Desenvolvimento territorial rural e meio ambiente: Debates atuais e desafios para o século XXI
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Desenvolvimento territorial rural e meio ambiente - Francinei Bentes Tavares
APRESENTAÇÃO
O Volume n. 95 da Coleção Escritos Acadêmicos – Série Estudos Reunidos, com o título Desenvolvimento Territorial Rural e Meio Ambiente: debates atuais e desafios para o século XXI
apresenta uma série de capítulos que contextualizam várias análises e reflexões acerca das políticas públicas que, por exemplo, oportunizam reforçar formas sustentáveis na agricultura, especificamente na agricultura familiar; que possibilita uma política educacional voltada para a educação do campo, reforçando com isso, boas práticas agroecológicas, com o envolvimento de jovens e, sobretudo mulheres, consolidando estratégias inovadoras; entre outros temas, de importância impar para um debate importante e atual na conjuntura brasileira.
A leitura dos artigos que compõe este volume são fundamentais para o entendimento dos debates e os desafios propostos onde os sujeitos se relacionam e interagem na busca de um efetivo processo sustentável de desenvolvimento, conhecer essas experiências e como elas ocorrem nas mais diversas regiões do país; suas leituras, com informações, análises e reflexões a partir de estudos, pesquisas e relatos de experiências, nos dá elementos para o entendimento das realidades múltiplas e possibilitam novos caminhos para o enfrentamento das desigualdades existentes em algumas localidades deste Brasil.
Os estudos apresentados pelos autores, nos indicam diversos olhares e caminhos que nos remetem ao tema central do livro. São oito capítulos que abordam os mais diversos assuntos, dentre eles: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e suas repercussões na agricultura familiar: o caso do município de Igarapé-Miri, educação do campo e perspectiva de sustentabilidade em sistemas agroflorestais na Amazônia Tocantina, desenvolvimento territorial na região tocantina maranhense: dilemas socioambientais na pré-amazônia, Platô de Irecê: uma periodização dos aspectos do uso e ocupação da terra e suas repercussões socioambientais no semiárido baiano, entre outros. Os textos abordados nos indicam alguns elementos importantes que estão sendo realizados, debatidos e pesquisados pelo país.
Convidamos à leitura aqueles que se interessam pelo tema e querem conhecer os capítulos do livro, boa leitura!
Prof. Dr. Alexandre Augusto Cals e Souza
Universidade Federal do Pará
1. O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E SUAS REPERCUSSÕES NA AGRICULTURA FAMILIAR: O CASO DO MUNICÍPIO DE IGARAPÉ-MIRI– PA
Francilene Farias Valente Araújo
Francinei Bentes Tavares
Monique Medeiros
Lívio Sérgio Dias Claudino
Introdução
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma política pública voltada para a Agricultura Familiar e foi criado em 2003 com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de dois públicos: os agricultores familiares e as pessoas que estão em situação de insegurança alimentar. Por meio do Programa há a compra governamental da produção dos agricultores, destinando-a às pessoas atendidas por programas sociais locais, que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica. Para que os agricultores possam acessar o programa é exigido essencialmente que eles sejam agricultores familiares, como a lei nº 11.326/2006, em seu artigo 3º, determina:
Agricultor familiar e empreendedor familiar rural são aqueles que praticam atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - Quem não detenha área superior a quatro módulos fiscais; II - Utilize de forma preponderante mão de obra da própria família; III - tenha renda familiar majoritária de atividades vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (Brasil, 2006, p. 01)
Para a confirmação dessa situação, é demandado aos agricultores possuírem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), uma espécie de certidão, emitida por instituições de assistência técnica e extensão rural e sindicatos de trabalhadores rurais, que valida o caráter familiar da produção dos agricultores.
No município paraense de Igarapé-Miri, locus da análise apresentada neste capítulo, a partir da segunda metade da década de 1980, as articulações e as lutas dos agricultores por melhores condições de vida e produção começam a surtir efeitos, pois a vitória referente a conquista da Colônia dos Pescadores (Z-15), e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), indica uma nova fase de discussão sociopolítico para o desenvolvimento local. O impulso desse processo de organização social agora mobiliza o surgimento de associações e cooperativas (Reis, 2008, p. 50) e, consequentemente, maior acesso a políticas públicas de desenvolvimento rural, como o PAA.
O processo de mobilização e organização produtiva em Igarapé-Miri começa com o Projeto Mutirão, operacionalizado por agricultores familiares associados ao STTR, atuante até o presente momento, no âmbito do município. Atualmente, este Projeto trabalha com a implementação da Casa Familiar Rural (CFR) de Igarapé-Miri, e auxilia as cooperativas e associações que buscam acessar os mercados institucionais (PAA e Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE).
Atualmente, o município de Igarapé-Miri tem o açaí como principal componente da cadeia produtiva da economia familiar. Entretanto, apresenta também outras culturas consorciadas em sua produção, como o cacau, o buriti e outras espécies nativas situadas em áreas de várzeas dos rios. Até hoje a agricultura familiar do município coexiste com o modelo de agricultura patronal, mascarado pelos discursos e ações do Agronegócio.
Este capítulo então centra as discussões no Município de Igarapé – Miri, por ser um município que tem uma história de luta pela valorização da agricultura familiar e que, nos últimos anos, vem sofrendo graves problemas políticos (mudanças e afastamentos de prefeitos, mudanças de secretários, possível falta de prestação de contas da alimentação escolar e, inclusive, mandatos de prisão tanto para prefeitos quanto para secretário), os quais chegam a afetar diretamente as políticas públicas de desenvolvimento, prejudicando principalmente a população do campo e, quiçá, atingindo diretamente o público da Agricultura Familiar, deixando-os sem suporte para sobreviver de forma soberana e sustentável.
Dessa forma, o presente texto teve como objetivo investigar os impactos do Programa de Aquisição de Alimentos no contexto da agricultura familiar, tomando como exemplo o município de Igarapé-Miri, visando identificar as dificuldades e limitações encontradas para a operacionalização do programa no local estudado.
Escolhas metodológicas
Situado na mesorregião nordeste Paraense, o município de Igarapé-Miri (Figura 1), pertencente ao Território do Baixo Tocantins, a 78 km da capital que é Belém, possui uma população estimada de 60.675 habitantes, dos quais 45,17% residem na zona urbana e 54,83% moram na zona rural (IBGE, 2010). Do ponto de vista econômico, Igarapé-Miri caracteriza-se principalmente pelo trabalho com agricultura e agroextrativismo, com ênfase para o cultivo e o manejo do açaí e a pesca artesanal (Araújo; Souza, 2013, p. 55).
Figura 1. Mapa de localização do município de Igarapé Miri-PA
Fonte: Brasil (2009) e Google Maps (2020).
Conhecido como a Capital Mundial do Açaí
por ser o maior produtor e exportador do fruto no mundo, teve seu título confirmado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), que em estudo divulgado no ano de 2017, aponta que o município chega a produzir 305,6 mil toneladas, equivalente a 28% da produção nacional. Historicamente, o município experimentou processos de crescimento econômico que marcaram a sua estruturação e representação da organização social, política e cultural (Corrêa, 2010, p. 01).
Focadas neste recorte empírico, as pesquisas que geram esse texto pautaram-se em uma abordagem qualitativa. Os dados utilizados foram obtidos através de dados primários por meio de entrevistas ouvindo os agricultores e de dados secundários, através da plataforma PAA/Data da Secretaria de Informação e Gestão (Sagi) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) do governo federal¹.
A pesquisa se desenvolveu seguindo as seguintes fases: primeiro fez-se uma revisão bibliográfica entre junho e agosto de 2019, buscando a compreensão de alguns conceitos pertinentes ao estudo em questão. Em seguida foi realizada coleta de dados secundários através da análise das bibliografias disponíveis sobre o tema, buscando identificar dados referentes ao assunto em questão, visando uma contextualização inicial do programa. Estes foram coletados junto a Plataforma PAA/ Data, em bases de dados eletrônicos disponibilizados pela Secretaria de Informação e Gestão (Sagi) do MDS do governo federal. Dando prosseguimento, foi realizada pesquisa de campo, que teve como lócus, o Município de Igarapé-Miri, sendo os agricultores familiares sócios das cooperativas que fornecem alimentos para o PAA, os sujeitos desta pesquisa. A pesquisa de campo se deu através da utilização da técnica de entrevistas semiestruturadas, tendo como sujeitos desta pesquisa, os agricultores familiares que estão acessando o PAA.
Foram utilizadas técnicas de coleta de dados através de dados secundários e também por meio de realização de entrevistas semiestruturadas junto aos atores/ fornecedores envolvidos no programa: agricultores familiares e representantes de suas organizações. De posse das informações a respeito das organizações e entidades que tinham relação direta ou indireta com o PAA, é que foram realizadas as entrevistas, sendo 22 pessoas entrevistadas, sendo 12 mulheres e 10 homens. As entrevistas foram feitas no período de 24 a 30 de setembro de 2019.
Os dados construídos por meio das entrevistas e da análise de bibliografias foram submetidos à análise de conteúdo, decompondo as entrevistas em categorias de análise e estratificando-as, para identificar a percepção dos atores envolvidos no que diz respeito aos impactos do PAA no município de Igarapé-Miri.
Políticas públicas direcionadas à agricultura familiar
Pode-se dizer que política pública é
o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). (Souza, 2006, p. 26)
Para a autora, a formulação de políticas públicas refere-se ao estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real. Nessa perspectiva, Manfiolli (2014) diz que políticas públicas é o conjunto de programas, ações que o Estado, desenvolve no intuito promover melhorias para determinados seguimentos da sociedade.
Assim, pode ser afirmado que
as políticas públicas geram crescimento e desenvolvimento para o setor para o qual foi determinado quando essa é gerida de forma responsável, transferindo os recursos para se suprir as necessidades ilimitadas dos determinados setores da nossa sociedade. (Silva; Lima, 2017, p. 03)
É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é um direito coletivo e não individual (Cunha; Cunha, 2002, p. 12). Nesse contexto, Pereira (2009) afirma que as políticas públicas resultaram de novas relações entre Estado e a sociedade, em que os conceitos de justiça social e de equidade se tornaram menos abstratos e que não é referência exclusiva ao Estado.
Historicamente, no Brasil, o Estado sempre deu maior importância para políticas públicas que privilegiaram o lado da oferta da produção, através de tecnologia, crédito e infraestrutura, porém, essas políticas não eram direcionadas aos agricultores familiares (Mielitz, 2014, p. 12).
Nas décadas de 1980 e 1990, como ajuste estrutural e o neoliberalismo, a atuação do Estado e das políticas públicas foram modificadas e minimizadas ganhando maior proeminência no desenvolvimento para a atuação do mercado (Grisa; Schneider, 2015). Entretanto, também nos anos 1990, devido à luta incessante dos movimentos sociais do campo, a expressão agricultura familiar
passou a fazer parte do contexto brasileiro e os programas e projetos orientados para o fortalecimento da agricultura familiar, começaram a surgir, marcando o reconhecimento do Estado à agricultura familiar e à necessidade de delinear políticas diferenciadas de desenvolvimento rural que contemplassem as suas especificidades socioeconômicas (Grisa, 2010). Assim, Campos e Bianchini (2014) afirmam que as transformações no Estado brasileiro, nas suas prioridades e no redirecionamento dos recursos públicos, e o reconhecimento da agricultura familiar e da importância da segurança alimentar, é que abriram espaço para a criação do PAA.
O programa de aquisição de alimentos
Os esforços para a construção de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) oportunizaram o surgimento de importantes inovações no campo das políticas públicas, traduzidas na maior articulação entre os programas/ações de fortalecimento da agricultura familiar (Cruz, 2016, p. 07).
Nesse contexto, esse mesmo autor menciona que,
merece destaque a criação do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, instituído pela Lei 10.696, de 02/07/ 2003, que tem como principais objetivos a promoção da segurança alimentar e nutricional da população e a garantia de renda para a agricultura familiar. (Cruz, 2016, p. 07)
O PAA, criado no bojo do programa Fome Zero,
adquire os alimentos dos agricultores familiares (com dispensa de licitação) e repassa-os aos programas públicos e organizações sociais que atendem pessoas com dificuldade de acesso ao alimento ou em situação de risco alimentar. (Grisa et al., 2009, p. 01)
E assim, garante a compra da produção da Agricultura Familiar, remunerando a preços de mercado, com base na média de preços da região onde o mesmo é executado.
Assim, esse Programa introduz diversos aspectos inovadores em termos de políticas públicas, promovendo inserção e apoio aos agricultores familiares, não apenas em estruturação produtiva e comercial, mas também da participação cidadã. Dessa forma, o PAA veio para suprir integradamente duas lacunas se configurando como uma política pública de fomento econômico e proteção social. De um lado, apoiando os agricultores familiares, comprando suas produções e gerando renda. De outro lado, beneficiando as pessoas que estão vulneráveis a insegurança alimentar, distribuindo esses alimentos comprados da Agricultura Familiar para essas pessoas.
Até maio de 2016, o PAA contava com o orçamento de duas Unidades Gestoras: MDS (responsável pela parcela majoritária dos recursos) e Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA (Cruz, 2016, p 10). Com a extinção desse último ainda em 2016, o MDS assumiu o financiamento dos recursos do programa. O PAA conta com diferentes Unidades Executoras a): Os órgãos ou entidades da administração pública estadual, órgãos do Distrito Federal ou municipal, direta ou indireta, e consórcios públicos, que celebrarem Termo de Adesão ou convênios com as Unidades Gestoras; e b) a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e outros órgãos ou entidades da administração pública federal que celebrarem termo de cooperação com as Unidades Gestoras.
Atualmente, o PAA possui seis modalidades que propiciam formas distintas de intervenção governamental, são eles: Apoio à Formação de Estoques