Olhar Contemporâneo: Como entender a arte de agora
De João Correia
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Olhar Contemporâneo - João Correia
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Método Socrático
Minha introdução ao método socrático ocorreu nas aulas de Michael Sandel, filósofo político estadunidense e professor na Universidade de Harvard, que trata em suas aulas e livros de temas polêmicos, tais como E se o dinheiro não puder comprar isto?
e Poderiam os ricos pagar pela mudança climática?
Suas palestras lotam estádios, atraindo milhares de participantes, enquanto milhões de pessoas já assistiram às suas aulas virtuais. A fim de criar uma sala de aula global, Sandel declarou, publicamente, seu objetivo de ampliar o alcance da filosofia para além da academia. Essa abordagem convergiu para meu interesse de pesquisa porque eu me perguntava, frequentemente: Que tipo de projeto artístico pode ter um alcance global via plataformas digitais? Que tipo de arte é relevante hoje e como isso pode ser comunicado em escala? Quais foram os movimentos relevantes dos últimos trinta anos e por quê? Essas eram algumas das perguntas que me instigavam a imaginação e que eu analisava diariamente nesse período.
As aulas de Sandel me intrigaram como um caso raro de como o conteúdo educacional de qualidade pode ter potencial multiplicador. Seu método de ensino pareceu ser um estudo de caso excepcional para investigar como as aulas virtuais de arte poderiam alcançar grandes audiências. Descobri, por meio da pesquisa de palavras-chave, como método Michael Sandel
, que ele utiliza uma versão do método socrático. A pedagogia utilizada por Sócrates nos diálogos platônicos é caracterizada pela indagação rigorosa de temas universais entre duas ou mais pessoas e, aparentemente, nenhuma hierarquia professor-aluno é estabelecida. Os diálogos são conhecidos por ensinarem padrões de pensamento que vão além do conteúdo; eles facilitam uma análise crítica das próprias experiências e produzem mudanças de comportamento. Surpreendentemente, um método datado da época do filósofo grego nascido em 470 a.C. é uma das mais efetivas pedagogias atuais, com a capacidade de alcançar altas taxas de engajamento, tanto presencial como virtual, pela mediação tecnológica.
O objetivo de Sandel é trazer profundidade moral, definir e justificar nossos direitos[6] e entreter. Sua aula sobre O Lado Moral do Assassinato
, disponível no YouTube desde setembro de 2009, tem mais de 38 milhões de visualizações, apresentando significante engajamento dos estudantes presentes, além de 409 mil likes e 18 mil comentários. Suas aulas frequentemente começam com um dilema apresentado como uma experiência possível. Um exemplo: você está dirigindo um caminhão e há cinco pessoas na estrada à sua frente; nesse mesmo instante o seu freio falha. Você se sente desesperado, sem saber o que fazer, até ver um caminho lateral. Entretanto, você percebe que no fim desse caminho lateral há um trabalhador. Apesar de seu freio não estar funcionando, seu volante funciona, então você pode virar e matar uma pessoa em vez de cinco. Qual seria a coisa certa a fazer nesse caso?[7]
Em seguida, Sandel faz uma votação. Levante a mão se você escolheu ir em frente; agora levante a mão se você escolheu esterçar e pegar o caminho lateral.
Ele então pede aos participantes que votaram a favor de esterçar para justificar suas razões, seguidos daqueles que não virariam o volante, também para justificar sua resposta. Um participante a favor de esterçar justificou sua escolha explicando que ele preferiria matar uma pessoa a cinco. Em contrapartida, o participante a favor de ir em frente diz que esterçar é um gesto que pode levar a uma mentalidade de assassino, pois se coloca em posição de decidir quem vive, quem morre e por quê. Sandel, então, continua com outras perguntas, sempre interagindo com o público e referenciando suas justificativas, induzindo pequenas mudanças de argumentos entre eles. Ocasionalmente, os participantes contam suas experiências, fornecendo reflexões pessoais. Comentários de pessoas do mundo todo podem ser encontrados no YouTube, sem nenhuma mediação aparente de Sandel ou de sua equipe.
Fig.1: Cenário de uma das aulas de Michael Sandel sobre Filosofia. Disponível em: <https://scholar.harvard.edu/sandel/home>. Acesso em: jun. 2020.
História da Metodologia
Depois de Sandel ter se tornado uma referência, o que veio a confirmar a viabilidade do meu objetivo, o próximo passo foi começar uma revisão estruturada da literatura, introduzindo-me nesse referencial teórico e histórico e na utilização do método socrático. Artigos por mim consultados transmitiam tanto vigor quanto crítica, exemplos de aplicações e as experiências pessoais dos professores que usaram essa metodologia.
Pontos específicos e precedentes relevantes para aplicações em artes me interessavam. Nesse campo inovador, era crítico explorar como essa metodologia poderia ser percebida no século XXI, bem como se o seu uso seria capaz de permitir que eu ensinasse arte em lugar de filosofia. Sebastian Mitchell apresenta uma história dividida nas versões clássica e moderna. A versão clássica se refere aos diálogos originais de Sócrates, como foram registrados por Platão, em que ele conduz seu interlocutor até que este se contradiga e, em seguida, o mesmo interlocutor reinicia o diálogo com uma premissa diferente, que irá levá-lo a uma outra contradição. O interlocutor de Sócrates, então, reconhece perplexo, por fim, que realmente não conhece o assunto.
Dessa perplexidade vem um novo estado de humildade e curiosidade, que abre caminho para a análise e o aprendizado permanentes. Durante o diálogo, Sócrates afirma não saber qual é a resposta das questões colocadas; contudo, ele controla a lógica e o formato da discussão. Essa versão clássica do diálogo não revela conhecimento mas, em vez disso, um processo incansável, quase desconfortável, de investigação. De acordo com o filósofo Paul Friedlander, o objetivo é que a alma do participante se torne visível em sua atividade: a busca pela realidade absoluta
[8].
No período moderno, há duas versões principais do método: uma do filósofo inglês Robin George Collingwood e outra do filósofo alemão e matemático socialista Leonard Nelson com seu aluno, o filósofo e professor alemão Gustav Heckmann. A versão do método socrático de Collingwood postula que Sócrates entendia o questionamento como um caminho para a verdade. Para Collingwood, contudo, a verdade não pode ser encontrada em perguntas ou respostas, mas reside na complexidade desses dois contextos[9].
Já na tradição de Nelson e Heckmann[10] os diálogos caminham um passo adiante em direção à importância do contexto quando se inicia a consideração do diálogo como processo de reflexão coletiva. Para Leonard Nelson, os alunos de Sócrates não eram mais do que repetidores das palavras sim, senhor
[11], então Nelson transformou a interação do aluno-filósofo em uma discussão coletiva, genuinamente interativa, baseada em uma questão. De acordo com essa abordagem, o método socrático torna-se útil, em termos educacionais, como uma pedagogia livre de sua base neokantiana[12] e aberta à aplicação, com tópicos que variam das ciências humanas à ciência, política e experiências dos participantes. Isso me tranquilizou, pois foi demonstrado que a aplicação do método em diálogos a partir de obras de arte era viável, e não mais associada exclusivamente a conteúdos filosóficos que não se adequariam à minha proposta.
Cumpre registrar que a importância do diálogo como estratégia educacional também pode ser encontrada na obra Por uma Pedagogia da Pergunta, de dois grandes mestres da educação libertária: o brasileiro Paulo Freire e o chileno Antonio Faundez[13].
Os diálogos sobre as experiências de exílio desses dois pensadores, sobre o método Paulo Freire, concepções de educação e atividades de descolonização foram gravados, transcritos, revisados e impressos, resultando nessa obra. Nela eles partilham reflexões, conclusões e indagações de importância universal, ressaltando que adquirir conhecimento é uma escolha que fazemos se estivermos dispostos a aceitar o outro e a aprender com a história.
Volto a insistir na necessidade de estimular permanentemente a curiosidade, o ato de perguntar, em lugar de reprimi-la. As escolas ora recusam as perguntas, ora burocratizam o ato de perguntar. A questão não está simplesmente em introduzir no currículo o momento das perguntas, de nove às dez, por exemplo. Não é isto! A questão nossa não é a burocratização das perguntas, mas reconhecer a existência de um ato de