por GRECO (2014) do detetive que, a mando da autoridade policial, espanca o preso a pretexto de conseguir a confissão. Percebe-se, desde logo, que a ordem emanada da autoridade é manifestamente ilegal e, sendo cumprida, não permite a aplicação do art. 22 do Código Penal brasileiro em benefício daquele que a cumpriu. Como descrito por MARTINELLI (2017), no Brasil não se aplica a teoria da obediência cega
, segundo a qual a ordem do superior deve ser cumprida pelo subordinado sem questionamentos. Ao contrário, a ilicitude da ordem retira a obrigação de seu cumprimento. Importante ressaltar o que se sustenta nesta análise crítica: o que deve impedir ou autorizar a isenção da pena ou a exclusão da ilicitude para o posicionamento mais radical não é a avaliação da legalidade ou ilegalidade da ordem, mas a avaliação psicológica da conduta do agente em relação à ordem executada e seu resultado.
Há também outro aspecto a ser destacado no que diz respeito à natureza jurídica do instituto da obediência hierárquica que é ambígua na visão de QUEIROZ (2005) porque, embora a doutrina o tenha como especial causa de erro de proibição, não se pode ignorar que o subordinado, em tais casos, encontra-se também no estrito cumprimento – putativo – de dever legal, porque imagina que ao obedecer à ordem está cumprindo seu dever legal de funcionário subordinado. O exemplo da excludente de culpabilidade apresentado pelo autor é o do inexperiente policial que realiza, a mando de delegado de polícia, prisões ilegais. Como assinala GOMES (2007), sendo a ordem não manifestamente ilegal (7), como no caso do superior militar que manda inferior matar perigoso bandido
que fugia, só responde pelo crime quem deu a ordem, não o inferior; de qualquer modo, o inferior deve cumprir a ordem estritamente, não podendo haver abuso. Nos dois casos, entende-se que há necessidade de avaliação psicológica da conduta do agente em relação à ordem executada e seu resultado.
Em comentário a respeito do erro sobre a legalidade da ordem, DELMANTO (2007) esclarece que, se a ordem era ilegal, mas não manifestamente, e houve erro justificável sobre o elemento constitutivo que é a ilegalidade, absolve-se, pois agiu iludido (CP, art. 20) pelas circunstâncias de fato (TACrSP, Julgados 84/200). Com o mesmo entendimento, MILHOMEN (2014) afirma tratar-se de caso especial de erro de proibição, consistente na obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, tornando viciada a vontade do subordinado, o que afasta a exigência de conduta diversa. Em suma: supondo obedecer a ordem legítima do superior, o agente pratica o fato incriminado. Esse é também o posicionamento de GONÇALVES (2014). Percebe-se que a doutrina pouco avança sobre os aspectos fundamentais que norteiam a obediência hierárquica no Direito Penal brasileiro.
Com pouca variação, mas elucidativo, FLORES (2016) utiliza como exemplo o caso de delegado que, após interrogar o preso, determina ao agente de polícia que o recolha na carceragem da delegacia. Ocorre que, posteriormente, o agente vem a descobrir que não se tratava de preso, mas sim de devedor do delegado. Nesse caso, o agente de polícia, subordinado ao delegado, ficará isento de pena. Entretanto, no mesmo exemplo, se o delegado pedir ao agente de polícia que leve o interrogando para a sala da memória
(local onde ocorrem a tortura e a confissão), e que somente o traga de volta quando este se lembrar do crime, tanto o delegado quanto o agente de polícia, nesse caso, deverão responder pelo crime, havendo somente atenuação na pena do subordinado. Essa é a questão essencial que se busca esclarecer e que os dois exemplos não atacam: os limites da obediência hierárquica no Direito Penal, além da análise da legalidade ou ilegalidade da ordem.
Um exemplo didático é apresentado por BARROS (2016): o delegado de polícia determina ao agente que exija do autor de determinado crime certa quantia, a fim de não ser instaurado inquérito policial. Nesse caso, os dois respondem por crime de concussão (CP, art. 316, caput). Em relação ao subordinado, há atenuante genérica (CP, art. 65, III, c). Vê-se que a doutrina se limita aos aspectos rasos da natureza jurídica da obediência hierárquica.
2. A OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA NO DIREITO PENAL MILITAR
O tratamento da obediência hierárquica no Código Penal Militar exige, de início, fazer distinção entre o funcionário civil e o funcionário militar. De acordo com BITENCOURT (2007), o funcionário civil não discute a oportunidade ou conveniência, mas discute a legalidade. E a ilegalidade pode decorrer, por exemplo, do descumprimento de formalidade. A ordem pode ser ilegal porque não obedece à forma estabelecida em lei. Basta isso e já será ilegal. O funcionário civil, subalterno, não é obrigado a cumprir ordem ilegal. Ademais, se representar qualquer prejuízo a terceiro, será tão responsável quanto o superior.
Agora, no caso do militar, a situação é completamente diferente. Ele não discute a legalidade porque tem o dever legal de obediência, e qualquer desobediência pode constituir crime de insubordinação (art. 163 do CPM). O subalterno militar não é culpado, qualquer que seja sua convicção sobre a ilegalidade da ordem. Pelo crime eventualmente decorrente só responde o autor da do Código Penal, estabelece, implicitamente, apenas que o militar não deve ordem, explica MUNHOZ NETTO (1978, p. 138). E acrescenta que o Código Penal Militar, diferentemente obedecer à ordem manifestamente criminosa (art. 38, § 2º). A questão é completamente diferente, discorda MARTINS (1974, p. 248), ao lembrar que seria absurdo afirmar que alguém tem o dever de obedecer à ordem criminosa. Aí, seria a inversão total das instituições políticas e democráticas.
Com efeito, a obediência hierárquica deve estar presente na vida militar, por constituir a hierarquia princípio básico e constitucional das Forças Armadas, adverte FIGUEIREDO (2009), ou seja, no âmbito militar, a subordinação e a obediência afiguram-se como regras, mais rigorosas do que no campo civil, devido à indispensável manutenção da ordem. A autora traz à discussão a possibilidade de a excludente especial de ilicitude ser aplicada no caso do comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, dos responsáveis pelo bom desempenho da tropa, bem como a admissão incondicional do princípio constitucional da hierarquia à exclusão da culpabilidade, pelo instituto da obediência hierárquica.
Em breve resumo, o instituto da obediência hierárquica no Direito Penal Militar merece os seguintes destaques: a) a excludente de culpabilidade, da obediência hierárquica pode ser invocada, por exemplo, em situações de iminência de perigo, calamidade, para salvar vidas ou a unidade militar, ou evitar prática de delitos, respondendo pelo crime o executor da ordem; b) os tipos penais militares de insubordinação, de motim, podem levar à responsabilização dos inferiores se praticarem ato inequivocamente criminoso como, por exemplo, o crime de insubordinação ou motim (8). c) o Direito Penal Militar brasileiro adota a teoria sincrética considerada como critério intermediário perante a teoria das baionetas inteligentes e da obediência cega. A primeira permite ao militar desobedecer às ordens não objetivamente legítimas, ao passo que a segunda obriga o militar ao cumprimento das ordens, mesmo ilícitas. De acordo com a teoria sincrética, permitir-se-á à pessoa considerada inferior o exame do caráter delituoso do ato ordenado, se a conduta se apresentar como manifestamente criminosa.
De fato, o inferior não pode agir sem raciocínio e sem vontade própria, pois a subordinação e a dependência militares, oriundas dos princípios de hierarquia e disciplina, não podem tornar os subordinados meros executores de ordens. É que, nem em tempo de guerra o Direito Internacional Público aceita o instituto da obediência hierárquica para exculpar condutas atrozes, quer da população civil, quer dos prisioneiros de guerra. Em tempo de paz, por não se constituir em situação excepcional, de emergência, com mais razão, não se consentem tais atos de forças armadas.
3. O EXPERIMENTO DE STANLEY MILGRAM
A fim de observar detalhadamente o ato de obedecer, Stanley Milgram realizou experiência na Universidade de Yale que devia envolver milhares de participantes e terminaria sendo repetida em diversas universidades (9). Na narrativa de MILGRAM (1983), duas pessoas chegam a um laboratório de psicologia para participar de estudo sobre memória e aprendizado, sendo uma designada como professor
e outra como aluno
. O responsável pela experiência explica que o estudo está interessado nos efeitos da punição no aprendizado. O aluno é levado a uma sala, colocado em determinada cadeira, os braços amarrados e um eletrodo ligado a seu punho. Recebe a informação de que deve decorar lista específica de pares de palavras; sempre que cometer erro, receberá um choque elétrico de intensidade progressivamente mais forte.
O foco real da experiência é o professor, responsável pela aplicação de choques em faixa de 15 a 450 volts. Quando o aluno responder corretamente, o professor pula para o item seguinte; no caso da outra pessoa der resposta errada, o professor aplica-lhe choque elétrico, devendo começar com o choque mais fraco (15 volts) e aumentar a intensidade cada vez que o outro errar, aplicando choques de 30 volts, 45 volts e assim por diante. O professor
é realmente pessoa inocente que foi ao laboratório participar da experiência, e o aluno, ou a vítima, é um ator, e na verdade não recebe choque algum.
O interesse da experiência é ver até que ponto a pessoa prossegue em situação concreta e mensurável na qual recebe ordem para infligir dor progressivamente maior à vítima que protesta cada vez que recebe o castigo, ou seja, em que ponto a pessoa se recusará a cumprir a ordem recebida?
O conflito surge quando a pessoa que está recebendo os choques começa a demonstrar que está sofrendo. Com 75 volts, o aluno
geme; com 120 volts, ele reclama verbalmente; com 150, pede para sair da experiência. Seus protestos prosseguem à medida que os choques aumentam de intensidade e tornam-se, então, veementes e emocionais; com 285 volts, sua reação pode ser descrita apenas como grito agonizante. Para se livrar da situação, o professor terá de romper com a autoridade.
O objetivo da pesquisa é descobrir quando e como as pessoas contestariam a autoridade em face de nítido imperativo moral. Por que alguém em seu juízo perfeito aplicaria mesmo o primeiro choque, em vez de se recusar a executar a ordem e sair do laboratório? O fato é que, a despeito de muitas pessoas sentirem stress e de muitas delas protestarem com o pesquisador, parcela substancial continua com o teste até o último choque do gerador.
Há também outro aspecto a ser destacado na experiência de Stanley Milgram no que diz respeito às interpretações iniciais de que as pessoas que aplicaram os choques mais fortes às vítimas eram monstros, os sádicos da sociedade, avaliações que não se sustentaram. Ficou constatado que quase dois terços dos participantes se enquadravam na categoria de pessoas obedientes
e que representavam pessoas comuns, escolhidas entre camadas operárias, de dirigentes e de profissionais liberais.
O que o próprio Milgram reconheceu é que essa particularidade é em grande parte reminiscência da questão surgida com respeito ao livro de Hannah Arendt, de 1963, Eichmann em Jerusalém
, no qual a autora argumenta que os esforços da promotoria para descrever Eichmann como monstro e sádico estavam fundamentalmente errados, que ele era mais um burocrata sem criatividade que simplesmente se sentava a sua mesa e fazia seu trabalho.
Eichmann, na visão de ARENDT (1999), com seus dotes mentais bastante modestos, era certamente o último homem na sala de quem se podia esperar que viesse agir por conta própria e, como além de cumprir aquilo que ele concebia como deveres de um cidadão respeitador das leis, ele também agia subordinado a ordens, acabou completamente confuso e terminou por frisar alternativamente as virtudes e os vícios da obediência cega, ou da obediência cadavérica
.
Sabe-se que, por assumir essa posição, Arendt tornou-se alvo de escárnio, até mesmo de calúnias. Contudo, sentia-se que as coisas monstruosas feitas por Eichmann só poderiam ser executadas por personalidade brutal, alterada, sádica, o próprio mal encarnado.
A partir de certo paralelismo com a posição de Eichmann, destaca-se a figura de Filinto Müller, o temido chefe de polícia da Ditadura de Getúlio Vargas, tratado na biografia lançada por ROSE (2017) como o homem mais perigoso do país
, a espécie humana que se reproduz com impressionante intensidade nas ditaduras e tem por habitat as cercanias dos cativeiros: o homem que executa as ordens que vêm de cima, quaisquer ordens, sem jamais contestá-las, sem remorsos, sem crises de consciência, sem hesitação, aquele que levou, a mando de Vargas, Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes à Alemanha, onde seria assassinada em campo de concentração.
Milgram conclui que, depois de ver centenas de pessoas comuns submetidas à autoridade em suas próprias experiências, a concepção de Arendt sobre a banalidade do mal está mais próxima da verdade do que jamais foi possível imaginar. Diz expressamente que a pessoa comum que aplicou choque em outra assim agiu sem o sentido de obrigação – no conceito de seus deveres como pessoa – e não por meio de qualquer tendência agressiva em especial.
O experimento sobre obediência à autoridade não foi o único realizado por Stanley Milgram. A propósito, a psicologia social dos Estados Unidos, em função dos trabalhos de Milgram e de outros pesquisadores, a pressão óbvia exercida pela cidade em seus habitantes passou a ser transformada em um objeto de técnicas de medidas objetivas (MILGRAM, 1970). Em 1967, Milgram resolveu testar como hipótese o fato de que esse é um mundo pequeno
, onde as pessoas se conectam umas às outras de modos mais intensos e variados do que estamos acostumados a reconhecer. O experimento consistia em que algumas pessoas selecionadas em Kansas e Nebraska receberam envelopes destinados (mas não endereçados) para uma única pessoa em Boston, com a regra de que a carta devia ser enviada para alguém do seu ciclo de conhecimento que achasse que teria alguma aproximação com esse endereço. Descobriu-se que a maioria das cartas chegou ao endereço certo, num tempo muito curto. Algumas cartas chegaram com apenas três etapas, outras chegaram com nove, nenhuma ultrapassou dezoito etapas e a média foi de seis etapas. Milgram formulou então a teoria dos seis graus de separação
, que ficou em evidência num certo período MILGRAM (1967).
4. OLHAR DIFERENCIADO SOBRE A OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO A PARTIR DO EXPERIMENTO DE STANLEY MILGRAM
Para pôr em relevo a reflexão sobre o experimento de Milgram, e que o pilar fundamental do tema aqui abordado consiste em propor hipóteses de aplicação da experiência sobre obediência à autoridade, examina-se então os limites da obediência hierárquica no Direito Penal à luz do experimento de Milgram. É o Direito interpretado a partir de narrativa do cinema. O quadro que emerge dessa descrição é o reconhecimento de que, como afirma ARAÚJO (2013), relaciona-se o Direito a outros campos do conhecimento como, por exemplo, a Economia e a Literatura, a fim de importar novos paradigmas de áreas aparentemente isoladas do saber.
Prevista no Código Penal brasileiro como causa excludente da culpabilidade, e quase unânime na doutrina quanto a esse entendimento, diferente de posicionamentos na Alemanha, Itália e Espanha, com defesa da natureza jurídica da obediência hierárquica como causa de exclusão da ilicitude, a ilegalidade da ordem é aplicada apenas para quem a expediu, e não se comunica tal circunstância ao agente executor. Pois bem, o experimento de Milgram traz à evidência o que parecia improvável para a comunidade científica: o fato de que pessoas comuns, simplesmente cumprindo seus deveres, podem se tornar agentes de um terrível processo destrutivo e, mesmo quando esses efeitos ficam claros e há pedido para realizar atos incompatíveis com a moral, as pessoas não resistiam à autoridade, sentindo-se responsáveis por suas próprias ações.
O ponto nodular para exame, então, é saber qual a relevância