Inesita Araujo - Cartografia de Comunicacao e Saude

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CARTOGRAFIA DA COMUNICAO EM SAUDE

Inesita Araujo Fiocruz/CICT/DCS Rio de Janeiro Brasil





Palavras Chaves
Comunicao e Saude, Metodologias de avaliao, Planejamento da Comunicao.


Este trabalho apresenta um metodo desenvolvido para auxiliar a compreenso da
pratica comunicativa sobre um dado tema, num dado territorio: o mapeamento da rede de
produo dos sentidos em saude, que tem como produto um mapa da comunicao.
Pensado para o campo das politicas publicas, no mbito do planejamento e da avaliao,
permite identiIicar as Iontes (as comunidades discursivas), os discursos e os Iluxos de
comunicao, tanto da comunicao institucional, como da midiatica e da local.

1) Voltando s origens
O mapa da comunicao, tal como o concebemos hoje, comeou a ser desenvolvido
ha quase uma decada, com o objetivo de visualizar aquilo que na teoria chamamos de
'Mercado Simbolico e que designa determinados espaos habitados por multiplas vozes
que concorrem entre si. Ao longo dos anos, o mapa Ioi sendo testado em cursos, oIicinas e
projetos, ampliando-se seu espectro de aplicao, seja tematico, seja contextual. Muitas
pessoas contribuiram, portanto, para a incorporao de outras possibilidades ate chegar ao
ponto em que hoje se encontra.
O Mercado Simbolico e um conceito que integra, na teoria da comunicao, uma
perspectiva da produo social dos sentidos. Este enIoque requer que se considere tambem
as noes de poliIonia, contexto, concorrncia discursiva, poder simbolico e lugar de
interlocuo.
Quando Ialamos em Mercado Simbolico, estamos assumindo que a comunicao
opera ao modo de um mercado, onde varias vozes concorrem entre si pela prevalncia do
seu proprio modo de perceber, analisar e intervir sobre a realidade. Este mercado de ideias,
opinies, crenas, sentimentos, etc e operado por interlocutores, cujo modo de participao
e posio que ocupam na rede simbolica e determinado por contextos. Os interlocutores
podem ser individuos ou 'comunidades discursivas, conceito que designa os grupos que
produzem e/ou Iazem circular discursos, que neles se reconhecem e so por eles
reconhecidos (Maingueneau, 1993 ; Araujo, 2002).
Esse modo de pensar a comunicao pe em relevo a ideia de 'poliIonia, que
reIerencia justamente a presena de multiplas vozes, que ora se articulam sinergicamente,
ora concorrem entre si. O que todos desejam, em ultima analise, e a possibilidade de 'Iazer
ver e Iazer crer, que remete para a construo da realidade, portanto, para o poder
simbolico (Bourdieu, 1989, Araujo, 2000).
Podemos representar graIicamente essa concepo de comunicao, com seus
principais elementos:


Este modo comunicao conIigura um modelo, o Modelo do Mercado Simbolico,
proposto em tese de doutorado e apresentado em um artigo na revista InterIace (Araujo,
2003). Multipolar, descentrado e em rede, contrape-se ao modelo dominante na saude,
linear, unidirecional e transIerencial, cuja representao simpliIicada vemos abaixo:


Emissor Mensagem codificada Canal Mensagem decodificada Receptor



2) O mapa como instrumento de diagnstico
Se o objetivo original era propiciar uma materialidade visual ao mercado simbolico,
logo percebemos que o mapa desempenhava um outro papel, bem mais relevante: ele era
um instrumento de conhecimento da realidade. O processo de Iazer o mapa, as discusses
que ele propicia, leva as pessoas a traarem um diagnostico da sua realidade, que extrapola
largamente o mbito estrito da comunicao: ao perceberem de onde emanam as
inIormaes sobre um tema, como circulam e como aquelas Iontes interagem como outras,
as pessoas percebem tambem as relaes de poder que permeiam no so as relaes
comunicativas, mas as relaes sociais. Percebem, tambem, de onde emanam os discursos
que Iormam seus proprios discursos, sendo portanto um importante aliado na Iormao de
uma viso critica da comunicao.
Na esIera institucional, o mapa permite reconIigurar a auto-imagem: ao se
perceberem como apenas uma das vozes circulantes em dado territorio, e no como a unica
ou dominante voz, as pessoas imediatamente reconsideram suas estrategias de
comunicao: certamente, e muito diIerente Ialar num espao asseptico, privilegiado e
concorrer pela ateno num espao poliInico. O mapa exige uma mudana nas estrategias.
Por outro lado, permite tambem avanar no projeto de uma comunicao mais democratica,
na medida em que Iavorece visualizar a concentrao da Iala em alguns nucleos
institucionais e a conseqente excluso de muitos segmentos sociais.

3) Um mtodo mais amplo de planejamento
O mapeamento da comunicao tem autonomia como instrumento de planejamento
ou de avaliao. No entanto, ele tambem integra um metodo mais amplo de planejamento,
estruturado em nove passos:
1. IdentiIicar e Iormular o problema de comunicao.
2. DeIinir os objetivos.
3. DeIinir os participantes e seu contexto.
4. IdentiIicar a rede de produo dos sentidos.
5. Escolher e delimitar o conteudo.
6. DeIinir os recursos.
7. Escolher as estrategias.
8. DeIinir o processo de avaliao.
9. DeIinir as responsabilidades institucionais.

4) Alguns exemplos possveis de aplicao do mapa
O mapa da comunicao tem sido aplicado a temas diversos do campo das Politicas
Publicas, particularmente da saude. Como exemplo, apresentamos os que se seguem,
elaborados no contexto do curso de especializao em Comunicao e Saude (1), no do
Mestrado de Gesto da InIormao e da Comunicao em Saude (2 e 3) e no de uma
pesquisa (PesquisAids, DCS/CICT/Fiocruz) (4). O primeiro mapeia as vozes e os Iluxos de
comunicao sobre o tema da terceira idade, tendo como reIerncia os internautas de um
site ('mais de 50) (autoria Simone Weissman).



Na seqncia, podemos ver um mapa cujo interesse e o mercado simbolico dos conselhos
de saude, no que concerne ao tema da convergncia tecnologica e das midias. (autoria
Angelica Silva).


O terceiro mapa apresenta o mercado simbolico em saude da populao que e
atendida pelo Centro de Saude Escola Germano Sinval Faria, da Fiocruz. (autoria Else
Grisoldi).


O ultimo exemplo caracteriza o mercado simbolico sobre o tema da preveno da
Aids, com ateno centrada nos jovens moradores de um bairro do Rio de Janeiro. (autoria
coletiva).

5) Uma aplicao concreta do mapa
Para que se possa ter uma ideia mais aproximada das possibilidades e do metodo de
aplicao do mapa, apresentamos a seguir o mapeamento da comunicao sobre meio
ambiente na regio do Complexo de Manguinhos, um conjunto de 11 Iavelas no entorno da
Fundao Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. A produo do mapa inscreve-se no mbito do
Laboratorio Territorial de Manguinhos, projeto intersetorial desenvolvido na Fiocruz e que
opera com a noo ampliada de saude, que inclui o componente ambiental. O Laboratorio
situa-se no mbito dos programas Fiocruz Saudavel e Desenvolvimento Local Integrado e
Sustentavel de Manguinhos. Tem como pressuposto central a construo compartilhada de
conteudos cognitivos para elaborao e disseminao de inIormaes, com a participao
de 23 pesquisadores e 15 estudantes de nivel medio, moradores de Manguinhos. Articula
trs dimenses: acadmica reIlexo teorica sobre a transdisciplinaridade em metodos de
interveno sobre o meio ambiente e a saude; Iormao relao entre pesquisadores e
estudantes na produo de conhecimento da realidade local; e interveno converso da
inIormao em conhecimento, criando instrumentos e mecanismos de disseminao para
aes de promoo da saude. O laboratorio opera atraves da elaborao de mapas
tematicos, que so 3 - Historia de Pessoas e de Lugares, Saude Ambiental e Comunicao.
O mapa 'Historia de Pessoas e de Lugares trabalha a ideia das pessoas na historia,
e envolve noes de tempo e de sujeito historico. Se conIigura numa pesquisa historica
(historia oral e de urbanismo), com analise de documentos e levantamentos de inIormaes
locais e, principalmente, entrevistas com moradores das comunidades, tendo como questo
central as problematicas urbanisticas, ambientais e sociais, historicamente vinculadas a
areas de grande excluso social e violncia urbana.
O mapa da 'Saude ambiental traz para o centro da discusso a percepo da
tecnologia e seus impactos sobre os seres humanos e o ambiente. Introduz conceitos como
risco, qualidade e sustentabilidade. Desenvolve analises contextualizadas dos problemas
com o objetivo de caracterizar o territorio de Manguinhos do ponto de vista socio-
ambiental, com o objetivo de propiciar elementos para a construo de agenda comunitaria
sobre questes de saude e interveno critica sobre politicas publicas da regio. Ate o
momento Ioram realizadas atividades de percepo das condies ambientais e de vida das
Comunidades atraves da dinmica de Ioto comentada.
Finalmente, o Mapa da Comunicao esta sendo elaborado com base em
levantamentos de campo. Para melhor compreenso do leitor, descrevemos a seguir os
passos metodologicos:
1) A equipe do projeto elaborou, em varias sesses, o que ela imaginava que seria o
mapa do mercado simbolico do tema do meio ambiente, em Manguinhos. Estas sesses
Ioram utilizadas para discutir com o grupo o conceito de comunicao como produo
social dos sentidos e suas conseqncias para a pratica institucional. O mapa que resultou
Ioi o que se segue:



2) Em seguida, partimos para veriIicar o quanto esse mapa correspondia a
realidade, atraves de levantamentos de campo setoriais. Iniciamos pelas comunidades
discursivas localizadas no campo midiatico: Ioi Ieita uma pesquisa sobre que jornais,
programas de TV e de radio os moradores eIetivamente ouviam e, com base nos resultados,
iniciamos um processo de monitoramento do tema 'meio ambiente nos veiculos e horarios
mais lidos/assistidos. Alem de especiIicar a audincia, a pesquisa mostrou que a maioria
das Iontes identiIicadas inicialmente no correspondiam a realidade, sobretudo as midias
comunitarias e alternativas, totalmente ausentes das reIerncias dos moradores, portanto
no se constituindo como comunidades discursivas a serem consideradas no diagnostico.
Fizemos ento um mapa apenas com as comunidades midiaticas, que Iicou assim
conIigurado:



3) O passo seguinte Ioi conIerir, tambem numa pesquisa de campo, as comunidades
discursivas locais, ou seja, do equipamento social de Manguinhos. Tambem ai a surpresa
Ioi grande, apenas se apresentando de Iato algumas instituies que tratavam do meio
ambiente, em contraposio a muitas que Ioram anteriormente estimadas. O mapa das
organizaes locais Iicou assim conIigurado:



4) Na seqncia, voltamos a campo para averiguar o nucleo discursivo 'Fiocruz,
que aparecia no mapa inicial como bem consistente e Iormado por inumeras comunidades
discursivas. Este levantamento acaba de ser concluido e no temos ainda o diagrama
correspondente. Adiantamos, porem, que Ioram identiIicadas 4 comunidades: o Museu da
Vida, a Escola Nacional de Saude Publica com dois grupos e o proprio Laboratorio
Territorial de Manguinhos. Outras instncias necessitam aproIundamento e, por sua
caracteristica mista populao que desenvolve atividades em programas da/na Fiocruz
devem ocupar um quarto nucleo no mapa. So elas o Programa de Saude da Familia e uma
cooperativa de trabalho (COOTRAM), cujos membros so moradores de Manguinhos.
Quando este ultimo mapa estiver completo, ento o passo seguinte sera produzir um
mapa unico, correspondente ao original, no qual se possa, no entanto, visualizar as reais
comunidades que Iazem circular discursos sobre meio ambiente. O metodo requer que se
Iaa, ento, um aproIundamento de que discursos so estes. Ja temos essa etapa realizada
em parte, atraves de entrevistas com a populao. Falta ainda aplicar o metodo de analise
social de discursos (Pinto, 1999), que, cruzando essas Ialas com o conteudo que emana a
partir das comunidades discursivas, se possa de Iato responder as questes: quem Iala o que
sobre meio ambiente, para quem, quando, atraves de que meios.
Podemos adiantar, por enquanto, que emergem dois grandes discursos da Iala
popular: um, o midiatico, que identiIica meio ambiente com problemas de desmatamento na
Amaznia, traIicos de animais em extino, poluio dos grandes rios etc. Outro, que Iala
dos problemas locais, com uma abordagem politizada, ou seja, correlacionando os
problemas a ma gesto dos recursos publicos e as desigualdades sociais.

6) Prximos passos no desenvolvimento do mapa
O grande desaIio, nesta metodologia, esta sendo, neste momento, sair do diagrama
como representao graIica de um mercado simbolico e visualizar esse mercado aplicado
ao mapa Iisico de um territorio concreto. Estamos estudando tecnologias disponiveis de
geoprocessamento, assim como analisando programas de descrio de Iluxos. Este passo e
importante para a conIigurao do mbito de abrangncia de cada discurso, dado
Iundamental num planejamento da comunicao. Por outro lado, no planejamento da
comunicao para preveno epidemiologica, e possivel cogitar em contrapor o mapa da
comunicao sobre a preveno de determinada doena com o mapa da disseminao da
mesma.
EnIim, so muitas as possibilidades. E com elas, o mapa da comunicao se
inscreve no esIoro por uma comunicao que opere no sentido de uma melhor distribuio
do direito de Ialar e de ser ouvido, portanto no sentido de uma maior equanimidade social.


BIBLIOGRAFIA
Araujo, Inesita. A reconverso do olhar: pratica discursiva e produo dos sentidos na
interveno social. So Leopoldo (RS), Ed. Unisinos, 2000.
________. Mercado Simblico: um modelo de comunicao para Polticas Pblicas.
comunicao, sade, educao. Fundao UN/Unesp, v.8, n. 14, set.2003-
fev.2004. Botucatu, SP. p.165-178.
Bourdieu, Pierre. O poder simbolico. Lisboa, DiIel, 1989.
Maingueneau, Dominique. Novas tendncias em Analise do discurso. Campinas,
Pontes/UNICAMP, 1993.
Pinto, Milton Jose. Comunicao e discurso. Introduo a analise de discursos. So Paulo,
hacker Editores, 1999.

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