A Guerra de Hugo Chavez Contra o Colonialismo - Núnzio Renzo Amenta
A Guerra de Hugo Chavez Contra o Colonialismo - Núnzio Renzo Amenta
A Guerra de Hugo Chavez Contra o Colonialismo - Núnzio Renzo Amenta
Copyright 2010, Editora Expresso Popular Ttulo original: La guerra al colonialismo de Hugo Chvez Traduo: Heloisa Marques Gimenez Reviso: Ricardo Nascimento Barreiros Capa, projeto grfico e diagramao: Krits Estdio Foto da capa: Consulado da Venezuela no Brasil Impresso: Grfica Loyola
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) D511g Amenta, Nnzio Renzo A guerra de Hugo Chvez contra o colonialismo / Nnzio Renzo Amenta ; traduo Heloisa Marques Gimenez. 1.ed. So Paulo : Expresso Popular, 2010. 288 p. : fots. Ttulo original: La guerra al colonialismo, de Hugo Chavz. Indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem.br ISBN 978-85-7743-132-8 1. Venezuela Histria. 2. Venezuela Poltica. 3. Chavez Fras, Hugo Rafael. I. Gimenez, Heloisa Marques,trad. II. Ttulo. CDD 987 Bibliotecria: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250
1 impresso - abril 2010 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorizao da editora.
EDITORA EXPRESSO POPULAR Rua Abolio, 197 Bela Vista CEP 01319-010 So Paulo SP Fone/Fax: (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br [email protected]
Sumrio
Apresentao Introduo Parte I A Venezuela e Hugo Chvez Parte II As razes do golpe Parte III A preparao do golpe Parte IV 11 de abril Parte VI 12 de abril de 2002 Parte VII 13 de abril de 2002 Parte VIII Operao Restituio da Dignidade A evoluo 11 13 29 75 89 121 153 201 231 263
Enza, minha esposa, que me apoiou incondicionalmente nas minhas andanas pelo estrangeiro. Sem seu alento e sua doce crtica no teria nunca a fora para escrever este livro.
... e agora me veio um sonho, me veio ali na esquina de um povoado, ainda h pouco. amos, depois de um ato onde havia muita gente eu queria descansar por l beira-mar. Era em Margarita exatamente, e ento vamos, j ao cair do sol, e vamos cruzando uma esquina para ir a algum lugar descansar um pouco. amos em caravana, uma caminhoneta qualquer e eu dentro, olhando olhando olhando cada esquina, cada casa, tratando de olhar tudo e, de repente, disse ao garoto, ao companheiro que dirigia: pare, pare porque vi umas crianas brincando com uma bola de borracha e disse ainda: que bom que h tambm uma menina jogando, que necessitava correr ainda mais, e ento em uma cadeira, um senhor com os cabelos brancos olhando as crianas brincando de bola e com uma menina em suas pernas, eu disse, a est, esse sou eu o ltimo sonho. Hugo Rafael Chvez Fras
Apresentao
Sobre ns, europeus, o Caribe exerce uma atrao particular, sendo at hoje um lugar que se distancia notavelmente dos preceitos dos nossos lugares. Mar limpo, praias cndidas, palmeiras inclinadas pelo vento, gente pobre, mas acolhedora e alegre, msica ensurdecedora, gaitas, salsa e merengue, cores vivas, perfumes intensos. Lembranas de romances e filmes de piratas, batalhas navais, abordagens, naufrgios, tesouros roubados, enterrados, perdidos e encontrados. A insegurana, a constante sensao de aventura que tambm te envolve ao passar por uma pequena rua desconhecida sob olhares cheios de curiosidade (ou de desconfiana?). Democracias jovens, que buscam com af suas identidades (uma forma de desenvolver-se, eu diria, autctone), se encontram lutando contra uma realidade complexa, que para ns do velho continente muito difcil de entender. Por exemplo, na Europa temos uma inflao anual de 2% a 3%, na Amrica do Sul uma inflao de 15% considerada boa; uma dvida externa que no se extinguir nunca, paga com enormes sacrifcios, a taxas exageradas. As moedas locais s servem dentro dos pases correspondentes. Quando algum quer viajar ao exterior, tambm dentro do continente, tem que comprar dlares (dos Estados Unidos) aos poucos no mercado negro por causa do con-
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trole de cmbio, que uma forma de proteo contra uma excessiva desvalorizao. O poder poltico concentra-se firmemente nas mos de alguns poucos democratas ricos, geralmente muito ricos, que controlam tudo meios de comunicao, bancos, importaes e exportaes etc. e que parecem viver em um passado colonial que deveria estar superado e esquecido. A corrupo a regra, polcia e tribunais inclusive, e os poucos honestos no tm vida fcil. A religio catlica praticada pela maioria, mas h uma contradio que rene todos os pases pobres: o alto clero vive e atua junto ao poder dos ricos, intervindo pesadamente na vida poltica, no para defender os direitos das minorias marginalizadas, mas para proteger os interesses econmicos prprios e de seus amigos. A Opus Dei na Amrica do Sul uma casta (de tipo manico?) reservada para poucos privilegiados, leigos e clero, normalmente pertencentes a famlias de notveis obviamente ricos, onde se protegem reciprocamente dos outros, isto : os leigos no alinhados aos ensinamentos e o clero humilde que vive em estreito contato com a pobreza e a marginalizao. Em uma unio que desafia o tempo e a lgica crist, bispos e cardeais fascistas coexistem com padres reformistas, estes ltimos normalmente missionrios procedentes da Europa. A Venezuela um desses pases caribenhos com mais de 24 milhes de habitantes sobre um territrio trs vezes maior que o da Itlia.
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Introduo
Os acontecimentos que ocorreram na Venezuela em 2002 e 2003 colocaram em evidncia o total desinteresse pelo pas, real ou disfarado, por parte da Europa onde cada dia mais se evidencia a sujeio aos EUA, com silncios que cheiram cumplicidade, sempre justificando os crimes da administrao Bush. As mesmas aes, cometidas por qualquer outro pas, seriam tachadas de terroristas e, naturalmente, de violao de direitos humanos, mas se so cometidas pelos EUA se supem legtimas e necessrias para a defesa da segurana e das liberdades democrticas de todo o mundo ocidental, do qual se erguem como paladinos. O dinheiro da Venezuela cobiado por muitos pases e muitos empresrios, mas melhor que isso no seja de conhecimento de muitos por a No agradaria Bush em nada. Para tentar compreender o que ocorreu na Venezuela naqueles dois anos essencial ter ideia do clima sociopoltico existente at 1998, que defino, creio que sem exagerar, como colonial: o poder nas mos de uns poucos e a grande massa explorada e submissa.
A Constituio de 1958
A Venezuela naqueles anos estava no olho de um furaco. Em aparente calma, mas circundada por redemoinhos furiosos que
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acabariam por modificar muito rpido muitos equilbrios instveis cujos efeitos haveriam de sentir-se em todo o mundo. Podemos identificar o incio da democracia na Venezuela com a queda, por obra das Foras Armadas, da ditadura militar de Marcos Evangelista Prez Jimnez em 23 de janeiro de 1958. Prez Jimnez encontra amparo nos EUA, fugindo a bordo de um avio que lembrado com o nome de Vaca Sagrada, nome que ningum conseguiu me explicar. Anos depois, em meados de 1963, os EUA o entregaram s autoridades venezuelanas; ele foi processado e mantido preso at 1968. Naquele ano foi concludo o processo com uma condenao a mais de quatro anos por peculato, mas no mesmo dia foi posto em liberdade por j haver cumprido a pena. Prez Jimnez abandonou a Venezuela e se mudou para a Espanha, onde permaneceu at a sua norte, em 20 de setembro de 2001, sem problemas financeiros. Com a queda da ditadura, foi necessrio estabilizar o pas, dissolvendo os guerrilheiros, facilitando o regresso dos exilados e criando uma constituio adequada. Como ocorreu na Itlia ao final da Segunda Guerra Mundial, a Constituio devia colocar as bases de uma nova Repblica, mas de maneira prioritria devia impedir que no futuro pudesse nascer uma nova ditadura. Este foi o fio condutor da Constituio venezuelana que se firmou em 31 de outubro de 1958, em uma casa chamada de Punto Fijo, de propriedade de Rafael Caldera. importante assinalar que esta Constituio foi preparada em Nova York por trs personagens da poca: Betancourt, Caldera e Villalba, e por eles assinada em qualidade de executivos dos trs partidos: AD (Ao Democrtica), Copei (Comit de Organizao Poltica Eleitoral Independente) e URD (Unio Republicana Democrtica), com a anuncia do Departamento de Estado. Um quarto partido, o PCV (Partido Comunista Venezuelano), foi excludo, indubitavelmente porque no era do agrado dos Estados Unidos. O acordo se fundava substancialmente na obrigao
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de atuarem juntos e de maneira solidria para defender a constitucionalidade e no usar a fora para deslegitimar resultados eleitorais. Tal acordo entre partidos, que ainda hoje se chama acordo de Punto Fijo, consagrado em uma constituio, governou o pas por mais de 40 anos. O mesmo ocorre em toda a Amrica do Sul. Em geral as pessoas se referiam coalizo dos partidos que deveriam estar alinhados ao poder ou oposio (que nunca existiu) com o nome de um fruto tropical, a graviola. Este fruto tem a casca verde (cor do partido Copei) e o interior, a polpa, totalmente branco (cor do partido AD). Seria como dizer as duas faces da mesma moeda! Muitos dos antigos guerrilheiros regressaram ptria, tambm atrados por cargos polticos. Encontraremos nessa situao muitos personagens da vida pblica, ex-guerrilheiros, reais ou supostos. A vida poltica se desenvolve como em uma grande e feliz famlia, visto que, com base em tal acordo, de fato na Venezuela nunca existiu uma oposio poltica real. Todos os partidos maiores e grande parte dos outros acabam por se colocarem de acordo sobre como repartir o bolo. Os ministros mudavam no por necessidade poltica, mas para que o ministro da vez enriquecesse. Assim ficavam todos contentes e a ningum ocorria mudar essa lgica. O Ministrio de Sade no funciona? Bom, coloquemos um novo ministro que resolva tudo, e, naturalmente, tudo seguia exatamente como antes. As Foras Armadas tinham que ficar tranquilas, portanto era negado o direito de voto aos militares. O Congresso elegia o alto comando, depois de uma cuidadosa seleo entre aqueles mais confiveis. Naturalmente, em nome de um equilbrio excepcionalmente eficaz, tiveram que ser contemplados todos os polticos de envergadura, para se protegerem de um eventual golpe contra a administrao vigente. Os atores eram trocados, ou melhor, promoviam, eles prprios, tais trocas, mas a com-
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dia sempre foi a mesma. Essa situao levou a classe poltica, salvo poucas excees, a enriquecer desmedidamente, junto aos seus amigos empresrios, com os quais trocavam favores e dlares. A nica preocupao dos grupos foi evitar a excessiva popularidade de algum deles, para que fossem todos necessrios, e tambm para evitar desvios. E as pessoas comuns? No tinham nenhum direito real, a no ser se virar como podiam para sobreviver, procurando incomodar o menos possvel as pessoas importantes. Sindicatos corruptos e sindicalistas ladres completam o quadro. Um analfabetismo generalizado, para alm de 10%, escolas pblicas que no prestam, normalmente localizadas em edifcios em runas, escolas privadas decentes para os mais ricos. Uma alta mortalidade infantil e de gestantes. Expectativa de vida abaixo dos 60 anos. Aposentadorias ridculas e nenhum plano de seguridade social. Substancialmente, um barril de plvora estava a ponto de explodir, e inchava cada dia mais.
Os acontecimentos de 1992
O governo naquele ano estava representado por partidos que podemos definir como de centro-direita. O presidente era Carlos Andrs Prez, em seu segundo mandato quadrienal, iniciado em 1989. Durante seu primeiro mandato (1974-1979) foi acusado de desvio de fundos pblicos. O mesmo delito pelo qual Prez Jimnez foi condenado. Absolvido por falta de provas, seus opositores polticos sempre o consideraram, por razo ou convenincia, culpado. Essa reeleio assinalou sua reabilitao poltica e com uma amarga surpresa para aqueles que tentaram impedi-lo. Em 27 de fevereiro de 1989, poucos meses depois de sua reeleio, ocorreu um fato que marcou a vida de muitas pessoas de maneira trgica; foi o chamado Caracao: um levante da massa pobre, das favelas, desesperada e faminta, que desceu dos
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morros (a periferia dos entornos de Caracas) saqueando e destruindo tudo o que encontrava. H muitas verses dos fatos daquele dia, mas a realidade que o limite da tolerncia humana no algo que se calcula com frmulas matemticas. Quando se vive sobre um barril de plvora, no tem importncia a origem da fasca que o faz estourar, porque em todos os casos pode ser fatal. Seria melhor eliminar o barril em lugar de deix-lo crescer desmedidamente, adotando sempre as precaues cabveis para no faz-lo explodir. A perda do poder de compra da moeda, as especulaes dos poderosos com bens acumulados, perspectivas de desenvolvimento nulas, trabalhadores sem emprego aos montes, caos nas instituies, chantagens dos polticos s empresas, comisses nas licitaes pblicas e aduanas, so s alguns ingredientes. Os polticos ladres e corruptos confiaram no uso da fora pblica e das Foras Armadas, sobretudo porque eram comandadas por pessoas corrompidas; mas se esqueceram que, ao fim e ao cabo, elas so compostas em sua maioria pelos filhos do povo humilde e pobre. Naquele dia Caracas e seus arredores foram saqueados. A fria das pessoas se manifestou de repente, enquanto os polticos buscavam desesperadamente uma sada. A soluo inevitvel foi recorrer ao Exrcito e reprimir o motim com fuzis. Milhares foram os mortos e feridos e muitos desapareceram no nada. Circulavam verses de que foi o prprio governo quem provocou o motim popular, porque justamente naquele dia, nos Estados Unidos, representantes do governo venezuelano se reuniram com o Fundo Monetrio Internacional para pedir dinheiro. No entanto, os acontecimentos se deram com tanta rapidez e de maneira to difusa que no puderam ser controlados. Ser verdade? O certo que assim parece e que muitos acreditam nisso. Regressada a calma de alguma maneira, Carlos Andrs Prez comeou a pr em ao suas receitas polticas. Mas, como diz o ditado, o lobo perde o pelo mas no perde o vcio. Du-
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rante os anos de seu segundo mandato, o CAP, como definido por suas iniciais, continuava acumulando riquezas. Depois de uma visita Espanha, vendeu Ibria (companhia area espanhola) a maioria das aes da companhia area venezuelana Viasa. Esta venda deu-se quando a Ibria estava endividada at o osso e a Viasa estava em atividade, funcionava muito bem, no havia tido nunca acidentes e em seus avies havia um servio impecvel. Para justificar sua privatizao o governo fez circular notcias falsas, nas quais se temia a iminente quebra da Viasa, tudo isso com a cumplicidade dos rgos de informao privados. Com os mesmos critrios, poucos meses antes o governo havia privatizado a CANTV, a companhia nacional de telefonia. necessrio frisar que tais vendas no aportaram quase nada aos caixas do Estado e foram totalmente ilegais, no existindo naquela poca nenhuma lei que respaldasse as privatizaes. Anos depois, durante o segundo governo de Caldera, a situao se inverte: a Ibria j no tem dvidas, enquanto a Viasa fracassa colocando nas ruas mais de 3.500 trabalhadores. Tudo isso com o consentimento dos polticos venezuelanos. Como pde ocorrer isso tudo? De uma maneira muito simples: com a cumplicidade de todos os polticos, sem exceo. A Ibria, como maior acionista, decidia as polticas do grupo. Entre outras coisas, pagou a manuteno das aeronaves da Viasa com um custo trs vezes maior que o real e transferiu todas as perdas e gastos possveis a essa companhia. Em uma entrevista televisiva com o ento ministro do Planejamento Teodoro Petkoff, um ex-guerrilheiro e militante do MAS (Movimento ao Socialismo), quando o condutor da transmisso perguntou sobre o que faria o governo para proteger a Viasa, sua resposta foi que o governo no podia fazer absolutamente nada e que as coisas teriam que seguir seu prprio curso. O curso de que falava o ministro foi a quebra da Viasa e o sequestro dos seus avies, que seriam entregues Ibria como pagamento das dvi-
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das acumuladas. A companhia espanhola quis tambm apossarse das rotas, coisa que felizmente no conseguiu. Ano aps ano as coisas iam de mal a pior, at que desembocaram em duas tentativas de golpe.
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Ama o Exrcito que chama de minha casa em vrias circunstncias, e estuda com paixo. Foi o oitavo de seu curso e aos 21 anos saiu com o ttulo de estudos em engenharia militar, especializado em comunicaes. Conhece e aprofunda os escritos sobre Simn Bolvar, absorve seu pensamento e suas ideias polticas, sobretudo a da integrao e construo da sonhada e nunca realizada Gran Colombia: Venezuela, Colmbia, Equador, Peru e Bolvia. Inspira-se no somente em Simn Bolvar, mas tambm nos grandes heris do passado, que so de uma extraordinria atualidade na Amrica do Sul: Ezequiel Zamora, cujo lema foi terra e homens livres; e Simn Rodriguez, o mestre de Bolvar. Alcana assim uma identidade com as razes de sua gente que permitir a ele ver com incrvel clareza o que se passa ao seu redor. Ainda que formado militarmente, as experincias de sua infncia o levaram a sentir-se mais prximo dos excludos do que dos poderosos. Aos poucos seria castigado por no aceitar passivamente as injustias; naqueles anos, os governos utilizavam o Exrcito como extenso da polcia. Uma das frases de Bolvar repetida por Hugo Chvez : maldito seja o soldado que direcione as armas contra o seu povo. Nasceu assim a ideologia bolivariana, que se desenvolveu dentro das Foras Armadas, dando vida, desde 1983, ao Movimento Bolivariano MBR-200, constitudo pela maior parte dos cadetes formados na turma Simn Bolvar que saiu das escolas militares em 1975. Casou-se pela primeira vez com Nancy Colmenares, e deste matrimnio nasceram duas filhas, Rosa Virginia e Mara Gabriela. Depois dos fatos de 4 de fevereiro de 1992, separou-se porque sua mulher no queria colocar em perigo sua vida e a das filhas. Hugo Chvez nunca perdeu o contato com elas. Na priso de Yare conheceu a jornalista Marisabel Rodrguez, de Barquisimeto. Os dois se apaixonaram, se casaram e tiveram dois filhos: Hugo e Rosains. Esta ltima, quando ocor-
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reram os acontecimentos, tinha seis anos. Por causa desse casamento, Marisabel foi despedida pelo dono do jornal no qual trabalhava e assim comeam os primeiros problemas. Durante seu servio militar recebeu muitas condecoraes, como: Estrela de Carabobo; Cruz das Foras Terrestres; Ordem Militar Francisco de Miranda; Ordem Militar Rafael Urdaneta; Ordem Militar Libertador V Classe. Nas Foras Armadas Nacionais ocupou vrios cargos: Comandante do Peloto de Comunicaes, Batalho Caadores Cedeo, Barinas/Cuman, 1975-1977. Comandante do Peloto e Companhia de Carros AMX-30, Batalho Couraado Bravos de Apure, Maracay 1978-1979. Comandante de Companhia e chefe do Departamento de Educao Fsica da academia militar, 1980-1981. Chefe do Departamento de Cultura da mesma academia, 1982. Comandante Fundador da Companhia Jos Antonio Pez, Curso Militar na Academia, 1983-1984. Comandante do Esquadro de Cavalaria Francisco Farfn, Elorza, Apure, 1985-1986. Comandante Fundador do Ncleo Cvico-militar de Desenvolvimento Fronteirio Arauca-meta, 1986-1988. Chefe de estgio do Conselho Nacional de Segurana e Defesa, Edificio Blanco, Miraflores, 1988-1989. Oficial de Problemas Civis, Brigada Cazadores, Maturn, 1990. Comandante do Batalho de Paraquedistas Coronel Antonio Nicols Briceo, Quartel Paz, Maracay, de 1991 a 4 de fevereiro de 1992.
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A ideia foi capturar o presidente, estabelecer um governo de transio para chamar o pas aprovao de uma nova constituio com novas regras, segundo um critrio ainda embrionrio de Democracia Participativa. Tambm confiaram em um levante que os teria apoiado. importante assinalar que no houve inteno de estabelecer uma ditadura militar, como foi difundido falsamente nos dias seguintes ao golpe e posteriormente confirmado de forma ampla. Como geralmente ocorre, os acontecimentos no saem como o previsto, seja por questes casuais ou por uma traio no ltimo minuto. Em Caracas, as aes estavam sob o comando do tenentecoronel Hugo Chvez Fras, que dirigiu as operaes a partir do Museu Histrico Militar da Plancie, e do tenente-coronel Joel Acosta Chirinos, que comandou as operaes na base area General Francisco de Miranda, no aeroporto La Carlotta. Por volta das 23h se iniciaram os combates nos arredores da residncia presidencial, La Casona, assim como em Miraflores, edifcio do governo, e na base area Francisco de Miranda. Outros combates ocorreram dentro do forte Tiuna, uma base militar na zona oeste de Caracas, em um edifcio chamado Helicoide, na sede da polcia metropolitana (PM) e no canal de televiso estatal Canal 8. O grupo conduzido pelo tenente-coronel Hugo Chvez Fras encontrou uma forte resistncia, por mera casualidade, e o presidente Prez no foi capturado por poucos minutos. Na realidade, o presidente, na residncia La Casona, recebeu uma ligao do general Fernando Ochoa Antich; Prez, provavelmente, foi informado no ltimo minuto, visto que saiu em seguida e dirigiu-se ao palcio Miraflores, poucos minutos antes que a residncia fosse atacada, conseguindo assim escapar da captura. meia-noite os rebeldes atacaram Miraflores, com tanques e com uma unidade de paraquedistas. O choque foi duro, com mortos e feridos de ambas as partes. O presiden-
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te Prez conseguiu evitar uma vez mais a captura, escapando e amparando-se na sede da Venevisin, de onde falou ao pas denunciando o golpe. Os combates em Miraflores se concluram s quatro da manh, com a rendio dos rebeldes e seu comandante Hugo Chvez Fras. O presidente Prez voltou a Miraflores, mas enquanto em Caracas as tropas regulares tomaram o controle, no restante do pas os rebeldes conseguiram bons resultados. Em Maracaibo, no Estado de Zulia, a operao chamada Reconstruo 92 teve xito. Francisco Arias Crdenas, comandante do grupo de artilharia de msseis Jos Tadeo Monagas, tomou a casa do governador Oswaldo lvarez Paz, meia-noite, proclamando-se governador militar e explicando em uma televiso local os motivos do golpe e os princpios de seu movimento MBR-200. Em Maracay, os rebeldes no conseguiram conquistar a base area, mesmo mantendo-a cercada. Em Valncia houve outros combates e os rebeldes tomaram o controle de vrios pontos estratgicos, mas no houve nenhum levante popular, as pessoas estavam despreparadas para uma possvel represso. s 16h do dia seguinte, aparece na televiso Hugo Chvez Fras, prisioneiro, que lanou um comunicado aos companheiros dizendo para que abandonassem a luta, ainda que tivessem a oportunidade de continu-la. O chamado pela rendio foi dado pelo comandante Chvez com essas palavras:
Antes de tudo quero dar bom dia a todo o povo da Venezuela e essa mensagem bolivariana est dirigida aos valentes soldados que se encontram no regimento de paraquedistas Aragua e na Brigada Blindada de Valncia. Companheiros, lamentavelmente, por enquanto, no conseguimos tomar o poder. Vocs o fizeram muito bem por a, mas j tempo de evitar mais derramamento de sangue, j tempo de refletir e viro outras situaes e o pas tem que dirigir-se definitivamente a um destino melhor. Ouam ento minhas palavras,
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ouam ao comandante Chvez, que os envia essa mensagem para que, por favor, reflitam e deponham as armas porque, na verdade, os objetivos a que nos havamos proposto em nvel nacional j no so alcanveis. Companheiros, ouam esta mensagem solidria. Agradeo sua lealdade, agradeo sua valentia, seu desprendimento, e, eu, perante o pas, perante vocs, assumo a responsabilidade desse movimento militar bolivariano. Muito obrigado.
Todos os rebeldes obedeceram ao seu comandante e entregaram as armas. Como se v, a insurreio no foi nem pequena nem organizada por um grupo de loucos fanticos. Os polticos com a cumplicidade dos rgos de informao trataram de ocult-la. No dia seguinte, 5 de fevereiro, convocou-se o Congresso para aprovar um decreto que suspendeu as garantias constitucionais em todo o pas, justamente para evitar a temida insurreio popular, e os grupos parlamentares concordaram em no seguir com os debates utilizando-se do argumento golpe. De repente, um velho espertalho, o senador vitalcio Rafael Caldera, desconhecendo este acordo do silncio, lanou-se em um polmico discurso onde exps a tese de que era objetivo dos rebeldes matar o presidente e que o golpe foi provocado pela profunda crise da democracia venezuelana. Assim conseguiu-se dois resultados: classificou os autores do golpe como vulgares delinquentes fanticos e ao mesmo tempo colocou a culpa no governo atual, sobretudo na pessoa do presidente Carlos Andrs Prez. Foi justamente graas a esse discurso, indubitavelmente planejado junto aos seus seguidores, que no ano seguinte, havendo sado Prez, Rafael Caldera foi eleito presidente. Da insurreio participaram 133 oficiais e 967 soldados. O comandante Chvez e os outros oficiais foram condenados a vrios anos de priso e foi preso na penitenciria de Yare nos Vales do Tuy.
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Justamente para reduzir ao mnimo a publicidade sobre o golpe, muitos processos contra soldados foram suspensos e outros militares foram simplesmente demitidos das foras armadas. Em 1994, aqueles que ainda estavam na priso, de surpresa, foram perdoados pelo presidente Caldera e abandonaram as Foras Armadas. Na mensagem de rendio de Chvez h alguns pontos que devem ser analisados. Primeiramente, aquele por enquanto proftico, como sempre, junto frase viro novas condies, nos do a entender que na rendio no houve nenhum sinal de resignao, e sim uma fria anlise da situao e uma deciso, sobretudo, tomada para evitar um maior derramamento de sangue. Mais adiante diz: os objetivos que nos propusemos no foram alcanados na capital. Um destes objetivos era indubitavelmente o apoio popular, sem o qual de nenhuma maneira se alcanaria a realizao de seus planos. A rendio quase imediata de seus companheiros demonstra a fora da liderana do comandante Chvez.
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O coronel do Exrcito Higinio Castro e o major da Guarda Nacional Carlos Salima Colina, ainda que pertencentes ao grupo que planejou o golpe, no participaram da sua execuo. A insurreio foi um total desastre e acabou no mesmo dia. Houve mortos, um avio derrubado, muitos rebeldes foram presos e outros se exilaram no Peru. Depois desse segundo golpe, os equilbrios do Pacto de Punto Fijo comearam a estremecer e, sobretudo, colocou-se em dvida a eficcia de seu excessivo controle do poder. A relao entre as Foras Armadas e a poltica comea a desfazer-se. Nas Foras Armadas se amplia a distncia entre altos oficiais atrelados firmemente, quase todos, ao bonde poltico de um lado e o Comacate e as tropas de outro. O prestgio da classe poltica cai em queda livre; as pessoas primeiro duvidam, depois se mostram descrentes e por fim passam a odi-la.
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PARTE I
O primeiro contato
Ano de 1998. O estrondo macio dos motores me colocou em uma espcie de limbo nebuloso, e os murmrios dos passageiros ao meu redor me pareceu vir de uma notvel distncia. Os fones de ouvido em volta do pescoo me incomodam e os ajeito acomodando-os sobre os joelhos. Estico as pernas inutilmente buscando uma posio mais confortvel. Tento voltar a dormir, mas minha cabea escorrega de lado e o contato com o frio da janela me desperta completamente. Olho para fora, onde uma resplandecente lua cheia ilumina a asa do avio, e, nove mil metros abaixo, vejo a faiscante superfcie do oceano. Com um suspiro me posiciono apoiando-me ao encosto e bocejando trato de desintumescer os braos e as pernas o quanto permitem o estreito espao disposio. Olho o relgio: 9h25 no horrio de Roma. Movo para frente os ponteiros em seis horas para ajustar-me ao fuso horrio do aeroporto de chegada: 3h25. Na tela minha frente aparece o mapa do hemisfrio com a rota e os dados do voo. Estvamos voando a nove mil metros e a uma velocidade de 870 km/h. A chegada prevista para algo como 6h30 da hora local. Outras trs horas. Reflito sobre a sada do aeroporto
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de Fontanarossa de Catania, aos cumprimentos de amigos e parentes, aos conselhos de praxe: cuidado por onde andas, com a comida etc A chegada a Fiumicino, a ida zona internacional, o controle dos passaportes. Sempre vem a dvida de que algo ruim pode acontecer, como aquela vez em que se equivocaram ao escrever meu nome no bilhete e quase perdi o voo, ou como quando a agncia de viagem confundiu o horrio de sada de Roma, uma da madrugada, com a de sada de Catania, 19h do dia anterior, me fazendo chegar ao aeroporto com um dia de atraso! Desta vez tudo saiu bem. Depois da longa espera no aeroporto Leonardo da Vinci, desde as 21h at a uma da madrugada, hora de partida a bordo do trimotor da Viasa, companhia de bandeira Venezuelana. Depois de um voo tranquilo o avio aproxima-se do aeroporto internacional Simn Bolvar, vindo obviamente do Leste. Uma cadeia de altas montanhas, cobertas pelo verde dos trpicos, que chegam quase a mergulhar no mar. O aeroporto uma grande pista orientada de leste a oeste, ao longo da qual se encontra respectivamente o aeroporto militar, o aeroporto nacional e o internacional. Os avies, por causa da direo dos ventos, so obrigados a aterrissar na direo oeste-leste. O avio, portanto, desfila ao longo da costa, passa o aeroporto, continua por alguns quilmetros e logo d uma volta de 180 graus e inicia a ltima fase da manobra de aterrissagem no corredor areo que o levar a sobrevoar a Colina de Catia la Mar a menos de cem metros do telhado das casas, tocando a terra depois de dez horas e meia da decolagem em Roma. A aterrissagem acolhida pelos infalveis aplausos dos passageiros (conseguimos). Uma rajada de ar quente e mido me envolve na sada do aeroporto e na sequncia os cheiros, nicos, inconfundveis, da Venezuela: grama mida, maracuj, mamo, abacaxi e aquele de gasolina, que, no sei por que, mas diferente do da nossa, assim como no preo, algumas centenas da nossa velha lira por
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litro. O cumprimento dos amigos, a sada com o carro at a autopista La Guaira-Caracas, rodando por uma avenida margeada por altas palmeiras de Chaguaramos, palmeiras de tronco reto, perfeitamente redondo e liso, de cor cinza na base e com a parte final de um bonito verde escuro sob as palmas. Esta estrada a nica via de ligao entre Caracas e a costa. Na realidade existe uma via alternativa que chamada de estrada velha, utilizada antes da autopista ser construda, e que foi ento abandonada. Hoje impensvel subir a Caracas por essa via, mesmo com um veculo de trao nas quatro rodas, por suas pssimas condies, pelo total abandono em que se encontra, e pela probabilidade no to remota de assaltos. Recentemente a autopista foi dada em concesso a uma sociedade espanhola que deveria prover sua manuteno ordinria e extraordinria, visto que h um viaduto que apresenta sinais de afundamento. A distncia de uns 20 quilmetros, com um desnvel de 800 metros em relao ao aeroporto, percorrida em mais ou menos 20 minutos quando no h grandes filas por alguma batida ou veculos quebrados. Conta-se que quando um desmoronamento de terra obstrui a estrada, antes de eliminar o dano, amplia-se sensivelmente a estrada do lado oposto: mximo resultado com mnimo esforo! Entramos em um tnel pouco iluminado e, sendo j nove da manh, o contraste da luz com a sombra bastante incmodo. Meus amigos riem e me dizem para esperar o tnel seguinte antes de me lamentar. Saindo do tnel vemos um incrvel espetculo: as rvores de Araguaney (rvore nacional desde 29 de maro de 1948), imersas no matagal espinhoso verde-escuro dos entornos da montanha, esto todas florescidas e o amarelo brilhante de suas flores est como uma diadema de ouro (Romulo Callegos), oferecendo-nos um espetculo nico e inesquecvel, que poder ser admirado somente durante os poucos dias em que as delicadas flores estiverem sobre os galhos.
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Entramos em outro tnel bem maior, todo em subida, com uma fila dupla de carros e caminhes. Transita-se a uns 30 km/h com o ar cheio de fumaa dos escapamentos; turismo de aventura! necessrio manter as janelas fechadas e o ar condicionado desligado. Imagino a beleza de uma parada forada. Conseguimos, em todo caso, sair vivos e com muito alvio abro a janela interrompendo a longa apneia. Volto a contemplar o espetculo dos Araguaney. A exploso de cores e beleza , no entanto, substituda por outro espetculo, alguns quilmetros adiante, no to agradvel: o dos ranchos e barracos arruinados que cobrem as zonas dos morros inteiras, estendendo-se perigosamente sobre suas ladeiras desflorestadas e desmoronadias, dentro de Caracas e na periferia. Caracas tem uma populao declarada de mais de dois milhes de habitantes, aos quais devem ser somados ao menos alguns outros milhes de pessoas que povoam os morros. Nos anos de ouro da Venezuela, por volta dos anos de 1950 e 1960, quando para um dlar bastavam pouco menos de trs bolvares e o petrleo criava um novo tipo de sociedade, o campo esvaziou-se e a populao concentrou-se na costa central, ao redor de La Guaira, e sobretudo em Caracas. Foram anos caracterizados por uma forte imigrao da Europa e tambm dos pases vizinhos. Nasceram assim os ranchos, que servem apenas como abrigo para a chuva e o sol. Aqui o frio no existe a no ser na altitude, portanto, os perigos de semelhante cenrio so a falta de higiene, a promiscuidade e os desmoronamentos. So construes claramente abusivas construdas por gente pobre, marginalizada e abandonada a sua prpria sorte que vo sendo ampliadas com o passar dos anos e melhoradas, dando lugar para o alto nmero de filhos em funo dos limitados recursos. No tempo da ditadura de Prez Jimnez os ranchos quase desapareceram, mas com a chegada da democracia, proliferaram
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de maneira exponencial, ignorados por todos os governos que tiveram que enfrentar outros problemas, outros interesses bem mais urgentes, como o de enriquecerem o mais rpido possvel. Dessa maneira, converteram-se em verdadeiros guetos com poucas ruas acessveis a carros e onde ningum se arrisca a entrar, nem mesmo a polcia. A eletricidade roubada do transformador mais prximo e a gua potvel, quando possvel, do cano que estiver mais ao alcance. Mas quem vive nestes ranchos? A maioria da populao pobre que no pode pagar nem um irrisrio aluguel; comprar casa, nem se fala. O salrio mnimo no permite sequer satisfazer as necessidades primrias. Segundo meus amigos, as pessoas vivem ali por livre e espontnea vontade. Para mim, no h vontade. Alguns quilmetros antes de Caracas, em funo de uma das muitas diminuies de velocidade, estvamos rodando como se estivssemos a p, vi um senhor, magro, suado, com um enorme saco cheio sobre os ombros, que vinha caminhando em sentido oposto, ou seja, descendo at La Guaira. Perguntei aos meus amigos por que aquele louco estava ali, que poderia ser atropelado. Disseram-me que era um catador de latinhas, recolhia latas de cerveja e Coca-Cola, numa relao de 30 para 1 em favor da cerveja, naturalmente, que as pessoas nos carros jogavam pela janela. Sendo de alumnio, tais latas podiam ser recicladas. Assim, aquele louco era um pobre diabo que tratava de ganhar alguns bolvares. Um sistema econmico de coleta seletiva de lixo! Quando passou diante do nosso carro, ainda parado, mesmo que por poucos instantes, tive como observ-lo de maneira cuidadosa: tinha os olhos como que apagados, como se olhasse alm do horizonte; seus olhos se cruzaram com os meus por um breve momento, como se no me visse. A testa coberta de suor, o rosto magro coberto por uma barba por fazer, a boca entrea-
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berta com os lbios secos, descalo, rasgado, sujo indubitavelmente sedento e faminto. Olhei-o enquanto se distanciava com um andar vacilante. Quantos anos teria? Cinquenta? E na minha estadia vi muitos catadores de latinhas. timos representantes do tipo de democracia venezuelana: a democracia do Pacto de Punto Fijo.
Caracas
Caracas encontra-se em um vale detrs do pico vila, que a separa do mar. Vindo do aeroporto internacional, sobe-se por trs dele, num certo sentido, numa altura de mais de 2.600 metros. A altitude da zona histrica de mil metros e Caracas conta com um clima muito agradvel, com temperatura mdia de 28C. Foi fundada por Diego de Losada em 1567 com o nome de Santiago de Len de Caracas, nome este composto para contentar a todos: Santiago o nome do santo guerreiro espanhol, Len o nome do governador da poca e Caracas, que era o nome original da populao indgena que habitou o vale. Depois da sua fundao foi necessrio viabilizar uma via de acesso ao mar, em particular ao porto de La Guaira, do qual era totalmente dependente. Essa via de acesso foi chamada de vrias maneiras: estrada dos espanhis, estrada para Caracas, estrada para o mar, estrada para o porto de San Pedro de la Guaira, estrada real e estrada velha. Esta estrada parte de Maiqueta, do bairro El Rincn, passa sobre a cordilheira da costa e desce at Caracas ao longo das ladeiras do pico El vila, hoje parque nacional que ocupa a parte central da cordilheira. A parte mais alta o pico Naguat, a 2.765 metros sobre o mar. Esta estrada, a nica que d acesso da costa norte a Caracas, foi usada por mais de trs sculos at a construo da autopista, e ento abandonada.
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Em Caracas, nasceram personagens do calibre de Simn Bolvar e Francisco de Miranda. Hoje uma bonita cidade moderna, com muito verde e a zona central, nestes anos, foi completamente reestruturada. Desapareceram as velhas construes, as quais foram substitudas por grandes edifcios destinados, sobretudo, a escritrios e centros comerciais. Uma das coisas que me impactou a presena de estacionamentos privados, mas muito baratos. So raras as zonas onde se encontra problema para estacionar, como, obviamente, na rea histrica. Outra agradvel surpresa foi descer na estao do metr de Petare, um bairro na periferia leste muito povoado e popular. O entorno limpo e organizado, nem mesmo um chiclete no cho. Parecia tudo novo, os trens tambm. Perguntei desde quando existia e a resposta foi assombrosa: foi inaugurada em 1983!. Em comparao, nossos metrs parecem demasiado com os do terceiro mundo. Na Venezuela, v-se que aquela gente comum, a ral ou os marginais, isto , os habitantes dos ranchos, segundo a definio dos acomodados, muito mais civilizada do que se pode crer: tente jogar um pedao de papel em um trem ou durante a espera de um em alguma estao! Os que esto ao redor o reprimiro asperamente! Outro fenmeno so as filas de espera. Lembram-se como fazemos na Itlia quando temos de fazer fila, por exemplo, no caixa de um bar ou para subir no transporte pblico? suficiente deter-se a observar por poucos minutos para se dar conta de quantos so os espertalhes (ou mal-educados) e quanto so os bobalhes (ou educados). Resultado: ns, italianos, somos todos espertalhes. Na Venezuela, vero uma fila de gente a espera por subir em um nibus, geralmente formada por uma centena de pessoas, mas todas em fila, um por um, e se o espao sobre a calada no suficientemente grande para acolher a todos, vero uma fila tortuosa, mas a ningum ocorrer desrespeit-la.
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Ser que so todos bobalhes, ou educados? Mas Caracas, alm de ser a capital, tambm o corao de todo o sistema Venezuela. Aqui, alm das sedes institucionais, encontramos os escritrios de todas as Sociedades e empresas importantes, sejam venezuelanas, PDVSA e semelhantes, ou estrangeiras. No que se define grande Caracas, isto , a zona do aeroporto, todas as populaes do Estado Vargas, e quase todo o Estado Miranda; vivem mais de 40% de toda a populao venezuelana. Hotis e restaurantes so caros, mas de alta qualidade. Come-se bem por toda parte, tanto nos restaurantes econmicos quanto nos mais distintos. H muitos locais cujos proprietrios so italianos e, em geral, os venezuelanos apreciam nossa cozinha. De fato, a Venezuela um dos primeiros lugares do mundo em produo de massas. Em quase todos os locais, encontra-se espaguete bolonhesa ou espaguete Npoles (ao tomate), assim como a chuleta milanesa. Se vamos a um aougue, que levam o mesmo nome que os de Palermo, na Siclia, suficiente pedir por um quilo de milanesa e ser servido com um quilo de chuletas de tima carne. Tambm preparam boas saladas, algumas muito elaboradas. H uma que se chama capresa, preparada com tomate, mussarela e pedacinhos de presunto.
O contexto social
H uma Caracas, por assim dizer, dos ricos e outra dos pobres. Os ricos so, em sua maioria, estrangeiros, mesmo que naturalizados venezuelanos, e quase todos de pele e olhos claros. Assiste-se a um fenmeno comum que pode ser expresso em termos matemticos: a brancura da pele diretamente proporcional qualidade de vida ou ao tamanho da conta bancria! Tentemos agora adivinhar a cor da pele dos habitantes dos ranchos Em seguida adivinhemos a cor da pele daqueles que vivem nas zonas como Country Club, Castellana, Mercedes, Lagunilla Country Club etc.
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Encontramos-nos projetados na segunda metade do sculo 19: proprietrios ricos e serviais para os ricos no mais escravos, mas de cor. O alcoolismo uma chaga nacional. Fiquei impressionado com o alto nmero de bares, onde, tarde, entre as 17h e as 18h, so vendidas centenas de garrafas de polarzinhas geladas cerveja local da marca Polar envasada em uns 200 ml. s sextas-feiras, pela tarde, possvel observar lugares onde se escuta msica a mil decibis, bebe-se dezenas de polarzinhas por cabea e se gasta boa parte da renda semanal. Um dia, estvamos na praia e uma jovenzinha, nossa amiga venezuelana, filha de italianos, besunta-se de uma boa dose de protetor solar, coloca sob o guarda-sol sua cadeira de praia, muito cuidadosa em no expor-se diretamente ao sol; perguntei a ela se tinha problemas de pele, e ela, bastante enfadada, respondeu que no tinha nenhum problema, mas que se expusesse sua bonita pele branca ao sol ela se tornaria escura, como a dos crioulos, explicou. Refletindo sobre essa desconcertante resposta e depois de uma rpida investigao caseira, me dei conta de que existe uma desigual luta de classes: de um lado uma minoria que detm todo o poder, na qual se incluem os empresrios, banqueiros, o alto Clero e os oficiais superiores das Foras Armadas, do outro esto todos os demais. Lembrei-me das palavras de um italiano, proprietrio de uma agncia aduaneira, que me disse: Aqui no estoura uma revoluo sangrenta s porque os venezuelanos so muito bons. Se tivessem outra ndole, j teriam matado todos os polticos corruptos que h Uma porcentagem elevada, 87% da populao, pobre. Desta faixa, 45% vive em pobreza crtica. Paradoxalmente, a Venezuela um pas rico: tem a maior reserva de petrleo do mundo (descoberta recentemente), alm de ouro, diamantes, ferro, cobre, minerais preciosos e bauxita em abundncia. A terra extraordinariamente frtil e no falta gua. E ento?
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Na Venezuela tudo importado, sob a ideia de que tudo o que estrangeiro bom, enquanto tudo o que se produz no prprio pas pssimo, e a se incluem as pessoas escolarizadas. Quem pode envia seus filhos para estudar, em primeiro lugar, em colgios catlicos e, depois, nos Estados Unidos ou em seus pases de origem, j que, em sua maioria, os ricos so estrangeiros. Pelo fato de que tudo importado e as aduanas e a fiscalizao so suscetveis corrupo, por que produzir? Sabem como se treina elefantes? Amarram-nos a uma corrente e os deixam sem comida e gua at que venham comer nas nossas mos, agradecidos por estarmos salvando suas vidas. Os polticos e poderosos na Venezuela atuam dessa maneira com aquela gentalha de marginais. Quero contar algumas anedotas experimentadas em primeira pessoa: Acompanhando um amigo meu que mdico, entrei em um centro de dilise do hospital da Universidade Central, em Caracas. A impresso foi a de uma sala de horrores. O ambiente estava sujo e decadente: canos enferrujados, camas emendadas com arame, paredes em pedaos, cobertores desgastados cobriam os dialisados, conectados a mquinas pr-histricas. Um mdico que trabalhava ali me disse que aqueles desgraados podiam considerar-se felizes pelo simples fato de estarem sob dilise naquele dia; frequentemente, tinham que buscar por conta prpria o kit de dilise caso o servio sanitrio no o disponibilizasse. O Ministrio da Sade, para favorecer quem pagasse as comisses mais altas, licitava a aquisio de filtros e dos kits em condies de emergncia e, portanto, por atribuio direta. O risco estava na possibilidade de ficarem desprovidos e deixarem, simplesmente, morrer os pobres doentes. Um dia, um padre me convidou para participar da procisso da Sexta-feira Santa, que aconteceria no bairro Aeroporto, situado justamente em frente ao Aeroporto Internacional Simn
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Bolvar. A coisa que mais me impactou foi o cheiro de pobreza, que me reconduziu um pouco antes no tempo, minha infncia vivida no final da Segunda Guerra Mundial. Mas essa gente que vive dia por dia, sem esperana, quase aptica, te oferece sua casa e as poucas coisas que tem com uma generosidade espontnea e se te v em dificuldade te socorre de imediato. Como quando estava de frias na ilha de Margarita, com a famlia; alugamos um bangal de Juan Griego, a leste de La Galera, um antigo e pequeno forte espanhol. Uma tarde, munidos de vara de pesca, fomos praia pescar e estacionei meu Ford Blazer, alugado, o mais prximo possvel, em uma rea onde no havia perigo de encher-se de areia. Enquanto pescvamos, e com baixo rendimento, um grupo de jovens se aproximou de ns fazendo piada e rindo muito. Disseram-nos que comemoravam a formatura de um deles. O sol estava se pondo e decidimos voltar ao bangal. J estava quase escuro e, dando marcha a r no carro, descuidei e acabei com uma roda sobre a areia. O dano estava feito e no foi possvel mov-la apenas com a nossa fora. Em busca de ajuda, caminhei ao longo da praia erma. Encontrei os garotos de antes e perguntei se podiam nos dar uma mo. Vieram em trs, mas dando-se conta do problema chamaram todos os outros. Tentaram quase meia hora e nada, o carro apoiou o fundo na areia e eu j comeava a pensar que tipo de grua serviria para tir-lo dali. Na Itlia teramos chamado os bombeiros, mas, por aqui, a quem se podia recorrer? Enquanto isso, junto ao grupo de meninos se somaram alguns adultos, pais e irmos deles, que vieram procur-los pelo avanar da hora. Depois de uma breve discusso sobre a situao me disseram que teriam que ir at suas casas para buscar algumas ferramentas, mas que eu no precisava ficar preocupado pois voltariam para nos ajudar. A primeira coisa que pensei foi que aquilo era uma desculpa para livrarem-se do trabalho. Ao
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contrrio, para nosso grande alvio, uns 15 minutos depois, chegaram armados de paus e muitas tbuas. Cavaram sob o carro por mais de 20 minutos, colocaram as tbuas sob ele e conseguiram liber-lo, fato que todos acolhemos com gritos de xito sobretudo daqueles garotos. Nesse momento, perguntei-lhes quanto teria que pagar, mas recusaram meu dinheiro dizendo que no os devia nada. Depois de alguma insistncia os convenci que me acompanhassem ao bangal, onde os ofereci uma caixa de cerveja e uma garrafa de usque, que foram bem recebidas. Enquanto nos despedamos, soube que o garoto que dentre eles mais trabalhou, tambm arriscando machucar-se, foi justamente o recm-formado. Em uma padaria de Caraballeda, perto de La Guaira, esperava minha vez diante do balco. O velhinho que me precedia pediu ao atendente dois pes canela, que so pezinhos de uns 200 gramas, do tipo mais barato. O velhinho abriu a mo e colocou sobre o vidro do balco algumas notas amassadas, mas que no foram suficientes. O atendente disse-lhe quantos bolvares faltavam e vi o olhar perplexo do senhor, que evidentemente no tinha mais dinheiro. Fiz sinal ao garoto que o desse os pezinhos assim mesmo e assim o fez. O velhinho saiu sem se dar conta do meu gesto, ou simulando que no havia percebido, no sei. Vi essa cena diversas vezes, com personagens diferentes, e quando me propunha a pagar os bolvares que faltavam, os vendedores me olhavam desgostosos, ao menos essa a minha impresso. Uma manh eu e a minha esposa estvamos na farmcia de um primo nosso, perto de Maiqueta. Apresentou-se uma garota que tinha no mais que 20 anos, com um menino de uns cinco anos com a cara muito inchada por um abscesso dentrio. A me entrega ao meu primo uma receita com o nome do antibitico. As doses necessrias eram duas, mas a mulher s tinha dinheiro para uma. Meu primo lhe explica a situao e a
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me diz que uma seria suficiente; meu primo insiste dizendo que se no injetasse uma segunda dose o problema no seria solucionado. Nesse momento a jovem se pe a chorar porque no sabia o que fazer. Eu escutei a conversa por trs da estante. Chamo o meu primo e lhe digo para que d moa o medicamento, as seringas e todo o necessrio, que eu os pagaria. Meu primo entrega tudo e devolve o pouco dinheiro que a jovem havia posto sobre o balco, dizendo em voz alta que ela deveria dar graas minha generosidade. Assim que a mulher saiu, repreendo meu primo dizendo-o que no era necessrio aquela cena toda. Ele insiste que teve de faz-lo porque, se tivesse dito apenas que os remdios sairiam de graa, rapidamente se formaria uma fila enorme de gente. Depois segue me dizendo, e sacudindo a cabea, que eu nunca poderia ocupar-me de um trabalho como o seu. Para mim foi como ter um dever cumprido.
O candidato Chvez
Mas quem hoje, em 1998, o homem que organizou um golpe, o homem daquela histrica frase por enquanto? Se algum tivesse ficado com vontade de fazer uma pesquisa sobre os adjetivos para se desqualificar algum, teria sido o suficiente ler todos os jornais daquele perodo. Nosso leitor de boa vontade teria sua disposio uma grande quantidade de material que inteirar-se. Chvez era um bbado violento que batia na mulher e nos filhos. Ignorante e vulgar, um morto de fome, pobre e, naturalmente, ndio e filho de ndios, coisa aparentemente de uma gravidade extrema. Considerado sem carter, covarde e incapaz, utilizava uma linguagem indigna para um futuro presidente de uma nobre nao como a Venezuela, onde a democracia havia sido sempre um baluarte. Chvez seria um ser complicado, com
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um enorme complexo de inferioridade, imoral. As comparaes com Mussolini e Hitler so inmeras, tanto mais se comparadas com os elogios indignos e desmedidos aos grandes do passado, como Carlos Andrs Prez e Rafael Caldera, doutores, sbios e catlicos convictos. A lista seria longa, mas paro por aqui porque creio que j relembrei a ideia. Um dia, enquanto transitava com o carro em Caracas, escutei uma transmisso de rdio em que se falava de Chvez. Num determinado momento, chegou ao vivo a ligao de um ouvinte, uma mulher de idade. Falando, fez referncia a um filho seu tombado durante o golpe de 4 de fevereiro de 1992, justamente sob o comando de Chvez. Diminu a velocidade e aumentei o volume do rdio, imaginando os improprios e maldies que aquela mulher dirigiria ao comandante. Mas, para meu espanto, ela disse, literalmente:
Rogo a Deus todos os dias para que nosso comandante possa tornar-se presidente e colocar em prtica os planos que levaram nossos filhos a combater e morrer pela ptria. Somente assim poderei resignar-me da perda do meu filho, sabendo que no morreu em vo. Tambm peo a Deus que Chvez no nos traia porque ns estamos com ele e seguiremos assim at as ltimas consequncias!
Tratava-se de uma louca fantica? Se uma me fala naqueles termos de um homem que foi, em ltima instncia, o nico responsvel pela morte de seu filho, qual era o valor daquele homem? Em um documento redigido em Yare em julho de 1992, durante a recluso, h todo o seu programa poltico. No ltimo artigo o documento diz:
() o Movimento Bolivariano Revolucionrio 200 declara ao povo venezuelano sua disponibilidade em contribuir para a busca de uma soluo pacfica. Invocamos a vontade soberana pela realizao de um Frum Nacional com os re-
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presentantes autnticos de todos os setores sociais, polticos, econmicos e militares do pas. Um Frum cuja instalao tem que coincidir com a renncia do atual presidente da repblica e a imediata formao de um governo de transio: a Junta Patritica Bolivariana, por um governo cvico-militar de salvao nacional. necessrio que, ao mesmo tempo, sejam convocadas eleies para uma assembleia nacional constituinte, com profundas razes populares. Com estas aes polticas se abrir uma via para um novo modelo de sociedade, original e solidrio, e para um novo sistema de governo com as caractersticas do que delineou Simn Bolvar em Angostura: o sistema de governo mais perfeito o que produz a maior soma de felicidade, de segurana social e de estabilidade poltica possvel. Dessa maneira se evitar um processo de violncia que encheria de sangue a sofrida ptria bolivariana. Se isso vier a ocorrer, a histria marcaria implacavelmente os responsveis, cegos, surdos e insensatos.
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Inicialmente, cada partido, logicamente, apresentou seu candidato. S citaremos aqui os principais atores desse processo. A Ao Democrtica apoiava Lus Alfaro Ucero, um de seus pais fundadores. Um homem mais velho colocado entre os candidatos como um dos menos desgastados pela corrupo dominante. Outro papvel desse partido foi o professor Claudio Fermn. Vivia j h tempos em Miami, tambm por causa dos problemas que vieram junto com a amizade com Carlos Andrs Prez. De volta Venezuela, demite-se definitivamente da AD e se apresenta sozinho. H, logo depois, Irene Lailin Sez Conde, a ex-miss universo venezuelana (1981), j h bastante tempo alcaidina de Chacao, uma das alcaidias1 mais ricas de Caracas. Com o passar dos anos, conseguiu ser apreciada no s por sua beleza, mas tambm por sua inteligncia, capacidade organizativa e pelas numerosas obras sociais realizadas. A alcaidia de Chacao tambm conhecida como Irenelndia. Ainda que jovem nasceu em 13 de dezembro de 1961 e solteira, muitos creem que ela pode chegar a ser a primeira presidente mulher da Venezuela. As notcias mais comuns que circularam foram de que, por enquanto, ela passaria da alcaidia ao governo do Estado e, dentro de quatro anos, chegaria Presidncia. Mas, para a surpresa de todos, ela apresenta-se nos comcios presidenciais daquele mesmo ano. Em um primeiro momento, o partido Copei a apoia com vrios encontros e entrevistas oportunamente anunciadas pelos meios de comunicao. Outro personagem que teve uma grande influncia nos acontecimentos futuros foi Henrique Salas Rmer. J era governador do Estado de Carabobo, onde conseguiu aportar um enorme desenvolvimento interrompendo, inclusive, a hegemonia industrial
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de Caracas. Nos ltimos anos, em Valencia, capital deste Estado, houve um notvel crescimento, tanto em construo residencial como industrial, e a populao aumentou vertiginosamente. Henrique Salas Rmer foi substitudo no governo do Estado de Carabobo pelo filho, Henrique Salas Feo, como em toda boa empresa de administrao familiar. Nessa convocatria eleitoral, a novidade no muito agradvel foi representada por um candidato incmodo que entrou pela primeira vez na cena poltica e que, de incio, foi ignorado totalmente pelos jornais e redes de televiso: Hugo Chvez Fras, ex-tenente-coronel, ex-golpista. Quando as pesquisas de opinio comearam a trazer dados favorveis a ele que se inicia uma spera campanha depreciativa em sua direo, campanha esta sarcstica e desinformada. Um dia, falando com um padre amigo meu, o bom padre M., e com alguns garotos de sua parquia, expressei minhas dvidas sobre o fato de que esse personagem, sobrevivente de um falido golpe de Estado, pudesse ser bem aceito pela gente comum e, sobretudo, pelos donos indiretos da Amrica do Sul, os EUA. Os meninos da parquia eram todos entusiastas de Chvez, que consideravam o homem do momento, muito inteligente e determinado. O padre tambm parecia, mesmo que relutante, concordar com o que diziam os jovens, e acrescentou que nos prximos dias iria convidar o candidato Chvez a um jantar na casa paroquial para entender melhor suas ideias e seu programa. Fiquei bastante pasmo porque imaginei que seria como misturar o diabo com gua benta. A campanha de Hugo Chvez se deu com meios muito limitados, viajando por todo o pas em uma caminhonete, de camisa e palet e boina vermelhos, em contato direto com as pessoas humildes, os deserdados de sempre. Diferente dos demais candidatos, que gastaram e espalharam centenas de milhares de dlares com publicidade em televiso e jornais, manifesta-
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es onde apareciam personagens do meio artstico e reunies de alto nvel, alm de festas com rios de usque. Mas a verdadeira guerra contra Chvez ocorreu sobre a pequena tela, visto que os donos das redes privadas nacionais como a RCTV, canal 2; a Venevisin, canal 4; Televn, canal 10; Globovisin, canal 31 estavam todos atrelados classe poltica dominante e fizeram parte do golpe. Iremos nos referir ao grupo dessas quatro emissoras como as quatro TVs irms. Alguns apresentadores se caracterizaram pela extrema violncia verbal contra o candidato Chvez. Fosse por opinio pessoal ou para manter o posto de trabalho, venderam sua dignidade da maneira mais vil, jogando no lixo qualquer trao de decncia ou tica profissional citarei alguns nomes que, tambm sucessivamente, mostraram sua vocao. Da Venevisin: Napolen Bravo, pseudnimo de Jos Ovdio Rodrguez Cuesta, megalomanaco? Seu pseudnimo literalmente quer dizer Napolen aborrecido. Da Televn: Martha Colomina, sada da Ucab, que no perdia uma chance, seguramente a mais feroz (Ucab = golpista), e, depois, Carlos Fernandez, um timo executor de ordens. Da Globovisin: Nitu Prez Osuma, uma senhora muito fina, elegante, que s se v em branco, j que a cor vermelha a incomoda em demasia, alm de Leopoldo Castillo e Kico Bautista. Dessa maneira, impulsionado pela curiosidade causada por esse to controvertido candidato, comecei buscando as informaes possveis sobre o homem, tambm porque sua campanha parecia ser financiada com parcos recursos se comparada com as majestosas campanhas dos demais candidatos. Entre as minhas amizades tambm havia uma freira, madre superiora italiana, que estava em misso na Venezuela j fazia tempo. Uma grande mulher que, mesmo com meios limitados, pde dedicar-se a ensinamentos religiosos, assistncia aos religiosos em formao e, sobretudo, ao trabalho com as irms de hbito no leprosrio perto de Maiqueta. Essa freira era totalmente contra Chvez,
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dizendo-o comunista, ignorante, arrogante e violento: um verdadeiro perigo para a sociedade e para a Igreja. Naqueles dias veio da Itlia um sacerdote hspede da freira; em um dado momento, com a minha presena, surgiu uma discusso sobre a questo das eleies, e o sacerdote disse: na Venezuela, em todos esses anos, a Igreja perdeu a oportunidade de viver o Evangelho, alienando-se com os pobres e deserdados, e a ela pareceu muito mais cmodo e conveniente estar ao lado dos ricos. Os dias passaram, aproximava-se o ms de dezembro de 1998 e o nome Chvez circulava pela boca de todos, sempre com muita nfase. Nos bairros pobres se dizia todo o bem possvel, enquanto que nas zonas residenciais da classe alta era dito todo o mal quanto fosse possvel. Sua campanha o levou a todo o pas e sua passagem sempre ocorria entre um mar de gente alegre. Seu emblema, a boina vermelha, tornou-se um smbolo poltico real. A alta hierarquia da Igreja Catlica, nos ltimos meses daquele ano, longe de demonstrar imparcialidade, alinhou-se abertamente contra Hugo Chvez de todas as maneiras possveis. Distriburam-se panfletos na entrada das igrejas, pronunciou-se homilias (sobretudo os bispos) contra o perigo de uma ditadura de cunho comunista e faziam oraes ao bom Deus para que libertasse o povo venezuelano dessa chaga. Nos anos anteriores, no escutei uma s palavra contra o governo de Caldera v-se que tudo caminhava com perfeio, ao menos para os membros da Confederao Episcopal Venezuelana. Uma semana depois que o padre M. expressou o desejo de convidar parquia o candidato Hugo Chvez, encontrei-me com ele, que me contou em tom bastante alarmado, que fora chamado pelo bispo de La Guaira, monsenhor Francisco de Guruciaga Iturriza, clebre figura da Opus Dei, de famlia rica obviamente, que o advertiu em grande sigilo de um fato delicado: teve notcias de Caracas que ele, o padre M., estava sendo inves-
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tigado pela Disip (polcia poltica) por algumas de suas declaraes inoportunas de proximidade a Hugo Chvez. Ento o bispo o repreendeu para que tivesse uma postura mais cautelosa e lembrando-o rigorosamente das normas da Igreja; desde aquele momento o padre M. nunca mais falou sobre o fato delicado. Naturalmente, a Disip no tinha nada a ver com a histria, tratou-se de simples desculpa para assustar o indisciplinado sacerdote e traz-lo de volta ordem. Durante o ms de novembro, as estatsticas sobre as intenes de voto dos venezuelanos davam uma notvel vantagem a Hugo Chvez. A oposio tratou de recorrer ao que era possvel e sua manobra de estreia tentou disfarar a situao publicando em todos os rgos de imprensa sua disposio quase a totalidade dos existentes no pas estatsticas falsas que davam vantagem ao candidato de um ou outro partido. As emissoras de televiso tambm lanaram, em todos os espaos possveis, uma campanha violenta e perversa, na qual as crticas e as trapaas contra Hugo Chvez se contrapunham aos elogios desmedidos, ridculos e abertamente mentirosos aos candidatos normais. Sob uma pretensa imparcialidade, algumas redes televisivas entrevistaram o candidato da discrdia nacional, tratando de faz-lo parecer desajeitado, contraditrio e com ideias pouco claras. Mas Hugo Chvez, na sua campanha, focalizou a ateno do pas sobre poucos pontos essenciais, fundamentalmente sobre a necessidade de uma nova constituio, coisa que foi o eixo de todo o seu trajeto pblico desde o falido golpe de Estado em 4 de fevereiro de 1992. Essa nova constituio deveria eliminar todas as incongruncias daquela existente (o Pacto de Punto Fijo) e, ento, permitir a fundao de uma nova Repblica. Hugo Chvez identificava a Constituio existente como a quarta (IV) e, assim, a nova seria a quinta (V). Realmente, o movimento poltico fundado por ele era chamado de MVR, Movimento Quinta Repblica, segundo a notao em algarismos romanos.
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As estatsticas, tambm as mais domesticadas, indicaram que Hugo Chvez atraiu mais de 45% das intenes de voto; os 55% restantes, subdivididos entre os vrios concorrentes, dava ao incmodo candidato a garantia da vitria. Assim, visto que nem a guerra miditica, nem os sermes dos bispos e nem as presses psicolgicas (como a ameaa de demisso a algum que se arriscava a falar bem de Hugo Chvez) surtiram efeito, aconteceu que todos os partidos decidiram retirar suas candidaturas e apoiar somente uma, de maneira a fazer frente a Chvez com uma coalizo, mesmo heterognea, mas com alguma possibilidade de vitria. Nos primeiros dias do ms de dezembro de 1998, o doutor Carlos Canache Mata, presidente da Ao Democrtica, fez a seguinte declarao a todas as redes televisivas: () o partido Ao Democrtica, a partir desse momento, decide apoiar a candidatura de Henrique Salas Rmer Presidncia da Repblica. Repito, o partido AD apoia Henrique Salas Rmer. Contudo, Lus Alfaro Ucero, o homem de mais prestgio do partido, decidiu seguir naquela disputa eleitoral. Assim, ao passo que a AD convidava os eleitores a votarem em Henrique Salas Rmer, nas cdulas eleitorais do partido aparecia Lus Alfaro Ucero, de modo que houve disputa pela atribuio de votos dessa lista, visto que tal situao ocorreu a poucos dias das eleies. A Copei retirou o apoio a Irene Sez, que, com grande coragem e dignidade, apresentou-se sozinha. Alguns igualmente enfurecidos pelo abandono de seus partidos decidiram ficar na disputa em vez de se envergonharem da retirada da candidatura e perder o pouco da dignidade que lhes restava; outros, por sua vez, distanciaram-se da corrida presidencial. Os ltimos dias da campanha foram caracterizados pelo aumento dos simpatizantes de Hugo Chvez, mesmo com todas as tentativas de condicionamento da agitada classe poltica e so-
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ciedade rica, sobretudo de Caracas. Numa ltima tentativa de mudar a situao, o candidato Henrique Salas Rmer organizou uma marcha que saa de Valencia, capital do Estado de Carabobo, at Caracas, e de uma forma bastante peculiar, a cavalo! Dessa maneira, centenas de simpatizantes e de mercenrios pagos para esse fim, formaram uma caravana, no sentido literal do termo, percorreram a cavalo as ruas entre as duas capitais e se apresentaram em Caracas em uma exultao de bandeiras e com uma coreografia digna do sculo 18. Lembro-me que Alicia Machado, a miss Venezuela e miss Universo do momento, de nobre estirpe, alm de alguns representantes da cultura do pas participaram da cavalgada. O resultado foi um desastre total, pois as pessoas comuns consideraram aquela encenao como ostentao de riqueza e arrogncia. A nica coisa que ficou na cidade de Caracas, como algum notou, foram os excrementos dos cavalos. Recordo tambm que ocorreu outro fato indito na Venezuela: o Comit Eleitoral, creio que pela primeira vez na sua histria, multou Hugo Chvez em um milho de bolvares, cifra enorme para o perodo, por haver violado no sei qual norma eleitoral. O candidato Hugo Chvez no tinha dinheiro, mas todos os seus simpatizantes trabalharam para recolher a quantia a ser paga. Pelas ruas e especialmente durantes os comcios, jovens chavistas, com cestas na mo, pediam s pessoas suas moedas para a estranha arrecadao. Todos depositavam algo, exceto obviamente seus adversrios, que aplaudiam em todas as redes televisivas a ao imparcial do Comit Eleitoral. Assim, os pobres e marginalizados recolheram para seu lder muito mais do que o necessrio. Durante os dias que seguiram, nas classes sociais atreladas aos velhos polticos, havia certa inquietude, mesmo que bem mascarada, e luzia uma segurana bastante incomum. Na Venezuela, lamentavelmente, os resultados das eleies foram desde sempre objeto de desconfiana mais ou menos justificada e o
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temor das pessoas comuns era de que, se Hugo Chvez vencesse com uma vantagem pequena, a AD e seus companheiros, ou seja, a Graviola, iriam arrasar o pas exclamando uma fraude eleitoral inexistente para justificar atos de violncia (nada novos) na tentativa de anular ou deslegitimar o veredicto das urnas. Alguns comearam at a armazenar provises de mantimento e combustvel, na espera do pior.
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Os polticos profissionais, com o auxlio dos meios de comunicao social todos complacentes , comearam a deixar em alerta os venezuelanos contra possveis atos de violncia por parte dos chavistas. Ao contrrio, aconteceu que os nicos fatos violentos durante e depois da campanha eleitoral aconteceram por aes no chavistas. Em todos os comcios de Chvez, onde se reuniam multides, ele sempre convidava seus simpatizantes calma, a no se deixarem provocar e no praticar a violncia. Inclusive, nestas reunies de centenas de milhares de pessoas no se quebrou um s vidro, nem se atirou uma s pedra ou foi queimado um s carro, e sim, tudo acontecia em alegria, com grande entusiasmo. Foram festas populares reais, onde estiveram presentes em grande nmero mulheres e crianas com suas infalveis boinas vermelhas. Quando estes encontros chegavam ao fim, normalmente depois de um dos muitos discursos longos de Hugo Chvez, de mais de seis horas, onde as pessoas ficavam de p, encantadas e sem sinais de incmodo, o retorno casa sempre se deu de modo pacfico e organizado. Hugo Chvez demonstrou com fatos seu carisma pelas massas e, por isso, logo foi definido por seus adversrios como pregador, charlato e encantador de serpentes, que encontrava adeptos dentre o que seria o lixo da nao. Na realidade seus discursos foram muito diretos, de imediata compreenso. Utilizava uma linguagem bastante popular, era como algum do povo. Todas essas minhas consideraes nascem por experincia pessoal, assisti a vrios desses episdios e analisei de perto os acontecimentos deste livro, em primeira pessoa, pela televiso, notcias de jornal e por testemunhos de amigos. E, ento, chega o dia fatdico. Hugo Chvez consegue 56,20% dos votos, e Henrique Salas Rmer 39,97%. Entre os demais candidatos s se salva Irene Sez, conseguindo 2,82%, enquanto o bom Luis Alfaro Ucero
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fica com 0,42%. Todos os demais desaparecem no nada. Naturalmente a oposio tratou de desacreditar o processo com o apoio de economistas do hemisfrio norte, mas a eleio teve que ser ratificada, mesmo porque o Centro Carter confirmou sua regularidade.
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ver a cara de Rafael Caldera, ao centro na imagem 1, para nos dar conta do estado de nimo da velha classe poltica. Seu discurso sem rodeios, como seria sempre, foi o resumo da campanha eleitoral e uma antecipao dos programas de governo, que no foram outra coisa que a realizao do que ele havia prometido. O discurso se inicia com a enumerao da composio da plateia a qual se dirige a mensagem, como costume nas sociedades hispnicas. Comea dirigindo-se s autoridades e personalidades presentes, em ordem de importncia, iniciando pelo cidado presidente e vice-presidente do Congresso da Repblica, e terminando a longa lista com cidados senadores, cidados deputados e, alm de todos esses, homens, mulheres e crianas da Venezuela, esta terra bolivariana; homens, mulheres e crianas do continente, do mundo. Por fim encerra a lista com queridos pais, irmos, Marisabel, filhos, amigos, todos, dirigindo-se assim aos seus pais, irmos, esposa, aos filhos e aos amigos. O discurso real comea com uma frase de Simn Bolvar:
Feliz do cidado que sob o escudo das armas de seu comando convoca a soberania nacional para que exera sua vontade absoluta.
E continua:
() repeti muitas vezes esta frase nos ltimos meses da inslita campanha eleitoral de 1998, porque foi inslita de verdade, disse inspirado pela certeza aquela frase de Walt Whitman que diz certo como a mais certa das certezas, e assim percorremos nosso caminho, seguros de que esse dia chegaria Eu disse ao povo venezuelano que comearia meu discurso com essa frase e quero repeti-la, com a vossa permisso ().
E a repete pela segunda vez. Assim, inicia-se seu mandato, confirmando pontualmente o que proclamara na campanha eleitoral e, contradizendo a todos
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os adversrios, no esquece nenhuma promessa feita ao nobre povo da Venezuela. Seu decreto nmero um foi a convocatria de um referendo para redigir uma nova constituio. Este ser o primeiro referendo popular na Venezuela, e com um tema de grande porte. Pela primeira vez um governante se dirige ao povo para pedir seu parecer, e, nesse caso, a inteno redigir uma nova constituio. A anterior foi decidida e aplicada por uma elite sem perguntar nada a ningum. As dificuldades em funo do novo presidente comearam em seguida. A excluda classe poltica no teve nenhuma inteno de abdicar e manifestou sua vontade de lutar at as ltimas consequncias. O primeiro problema levantado pelos intelectuais foi: se a chamada para um referendo era um ato constitucionalmente correto, e logo criticaram a forma e o contedo das perguntas a que deveriam responder os venezuelanos. Tudo isso foi motivo de um longo debate, desembocado no Tribunal Supremo, que teve que admitir a legitimidade da operao, isto , reconhecer que um presidente pode sim convocar uma Assembleia Constituinte. Uma passagem muito importante de seu discurso foi:
() J que tenho um compromisso com o povo, decidi adiantar a assinatura do decreto que convoca o referendo [pela Assembleia Constituinte]. No esperarei at 15 de fevereiro, como j disse. No, h um clamor pelas ruas, um clamor do povo. Assim, dentro de poucos minutos, no palcio do governo de Caracas, em Miraflores, juramentarei aos membros do gabinete e em seguida convocarei o primeiro Conselho Extraordinrio de Ministros. Hoje mesmo, antes de sair do palcio para ir ao encontro popular em Los Proceres [avenida dos desfiles em Forte Tiuna], assinarei o decreto presidencial chamando o povo venezuelano para o referendo. Isso simplesmente um compromisso, uma ordem do povo. Eu estou aqui para ser instrumento de um coletivo, por isso, senho-
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res do Congresso, senhor presidente do Congresso, senhor presidente da Cmara dos Deputados, honorveis senhores e deputados, creio que estou economizando um pouco de trabalho, de angustias, de correrias e amarguras. No, agora! Agora! O referendo se dar, e hoje mesmo terei o gosto de entregar ao senhor presidente do Congresso Nacional Eleitoral uma carta de solicitao para que sejam tomadas todas as providncias necessrias para preparar o referendo dentro dos termos que indica a lei, entre 60 e 90 dias. Em poucas horas, meu governo introduzir aqui no Congresso a solicitao de uma lei habilitante que possibilite enfrentar os problemas a curto prazo, porque o povo no pode esperar a Constituinte e essa uma verdade absoluta. A Constituinte no uma panaceia, nunca a colocamos sob esses termos. Tem um objetivo fundamental, como a transformao das bases do Estado e a criao de uma nova Repblica, a refundao da Repblica, a relegitimao da democracia. Esse o objetivo fundamental da Assembleia Constituinte.
Como se v, utilizou da melhor maneira os dois meses que ocorreram entre a sua eleio e o dia da posse, e no quis perder tempo com os enfrentamentos espinhosa questo. Assim, naquele mesmo dia, 2 de fevereiro de 1999, assinou o decreto que encaminharia a Venezuela a uma nova etapa histrica. Nasceu uma nova ordem social e um novo Estado. As atividades do presidente comeam a ser sentidas em seguida, com aes impensveis h poucos meses. Inicia-se com a moralizao da gesto do palcio do governo. Descobre-se ento que antes o governo arcava com mais de 3.500 folhas de pagamento mensais, mas o nmero de empregados era bastante inferior. Onde iam parar essas folhas fantasmas? Todos os partidos tinham, no edifcio, escritrios muito bem equipados, utilizavam sem custo as linhas telefnicas, os carros do Estado para uso pessoal, os policiais e soldados como moto-
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ristas e ordens para acompanhar filhos escola e esposas ao comrcio. Os avies da PDVSA, a companhia petrolfera venezuelana, eram utilizados como avies privados pelos funcionrios, polticos, bispos, monsenhores e amigos. Em apenas uma semana Hugo Chvez retira da velha classe poltica mais de 500 telefones celulares, 100 carros e 140 avies da frota da PDVSA. Naturalmente determina tambm a imediata sada de todos os escritrios dos partidos que se localizavam no edifcio. Um dos decretos assinados por Rafael Caldera poucos dias antes de deixar seu cargo foi pela aquisio de limusines presidenciais. Hugo Chvez anula a ordem de compra, renuncia tambm a seu salrio como presidente e o transformam em bolsas de estudo. Todas essas aes so tachadas de populismo por seus adversrios, mas soam muito agradveis quela gente comum que se identifica plenamente com ele. Com o tempo, nos eventos pblicos, as pessoas passam a se dirigir a Hugo Chvez informalmente ou chamando-o simplesmente de meu comandante. A poucos meses de sua entrada na Presidncia comearam a aparecer livros contra ele, cujos autores pertenciam intelectualidade opositora. Tais publicaes queriam convencer a opinio pblica de que Chvez era um novo Mussolini ou pior que Hitler, fazendo comparaes, em culta dissertao, entre esses personagens histricos e as aes do tenente-coronel. Um desses textos esquisitos iniciava-se mais ou menos assim: Houve uma vez um reino feliz, encabeado por um nobre e sbio senhor. O reino feliz seria a Venezuela de 1998 e o nobre sbio o dr. Rafael Caldera! Bastaram dois meses para qualificar, ou melhor, selar Chvez com o ttulo de tirano, atitude desqualificadora nunca abandonada pela oposio. Os colonizadores atacavam seu pior inimigo.
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A questo fundamental foi que o executivo opinava que a Assembleia Constituinte deveria ser Originria e, portanto, uma vez instaurada, o ordenamento jurdico existente perderia todos os seus poderes. De fato, com a convocao de tal assembleia, e sendo ela instalada, os velhos burocratas perdiam todos os cargos e o poder. Naturalmente a oposio fez uma dura campanha pelo no com todos os meios ao seu alcance, as quatro TVs irms e a maioria dos jornais impressos. A votao aconteceu em 25 de abril de 1999. De 11 milhes de eleitores votaram 38%, com quatro milhes de votos vlidos.
Primeira pergunta Segunda pergunta Si 87,75 % 81,75 % No 7,26 % 12,75 % Nulos 4,80 % 5,87 %
Esta foi a primeira vitria eleitoral de Hugo Chvez. Em 25 de julho foram eleitos os membros da Assembleia Constituinte e o grupo de Chvez conquista 93% dos lugares, 122 de um total de 131.
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mas agora as pessoas comuns, por fim, sentem-se protagonistas reais de sua prpria sorte. Em um dos interminveis discursos de Chvez, ele cita uma frase de Simn Bolvar que se demonstrar incrivelmente atual, unindo de modo bastante peculiar a circunstncia do libertador ao do novo presidente. Durante a guerra de libertao do domnio espanhol, a Venezuela fora partida em duas, por um lado ficaram os realistas fiis coroa espanhola e do outro os seguidores de Bolvar. Entre os primeiros, obviamente, estava a Igreja Catlica, sobretudo com o alto clero. Um terrvel terremoto deixou atrs de si um rastro de mortos e destruio em Caracas e os bispos se apressaram em declarar que o fato foi um inevitvel castigo de Deus contra os que se rebelaram contra a ordem (espanhola) constituda. Bolvar respondeu que tambm venceriam todas as catstrofes naturais possveis e imaginveis. Chvez, em um discurso seu, citou esses acontecimentos, repetindo a declarao da guerra contra os elementos naturais. Tudo isso em tempos nada suspeitos. O Estado de Vargas se estende ao longo da costa norte, aos ps da cordilheira da costa. De leste a oeste esto, sucessivamente, o aeroporto Simn Bolvar, Maiqueta, Macuto, La Guaira, Caraballeda e Naiguat. Desde os primeiros dias do ms de dezembro daquele ano, as chuvas foram bastante intensas e persistentes e alcanaram nveis impressionantes. No dia 15 de dezembro choveu ininterruptamente, causando no poucos problemas de deslocamento para as pessoas que iam votar e o governo adiou em algumas horas o fechamento das mesas de votao. As intempries foram o motivo principal da baixa de fluxo at as urnas. Na noite do dia 15 para o 16 as chuvas alcanaram um impressionante nvel, recorde; em uma noite caiu uma quantidade de gua superior esperada para um ano inteiro. O arco da cordilheira que domina a costa ao norte de Caracas esteve no passado sob o controle da proteo civil, mas os
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governos anteriores foram abandonando as estaes meteorolgicas, at ignor-las completamente. Desta cordilheira descem as guas dos canais naturais cavados pelas guas pluviais na descida em direo ao mar. Ao longo da costa, esses canais pequenos e grandes foram invadidos por construes de casas e ruas instaladas de maneira descontrolada e desorganizada, e com total indiferena das autoridades. Entre os picos do lado da costa e os mais altos do lado de Caracas, ao sul, encontram-se pequenos vales quase inacessveis e deles partem esses canais sobre a encosta norte que descem at o mar. No transcorrer dos anos, as intempries acumularam uma enorme quantidade de escombros na entrada dessas quebradas, criando diques naturais cuja importncia foi descuidada completamente. As guas pluviais daquela noite se acumularam nessas espcies de lagos ao longo de toda a costa, visto que a gua que foi parada pelos diques postios foi uma parte infinitesimal daquela que caiu do cu. Quando o nvel desses lagos estava bastante alto e a presso chegou ao limite de ruptura dos diques, as barreiras de pedras e terra quebraram de repente e uma massa gigante de gua, barro e pedras precipitou-se pelo vale em direo ao mar, e em poucos minutos varreu, literalmente, tudo o que encontrou, ao longo de 80 quilmetros de costa, destruindo e fazendo desaparecer milhares de casas sob uma montanha de muitos metros de barro, enterrando ou arrastando mais de 80 mil pessoas. Bem poucos foram os corpos que se pde recuperar. Tambm nessa circunstncia os bispos falaram de castigo de Deus, como se sem Chvez presidente Deus houvesse poupado seus filhos daquela catstrofe! E Chvez respondeu com as mesmas palavras de Bolvar. As ajudas chegaram em seguida. O acesso rea atingida estava bastante complicado, e as nicas vias que ficaram eram por mar ou avio. Portanto, foram utilizados todos os recursos das Foras Armadas Nacionais, barcos e navios, avies e helicpteros privados. As pistas do aeropor-
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to Simn Bolvar, que, felizmente, no padeceram de danos, foram usadas para transportar os sobreviventes at Caracas e para fazer chegar ao local ajudas mais urgentes, como gua potvel, mantimentos e remdios. As pessoas eram embarcadas ao longo das praias, transportadas ao aeroporto, onde recebiam uma primeira assistncia, e logo levadas a Caracas, a centros de acolhida. As cenas transmitidas pela televiso me fizeram lembrar o que ocorrera nas costas francesas durante a Segunda Guerra Mundial, depois que os nazistas ocuparam a Frana. Voluntrios em motos e at em bicicletas levavam suas ajudas aos locais mais inacessveis. Tiveram que ser evacuadas mais de 400 mil pessoas. Os sobreviventes subiam nos telhados das casas enquanto esperavam por ajuda. Helicpteros os carregavam e transportavam a lugares seguros mais prximos, buscavam reas abertas para aterrissar, desembarcar os atingidos e depois dar uma nova volta. Sobre um desses tetos, junto a um grupo de pessoas, havia tambm um cachorro, creio que um doberman. Quando o helicptero chegou o piloto no deixou que embarcassem o co por falta de espao, e o dono do animal, com os olhos cheios de lgrimas, teve de abandon-lo. Durante o trajeto da casa ao ponto de aterrissagem as pessoas se ocuparam de consolar o homem dizendo que h que assistir primeiro aos seres humanos, mas fcil imaginar a tristeza e a dor de quem perdeu tudo e foi obrigado pelas circunstncias a abandonar a sua prpria sorte, sem dvida trgica, o seu fiel amigo. No entanto, ocorreu algo incrvel: o co, que ficou sozinho no telhado, v algumas pessoas que nadavam desesperadamente, atira-se nas guas, turvas e vertiginosas, nada at a pessoa mais prxima e a leva a salvo ao teto da sua casa. Essa cena se repetiu por trs vezes e o cachorro conseguiu salvar essas trs pessoas. O helicptero ento retorna, o piloto v sobre o teto o co com outras trs pessoas, aproxima-se e as pessoas so embarcadas. Tambm desta vez o piloto se nega a levar o cachorro, mas as pessoas se
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revoltam, gritam que no abandonaro o animal que os salvou e obrigam o piloto a levar o cachorro com eles. Imaginem a felicidade do seu dono quando o v desembarcar do helicptero. Contam-lhe o ocorrido e poucas horas depois o fato se converte em notcia jornalstica, publicada por todos os meios de comunicao. Meses depois o co seria condecorado com uma medalha por sua bravura. Chvez, com farda militar, comandava pessoalmente as operaes de resgate, locomovia-se num Jeep normalmente dirigido por ele prprio, ou em um helicptero militar. Organizava as embarcaes da Marinha, os voos que saam e chegavam a Caracas, a logstica e apoiava os socorristas e as pessoas desesperadas. Mais de uma vez esteve tambm a ponto de sofrer um acidente com o helicptero em funo das pssimas condies atmosfricas, mas trabalhava sem trgua e estava presente em toda parte. Sobre toda a costa estava instalado o caos; no havia gua potvel, nem luz eltrica, nem telefone e faltavam mantimentos por isso, alm da evacuao, que durara vrias semanas, teve que ser organizada assistncia queles que no quiseram abandonar as suas casas e tambm aos que esperavam ser removidos da rea. Nessas condies precrias foram inmeros os casos de saques e aes delituosas de toda sorte, incluindo abusos por parte dos rgos policiais. Todas as redes de TV estavam no local, prontas para registrar, no s os acontecimentos, mas especialmente os erros e desvios que se pudesse atribuir ao governo, especulando at mesmo sobre a desgraa daquela gente pobre to duramente atingida. Vanessa Davies uma jornalista que trabalha em uma das redes privadas da oposio, creio que a RCTV. Esta jovem se tornou testemunha de um delito cometido entre as runas lamacentas de Vargas: militares dispararam contra alguns garotos, matando diversos deles, sob as vistas de seus parentes e outras pessoas amigas. Essas pessoas, ento, denunciam o fato diante
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das cmeras de televiso e o seu depoimento recolhido e usado por Vanessa que, de volta aos estdios em Caracas, coloca no ar uma reportagem agressiva contra os assassinos e responsabiliza o governo em geral e Chvez em particular, como de costume. Durante a transmisso Vanessa recebe uma ligao de Chvez, que a repreende dizendo que ela no podia fazer uma acusao sem provas. Vanessa, cada vez mais enfurecida, responde que tem provas em abundncia. Chvez a convida em seguida a apresent-lo essas provas, e Vanessa, certamente com algum temor, vai a Miraflores, onde recebida pelo presidente. Quando a jornalista acaba de falar, o presidente manda que preparem o helicptero para ir a Vargas e convida Vanessa para acompanh-lo. Imaginem se a jornalista perderia aquela ocasio. Assim, o presidente, a jornalista e alguns funcionrios embarcam no veculo, chegam a Vargas e transferem-se ao Jeep j perto do bairro que fora palco do delito, com alguns soldados como escolta. Chvez conversa com os parentes e os amigos das vtimas, os responsveis so identificados e presos. Cumprida a misso, todos regressam a Caracas, com uma Vanessa bastante confusa. Da sede da TV Vanesa transmite um novo programa contando o novo ocorrido, colocando nfase no comportamento do presidente e enfatizando o fato de que nunca imaginaria uma ao to rpida e inesperada para defender os direitos humanos das pessoas humildes. Esse programa foi o incio do fim da carreira jornalstica de Vanesa em uma emissora de oposio, j que, desde ento, negou-se a transmitir mentiras contra Chvez. Pouco depois, no sei se ela mesma se demitiu ou foi simplesmente mandada embora; o fato que Davies abandona seu trabalho e passa TV do Estado, o notrio Canal 8. Em reprovao vieram os raios dos meios de comunicao da oposio, que por muito tempo crivaram-na de perguntas, tambm sobre sua vida pessoal, e a coisa mais branda que disseram a ela foi traidora. Vanessa Davies trabalha ainda hoje no
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Canal 8, muito estimada pelo pblico e pelos colegas, tambm porque se convertera numa chavista convicta. Apesar da tragdia, a mais funesta na regio desde tempos imemorveis, votaram no referendo 45% dos eleitores. Isto , os que aprovaram a nova Constituio foram 71,78%, e os que no foram 28,23%, e os votos nulos foram de 4,55%.
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donar os ideiais do 4F e alinhar-se junto oligarquia que combatera. Referindo-nos a essa eleio de Francisco Arias, Chvez disse que havia sido sua prpria escolha, e que, quando chegou Presidncia, chamara tambm Francisco e o convidara para que se unisse ao processo. Em um primeiro momento o convite foi aceito, mas durante o ano de 1999 as coisas comearam a mudar lentamente, piorando. Em uma declarao pblica, Chvez teve que dizer, referindo-se a Francisco Arias Crdenas, que ele, se fosse obrigado a escolher entre um amigo e um princpio, ficaria sempre com o princpio, mesmo que com tristeza. Francisco Arias Crdenas e sua esposa pertencem a famlias da burguesia venezuelana, socialmente proeminentes, enquanto os pais de Chvez so pobres. Foi, sobretudo, a esposa de Francisco que no pde aceitar que um ignorante, morto de fome, que envolveu seu esposo em uma aventura absurda, agora tentasse faz-lo em outra ainda mais complicada. Ningum gosta de ser o segundo, e, por isso, a famlia o impele a romper com Chvez e se candidatar nas novas eleies como candidato Presidncia, em oposio ao ex-companheiro de combate. A oposio pensava em substituir Chvez a qualquer custo, e assim acreditaram que um outro elemento oriundo do grupo de 4F, porm mais moderado, pudesse ser a arma vencedora para tirar de cena o incmodo personagem que ocupava a Presidncia. Francisco Arias Crdenas ento apoiado pela alta hierarquia da Igreja Catlica, pela velha classe poltica e tambm pelos Estados Unidos. Parece que foi realizada uma importante reunio na cidade de Coro, organizada pelo bispo local, alm da alta hierarquia da Conferncia Episcopal Venezuelana. Nesta reunio foram definidas as estratgias para aproveitar a excelente oportunidade poltica que Chvez, deixando seu cargo, oferecia de bandeja oposio. Naquela sede, estabeleceram-se os prazos e a forma que seriam desembolsados os recursos necessrios para a realizao da tarefa. Logo depois Francisco viaja aos
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EUA, onde, sem dvida, se rene com venezuelanos desertores e com a colnia dos exilados cubanos em Miami. Pela CIA no foi possvel obter provas que vinculariam Chvez guerrilha colombiana, apesar do notvel apoio recebido pelas quatro TVs irms, e de especial maneira por Patricia Poleo e Marta Colomina, que apresentaram provas filmadas de guerrilheiros colombianos e declaraes de militares venezuelanos encapuzados. O governo conseguiu provar que todas essas evidncias eram falsas e haviam sido produzidas com ajuda estadunidense. Outra tentativa foi envolver Cuba, e ento se comeou a falar de castro-comunismo, de infiltrados cubanos, de militarizao dos partidos do governo. Pouco antes das eleies presidenciais de julho de 2000, estoura o caso Rosabal; as eleies deveriam ter se realizado em 28 de maio de 2000. Alguns dias antes do dia 28 de maio as quatro TVs irms transmitiram uma notcia de fonte segura de que haviam desembarcado tropas cubanas especiais em Puerto Cabello, onde havia a principal base da marinha militar da Venezuela, e falava-se em centenas de soldados. Havia rumores ainda de que aterrissavam avies cubanos em Maracaibo, cheios de militares que vinham doutrinar os colegas venezuelanos. Esta notcia, a poucos dias das eleies, deveria dar a Francisco alguma vantagem poltica. No entanto, o Conselho Nacional Eleitoral comunica a deciso de que, por razes tcnicas, as eleies seriam adiadas para o dia 30 de julho. Assim, perdem efeito as notcias disseminadas pelas quatro TVs irms, e, como eram ainda evidentemente falsas, h um efeito bumerangue e a oligarquia completamente deslocada de seus planos. Para corrigir tal falha, em 21 de julho as emissoras de oposio apresentam, com exclusividade, um ex-agente cubano arrependido, chamado Juan lvaro Rosabal, de 35 anos, que, desertando dos servios secretos cubanos, pedia asilo poltico na Venezuela. Custodiado pela oposio, por temor de que o governo Chvez
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pudesse assassin-lo, e sob a proteo do advogado Ricardo Koesling, concede desconcertantes declaraes que colocam o pas em polvorosa. Ele declara que mais de 1.500 agentes cubanos, pertencentes ao Exrcito e aos servios secretos, estavam presentes na Venezuela para fazer proselitismo poltico entre as classes populares e as Foras Armadas, e que todo esse movimento j levava muitos anos (o famoso castro-comunismo). O advogado Koesling afirmou que seu cliente fazia parte dos 300 agentes que compunham o aparato de segurana de Fidel Castro quando ele foi Venezuela na ocasio da VII Cimeira Iberoamericana, realizada na ilha de Margarita em novembro de 1997. E acrescenta: () ficaram todos na Venezuela com a misso de se infiltrar nos bairros mais humildes e distribuir publicidade do Che Guevara, do governo cubano e do socialismo. Rosabal o corrige dizendo que, dos 300 agentes, somente 32 permaneceram, mas logo esse nmero foi aumentando entre os anos de 1998 e 1999. A reao do governo foi imediata, mas as declaraes e contestaes foram burladas pelos meios de comunicao opositores. Em 28 de julho, Rosabal se dirige embaixada da Nicargua pedindo asilo poltico. Seu advogado declara que o governo venezuelano o est procurando por ordem direta do presidente. Poucos dias depois, Fidel Castro, em uma coletiva de imprensa em Cuba, desmente Rosabal, dando todos os detalhes que o qualificam como um pobre coitado que no tem nada a ver com o governo de Havana. Contudo, a dvida ficou no ar; quem que mente e quem diz a verdade? As eleies aconteceram e Chvez venceu com uma grande vantagem sobre seu ex-companheiro de luta. No ms de novembro daquele mesmo ano, o mistrio sobre o caso Rosabal solucionado definitivamente. Em 14 de novembro, depois de mais de quatro meses de silncio, de repente, Juan lvaro Rosabal reaparece. Apresenta-se magistratura venezuelana e desvenda todo o mistrio. Ingressou na Venezuela com documentos falsos, obtidos por mil dlares em Cuba por meio
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de um venezuelano chamado Adri Brito. Declara tambm que foi o advogado Ricardo Koesling e dois cubanos da Junta Patritica de Miami, Salvador Roman e Hctor Carbonell, que organizaram suas declaraes com a promessa de pagar-lhe 30 mil dlares para que representasse a farsa. Quando Fidel Castro o desmentiu, citando dados incontestveis, a oposio some com ele, amparando-o na embaixada da Nicargua. Para enterrar o assunto, a oposio quis desfazer-se da incmoda testemunha fazendo-o viajar a uma base militar em Mangua, coisa que nosso heri no quis. No dia 3 de novembro, Rosabal abandonou de livre e espontnea vontade a embaixada nicaraguense, cansado de esperar pelos 30 mil dlares que, obviamente, nunca foram pagos. Colocou-se ento em contato com sua esposa e ela, por sua vez, contatou o chanceler da Venezuela Jos Vicente Rangl, que mandou dois funcionrios, provavelmente da Disip, que resgataram Rosabal em Maracaibo em 8 de novembro e o levaram a Caracas, sob forte proteo da polcia cientfica. Por fim, foi o governo venezuelano que ajudou Rosabal a escapar da vingana de Koesling e seus companheiros. Onde est ele agora? Ningum sabe ao certo. Provavelmente, ele e sua esposa gozam de algo muito parecido aos programas de proteo testemunha que nos lembram filmes holliwodianos. Estar em Cuba? Peo que memorizem os nomes de Salvador Roman e tambm do exmio advogado Ricardo Koesling porque os veremos reaparecer em outra circunstncia, muito mais dramtica. As eleies se desenrolaram normalmente em 30 de julho de 2000 e os resultados foram os seguintes: Eleitores: 11.720.668 Votantes: 6.637.276 (56,63%). Votos vlidos: 6.288.578 (94,75%). Hugo Chvez Fras: 3.757.773 (59,76%). Francisco Arias Crdenas: 2.359.459 (37,52%). Claudio Fermn: 171.346 (2,72%).
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Com relao s eleies de 1998, Chvez consegue um maior nmero de votos, seja em valor absoluto ou percentualmente, e evidencia sua estvel popularidade, mesmo com toda a impotente campanha de descrdito da oposio.
Uma anedota
Um dia, conversando com meu amigo padre Julio M., expliquei-lhe que na Itlia realizei um bom software para a gesto dos laboratrios de anlises biolgicas e que efetuei mais de 150 instalaes, da Siclia a Gnova. O padre me sugeriu que tentasse tambm vend-lo na Venezuela, a comear pelos hospitais. Decidimos ir primeiro ao hospital militar de Caracas e, visto que o meu idioma espanhol tinha muitas falhas, foi o padre Julio que pediu que fosse chamada a diretora para uma reunio. Assim foi e no dia da reunio me acompanhou. Apresentamo-nos no hospital e nos pediram que entrssemos no escritrio da direo, mas o diretor estava em uma reunio e tivemos que esperar. Depois de cerca de meia hora o diretor chega, um coronel mdico do Exrcito que nos recebe amavelmente. Pede que nos sentemos enquanto se desculpa pelo atraso, organiza alguns papis e depois se senta conosco perguntando-nos o motivo da visita. Comeo a explicar quem sou eu, o que fao na Venezuela, e que havia desenvolvido um software que ainda no existia no pas. Chamei sua ateno e vi que ele concordou e passou a mo pelo queixo. No mesmo momento toca o telefone, o coronel se levanta, e, desculpando-se, diz: sem dvida o presidente, ele me liga dezenas de vezes por dia. Eu e o padre Julio trocamos olhares. Seria verdade? O coronel fala com algum da secretaria da presidncia e sem querer escutamos a conversa:
() sim, sobre aquilo no h problema Com aquele, lamentavelmente, no pudemos fazer nada, j era tarde ele o
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menino morreu essa noite sim chegara aqui antes um par de dias eu sei ele pneumonia Os dois j esto bem e na prxima semana j podero voltar s suas casas eu j os disse pela noite! [e levanta o tom de voz] Aqui seria necessrio intervir logo, mas se no nos manda os materiais [escuta por alguns instantes, concordando com a cabea e depois em tom mais calmo] Estamos perdendo um tempo precioso Bem bem s 15h estaremos prontos.
Coloca o fone no gancho e volta nossa mesa, enquanto senta-se e nos explica:
no era Hugo Chvez, mas a sua secretria. Outro dia chegaram cinco crianas doentes. Mas com uma delas no pudemos fazer nada. Por dois deles intervimos a tempo e tudo saiu bem. Mas h um que teremos que intervir no corao e no temos nada. Iro entregar-nos um equipamento emprestado, mas h outras coisas que o governo tem que conseguir o mais rpido possvel se quisermos salvar o garoto. O presidente se incomoda com esses atrasos, mas ns j fizemos tudo o que foi possvel!
Enquanto o coronel falava, lembrei-me que, alguns dias antes, escutei na VTV, a emissora do Estado, que o presidente, em uma das suas viagens pelo pas, em um povoado do interior, foi cercado por um grupo de mulheres cujos filhos tinham srios problemas de sade. O presidente adiantou o seu retorno a Caracas, embarcou em seu avio as cinco crianas com as respectivas mes e os levou s pressas, ao que parece, quele hospital. Nenhuma das quatro TVs irms se interessou pela sorte daquelas cinco crianas. Ao que parecia, somente Chvez pessoalmente estava interessado no assunto, no como ato poltico mas como uma tarefa daquele que tem o poder: us-lo para o benefcio de todos e sobretudo dos mais necessitados. Cultos catedrticos definiriam a situao como populismo vulgar, como se fosse essa uma palavra horrorosa. Seria interessante a definio dada pelas famlias das crianas salvas.
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Al Primera
Quero fazer uma homenagem a um homem particular que deixou uma marca indelvel com suas canes de protesto na Venezuela, e que tambm foi vtima da oligarquia. Al Rafael Primera Rosell nasceu em Coro, Estado de Falcn, em 31 de outubro de 1942, em uma famlia muito pobre. Quando criana trabalhou como engraxate, foi mensageiro e at boxeador. Depois dos primeiros anos escolares, sua famlia se mudou para Caracas. Intercalando estudo e trabalho, graduou-se em 1963 e inscreveu-se na faculdade de qumica da Universidade Central da Venezuela. No entanto, sua paixo verdadeira foi a msica. Aprendeu a tocar violo e comeou a cantar, primeiro por diverso, mas logo essa atividade se converteria em sua profisso. Em 1968, o Partido Comunista Venezuelano deu-lhe uma bolsa para a universidade de Bucareste, onde comea a compor canes de protesto, nega-se a apresentar-se e toca somente para o povo, ainda que, para viver, muitas vezes foi obrigado a lavar pratos. No quis vender sua msica. Em 1973, volta Venezuela, onde funda uma pequena gravadora. Casa-se em 1977 e tem cinco filhos. Com suas canes frequentemente fustiga personagens poderosos, e assim adquire uma grande popularidade, inclusive especulando-se sobre uma possvel candidatura Presidncia. E de esquerda! Para obstruir seu caminho, o muito democrtico governo de ento imps a proibio de suas canes, que por algum tempo so afastadas das rdios e emissoras de televiso. Depois tiraram a nobre proibio, mas nesse momento Al comea a receber ameaas de morte. Contudo, segue escrevendo suas canes, que ganharam ainda mais popularidade entre a gente humilde e serviria tambm como combustvel para o dio dos poderosos. Uma bomba de gs lacrimogneo foi estourada na porta de sua casa, por pessoas no identificadas, colocando em perigo toda a
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sua famlia, onde o ltimo filho tinha apenas quatro meses. O motivo foi bvio, mas a advertncia no foi levada a srio pelo cantor do povo. Alguns meses depois, em 16 de fevereiro de 1986, Al morre em um catastrfico acidente de trnsito. Falava-se que ele dirigia embriagado, mas todos sabiam que Al nunca dirigia se no estivesse perfeitamente lcido. Todos no pas especulavam sobre assassinato, mas o carro em que viajava ficou destrudo e no foi possvel, ou no quiseram, encontrar indcios de sabotagem. Hoje, se tentarmos perguntar a um Venezuelano sobre as causas da morte de Al Primera, escutaremos que foi um assassinato poltico. A classe dirigente temia a sua crescente popularidade e tambm a inteno dele de se candidatar Presidncia. Isso o que ocorria na democrtica Quarta Repblica, to querida dos Estados Unidos e da Igreja Catlica. Suas canes so retomadas por Chvez, que em muitas ocasies canta alguma estrofe, convertendo-as nas canes da Revoluo Bolivariana. Vrias delas podem ser conseguidas na internet, mas se viajarem Venezuela podero encontr-las por todo lado e muito baratas.
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PARTE II
As razes do golpe
Existem inmeras razes que determinaram os acontecimentos de 11 de abril, algumas de carter internacional e outras da poltica regional, alm de enormes interesses em nvel das grandes transnacionais, sobretudo as da matriz Estados Unidos-petrleo. A Europa tambm teve sua participao, por meio da Espanha e Inglaterra. A lista longa e complexa, portanto me limitarei a tocar pontos fundamentais, que so as origens de todas as outras motivaes. Sem dvida muitos diro que a Europa no tem nada a ver, mas seria suficiente dar uma olhada nas notcias que saram nos jornais, revistas e televises europeias em abril de 2002 para descobrir a total ausncia de informao sobre o tema, salvo a repetio do que aparecia nos meios de comunicao venezuelanos de oposio. Chvez um exmio desconhecido, mesmo colocando em polvorosa, j h algum tempo, metade do mundo. A razo para esse silncio miditico uma s: o que os olhos no veem o corao no sente. Assim matamos dois coelhos com uma cajadada s: fazemos feliz nosso aliado-dono (Estados Unidos, para evitar equvoco) e evitamos as tentaes e os maus pensamentos que possam surgir se analisarmos as atitudes dos nossos socialdemocratas aguados que s tm o crebro voltado para a busca de comodidades que possam vir de seus cargos e, por conseguinte, aumentar o peso das suas carteiras.
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Depois que Chvez assume a Presidncia, a classe poltica se quebra, perdendo todo o poder. Este vazio preenchido em seguida pelos editores miditicos, que enriquecem tambm porque esto livres do pagamento de impostos. Assim, o papel de partido poltico assumido pelas emissoras de televiso e jornais que, escondidos pela mscara da liberdade de imprensa, intocvel e, portanto, podem fazer e desfazer o que quiserem na mais absoluta impunidade. Alm das quatro TVs irms e do canal CMT, unem-se ao bloco antichavista quase todos os jornais como: El Universal, El Nacional, Tal Cual, El Impulso, El Nuevo Pas, El Mundo, 2001.
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O terceiro era o que haveria de ter levado o senhor Giusti Presidncia da Venezuela, seno em seguida, no perodo 19992003, no seguinte, mas estando sempre o poder nas mos de um testa de ferro, oportunamente pilotado pela oligarquia venezuelana e que, eventualmente, se pudesse destinar como bode expiatrio de uma poltica bastante destrutiva. Em 1998 a PDVSA declarou que a reserva garantida de petrleo duraria por uns 80 anos, avaliados com base na produo diria do perodo; portanto, triplicando a produo diria, esse perodo de durao se reduziria a menos de 30 anos! Sim, a PDVSA havia sido cotizada na bolsa de valores nestas condies, e em 1999 as transnacionais haviam feito dela o que queriam e privado a Venezuela de seu maior recurso. Algum podia perguntar-se: mas se as reservas de petrleo estivessem limitadas, por que tanto interesse, de um lado, em vender, e, de outro, em comprar? Nada mais simples: a Venezuela faria um verdadeiro bom negcio, porque se livraria de uma sociedade que empobrecera em menos de uma dcada, alm de livrar-se dos EUA, que, como grandes filantropos que sempre foram, teriam ajudado de bom grado um pas pobre a se levantar ao menos um pouco. Nobres causas e nobres propsitos. Contudo, como estamos acostumados durante esses anos, tudo isso no passava de grandes e descaradas mentiras! Durante a Presidncia de Giusti se realizaram prospeces, exploraes do subsolo, em todo o pas, mas os resultados foram bem escondidos, sobretudo dos venezuelanos, no dos polticos, obviamente. Durante os anos de 1990, a PDVSA e os governos da poca deram vida chamada abertura petroleira, na qual a PDVSA estipulou acordos com empresas privadas, sob a forma de contratos mistos, para a explorao dos campos petrolferos marginais, isto , as reas cujos poos j no davam as quantidades iniciais. As companhias trabalharam em tais campos, tambm, vejam que casualidade, com prospeces ao subsolo, estudo de
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dados, calculando assim os custos de reativao, perfurao de novos poos, renovao de infraestrutura e projeo da rentabilidade dos campos. Com tais dados fizeram uma oferta, como imposto de entrada. Participei, me corrijo, presenciei algumas destas licitaes da segunda rodada, onde fez parte da histria as companhias chinesas que, em um s dia, apropriaram-se de vrios campos levando aos caixas do Estado mais de 400 milhes de dlares. Por outro lado, naquele dia a nossa ENI agiu mal: ofereceu por um campo 60 milhes de dlares, mas o campo foi apropriado por outra sociedade, no italiana, obviamente que ofereceu mais que o dobro. No quadro de tais acordos, a PDVSA havia recebido 30% dos ingressos enquanto 70% fora aos bolsos das companhias estrangeiras. Que magnnima PDVSA! Para dar uma ideia da genialidade, honestidade e previso da gesto de Giusti, dou alguns dados: a espanhola Repsol baseou oficialmente os seus clculos, e por conseguinte a sua oferta, sobre uma produo estabilizada ao redor dos 20 mil barris dirios, mas teve muita sorte (na Itlia chamaramos de outra coisa) e a produo efetiva superou os 60 mil barris dirios! Sortuda essa Repsol! S que esse tipo de sorte tiveram mais de 90% das empresas que no s no se preocuparam muito em pagar os impostos correspondentes, como tambm estiveram em adequadas manobras polticas para reduzir os que j existiam ao mnimo possvel, obviamente com a cumplicidade dos polticos do puntofijismo. Hoje, sabemos, sem sombra de dvida, que a reserva provada de petrleo na Venezuela a maior do mundo. Que vergonha seria para os venezuelanos se tivessem arrematado a PDVSA, ou melhor, dado de presente a companhia petroleira aos EUA! A PDVSA tem fortes investimentos dos Estados Unidos, entre os quais seis refinarias da empresa venezuelana Citgo. Tambm em funo dessa sociedade os golpistas tinham feito um plano, ou seja, vender (presentear) todo o grupo a Gustavo Cisneros e aos
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seus scios estadunidenses. Imaginemos por um momento que os planos dos EUA e da velha classe poltica tivessem sido concretizados. Nesse caso, poderamos calcular quais seriam os rendimentos dos interessados, empresrios, polticos e aventureiros envolvidos (por comisses, cortesias, participaes)? Faam um esforo, ao menos imaginem quantos zeros haveriam de ser colocados detrs da primeira cifra! E se isso no parece motivo suficiente, mesmo que os EUA tenham detonado vrias guerras por muito menos, vou exemplificar com outros. A poltica estrangeira de Chvez est dando o mau exemplo na Amrica do Sul. Dentre outras coisas, est ensinando como se pode prescindir da generosidade extremamente desinteressada dos EUA, do Fundo Monetrio Internacional (FMI) e do Banco Mundial. E ainda mais grave: est tratando de repetir naquela regio o que fizemos aqui na Europa, que unir os pases do sul para competir com o resto do mundo. Os EUA fizeram o possvel e o impossvel para evitar a rea do euro; mesmo que com danos limitados, consegue agora exercer sobre a Unio Europeia uma hegemonia de notvel peso. Agora esto empenhados em evitar outra catstrofe na sua economia, j que uma Amrica do Sul progressista, tirando de si sculos de dominao estrangeira, no seria uma aliada ideal e to2. mapa da Venezuela lerante como a indecisa Europa. Interferem na corrupo dos polticos sul-americanos e, na rea militar, so, at agora, os nicos a gastar mais de 200 bilhes de dlares ao ano em armamentos. Entre aspas, uma das consequncias graves dessa aptido que ela acabar impulsionando a corrida armamentista de outros pases como a Rssia e a China.
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E, no entanto, a Venezuela o nico pas da Amrica do Sul que no tem e no quer ter relaes de nenhum tipo com o FMI e com o Banco Mundial. O petrleo, graas poltica de proteo da Opep, teve o preo de seu barril elevado a aproximadamente US$28,00, enquanto a produo da Venezuela havia crescido lentamente aos 2.700.000 barris em 2001. E, para finalizar, coloquemos as cerejas no bolo A Venezuela o nico pas da Amrica do Sul onde no h a mnima possibilidade dos EUA estabeleceram uma base militar, ainda que microscpica. J tentaram de muitas maneiras, sobretudo utilizando a questo da droga, da guerrilha colombiana e das calamidades naturais como a tempestade na costa norte de Caracas em dezembro de 1999. Naquela ocasio, os EUA, sempre atentos s necessidades dos povos com dificuldades, enviaram barcos de guerra com marines e equipamentos para ajudar aos atingidos. S que no tiveram nenhuma inteno de deixar as equipes nas mos dos venezuelanos, gente notoriamente ignorante, portanto foi necessrio o manejo do pessoal dos EUA. Washington mandou os barcos em seguida aos acontecimentos catastrficos, e, quando j estavam a caminho, informou ao governo venezuelano tal envio. Chvez em um primeiro momento aceitou com gratido, mas, quando se deu conta das reais intenes dos EUA que seria a de estabelecer uma base militar na costa do pas sob as desculpas de estar ajudando nega a desinteressada oferta e os barcos, com o rabo entre as pernas, eles invertem a rota e regressam sua ptria. Imaginem o que apareceu nos meios de comunicao da oposio. Tambm havia questes territoriais. Por exemplo, o golfo da Venezuela, a norte de Maracaibo. Os EUA querem que a jurisdio venezuelana fique em uma faixa martima que siga o perfil da costa, como normalmente ocorre. Nesse caso, porm, a Venezuela define como suas guas territoriais aquelas includas pela linha imaginria, a linha vermelha
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no mapa acima, que une as duas pontas costeiras mais ao norte da baa, e isso no agrada aos EUA. Mas quando o mesmo raciocnio se aplica Flrida a coisa muda de rumo e eles consideram justo e legal o conceito de linha imaginria. Na Venezuela h um refro que diz: () o que bom para o peru bom para a perua Evidentemente esse conceito impossvel de ser traduzido para o ingls. No falamos da zona oriental que, ainda hoje, depois de muitas dcadas, est em disputa com a Inglaterra, graas aos bons negcios, adivinhem de quem? Simn Bolvar disse, por volta de 1830: () os EUA parecem destinados pela providncia divina a praguejar o continente sul-americano em nome da liberdade segundo o evangelho de Washington, acrescento eu. E as coisas no mudaram nos ltimos 170 e muitos anos! Os EUA realmente seguem ingerindo H uma cano de Al Primera que diz, referindo-se aos EUA: ns amamos seu povo, mas no seus governos porque fazem guerra por dinheiro. Os mesmos sentimentos so comuns a quase toda a Amrica do Sul e Central. S que alguns governos dessa regio querem o governo que faz a guerra por dinheiro, porque uma parte dele vai terminar nas suas carteiras.
As razes da Espanha
Com os governos venezuelanos precedentes, Aznar conseguiu grandes benefcios s companhias e bancos espanhis. Bush, para as suas aes mais truculentas de poltica externa, sempre buscou aliados, ou, melhor dizendo, cmplices, especialmente no continente europeu. Dessa maneira, frequentemente se alega que as decises a que a administrao estadunidense foi obrigada a tomar no so nunca unilaterias, mas a Europa est ao seu lado nesses processos. Lembro-me do caso da Viasa, a companhia area de bandeira venezuelana engolida pela Ibria. Uma considerao parte deve ser feita sobre a Repsol, a companhia
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petrolfera espanhola. Se o golpe fosse exitoso, teria havido uma repartio igualitria do petrleo com as companhias estadunidenses que, com a eleio de Bush, estavam com o foco voltado para o Oriente Mdio. A Repsol, uma vez privatizada a PDVSA, teria sido convertida em uma das maiores potncias mundiais no setor petrolfero. Alguns bancos espanhis, muito poderosos na Venezuela, organizaram, sob os governos anteriores, uma mega fraude com os emprstimos para carros e automveis, que nunca acabavam, e eram chamados de mtuos indexados. Uma lei do governo Chvez obrigou todos os bancos a aplicarem o critrio de indenizar milhares de pessoas com dezenas de milhes de dlares. Seria mais econmico financiar um golpe de Estado. Por outro lado, as indstrias estadunidenses de armamentos e artigos eletrnicos, sobretudo de emprego militar, mantinham vrios acordos de cooperao com indstrias espanholas, e esse fato, longe de ser uma vantagem para a Espanha, converte-se em arma de chantagem contra o seu governo. Se analisarmos todos os acordos do tipo estipulados por transnacionais dos EUA nos vrios continentes, descobriremos que, ou diretamente ou por meio do FMI e do Banco Mundial, os EUA teceram desde sempre uma firme teia na qual so envolvidos governos inseguros e polticos corruptos que, para manterem seus postos e continuar sem intrigas, venderam e traram a dignidade de seus povos. A Itlia no exceo; de qualquer canto se v esse triste espetculo, e para ser mais claro, da extrema direita extrema esquerda, pois, em ambas, as declaraes nunca correspondem s aes.
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raflores) em uma venda de ladres, onde se estipula contratos vantajosos para polticos e empresrios, com uma justa e equnime repartio dos bens. Tudo isso tambm era sustentado pelos proprietrios dos grandes meios de comunicao, dos quais se serviram os polticos para propagar e sustentar notcias artificialmente construdas nos corredores do palcio. Se creem que isso um exagero, suficiente ir aos arquivos histricos de jornais como El Nacional e El Universal e procurar alguns artigos srios de denncia corrupo, difundida em cada canto do pas. Com toda a sua boa vontade no encontrar quase nada, e se algum jornalista teve a infeliz ideia de atacar seriamente um poltico ou um empresrio, ao menos que se tratasse de real represlia do proprietrio do veculo de comunicao, o mal-aventurado trabalhador se encontraria em seguida no olho da rua e na impossibilidade de trabalhar em outro jornal. Haveria sido taxado de herege. Essa foi a liberdade da qual se gozou. Se, por um acaso, um jornal no se encaixa nessa tica, procedia-se com chantagem: de repente no chegavam as provises de papel, ou chegavam inspees de registro etc. As televises no foram excludas dessa submisso, e, do contrrio, um canal podia ser facilmente colocado de escanteio. A chegada de Chvez parte dramaticamente esse equilbrio. Os polticos perdem seu enorme poder e j no podem controlar nada. Todos os planos de enriquecimento desmedido tambm so desmantelados porque as pessoas comuns, que perderam a confiana na classe poltica, por fim, podem v-la com clareza, e, sobretudo, sem a possibilidade, ao menos imediata, de causar-lhes danos. Os anos passados nos cios de Caracas (no de Capua, como Anbal) fizeram perder o contato com o povo; sua liderana acaba, mas ningum se resigna. Comea assim uma luta sem precedentes entre a nova ordem social e o velho mundo, que quer ressuscitar, a todo custo, usando meios lcitos e ilcitos, sobretudo estes ltimos.
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Lembro-me de uma entrevista que Carlos Croes fez na Televn com Carmona Estanga ento presidente da Fedecamaras, em que o futuro golpista dizia: () veja Carlos que, se eu tenho uma casa na praia, j no poderei desfrut-la como eu queira porque o sr. Chvez agora diz que a regio costeira propriedade do Estado! Que absurdas pretenses tinha aquele desgraado presidente! Qui Croes tivesse de informar ao futuro presidente da Venezuela, que poderia muito bem entrar para o livro dos recordes pela presidncia mais curta da histria, que em todo o mundo se sabe, exceto aqui naturalmente, que a regio costeira sempre foi considerada propriedade do Estado. Uma classe muito poderosa aquela sada da Universidade Catlica Andrs Bello Ucab e que ocupa at agora quase todos os espaos da vida pblica, econmica e cultural do pas. Esta casta parece costurada fortemente com a hierarquia da Igreja Catlica e a Opus Dei. Tal universidade muito exclusiva e praticamente fechada para os marginalizados da sociedade. Da Ucab sai quase toda a chamada oligarquia.
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Assembleia Nacional e so ratificadas diretamente pelo presidente. Com essa nova situao os velhos lacaios se veem privados de todos os privilgios adquiridos nos muitos anos de atividade, por assim dizer, lingustica. Agora so tomadas em considerao a profisso, o apego s instituies, carter e personalidade do militar, coisas impensveis alguns anos atrs. Agora os militares podem votar, enquanto antes no podiam, tm novos e bem definidos direitos constitucionais, mas tambm novos deveres, sobretudo com respeito aos direitos humanos. Uma elite de militares de alto escalo, que no se submete a obedecer a um simples tenente-coronel procedente das camadas mais baixas da gentalha e de claros traos indgenas, a que por fim se revolta, trai e se vende a interesses estrangeiros. Em troca, mesmo com todas as manobras, ficam isolados e no conseguem efetuar todas as operaes. Para poder aumentar sua credibilidade e tambm, creio, o nvel das remuneraes que receberam dos velhos e dos novos poderosos, deixaram parecer que o descontentamento dentro das Foras Armadas foi generalizado. Aceitase um mandatrio branco, com olhos e cabelos claros, mas nunca um negro. Parece absurdo, mas essas so as razes que esto criando os mais srios problemas a Chvez. Entre dezembro de 2001 e fevereiro de 2002, pude visitar alguns oficiais de Forte Tiuna, apresentado por um ex-militar italiano. Alguns deles, falando de Chvez, seu presidente e comandante em chefe das Foras Armadas, usavam tons e atitudes de claro desprezo, provavelmente seguros de que o golpe, do qual foram cmplices, o varreria em pouco tempo.
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de leigos, ajudando onde podia. Isso para dizer que no sou anticlerical, ateu e agnstico. Perco as contas do que j vi de bispos e cardeais na Amrica do Sul que sempre gozaram, mais que na Itlia, de inmeros privilgios. As relaes mais estveis sempre foram aquelas estabelecidas com governos de direita e com a classe empresarial. Todas as ideologias que se aproximam da classe trabalhadora so vistas com suspeita. Realmente, os Estados Unidos, onde desde sempre, em nome de uma (no se sabe bem qual) liberdade de pensamento, marcaram e perseguiram os comunistas como inimigos, interna e externamente, convertendo-se em territrio de referncia para os ideais socioeconmicos do alto clero sulamericano. Algum na Itlia h de lembrar que ser comunista significou uma automtica excomunho; impedia-se o acesso s igrejas e no se podia celebrar cerimnias sagradas para esses hereges. No estamos falando da Idade Mdia, mas de algumas dcadas atrs apenas. Se no me engano, foi o papa Joo XXIII que apagou essa vergonha. Mas a Amrica do Sul do outro lado do oceano e contra todos os direitos humanos, de pensamento, de expresso etc. Quem professa ideias diferentes daquelas impostas ao seu tempo visto como um inimigo do capital, da propriedade privada e obviamente da Igreja Catlica. Chvez fala abertamente de socialismo endgeno, torna-se amigo de Fidel Castro, promulga leis de reforma agrria, derruba diversos monoplios, estimula a criao de cooperativas. Para as mentes puritanas est claro, sem sombra de dvida, que o pas est caminhando rumo ao estalinismo-leninismo mais retrgrado e perigoso. Um mundo que aceita passivamente danar a msica dos yankees no pode permitir que sejam tocadas deliberadamente msicas comuns nem a exaltao do nacionalismo em vez da vassalagem, ou valorizar a mestiagem, vista como uma riqueza cultural em lugar de vergonha.
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As populaes indgenas, consideradas pouco mais que animais domsticos, at agora assistidas por misses religiosas e, portanto, sendo apenas objeto de piedade e caridade, com a nova Constituio, so elevadas ao patamar de cidados de primeira classe e as terras nas quais vivem so atribudas aos grupos tnicos e, portanto, protegidas por lei. So terras ricas em ouro, diamantes e metais preciosos e sobre elas avanaram aventureiros e especuladores, alguns disfarados de empresrios, outros disfarados de organizaes evanglicas. Os indgenas tm agora uma representao no parlamento e, pela primeira vez na histria da Venezuela, saem de seu secular isolamento. O governo de Chvez tambm criticado porque est cedendo uma parte do territrio a grupos que nada ho provido ao desenvolvimento da Venezuela. De que lado est a Igreja Catlica? Uma coisa incontestvel: coloca-se contra Chvez em todas as ocasies! Critica a poltica econmica e externa. Critica as polticas educacionais, sanitrias, de ajuda s camadas pobres. Tudo o que Chvez faz est errado, fora de lugar ou de claro vis comunista, enquanto que tudo o que fizeram os velhos chacais foi obviamente timo e abenoado por Deus. Alm de tudo, h vnculos estreitos entre alguns membros pertencentes a Opus Dei e a oficiais do velho regime, como, por exemplo, o general aposentado Rubn Prez Prez, genro do ex-presidente Rafael Caldera. A Opus Dei tambm no foi estranha ao golpe.
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PARTE III
A preparao do golpe
Alguns militares venezuelanos de alto escalo que se encontravam em misso nos Estados Unidos regressaram inesperadamente ptria, e certamente no por solicitao de Chvez. Os EUA reforaram a presena da delegao militar no Forte Tiuna, onde se uniam a militares de diversas foras armadas, sobretudo da Marinha; chegaram agentes da CIA para coordenar atividades, evitar rupturas entre as faces da oposio, fustigar e corromper da melhor maneira os militares dissidentes, organizar a evacuao dos civis dos Estados Unidos caso a situao piorasse, planejar uma eventual interveno militar, fazer o contato entre as unidades navais disposio na rea e tambm evitar mudanas de ltima hora de polticos e da sociedade civil, que receberam muito dinheiro. No se pode frustrar assim tal esbanjamento de recursos. O golpe veio sendo preparado desde os primeiros meses de 2001. A direo cautelosa da CIA comea a dispor os personagens nos seus lugares de combate e onde no possvel infiltrar gente, compra, simplesmente, a cumplicidade de descontentes traidores genticos.
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Lameda. As consequncias das suas atividades perversas puderam ser vistas apenas com o tempo, mas no h dvida sobre o fato de que teve um papel primordial nelas. General de brigada do Exrcito, nasceu em 6 de agosto de 1954 em Barquisimeto, Estado Lara. Frequenta a Academia Militar, da qual sai em 1974, um ano antes de Chvez. Licencia-se em Cincia e Arte Militar em 1978, e, em 1982, licencia-se tambm como engenheiro eltrico na Universidade do Oceano Pacfico na Califrnia. O nome dado a ele por seus pais, Guaicaipuro, o nome do maior heri da resistncia indgena venezuelana contra os conquistadores. Ele mesmo, em uma entrevista, disse que o nome que recebera o havia indicado uma via para tomar na sua vida, como que imitando as virtudes de um grande homem, e disse ter pregado em seu corao o lema honra e ptria; obviamente ele se esqueceu disso muito rpido e reduziu-se s suas ambies. Quando Chvez despede Luis Giusti da presidncia da PDVSA ., em seu lugar nomeia Hctor Ciavaldini. O novo diretor tenta reorganizar a junta de direo para permitir uma anlise da gesto Giusti e, consequentemente, adotar novas medidas, mais de acordo com as exigncias impostas pela nova Constituio. Esta deciso chocou os executivos contra o muro do silncio, pois escondiam detrs de si intrigas inimaginveis. A disputa no iria diminuir com isso Chvez, que para resolver o assunto de uma vez, chama o general Lameda, que j tinha um cargo importante no governo, para dirigir a PDVSA, ressaltando a inteligncia e a capacidade organizativa daquele homem. Isso ocorreu no ms de outubro de 2001. Assim, o general sai definitivamente do anonimato, converte-se em presidente da PDVSA e seu salrio aumenta de maneira inimaginvel para qualquer militar, passando dos dois mil dlares para mais de 20 mil dlares mensais. Estes fatos, alm de faz-lo engordar a carteira, o fazem inchar o peito, como um peru. De repente, v que esto realizando suas ambies, v reconhecidos seus gran-
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des mritos e pensa que havia chegado o momento de comear a dar aulas de economia aos desprevenidos que o circundavam, naturalmente tambm ao tenente-coronel. J desde abril de 2001, a conspirao trabalhou continuamente para colocar as coisas em seu lugar. Personagens de relevo, dentre os quais Quirs Corradi, Caldern Berti e Miguel Henrique Otero, comeam a frequentar a casa de Lameda, ainda mais em ocasies em que o general criticava as aptides do presidente. Evidentemente que Chvez pensava que o general atuava de boa f, confiando em suas qualidades morais de honra e ptria, e, ao final, tudo havia retornado ordem natural das coisas. Mas a inexperincia e a excessiva confiana nos companheiros de armas pregaro nele uma tremenda pea. Convertido causa golpista, naturalmente para maior glria da Venezuela, Lameda comea sua atividade de persuasor oculto e despertador de conscincias, aplicando sua receita a muitos dos que estaro entre os protagonistas do golpe. Assim, leva fila dos traidores o general Efran Vsquez Velazco, e trabalham para lev-lo a ser comandante geral do Exrcito. O mesmo acontece com o general Rosendo, o homem de completa confiana de Chvez. Foi suficiente para corromp-lo dar um emprego sua filha na companhia Intesa, de propriedade de um dos golpistas.
Janeiro de 2002
Nos primeiros dias de janeiro, foi transmitida pelo Canal 8, Venezolana de Televisin, a emissora estatal, a interceptao de uma conversa telefnica. O autoproclamado presidente da CTV, Carlos Ortega, liga para o ex-presidente da Venezuela, fugitivo da justia venezuelana, Carlos Andrs Prez, que se encontra nos Estados Unidos. Que estranho, no? Nesse pas, realmente, sempre so bem acolhidos todos os ladres que escapam de outros pases para eximir-se da justia. O importante que levem com
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eles muito dinheiro, e melhor ainda quando os governos que queriam prend-los no so muito amigos dos EUA. O sr. Ortega deseja feliz ano novo e informa sobre o curso da greve geral que foi organizada em dezembro de 2001, sem muitos xitos. Prez diz a Ortega para que ele se ponha em contato com Carmona Estanga, coisa que soa como uma ordem e Ortega apenas responde ok. Prez encerra a conversa dizendo que desde o ms de dezembro passado o choque frontal. Evidentemente Prez queria devolver o favor a Chvez, o golpe de 4 de fevereiro de 1992, e tambm porque, se cai o governo, o processo contra ele seria apagado, poderia voltar Venezuela e continuar assim seus negcios, o mesmo desejo dos foragidos cubanos da Flrida (mas claro que com destino a Cuba). Prez tambm foi um dos financiadores do golpe. O grupo Cisneros, uma das famlias venezuelanas com investimentos em meio mundo, foi outra fonte de recursos. Este grupo proprietrio de um vasto imprio na Amrica do Sul, como as plantas industriais da Coca-Cola e Telecel (Oswaldo Cisneros), jornais e emissoras de televiso como a DirecTV, Venevisin e Televisa (Gustavo Cisneros). Gustavo Cisneros ento o proprietrio da Venevisin e tambm quis ser presidente da Venezuela, uma vez concluda positivamente a aventura Carmona. Os banqueiros venezuelanos, que quando seus bancos quebraram haviam fugido para Miami levando os frutos de seu trabalho, mais de 13 milhes de dlares, tambm so atores importantes. A essa altura, a oligarquia no tem dvidas sobre o que ter de ocorrer. A tcnica aquela experimentada pela CIA no Chile quando eliminaram Allende: greve geral indefinida sustentada pelos empresrios e derivados, crise poltica e social inevitvel, interveno dos militares e imposio de um governo pseudodemocrata, melhor ainda se ditatorial. Uma greve geral
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indefinida no pode ser suportada por aqueles que no tm recursos prprios como a grande maioria da populao. Enquanto os ricos s sofreriam uma pequena perda de recursos, que seriam recuperados em seguida, por sua vez, s pessoas comuns faltaria o essencial: gua, mantimentos e remdios. A Igreja Catlica, nas figuras de seus representantes mximos e de quase todos os membros da Conferncia Episcopal Venezuelana, puseram todos os empecilhos possveis candidatura de Chvez. Sucessivamente se empenharam em sermes, declaraes pblicas, homilias e tudo o que estava ao seu alcance para defender a tese da oposio e evitar a concretizao da nova Constituio. Chvez, tendo assumido o poder, procura continuamente um dilogo com a Igreja e para demonstrar sua boa vontade concorda em continuar a financiar a Igreja Catlica, tal como fizeram os governos anteriores, com muitos milhes de dlares a cada ano. Inclusive estava disposto a aumentar esse montante, desde que fosse destinado s obras sociais para o sustento dos mais necessitados. Mas Sim, sempre h um mas no meio do caminho. Mas Chvez adianta uma estranha pretenso que condicionaria o dispndio desses fundos. Imaginem que ele exige inclusive saber como sero gastos e onde e como sero utilizados os financiamentos pblicos. Por fim o que ele quer reduo de contas. Oh, Cus! Nunca antes ningum ultrajou tanto o clero local! Chvez, que sempre se declarara catlico praticante, corre o risco de excomunho! Alm de tudo, o governo estabelece que o Ministrio da Educao deve definir os programas que tm que ser vlidos para todas as escolas pblicas e privadas, visto que, at aquele momento, cada escola aplicava o programa que lhe conviesse. O clero, que possui, na Venezuela, alm das melhores escolas privadas, tambm um grande nmero de escolas pblicas, no pode aceitar que o governo meta o nariz em coisas que no deveriam interess-
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lo. Pensem por um momento no que aconteceria se na Itlia algum cardeal se arriscasse a pensar uma resposta desse tipo. Quando perguntei o parecer de alguns amigos venezuelanos, professores em escolas catlicas, responderam-me que o governo tinha a inteno de criar escolas anticlericais, que iriam doutrinar os jovens ao comunismo de tipo cubano, hostil Igreja. Eu respondi que sempre haveriam as escolas privadas onde poderiam aplicar novos programas ou integrar os programas estatais com matrias mais idneas. A resposta me deixou bastante perplexo: () sim, mas se a Igreja tem que prestar contas de como vai gastar o dinheiro ao Estado ela enormemente limitada. Qui se referia ao fato de que cardeais, bispos e altos prelados na Venezuela sempre viveram no luxo, descansam seus cansados corpos por algumas semanas em hotis cinco estrelas, usam os meios de transportes militares ou da PDVSA para locomover-se (carros de luxo e avies) e no pagam por nada obviamente. No fundo, trata-se sempre ou de dinheiro ou de poder, ou de ambos. At o fim de janeiro ento, a Igreja Catlica se declarou abertamente hostil a Chvez e, para no deixar dvida sobre suas ideias polticas, barra qualquer dilogo com o condenado, amigo de Fidel Castro, e abraa sem reservas a causa dos opositores. Mesmo que essa sempre tivesse sido sua atitude, nesse momento atua abertamente para atrair o maior nmero de catlicos sua justa e sagrada causa golpista. Quase uma cruzada.
Fevereiro de 2002
Nos primeiros anos da presidncia de Chvez, em 2000, o embaixador dos EUA na Venezuela, John Meisto, foi substitudo por Donna Hrinak. Ficou evidente que a senhora, segundo uma escala de valores particular do Pentgono, no estava altura das conspiraes que requeria Washington, e evidentemente no teve suficiente descaramento, coisa que haveria sido necessria para
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preparar a expulso de Chvez. Depois que os EUA iniciaram os bombardeios no Afeganisto, apareceram as primeiras fotos dos efeitos colaterais, nobre expresso para indicar a matana de mulheres e crianas. Infelizmente, e h vrios anos, estamos nos acostumando a v-los como acontecimentos normais. Mesmo que a guerra ao Talib fosse de conhecimento de todo o mundo, nem todos puderam aceitar passivamente as inteis matanas, e, assim, Chvez fez uma declarao pblica na qual estigmatizou os Estados Unidos por tais fatos. O chefe dos donos do planeta Terra teve momentos de desconcerto e surpresa. Como ousa aquele verme ofender o reino e o rei de tal forma? Era necessrio repreend-lo e, em seguida, coloc-lo no seu devido lugar. Assim, Washington mandou a Donna Hrinak uma ordem peremptria de apresentar-se a Chvez e ler a ele uma carta de protesto e reprovao. Vejam bem, no ordenaram que entregasse a carta, mas que a lesse ao presidente e a levasse embora, imagino. Ou ento, como nos ensina Hollywood, tiveram que agregar carta algum aparato de autodestruio ou mesmo ordenar pobre Hrinak que a engolisse. Agora no resta outra coisa embaixadora seno obedecer. Desse modo ela pede uma audincia privada com o presidente da Repblica Bolivariana da Venezuela e ele a recebe em seu escritrio em Miraflores. A embaixadora l a carta e, lida a ltima palavra, o presidente, em tom srio e formal, lembra a ela que est falando com o presidente da Venezuela, onde os EUA no tm jurisdio, e, para concluir, convidada a sair imediatamente de seu escritrio e que voltasse somente quando tivesse bem claro o modo de dirigir-se ao presidente de um pas independente. A pobre embaixadora, confusa e deslocada, se desculpa e se despede. A partir desse momento, Donna Hrinak j no um elemento de confiana para o governo dos EUA, j que ela protestara at a histeria com o prprio governo e tambm porque, desde ento, comea a simpatizar com o odiado Chvez.
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Os acontecimentos chegam ao seu eplogo e se inicia a srie de declaraes dos altos oficiais deslegitimando democraticamente o governo de Chvez. Nessa fase declamam um por vez, seja para dar maior nfase ao discurso poltico, seja para manter desperta e concentrada a opinio pblica. As pessoas teriam de crer que, de um primeiro ncleo de militares dissidentes, lentamente todas as Foras Armadas se rebelavam contra um governo que estava levando o pas a um obscurantismo de outros tempos, em direo ao castro-comunismo. Mas talvez tambm tenha havido uma causa no muito ideolgica ou patritica entre as motivaes desses altos oficiais, j que os EUA financiaram a campanha com 20 milhes de dlares, ao menos at 2002, e, sucessivamente, com uma contribuio causa da democracia de mais de 60 milhes de dlares at 2004. E as coisas no terminam por aqui! Os EUA se comportam como um bom jogador de loteria que aposta sobre a extrao de determinado nmero: para recuperar as apostas perdidas, cada semana duplica a aposta! No dia 7, Pedro Sota, coronel da Aviao, aparece na televiso e pede a Chvez que renuncie a seu mandato. Todos os meios de comunicao da oposio transmitem ao mesmo tempo o acontecimento, com comentrios e entrevistas a militares, comentaristas especialistas no importava em que, mas especialistas. Ningum pensa que algo casual, e sim que algo programado. O coronel quase elevado honra dos altares e se converte em heri nacional por alguns dias, exatamente at o dia 18 do mesmo ms. Depois da Aviao, vem a Marinha. No se sabe se a ordem de apario desses militares foi determinada por alguma lgica mais ou menos perversa, sugerida pela CIA, ou foram apenas organizadas aleatoriamente para no privilegiar ningum. O locutor da vez, no dia 18, Carlos Molina Tamayo, um vice-almirante obviamente da Marinha. Ele assegura que a relao com Cuba e o consequente distanciamento do amvel abrao materno de estrelas e tiras est colocando o pas
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em enormes riscos, e que, portanto, seria oportuno que Chvez renunciasse pacificamente e acabasse assim com o incmodo da sua presena. Sobre este personagem h que dizer que, at a chegada de Chvez, havia se ocupado da aquisio de armas e munio dos EUA, obviamente, por parte das foras armadas venezuelanas. Como todo moo respeitvel, ele sempre atuou pelos interesses da ptria e, nunca mais, por interesses pessoais. Deus nos salve disso! Infelizmente pra ele, Chvez bloqueia todos os gastos, militares e no militares, incluindo aqueles referentes compra de modernos armamentos ligeiros e munies. Antes de qualquer nova aquisio, Chvez exige estar ciente de tudo. Isaac Prez Recao um jovem filho da nobre estirpe que recebera um patrimnio de um bilho de dlares, dentre o qual est a empresa petrolfera Venoco. primo daquele Juan Pablo Prez Alfonso, fundador da Opep, ministro de Minas nos tempos de Betancourt. Recao agora vende armas, atua como intermedirio nos EUA e estranhamente ntimo amigo do vice-almirante. Os casos da vida Com a deciso do governo atual os dois se veem, obviamente, privados dos fartos ganhos. Deixo-os imaginar o quanto esse pesado acontecimento elevou o grau de apego democracia e de dio ao castro-comunismo do nosso atual heri. Mas h ainda outra circunstncia curiosa envolvendo Isaac Prez Recao, que, repito, proprietrio da sociedade petrolfera Venoco: Pedro Carmona Estanga foi funcionrio desta empresa. Um empregado seu, por fim. Em 18 de fevereiro de 2002 o vice-almirante Carlos Molina Tamayo e o coronel Pedro Soto recebem a soma de 200 mil dlares de uma entidade estatal estadunidense atravs de um depsito feito em um banco de Miami, como antecipao para encaminhar as operaes contra Hugo Chvez. Um ganho justo pelas suas declaraes pblicas, no? Washington decide substituir antes do tempo previsto a embaixadora Donna Hrinak, por motivos evidentes. Depois de uma atenta seleo de meses, o escolhido foi Charles S.
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Shapiro, que oferecia todas as garantias em questo para ajudar a oposio a se livrar de Chvez. A chegada de Shapiro, em 25 de fevereiro, no passa desapercebida, e entre os fiis de Chvez h certa inquietude. J est claro que havia um golpe em preparao, mas o inexperiente grupo das novas estruturas polticas no consegue localizar nem prevenir o inevitvel. Shapiro j tinha mais de 20 anos na Amrica do Sul, mas um precedente realmente alarmante o fato de que ele fora assessor militar da embaixada dos EUA no Chile durante o golpe contra Salvador Allende; com essa experincia no currculo, quem melhor poderia assessorar a oposio? O golpe, de fato, ocorrer com uma sequncia de acontecimentos exatamente iguais, estranha coincidncia, aos que ocorreram no Chile em 11 de setembro de 1973. Parece que o dia 11 tem um valor mgico e negativo para a CIA: 11 de setembro de 1973, 11 de setembro de 2001, 11 de abril de 2002. Esperamos para saber qual ser o prximo. Enquanto isso eram intensificados os contatos entre os membros do grupo operativo do qual fazia parte Carlos Ortega, Isaac Prez Recao, Molina e outros militares, e, naturalmente, Pedro Carmona Estanga, que mais tarde seria chamado de o tonto til.
Maro de 2002
No dia 5 de maro, perto da sede da Conferncia Episcopal Venezuelana, houve uma espcie de conselho entre os responsveis do iminente golpe, isto , a CTV e a Fedecmaras. Os meios de comunicao se limitaram organizao e difuso miditica do evento.
3. A trade
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Ao final dessa reunio, foi emitido um comunicado no qual eram colocadas as bases de um governo de transio, dando por certa a sada de Chvez. Em um pas onde vrias eleies polticas definiram de modo inequvoco a vontade popular, uma minoria se deu o direito de ditar a sorte do pas em nome de um conceito de democracia que se parecia mais com um regime nazifascista. Deste documento, extrairei os pontos mais significativos:
A superao da pobreza, cuja gravidade no afeta apenas as suas vtimas, mas tambm o respeito do pas, no tem que ser vista como uma consequncia, e sim como um propsito concreto, o principal objetivo e marco moral de um empenho de toda a Repblica.
Depois de 40 anos de democracia... colonial, redescobre-se nos opressores de sempre o sentido social e a solidariedade! Mas sigamos.
A criao de novos postos de trabalho, o crescimento contnuo dos salrios, o aumento da produo, a produtividade pblica e privada, a competitividade e a responsabilidade cidad, so indispensveis para aproximarmo-nos como sociedade do alcance de metas legtimas e realistas.
Estas bonitas palavras abrem o corao esperana! Mas o que querem dizer?
Por tudo isso pareceu indispensvel um acordo entre as organizaes mais representativas dos trabalhadores (CTV) e dos empresrios. Este acordo tem que penetrar e expressar o sentimento da maioria dos trabalhadores e empresrios e no deve serparar-se em nvel de gesto. Agradecemos Igreja [Catlica] por sua presena como fora espiritual e aval moral, como defensora dos pobres [!] e elemento que facilita o dilogo entre os muitos setores sociais.
Forma elegante para expressar uma magnfica hipocrisia. Melhor se tivessem identificado, para maior clareza, os muitos
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setores sociais, como clero, nobreza e terceiro Estado! E a gentalha? E os chamados marginais? Quando foram consultados seriamente em um dilogo? E agora a pea forte.
Necessitamos de investigaes e dos aportes mais recentes de que dispe o mundo acadmico. Por isso pedimos a participao do mundo acadmico na formao de grupos de trabalho com os melhores talentos e estudiosos em muitos centros de educao superior.
Isso poderia ser verdade em uma sociedade na qual o acesso educao fosse igual a todos, mas, certamente, esse pas idlico no era a Venezuela de 2001, onde aos pobres foi, de fato, impedido o acesso universidade. Ento o que quer dizer esse discurso? Simplesmente que o pas tem que voltar a ser conduzido pelos iluminados da oligarquia, sobretudo a que sara com um bonito diploma de uma universidade catlica, como a Universidade Catlica Andrs Bello, a Ucab.
Os meios de comunicao social so vozes vigilantes do trabalho do governo e da vida privada e, na prtica, constituem um grande fator de socializao poltica. Hoje esto desempenhando corajosamente um papel central na formao da conscincia crtica da sociedade. Na tarefa de construo do futuro, muito mais do que a denncia, necessria uma viso compartilhada dos objetivos comuns nacionais, assim como a estratgia para alcan-los.
Ali est a futura glria das quatro TVs irms. Em nenhum pas do mundo eu havia visto um emprego to desleal dos meios de comunicao como na Venezuela, onde, em nome de uma muito abusada liberdade de imprensa, permitido mentir, caluniar impunemente e incitar a violncia. Na Venezuela, a apologia aos crimes o esporte preferido da oposio e todos eles se sentem no dever de difundir golpes e atentados como se fossem brincadeiras de criana.
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A VTV e Fedecmaras, organizadores deste trabalho, esto conscientes de que o resultado do acordo ir ser colocado a servio de todos, sem sectarismos, e valorizar o papel de cada um sem tratar de substitu-lo.
Esta parece a reedio da velha Constituio, a de Punto Fijo! Todos juntos, apaixonadamente. E agora vemos quais foram os dez pontos do acordo, o declogo do sculo 21. O novo governo de transio deveria atuar sobre esses dez pontos; Chvez, obviamente, j est fora do jogo. A superao da pobreza. As ideias que esto nesse captulo so no fundo as mesmas do programa social do Chvez, com a diferena de que o presidente, alm de s falar, est colocando em prtica as tticas, as estratgias e o poder (econmico) necessrios para alcanar o mais brevemente possvel esse objetivo. Na viso carmoniana, o emprego deve ser conseguido facilitando-se os investimentos, sobretudo estrangeiros, enquanto Chvez opta por um desenvolvimento interno das tecnologias e da produo, para tornar a Venezuela totalmente independente das atvicas sujeies. Planos de incluso e unidade nacional. como dizer: nos entreguem a PDVSA! H que ser civil, democrtico e constitucional. Mas adianta-se que a nova Constituio, a vigente, dever ser radicalmente modificada. Sero definidas as bases dos novos partidos polticos, expressando uma renovao da CTV e Fedecmaras, para devolver s duas organizaes pensem gente, pensem mais democracia! H que ser pacfico e tolerante. Renegam-se todas as formas de violncia ( oligarquia, imagino). As Foras Armadas e seu papel. Outro retrocesso velha Constituio. Eficincia, produtividade e transparncia da poltica pblica. A reforma institucional ser radical e orientada a informar ao povo; os excludos no so e nunca foram considerados povo. Equilbrio e complementaridade entre Estado e sociedade.
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Capital, trabalho e consumidores. Volta com toda fora os preceitos neoliberais, como dizem as palavras de uma cano italiana: () come prima, pi di prima (), que quer dizer, como antes, mais do que antes. Construir um verdadeiro acordo. E dulcis in fundo [depois do purgatrio a redeno latim]:
(...) convidamos a Igreja Catlica e os muitos grupos religiosos (Opus Dei e outros do gnero) para que nos tragam o melhor de sua inspirao espiritual. Invocamos Deus para que proteja o pas e nos d fora, constncia, sabedoria e prudncia para alcanar com unio todos os objetivos planejados. Temos a certeza de que, unidos e sem sectarismo, poderemos alcan-los.
lamentvel que de todos esses nobres propsitos nenhum deles tenha sido aplicado. O objetivo real era eliminar Chvez e todas as suas obras, voltando a 1998, o restante era pura demagogia. Mas o que tm em comum os trs que, de mos dadas, esto desencadeando uma srie de acontecimentos dramticos e desastrosos? Carlos Ortega um ex-trabalhador que se envolveu em um ambiente de tipo mafioso, organizando as cpulas sindicais de maneira que pudesse chantagear a PDVSA e aos empresrios. Os empresrios, por sua vez, preferiram comprar poucos sindicalistas que pagar o que deviam aos trabalhadores. Alm disso, conseguiu rentveis contatos com Carlos Andrs Prez e as organizaes estadunidenses interessadas no golpe, e esto colocando nos seus bolsos muitos milhes. Pedro Carmona Estanga, presidente da Fedecmaras, ex-funcionrio da Venoco, indstria petrolfera da famlia Recao. Os dois, ambos bastante mesquinhos, tm em comum uma desmedida ambio e muita sede, sede de dlares, na minha viso. Justamente por essas duas qualidades que os verdadeiros regentes da orquestra golpista puderam aproveitar-se deles, j que buscavam quem se
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expusesse em seu lugar, assumindo os riscos intrnsecos a uma ao desse porte; e permanecendo eles, os verdadeiros donos, em local seguro. Difceis de entender so as motivaes do monsenhor. Sero as mesmas que empurraram Ricardo Corao de Leo a organizar as cruzadas contra os infiis? Com muita pena confesso que nunca consegui encontrar nada de nobre ou ao menos aceitvel em suas aes. Num outro dia, a embaixada dos EUA em Caracas enviou um cabograma a Washington, CIA, DEA (Administrao de Represso s Drogas), ao NSC (Conselho Nacional de Segurana) e a outras entidades. O ttulo do cabograma foi mais ou menos esse: os sindicatos, o setor empresarial e a Igreja Catlica anunciam um pacto de transio. E o texto era o seguinte:
A sociedade que conta na Venezuela se reuniu no dia 5 de maro para escutar os representantes da CTV (Confederao dos Trabalhadores Venezuelanos), da Federao das Cmaras de Comrcio e os altos representantes da Igreja Catlica como representantes das correspondentes categorias, por um acordo democrtico [o que foi decidido por um grupelho pode ser chamado de democrtico?] e estabeleceram dez princpios sob os quais ser regido o governo de transio, depois de Chvez. Esse acordo representa um passo importante para a oposio que sempre condenou Chvez, mas que at agora no havia tomado nenhuma posio coerente.
At aquele momento o governo dos EUA investira muitos milhes de dlares para financiar os partidos da oposio, a CTV e algumas organizaes da assim chamada sociedade civil, e agora comeava a ver os frutos. O NED, Fundao Nacional para a Democracia, foi e ainda bastante ativo, conseguindo fundos e assegurando os contatos entre os mandantes estadunidenses e os executores venezuelanos. O empenho financeiro sustentado pelos Estados Unidos para eliminar Chvez foi de mais
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de 20 milhes de dlares at 2003, pagos aos opositores. Estas cifras so reais e provas podem ser encontradas em documentos oficiais dos EUA que vieram a pblico. Intensificaram-se as reunies dos membros principais e muitas delas eram realizadas na casa de Isaac Prez Recao. Foi ele quem imps as condies, estabeleceu os papis de cada um e entregou o papel de presidente da nova junta a Pedro Carmona. Este ltimo no foi o nico a representar o tonto til porque tambm Carlos Ortega e companhia acabaram por exercer o mesmo papel. Certamente o bilionrio, com contatos nos altos cargos do Departamento de Estado, no Vaticano e na Opus Dei, amigo dos Cisneros e de grande parte dos infinitos venezuelanos em Miami, no tinha nenhuma inteno de dividir as honras e os frutos do seu trabalho com a gentalha a que, ao fim e ao cabo, pertenciam Carlos Ortega e seus scios. Assim comeam as discordncias sobre a repartio do bolo e os membros da CTV so acalmados com promessas genricas.
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espanhol, alm de visitar tambm a associao de editores. Que haver dito ele? Naquela ocasio, o porta-voz do CEV foi o padre Mikel de Viana, um dos mais extrovertidos e decididos depreciadores de Chvez. Um intelectual.
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ria muita imaginao para localizar tais notveis como as mesmas pessoas a que Guaicaipuro Lameda e Rosendo haviam manipulado. Visto que, sobre essa questo, Baduel era irredutvel e se mantinha fiel aos princpios constitucionais, experimentaram outros recusos para tir-lo de seu posto de alguma forma, o que felizmente no ocorreu. Outro fato sintomtico ocorreu no hotel Meli de Caracas, pela noite, onde houve uma festa oficial, organizada pelo corpo diplomtico, para saudar a um adido militar chins que, concludo seu mandato, iria repatriar-se. Estiveram tambm presentes alguns dos adidos militares das outras misses diplomticas. Durante a festa ocorreu uma coisa estranha, no momento no avaliada como merecia, mas, depois, a luz dos fatos serviu para clarear os acontecimentos. Nessas festas, como costume, o usque farto e todos terminam muito alegres e diplomticos. Renem-se em grupinhos onde fazem os mais diversos comentrios, trocam informaes inteis sobre comidas e bebidas, fala-se de mulheres etc. Com isso, e tratando-se de um ambiente diplomtico, sempre h a suspeita de que esto ali espies e servios secretos, como bem nos ensinam os filmes de James Bond e, nesse caso, de fato podem ocorrer coisas assim Entre os personagens que estavam na exclusiva e luxuosa sala do hotel estava tambm um oficial da Marinha dos EUA, David Cezares, adido militar da embaixada dos Estados Unidos. Na Venezuela h o costume de se utilizar, como sobrenome, o paterno seguido do materno, mas os oficiais levam sobre sua roupa, como identificao, uma etiqueta dourada (ou de bronze) apenas com o sobrenome paterno. Um dos oficiais do alto escalo que teve uma parte ativa notvel, seja na organizao ou na execuo do golpe, foi o general Nstor Gonzles Gonzles, de me e pai com o mesmo sobrenome. Bastante alto, careca, com um currculo militar respeitado por haver servido o seu pas por mais de 30 anos sob diversos presidentes, dentre os quais Car-
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los Andrs Prez y Rafael Caldera. Sob a presidncia do odiado Chvez, um pobre ex-tenente-coronel que agora se convertera em seu comandante em chefe, tinha o cargo de diretor do pessoal militar e comandante de todas as escolas do Exrcito, enquanto, segundo ele, merecia outra classe de honras. Por casualidade, naquela tarde, este senhor esteve ausente, no pde participar do acontecimento, perdendo, assim, os abundantes tragos. Por outro lado, esteve presente outro general, exatamente o general Roberto Gonzles Crdenas, e obviamente seu crach de identificao levava apenas o nome de Gonzles. Ironias do destino, este tambm calvo, mais ou menos alto como o outro Gonzles e quase da mesma idade, s que esse general no tem relao nenhuma com o golpe. Ento, o pobre David Cezares, com seu copo de usque em mos, vai falar com o Gonzles errado. calvo, veste uniforme de general do Exrcito, a etiqueta mostra Gonzles, portanto ele! Aproximando-se como se no quisesse ser visto, casual e sorridentemente, mas com tom bastante aborrecido, dirige-se ao Gonzles mais ou menos nesses termos:
Por que no fez contato ainda com os barcos deslocados nas costas do pas? E com o submarino no fundo em frente ao La Guaira? O que est acontecendo? Por que ningum apareceu ainda? possvel saber o que esto esperando?
Imaginem a surpresa do pobre Roberto! Teve que pensar que era uma piada ou mesmo que o bom David estava embriagado. Foi salvo por um adido militar brasileiro que se aproximou para cumpriment-lo enquanto j se retirava da festa. David Cezares se d conta da reao bastante surpresa do general e desconfia de que havia metido os ps pelas mos Para tratar de ter certeza do engano, dirige-se ao capito Moreno Leal, da Marinha venezuelana, o primeiro que v, e pergunta, indicando o general Gonzles: Me desculpe, aquele homem o general Gonzles, o mesmo que prestou servio na zona
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fronteiria com a Colmbia? E o capito Moreno responde: Sim, ele mesmo, o general Gonzles, mas no sei onde prestou servio. Convencido, portanto, de que aquele era o seu Gonzles, entre uma volta e outra, tratando de no chamar ateno, continua a interrogar Roberto, que no sabe como reagir. Depois da ensima demanda de saber por que ainda no haviam feito nenhum contato, o general respondeu, muito diplomaticamente: Averiguarei. Saindo da festa, os dois se encontram uma vez mais no elevador e David Cezares diz: General, tudo isso tem um custo operativo. Espero uma resposta sua. E o pobre David estava convencido de que Nstor Gonzles Gonzles se fizera de distrado por algum motivo, enquanto o general venezuelano tinha a certeza de que o estadunidense, completamente bbado, acreditava ser o James Bond. Anos depois, exatamente em 4 de maio de 2003, no ltima Notcia, um jornal de Caracas, apareceu essa histria, e em seguida o James Bons-David Cezares, que ainda estava na Venezuela, foi rapidamente tirado de seu posto e enviado ao Chile.
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ptria, visita uma casa de costura de artigos militares e retira a faixa presidencial que encomendara com a sua medida j h vrios dias! Ele previa vesti-la o quanto antes! Nesse momento, a Venevisin se converte em centro nevrlgico e quartel general dos golpistas. O jornalista Nelson Bocaranda instalado permanentemente na estao televisiva, cujos executivos pedem OEA que proba a exibio do presidente em cadeia nacional, j que esse seria o nico recurso do governo para fazer chegar sua voz a todo o pas. O Canal 8 no tinha cobertura 100% e as quatro TVs irms s transmitiam o que pudesse degradar a imagem do governo. O general Nstor Gonzlez Gonzlez entra em cena e faz uma declarao bastante pesada contra Chvez, aludindo marcha e dando pressgios de iminentes acontecimentos decisivos no pas. Esta declarao teve o objetivo de obrigar o presidente a ficar na Venezuela e evitar sua sada para a Cimeira do Rio na Costa Rica. A ausncia do presidente teria frustrado o plano que tinham, que previa, como desfecho, a renncia obrigatria do presidente Chvez. O plano preparado com a assessoria de Francisco Arias Crdenas, consegue o objetivo estabelecido. O presidente no pode sair do pas, e esse ato daria a impresso de uma fuga, ou, no mnimo, daria a impresso de estar eximindo-se de sua responsabilidade. Outro acontecimento averiguado durante a noite. A oposio organizou uma manifestao em Chuao, em Caracas, diante da sede dos escritrios da PDVSA. De um palanque, os dirigentes polticos se alternavam, discursando multido e instigavam-na aos direitos do 11 de abril. Uma das animadoras mais fervorosas desta manifestao foi, sem dvida, a dra. Ruth Capriles Mendez, pesquisadora e assessora em metodologia, membro da rede de coordenadores da Universidade Catlica Andrs Bello, em Caracas. A Ucab mais uma vez. Dessa universidade, querida da Opus Dei e administrada
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pelos jesutas, saem a maioria dos atores do golpe, como os membros do partido Primeiro Justia e os mais importantes personagens da vida pblica e cultural venezuelana. Da Ucab se ramificam os fios invisveis que conectam toda a oligarquia venezuelana com o Departamento de Estado dos EUA e com a CIA. Todos eles tinham, e ainda tm, os mesmos objetivos: evitar que o socialismo se instale na Amrica do Sul e cuidar para que a extrema direita siga administrando os governos do continente. Ruth, contudo, autora de muitos livros sobre a corrupo na Venezuela, no me parece que em algum momento tenha se descabelado pela ampla corrupo no pas at a chegada de Chvez Presidncia. A estrutura dos observadores da Ucab tem como lema favorecer a busca da verdade no campo jurdico por meio da pesquisa, realizando, assim, o objetivo essencial da Universidade Andrs Bello. Muito bonito, no? Em julho de 2001, Ruth publica um longo artigo na revista Probidad, no qual sustenta que com a nova Constituio, com poucos meses de vida, todos se sentiro desorientados e no haver maneira de lutar contra a corrupo, enquanto at o ano de 1998 Faz parte da direo da Associao Venezuelana de Sociologia e presidente da Sociedade Venzuelana de Sociologia do Direito. Por fim, uma intelectual de alto nvel. A senhora Ruth Capriles Mendez, numa determinada hora da noite, em torno das 19h30, quando os nimos ainda estavam quentes, diz, textualmente, essas palavras que puderam ser escutadas ao vivo por uma transmisso televisiva: () os jovens me informaram que esto saindo da embaixada de Cuba armados. Que da embaixada de Cuba esto saindo maletas pretas com armas. No queremos violncia (). Palavras ditas em tom enftico e alarmado. Sem dvida uma boa atriz. E vejam, por volta das 22h da mesma noite, desconhecidos lanam um coquetel molotov contra a porta da embaixada cubana!
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A jornalista de uma das quatro TVs irms que naquele momento estava transmitindo o acontecimento, retoma em seguida com estas palavras, tambm textualmente: () durante a tarde estavam transportando grandes maletas. Muitas pessoas entraram na embaixada cubana e esto saindo levando maletas muito grandes, pretas, como se transportassem armas. Agora se encaixavam outras peas. Apresentava-se opinio pblica um quadro alarmante de violncia. Os simpatizantes de Chvez estariam se armando, preparando-se portanto para responder com violncia marcha pacfica que aconteceria em poucos dias. Foram vozes descaradamente falsas porque no eram, seguramente, armas o que faltava ao governo no haveria necessidade de abastecer-se na embaixada cubana. Mas com isso, envolveuse Cuba na histria, em agradecimento pelas ajudas financeiras indubitavelmente enviadas pelos expatriados cubanos em Miami, e preparava-se as ruas para a violncia dos dias seguintes. Mas a frase mais impactante pronunciada por essa senhora, gritada com furor, foi: () nunca vou engolir um presidente negro! De fato Chvez tem traos de um verdadeiro venezuelano, no podemos negar. A Venevisin aluga, com documentos e recibo de pagamento, a cobertura de um edifcio nos arredores de Miraflores, de onde se tinha uma ampla vista da Avenida Urdaneta y Baralt. Nessa cobertura sero colocadas as cmeras que acompanhariam ao vivo os acontecimentos de 11 de abril. Evidentemente a Venevisin tinha certeza de que a marcha j havia chegado queles lados.
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trio da PDVSA, no pode e no deve exercer nenhum direito sobre a organizao, a gesto e o controle da empresa (que deveria seguir sendo administrada como sempre foi), e sim, agir como os governos anteriores que nunca puderam (ou no quiseram) realizar auditorias. Mesmo que os custos de gesto superassem em 65% o ingresso, enquanto todas as sociedades petrolferas existentes no planeta tenham custos inferiores a 35%, a direo no deve ser trocada! Para ns, pobres mortais, difcil entender de qual meritocracia esto falando. J h alguns dias, as quatro TVs irms martelavam 24h sobre o mesmo tema: nem um passo atrs; todos marcha pela liberdade, pela democracia, pela meritocracia etc.. As entrevistas com gente da oposio se multiplicam, de Chvez no se fala a no ser em sentido negativo e a sinfonia golpista para o "crescendo" final. Todos os discursos da oposio tiveram como finalidade a renncia de Chvez. Todos os golpistas insistiram que, pelo bem do pas, ele deveria, sem delongas, livr-los da sua incmoda presena. As ameaas mais ou menos evidentes dos dias anteriores ficam muito explcitas. As entrevistas a especialistas e afins so contnuas e se assiste, assim, ao desfile de corruptos e traidores velhos e novos que, com pesar que o dramatismo dos acontecimentos revela, mostram ao pas sua melhor luz patritica. S que toda essa gente teria melhor se apresentado se envolta na bandeira de estrelas e tiras. Assim desfilam Luis Manuel Miquilena Hernndez, ex-amigo de Chvez, que se amarga pelo fato de seu ex-pupilo no ter aceitado os seus sbios conselhos, isto , trair o povo e colocar-se em acordo com os ladres de sempre. Esta controvertida figura de mais de 80 anos se disfarou de bolivariano revolucionrio, atuando, de fato, no melhor estilo dos velhos polticos. Apegouse a Chvez nos tempos de sua recluso em funo do golpe de 4 de fevereiro de 1992, e, aproveitando a grande estima e con-
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fiana de Chvez por ele, o traiu sem nenhum escrpulo. Brigou muito para colocar no Tribunal Supremo figuras de ideologia antibolivariana, de sua exclusiva confiana, e associou-se com Tobas Carrero no Multinacional de Seguros, utilizando depois a sua influncia para repassar a esta companhia aplices de seguro de alguns servios do Estado, ganhando muitos dlares. Por essa operao foi processado por trfico de influncias e conseguiu safar-se impunemente. No ms de dezembro de 2001, o senhor Luis Miquilena viaja aos Estados Unidos para um controle mdico bastante improvvel, que escondia outros objetivos. Naquele tempo ocupava o cargo de ministro do Interior e Justia. No seu retorno dos EUA, vai a Miraflores e diz a Chvez que chegou o momento de parar de refletir o porqu das leis promulgadas estarem gerando conflitos, que estava na hora de voltar atrs e anular a maioria delas. Essa mudana repentina foi a razo pela qual Chvez pede a ele que se afaste da revoluo e deixe seus cargos polticos. evidente que Luis Miquilena se assustou pelo que j havia sido avisado nos EUA. O amigo, quase pai, torna-se, nesse momento, inimigo de Chvez, cuja culpa foi a coerncia. Tambm marcamos entre os novos inimigos o gordo constitucionalista Hermn Escarr, um jurista e constitucionalista que num primeiro momento apoiou Chvez e depois, aprovada a nova Constituio, mudou de time, sem dvida porque no se sentiu suficientemente recompensado. Com seu linguajar refinado, repleto de termos legais, tratou de montar uma tese de inconstitucionalidade e ilegalidade das leis promulgadas. No pde faltar o parecer dos oficiais golpistas, que exaltaram uma ptria deteriorada por aquele estpido, ignorante e totalmente incapaz comandante em chefe, que demonstrou, em todas as esferas, ser pura e simplesmente um ex-tenente-coronel. Depois vm os comentaristas e jornalistas como a famlia Poleo; Rafael, o pai, e Patrcia, a filha; que se lanam a desmedidos elogios aos militares rebeldes. Rafael Poleo foi uma espcie de
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agente da CIA nos anos de 1970, e diz-se que ainda recebem dinheiro do rgo. A greve em marcha e todas estas declaraes de guerra colocam o governo em estado de alerta, mas ele, de fato, no consegue tomar as medidas necessrias e eficazes, limitandose a, por volta das 12h30, colocar a polcia em estado de alerta. Qualquer dos governos anteriores, muito queridos dos EUA, e a alta hierarquia da Igreja Catlica, haveria usado as Foras Armadas para reprimir com sangue cada tentativa golpista. Talvez equivocando-se, Chvez no quis usar as armas contra as pessoas inermes, fiel a um lema seu, citando Simn Bolvar: maldito seja o soldado que usa as armas da Ptria contra o povo. Pressionada pelos acontecimentos, a CTV, com Carlos Ortega em primeiro plano, e cada vez mais quixotesco, acompanhado sempre de Manuel Cova e semelhantes, contando tambm com a presena de Pedro Carmona, ameaa declarar greve indefinida se continuassem as agresses inexistentes, por sua vez contra os manifestantes. So 13h. Referem-se a episdios onde os grevistas queimavam pneus e erguiam barricadas nas ruas principais. Segundo as democrticas cpulas da televiso, as aes dos grevistas foram a mais alta expresso da democracia, enquanto que as aes da polcia, que queria estabelecer a legalidade, eram agresses. Lembram-se do conto do lobo e do cordeiro? Este tipo de declaraes contra supostas agresses por parte dos rgos do Estado acontecem durante toda a tarde. O objetivo desorientar as foras pblicas, dando luz verde aos grevistas. Tratou-se tambm de impedir o emprego dos lacrimogneos, declarados pelos golpistas como ilegtimos e desrespeitosos aos direitos humanos. Neste clima, o general da Guarda Nacional, Rafael Bustillo, nas telas das emissoras golpistas, solicita aos militares no usar fora contra os grevistas. So 14h. As TVs repetem esse esquema at s 19h, quando a CTV e a Fedecmaras declaram greve geral indefinida para conseguir o fim de Chvez.
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A noite de 10 de abril
Na noite desse dia ocorrem alguns acontecimentos que do uma clara noo do golpe, aportando provas incontestveis que desmentem tudo o que se afirma sobre os Estados Unidos no terem nada a ver, ou que poderia tratar-se, como ainda creem muitos europeus, de um autogolpe de Chvez. Eu vivia na cidade de Ojeda, Estado de Zulia. s 19h30 recebo uma ligao de Pedro P., um amigo de Valencia, que posso classificar de antichavista moderado. Transcrevo a conversa literalmente:
Pedro Tens que ir a Caracas amanh? R. No, teria que ter ido, mas pelo visto, pelo que est acontecendo l, adiei uma semana. Mas por qu? Quer algo de l? Pedro que me disseram que amanh Chvez cair e, portanto, preveem grandes desordens. R. Como conseguiu essa informao? Sei sobre a marcha, mas sobre Chvez cair A informao segura? Sinto que meu amigo d um profundo suspiro antes que continuasse. Pedro Hoje houve uma reunio da embaixada dos EUA com operadores do setor de peas de reposio da Mitsubishi e creio que com outros tambm. Concluda a reunio, Shapiro sugere a todos que, no dia seguinte, ao meio-dia, evitem passar perto de Miraflores porque se a marcha chegar at l para expulsar Chvez, todos esperam uma reao violenta do governo. R. Por que, a marcha est armada? Pedro No sei, isso tudo o que me disseram. O que seguro que Chvez cair amanh, e que Deus nos proteja. R. Realmente, que Deus nos proteja! Porque, para mim, se Chvez cair ser detonada uma guerra civil. Era s o que faltava
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Pedro O que voc pretende fazer? R. Se Chvez cair, a primeira coisa que farei ser tomar o primeiro avio para a Itlia. Em todo caso, esperemos os acontecimentos.
A embaixada dos Estados Unidos, certa do xito do golpe, se exps completamente. Soube o que havia ocorrido, soube que o objetivo da marcha era Miraflores, soube que haviam mortos e se preocupou justamente em advertir amigos e parentes de no se aproximarem dos acontecimentos. Jorge Olavarra um culto historiador, ex-chavista, que, como tantos outros, abandonou o presidente quando viu que os poderosos no estavam de acordo com a poltica praticada pelo governo. Tempos atrs, num discurso na Assembleia Nacional, lanou-se contra Chvez, concluindo que o pas caminhava para uma ditadura, que era seu dever advertir os venezuelanos sobre esse perigo, no querendo ser cmplice de tal crime. Aos olhos da oposio, portanto, ele era um deles, muito qualificado para dar opinies. s 20h recebe uma ligao de algum que no quis revelar seu nome. Essa pessoa pergunta-lhe sobre a possibilidade de que recebesse em sua casa alguns amigos para discutir um tema de interesse para o pas. Olavarra aceita e em seguida chega Daniel Romero, ex-secretrio particular de Carlo Andrs Prez e depois funcionrio do grupo Cisneros, e David Brewer Caras, advogado de Pedro Carmona. Daniel Romero apresenta-lhe nada menos que o texto do decreto do governo de transio que dias depois seria lido, assim que Pedro Carmona Estanga assumir o cargo de novo presidente da Venezuela. Imaginemos sua surpresa e perplexidade. Em todo caso, Olavarra l o documento e, ainda que esteja de acordo com a queda do governo, no tem a mesma posio sobre o contedo do decreto, e no quer nem corrigi-lo nem assin-lo. Trata de convencer os colegas de que o decreto era uma merda. A discusso se prolonga at as 21h e, sem con-
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seguir resultado algum decide eximir-se de qualquer responsabilidade. Posteriormente comentar, em uma entrevista televisiva, que aquele documento foi redigido por um grupo de loucos. Entre os que redigiram estavam, sem dvida, Allan Randolph Brewer Caras, especialista em direito, com muitas publicaes; a ex-presidente do Tribunal Supremo de Justia Cecilia Sosa Gmez, que tambm fora presidente da rede de coordenadores da Ucab; o presidente da Comisso Andina de Notcias, Carlos Ayala Corao; os Cisneros e, obviamente, um tanto mais de intelectuais egressos da universidade catlica. lgico supor que aquele decreto, em cuja elaborao colaboraram tantas outras pessoas, esteve sendo elaborado por muito tempo, j que estava claro que nada havia sido casual, improvisado, fruto de circunstncias imprevisveis ou de um vazio de poder, e sim que tudo fora planejado h bastante tempo, e nos mnimos detalhes. Otto Neustadt um correspondente da CNN espanhola e trabalha na Venezuela. Sua esposa, Gladys Rodrguez, tambm jornalista, trabalha para a Globovisin, um dos canais que dirigiu o golpe. Uma das colegas da mulher, Lourdes Ubieta, que trabalha para a Televn, liga para Otto Neustadt s 21h e diz: amanh haver uma reportagem sobre Chvez. A marcha chegar ao edifcio de Miraflores, haver algumas dezenas de mortos, e portanto os militares de alto escalo se pronunciaro contra o governo de Chvez e pediro sua renncia, e continua falando do acontecimento e o convida para que faa uma gravao para a CNN. Otto aceita com interesse, prepara o material e discute com a mulher, que no sabe o que dizer, pois no sabia de nada. O ministro da Defesa, Jos Vicente Rangel, anuncia que Chvez falar ao pas sobre a extenso da greve, mas s 21h40 o prprio ministro quem fala em nome do presidente nas telas do Canal 8. Ele dirige um chamado s partes convidando-as a dialogar, a no lanar-se s aventuras golpistas que teriam efei-
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tos desastrosos, mas seu pedido cai no vazio. Chvez se mantm num local escondido para sua segurana pessoal, e para que pudesse organizar as contramedidas que teria que adotar. Durante toda a noite continua a martelao da publicidade pela marcha do dia seguinte. Todas as emissoras de televiso repetem infinitamente o slogan nenhum passo atrs e, como um refro, v, v v, v, v!, claramente referido a Chvez.
O plano golpista
Lourdes Ubieta uma jornalista, e no uma adivinha. Portanto, como poderia ela saber que haveriam mortos e tudo o mais? Durante todo o dia 10 de abril, e por boa parte da noite, o grupo de comando dos golpistas se reunira para os ltimos detalhes. Estavam presentes os militares Carlos Molina Tamayo, Nstor Gonzles Gonzles, Hctor Ramrez Prez, o senhor das armas Isaac Prez Recao, Pedro Carmona e seu grupo, alm dos proprietrios das redes televisivas e, naturalmente, alguns militares dos EUA e membros da CIA. No temos como saber se aquela reunio, na qual foram decididas friamente as matanas de gente inocente, tambm estiveram presentes representantes da Igreja Catlica; o que podemos lembrar que nas reunies onde foram tomadas as decises mais importantes sempre estavam juntos Carlos Ortega, Pedro Carmona e o monsenhor Baltazr Porras. O Forte Tiuna se transforma em quartel general dos golpistas. Isaac Prez Recao organizara um grupo muito bem armado com equipamentos modernssimos, fuzis lana-granada com pontaria telescpica e laser. Carlos Molina Tamayo o responsvel pelas operaes militares. Este grupo de mercenrios de uma empresa de segurana de propriedade de ex-agentes do Mossad teria a tarefa de operar como escolta armada dos novos figures, de atemorizar os indecisos e ainda como comando no caso de interveno de setores militares no alinhados. Depois
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de acordarem os detalhes, a assembleia se encerra e passam em seguida para as disposies finais sobre o grupo de ao sob o comando de Molina Tamayo. Aquele foi um dia muito intenso para o vice-almirante e seu amigo: o estrategista e seu brao armado. Os mortos eram indispensveis para tachar de assassino o presidente Chvez, e assim criar um ambiente justificvel ao planejada. Tudo tinha que mover-se sobre a onda da indignao popular para expandir-se logo para a esfera internacional. Esse modus operandi no novo para a CIA. Lembram-se quais foram os motivos que permitiram o incio da Primeira Guerra do Golfo conta Saddam Hussein? Os EUA decidiram intervir em favor do Kuwait, mas necessitavam de apoio do Congresso e da opinio pblica. De repente apareceu uma jovem de 15 anos, enfermeira no hospital da Cidade do Kuwait, que testemunhou, aos prantos, diante da comisso do Congresso, sobre um atroz crime cometido pelos soldados iraquianos. Os criminosos, tendo invadido a cidade, ocuparam um hospital onde arrancaram das incubadoras os recm-nascidos, atirando-os ao cho, rindo e fazendo piada enquanto os pobres bebs morriam pelo cho. A indignao foi geral e a guerra considerada justa e sacrossanta. Mas a jovem era filha do embaixador do Kuwait nos EUA, onde estudava para tornar-se atriz e seu testemunho foi uma atuao digna de prmio Oscar, com direo conjunta do governo do Kuwait, do Bush pai e, naturalmente, da CIA. Nossos personagens, para procurar os mortos, se valeram de franco-atiradores que teriam provocado as primeiras vtimas em ambas partes, e, assim, haveriam provocado a resposta violenta do governo e dos opositores. Isaac Prez Recao coloca os homens, coloca as armas, a logstica e se encarrega do adestramento. Esmeradamente so selecionados os edifcios de cujos tetos sero disparados os tiros. Teriam que estar nos arredores de Miraflores e ter no seu campo de tiro a entrada do palcio e a rua por onde chegaria a marcha. Cada um deles deveria provocar
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ao menos uma morte; sete na primeira fase, pelo menos, como as sete estrelas sobre a bandeira da Venezuela. O resto viria como consequncia. Uma das ordens era: necessitamos de jornalistas mortos; portanto, disparem sobre todas as cmeras que virem.
O general Rosendo
Manuel Antonio Rosendo era chefe do Cufan Comando Unificado das Foras Armadas Nacionais, e foi o nmero dois na linha de comando, depois de Chvez. Isso demonstra a confiana que o presidente tinha nele. No caso de subverso da ordem pblica as Foras Armadas elaboraram planos de interveno j codificados para cada fase sua. Entre tais planos havia o Plano vila, que se referia zona de Caracas, e o Plano Soberania, que dizia respeito ao resto do territrio nacional. Quando esses planos so aplicados, a linha de comando das Foras Armadas muda e passa ao Cufan. O chefe da entidade se converte no segundo na linha de comando, e se reporta nica e diretamente ao presidente como comandante em chefe das Foras Armadas, que dele depende na ocasio. Visto que era muito provvel que fosse solicitada pelo presidente a aplicao do Plano vila, a oposio teve que levar para o seu lado o general Rosendo, que havia se convertido tambm em uma pea-chave para o golpe, porque sua desero havia interrompido a linha de mando em um momento particularmente crucial e que, na prtica, impediria a aplicao dos planos de contingncia. Por outro lado, foi um assunto muito econmico para a oposio porque foram suficientes ofertas de cargos em geral no novo governo e, de imediato, um bem recompensado emprego para sua filha em uma companhia de propriedade de um dos empresrios golpistas. A companhia se chamava Intesa.
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PARTE IV
11 de abril
Os acontecimentos principais se desenrolaram nos arredores imediatos do edifcio do governo: Miraflores. uma construo bastante recente, cuja histria se inicia no final do sculo 19, exatamente em 1884, quando o general Joaqun Crespo se torna presidente. Ele queria construir uma nova residncia para viver com a famlia, ento compra um terreno numa zona chamada La Trina, nas ladeiras a sul do monte vila, em Caracas. A construo do edifcio, que foi chamado inicialmente de La Trina, prolongou-se por 15 anos. Depois da morte de Crespo, um outro presidente, Cipriano Castro, em 1900, aluga o edifcio, que leva o nome definitivo de Miraflores. Em 1911, adquirido como edifcio do governo e residncia oficial presidencial, e o general Juan Vicente Gmez foi o primeiro presidente a habit-lo. Em 1979, o palcio Miraflores declarado Monumento Histrico Nacional. Hoje apenas a sede executiva.
A organizao da marcha
At as 8h30 a jornalista Lourdes Ubieta liga de novo a Otto Neustadt e confirma a informao da tarde anterior. Diz que possivelmente os oficiais no sero mais que 20, mas que em todo caso ser um grupo numeroso. Ela o convida a apresentar-se no
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lugar onde os generais estariam reunidos, levando todos os equipamentos para gravar o acontecimento. Lourdes insiste na presena do correspondente da CNN porque as quatro TVs irms previram que o governo cortaria o sinal, e assim Otto se tornava extremamente til pela possibilidade de enviar diretamente CNN uma gravao do evento. Nada foi feito por acaso e era extremamente importante que o mundo fosse informado imediatamente do que estava a ponto de ocorrer. O ponto de encontro no era na sede de uma emissora de televiso, mas em um escritrio particular em Chacao-Bello Campo, um luxuoso bairro de Caracas. Um lugar annimo justamente para evitar intervenes no desejadas e de onde se podia efetuar as transmisses ao vivo sem interferncias. E, se ocorresse alguma dificuldade, a gravao do correspondente da CNN era fundamental. Otto e a mulher tomam um rpido caf da manh, carregam o carro com todo o necessrio e se encaminham reunio. J so quase 10h e sobre Caracas resplandece um sol brilhante. Pela manh os franco-atiradores tomam suas posies nos lugares marcados e j inspecionados dias antes. Foram eleitos o hotel Edn, usado por casais na busca de intimidade, na Avenida Baralt; o hotel Ausonia, em frente a Miraflores; o edifcio La Nacional e mais a cobertura de um edifcio perto da Esquina de Veroes. Antes das 13h os franco-atiradores j estavam com o olho na mira telescpica de seus fuzis de preciso. Enquanto isso, Chvez se reunia em Miraflores com os mais fiis colaboradores e ministros. No palcio estavam at seus pais. Tentavam avaliar o carter dos acontecimentos, mas o governo no tinha todos os elementos para compreender a real periculosidade do que estava prestes a acontecer. As contramedidas ditadas pela inexperincia parecem frgeis balbucios se comparados ao know-how dos golpistas, sob o mando de criminosos incorrigveis da CIA podemos lembrar com certeza da sua atuao na maioria dos desastres sul-americanos, mas no s, notar
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tambm seu impressionante currculo de homicdios, torturas e matanas realizadas sem pestanejar. Espera-se sempre um milagre, algo que fizesse a oposio desistir de levar os manifestantes a Miraflores. Nunca haveriam imaginado que os acontecimentos daquelas horas tivessem sido planejados com mais de um ano de antecedncia. Chvez tenta chamar o general Rosendo ao palcio, mas no consegue encontr-lo. Contacta ento o alto comando para receber informaes, mas a maioria deles faz parte do compl e, portanto, as notcias so genricas seno evasivas, e muitos deles se confundem nas respostas. Os manifestantes, concentrados no Parque del Este, comeam a desfilar em direo a Chuao. As imagens transmitidas pelas quatro TVs irms transmitem a nata da burguesia venezuelana em marcha rumo conquista da liberdade, so4. A sociedade dos bairros ricos bretudo mulheres, arrumadas em exagero com roupas esportivas e acessrios caros de marcas famosas; bons, culos de sol, bolsas e bandeiras venezuelanas. Encabeam a marcha Carlos Ortega e seu grupo, com os militares que tiveram as tarefas operativas como Molina Tamayo e Guaicaipuro Lameda, junto aos prefeitos das trs zonas principais de Caracas, Leopoldo Lpez de Chacao, Capriles Radonsky de Baruta e Alfredo Pea da Alcaidia de Caracas, cada um deles com seu segurana com armas de guerra, colete prova de balas, alguns a p e outros motorizados acompanhados de um segurana armado no banco da frente. No entanto, antes que a marcha chegasse a Chuao, as quatro TVs irms declararam que o destino era Miraflores. A marcha pacfica, como ser repetido exausto, teria ido ao edifcio sede de governo para perguntar pacfica e educadamente se Ch-
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vez poderia retirar-se de seu posto, e permitir assim que os velhos e novos chacais o ocupassem, depois de quase trs anos de jejum forado de poder. Jos Vicente Rangel, ex-jornalista, tenta ser a voz da sensatez e faz uma ligao telefnica a Alberto Federico Ravell, proprietrio da Globovisin, e a Marcel Granier, proprietrio da RCTV, e os comunica da preocupao de que a marcha estava aproximando-se de Miraflores e ali haviam milhares de simpatizantes de Chvez. Ressaltou que o choque entre os dois grupos poderia gerar graves consequncias. Certamente, ainda que houvesse suspeitado, no podiam imaginar que era justamente esse o plano: deixar mortos sobre o terreno e atribuir a culpa ao governo. Os chefes, contudo, respondem que no poderiam fazer nada, que no dependia deles e que a vontade popular deveria ser respeitada. Se as pessoas presentes na marcha quisessem ir a Miraflores, tinham todo o direito de faz-lo, e, para evitar problemas, seria suficiente tirar dali os chavistas (que evidentemente no tm nenhum direito). Apenas uma observao: o senhor Federico Ravell foi um ex-ministro do OCI, o gabinete de imprensa do governo, no tempo da presidncia de Lusinchi, outro presidente venezuelano corrupto at o osso. Este aristocrata presidente, como recompensa pelos favores prestados ao pas por Ravell, deu-lhe a concesso da Globovisin. Mais ou menos na mesma hora, por volta do meio-dia, Otto Neustadt chega ao local estabelecido, onde est presente a colega Lourdes Ubieta e outros jornalistas, alm de um grupo de generais que, bastante agitados, olham re5. em miraflores petidamente o relgio. Comea a organizar os equipamentos para a gravao, e, enquanto trabalha, v uma garota que ele conhece, entre o grupo de militares, e
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que transcrevia algo que eles ditavam. O vice-almirante Hctor Ramrez Prez, que parecia o chefe, l o rascunho da declarao e, junto aos colegas, faz algumas correes. Enquanto isso a marcha chega a Chuao e, ento, Carlos Ortega, presidente do CTV, grita: todos a Miraflores para tirar aquele traidor!, junto com Manuel Cova, outro dos seus colegas corruptos. E assim sequestram a nutrida multido de classe mdia, que se dirigia do Parque del Este a Chuao, para um novo objetivo, que era o centro do poder: o palcio de Miraflores. A mudana de direo havia sido montada nas emissoras de televiso nos dias anteriores, com um udio que convocava a multido ao Parque del Este, mas com imagens que apresentam como meta Mira6. Chavez assassino flores. Os canais comerciais de televiso mostram o general Guaicaipuro Lameda, ex-presidente da PDVSA, gritando: a Miraflores, enquanto indica com um brao a nova meta, seguida pelos colegas e pelos alegres manifestantes. Para facilitar a mudana de direo algum faz circular o boato de que Hugo Chvez cara. Os gritos de exaltao criam uma onda crescente, e, alm de gritarem fora Chvez, comea a se escutar frases mais especficas como as que gritava a gentil senhora da imagem 6, com a transcrio na legenda: Chvez assassino. Apenas passava do meio-dia e ali no havia mortos nem feridos. Mas Chvez era um assassino. Em dado momento, a liderana da marcha tomada pelo comando formado pela polcia dos prefeitos golpistas e de gente fortemente armada que serviu de guarda-costas aos nossos novos libertadores. Em primeiro plano, est Molina Tamayo, com a tarefa de abrir passagem aos manifestantes. Mas a marcha no era pacfica e desarmada? Enquanto a marcha inicia seu ltimo desfile, uma nuvem escurece o sol e um vento frio passa sobre Caracas. Os generais
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Belisario Landi e Luis Rincn chamam ao celular Carlos Ortega e o orientam para que no continue at Miraflores, mas Ortega ignora a solicitao, encorajado pela importncia da sua tarefa e embriagado pelo poder que estava exercendo. Tambm Fredy Bernal, prefeito do municpio de Libertaros, das telas da televiso, pede moderao e adverte s graves consequncias a que esto sendo expostos cidados to distintos. Mas as pessoas estavam como que drogadas com sua prpria adrenalina ou quem sabe pelas muitas mensagens diretas e subliminares que foram bombardeadas nas telas da televiso por tanto tempo. Somente poucas pessoas da oposio se deram conta do real perigo e abandonaram a marcha.
O verdadeiro objetivo
A multido cada vez mais excitada se encaminha de Chuao para Miraflores. Passaram-se apenas alguns minutos desde o momento da retomada da marcha e, portanto, a poucos metros de Chuao, averigua-se um fato preocupante. Dois dos participantes da oposio so feridos com armas de fogo. So Eleazar Norvaez e Carmen Len, que, sem escutar rudos de disparo, so feridos nas pernas. No hospital onde recebero os curativos, os mdicos encontram queimaduras e marcas de plvora sob suas roupas. Algum, do interior da prpria marcha, disparara a queima-roupa com uma pistola seguramente provida de silenciador. Ningum se importa com isso e as emissoras de televiso ignoram completamente tal fato. Sero as prprias vtimas, uma a uma, que iro denunciar os fatos em todos os seus detalhes. No escritrio em Chacao, enquanto isso, Otto Neustadt e os generais falantes esperam os acontecimentos antes de transmitir ao vivo a proclamao. O tempo passa lentamente, provavelmente os manifestantes estavam atrasados em relao ao cronograma e no ponto de encontro ainda no haviam chegado os equi-
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pamentos para a transmisso ao vivo. Perto das 14h o jornalista tem uma ideia, que apresenta aos militares: porque no fazer uma prova da declarao para que quando tudo estivesse pronto para transmitir ao vivo no ocorressem erros. Numa situao delicada, cada pequeno erro poderia criar incertezas perigosas na populao. Os militares se convencem da bondade da sugesto, revisam o texto, corrigem-no vrias vezes e, por fim, a garota transcreve mquina. Alinham-se como o planejado, o vice-almirante Ramrez Prez l a declarao e Otto grava. Ramrez no est satisfeito, o texto mais uma vez corrigido e grava-se novamente. Ramrez gostaria de ter corrigido ainda mais coisas. Quando concluram a gravao, s 14h30, a marcha ainda estava longe de Miraflores e no se averiguava episdios dignos de nota. Segue abaixo a transcrio literal do texto do comunicado dos oficiais, que representa uma prova irrefutvel para atribuir as responsabilidades do que iria acontecer. O texto dizia o seguinte:
Decidimos nos dirigir ao povo venezuelano para refutar o atual regime de governo, a autoridade de Hugo Chvez Fras e do alto comando militar. Venezuelanos, o presidente da Repblica traiu a confiana do povo, est destroando pessoas inocentes com franco-atiradores. At agora houve seis mortos e dezenas de feridos em Caracas.
Este comunicado foi gravado duas vezes, existem ambas as gravaes, entre as 14h15 e as 14h30, quando ainda no haviam nem mortos nem feridos e nenhum franco-atirador havia disparado. Acabada a gravao, Otto sai do escritrio e vai mand-lo CNN. Enquanto isso, a marcha continua rumo sua sorte preparada com tanto cuidado pelos golpistas; mandar para a morte gente inocente e desavisada. Vtimas sacrificveis, necessrias para salvar a ptria! Nesse clima de jbilo inconsciente e de segurana falsamente conduzidos, entre gritos eufricos de Miraflores (), nenhum passo atrs, Guaicaipuro Lameda sentia-se
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como se fosse Gengis Kan. So quase 14h10 e um jornalista televisivo pergunta diretamente se ele estava decidido a ir a Miraflores, mesmo naquela situao. Lameda responde: at agora a convocao da marcha est at a Avenida Bolvar, mas se o povo quer ir a Miraflores Essa uma marcha pacfica, e conclui sacudindo os ombros. J circulavam vozes de que Chvez estava preso no Forte Tiuna ou em Miraflores, e, para desmenti-lo, o alto comando do Exrcito emite um comunicado em cadeia nacional, do Ministrio da Defesa, dizendo que no acreditavam nas falsas notcias e pedindo s pessoas que mantivessem a calma e o esprito cvico. So ento 14h15. O comando logstico do Exrcito e o Instituto de Previso Social das Fora Armadas param o posto de controle nmero um de Los Prceres, a avenida dos desfiles em Forte Tiuna, a nmero trs (de Coche) e a de nmero cinco (Tazn). O prefeito de Chuao Leopoldo Lpez organizara a sua polcia de forma a fechar as ruas dos arredores de Forte Tiuna, desviando o trfego civil para faz-lo transitar dentro da instalao militar. Com esse artifcio se criava um congestionamento nas ruas de acesso e de sada, impedindo, de fato, o deslocamento das equipes militares. A excitao da multido aumenta com a proximidade da nova meta e comeam os atos de violncia a quaisquer que fossem suspeitos de ser chavista. O senhor Andrs Antillano dir ter presenciado uma dessas agresses feitas por uma multido de opositores contra um jovem identificado como chavista. O pegam, atiram-no ao cho, enchem-no de pontaps e depois o abandonam desacordado no meio da rua. So 14h45 e a marcha segue pacfica! A Globovisin transmite ininterruptamente imagens da marcha e uma jornalista as descreve, lembrando que, naquele momento, a marcha organizada pela sociedade civil se caracterizava pela absoluta tranquilidade e no havia ocorrncia de incidentes de nenhum tipo. Os feridos e as agresses so oculta-
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das intencionalmente, visto que todos os detalhes da marcha so gravados. Uma cautelosa direo estabelece o que deve ser transmitido e o que deve ser omitido. O jornal El Nacional sai com uma edio extraordinria, por volta das 15h, com o ttulo em letras garrafais: A luta ser em Miraflores. Prepararam a edio durante a manh e a distriburam pela tarde. Ganhar alguns trocados para qu? Na mesma hora, comeam os choques com pedras e garrafas que so jogadas entre as duas faces a poucos metros de Miraflores, na zona do Calvario, em frente ao liceu Fermn Toro. s 15h15, na Venevisin, chega uma notcia, e o locutor, fazendo o seu trabalho, apressa-se em l-la imediatamente:
a polcia metropolitana evitar que a marcha da oposio chegue a Miraflores. O comissrio da polcia Henry Vivas disse que o rgo de segurana pblica recebeu a ordem de impedir que a marcha, convocada pela Fedecmaras e pela CTV chegasse a Miraflores para evitar um possvel choque com os simpatizantes do oficialismo, que se encontram no local. A polcia metropolitana est presente na altura da Avenida Bolvar.
A essa altura, a transmisso interrompida. Os donos taparam a boca daquele jornalista inconsciente, visto que o que estava dizendo poderia prejudicar tudo, j que justamente o choque que mencionara estava previsto e programado. Com mortos e feridos. Uma prova posterior da cumplicidade das emissoras de televiso. Henry Vivas dera efetivamente aquela ordem, mas a polcia metropolitana recebeu outras diretamente pelo prefeito Major Alfredo Pea e Ivn Antonio Simonovis Aranguren: abrir caminho marcha da oposio, dispersando chavistas a qualquer custo. Para isso foram armados com M-16, HK, fuzis de todo tipo, luvas de ltex e projteis cortados para impedir a prova balstica. Enquanto isso, na base de Maracay, o general Baduel, mesmo com as comunicaes militares confusas, comea a se dar conta de que algo no funciona.
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Em funo da situao alterada da ordem pblica, colocouse em marcha o Plano Soberania, que como um pr-alarme na espera da atuao das Foras Armadas, da qual tambm faz parte a Guarda Nacional. Nessas condies, as ordens devem ser emanadas pelo Cufan, o Comando Unificado das Foras Armadas Nacionais, mas estranhamente, naquele dia, em Maracay recebem diretamente ordens do comando do Exrcito provenientes de um coronel em vez do general Manuel Antonio Rosendo, e quando Baduel pede explicaes diviso de infantaria e ao comandante recebe apenas respostas vagas. A cumplicidade do general Rosendo comeava a render frutos.
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OLeary, trata de fazer com que Tamayo e Lameda desistissem de continuar, mas seus agentes so poucos e, por certo, no podiam usar a fora contra as pessoas desarmadas, como j h semanas repetiam os meios de comunicao golpistas. Assim a multido supera sem muitas complicaes os agentes da polcia e vai dar sobre o viaduto com a Guarda Nacional, a ltima barreira entre a marcha e os chavistas. So lanadas bombas de gs lacrimogneo e, em todos os vdeos feitos pelos cmeras das emissoras privadas, possvel constatar que a Guarda Nacional no empregou armas de guerra. Pablo Medina, outro poltico que virou a casaca e se tornou inimigo de Chvez, indica a Guaicaipuro Lameda e a Molina Tamayo como contornar a Guarda Nacional e penetrar em Miraflores. Um grupo de manifestantes pertencentes ao partido Bandeira Vermelha, organizado pelo capito da Guarda Nacional Garca Morales, tenta, nos arredores do liceu Fermn Toro, arrombar a porta de segurana nmero quatro de Miraflores, mas tambm so impedidos pela Guarda Nacional. Molina Tamayo, com o megafone, incita a multido: precisamos conter as bombas de gs lacrimogneo, o vento sopra na nossa direo, precisamos passar correndo ao outro lado digam a todos, digam a todos. Mas poucos, no entanto, estavam dispostos a sacrificar-se. O outro grupo ia em direo ao norte, na Avenida Universidade. Os manifestantes tiveram que dobrar direita no cruzamento com a Avenida Baralt, e continuar at a Ponte Llaguno, enquanto uma parte reunia-se ao outro grupo, a uma quadra a norte da Praa OLeary. A avenida estava sob o controle da polcia metropolitana de Alfredo Pea era como confiar o cordeiro ao lobo, mas era necessrio ainda tirar de cena a Guarda Nacional, que havia recebido uma ordem de oficiais golpistas de se deslocarem para a Rua Camino Nuevo, ao lado, liberando assim a rua at o viaduto. Nesse momento, a Baralt ocupada pelos chavistas desde o Viaduto Llaguno at a Esquina da Piago, da
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polcia municipal Avenida Universidade e das pessoas da marcha somente no cruzamento da Avenida Universidade. Guaicaipuro Lameda sobe em uma moto da polcia metropolitana e tenta dirigir os manifestantes at a Baralt, visto que naquele ponto no estavam os agentes da Guarda Nacional, mas estava claro que seria muito difcil superar a barreira dos chavistas amontoada ao redor do palcio. Nesse ponto, aos nossos generais pareceu claro que a multido nunca tomaria Miraflores, e por isso passa-se ao plano B, o massacre. Os dirigentes opositores comeam a fugir. Molina Tamayo y Guaicaipuro Lameda amparam-se nos escritrios da Venevisin, de propriedade dos Cisneros, onde j se encontra Pedro Carmona. Carlos Ortega e toda a sua equipe estavam h algum tempo num escritrio perto da sede da CTV, e de l desapareceram completamente. Reaparecem ento no dia seguinte, em Miraflores. Henrique Mendoza, governador do Estado Miranda e outros executivos se esconderam numa clnica privada, porque disseram que padeceram do efeito de algumas bombas de gs lacrimogneo. Substancialmente, todos os chefes da oposio encontraram boas desculpas para desaparecer. Nenhum deles estava presente na Avenida Baralt depois das 15h20. A polcia metropolitana, que deveria ter se posicionado no cruzamento da Avenida Universidade e da Baralt, como fora de interdio para impedir o choque entre as duas faces, para entre a Baralt e o Viaduto Llaguno, cheia, repleta de chavistas, alinha-se dos dois lados da rua com seus carros blindados e a proteo dos policiais armados. So 15h20 e, na Avenida Baralt, entre o cruza8. mortos do 11 de abril
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mento com a Avenida Universidade e o Viaduto Llaguno, est somente a polcia metropolitana e os chavistas. No h ningum da marcha da oposio! Na altura da Muoz cai a primeira vtima dos franco-atiradores com um tiro na tmpora esquerda, identificada como Tony Velasquez, chavista. auxiliado pela polcia metropolitana, mas evidentemente j no h nada que fazer. Ser levado a algum mdico em Miraflores. A partir desse momento comeam a cair vtimas sob os tiros dos franco-atiradores. No mapa esto marcados os locais de algumas mortes. Como se v, esto todas no campo de tiro dos hotis Ausonia, Edn e do edifcio La Nacional. Do hotel Ausonia, em frente ao Palcio Branco, tem-se a vista completa dele e de Miraflores, mas no h ngulo de tiro em direo ao viaduto. No hotel Edn, que se encontra a uns 150 metros ao sul do Viaduto Llaguno, h um campo de tiro a mais ou menos cem graus em relao Avenida Baralt, mas a vista do viaduto ainda bastante problemtica. No edifcio La Nacional, que se encontra a uns 350 metros, sempre ao sul do Viaduto Llaguno, h um ngulo de tiro a 180 graus com uma tima vista do viaduto. Os chavistas descem pela Baralt at a esquina de Muoz, na direo contrria marcha da oposio, mas a polcia metropolitana os recebe a balas. So 15h20. Alguns manifestantes da oposio retomam a Avenida Baralt na direo norte, precedidos pela polcia metropolitana, com seus blindados, que esto reprimindo os chavistas que se encontram no lugar, como o documentado nas figuras 9, 10 e 11. Os agentes da polcia municipal que se encontravam sobre o viaduto na Rua Norte 8, renem9. se com os outros agentes na Aveni-
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da Baralt, reprimindo atrs os chavistas na direo do Viaduto Llaguno; usavam jatos de gua e gs lacrimogneo. Os manifestantes da oposio conseguiram afastar-se de tudo pela Avenida Universidade. Em poucos minutos, a Baralt fica cheia de policiais fortemente armados, quase todos com fuzis e armas semiautomticas, e usando luvas de borracha. Alguns diziam que essas luvas serviam de proteo no auxlio aos feridos, j outros acreditavam que serviam para evitar as marcas de plvora sobre suas mos e braos. As imagens de 9 a 11 so fotogramas tirados de um vdeo, e as trs imagens fazem parte de uma sequncia. A hora foi verificada como aproximadamente 15h20. A imagem dez evidencia a esquina da Pedrera, entre as Avenidas Urdane10. ta e Baralt. A imagem 11 mostra a Baralt desde a esquina da Pedrera at o Viaduto Llaguno, e no h sinal algum da marcha da oposio. So 15h43 quando ao escritrio de Chacao, no qual se encontravam reunidos os militares por conta da declarao (registrada por Otto Neustadt), chega a unidade de transmisso, obviamente atrasada. s 15h43, o presidente inicia uma transmisso em cadeia nacional, e, portanto, a mensagem dos golpistas no pode ser transmitida. As emissoras, em vez de transmitirem somente as imagens do presidente, dividem a tela e transmitem, de um lado, a imagem de Chvez, e, de outro, imagens da marcha, e isso exatamente durante os ocorridos na Avenida Baralt, mas tomadas do alto para evitar a perspectiva real. O discurso do presidente quase no ouvido, claro que por boicote das emissoras golpistas. Estas, alm de seguirem exibindo imagens oportunamente selecionadas, propem entrevistas que s fazem ressaltar a inevitabilidade dos acontecimentos e dos crimes de Chvez.
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s 15h30, Jorge Ibrahm Tortoza, h mais de dez anos reprter do Diario 2001, encontra-se na Baralt na altura da esquina com a Pedrera, no cruzamento com a Avenida Universidade. Est fotografando tudo o que acontece sua volta, e 11. A barralt e a Pm tira muitas fotos apontando sua lente para o Viaduto Llaguno. Diante dele, a uns 20 metros, h um carro blindado da polcia municipal. Ele caminha leste pela Avenida Universidade e tira fotos em direo ao norte. Abaixa a cabea controlando a cmera e volta a andar pela rua, a um metro da borda da calada. Segue alguns metros aps o semforo da esquina, diante da entrada do metr (imagem 10). Naquele instante, uma bala alcana sua cabea do lado esquerdo. O reprter cai para frente e fica imvel no cho. A ferida grave, o auxiliam e o levam ao hospital Vargas, onde submetido a intervenes cirrgicas, mas j no h o que fazer. Tortoza morre s 21h30. Um pequeno enigma est relacionado com a sua cmera. Quando o reprter cai, a cmera tomada por um desconhecido armado, sucessivamente identificado como um empregado do Diario 2001. Pelo depoimento do irmo da vtima, o equipamento reaparece somente depois de um dia, mas das ltimas fotos tiradas por Tortoza no h mais indcios. O que teria fotografado o reprter? Ningum nunca saber. O disparo teve um trajeto descendente em relao a Tortoza, vindo necessariamente do edifcio La Nacional. Outro mistrio a bala que o golpeou. No dia seguinte, 12 de abril, foi feita uma autpsia. Num primeiro momento, falou-se num calibre de 9 mm blindado, depois de um 38, sempre blindado, e, naturalmente, na confuso, o disparo foi atribudo ao governo Chvez. S que, no dia 12 de abril, o pas estava nas mos dos golpistas, que haviam ocupado todas as instituies.
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Chvez interrompe a transmisso ao dar-se conta de que era intil. Um comandante da Casa Militar diz a ele que esto disparando contra o palcio com fuzis e que j haviam matado um homem da Disip, que fazia parte da escolta de Diosdato Cabello, com um tiro na cabea. Naquela tarde de 11 de abril, ao menos outros seis reprteres e fotgrafos ficaram feridos: Jonathan Freitas, do jornal Tal Cual, ferido num dos braos; Jos Antonio Dvila, tcnico do canal CMT, ferido no joelho; Enrique Hernndez, da agncia Venpres, Luis Enrique Hernndez, do jornal Avance e Jorge Recio, assistente do fotgrafo Nelson Carrillo. Jorge Recio foi golpeado na coluna vertebral e ficou paraltico. Miguel Escalona, do jornal El Carabobeo, foi atingido na cabea com um taco de beisebol e teve todo seu equipamento roubado. Tambm foi ferido com arma de fogo um agente da Disip que gravava imagens da manifestao. O estranho que, estando presentes nas ruas do centro de Caracas tantos fotgrafos, reprteres e jornalistas das quatro TVs irms ningum deles tenha sido atingido e as imagens mais impactantes tenham sido gravadas por eles. Por que os francoatiradores no dispararam em nenhum deles? Teriam salvo-conduto? Boa pergunta Na mesma hora um disparo atingiu o rosto de uma mulher na marcha da oposio; Malvina Pesadas, que se encontrava prxima do lugar em que Tortoza morreu. A mulher estava cruzando a Avenida Universidade em direo entrada do metr, na
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esquina com a Avenida Baralt. Assim como o caso de Tortoza, esse acontecimento gravado por uma cmera. possvel ver a mulher atravessando a rua lentamente quando recebe o disparo na bochecha esquerda, empurrando sua cabea para trs e logo conduzindo-a ao cho. auxiliada em seguida. Na gravao, ouve-se nitidamente o disparo. O atirador devia estar bem perto. Nos cinco minutos seguintes, outras duas pessoas caem com tiros na cabea, ambas da marcha da oposio. So 15h55. At esse momento no se v pessoas disparando da zona dos chavistas, que estavam amontoados sobre e abaixo do Viaduto Llaguno, assim como na Beralt. Mas, a partir desse momento, todos os atingidos sero das fileiras chavistas. Uma manifestante que estava sobre o viaduto foi golpeada no rosto enquanto seu marido recebia um tiro na perna. Os disparos vm dos francoatiradores que estavam nos terraos dos edifcios, e tambm da Avenida Beralt, onde se encontravam os agentes da polcia metropolitana armados com fuzis de alta potncia. O policial da direita da foto 12 faz sinal de pare ao reprter que est gravando naquele momento. A imagem 13 nos mostra um policial metropolitano que dispara em p; v-se tambm a fumaa produzida pelo disparo. As fotos da imagem 14 documentam a ofensiva da polcia metropolitana contra os chavistas. Na primeira imagem vemos claramente um policial armado com um fuzil M-16, que no deveria estar sendo usado por essa corporao. Outro 14. Polcia metropolitana armada policial est com um fuzil e uma e o ataque aos chavistas
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bomba. O mesmo fuzil M-16 se v nas mos de vrios outros agentes; outros disparam com HK MP5. Na ltima foto, um policial sobre o teto do tanque dispara muitas vezes com um M-16 em direo ao viaduto. Esta imagem foi a causa do assassinato do condutor deste blindado no ms seguinte aos acontecimentos. No dia 11 de abril, o chefe da brigada blindada da polcia metropolitana, que se chamava Simn Fuentes, dirigia o blindado. Quando tiraram a foto, ele pde ver tudo o que ocorria no dia e, obviamente, sabia quem se encontrava sobre o teto do tanque e disparara contra o viaduto com uma arma de guerra ilegal: um policial superior que, no entanto, desconhecemos o nome. Quando comearam as investigaes, em 14 de abril, este superior, por razes bvias, no queria ser identificado e buscou de toda maneira incriminar o pobre Simn, fazendo muitos de seus colegas provavelmente sob ameaas testemunharem contra ele, incriminando-o dos disparos. No dia 14 de maio, Simn Fuentes foi trabalhar, como todas as manhs, no comando da polcia metropolitana em San Jos de Cotiza, Caracas. Sai de sua casa pouco antes das 6h, e, s 9h30, sua esposa, Marisol Cedillo, recebe uma ligao da parte de um oficial da polcia na qual comunica que o marido se encontrava no hospital em funo de um acidente. O oficial diz que estava enviando um carro para acompanh-la ao hospital. Chega o carro e a mulher, muito preocupada, sobe e pergunta o que havia acontecido. O policial, no entanto, no sabe de nada; sabe somente que deve lev-la ao comando da polcia. A mulher se assusta e pergunta o motivo da mudana, j que a haviam informado que seu marido estava no hospital, mas no consegue explicaes. Poucos minutos depois, o motorista recebe outro comunicado e o destino da mulher muda uma vez mais. Agora seria levada ao necrotrio de Bello Monte, outro bairro de Caracas, porque seu marido morrera. Durante o trajeto, chorando, a mulher recebe uma ligao com a informao de que a polcia
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entrara em sua casa para pegar um documento de boa conduta do marido e outros papis. Antes de chegar ao necrotrio a informam de que seu marido cometera suicdio e que a estavam levando seo de homicdios. Desta seo, depois de interrogla, levam-na ao necrotrio e entregam-na os objetos pessoais do marido, cuja carteira estava evidentemente remexida, mas no a deixam ver o corpo de seu marido. A mesma polcia se encarrega do funeral e o cadver levado a uma funerria. Mas no deveria ter sido feita uma autpsia? Na funerria tambm impedem a mulher de ver o marido, mas ela e os parentes se revoltam e os policiais acabam cedendo. Assim, a mulher, Marisol Cedillo, e a irm do defunto, Maryuri Rosal, podem entrar e vestir o corpo do pobre Simn, com a presena da polcia e sob ameaas de serem expulsas ao menor sinal de problemas. Enquanto o vestem, a esposa percebe que o corpo apresenta queimaduras no brao esquerdo e a irm v um furo de bala sob a orelha direita, sem sinal de outro furo por onde a bala teria sado. Os policiais disseram ter ouvido o disparo que vinha do banheiro e ali o encontraram. A circunstncia foi considerada bastante estranha por alguns colegas de Fuentes, j que o banheiro estava fechado com cadeado no momento em que ocorreram os fatos. Alm disso, quando o encontraram, ainda estava vivo, mas se perdeu muito tempo porque no encontravam a chave da ambulncia, e quando conseguiram embarc-lo j estava, por fim, morto. Nos dias seguintes, Maryuri recebe a visita de uma mulher desconhecida que a aconselha a manter-se bem calada sobre os acontecimentos de 11 de abril, para sua segurana e de sua famlia. A polcia manteria esse clima por muito tempo, com ameaas telefnicas e com uma forte presena de policiais na zona em que moravam os Fuentes. No dia 13 de junho, alguns homens levaram Maryuri em um carro para um beco, onde a fizeram ameaas de que torturariam sua me diante de seus olhos e que matariam a todas as suas irms se no parasse de fazer denncias.
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Este era o modo de atuar dos funcionrios da polcia metropolitana do senhor prefeito Alfredo Pea, mas toda a velha classe poltica sempre atuara pisoteando os direitos humanos e nenhum monsenhor se indignara por esses atos criminosos. O importante sempre foi que o objeto dessas perseguies fosse a ral dos bairros, e no as pessoas abastadas
A grande mentira
Quero mostrar-lhes o mapa, tirado do documento da Defensoria do Povo, que assinala os lugares dos feridos e mortos, mas que ainda est incompleto. Como se v, a maior parte das mortes da parte dos chavistas, e em sua maioria aconteceram sobre o Viaduto Llaguno ou nas suas imediaes. Impossvel duvidar de Chvez. At agora so contabilizados 37 mortos e centenas de feridos. Os acontecimentos ocorridos ao redor do Viaduto Llaguno foram determinantes na tentativa dos golpistas de responsabilizar Chvez por essas mortes. A imagem 16 deu a volta ao mundo e foi utilizada, junto gravao televisiva da qual foi extrada, para demonstrar como os chavistas dispararam sobre a marcha pacfica e iner15. mapa dos mortos de 11 de abril me. Um apresentador da Venevisin se encarregou de comentar tais imagens com as seguintes, e exatas, palavras:
() esto vendo as imagens de membros do MVR, com lenos do MVR, disparando com armas automticas, descarregando-as e carregando-as, vez e outra, contra os manifestantes indefesos que se encontravam na Avenida Baralt ().
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Mesmo que houvesse dezenas de cmeras que gravaram o lugar de todos os ngulos, as cenas transmitidas sempre foram as da foto, todas as outras foram censuradas pelas quatro TVs irms. A coisa se prolongou por bastante tempo, at que A gravao que contm essa fotografia foi feita a partir do restaurante Mira Pollo, no edifcio Invegas, alm disso esto gravadas imagens relativas Avenida Baralt , vazia, mas que foram censuradas imediatamente e desapareceram 16. Sequncia sobre o Viaduto Llaguno por completo. Confirmou-se, posteriormente, que as pessoas que so vistas na imagem 16 esto disparando contra a polcia que, por sua vez, estava detonando contra seus companheiros, estes realmente inermes. Penso, no entanto, que mais do que as palavras, as imagens fixadas pela cmera contam melhor sobre o acontecimento. As sequncias da imagem 17 so tiradas de uma gravao transmitida pelo Canal 8 e comentada por Mario Silva, que viria a ser jornalista do canal estatal muito tempo depois. Referem-se ao intervalo temporal entre as 15h30 e as 16h30 do dia 11 de abril. A foto 1 mostra o Viaduto Llaguno cheio de gente do oficialismo e a Avenida Baralt completamente deserta ao sul. A gravao foi feita a partir da parte alta, ao norte, da Avenida Baralt, e podemos ver que na rua no h marcha nenhuma da oposio. Sobre o viaduto havia muita gente amontoada na parte sul, apoiada sobre as grades. Na foto 2, o viaduto est repleto. Realmente, no intervalo entre as duas fotos, muita gente que se encontrava debaixo
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do viaduto na Baralt sobe at ele. o momento em que a polcia metropolitana, belicosamente, invade a Baralt. Comeam os disparos em direo aos chavistas que se encontravam na avenida e no viaduto, onde houve os primeiros mortos. So 15h55 e se v claramente na foto 3 que as pessoas jogam-se ao cho ou escapam para refugiar-se nos edifcios vizinhos. Na Baralt h pouca gente e so os chavistas que esto fugindo; nenhuma pista da marcha pacfica. Na foto 4, no centro da Baralt, v-se fumaa de gs lacrimogneo. Na poro direita alguns esto auxiliando uma poro de feridos a balas, todos chavistas, atingidos pela polcia ou pelos franco-atiradores. Sobre o viaduto esto todos deitados no cho. Na foto 5, duas pessoas esto transportando um ferido at o viaduto, escapando do sul da Baralt, onde esto os agentes da polcia disparando. Na foto 6, as pessoas escondem-se detrs dos edifcios do lado leste do viaduto. Entre eles esto tambm as pessoas que vemos na imagem 16, e que disparam. Sobre o viaduto h poucas pessoas no cho. A Baralt est sempre deserta. Na imagem 7, v-se a esquina da Muoz, onde esto os blindados da polcia. Nenhum civil aparece nesse enquadramento. A foto 8 mostra as pessoas escondidas detrs dos edifcios do lado oeste do viaduto . Abaixo, na Baralt, h poucas pessoas que foram paradas pelos disparos da polcia metropolitana e que preferiram ficar por ali em vez de subir o viaduto com o risco de tomar tiros, como ocorreu com alguns de seus companheiros. Estas imagens as quatro TVs irms tinham desde o momento em que foram gravadas, mas nunca foram transmitidas. E no foi s isso. Todas as emissoras golpistas trataram com toda a fora de defender a tese de que, com uma pistola calibre 9 mm, seria possvel atingir uma pessoa a 350 metros de distncia! Um novo tipo de arma letal! Tudo isso para jogar a culpa das matanas todas naqueles que definiram como os pistoleiros do Viaduto Llaguno. Agora sabemos que os fuzis de preciso calibre 9 mm
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estiveram nas mos dos franco-atiradores. Devemos tambm examinar o fator tempo. Realmente, a hora em que as pessoas da imagem 16 so gravadas seguramente posterior s 15h45, e depois dessa hora todos os mortos e feridos foram todos do lado dos chavistas. Na tentativa bastante ingnua de interromper a campanha de incitao das emissoras privadas, o governo interrompe o sinal delas. Essa ao, no entanto, havia sido prevista e correm para corrigi-la. Nelson Bocaranda, da Televn, se conecta por satlite com a rede DirecTV e consegue transmitir por cabo a Venevisin e a Radio Caracas. A DirecTV tambm estava associada com a ao golpista. Enquanto isso, dentro de Miraflores h uma grande confuso, e ningum sabe com exatido o que est ocorrendo na rua. Chvez trata de colocar-se em contato com o alto comando militar, mas os golpistas tambm cortaram as pontes e o governo no tem ideia de quem eram os generais que permaneciam fiis. Chvez liga para Rosendo para ordenar-lhe a aplicao do Plano vila, mas Rosendo simula no entender. J que era impossvel utilizar a corrente de controle, antes das 16h liga para Jorge Luis Garca Carneiro e lhe pede a aplicao do referido plano, alm de mandar 20 carros rpidos para proteger Miraflores. Carneiro transmite a ordem ao general Wilfredo Silva, que sai em seguida do Forte Tiuna com destino a Miraflores. Quando chegam ao palcio, contudo, a marcha j estava l. Chegaram tarde porque receberam a ordem de Chvez de no enfrentar a multido, e portanto tiveram de contorn-la. espera de outras ordens estacionam ali mesmo no palcio de Miraflores. Poucos minutos depois o general Vsquez Velazco, comandante geral do Exrcito, golpista, informado da sada dos carros, ordena ao general Silva que voltem ao Forte Tiuna. Assim, desobedecendo a uma ordem do presidente, Silva obedece ao general Vsquez Velazco e volta atrs. Se os carros houvessem chegado tempo poderiam ter evitado muitos lutos.
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Falou-se muito tempo desse Plano vila que o governo havia mandado aplicar por meio de uma ordem direta de Chvez ao general Rosendo. Os golpistas opinaram que o objetivo desse plano era dizimar a marcha pacfica e desarmada. No vou insistir em detalhes inteis, mas oportuno assinalar que o notrio Plano vila foi aplicado na visita do papa Joo Paulo II Venezuela. Naquela ocasio, quem poderia ser dizimado? O plano prev a segurana de pontos-chave e a proteo de objetivos sensveis especficos, coisa que aos golpistas no os convinha, j que realizaram uma comdia digna da melhor tradio. A cumplicidade do general Rosendo foi determinante para o fracasso do Plano vila. A nica coisa que teve que fazer foi no fazer nada. Os convites das Foras Armadas para se unirem ao tirano foram desperdiados, sobretudo pela atuao de Molina Tamayo e Guaicaipuro Lameda. Na Beralt, contudo, as balas continuam. A guarda de honra e as tropas de proteo a Miraflores e do presidente percebem que esto havendo disparos a partir das coberturas dos edifcios nos entornos do palcio. As mesmas pessoas apontam para as janelas de onde partem os tiros. s 18h30, o major Suarez Chuorio, com agentes da guarda de honra, chega ao hotel Ausonia, no quarto 809, no oitavo andar, e pega sete pessoas munidas de fuzis de preciso. Tratase de sete franco-atiradores do grupo de Isaac Prez Recao, por ordem de Molina Tamayo. Um controle na cobertura do hotel permitiu recolher estilhaos de calibre 9 e 7,62 mm. Estes sete criminosos so presos e entregues Disip. A este grupo so atribudas as mortes nos entornos de Miraflores, mas parece que o seu principal objetivo era matar Diosdado Cabello, 17. os franco-atiradores se o vice-presidente, no momento que posicionam tivesse que aparecer diante do edi-
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fcio. Isso porque, no caso da renncia de Chvez, o poder passaria s mos do vice, coisa que devia ser evitada a todo custo. Um dos primeiros a ser morto diante de Miraflores foi precisamente um guarda-costas de Diosdado Cabello. O grupo estava constitudo pelas seguintes figuras: Jess Arturo Meneses Quintero, 19 anos, venezuelano, documento de identidade nmero 14.783.743. Jorge Meneses Quintero, 18 anos, venezuelano, documento de identidade nmero 17.126.818 Nelson Enrique Rosales, 30 anos, venezuelano, documento de identidad nmero 14.160.140 Robert Francisco McNight, 30 anos, estadunidense, documento de identidade nmero 10.480.186 Franklyn Manuel Rodrguez, 30 anos, venezuelano, documento de identidade nmero 15.197.364 John Carlos Muoz Garzn, colombiano, com passaporte numero A-6324882; por outra fonte, AG324882. Roger de Jess Lugo Miquilena, nacionalidade incerta, com documento de identidade falso, de nmero 10.612.977 Os juzes do Ministrio Pblico Raquel Gsperi Arellano e Al Marquina mandaram executar as provas da luva de parafina em quatro dos presos e os resultados deram positivo. Mas poucas horas depois da sua interdio, outro juiz, mas mulher, Norma Ceiba Torres, coloca-os em liberdade e naturalmente os sete desaparecem sem deixar vestgios. A algumas dezenas de metros ao sul do viaduto, na Avenida Baralt, no hotel Edn, foram presos vrios franco-atiradores com armas e munio. Eles tambm foram colocados em liberdade pouco depois, pelos golpistas. A polcia do prefeito Freddy Bernarl, depois que alguns chavistas mostraram o que ocorria ali, circundou o edifcio La Nacional e houve um tiroteio com alguns indivduos entrincheirados no seu interior. A polcia entra e a ao gravada por completo pe-
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las cmeras das quatro TVs irms, mas estranhamente, nunca nenhuma daquelas imagens veio a pblico. Foram todas censuradas e destrudas! Teve-se notcia por algumas testemunhas de que os manifestantes que defendiam Miraflores lincharam um franco-atirador e que feriram outros gravemente, mas tambm deles perderam-se as pistas visto que nos dias seguintes 18. Carmona os golpistas trataram de fazer sumir todas as provas comprometedoras. O certo que umas 20 pessoas foram mortas ou feridas gravemente com um nico tiro na cabea, este de trajeto descendente, coisa que s possvel se o disparo vem das alturas de um edifcio com arma grande e de pontaria telescpica ou a laser, e a maior parte dos mortos era chavista. Pedro Carmona, em mangas de camisa, declara na Venevisin:
O importante que agora o presidente da Repblica assuma a responsabilidade diante do pas () de facilitar os () e que a transio ocorra ao menor custo.
Junto ao rosto cansado de Carmona, que, pobrezinho, estava sacrificando-se por seu pas, a perfeita direo transmite imagens de gente que leva um ferido, mas sem dizer que aquele ferido era um chavista e que os companheiros o esto levando da Baralt a Miraflores na tentativa de salvar-lhe a vida. Sempre junto imagem das vtimas, as telas transmitem declaraes de Guaicaipuro Lameda, que se dirige s Foras Armadas para que abram os olhos e se unam aos golpistas:
Coronis, oficiais e suboficiais, profissionais de carreira, tropas profissionais e alistados. Vocs que esto aquartelados, esto vendo a televiso para saber o que tm que fazer, aproveitem esta mensagem e tomem uma deciso justa.
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Os civis foram todos evacuados de Miraflores e s ficaram alguns fiis que no queriam afastar-se. Enquanto isso, um grupo de militares e civis irrompem na Casona, a moradia presidencial, onde se encontram Marisabel de Chvez e a filha RosaIns. Os golpistas as insultam e ordenam que preparem seus pertences porque seriam tiradas dali imediatamente. Marisabel, aterrorizada, fica paralisada e no sabe o que fazer. Algum dos empregados toma uma bolsa e comea a encher com coisas da mulher. Alguns dos civis a escarnecem, a empurram e do a entender que tm a inteno de abusar dela. Nesse momento um dos militares intervm: Vocs, o que esto fazendo?! Parem. Aqui no se abusa de ningum. Mas so ordens de responde um dos democrticos membros da sociedade civil. Assim suficiente! e o tom de que no admitiria rplica. Marisabel de Chvez e a pequena RosaIns saem e so acompanhadas ao aeroporto de Caracas La Carlotta, situado na parte oriental de Caracas. Este aeroporto j estava nas mos dos golpistas, que haviam inclusive circundado-o com gente da marcha, oportunamente organizada. Quando chega o carro com me e filha, essas pessoas tentam impedir sua entrada no aeroporto, golpeando o carro, gritando absurdos sobre os seus ocupantes, cmplices do monstruoso assassino Chvez. Marisabel trata de acalmar a pequena, que chora aterrorizada e, por fim, so os militares perto da cerca de entrada que liberam a passagem e permitem que o carro entre, tirando as duas da clera bestial da multido. Marisabel e a pequena so embarcadas em seguida em um avio que decola rapidamente com destino a Barquisimeto, onde fica a residncia de sua famlia de origem. A autorizao para a decolagem do avio no agradou muito ao alto comando golpista, que fez com que algum mais decidido interviesse.
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Algum substitudo, algum mais repreendido e ameaado e, para evitar outras decolagens indesejadas, so dispostos dois tanques sobre a pista, no s para que no houvessem decolagens, mas tambm pousos indesejados, nunca se sabe. Chvez no tem que escapar e no tem que receber ajuda! So 19h. O sinal est restabelecido e as quatro TVs irms podem encaminhar assim a fase final do golpe miditico. Por fim transmitida a gravao feita por Otto Neustaldt. Os militares golpistas aparecem nos canais de seus cmplices anunciando que desconhecem o governo de Chvez por ele ter violado os direitos humanos do povo venezuelano. O comandante geral do Exrcito, general de diviso Efran Vsquez Velazco, afirma que os militares no estavam armando publicamente um golpe e pede perdo ao povo pelos fatos trgicos das ltimas horas quando as Foras Armadas no tiveram capacidade de proteger cidados inermes. Como concluso, ordenou a todos os comandantes que voltassem aos quartis das suas unidades e repetiu:
() o comandante geral do Exrcito (referindo-se obviamente a ele mesmo) legtimo comandante de todas as tropas dessa corporao. Ordeno a todos os meus comandantes de batalho, brigadas e divises, que so minha fora e a fora da Ptria, que permaneam nas suas unidades. Esse no um golpe de Estado, no uma insubordinao, mas uma imposio de solidariedade com todo o povo venezuelano.
O vice-almirante Hctor Ramrez Prez, chefe de Estadomaior da Marinha, declara que os generais das quatro foras condenam a deciso do presidente Chvez de interromper o sinal das redes televisivas e rechaam sua sada para repreender os protestos contra o governo, e acrescenta: a partir desse momento, as Foras Armadas Nacionais desconhecem as aes do presidente. O general Camacho Kairuz opina que o governo de Chvez abandonara suas funes e que as Foras Armadas assumiram o
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controle do pas. O alto oficial atribui a Chvez a responsabilidade das violncias que foram cometidas ao longo do dia. O ministro da Fazenda, general de brigada Francisco Usn Ramrez, renuncia a seu mandato e pede a Chvez que o demita. O general da Guarda Nacional, Alberto Camacho Kairuz, vice-ministro da Segurana Cidad, aparece muito ativo, solicitando as demisses de Chvez e pede que tambm outros expoentes institucionais faam o mesmo. So quase 22h20. O governador do Estado Miranda, Henrique Mendoza, profere contra o Canal 8, dizendo que este estava criando problemas s quatro TVs irms e declara: () ns no somos bobos, no estamos aqui chupando o dedo, o Canal 8, esta porcaria de canal, nas prximas horas estar fora do ar. Nos edifcios do Canal 8 esto o presidente da VTV, um colaborador e os homens da segurana, desarmados, enquanto um dos grupos tcnicos est trabalhando em outro lugar. Em um primeiro momento, chegam uns 30 agentes da Guarda Nacional, enviados por Chvez para a proteo do canal e, pouco depois, outra centena de homens. So aproximadamente 21h e o Canal 8 havia sido sabotado; suas transmisses continuavam por meio da unidade mvel que se encontrava no edifcio de Miraflores. E mediante essa unidade que Juan Barreto pode dirigir-se aos militares, dizendo: () oficiais que podem ser confundidos com esse tipo de notcia difundido por bandidos da informao, so eles que nos esto destroando (). Nesse ponto cai definitivamente o sinal e, a partir de ento, as emissoras golpistas so as nicas a transmitir. A RCTV entrevista um membro da Disip, que declara que todo o pas est sob controle, salvo um pequeno grupo responsvel pela segurana de Miraflores. Estes so convidados a depor as armas e a se render, pois no h a inteno de desatar-se uma guerra entre irmos das Foras Armadas com mais derramamento de sangue, visto que todos os batalhes aderiram ao golpe. So 22h30, quando um grupo de militares do alto escalo golpista,
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escoltado por civis fortemente armados, chega a Miraflores para pedir a renncia do presidente. Renem-se no escritrio privado de Chvez e no permitem que ningum mais entre. Entre os fiis de Chvez esto Iris Varela, Maria Cristina Iglesias e Aristbulo Istriz. Pouco depois o ministro sai do escritrio da Secretaria e comunica aos outros que Chvez no tem nenhuma inteno de assinar a renncia. Os generais fizeram presso ameaando bombardear o edifcio. Jorge Giordani, muito preocupado, sacudindo ligeiramente a cabea, sussurra: a vitria da morte. Tambm chega ao palcio Freddy Bernarl, o nico prefeito de Caracas chavista, enquanto quase ao mesmo tempo a DIM invade sua residncia, encontra algumas pistolas, porm legais, e sai com a informao de que encontraram grande quantidade de armas destinadas aos crculos bolivarianos, comits de bairros incuos e desarmados, como depois foi possvel averiguar, constitudos por um pequeno nmero de pessoas, normalmente algo entre cinco e dez. A oposio tratou de atribuir a essas organizaes os delitos e violncia cometidos pela prpria oposio. Ningum de tais crculos havia participado em atos de violncia, com ou sem armas. Por volta das 23h, os oficiais da Guarda Nacional que protegem o Canal 8 falam com o presidente Romero Anselmi e o informam que os golpistas esto enviando um grande contingente de homens fortemente armados e outras foras policiais para ocupar o edifcio. Os oficiais dizem que no podem proteger as instalaes porque tm poucas munies e no sabem se os militares que esto chegando so golpistas. Decide-se, portanto, evacuar o edifcio. So fechadas as instalaes e o pessoal transportado a um local seguro em nibus militares. Em seguida chegam os agentes armados por ordem de Mendoza e entram no edifcio. So acompanhados por cmeras da Globovisin, que transmitem ao vivo o estabelecimento vazio, sem dizer que no se encontrava ningum ali. Esta foi a primeira demonstrao de tipo democrata que os golpistas estavam aplicando.
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Por volta da meia-noite a Televn entrevista Teodoro Petkoff, que diz abertamente que esse fora um golpe de direita. a primeira pessoa da oposio, provavelmente no completamente implicada nos fatos violentos que aconteceram, que diz realmente o que estava acontecendo. A organizao do golpe foi bastante complexa e no pode ter sido organizada pelo medocre Pedro Carmona. As estratgias e tticas empregadas pressupunham uma organizao de tipo militar e bem-estruturada, uma linha de comando eficiente e uma logstica extremamente sofisticada. A pergunta : quem mandou efetivamente e quem pagou por toda essa organizao?
Forte Tiuna
O que ocorreu em Forte Tiuna? As operaes do golpe iniciaram justamente nesse lugar, onde era normal ver chegar militares venezuelanos e estrangeiros, civis importantes e assessores militares de vrias embaixadas, sem despertar suspeitas. O quinto andar do Comando Geral do Exrcito a base logstica da qual se ramificam todas as atividades golpistas. Desde as primeiras horas comeam a chegar altos oficiais das vrias foras. Tambm chegam civis como Pedro Carmona, Isaac Prez Recao com seus homens armados, mesmo que fosse proibida a entrada de civis armados. J anteriormente haviam redigido a lista dos militares amigos de Chvez, que so afastados do expediente em funo da reunio. J tambm precavidamente, organizaram uma manobra para afastar os batalhes cujos comandantes fossem considerados pouco confiveis, retirando-os de Caracas na data da marcha, do dia 5 ao dia 18 de abril. Lembrem-se que no dia 8 de abril os golpistas tambm tentaram substituir o general Baduel na base de Maracay porque conheciam muito bem a importncia da 42 brigada de paraque-
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distas e o papel que poderiam desempenhar os avies F-16 daquela base, tambm somente como efeito dissuasivo. Este foi o quadro geral organizado pelos militares dissidentes. Pela tarde, o coronel Jos Gregorio Montilla Pantoja, que se encontrava perto dos escritrios da Disip em Caracas, vendo chegar estranhos personagens para tomar posse daqueles escritrios, translada-se a Forte Tiuna e encontra o general Garca Carneiro. Mesmo que os dois no se conhecessem muito bem, tinham em comum o desprezo pelos golpistas e o respeito por Chvez, conhecido e estimado por Montilla quando frequentou a academia militar, Chvez tinha ento o grau de tenente. Os golpistas j haviam mandado um ultimato ao presidente e estavam procurando Carneiro com inteno de prend-lo. Nesse momento, ento, Montilla e Carneiro vo a Miraflores para falar com Chvez. A situao no palcio estava catica e aos dois no foi possvel contatar o presidente, e ento voltam ao Forte Tiuna, o quartel general. Quando entram nas salas do quinto andar, os militares golpistas esto brigando para atribuir-se melhores cargos no futuro governo. E Chvez ainda era presidente! Tambm chega a notcia de que o general Baduel est com Chvez, criando mal-estar entre os departamentos operativos, mesmo que a coisa fosse minimizada pelos altos oficiais que esperavam solucionar o problema da renncia de Chvez rapidamente, prevenido-se de qualquer reao.
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PARTE V
12 de abril de 2002
O dilema de Chvez
Depois que a comisso dos golpistas deixa o palcio de Miraflores, contrariada por no haver conseguido a renncia de Chvez, ele fica sozinho no seu escritrio, refletindo sobre cada detalhe, examinando todas as possibilidades, porque agora comeava a ter um quadro bem claro da situao. O general dos paraquedistas Ral Baduel, da base area de Maracay, coloca-se em contato com o grupo de tanques de Maracaibo e juntos analisam as poucas informaes que conseguem. Fazem contato com Chvez e lhe dizem que esto prontos para marchar sobre Caracas para defender a Constituio. Chvez sabe bem o que significaria uma ao desse tipo: um choque sem precedentes com milhares de mortos e certamente um incio de guerra civil. No momento no se tem exatamente ideia das foras de que os golpistas dispunham, a suposio mais lgica que os generais rebeldes tivessem parte de seu contingente sob seu comando. Nas telas da televiso as declaraes continuam, pesadas, ressaltando de forma obsessiva a matana de gente inocente, acusando Chvez de louco, tirano, jogando uma sombra escura e sinistra sobre o presidente e deixando indubitavelmente marcas nos nimos de muitos militares. Visto que o Canal 8 fora eliminado, os golpistas com a
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cumplicidade, ou melhor, com a participao ativa dos meios de comunicao, tm carta branca para manipular as informaes, criando uma matriz de opinio favorvel a eles. Em Miraflores, os colaboradores de Chvez esto todos de acordo em resistir at as ultimas consequncias, sabendo que, ao ponto em que chegaram os acontecimentos, os golpistas no podiam voltar atrs e era impensvel a perspectiva do bombardeio do edifcio como uma mentira banal. Justamente para organizar a resistncia quase todos se armam com fuzis e esto prontos para dar sua vida pelo presidente. O dilema de Chvez era entre resistir entrada do edifcio, transladar-se a Maracay, resistir com Baduel ou entregar-se prisioneiro. A alternativa de trazer a Caracas os batalhes de tanques foi descartada definitivamente para evitar um banho de sangue fratricida. Enquanto as linhas telefnicas do edifcio esto sendo sabotadas, o uso dos celulares tambm problemtico. Apesar disso, depois da meia-noite, Chvez recebe uma ligao de Fidel Castro. Explica resumidamente a situao, sob a ameaa de que o edifcio seria bombardeado, e Fidel diz:
() salva a tua gente e coloque-se tambm a salvo. No te sacrifique, no faa como Allende. Ele era um homem sozinho, enquanto voc tem ao seu lado grande parte do Exrcito. No abandone a presidncia, no renuncie. Negocie com dignidade, mas no te sacrifique, porque isso no acaba aqui.
Tambm esto presentes no edifcio os seus pais, Hugo de Los Reyes e dona Elena. Pede para que eles partam, mas inutilmente: no filho, se necessrio morrerei contigo, responde a me, uma mulher de vida dura, de dificuldade, como muitas mes venezuelanas. Tal como eles, todos os amigos mais fiis, na hora da verdade, esto prontos para morrer com o presidente. Chvez faz um resumo da situao. Naquele momento podia contar indubitavelmente com a guarda de honra e com a Casa Militar, com um total de uns dois mil homens armados com FAL
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762 e UZI. Alm disso, contava com seis carros rpidos que estavam na proteo externa de Miraflores. Ele est com uma farda, boina vermelha e armado com fuzil e pistola, pronto para o combate junto com a 42 brigada de Maracay, sob as ordens do general Baduel. Poucos minutos antes, o general de diviso Julio Garca Montoya disse: Presidente, estamos aqui para viver ou morrer, s temos que decidir quando atuar. E no so palavras ditas ao vento, mas sim palavras de um homem determinado e consciente do perigo. Tambm asseguraram seu apoio os comandantes de batalho dos carros da cavalaria e infantaria de Caracas, do Estado de Zulia e de outras regies. Mas do-se conta de que as Foras Armadas esto divididas e no poderiam permitir que o pas fosse destrudo. Tm que utilizar todos os recursos ao seu alcance para impedir a catstrofe. J era quase meia-noite quando liga para a Nunciatura Apostlica e pede para falar com o nncio. Atendeu um conselheiro e o presidente o comunica que o objetivo da sua ligao era que, querendo entregar-se aos golpistas, queria pedir a intermediao do Vaticano. Mas vejam a casualidade! O nncio estava ausente porque encontrava-se em Roma! No se sabe se por vontade prpria, por necessidade de servio ou, coisa mais provvel, para evitar problemas e chateaes perigosos. Ento Chvez pede para falar com o monsenhor Snchez Porras, o bispo capelo das Foras Armadas. Mas a Nunciatura, qui de boa f, mesmo que parea bem improvvel, pensa que se tratava de Baltazr Porras. Assim colocam Chvez em contato com o monsenhor Baltazr Porras, presidente da Conferencia Episcopal, grande amigo e cmplice de Pedro Carmona e Carlos Ortega. Apesar de saber perfeitamente a posio assumida pelo monsenhor, faz a tentativa e pede-lhe que v at Miraflores, visto que estava preso no edifcio e os generais haviam pedido sua renncia. O monsenhor Porras promete que ir e intervir em seu favor. Outra mentira descarada! Chvez, realmente no sabia que
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o monsenhor no tinha nenhuma inteno de ir a Miraflores por saber que os golpistas poderiam bombardear o palcio caso o presidente resistisse. Melhor deixar que as coisas seguissem seu curso e ficar num local mais seguro. At 1h40, o general Efran Vsquez Velazco anuncia que Chvez est pronto para renunciar, indubitavelmente advertido pelo monsenhor, pois teve que referir-se, regozijante, ao dilogo entre ele e o presidente. Nos entornos de Miraflores, s havia gente cansada, mas sem a mnima inteno de voltar s suas casas. Estavam todos sem defesas militares, com exceo dos agentes da Casa Militar. Fredy Bernal, por volta das 2h, entra no escritrio do presidente, onde este est, fardado, triste e desmoralizado, sobretudo pela traio dos militares, falsos amigos. A alternativa que restava, para evitar derramamento de sangue, era deixar-se levar. Chvez estava convencido que o povo, em um ano, o resgataria e convida Bernal a ir com ele. Bernal, no entanto, tem outra ideia, est decidido a lutar com o povo, e nas ruas. Chvez pede-lhe que no faa loucuras porque os golpistas no o perdoariam pela lealdade ao governo. O presidente no tem nenhuma inteno de renunciar, mas j solucionara seu dilema: decidira entregar-se. Jos Vicente Ranger no concorda e faz uma ltima tentativa para dissuadi-lo, j que teme por sua vida. Visto que cada tentativa se mostrava intil, busca a melhor maneira de ajudlo. Chama a Televn com Omar Camero Zamora, presidente da emissora, e diz: Chvez deseja que voc faa parte da comisso de mediao qual ele se entregar. Camero comunica a proposta aos generais e Efran Vsquez Velazco designa os membros que faro parte desta comisso: Medina Gmez, Gonzlez Gonzlez, Romel Fuenmayor, dentre outros. Tambm chega ao canal o monsenhor Baltazr Porras, o infalvel. Quer estar presente no momento histrico da derrota do inimigo. Camero diz que o presidente quer ir a Cuba, exige garantias de sua segurana e dos seus prximos e quer dirigir uma mensagem nao. O ge-
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neral Fuenmayor estava de acordo assim como Camero, mas os demais recusaram categoricamente e portanto a discusso encerrou-se nesse ponto; os generais, junto ao monsenhor, voltaram ao Forte Tiuna. Seria sabido mais tarde que os detalhes das presses psicolgicas para obrigar Chvez a renunciar foram elaborados com a assessoria do seu companheiro e amigo Francisco Arias Crdenas, naquele momento totalmente subjugado pelos golpistas.
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um amigo e sai do escritrio circundado pela multido que no quisera abandonar o palcio e que entoava o hino nacional. Enquanto o presidente saa do edifcio para entrar no carro que o levaria ao Forte Tiuna, escuta-se, vinda do meio da multido, uma voz: Presidente, presidente, nos rebelaremos, esse quiproc vai terminar. Os gritos so ensurdecedores e dentre os gritos de viva Chvez ouvia-se tambm, repetidamente, viva Bolvar. Chvez entra no carro, que se distancia rapidamente, seguido pelas pessoas que ainda tentavam sustentar seu presidente. 22. Lgrimas e confiana O garoto da imagem 22, que estava caminhando atrs do carro que partia, disse a um companheiro, entre lgrimas: o povo est com o presidente e sair para apoi-lo, voc ver. Quase ao mesmo tempo, o comandante das foras armadas, general Lucas Rincn, anuncia que Chvez renunciou. Ser especulado por longo tempo sobre essa declarao, pois o general Rincn era um dos fiis de Chvez. Nunca ficou claro os motivos dessa declarao. Houve muitas hipteses, como a da tentativa de despistar os golpistas: Chvez teria pedido a Rincn sobre fazer a declarao para confundi-los, visto que ele no assinara nenhuma renncia. Em troca a oposio declarar que Chvez efetivamente renunciara, e isso havia sido a prova. Mas tambm h uma terceira hiptese: tendo sido interrompidas todas as comunicaes com Miraflores, com o Canal 8 fechado, foi fcil fazer circular informaes falsas e assim enganar o general Lucas Rincn, por exemplo, dizendo-lhe que era seu dever anunciar nao o acontecimento para estancar a incipiente revolta popular. Ou ainda, tambm ele apoiou o golpe, inclusive sem se expor excessivamente!
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Meia hora depois, antes das 4h, o carro com Chvez chega ao Forte Tiuna, onde se encontram reunidos os generais golpistas com Pedro Carmona e um monsenhor Baltazr Porras sorridente e satisfeito, como um peixe na gua. Os generais e Pedro Carmona saem do salo para confabular e o monsenhor Baltazar Porras se aproxima do presidente dizendo: Como Chvez se sente?, em tom muito amvel, que esconde um profundo sarcasmo e algo de revanche. O presidente responde: Monsenhor, eu estou sem dvida muito preocupado, mas permita-me dizer que sinto-me muito bem espiritualmente. Porras, um pouco aborrecido, continua: Ah, sim? Como pode sentir-se bem com tudo o que aconteceu: mortes, o pas dividido No cr que fosse possvel um maior esforo no sentido do dilogo, do consenso?. Os mortos e o pas dividido so responsabilidade de Chvez, que recebe tambm a bronca. Depois sugere o que deveria ter feito e no fez. Mas, o que queria dizer de verdade eram outras palavras, por exemplo: Teve o que mereceu! Teve o que mereceu, seu filho da. Mas Chvez responde:
Monsenhor, no venha fazer-me aqui uma pregao. Estou sentado aqui, no sei nem se tm a inteno de matar-me, e no sei se isso me faria desesperar porque estou consciente de ter permanecido fiel ao povo. Poderia ter me corrompido por esta oligarquia arrogante. Teria sido fcil para mim, em qualquer momento nessas noites de conflito que passamos, chamar at o palcio quatro ou cinco pessoas e dizer-lhes que teriam o que quisessem, e assim acabar com os conflitos. S que assim eu teria passado a fazer parte daquela enorme fila de anes de longas tranas, como os chama o poeta chileno Mafud Masis em sua Orao a Simn Bolvar na noite escura da Amrica. Monsenhor, eu no serei nunca como um dos muitos anes de tranas compridas como j houve muito nessa ptria. Por isso estou bem.
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O monsenhor se distancia consideravelmente e nem sequer arrisca um pequeno comentrio sobre a frase de Chvez () no sei nem se tm a inteno de matar-me (), mas simplesmente simula no haver sentido algum. Ou porque o presidente demonstrara saber mais do que deveria? Poucos minutos depois, altos oficiais golpistas, os mesmos que apareceram na televiso para declarar sua discordncia e desprezo pelo presidente, e outros que no tiveram ainda a honra de estar em primeiro plano, entram todos de uma vez na sala, provavelmente para impressionar Chvez e faz-lo crer que tudo j estava perdido. O coronel Julio Rodrguez Salas mostra-lhe um documento com a renncia j escrita, e, de p, indica um ponto da pgina e diz: Voc assina aqui. Chvez responde: Vocs esto muito equivocados. E olha-os firmemente, um a um, e descobre que entre eles tambm h aqueles que at poucas horas considerava amigo. Logo continua:
No assinarei nunca esse documento, parece que vocs no me conhecem. Muitos anos juntos e ainda no me conhecem. No assinarei nada. Faam o que quiserem com esse documento. Parece que no se do conta do que esto fazendo e, dentro de pouco tempo, ao nascer do sol, tero que explicar ao povo o que fizeram.
Algum se aborrece, outros continuam insistindo, outros trocam olhares indecisos. Um dos oficiais mais hostis interrompe o dilogo dizendo que no tinha importncia, pega brutamente o documento e encaminha-se sada, seguido por todos os outros. Pouco depois, Chvez levado ao regimento da polcia militar, sempre dentro do Forte Tiuna, onde o colocam numa cela trancada com um oficial como guarda diante da porta. Seja porque aquele oficial nunca havia estado perto do presidente ou ento porque quis ver nele os indcios de monstro descritos pelos seus superiores, ou mesmo apenas por curiosidade, o fato que o oficial comea a observar o preso atentamente, mas ele se mantm tranquilo. Chvez percebe e devolve o olhar, provavelmente
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demonstrando uma calma que no tinha naquelas trgicas circunstncias. Depois de certo tempo o oficial recebe um outro que o substituir, e, para passar as instrues, trocam informaes em voz baixa. O novo guardio, poucos minutos depois, estando sozinho, aproxima-se da cela e entrega ao presidente um pequeno objeto, dizendo: Segure-a e a friccione Era uma pedra de quartzo, a qual se cr poder recarregar as energias de algum que esteja deprimido. O moo queria ajud-lo com o que tinha e como podia. s 14h, as emissoras de televiso transmitem a primeira declarao de Carmona Estanga. Na imagem 23, podemos ver, nos microfones, os smbolos da Venevisin, 23. A entrevista de Carmona Globovisin, RCTV e Televn. sua direita, est Efran Vsquez Velazco, e, esquerda, Hctor Ramrez Prez, alm do general Medina Gmez e outros altos oficiais. Carmona declara: Decidimos que as Foras Armadas mantero em custdia o presidente que est saindo, o presidente Chvez, e que seja constitudo em seguida um governo de transio (). As notcias dadas pelas emissoras foram um contnuo hino, para a alegria dos golpistas. Com rostos sorridentes contaram como foi necessrio trabalhar mais de um ano para levar a cabo a expulso de Chvez. Indistintamente todos agradecem s quatro TVs irms pelo apoio dado sua causa e reconhecem sem meios termos o seu papel: sem o apoio delas nada haveria sido possvel. Por sua vez, tambm as emissoras declaram o orgulho que sentem por terem participado da salvao do pas. Alm disso, j seguros de que o plano sara exitoso, por vaidade e estupidez, muitos cometem a imprudncia de lanar-se em declaraes comprometedoras das quais se arrependero alguns dias depois.
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Enquanto isso, na priso de Chvez no Forte Tiuna, chega outra troca de guarda. A atitude do novo oficial no est muito bem dentro do conceito de guarda desejado pelos golpistas. Da parte dele o respeito a Chvez ainda maior, seja por talvez ainda consider-lo seu presidente ou seu superior, em todo caso, seja pela dignidade que demonstra aquele homem. Chvez o pergunta sobre a possibilidade de disponibilizarem a ele um televisor para que pudesse ver o que estava acontecendo l fora. O jovem consegue posicionar uma televiso de modo que Chvez a visse, e assim ele acompanha o espetculo de Napolen Bravo e todas as outras figuras que, na pequena tela, vangloriam o prprio papel de haver levado o golpe ao xito. Napolen Bravo, da Venevisin, realmente abre as transmisses matutinas com essas poticas palavras: Ol, bom dia. So 6h14. Graas sociedade civil e s Foras Armadas amanhecemos diferentes hoje, temos um novo presidente. E, depois, o esqulido condutor l uma suposta renncia de Chvez e conclui: () e o assinou. Este documento falso, j em seu primeiro pargrafo, removia de seu cargo o vice-presidente da Repblica e o gabinete executivo, assim, por causa da renncia de Chvez, no havia ningum que pudesse assumir a presidncia, criando automaticamente um vazio de poder e, portanto, no se podia falar em golpe de Estado. Isso o que inventaram as mentes tortas dos grandes juristas sados da Ucab, os que exprimiram a fundo suas sublimes meninges para compor o quadro jurdico que justificaria seus crimes. Continua o show de um Napolen Bravo satisfeito, lendo a renncia irrevogvel de Chvez Presidncia e dando detalhes da assinatura dele, mas sem mostrar s cmeras. Esse detalhe nada irrelevante causou algum impacto, o que foi ressaltado pela BBC, s 10h15 em um comunicado: ningum viu o documento assinado! Durante o dia o Bravo Napolen, junto a Nitu Prez Osuna, outra jornalista que fica histrica s em escutar o nome de Chvez, instigam a sociedade civil a denunciar os
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chavistas, que devem, evidentemente, ser exterminados. Quando Chvez escuta esse comunicado, a primeira coisa que pensa : Estou morto! A nica maneira de que eu no os desminta matando-me. Tem que fazer algo, mas o qu? Tenta algo bastante arriscado: pede ao oficial da guarda, no tom mais tranquilo possvel, que lhe consiga um celular e, contra todas as expectativas, o militar o atende! O oficial sem dvida no estpido, mas, evidentemente, isso seria muito para o comportamento de um oficial golpista. Ele tem que executar ordens, e, j que ningum o ordenou que no satisfizesse aquela solicitao do prisioneiro Este episdio desencadear uma sequncia de acontecimentos de notvel importncia. Mas vamos com calma. Chvez liga para Miraflores procurando pelos seus pais que deveriam estar ali, mas ningum o atende. Ento liga para a filha Maria Gabriela, escondida na casa de praia do namorado da irm mais velha, Rosa. Maria atende ao telefone. Maria, como est?. A outra filha, compreendendo que ao telefone estava o pai, comea a chorar. Maria tambm sente as lgrimas lhe subirem aos olhos, mas tem que dar suporte ao pai, ento as engole, consegue manter a calma e, no tom mais alegre que pode, responde: Papai, preso outra vez! O que arrumou? Onde est agora?. Encontro-me no Forte Tiuna. Veja Maria, escute-me cuidadosamente. Faa contato com algum, ligue para o Fidel, se puder. E que devo dizer-lhe?. Diga que no renunciei, que estou prisioneiro e que eles tm a inteno de me matar, mas que eu no renunciei. Maria tem um sobressalto, mas controla um pouco suas emoes. Papai, tranquilo. Ver que conseguirei, e em tom de piada acrescenta: E voc, enquanto isso, comportese bem. Fidel a chamar de herona. Desliga o telefone e olha em silncio para a sua irm, que segue chorando. Esto chocadas com a notcia. Sentem-se frustradas e impotentes para administrar uma situao muito maior que elas. A Venezuela parece ter dado as costas ao seu pai. Do-
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se conta da gravidade e complexidade da situao, discutem cuidadosamente sobre o que fazer, formulam vrias hipteses e, ao final, percebem que a nica pessoa que tem alguma possibilidade de ajudar ao seu pai Fidel, portanto agem imediatamente para contact-lo por meio da embaixada. No decorrer da manh do mesmo dia, o monsenhor Baltazr Porras entrevistado pelas emissoras privadas e, com a compuno e a piedade que o seu cargo o impe, mas com a tranquilidade segura de um mentiroso incorrigvel, diz que Chvez quase chorou sobre o seu ombro, pedindo perdo a Deus por seus pecados, e ele, como bom pastor que , levou-lhe uma palavra de consolo. Acompanhei pessoalmente cada palavra do monsenhor nessa entrevista e no h erros de interpretao. Tambm acrescento que j no h sinal dessa entrevista algum nas sedes das quatro TVs irms. Naqueles dias, o monsenhor Baltazr Porras teve que mudar-se levando consigo seu confessor particular, e deu-lhe muito trabalho. Creio que, em vez de presidente do CEV, teria sido um magnfico presidente do tribunal do santo ofcio, onde poderia ter torturado e mandado fogueira os hereges incmodos. Sempre em nome de Deus. O Chvez pintado por esse discutvel monsenhor um homem destrudo, confuso e indeciso, a beira de um ataque de nervos, e, portanto, pronto para assinar qualquer documento para afastar-se daquela incmoda situao. Nem uma palavra sobre o fato de que o presidente no renunciara e no pretendia faz-lo. Nem uma palavra sobre o temor de ser assassinado. Esse quadro pintado pelo prelado veio reforar as declaraes de Napolen Bravo, mas no s. Realmente, desde as primeiras horas daquele dia, na pgina da Globovisn na internet se podia ler: O ex-presidente de Repblica Hugo Chvez assinou a renncia do seu cargo no Quartel General do Exrcito em Forte Tiuna. E, a seguir, o texto da suposta renncia, idntico ao que lera Napolen pela manh:
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() segundo o estabelecido no artigo 236, pargrafo 3, da Constituio, removo o vice-diretor executivo da Repblica, Diosdado Cabello e todos os ministros que compem o gabinete executivo. Ao mesmo tempo, segundo o estabelecido no artigo 233 da Constituio, apresento perante o pas a minha renncia irrevogvel ao cargo de presidente da Repblica, o qual exerci at o dia de hoje, 12 de abril de 2002.
Agora sabemos que tudo isso foi uma grosseira mentira, mas naquele momento foi um golpe na esperana de milhes de venezuelanos, tomados de surpresa e com os nimos destroados. Mas percebe-se que os golpistas no conhecem seus compatriotas; aqueles que, segundo Chvez, so feitos com o barro dos libertadores da Amrica
A democracia de Carmona
J desde a noite do dia 11 e grande parte do dia 12, foi possvel averiguar os exemplos da aptido democrtica dos novos donos da Venezuela, situao primeiro desejada e logo aceita sem reservas pelos Estados Unidos e pela Espanha. So exe24a. Alfredo Pea cutadas dezenas de irrupes violentas e muitas dessas ordens j haviam sido emitidas na manh do dia 11, para que no perdessem tempo. Pela noite, a polcia, por ordem do governador Mendoza, de Alfredo Pea, de Leopoldo Lpez e de Capriles Radonsky, irrompe em todos os escritrios e reparties estatais, ministrios e sedes sindicais, destruindo tudo o que no iriam levar. Em Maracaibo penetram nos escritrios de CorpoZulia, apoderando-se dos registros das pessoas que pediam aos bancos, sobretudo espanhis, o reembolso, decretado por lei, dos devidos indexados, para tambm persegui-las.
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As cpulas golpistas da PDVSA se combinam e anunciam, obviamente na TV, por volta das 8h da manh, a retomada das exportaes do petrleo. Enquanto isso, comea a circular a informao de que Chvez 24b. Alfredo Pea est preso em Forte Tiuna. A notcia passa de boca em boca e por celular, visto que a televiso silenciava tudo o que pudesse criar problemas aos golpistas. As pessoas comeam a reunir-se diante das grades de entrada do Forte Tiuna pedindo a libertao do presidente. Estas cenas no so de forma alguma gravadas pelas quatro TVs irms, e os golpistas comeam a utilizar a polcia para controlar a ordem pblica. Naqueles fatdicos dias 12 e 13 de abril, sero mortos pelas foras policiais mais de 50 pessoas, com cerca de 400 feridos e nenhum rgo internacional fez alarde, enquanto as emissoras venezuelanas simplesmente ignoravam o problema. Assiste-se, porm, comunicados nos quais se declara que os policiais no disparam nunca contra cidados desarmados. Alfredo Pea, ex-jornalista convertido em prefeito de Caracas com Chvez, e ento seu inimigo, pois enriqueceu em poucos meses, aparece em vrias circunstncias nos canais golpistas dando este tipo de declarao. Comea a caa aos chavistas. Todos os funcionrios pblicos so buscados como se fossem criminosos. Muitos conseguem salvar-se, mas vrios deles acabaram nas mos dos grandes democratas golpistas, que tinham uma concepo muito particular dos direitos humanos. No Estado de Miranda, um grupo de civis seguido por agentes de vrios rgos policiais, invadem a prefeitura de Petare, cujo prefeito filho do chanceler Jos Vicente Ranger, mas ele consegue escapar. Eles tm ordem de prender ou disparar sobre os que tentam escapar. No Estado de Tachira, ao sul do Lago de Maracaibo, num perodo anterior a Chvez, foi governador um senhor chamado
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Sergio Omar Caldern, pertencente ao partido AD, e que fora apelidado de padre, pelos seus antecedentes em um seminrio. Tal como em Carabobo reinou a famlia Remer, em Tachira j reinava h muito tempo o padre Caldern, mas a chegada do MRV o depe e chega, por meio de eleies pblicas obviamente, um novo governador chavista: Ronald Blanco La Cruz, un ex-oficial piloto. O dano econmico famlia do padre foi enorme, tambm porque em Tachira h uma espcie de loteria (Kino Tachira) que leva muito dinheiro aos caixas do Estado e, sem dvida, trouxe muitos benefcios economia familiar do padre. O senhor Sergio Omar Caldern no se resignou nunca por ser excludo. No dia 11 de abril, realmente, estava em Caracas, com megafones nas mos, incitando a invaso de Miraflores. Voltou em seguida a Tachira e organizou uma invaso casa do governador usurpador, quebrando portas e janelas. Os novos hierarcas comunicam a Blanco La Cruz que Chvez j havia assinado sua renncia, e, portanto, impem que ele tambm deveria assinar a sua, coisa que o governador recusa categoricamente. Ainda acrescenta que teria sido oportuno lev-lo tambm ao Forte Tiuna e coloc-lo em contato com Chvez, j que ambos concordaram com suas correspondentes renncias. Evidentemente o governador conhece muito bem o presidente e no cai na armadilha. Vendo que eram inteis as tentativas de faz-lo renunciar, prendem-no e, enquanto levado pela Guarda Nacional, os pacficos defensores da liberdade e dos direitos humanos o atacavam com socos e pontaps. Algum da multido dos opositores grita: Ataquem-no em sua perna direita. O governador Ronald Blanco La Cruz sofreu, um tempo atrs, um grave acidente, ferindo-se gravemente na perna direita. Pacficos? No violentos? Respeitosos dos direitos humanos? A propsito, de quais delitos era acusado o governador? Simplesmente ser chavista e haver excludo um opositor que tem o orgulho ainda ferido pela derrota poltica e, sobretudo, pela perda econmica de que padecia. Na-
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turalmente a captura do governador chavista recebe cobertura total das quatro TVs irms e todos puderam admirar o tratamento que recebeu por dois golpistas que ignoraram os direitos humanos descaradamente. Do mesmo modo preso Tarek William Saab, membro da Assembleia Nacional, personagem que tem uma longa trajetria na defesa dos direitos humanos, alm de ser um sensvel autor de incrveis poesias. Eles o agarram em sua casa sob os olhos aterrorizados de sua famlia e o empurram a uma multido uivante, expondo-o aos insultos e golpes dos pacficos opositores; fizeram o mesmo com o ministro da Justia Ramn Rodrguez Chacn. J esto todos seguros do xito do golpe e os proprietrios das emissoras de televiso, que se consideram coautores inquestionveis, tm que seguir fazendo o prprio dever patritico, que significa limpar o pas da escria chavista. As24c. Alfredo Pea sim se empenham em manter informada a nobre sociedade democrtica sobre o desenrolar da perseguio aos deputados Iris Varela e Juan Barreto e aos ministros Aristbulo Istriz, Mara Cristina Iglesias e, naturalmente, ao delinquente do vice-presidente Diosdado Cabello. Entre os mais convencidos desta nova poltica esto todos os executivos do partido Primeiro Justia que, significa, pensemos, justia antes de tudo. Enquanto isso, os golpistas celebram o triunfo em Forte Tiuna antes de irem a Miraflores. Todos querem a foto histrica junto ao futuro presidente. Mas ainda h algo em suspenso: Chvez no assinara renncia alguma. A nica maneira de solucionar o problema era fuzil-lo imediatamente. Alguns pedem que ele seja levado a um tribunal, possivelmente nos EUA, onde sua certeira condenao serviria de argumento para tudo e todos. Provavelmente a CIA
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25. Rambo?
26. o lana-bombas
no sabia ainda que Chvez no havia assinado, visto que estava muito bem isolado, impedido de qualquer contato com altos oficiais no seguros. Em todo caso, agora era necessrio ir a Miraflores, estabelecer-se e, depois, tratar-se-ia da deciso sobre a sorte de Chvez. Junto aos festejos no Forte Tiuna, as fotos tambm mostram outras coisas. Recordamos que foram tiradas no comando de Forte Tiuna, onde o acesso de civis armados proibido. E ento, o que faz toda aquela gente armada como se fosse o Rambo? Na foto 3, da imagem 24, v-se Daniel Romero. Na imagem 25, vse Pedro Carmona em primeiro plano e, suas costas, um civil armado com um fuzil lana-granada de pontaria telescpica e laser, cuja arma vista mais claramente na ampliao da imagem 26. Esse "contratado" faz parte do grupo de civis utilizados por Prez Recao e provenientes de uma agncia de ex-agentes do Mossad. Sua tarefa foi proteger o grupo da oligarquia que comandou o golpe, tambm contra eventuais surpresas dos altos oficiais venezuelanos. Quem pagou por todo esse aparato? Vamos encontrar todos em Miraflores.
A embaixada cubana
Os golpistas receberam fundos dos cubanos desterrados em Miami, portanto o envolvimento de Cuba nas aes golpistas a moeda de troca. Mas tambm h que se considerar que Cuba
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a nica que pode ajudar Chvez e necessitam de algum modo neutraliz-la. Lembramos dos fatos da noite de 9 de abril, quando Ruth Capriles diz em Chuao que a embaixada cubana estava armando os chavistas. J nas primeiras horas da manh, um grupo de mais ou menos 35 pessoas inicia uma ao de protesto violento diante da embaixada cubana. Num primeiro momento, lanam objetos ao seu interior e depois comeam a destruir os carros dos empregados da embaixada, sob o olhar benevolente da polcia de Baruta, que no interveio em nada. O advogado Ricardo Koesling, na imagem 27, direita, j conhecido como valente defensor de Juan lvaro Rosabal, reaparece entre o grupo de protesto e dirige pessoalmente as primeiras aes violentas, ajudando a deslocar os carros, que 27. Ao de Koesling so destroados sistematicamente, sempre de modo pacfico, obviamente. Na imagem 28, um paladino da democracia entra em um carro, que seguramente no era seu, e de uma maneira bastante peculiar: detonando o para-brisas. As emissoras de televiso transmitem aquele legtimo protesto, justificando-o com a notcia, obviamente falsa, de que dentro da embaixada estava escondido o vice-presidente Diosdado Cabello, um criminoso chavista que naturalmente deveria ser preso. Poucas horas foram
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suficientes para que os golpistas preparassem seu carto de visitas e sua fila de juristas, constitucionalistas, comentaristas e todos os istas possveis, considerando legtima a ao de invadir uma embaixada, ignorando todas as convenes institucionais. Se a embaixada cubana que invadida, tudo bem, mas se tivesse ocorrido com a embaixada dos EUA, a reao teria sido a mesma? Visto que se abre a temporada de caa aos membros do governo Chvez, todas as aes criminosas tornam-se legtimas. Na sequncia desses comunicados, a aglomerao em torno da embaixada vai aumentando, assim como as aes violentas. Esto presentes vrios cubanos desterrados vindos de Miami. Entre eles, encontra-se tambm Salvador Roman, outro dos autores do caso Rosbal. Ele declara aos microfones golpistas, diante da embaixada: () o que estamos 30. Salvador Romani pedindo aos membros da embaixada, que saiam, porque ns, os exilados cubanos, podemos com todo direito tomar posse da embaixada cubana e devolver a dignidade a ela () h que ser dissolvida a Assembleia Nacional [venezuelana], tem que ser dissolvido o Supremo Tribunal de Justia () Coisas essas que sero executadas pontualmente por Pedro Carmona poucas horas mais tarde. Que previso e que casualidade!
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Estas so as mesmas pessoas que organizaram inumerveis atentados contra Cuba, entre os quais a sabotagem a uma aeronave civil, h 20 anos, que custou a vida de ao menos 70 pessoas, realizada pelo terrorista Posada Carriles, preso na Venezuela e que fugiu com ajuda da CIA. Querem adivinhar onde se encontra este indivduo? Sim. Tudo ocorre obviamente com a conivncia dos muito democrticos governos dos EUA. Segundo eles, todas as aes terroristas contra Cuba so aes legtimas. Salvador Roman declarar que na manh do dia 12, no se encontrava diante da embaixada cubana, no momento quando foram destrudos os carros. Mas isso tudo desmentido pela vasta documentao em vdeo e fotografia. Outro sinistro personagem aparece na mesma manh diante da embaixada: Henry Lpez Sisco, ex-agente da Disip, envolvido na matana de Cantaura (em 1982, 23 pessoas assassinadas), de Amparo (em 1988, 13 pescadores assassinados) e de Yumare (em 1986, 9 pessoas torturadas e executadas). A impunidade foi garantida por vrios governos, que, de fato, tambm foram os mandantes. Nas fotos da imagem 32, vemos claramente todos juntos, organizando os manifestantes que, certos de que a polcia no interferiria, primeiro tratam de entrar na embaixada e depois comeam a sabotar as instalaes eltricas e a tubulao de abastecimento de gua. Digo ainda que, em Cantaura, foi assassinada gente que pertencia ao partido Bandeira Vermelha e, em 11 de abril, o Bandeira Vermelha colaborara com os golpistas! Por qu? O assdio continuar por muitos dias, impedindo os membros da embaixada de sair. So inteis as tentativas de um funcionrio cubano que sobe no muro do ptio e tenta conversar com os manifestantes. No lugar tambm se encontra o prefeito Capriles Radonsky. O empregado cubano concorda que entrem na embaixada o prefeito e um cmera, que chegam ao ptio pulando o muro. O embaixador os recebe e, com calma, ten-
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ta compreender o que est acontecendo, que viola todos os tratados internacionais. O prefeito queria inspecionar a sede para averiguar a presena ao menos de Diosdado Cabello, mas o embaixador no permite. Lembra-o que est em ter32. Sabotagem ritrio cubano, que h mais de 40 anos os Estados Unidos estavam tentando fazer com que Cuba desaparecesse, sem sucesso, e que no permitiria a ningum violar sua dignidade e soberania, estando dispostos a defender a embaixada tambm com a sua vida. Radonsky sai da embaixada e, em vez de ir cuidar de seus deveres (a embaixada encontrase no territrio de Baruta, jurisdio sua, portanto), se justifica diante das cmeras dizendo que no pode confirmar ou desmentir a presena de Diosdado Cabello ali, permitindo, assim, que se prolongue o ato violento. O conceito de asilo poltico ignorado e a televiso transmite a suposta presena de membros do governo Chvez na embaixada. Evidentemente, os exilados cubanos insistiram e queriam ter maior disponibilidade da parte do novo governo de Carmona para invadir definitivamente a embaixada de Cuba.
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sveis. Justos, emitiram uma primeira declarao na manh do dia 12, na qual rechaavam a violncia exercida pelo governo de Chvez contra gente inocente, pacfica e desarmada. Depois pediram para a Organizao dos Estados Americanos ajudar a Venezuela na consolidao das instituies democrticas. Tal como expressam seu apoio e solidariedade ao povo venezuelano, os dois governos reafirmaram sua convico de que somente a consolidao de um quadro democrtico estvel podia ofereclo um futuro de liberdade e progresso. V-se que a democracia fascista muito apreciada por esses dois governos. Mas ainda no sabiam do decreto de Carmona, ao menos no oficialmente. O certo que os golpistas, tendo este documento pronto com antecedncia impensvel que os financiadores do golpe, entre eles os EUA, no tivessem conhecimento de suas clusulas e ainda no o tivessem avaliado. O departamento de Estado, na voz de Philip T. Reeker, declara:
Nesses dias expressamos nossas esperanas de que todos os setores da Venezuela, especialmente o governo de Chvez, atuassem com moderao e se demonstrassem cheios de respeito expresso pacfica da oposio poltica. Nos d tristeza a perda de vidas humanas. Desejamos expressar nossa solidariedade ao povo venezuelano e esperamos com ansiedade o momento de colaborar com todas as foras democrticas da Venezuela para assegurar o exerccio pleno dos direitos democrticos. Os militares venezuelanos, de maneira louvvel, mantiveram o povo venezuelano informado. Os fatos que ocorreram ontem no pas desembocaram num governo de transio que ir reger o pas at que seja possvel realizar novas eleies. Mesmo que os detalhes ainda no estejam claros, as aes antidemocrticas cometidas ou permitidas pela administrao Chvez provocaram a crise de ontem na Venezuela ().
A hipocrisia destas declaraes poder ser verificada completamente depois de um tempo, quando Eva Golinger, uma ad-
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vogada de origem venezuelana, descobrir e levar a pblico as mentiras dos EUA, publicando toda uma srie de documentos. s 11h25, tambm o presidente dos EUA, George W. Bush, acusar Chvez de ter provocado a crise que levou sua queda. Diz-se ainda pesaroso pela perda de vidas humanas e expressa confiana no triunfo da democracia.
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bm renunciara ao seu cargo, ainda restava desfazer-se do fiscal. Quem era o fiscal geral? Isaas Rodrguez nasceu no Vale da Pascua, no Estado Gurico, em 16 de dezembro de 1942. Formou-se advogado na Universidade Central da Venezuela, com especialidade em direito trabalhista. Inicialmente militou na Ao Democrtica, mas, no ano de 1967, deixa o partido e participa da fundao do MEP, Movimento Eleitoral do Povo, onde ficaria at 1981. Torna-se procurador do Estado de Aragua em 1990, e, em 1997, quando, depois de muitos anos afastado da cena poltica, aceita a solicitao de Chvez para que se unisse a seu movimento. Nas eleies de 1998, foi eleito senador pelo Estado de Aragua, abandonando o cargo de procurador e apresentando-se candidato Assembleia Nacional Constituinte. Ser o primeiro vice-presidente executivo da nova Repblica Bolivariana da Venezuela. Em 9 de janeiro de 2001, abandonar o partido MVR para assumir o cargo de fiscal geral. Como fazem a todos os fiis ao esprito da revoluo bolivariana, a oposio tentou a todo tempo deslegitim-lo, mas sua trajetria ntegra foi seu melhor escudo. Sua renncia legitimaria, ento, de forma definitiva, o golpe, e os golpistas poderiam trabalhar sob uma aparente legalidade, nacional ou internacionalmente. Para tanto recorrem a diversas vias, mas um jornalista comete o erro de dizer que, se o procurador renunciasse ao seu cargo, isso poderia ser feito diretamente na televiso. Nasce da a ideia de aproveitar a circunstncia favorvel, j que as nicas emissoras ativas eram as golpistas. Isaas aceita que seja organizada uma coletiva de imprensa ao meio-dia, mas com a condio de que a transmisso fosse feita ao vivo. A ele sugerido o modo de proceder; deveria aproveitar os primeiros segundos de transmisso, no esperar que lhe fizessem perguntas, dizendo logo o que tinha para dizer. A declarao do procurador transmitida ao mesmo tempo pela RCTV, Venevisin e Globo-
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visin. Isaas Rodrguez, depois de verificar que a transmisso realmente ao vivo, comea a falar o mais depressa possvel, com essas palavras:
() no h dvida sobre o fato de que o Estado constitucional foi violado e que estamos diante de uma situao que no pode ser qualificada de outra maneira seno de [faz uma pequena pausa e segue reforando as palavras] GOLPE DE ESTADO!
Nesse ponto as direes das redes de TV, dando-se conta de que o procurador no tinha nenhuma inteno de renunciar e de que haviam sido enganados, interrompem bruscamente as transmisses. Mas a mensagem j havia sido dada. A transmisso durou apenas trs minutos, mas a notcia de que tratava-se de um golpe e de que Chvez no havia renunciado e era um presidente prisioneiro dos golpistas estoura na Venezuela como uma bomba. O povo chavista desce dos morros de Caracas, os bairros se esvaziam, a notcia passa de boca em boca e todos se amontoam ao redor do Forte Tiuna pedindo a libertao de Chvez. A concentrao de gente aumentar durante todo o dia e toda a noite. O mesmo ocorre em vrias localidades do pas, sobretudo, ao redor da base area de Maracay, onde se encontra o general Baduel, paraquedista e leal amigo de Chvez. A televiso golpista ignora esses protestos. As pessoas organizam-se num movimento espontneo, com cartazes improvisados, e os muros e paredes se convertem em meio de difuso popular. Os golpistas param a comunicao via celular, mas a notcia passa boca a boca e com megafones, enquanto que jovens motorizados percorrem cada canto de Caracas difundindo-a por toda parte. O maior telefone sem fio da histria moderna mobiliza milhes de pessoas em poucas horas. Algum gravara as palavras do procurador, que so transmitidas pelas rdios chavistas como a Rdio F e Alegria, YVKE Mundial etc.
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Quando a transmisso ao vivo foi interrompida, calando assim a boca do procurador, todos os jornalistas presentes se entreolharam com cara de asco. Mas a conferncia inteira (com 52 minutos) foi gravada e o Ministrio Pblico, com a ajuda de alguns jornalistas, conseguiu mand-la a agncias internacionais. Pouco depois foi retransmitida pela Televisin Espaola e pela Telemundo, e dali rebateu na Venezuela. Depois dos primeiros trs minutos fora do ar, os jornalistas seguiram fazendo perguntas. importante lembrar que a maior parte desses jornalistas, e tambm suas conscincias, est vinculada aos meios de comunicao golpistas. Perguntaram ao entrevistado se ele, como fiscal da Repblica, havia reconhecido a junta de governo de Carmona, e ele respondeu que se tratava de algo completamente inconstitucional, sem validez internacional, e, portanto, que no havia motivo para reconhec-la. Outro entrevistador lembra que aquelas declaraes poderiam incendiar o pas, pergunta se ele est consciente da gravidade do que est dizendo. O procurador responde: Eu tenho um cargo e deveres atribudos pela Constituio e sou o fiscal da Repblica. Estas funes eu no posso ignorar numa circunstncia como a que est vivendo o pas agora; outro assinala que a comunidade internacional poderia reconhecer o que ocorria, e, nesse caso, a leitura seria de que no se tratou do golpe de Estado que ele ento enunciava. O Estado de direito [responde ele] no um problema de reconhecimento e muito menos de um reconhecimento do Departamento de Estado. E por fim chega a pergunta-chave: Procurador, o senhor renunciar?. Com que legitimidade [responde irritado] podem me fazer essa pergunta?. A conferncia encerrada e logo o procurador recebe ligaes da BBC e da CNN de lngua espanhola, que o entrevistam. So quase 14h. Por volta das 15h45 os presidentes latino-americanos na cpula do Rio na Costa Rica reagem aos acontecimentos venezuelanos de um modo seguramente no muito agradvel aos
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EUA: condenam o golpe militar contra Chvez e pedem imediatas eleies democrticas. Havana muito mais explcita e o governo cubano condena o golpe e apela ao mundo para que isolem seus lderes. Por outro lado, Clemencia Forero, ministra do Exterior colombiana, celebra a Presidncia de Pedro Carmona. As vanguardas de Carmona ocupam Miraflores preparando a chegada do novo presidente. O vice-almirante Molina Tamayo se apresenta em uniforme de gala da Marinha com o grau de almirante! Promoveu-se a si mesmo, seguramente por seus mritos na batalha do dia anterior. Jorge Olavarra o definiria como almirante de opereta. Prez Recao e seu comando lhe servem de escolta. Os dois chamam o comandante da Casa Militar e lhe perguntam se quer desobedecer a nova junta ou aceit-la em suas condies. O comandante diz que dever seu proteger o presidente, quem quer que seja ele. Averiguado, portanto, que no haveria problemas, comeam os preparativos, mas no tinham como saber o que passava pela mente do comandante. Suas consideraes foram simples e lgicas. Opondo-se, teria seguramente sido removido e seus homens ficariam a merc de algum golpista louco. Por outro lado, simulando aceitar a nova situao, conseguiria, em primeiro lugar, ficar em Miraflores e, sucessivamente, quem sabe Os golpistas ocuparam os escritrios de Miraflores, tirando dali documentos pertencentes ao governo Chvez. Alm disso, no havia dvidas sobre a direo imprimida s novas polticas, pois tiravam das paredes os quadros de Simn Bolvar e jogavam-no num depsito. Carmona se instala no escritrio presidencial e so preparadas as cmeras de televiso para a transmisso mais importante: o juramento e o primeiro decreto. O padre jesuta Mikel de Viana, obviamente da Opus Dei, um dos mais fervorosos adversrios e inimigos de Chvez, feliz, por fim, em entrar em Miraflores consagrado, declara, j na sua entrada: () no um governo minoritrio. As Foras Arma-
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das aderiram a um novo governo de maneira lmpida, por mrito dos cidados venezuelanos. Os cidados a que ele se refere so os sbios e eruditos, e no a ral. Este padre, que tem grande influncia na CEV, muito culto, com vrias publicaes em sua trajetria, no atua segundo o que predica porque suas aes no correspondem s ideias que expressa. Da pgina da Ucab na internet tirei o seguinte trecho, palavras suas:
A principal regra dos seguidores de Jesus romper as barreiras de discriminao e de produzir solidariedade com os demais. Tudo o que nos separa, rescinde ou divide pecado. Meu trabalho levar a ctedra s pessoas nas ruas, fazer da vida real o objeto de estudo e no elaborar uma seita de elite de pensadores sofisticados.
Seria bom que nos explicasse, quando fala de solidariedade, como vai aplic-la vida real, visto que no buscou nunca o que no divide entre os chavistas e a oposio. Outra coisa que merecia explicao como julga seus amigos da Ucab quando estes vaiam um chavista apenas por ele tentar entrar em um restaurante de Castellana ou Chacao, bairros notoriamente nobres. Deveria explicar tambm o que quer dizer quando, em outra ocasio, afirmara que () esta a revoluo dos miserveis e sem intelectuais. O iluminado padre sabe que os miserveis no devem ter voz, porque esse privilgio s reservado aos intelectuais, melhor ainda se tivessem sado da Ucab. Em todo caso, naquele dia estava tranquilo, no salo onde Carmona viver seu momento de glria no estar presente nenhum miservel! O cardeal Velasco, tambm feliz e sorridente, a poucos metros de distncia, falava ao celular com algum, dizendo-se contente de voltar a v-lo quando chegasse a Miraflores. Chegam tambm os generais e depois toda a fila de empresrios, polticos e proprietrios de meios de comunicao, todos transbordando de alegria e felicidade, longe do menor remorso pelos mortos desnecessrios.
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Olhando bem os rostos da sociedade VIP de Caracas, reunida no palcio, a coisa que impacta imediatamente que so todos brancos. a super-raa? Enquanto isso os protestos populares aumentam.
O juramento de Carmona
s 17h30, tudo est pronto para a cerimnia de posse da junta de transio. Mais de 500 pessoas esto reunidas no salo Ayacucho, em Miraflores. Caras sorridentes e satisfeitas, abraos de felicitaes e palmadinhas nas costas so as expresses orgulhosas da oligarquia que, por fim, conseguiu reconquistar o que sempre fora seu e que um vulgar marginal tentara tirar-lhes. Est presente a parte nobre da populao venezuelana, a high society, convidada para a festa. significativo o fato de que na sala, entre os ricos libertadores, no se encontra nenhuma pessoa com a pele escura. As coisas voltavam ao seu lugar.
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O alvio pelo perigo afastado representado pelo castro-comunismo e por um governo excessivamente populista serenou a verdadeira Venezuela, aquela formada por quem sempre soube administrar o poder, por quem tem experincia, 34. Salao Ayaucho cultura, contatos de alto nvel, seja na terra ou no cu. As cmeras so instaladas, as luzes e microfones esto em seus lugares e o show pode comear. Pedro Carmona se levanta, h uma folha sua esquerda. Detrs dele, de um lado est a bandeira venezuelana, mas aos seus ombros falta o quadro de Simn Bolvar, at o smbolo do libertador incmodo nova junta. Quando acabam os aplausos da elegante plateia, para um instante para adquirir a dignidade adequada ao cargo que est a ponto de assumir e tambm para saborear aquele momento mgico, sonhado por meses. Por fim levanta a mo direita e l o juramento:
Eu, Pedro Carmona Estanga, na minha [aqui se atrapalha um pouco, emocionado] condio de presidente da Repblica da Venezuela, juro perante Deus Onipotente, perante a ptria e todos os venezuelanos, restabelecer a efetiva aplicao da Constituio da Repblica da Venezuela de 1999 como norma fundamental da nossa ordem jurdica, e devolver o
35. o juramento
36. o cardeal
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Estado de Direito, a governabilidade e a garantia do exerccio das liberdades cidads tal como o respeito vida, justia, igualdade, solidariedade e responsabilidade social.
O cardeal Jos Ignacio Velasco escuta perplexo estas imortais palavras, talvez desejando de todo seu corao que tudo acabe rpido e volte o quanto antes tranquila normalidade. O dr. Carmona no faz muito tempo que fala, mas j enche o ambiente de incrveis mentiras e hipocrisias. Suas palavras sero desmentidas dentro de poucos minutos. Primeiro, se tivesse realmente aceitado a nova Constituio teria que acrescentar a palavra bolivariana, porque, desde sua vigncia, a Venezuela passara a se chamar Repblica Bolivariana da Venezuela. Seria importante que, naquele momento, o juramento fosse feito sob a nova constituio, porque, recorrendo a um artigo dela prpria, o 350, os golpistas tentaram demonstrar legitimidade de todas as aes contra o governo, tido por eles como tirano e ditatorial. A continuao a leitura do decreto, e Daniel Romero se encarrega de faz-lo, j que tambm deseja ter seu lugar na histria. O que ser lido o mesmo documento apresentado dias antes a Jorge Olavarra, na noite de 10 de abril, e que o historiador definiu como uma merda. Este decreto foi acordado entre os organizadores e os principais autores do golpe, mas, algum, de fato, foi esquecido e excludo, como por exemplo o nobre presidente da CTV Carlos Ortega. Os pontos que saram desse decreto foram: Art. 1: designa-se como presidente Pedro Carmona, que assume o cargo em seguida. Art. 2: restabelece-se o nome de Repblica da Venezuela. Art. 3: suspende-se de seus cargos todos os deputados da Assembleia Nacional, convocando novas eleies at dezembro para eleger novos membros, que tero a faculdade de reformar a Constituio, no se fala em referendo, mas retorna a velha corrente.
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Art. 4: cria-se um Conselho Consultivo de 35 membros que representam setores da sociedade, sem especificar quais so esses setores, que certamente se referem queles que apoiaram o golpe. Tudo como antes. Art. 5: o presidente da Repblica de fato assume todos os poderes. Art. 6: convocar-se-o eleies gerais dentro de um ano. Art. 7: o presidente, em conselho de ministros, poder eleger e substituir os titulares de todas as instituies, includos os parlamentares destinados ao parlamento andino e latino-americano. Art. 8: decreta-se a reorganizao dos poderes pblicos e, para tal fim, destituem-se o presidente e todos os magistrados do tribunal supremo, como o fiscal, o revisor geral, o defensor do povo e os membros do Conselho Nacional Eleitoral. Art. 9: suspende-se a validade das 48 leis emitidas por Chvez (mais um elemento que evidencia o golpe). Art. 10: mantm-se a ordem jurdica, sempre que no esteja em conflito com o presente decreto. Mantm-se inclusive os tratados internacionais legalmente assumidos (quem estabelecer sua legalidade?). Dois desses acordos sero em seguida apagados: o conv37. Alegria nio com Cuba e a adeso Opep. Art. 11: o governo de transio democrtica e unidade nacional manter o poder pblico informado sobre sua gesto, quando for eleito. E o decreto conclua: Senhoras e senhores, para avanar com esse movimento de toda a sociedade democrtica nacional, convoca-se os presentes a assinar o presente decreto como adeso ao processo.
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Esse decreto, que no tem absolutamente nada de democrtico, agradou muito a Geoge W. Bush e ao seu lacaio do momento, Aznar. Para eles so democrticos os governos que podem ser corrompidos e que, portanto, possam favorecer 38. Felicidade os desejos dos EUA. A leitura de cada artigo afirmada por aplausos entusisticos entre gritos de jbilo: democracia, democracia, liberdade, liberdade. Carmona est cada vez mais satisfeito. Mas isso detrs de uma mscara de falsa modstia, baixando pudicamente os olhos e a cabea, agradecendo. Mas quando o nobre arauto l o artigo 8, no qual so exonerados todos aqueles que poderiam criar problemas, no aguenta mais e, para no estourar de alegria, levanta o punho sorrindo e lentamente retoma uma postura mais condizente com a magnitude do seu cargo. Concluda a leitura, os notveis desfilam diante do presidente, assinando o decreto. No total, sero mais de 350 assinantes, e grande parte deles abraa o presidente-heri. Entre os assinantes tambm est o cardeal Velasco, representando a Igreja Catlica. Um dos primeiros a assinar foi Carlos Fernndez, o novo presidente da Fedecmaras, que abraou muito carinhosamente o presidente da Venezuela Pedro Carmona Estanga. Depois todos vo brindar, com champanhe, a volta da normalidade de tipo fascista. E a ral, o que faz?
Nas ruas
Durante toda a manh, as pessoas continuavam amontoando-se no Forte Tiuna, tanto diante da entrada principal como ao redor dos demais acessos. Cartazes improvisados pediam a libertao
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de Chvez. As pessoas no se moviam dali e pareciam ignorar a fome e o cansao. Organizam-se espontaneamente e se revezam em turnos para manter o lugar ocupado. O mesmo tambm ocorria em Maracay, de onde o general Baduel trabalhava para averiguar o panorama militar do pas. Os policiais, por ordem dos prefeitos golpistas, so utilizados para tentar dispersar os manifestantes chavistas a rajadas de metralhadoras e bombas de gs lacrimogneo. Ningum dos que gritavam pelo escndalo dos supostos crimes contra a humanidade cometidos por Chvez faz sequer um protesto mnimo pela brutal e generalizada represso. Nem mesmo a Igreja Catlica, cujos altos prelados, e toda a Opus Dei, esto brindando com os representantes do novo governo em Miraflores, no centro do poder. A marcha golpista desaparecera e os manifestantes do dia anterior nunca mais sairiam de suas casas, aterrorizados com o que esto transmitindo os meios de comunicao, agradecendo seus anjos da guarda por estarem sos e salvos. Mas, paradoxalmente, as mesmas cenas que aterrorizaram os rebeldes horas antes, exaltam os marginais de sempre que reclamam a liberdade do presidente. Em muitas mos erguidas na multido via-se empunhado um livreto azul, um pouco amassado: a nova Constituio. Sentem seus sonhos de renascimento frustrados e sabem que no podem esmorecer justo agora, no momento crucial, quando se tem que lutar pela Ptria, como os ensinara Chvez. Todos os meios de comunicao silenciam completamente os protestos, os mortos e os feridos. Falam apenas da nova junta, dos atos de valor cumpridos pelos falsos heris para tirar Chvez e so entrevistados golpistas, civis e militares, bem felizes de viver seu to mgico dia de glria. Os militares em Forte Tiuna comeam a demonstrar certo nervosismo, tambm porque vo aumentando as distncias entre os contingentes ativos e o alto comando. O primeiro momento de asco pelas atrocidades cometidas contra Chvez comea a dar lugar s vozes das pessoas do
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lado de fora, aos gritos. A televiso segue falando dos crimes do ex-governo, repetem que a situao est sob controle em todo o pas, mas os soldados submergem nos gritos das pessoas, que gritam a sua verdade. Os militares de baixo escalo recebem, nas suas casas, informaes contraditrias, na medida em que interessasse aos seus superiores o modo como fossem difundidas as notcias. Um grupo de deputados, literalmente, entrincheira-se dentro da Assembleia Nacional em protesto. Diosdado Cabello, o vice-presidente procurado em todos os cantos pela polcia golpista, organiza os Crculos Bolivarianos de Catia, um bairro popular da zona oeste de Caracas, para que se somassem aos que j estavam no protesto em Forte Tiuna. Todos os fiis a Chvez se mobilizam rapidamente, e podem faz-lo porque o verdadeiro povo da Venezuela est com ele, o sustenta e lhe do nimo. No Estado de Aragua o governador Didalco Bolvar e seus seguidores chavistas sitiam a base area de Maracay, pedindo a libertao de Chvez. J desde a tarde os habitantes dos bairros populares ocupam Caracas. De Catia, de Antmano, de El Valle, do 23 de janeiro, assiste-se a um real xodo. Tudo at o Forte Tiuna e Miraflores. A esta onda se unem, inclusive, os habitantes do Petare, bairro popular na zona leste de Caracas que conta com mais de 600 mil habitantes. O assdio ao Forte Tiuna, Miraflores e Maracay continuar ininterruptamente, com uma presena que ir aumentando no transcorrer das horas e s parar depois que Chvez tenha voltado ao poder. Todos os meios de comunicao esto nas mos dos golpistas e as vozes dos chavistas vo ao ar somente pelas rdios locais. A Rdio Perola, em conexo com RNV (Rdio Nacional da Venezuela), antes das 18h40 anuncia que Chvez se encontra na ilha La Orchila e que no havia renunciado. Mais ou menos meia hora depois, a Catia TV, em conexo com uma emissora regional de Barquisimento, no Estado de Lara, transmite uma
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entrevista telefnica com Marisabel de Chvez, que declara haver recebido uma mensagem do marido na qual ele dizia no haver renunciado.
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Otto Neustadt ou ento porque o militar, junto a Isaac Prez Recao e a Molina Tamayo, providenciaram os mortos necessrios ao suspeito plano. Nenhum cargo a Carlos Ortega, ainda que os pactos previssem sua participao ativa no novo governo, coisa que o incomodou muitssimo. Sem dvida, para acalm-lo, foram administrados calmantes do tipo dlares estadunidenses, que, como todos os frmacos, tem um efeito diretamente proporcional sua dose. Carmona recebeu durante todo o dia uma avalanche de ligaes de empresrios, algumas para dar a ele felicitaes, mas muitas para comear a definir o reembolso do que os empresrios gastaram na ajuda dada causa golpista. Parece que foram muitas as promessas feitas nos muitos meses de preparao e agora comeavam os apuros. Por fim, Carlos Ortega se encontrava em boa e numerosa companhia. Em todo caso, os pontos importantes do seu programa j estavam definidos e agora restava apenas realiz-lo no tempo que tinha a sua disposio, 365 dias. Deu rapidamente a ordem para que fosse colocado em contato com Luis Giusti, nos EUA, para fechar a negociao da venda da PDVSA, parece que a um consrcio estadunidense, com a intermediao do mesmo Giusti, obviamente. Da mesma forma, se tivesse tido tempo suficiente, Carmona teria vendido tudo quanto fosse possvel, como cada bom intermedirio, e haveria ganhado aqueles poucos milhes de dlares necessrios para garantir uma tranquila e serena velhice. Mas ainda havia algo a ser feito, algo de extrema importncia. Chvez no quis assinar a maldita renncia. Sua presidncia se fundava sobre esse documento e a verdade havia sido escondida; assim tinha srios problemas em justificar a legalidade da sua situao, sobretudo em nvel internacional. Esse problema teria de ser solucionado rapidamente, ainda naquela noite. De fato s haviam duas possibilidades: ou Chvez assinava a renncia ou teria de ser eliminado. Melhor ainda se eliminado na sequncia da assinatura. A CIA o queria nos EUA para process-lo, conden-
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lo e dar assim um exemplo a toda a esquerda sul-americana. Os militares, e principalmente os polticos, queriam process-lo na Venezuela para degustar at o final a sua vingana contra Chvez e, naturalmente, todos os seus aclitos. Carmona est cansado e quer ir descansar. O dia fora estressante para o modesto ex-presidente da Fedecmaras, portanto, antes de ir dormir d a ordem da eliminao do maldito teimoso. Mas era necessrio explicar a lei da fuga: deix-lo escapar e depois disparar. Carmona Estanga, sentado em Miraflores diante de uma mesa com Hctor Ramrez Prez, Molina Tamayo e Nstor Gonzles Gonzles, comiam algo. Um dos camareiros escuta a conversa da condenao de Chvez morte, palavras que so ouvidas tambm por alguns militares da Guarda de Honra, todos jovens. Ficam transtornados e decidem intervir de algum modo. Sabem quem so os oficiais que continuaram leais, e, sem chamar ateno, um camareiro contata alguns deles e os adverte do que se est planejando. Os oficiais tentam organizar-se, mas j no h tempo.
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cial. Consultor em muitos projetos, colabora com a revista SIC. Escreveu diversos artigos sobre temas de sua rea de estudo e tem sob sua responsabilidade vrias publicaes. Foi coordenador em um trabalho de pesquisa sobre a pobreza na Venezuela, num mdulo dedicado aos aspectos culturais. Como se v, a pobreza na Venezuela frequentemente objeto de estudos e pesquisa, mas provavelmente estes trabalhos peculiares deveriam servir para evitar que a pobreza desaparecesse do pas, visto que, com as democracias de at a Quarta Repblica, ano aps ano, ela sempre foi aumentando. Se os intelectuais tivessem exercido sobre os governos passados a mesma presso usada contra Chvez, hoje a situao seria muito diferente. A felicidade deste padre em ver um branco de volta ao poder na Venezuela foi, infelizmente para ele, de curta durao. Contudo, teve seu auge com o juramento do Pedro Carmona, que esmoreceu meia hora depois, quando Daniel Romero acabou a leitura do infausto decreto. Padre de Viana se deu conta imediatamente do grave erro do governo Carmona: a quebra da vertente constitucional. O jornal El Universal, alguns meses depois, saiu com um artigo no qual se afirmava que o padre de Viana, no prprio 12 de abril, enviara uma carta a Pedro Carmona na qual assinalava os erros cometidos, segundo ele, com o decreto, concluindo portanto: Seu governo no pode iniciar com tais feridas, porque, se no me engano no que acabo de dizer, ela ser deposta, no sei de quem, em breve. curioso ver como esse sacerdote, to claramente perspicaz, no quis nunca nem mesmo tratar de entender as motivaes da Revoluo Bolivariana porque sempre esteve convencido de que a transformao da sociedade venezuelana s podia ocorrer por obra dos intelectuais, melhor ainda se da Ucab, e a Revoluco Bolivariana no s no tinha ao seu lado intelectuais de envergadura, mas, pior ainda, em sua maioria estava constituda de miserveis (palavras suas).
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Mais tarde, duas jovens mulheres, procuradoras militares, vo interrogar o presidente prisioneiro para saber de suas condies fsicas, e, sobretudo, para averiguar a situao jurdica existente no momento. A entrevista muito breve por causa da presena de um superior, que, evidentemente, aderira com outras intenes quele encontro. Uma das suas prepara sua caderneta
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e pergunta, dirigindo-se a Chvez, mas evitando dar-lhe algum ttulo: Como se sente?. E ele responde: Bem, mas a primeira coisa que ter de escrever nesse relatrio que eu no renunciei. Somente transcreve que ele est bem, ignorando a parte que se referia renncia. Assinam o documento primeiro Chvez, depois as duas moas, e, por fim, o coronel golpista que as controla. Depois uma das duas faz uma cpia do documento e, abaixo da assinatura de Chvez, com letras bem pequenas, acrescenta: PS: manifesta no haver renunciado. Este foi o primeiro documento, que provavelmente ficou entre os militares, que iniciava a desvendar a verdade. A presso das pessoas no exterior do Forte Tiuna preocupava muito os golpistas, que, visto que eram inteis as tentativas de aplicar a lei de fuga no forte, decidem levar o prisioneiro a um lugar mais idneo, e elegem a base da Marinha de Turiamo. Esse lugar uma base logstica da Armada, como um complexo de veraneio de uns 18 alojamentos, situado numa localidade isolada, com poucas ruas de acesso e bastante distante dos grandes centros. Ali era mais fcil controlar o prisioneiro e, antes que se espalhasse a notcia do novo local em que estaria preso o presidente, a junta j deveria ter solucionado o problema. Chegam dois helicpteros, Chvez sai da sua priso escoltado e no trajeto at o veculo o general Prez Arcay o entrega um crucifixo, que creio que o presidente guarda at hoje. Leva somente suas calas de uma farda e uma flanela branca, e todo o resto fica confiscado. Em um dos helicpteros embarcam o prisioneiro, um oficial e a escolta armada, enquanto no outro embarcam alguns oficiais e as tropas armadas. Completadas as operaes, os dois helicpteros Agusta decolam por volta das 22h. Durante o trajeto, nenhum dos ocupantes do helicptero fala, tambm porque tudo est envolvido pelo rudo das turbinas. A noite sem lua e no cu as estrelas brilham frias. Olhares pensativos so trocados entre os ocupantes, que observam o presidente de relance.
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Cada um deles queria estar em outro lugar, em suas casas com os parentes e amigos, tomando uma cerveja gelada, ou melhor ainda, danando com uma mulher. Melhor era no pensar no futuro imediato, no que aconteceria nas horas seguintes. O oficial responsvel por aquele trajeto sabe da ordem dada por Carmona e, inclusive, sabe que seus colegas e superiores diretos tiveram fortes discusses e se negaram a sujar as mos com o sangue de Chvez. Um calafrio sobe por sua espinha e pensa no limite tnue entre ser um bom oficial e converter-se em um traidor, ou, pior ainda, um assassino. D uma olhada em Chvez, que est olhando para fora do helicptero, e imagina o que estaria passando pela cabea do prisioneiro Parecia tranquilo, talvez ignorando o quanto estava prximo da morte. Mas seria verdade o que repetiram exausto os generais poucos minutos antes? Chvez mandara matar gente inocente! A sede de poder o enlouquecera! Passam por sua mente as imagens da televiso do dia anterior: meninos e meninas mortos com golpes na cabea; chavistas que, do Viaduto Llaguno, disparavam sobre a marcha. Loucuras horrveis, mas como pde acontecer tudo isso? Olha novamente para Chvez, que no se movera, e o v como um frio assassino. Tem uma sbita vontade de atir-lo do helicptero. Suspira fundo e observa os outros militares. Todos esto com o olhar baixo, olhando as pontas dos sapatos, nenhum ousa olhar para a cara do outro. De vez em quando os pilotos se viram por alguns instantes, controlando para que tudo esteja tranquilo. O oficial fecha os olhos como que para afastar pensamentos incmodos. Vem sua mente um discurso de Chvez, quando ele repete as palavras de Bolvar: maldito seja o soldado que dirige o poder de suas armas contra o seu povo. Pensa nos dois anos de governo daquele homem que est sentado ao seu lado. Tenta encontrar nele um sinal de loucura, mas no consegue. Recorre s interminveis discusses que tivera nos crculos militares,
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recordando os elogios dos oficiais amigos do presidente e das disputas com os que o obstaculizavam, mas no havia ordens de represso, os militares no haviam sido usados nunca contra as manifestaes, como ocorria antes. E ento? Lembra-se tambm das crticas feitas a Chvez: um covarde, demasiado complacente, insultam-no e ele no tem nimo de quebrar os dentes daqueles imbecis. Algo no se encaixava naquela histria. Move-se incomodamente na sua poltrona e naquele momento Chvez volta a observ-lo. Por um momento seus olhares se cruzam e o oficial abaixa os olhos, confuso, como se temesse poder deixar transparecer seus pensamentos. Chvez volta a olhar o cu e o brilho das estrelas que refletem sobre o mar. No tem atitudes de um covarde. Ser que tem a conscincia tranquila? Por sua vez, Chvez est revivendo os acontecimentos das ltimas 24h como uma repetio infinita. As palavras de Fidel, a voz preocupada da filha, a vergonha no rosto dos seus colaboradores. Pergunta-se o que estaria realmente acontecendo, mas o quadro dos acontecimentos j comea a perfilar-se e lentamente o quebra-cabea se compe em sua mente, pea por pea. O que o fere a alma principalmente a traio dos generais considerados fiis a Constituio.
Rosendo, covarde traidor. Escondeu-se sem ter nunca o nimo de afrontar-se abertamente! E o outro Vsquez Velazco. Agora entendo o jogo. Antes manobraram para faz-lo chegar a comandante do Exrcito, para, depois E aquela merda de Guaicaipuro Seu pai teria feito melhor se o tivesse chamado de Judas!.
Depois vem um pensamento triste e agoniante: o que teria sido feito de seus pais? E de Marisabel e RosaIns?... No sabe ainda o que ocorrera a Marisabel. Naquele momento, um dos pilotos fala com a base pedindo permisso para aterrissar.
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Em Turiamo
O helicptero levou uns 50 minutos para percorrer 120 km que separam Forte Tiuna da Baa de Turiamo, a oeste de Caracas, na fronteira entre os Estados de Aragua e Carabobo. Aproxima-se das 23h, quando os veculos aterrissam, despertando certa curiosidade no pessoal das casas, visto que no era usual a chegada de helicpteros por ali, muito menos a noite. L, contudo, oficiais e hspedes importantes chegavam de carro parar passar o perodo de descanso do final de semana, desfrutando da bonita praia e da tranquilidade do lugar, em plena segurana. Nessas bases logsticas o pessoal militar reduzido ao mnimo indispensvel e quase todos tm tarefas administrativas, exceto os da vigilncia e segurana, obviamente. Naquela sexta-feira tarde, no chegara nenhum hspede, o que normal, mas, durante a noite, chegaram centenas de homens armados, um comando inteiro, para preparar uma hospitalidade muito particular, adequada ao personagem que estava a ponto de chegar, reforando a vigilncia da base. Primeiramente descem os militares armados do segundo helicptero, que so alcanados em seguida, na pista, por alguns colegas do comando que haviam chegado pela tarde, todos fortemente armados. Enquanto conversavam entre eles, desce do outro helicptero o presidente, rodeado pelos guardas que viajaram com ele. O grupo com Chvez encaminha-se at o primeiro grupo e, enquanto se aproximam, o presidente percebe que o objeto da discusso ele. Gestos nervosos, olhares rpidos, vozes reunidas levantam-se sobre o rudo dos helicpteros com os motores ligados, mas no compreende o que falam. Quando o grupo com Chvez chega a poucos passos de distncia, dois dos militares que estavam discutindo com maior empolgao se viram imediatamente de costas. Chvez v ficarem brancos os rostos dos que permaneciam de frente e intui o que
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est a ponto de ocorrer: aqueles dois vo disparar na sua direo! Vira-se de sopeto e, olhando bem nos olhos deles, diz: Pensem bem no que esto a ponto de fazer!. Naquele instante o oficial que viajara com ele coloca-se a postos enquanto todos os militares, quase ao mesmo tempo, armam os seus fuzis. O oficial grita com uma voz falhada pela emoo: Se matam aqui o presidente morreremos todos!. O tempo pareceu parar, pode-se sentir o estrondo de sangue nas orelhas, bombeado com violncia pelos coraes enlouquecidos daqueles rapazes. Sentia-se o cheiro da adrenalina. Esto todos com o dedo sobre o gatilho, olhos fixos, nervos tensos flor da pele. Bastaria o mnimo rudo para que se desatasse o inferno. Por alguns segundos ningum ousou respirar, e todos os olhares esto entre o presidente e os mercenrios verdugos. Chvez est ali, erguido e imvel, olhando diretamente nos olhos dos dois sicrios. Passam alguns segundos, e, lentamente, mesmo que titubeando, baixam as armas. Chvez est salvo! Naquele momento chega um oficial vindo do quartel, ordena conduzir Chvez a um dos edifcios e logo o tranquiliza dizendo que esto preparando um alojamento para ele. Enquanto Chvez se distancia com a numerosa escolta, os sicrios e seu grupo permanecem perto dos helicpteros e a discusso, mesmo que em tons mais brandos, continua por algum tempo. Quando Chvez chega ao quartel, configura-se uma estranha situao: os oficiais esto evidentemente incomodados e muito agitados, enquanto os outros, os militares de baixo escalo, acolhem o presidente com certa alegria e expresses sorridentes, talvez porque muitos deles no sabem o que est ocorrendo exatamente em Caracas e assim poderiam no ter ideia do verdadeiro motivo da presena do presidente em Turiamo. Parece absurdo, mas aqui ocorrem realmente coisas absurdas. Naquelas horas e durante a permanncia do presidente na base, da Itlia me chega a seguinte notcia: Chvez foi levado ilha La Orchila, de onde parece
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que partir para Cuba!. Por sua vez, encontrava-se em Turiamo e nenhuma emissora na Venezuela dizia nada sobre isso. Chvez sabia que o momento crtico j havia passado, graas honra de militares honestos. Naquelas horas, foram muitos os heris silenciosos que arriscaram suas vidas para cumprir um dever moral mais forte que qualquer ordem de crime. Ele mantm seu sangue frio, o que incomoda os oficiais. Enquanto os oficiais da base e os pertencentes ao comando saem para conversar entre eles e organizar a vigilncia, os militares simples e suboficiais assistem-no como podem, intimidados pela sua presena e tambm porque no haviam sido informados sobre a sua chegada. Na enfermaria uma jovem que mede a sua presso lhe diz em voz baixa: Senhor presidente, eu e a minha me o estimamos muito. Tnhamos muita vontade de conhec-lo, mas quem pensaria que iria ocorrer nessas circunstncias!, e seus olhos se enchem dgua, enquanto conta-lhe sobre sua famlia, seu filho Chvez se enternece, mas no responde nada, compadecido. Logo est no seu quarto-priso e pensa no seu pas, cheio de crianas pobres. O que ser deles, nas mos dos traidores? Somente entre quatro paredes, no silncio da noite, Chvez chora, chora por no ter sabido realizar o sonho de toda uma vida, chora pela sorte de seus seguidores, que sero perseguidos como criminosos, e chora, sobretudo, pelas crianas que sero obrigadas a crescer sem nenhuma esperana, como sempre fora. Depois do desabafo, no entanto, retoma o semblante rebelde, o teimoso rebelde. No, aquilo no poderia acabar daquela maneira! No h opes possveis! Temos que vencer e venceremos! Deram-lhe um colcho da enfermaria, uma lmpada e uma poltrona. Do-lhe uma janta e, principalmente, caf, bebida da qual no pode prescindir. Vendo o mal-estar dos militares, lhes diz: No se preocupem comigo, garotos, apenas me tragam um lenol, sou um soldado como vocs. Um dos soldados lembra Chvez de que Maracay est a uns 50 quilmetros, e que pode-
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riam organizar sua fuga. Baduel era um general confivel. Comearam a fazer planos para deixar a base a p e logo tomar um carro, que disponibilizariam do lado de fora. Chvez se seduz com a ideia, mas h muitas incgnitas e poderia assim colocar em risco a vida daqueles garotos. Decide tambm esperar, porque aquela tentativa podia ser a ocasio que os golpistas esperavam para aplicar-lhe a lei de fuga. At aquele momento tivera sorte, mas tambm no poderia desafi-la demasiadamente. Comeava a crescer nele uma estranha confiana, mesmo que embrionria, nos companheiros de armas que estavam demonstrando em fatos as qualidades que deveriam fazer de cada oficial um cavalheiro. Deram-lhe um par de calados esportivos e seus carcereiros permitiram que passeasse na praia. Caminha pensativo, enchendo os pulmes de ar fresco da bonita baa, e aproveitando para descarregar a tenso, saboreando ainda o fato de estar vivo. Admira as estrelas e escuta a voz do mar; o ar est imvel, como se a natureza o tivesse suspendido, e um silncio profundo o circunda, quebrado apenas pelo estranho coaxar das rs e de uma ligeira brisa que sopra, por breves instantes, mostrando-lhe os perfumes que ele conhecia do campo: o cheiro da grama mida e o leve aroma de baunilha, o aroma da salinidade. O prisioneiro pensa repetidamente nos ltimos acontecimentos e sentimentos contrastantes o invadem e o confundem. Ignora intencionalmente o momento crucial vivido horas antes,
() evidente que os militares das reparties operativas no aceitam o golpe e o povo no pode aprovar passivamente uma ditadura desse tipo. O sonho de toda uma vida no pode acabar to miseravelmente. Cedo ou tarde, ter que haver uma reao ().
Roga a Deus para que no houvesse outro derramamento de sangue. Teme que possa ocorrer infelizmente na Venezuela o que ocorrera no passado: na Colmbia, em 9 de abril de 1948, assassinaram Jorge Elicer Gaitn, chefe do Partido Liberal da
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Colmbia, e sua morte desatou a reao violenta da populao, que detonou um incndio em Bogot. O episdio foi chamado de bogotao. Em consequncia de tais ocorridos surgiram grupos guerrilheiros e, desde ento, no h paz na Colmbia, onde a guerrilha continua a fazer vtimas. Chvez no recebe notcias h vrias horas, e no pode, assim, avaliar o desenrolar dos acontecimentos. Fica, em todo caso, uma prioridade: fazer o mundo todo saber que no renunciara. Naquela noite circularam na Venezuela muitos rumores sobre as condies de Chvez e sobre o lugar onde ele se encontrava; algumas foram postas em circulao pelos golpistas e outras nasceram por frases captadas em discusses ocasionais, enquanto a multido ao redor das instalaes militares se converte em um verdadeiro mar. Diz-se que estava com uma ferida na perna, que se encontrava j em Cuba, que o estavam mantendo dopado em uma galeria, e algum disse, inclusive, que o estavam mandando aos Estados Unidos. Chvez vai se deitar, cansado de pensar. Queria dormir um pouco, mas no consegue. Aperta entre as mos o crucifixo que lhe deu o general Jacinto Prez Arcay, fecha os olhos e, de repente, chegam os seus bons sonhos.
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PARTE VI
13 de abril de 2002
Para contar os fatos desse convulsivo e decisivo dia do modo mais claro possvel, creio ser oportuno evitar uma cronologia rigorosa, porque, tendo havido muitos acontecimentos dramticos quase ao mesmo tempo, a narrao se tornaria extremamente fragmentada e talvez incompreensvel. Preferi ento seguir os acontecimentos de uma maneira um pouco mais lgica, porque o objetivo no fazer uma crnica jornalstica, e sim fornecer uma breve leitura do lado humano dos protagonistas, muitas vezes involuntrios, desse pedacinho da histria contempornea. A essncia desses fatos dada pela abnegao de milhes de venezuelanos, civis e militares, armados apenas com coragem, esperana, verdadeiro patriotismo, f na sua Constituio e um amor sem reservas pelo seu lder, afrontando de cara limpa a represso violenta e a cruel arrogncia da oligarquia racista venezuelana. interessante o que aparece em um jornal mexicano, La Jornada. O artigo foi escrito por Gregory Wilpert, pesquisador independente de sociologia do desenvolvimento. Domiciliado em Caracas, formou-se na Universidade Central da Venezuela e depois fez seu doutorado na Universidade de Nova York. E escreve assim:
O que aconteceu nos faz ver, mais uma vez, que a democracia na Amrica Latina depende da preferncia da classe que
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governa, e no da lei. Se os Estados Unidos e a comunidade democrtica internacional tiverem a coragem de colocar em prtica aquilo que dizem, no reconhecero este governo. Os democratas do mundo tm que exercer presso sobre seus governantes para que eles no estabeleam relaes com a nova junta militar venezuelana ou com qualquer outro presidente que seja designado. Conforme a Carta da Organizao dos Estados Americanos (OEA), isso significar expulsar a Venezuela de tal organismo, como recentemente um funcionrio do Departamento de Estado ameaou, mas referindo-se a Chvez. Peo aos cidados de todos os pases que coloquem-se em contato com seus respectivos ministrios de relaes exteriores e peam que retirem seus embaixadores da Venezuela.
Para usar um jargo venezuelano: Um galo no canta mais alto! E o que diz o nosso Carlos Andrs Prez, de seu exlio dourado em Miami? Numa entrevista concedida CNN, sugere ao Departamento de Estado quais as normas que devem ser adotadas em relao Venezuela: o papel dos Estados Unidos apoiar o grande trabalho de recuperao democrtica que realizar este governo.
Em Caracas
Em Caracas ocorrem, durante a noite, os primeiros casos de saques e protestos violentos. So queimados pneus e interditadas algumas ruas de acesso cidade. Estas aes so a resposta represso armada empenhada pelos policiais golpistas. Os protestos populares aumentam e j no possvel ignor-los, mas as quatro TVs irms censuram as notcias de protestos e todos os comentaristas permanecem em suas casas, talvez para garantir sua segurana pessoal. Durante todo o dia so transmitidos desenhos animados, e as poucas notcias sero sempre sobre a junta
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e sobre os militares golpistas. Nas primeiras horas da manh, um grupo de funcionrios do Canal 8 aparece na entrada dos estdios da emissora, mas as tropas do governador Mendoza que guardavam o edifcio no os permite entrar. Chegam em seguida, Jess Romero Anselmi, presidente do canal, com dois magistrados, e tambm so impedidos de entrar. Os seguranas comeam a ficar agitados e tentam contato telefnico com os superiores, que, evidentemente, tinham outras preocupaes. A cada minuto que passa a concentrao diante do edifcio aumenta. Chega tambm gente que trabalha nos meios de comunicao comunitrios e rdios privadas, prontos para dar uma mo aos colegas da VTV presentes. A maioria dos trabalhadores, no entanto, desde o dia 11, estava ainda escondida pelo medo da represso da prpria polcia do governo Mendoza. Os efeitos do Decreto Carmona comeam a ser sentidos e o asco provocado na opinio pblica internacional e nacional faz balanar as arrogantes certezas da junta de transio. Alm disso, o fato de no aparecer em lado algum a renncia de Chvez estava complicando o quadro geral, o que tirava o processo golpista de qualquer legalidade. Ainda que o apoio das emissoras de televiso estivesse a todo vapor, a nica coisa que os meios de comunicao conseguiram mostrar abertamente que o golpe teve forte envolvimento da mdia, no s ideologicamente, mas como parte integrante do processo de desestabilizao. Alguns jornalistas srios, em funo da atitude dos editores, decidiram demitir-se e dissociar-se das aes ilegtimas aplicadas pela imprensa. Dentre eles est Andrs Izarra, um dos melhores jornalistas da RCTV, desgostoso pela atitude dos proprietrios da emissora. Anos depois, converter-se-ia no presidente da Telesur. As presses sobre o governo Carmona chegam de toda parte, inclusive de Washington. O embaixador Charles Shapiro transmite pessoalmente a Pedro Carmona as preocupaes do Departamento de Estado sobre as violaes
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das instituies. Solicita, alm de tudo, que seja apresentada junta a prova fsica da renncia de Chvez, nico documento que poderia dar uma aparncia de legalidade junta. Um Carmona muito agitado liga para os militares e exige que faam o impossvel para que Chvez assine e, uma vez em posse dele, deveriam faz-lo desaparecer para sempre. Chvez tinha que ser eliminado. No se soube de nenhum rechao da Igreja Catlica, para cujos altos prelados estava evidentemente tudo bem, desde que Chvez desaparecesse. Para ganhar tempo, um dos ministros de Carmona declara publicamente que Chvez s havia renunciado verbalmente, desmentindo assim as notcias dadas pelas emissoras de televiso, dizendo ainda que o ex-presidente seria exilado em seguida, depois da assinatura da renncia. Das emissoras locais era impossvel obter notcias, ento me coloco em contato telefnico com meus parentes na Itlia e de l recebo um pouco o que se transmite pelos telejornais; tambm na internet as informaes eram muito escassas e discutveis. As nicas fontes que puderam dar informaes aceitveis na Venezuela foram as agncias estrangeiras com seus jornalistas, reprteres e fotgrafos. Quando as notcias se tornaram mais preocupantes para os golpistas, como quando a verdadeira sublevao popular chegou s emissoras privadas, elas as substituam com respostas brandas e declaraes de que apenas se tratava de conversa, de episdios sem importncia e de pequenos focos j controlados. Otto Neustadt, tal como muitos outros, so atolados de ligaes procedentes de toda a Venezuela, onde as pessoas pediam a transmisso do que ocorria nas ruas, ou seja, a reivindicao dos chavistas para pedir a volta de seu presidente. Otto, em oposio sua mulher Gladys, que o queria em casa e seguro, coloca-se em movimento porque acredita que os acontecimentos se desenvolviam de maneira inesperada e mereciam ser acompanhados.
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Enquanto isso, em Miami, a sede da CNN de lngua espanhola recebe da Venezuela dezenas de ligaes por parte dos golpistas e, sobretudo, dos donos das quatro TVs irms, que pedem que no sejam transmitidas notcias que coloquem em perigo a junta. Buscavam cmplices e queriam ocultar a realidade. Simplesmente a CNN no aceita; por sorte. As pessoas agora protestavam por toda parte e a represso da polcia metropolitana ocorre de maneira aberta e macia, dispersando as concentraes a tiros. Pelas ruas, s havia jornalistas das agncias estrangeiras. Perguntam aos manifestantes por que estavam protestando, e a resposta sempre a mesma: Porque sequestraram Chvez ele no renunciou, e gritam contra Carmona e a favor de Chvez: Liberdade Chvez Abaixo ditadura. Quando eram questionados sobre o que estava acontecendo, respondiam: () esto disparando em ns somente porque nos manifestamos a favor de Chvez tm que libert-lo, tm que libert-lo, o governo o est mantendo prisioneiro!, Queremos Chvez, isso um golpe de Estado porque ele no renunciou, Chvez, amigo, o povo est contigo!. Uma mulher, em Jardines del Valle, periferia de Caracas, grita: eu votei em Chvez e quero que ele termine seu mandato! Durante o dia e em boa parte da noite continuam os saques e os incndios dos estabelecimentos comerciais na periferia de Caracas. Os policiais sumiram, a junta de transio estava com outras prioridades como a sua prpria sobrevivncia, e a segurana pessoal dos golpistas. Podia-se degustar o que poderia ser o futuro da Venezuela: caos institucional, aes de tipo fascista, guerrilha urbana e muita probabilidade de guerra civil. Do alto era possvel ver a fumaa dos incndios unida quela dos pneus queimados pelos chavistas, que estavam literalmente paralisando Caracas. Os manifestantes desarmados, usando lenos e gorros, respondiam quando questionados pelos jornalistas: Chvez tem que ser libertado, e se no for destruiremos Caracas!.
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Em Maracay
Enquanto os chavistas comeavam a mobilizar-se tambm em direo a Miraflores, o general Julio Jos Garca Montoya, secretrio executivo do Conselho de Defesa, que saudara o presidente dizendo-lhe que havia decidido entregar-se aos golpistas, se dirige ao palcio branco junto aos seus colaboradores. Durante uma breve reunio, decide deixar tambm aquela instalao que poderia tornar-se uma armadilha e organiza um primeiro grupo de trabalho na sua casa, e um segundo instalado em um pequeno apartamento, tambm de sua propriedade. Comea assim a analisar as poucas informaes que conseguem e, por fim, decidem mudar-se para Maracay. Na manh do dia 13 de abril, Garca Montoya, enquanto estava prestes a chegar aos escritrios improvisados, encontrase com o vice-almirante Hctor Ramrez Prez, que vive na regio. Os dois se cumprimentam e trocam algumas palavras, e em seguida o vice-almirante manifesta sua grande preocupao a respeito dos ltimos acontecimentos e do perigo potencial que representa a 42 Brigada de Paraquedistas; teme uma interveno militar que poderia ser mortal. Garca Montoya, j que havia decidido sair para Maracay, diz a ele que conhece Baduel e que est disposto a ir 42 Brigada para acalmar os nimos. Os dois se separam, Garca Montoya vai para seu apartamento para dar as ltimas instrues aos seus colaboradores e, logo depois, sobe em seu carro e parte para Maracay, onde chegaria por volta das 9h30 da manh. Rene-se no escritrio de Baduel, com o prprio e com vrios outros generais, como Nelson Benito Verde Graterl, do Exrcito, Luis Acevedo Quintero e Pedro Torres Finol, da Aviao. Garca Montoya expe suas consideraes sobre os acontecimentos dos ltimos dois dias e afirma que as Foras Armadas no poderiam endossar um Estado de fato ilegtimo, inconstitucional e desumano.
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Todos estavam de acordo e comearam a traar uma estratgia para sair da crise de ento. Assim nasceu a Operao Restituio da Dignidade Nacional e emitem um comunicado no qual se afirma a fidelidade das Foras Armadas e os princpios sancionados na Constituio e nas instituies nacionais. Esse documento foi assinado por todos os presentes. Quando o levaram a conhecimento pblico, chocaram-se com o silncio das quatro TVs irms que se autocensuravam, negando-se a aderir solicitao dos generais de Maracay. Tiveram que recorrer s agncias estrangeiras e CNN para que o documento pudesse ser levado opinio pblica mundial. Comearam assim a desmoronar as barreiras impostas pelos golpistas, e, medida que as unidades operativas inteiravam-se da verdade, chamavam Garca Montoya e declaravam apoio operao chamando ainda os comandantes ainda indecisos ou que no estavam cientes da operao. So contatados um a um, e perguntados se estavam com Carmona ou com a constitucionalidade. Ao final daquela rpida sondagem, Baduel e Montoya so agradavelmente surpreendidos pelo fato de que todos, sem exceo, responderam que estavam com as instituies e com a Constituio. Os militares golpistas ficaram bastante isolados e s podiam agora contar com os mercenrios de Isaac Prez Recao, com um grupo de generais e com as poucas tropas cujos superiores diretos haviam sido cooptados. No transcurso daquela manh, o tenente-coronel da Guarda Nacional Fernando Capacie, procurador militar superior do Conselho de Guerra de Maracay, conseguiu contato com o coronel do Exrcito Rafael Ricardo Reyes Rincn, fiscal militar das Foras Armadas, o qual enviou a Garca Montoya, por fax, o relatrio elaborado pelos militares em Forte Tiuna no dia anterior. Como devem se lembrar, uma das procuradoras havia anotado no rodap da pgina a frase PS: manifesta no haver renunciado. Assim, Garcia Montoya tem em suas mos dois documen-
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tos que confirmam que o presidente no renunciara: este fax da fiscalizao de Caracas e a assinatura de Juan Bautista Rodrguez enviada a Baduel. Maracay converte-se ento no centro de resistncia dos constitucionalistas que reagiro ditadura fascista e facilitaro a volta de Chvez Presidncia. Durante a manh, o novo ministro da Defesa da junta de transio, o exmio vice-almirante Hctor Ramrez Prez, envia a Maracay o general de brigada Rangl Lpez, com a misso de convencer Ral Baduel a mudar de lado. Evidentemente no conhecem Baduel, um homem para o qual o lema honra e ptria ainda faz parte da sua natureza. As negociaes de Lpez foram uma tentativa de convenc-lo que Carmona era o salvador da ptria e tambm de corromp-lo com a promessa de cargos de alto nvel. Sua resposta foi penetrante: Aqui no h negociao, aqui o que h Constituio!. Rangl Lpez conversa por telefone com o ministro da Defesa e explica-lhe seu fracasso, voltando enfurecido a Caracas. Mas algum havia escutado a discusso e a resposta de Baduel, e a notcia se espalha muito rpido por todos os batalhes. J que estava claro que os militares no haviam cometido dano algum a Chvez, tenta-se remediar a situao com uma soluo incruenta: os generais se renem com o ministro da Defesa, em Caracas, no Comando Geral do Exrcito, no escritrio de Lucas Rincn. Enquanto discutem sobre o que fazer, entra na sala um major bastante aborrecido e o ministro diz: tranquilo, estamos entrando num acordo para conseguir levar Chvez a Cuba. E o major tambm responde: aqui no h negociao, aqui o que h Constituio!.
Em Miraflores
As pessoas esto informadas de que o presidente j no est no Forte Tiuna e que poderia ter sido removido a La Orchila, mas
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nada certo. Em Miraflores, Carmona trata de organizar e colocar em funcionamento o novo governo, mas as notcias que chegam so cada vez mais preocupantes. Os chavistas no querem resignar-se e, mesmo que a polcia de Pea e comparsas atirem fazendo muitas vtimas, no conseguem dissuadir a mar humana que sai protestando sem trgua, negando a legitimidade de Carmona e seus aclitos. O que Chvez conseguiu em 4 de fevereiro de 1992 chega agora espontaneamente: o apoio popular. Os proprietrios dos meios de comunicao, advertindo sobre o perigo da derrota, reuniram-se na noite anterior comentando os efeitos do decreto e a composio da junta. As reclamaes de Carlos Andrs Prez e daqueles que trabalharam com Carlos Ortega chegam a seu destino; Gustavo Cisneros foi o porta-voz dessa manifestao. Acreditavam que, excluindo o presidente da CTV da nova junta, rebaixaram, ou at perderam, o apoio da classe trabalhadora. Claramente no viam ou se negavam a ver a realidade; isto , todas as estruturas dos golpistas, tal como a velha classe poltica, perderam definitivamente o apoio popular e no poderiam conter aquela insurreio popular apenas contentando ao triste indivduo chamado Carlos Ortega. Este senhor, junto aos seus cmplices, durante o governo de Caldera e no primeiro ano de governo Chvez, organizara no Estado de Zulia um comrcio bastante rentvel, com a complacncia dos polticos corruptos. Quando uma companhia pegava um trabalho ou ganhava uma licitao com a PDVSA, tinha que contratar novos trabalhadores e, por lei, uma parte da mo de obra devia ser provida pelos sindicatos. Mas como os sindicatos elegiam os felizardos operrios? Colocando venda os postos de trabalho, com um preo calculado com base na durao do prprio trabalho. Por exemplo: se o trabalho durasse um ano, em 1999, um operrio que quisesse aquele trabalho teria que desembolsar 3 milhes de bolvares (na poca quase 2,5 mil dlares), em dinheiro e antecipado. Essa renda era repartida entre os executivos
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do sindicato e, naturalmente, uma parte tambm chegava presidncia da CTV. Multipliquem tudo isso por milhares de trabalhadores e se daro conta do nvel de corrupo. E Chvez teve a pretenso de interromper aquele lucrativo comrcio! Mas, para corrigir Carmona, os proprietrios dos meios de comunicao se reuniram com ele, confirmaram sua disponibilidade desde que fosse modificado o decreto, dando-lhe uma fachada de constitucionalidade, e Marcel Granier seria o redator para que fossem corrigidos os erros anteriores. Alm disso, pedem a convocao de Ortega para que lhe fosse dado um cargo no novo governo, demonstrando assim que os trabalhadores no foram excludos pela nova ordem. Encarregam Gustavo Cisneros, o inventor do plano, de intermediar a questo com Carlos Ortega, que se encontrava no Estado de Falcn. Ortega, se faz de orgulhoso por estar indignado com a sua excluso, nega-se a reunir-se com Carmona. Mas Cisneros, que no tem l muito problema de dinheiro, lhe envia um avio particular, coisa que obviamente toca a vaidade do nosso Carlos, que, vendo a insistncia e a perspectiva de honras e dinheiro, se deixa convencer, mesmo que aparentemente de m vontade, e sobe no avio. Pedro Carmona (o fantoche) no tem evidentemente ideias prprias e se limita a realizar os planos dos seus superiores (os controladores do fantoche) como Isaac Prez Recao, empresrios do calibre de Cisneros e os meios de comunicao, mas, quando toma decises por conta prpria s causa desastres, provocando reaes em cadeia. Enquanto isso, a multido comea a aproximar-se muito de Miraflores, que est sob a guarida da Guarda de Honra e agentes da Guarda Nacional, cada vez mais indecisos. Gritavase: Fora ditador Carmona! Viva a revoluo e a democracia! O povo enfurecido reclama seus direitos! O povo enfurecido reclama seus direitos Quando chegam a Miraflores encontram agentes da Guarda Nacional alinhados uns 20 metros das grades, na rua, com a tarefa de impedir que se aproximassem muito.
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O vice-almirante Molina Tamayo, que se autonomeara comandante da Guarda de Honra, ordenou que esta disparasse contra os manifestantes, crime que h poucas horas atribuam a Chvez. Esta ordem ignorada e a Guarda Nacional se nega a usar tanto armas como bombas de gs lacrimogneo! O povo, unido, jamais ser vencido! Viva Chvez! a presso se fazia mais intensa a cada minuto. Os manifestantes enfrentam sem medo os militares e pedem-lhes que os deixem passar; mas um oficial responde que haviam recebido ordens e pede que se dispersem, porque, caso contrrio, seriam obrigados a usar armas de fogo. Um manifestante responde: Tero ento que matar o povo, tero que matar-nos todos! Soldado, sincero, una-se ao povo! Soldado, sincero, una-se ao povo!. Os militares esto desorientados, sentem-se cada vez mais prximos do povo que protesta e comeam a derrapar. Alguns entregam as armas ao colega mais prximo e passam para o lado dos manifestantes, os demais decidem no intervir e deixam as pessoas passarem, e, em seguida, a multido est subindo pelas grades e portes de Miraflores.
De Turiamo a La Orchila
Quando Chvez acorda em Turiamo, na sua cela improvisada, parece-lhe que passaram somente poucos minutos, mas j quase sbado 13 de abril. Trazem-lhe o caf e ele pede aos rapazes da enfermaria para fazer uma ligao. Depois de algum titubeio eles consentem. Um deles se coloca de sentinela, observando fora do edifcio os guardas armados. Chvez consegue contatar Diosdado Cabello, o vice-presidente, ainda que por alguns minutos. Coloca-o a par do novo lugar em que est detido e se informa sobre a situao de Caracas. Diosdado o comunica que est coordenando os Crculos Bolivarianos de Catia, um bairro na zona oeste de Caracas, e o anima explicando como as pessoas esto se organi-
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zando. Por fim, quando o presidente lhe pede para que se cuide e no cometa imprudncias, Diosdado o tranquiliza sobre sua segurana pessoal ele fora, de fato, o mais procurado pela polcia golpista. Chvez no lhe conta do porqu Ramrez Prez escolhera Turiamo e muito menos fala sobre a inteno que tinha de matlo na sua chegada baa. Os militares que o escutam no podem deixar de admirar aquele homem pela sua serenidade, mesmo que pensem ser s aparente, admirando, portanto, sua habilidade. Desperta a base de Turiamo, Chvez pede para sair para caminhar e seus guardas permitem que corresse junto ao peloto em treinamento. Ele se coloca, ento, junto aos rapazes, aperta o passo, mas a idade reclama seus direitos e o presidente comea a perder terreno. Faz piada com os rapazes ao verem-no em dificuldade, e os jovens o motivam enquanto correm e sussurram: Fique tranquilo porque em Maracay esto protestando e Baduel est contigo. Em qualquer circunstncia que se encontre Chvez, seu carisma lhe permite estabelecer fortes relaes humanas e, quando consegue conversar, quem o escuta fica envolvido com sua personalidade e autenticidade, muito simples, e imediatamente captura sua ateno. Tambm tem a capacidade de minimizar situaes complicadas com certo bom humor. Lembro-me que, durante uma cpula dos pases da Amrica do Sul e Central, desatou-se uma disputa entre Cuba e a Repblica Dominicana que trouxeram tona tenses de um passado recente. Chvez tomou a palavra e disse que era necessrio olhar adiante, no ao passado, e buscar as coisas que os uniam no lugar das que os dividiam. Mas as expresses seguiam nervosas e a atmosfera tensa. Ento ele conta uma piada:
Um dia, um campons que vivera toda a sua vida em uma granja decide ir a Caracas, e, quando chega fica pasmado admirando os edifcios, as lojas e as pessoas elegantes. Sente-se fora de lugar e decide melhorar seu aspecto. A primeira coisa que faz ir a um barbeiro. Entra e, de cara, v que ali est um
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galego, espanhol emigrado. Senta-se e, enquanto o barbeiro corta seu cabelo, conversa com os outros clientes que esto discutindo a poca dos conquistadores. De repente, o campons se levanta, furioso, tira a toalha e ataca o barbeiro. Os outros clientes tm que tir-lo fora porque seno iria machucar o outro homem. Chega a polcia, que o prende e leva ao escritrio do delegado. Este o interroga perguntando-lhe a razo da sua violncia contra o pobre barbeiro e o campons responde, ainda agitado: Ele um espanhol! Voc tem noo das crueldades dos espanhis contra ns?. E o delegado, pasmo, diz: Mas isso aconteceu h 400 anos!, e o outro replica sim, mas eu s fiquei sabendo agora!.
Uma risada geral e a cpula pode seguir em um tom um pouco mais sereno. Falando com quem teve contato pessoal com Chvez, perguntei-lhes quais eram as qualidades que reconheciam nele e todos me responderam: sua grande humanidade, nunca dorme, trabalha sem parar estressando os seus colaboradores, um atento observador, l muito Voltemos nossa histria e apresentemos um novo personagem, um humilde suboficial da Guarda Nacional responsvel pelos servios do complexo de veraneio de Turiamo, outro heri silencioso: Juan Bautista Rodrguez. Nosso Juan, na tarde de 12 de abril estava em servio no complexo de veraneio que se encontra na praia e que est a algumas centenas de metros de distncia dos alojamentos militares. So quase 23h quando despertado pelo rudo dos helicpteros que aterrissam na base. O acontecimento completamente extraordinrio porque era a primeira vez durante o seu servio naquela base que helicpteros chegavam ali. Espera acordado, acreditando que chegavam hspedes de respeito, mas, como ningum entrara no complexo, voltou a dormir. Na manh do dia 13, no podendo conter a curiosidade, decidiu encontrar uma desculpa para apresentar-se base naval. Por volta das 6h30 Juan carregou uma caminhonete com alguns botijes
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de gs e se dirigiu do complexo de veraneio base. Diante da entrada, no entanto, havia um grande nmero de militares armados e encapuzados. Juan explicou que teria que levar os botijes base e, como no poderia passar, voltaria ao seu trabalho no centro de veraneio. Ele no ouvido, no entanto, e dizem estarem em estado de emergncia e que todas as tropas deveriam manterse aquarteladas, impondo-lhe que se dirigisse ao comando. Juan protesta, notando que a Guarda Nacional e no a Marinha que est ali, mas no havia o que fazer, no o compreendem e ordenam que obedea sem mais discusso. Juan sobe na caminhonete e d a partida, seguido de olhares atentos e desconfiados. Chega ao palacete do comando e se apresenta ao chefe dos servios, o capito Padrn Sancovi, que praticamente o manda para o inferno, vendo-o como mais uma adversidade daqueles dias suficientemente complicados. Cada vez mais confuso, Juan busca por um amigo e encontra na cozinha Ramiro Herrera, que est preparando caf, mas era possvel notar que estava bastante agitado. Juan pergunta-lhe o que estava acontecendo, o porqu de tanta vigilncia, e por que o haviam impedido de alcanar a base. Ramiro o aconselha a se manter calado e tranquilo, porque havia ali um grande problema: estava na base um prisioneiro, o presidente da Repblica, e diz ainda que estava encarregado de preparar-lhe comida. O caf que est preparando para o prisioneiro e, enquanto fala, indica com a cabea o cmodo ao final do corredor. Juan fica assombrado, e, num primeiro momento, pensa que piada, mas, depois, vendo que ningum ria e que as feies eram todas de preocupao, entende que ali no havia nenhuma piada. Ramiro, preparado o caf, dirige-se ao cmodo que indicara a Juan, abre a porta e entra. Ao mesmo tempo saem de l alguns militares. Ramiro volta cozinha e logo sai para alguma outra incumbncia. Juan se d conta de que os militares armados no se importavam com a sua presena, talvez por ser um simples empregado dos servios e estar, naturalmente, desarmado. Ento de-
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cide ir encontrar-se com o presidente! Num futuro, sentir arrepios de lembrar daquele impulso irresponsvel, mas no momento no percebera o perigo ao qual estava se expondo. Caminhando tranquilamente, Juan se dirige ao cmodo-priso, abre a fechadura da porta, enquanto os guardas o observam desatentamente, entra e fecha a porta nas suas costas. V Chvez sentado diante de uma mesa, com os punhos apoiados sobre a bandeja onde estava o caf levado por Ramiro. Juan d uma olhada naquele quartinho miservel onde havia uma cadeira ao lado da cama e sob a mesa uma lata de lixo. Sobre a cama havia uma mala aberta e semivazia, com um livro de Simn Bolvar dentro; esses eram todos os objetos pessoais do presidente. Chvez olha-o e ele se paralisa. Chvez se levanta e, vendo o uniforme, entende que da Guarda Nacional. Juan Bautista faz a pergunta que todos queriam fazer: Todos dizem que o senhor renunciou. Por que o fez?. E Chvez, com a voz cansada, responde: No filho, no renunciei e no renunciarei nunca. Provavelmente esto buscando uma forma de fazer com que eu desaparea para sempre, visto que me mantm isolado. Ento ainda o presidente!, diz Juan, firmemente, e acrescenta: Comandante, tenha confiana, juro que o ajudarei no que puder. Se quiser, pode escrever algo e colocar na lixeira. Agora tenho que sair porque algum pode suspeitar. Volto dentro de instantes. Chvez o abraa e despede-se com palmadas nas costas, sem falar, no era necessrio. Juan sai do quarto, fecha a porta atrs de si e, dirigindo-se aos guardas presentes, diz: Bem feito, agora, enfim, isso acabou realmente. Eles o dirigem olhares entediados enquanto retorna cozinha. Passam poucos minutos e um grupo de oficiais entra no quarto do prisioneiro. Um deles, muito emocionado e com o rosto plido, lhe diz: Comandante, ns executamos ordens. Assine a renncia, faa-o por seu bem, por sua vida. Mas Chvez responde como sempre respondera quela solicitao: Filho, no o farei nunca. Os militares saem sem conseguir nada e na base
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comeam a circular rumores de uma transferncia imediata porque tm medo de que venham de Maracay para resgat-lo. Falase em lev-lo s montanhas de San Miguel, outros dizem que o levaro a La Orchila, outra base logstica da Marinha, uma ilha a uns 240 quilmetros a nordeste de Turiamo. Pouco depois, entra outro grupo de oficiais e a discusso fica ainda mais fervorosa, visto que comunicam a Chvez que teriam de lev-lo a outro lugar (fig. 39). Chvez diz: Os rapazes esto me tratando muito bem desde a minha chegada. So soldados maravilhosos, pessoas humanas que me permitiram tambm conversar com eles. Coronel: para mim uma satisfao. Chvez, outra vez:
Estava dizendo ao capito que saiu agora h pouco, Sousa, creio, que at agora no pedi nenhum advogado. Confiei em Deus pedindo que uma luz de senso coletivo ilumine as mentes daqueles que tomam as decises. No perguntei nada. No pude falar nem com meus pais nem com a minha esposa. Estou isolado. Em Forte Tiuna pedi um advogado e me foi negado. S aqui em Turiamo tive companhia por toda a noite. Bem, agora chegou o momento de dizerem aonde querem me levar. Seno daqui eu no me movo!
E o coronel responde: Sim, veja fui encarregado, em primeiro lugar, de oferec-lo, dentro do possvel, proteo e segurana e as intenes so de lev-lo a La Orchila para uma possvel viagem ao estrangeiro. Estas so as ordens que me foram dadas. Chvez:
Agora coronel, veja, eu sou um soldado. Eu tenho uma preocupao. Para ir a Cuba, ou onde decidam, em primeiro lugar no podero obrigar-me. Cuba seria uma possibilidade que estava avaliando uma noite dessas, mas no tive nenhuma resposta. A ansiedade pelo poder apoderou-se de todos os que acreditavam que tudo j estava concludo e que Chvez acabara. Mas aqui muita gente no sabia ainda, ou no entendera, que eu no sou algum que se rende. Existe uma Constituio
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eleita por 82% da populao. Eu, para que saibas, pensei at em renunciar, mas o general Raul Baduel me disse para no ceder. Mas todo o alto mando me traiu. Covardes e desleais! Ordenei, na manh de 11 de abril, que fosse aplicado o Plano vila porque tinha o poder de faz-lo. Decidi aplic-lo quando recebi a informao, dos rgos de inteligncia das prprias Foras Armadas e da Disip, que fora colocado em ao um plano insurrecional e que o general Medina Gmez, o adido militar da Venezuela em Washington, encontrava-se em Caracas e que trazia armas. Inteirei-me disso tudo. Por isso dei aquela ordem, por tantas provas: Plano vila, general Rosendo mas Rosendo no executou a ordem e armou a emboscada. Lucas, Plano vila!, e ele, presidente no sei temos de refletir.... O que h que pensar? Plano vila!. Bom, vou ao Forte Tiuna, Est bem, v ao Forte Tiuna E quando chegou: No, no nos convm. Naquele momento peguei o rdio, encontrei Garcia Carneiro e disse: Garcia, o que est acontecendo?, Eu no sei comandante, sei que esto me procurando para me prender, Quem quer te prender?, Os generais, Por que, o que est acontecendo?, Seguramente est havendo uma insurreio militar. E disse: Bom, estou ainda no mando, mande-me carros, apliquemos o Plano vila!, e ele: Pararam a autopista, e continua contando o que conseguira escutar nas conversas com os militares que o vigiavam. Se tivessem obedecido a histria nos mostrar os responsveis. Se o alto comando militar tivesse obedecido ordem de aplicar o Plano vila na manh daquele dia Ocorre que alguns da linha de comando eram cmplices de Vsquez Velazco. Traidor! Escondeu-se. Pedi que o chamassem at Miraflores e se escondeu. Pedi a um capito, ajudante seu, que o chamasse, e ele me disse: comandante, no sei do general, entrou nos seus aposentos e no responde. um covarde! E esse o homem que tm como comandante em chefe!.
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O coronel ficava cada vez mais envergonhado e no sabia como responder. Por fim, quase balbuciando, diz: Olhe eu, como soldado Primeiramente, deixe-me cumprir a misso de dar-lhe a proteo que o senhor, como cidado venezuelano, merece. Por isso veio um grupo de oficiais de seu conhecimento para lev-lo a La Orchila. E Chvez:
Te entendo, te entendo, garoto. Me perdoe pelo desabafo. Porque veja, a esse ponto eu poderia me recusar a ir com vocs porque, constitucionalmente, eu sou o presidente do pas. Ento, simplesmente, deixe-me aqui sentado. Agora almoarei e, depois de comer, meditarei sobre o que fazer e tomarei uma deciso.
Depois, conta como impediu que oito batalhes de carros marchassem sobre Caracas. Os militares se entreolham e saem do aposento. Chvez come e depois aceita ir para La Orchila. Na imagem 39, pode-se ver Chvez conversando com esse coronel. Trata-se de um fotograma tirado de uma gravao feita por um dos militares. Na mesma gravao se entrev, ignorado entre os soldados, Juan, que entra por trs dos 39. em turyamo oficiais e sai em seguida do quarto, com a lixeira.
No renunciei
Nosso Juan Bautista, depois de sair da cela do presidente, esconde-se, revolve a lixeira e encontra o documento assinado que ser a chave deste fato. Juan, muito emocionado, sabe que tem que agir o mais depressa possvel porque a vida do presidente estava em perigo. Sobe na sua caminhonete, dirige-se ao primeiro posto policial, guardado pelos agentes de Turiamo e, quando o param,
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diz que est executando uma ordem do comandante da base. Os militares no julgam necessrio fazer outros controles, deixam-no passar e Juan se dirige em seguida a Maracay, sem parar. Em Maracay, Juan se apresenta ao seu superior direto, o tenente-coronel Fernando Vigor Gmez, que o aconselha a falar com o comandante do Batalho de Paraquedistas Pedro Nicols Briceo, 40. Declarao de Chavez que o tenente-coronel Argenis Ramn Martnez, e assim o faz. Chegando, apresenta-se brigada e fala com um tenente na guarita policial. Muito agitado, pede para falar com urgncia com o comandante do batalho. O tenente, tambm em funo do clima daquelas horas, logo se d conta de que no era oportuno fazer perguntas, liga para o coronel Martnez e passa a Juan, que lhe diz: Coronel, sou o segundo chefe Juan Bautista Rodrguez e estou executando uma ordem do presidente que est preso em Turiamo. O coronel fica sem palavras por um instante e logo diz: No se mova. Vou enviar algum para que te traga at aqui. Chega um jeep e Juan, chegando ao escritrio do coronel, entrega-o a carta assinada pelo presidente e acrescenta: o presidente me disse que esse documento deve ser visto por todo o povo e pela sua famlia. Martnez no perde tempo e responde: O general Baduel est em uma plataforma falando com o povo. Vamos logo. Antes de sair, Juan pede uma cpia para levar a Baduel porque o documento original teria que voltar ao presidente, quando possvel. O coronel faz uma fotocpia e com Juan e uma pequena escolta vo at Baduel e o entregam a copia. Baduel a l, incrdulo, manda chamar Juan e faz com que ele entregue o original. Examina o documento, o rel muitas vezes, e de-
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pois pede explicaes a Juan de como aquilo havia ido parar em suas mos. Aquele pedao de papel era extremamente precioso! So quase 15h30. De noite, ele circular em todo o pas e tambm ser transmitido pelas televises estrangeiras. Por volta das 17h, uma rdio comunitria entrevista Baduel e pergunta-lhe porque no havia aparecido a notcia nas quatro TVs irms e o general responde que elas se negaram, e se justificaram dizendo que havia problemas tcnicos absolutamente inexistentes. Jos Vicente Rangl estava em estreito contato com os generais Montoya e Baduel, que, de Maracay, reorganizavam as linhas de comando das Foras Armadas. Une-se ao grupo das foras constitucionalistas o general Nelson Verde Gra41. o contra-ataque terol, que comandava a quarta diviso de infantaria com tropas do Exrcito, da Guarda Nacional e da Aviao nos Estados do centro-sul do pas. Em uma entrevista a Unionradio, Baduel fala em comandar uma operao cvico-militar denominada Restituio da Dignidade que teria como objetivo o restabelecimento do Estado de direito e a ordem constitucional. Acrescenta ainda que todos devem renegar a autoridade da junta de fato presidida por Pedro Carmona Estanga, definindo-a como usurpadora da ordem legalmente constituda na Venezuela. Logo esclarece os parmetros da operao: Estamos conscientes de que temos que voltar a ter calma e que a nossa munio sero as ideias e as opinies, e so elas que devemos transmitir ao povo venezuelano. Esse o novo esprito das Foras Armadas Nacionais, derivado dos ideiais bolivarianos sancionados na Constituio, em luta contra as velhas ideologias. O 42 Batalho de Paraquedistas o contingente mais poderoso dentro das Foras Armadas
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venezuelanas e se tivessem escolhido o emprego das armas poderiam incendiar o pas inteiro, mas Baduel sabia muito bem disso e, portanto, busca uma soluo sem derramamento de sangue:
O aspecto principal dessa operao de utilizar todos os meios de comunicao possveis para divulgar o estado real das coisas e poder difundir nossas consideraes, em nvel nacional e internacional. Demos ordens taxativas s unidades para que fiquem aquarteladas para evitar que ocorram aes de violncia tambm involuntrias. Queremos reforar que esto ocorrendo aes violentas contra a populao, em Caracas ou outro lugar, tais aes no so imputveis s unidades que participam dessa operao.
Realmente, todas as aes que provocaram vtimas foram executadas pelas vrias polcias de prefeitos e governadores golpistas, e s ordens de quem se proclamava paladino da liberdade, dos direitos humanos, da legalidade e da justia. A primeira ao concreta ser reconquistar Miraflores com a ajuda da Guarda de Honra e da Casa Militar.
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so saqueadas e depois incendiadas. A polcia perdera o controle e todos os grupos armados dos golpistas desertam em massa, temendo ser reconhecidos pela multido e linchados. Aos chavistas tambm se unem antichavistas que se sentem trados por Pedro Carmona e seus comparsas. De hora em hora, a arrogncia e resplandecente alegria dos carmonianos vacila. As quatro TVs irms veem desperdiados anos de trabalho e muito dinheiro investi42. mobilizao geral do. Para tratar de reduzir o dado evitam transmitir qualquer imagem ou comentrio sobre o que ocorria nas ruas, no do nenhuma informao e transmitem desenhos animados em sequncia: Tom e Jerry se convertem em protagonistas absolutos. A CNN em espanhol, a TV espanhola e algumas emissoras colombianas transmitem ao vivo as imagens da insurreio popular. A rdio Fe y Alegria, do padre Azuaje, mesmo sendo uma organizao de amadores, transmite notcias dos acontecimentos e d ampla cobertura s palavras de Marisabel de Chvez, que tm muita ressonncia. Em Cuba, retransmitida a entrevista com Maria Gabriela, que contatara Fidel outra vez mediante a embaixada de Cuba em Caracas. Pouco a pouco, a verdade comea a reluzir e muitos governos que em um primeiro momento apoiavam Carmona comeam a titubear. Um s pas se arrisca a reconhecer de maneira explcita o governo de Carmona: trata-se de El Salvador, cujo presidente Jos Flores evidentemente tem alguma pedra chavista no sapato. Acabam-se as aparies dos golpistas satisfeitos e Wa-
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shington, pela primeira vez em vrios dias, cala-se, espera do desenrolar dos acontecimentos. A notcia de que Chvez no renunciara, que ainda estava vivo e muito animado, que as Foras Armadas leais estavam retomando o controle e que o povo chavista est conquistando todos os espaos em todo o pas, faz Carmona e seus scios estremecerem e perceberem que deveriam atuar rapidamente, que teriam de fazer algo para resolver o grave problema da renncia.
De novo em Miraflores
As pessoas esto coladas s grades gritando: Fora Carmona! So 14h e Miraflores est rodeado por milhares de chavistas que gritam continuamente. Os guardas dentro do ptio, do outro lado das grades, observados pelos golpistas dispostos nas janelas e varandas, incitam com gestos a multido para que ela se manifeste, enquanto, do palcio, os nobres democratas comeam a ficar agitados, muito preocupados. No ptio, esto presentes os jornalistas estrangeiros que gravam o protesto. Um deles deu o seguinte depoimento: Os chavistas que em um primeiro momento pareciam uma minoria resignada nova ordem institucional chegaram at a porta do palcio presidencial de Miraflores, em Caracas, dispostos a lutar para que seu lder Hugo Chvez volte Presidncia. E depois, dirigindo-se aos rostos comprimidos entre as grades do porto: Por que vieram at aqui?. Para buscar o nosso presidente Hugo Chvez Fras, respondem, mesmo que nos custe a vida queremos que ele esteja aqui. Esse o nosso sonho, por nossos filhos, queremos o nosso presidente!. O homem que pronuncia essas palavras com a voz cortada pela emoo, algum tempo depois, ser convidado de Chvez em uma das suas transmisses dominicais do Al presidente. Os militares que compunham a Guarda de Honra esto todos com
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Chvez e o coronel Jess del Valle Morao Cardona, comandante do regimento da Guarda de Honra, j havia tido contato com Baduel e estava pronto para agir. Um grupo de agentes se desloca nas laterais de Miraflores para controlar as adjacncias e tambm para prevenir eventuais ataques. Um segundo grupo toma a entrada do palcio e outros o interior. Esses movimentos so justificados como necessrios para organizar a proteo dos prprios golpistas, que olhavam cada vez mais desconfiados aquela gentalha que gritava. Dentro do palcio, no salo dos espelhos, estava a ponto de comear a cerimnia de posse dos novos ministros, com a presena na sala de muitos convidados importantes, elegantemente vestidos e envolvidos em cultas conversas sobre temas de alto interesse ptria. Molina Tamayo, muito elegante em seu imaculado uniforme da Marinha, estava bastante inquieto e no parava de olhar pelas cortinas de maneira indecorosa para um guerreiro como ele, espiando o que ocorria na entrada. Nosso recm autonomeado comandante da Guarda de Honra, pouco antes de ir assistir cerimnia, deu com muita tranquilidade a ordem de disparar sobre os manifestantes caso fosse necessrio. Garca Montoya liga para Morao em Miraflores e acordam as operaes. A cerimnia estava comeando quando um grupo de oficiais entra depressa no salo provocando um sobressalto nos nobres ali reunidos. Dirigindo-se s novas autoridades, os adverte que uma formao de F-16 estava a ponto de ser enviada de Maracay para bombardear o palcio. Obviamente uma mentira, mas os golpistas no tinham como saber, visto que j haviam sido advertidos que os generais Montoya e Baduel tramavam algo. A notcia caiu no salo como um balde de gua fria, transtornando os presentes que se agitavam enlouquecidos como formigas. A ameaa parecia plausvel, visto que era o que queriam ter feito com Chvez. Percebe-se que, por fim, os militares raciocinam da mesma maneira
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Isaac Prez Recao, especialista em segurana, um dos primeiros a se dar conta de que tudo estava perdido, portanto ordena, imediatamente, que sua escolta armada o levasse dali muito depressa. Com pouca dignidade foge do palcio, deixando amigos e cmplices sua prpria sorte. Alcanou diretamente o aeroporto e abandonou o pas na mesma noite. Daniel Romero deveria ter sido nomeado fiscal geral, mas a nomeao foi suspensa. Ele no aceita a derrota e queria que a cerimnia fosse concluda, mas ningum o escutava. Os seguranas escoltam Carmona para fora do salo e o levam provisoriamente a um escritrio. Guaicaipuro Lameda, enquanto escapa, caminhando a passos curtos e rpidos como um frango assustado, tenta aparentar dignidade, mas, com gestos nervosos, se nega a parar para responder a um jornalista, dizendo: No tenho tempo, agora no tenho tempo e seu passo contido se transforma em corrida desesperada at o ptio traseiro. Nos nobres caraquenhos desaparece toda arrogncia e certeza majestosa de at poucas horas antes, e os responsveis por aquela sangrenta aventura fogem abjetamente enquanto os homens da Guarda, reforados com um contingente de paraquedistas, todos armados e dispostos a usar suas armas por ordens de oficiais e suboficiais leais a Chvez, tomam posio no exterior de Miraflores, cobrem a cobertura, controlam todas as entradas e entram no palcio, assumindo o controle completo. Os rostos daqueles rapazes so a mais nobre expresso de amor ptria. Olhares decididos, gestos rpidos e seguros, movimentam-se naturalmente: carregam os fuzis, apontam-nos, prontos para tudo, atentos s ordens dos superiores nos quais tm plena confiana. A elite das Foras Armadas venezuelanas d uma demonstrao incrvel de eficincia. Conquistam Miraflores sem disparar nenhum tiro, mesmo que tivessem muita vontade de matar algum daqueles... senhores. As ordens do comandante em chefe, repetidas desde o primeiro momento que ele assumiu o poder, esta-
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vam arraigadas na melhor parte do povo venezuelano, tanto civis quanto agentes das foras nacionais. Da cobertura de Miraflores, os militares saudavam a multido, que respondia com gritos de jbilo irrefreveis. De cada janela do palcio se viam agitar boinas vermelhas e bandeiras. Por toda parte, viam-se rostos sorridentes. A tempestade estava indo embora, mas ainda havia muito que fazer. Alguns dos quase ministros se amparavam nos pores, junto a um grupo de jornalistas. Enquanto as cmeras dos presentes em Miraflores gravam a impetuosa fuga dos golpistas e afins, documentam tambm o momento em que os agentes da Guarda de Honra tomam posse do palcio, prendendo todos que ali estavam. Enquanto isso Pedro Carmona e os generais, que haviam conseguido escapar, estavam abrigados em Forte Tiuna. Alcanado o controle completo de Miraflores, num primeiro momento agrupam todos os civis comprometidos com os golpistas no salo Ayacucho. Eles depois so levados aos pores do palcio para evitar o contato com a multido enfurecida, que seguramente os lincharia. Pouco depois, o procurador Isaas Rodrguez os visita, encontrando pessoas desanimadas e assustadas, e pensa que a eles poderia ser destinado o mesmo tratamento que fora aplicado aos chavistas, e com juros e correo! Mas, para a surpresa de todos, aqueles marginais que foram definidos como incapazes, ineptos, violentos, tirnicos etc., demonstram-se, digamos assim, diferentes. O procurador se dirige a eles com um discurso incoerente imagem que lhe atribuam de algum pertencente ao regime tirnico e autoritrio. Usa estas palavras, documentadas em gravao:
Na minha qualidade de procurador, estamos notificando formalmente que estou aqui para garantir, com a representao da Defensoria do Povo, os direitos que tm como cidados e, no s sero respeitados os seus direitos civis, mas tambm no ser agredida a sua integridade moral. Mas l fora h
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mais de um milho de pessoas as quais no podemos garantir o controle. Creio que a coisa mais razovel a fazer seja ficar aqui at quando possamos garantir a sada de vocs do palcio em plena segurana.
Estranho discurso para um afiliado ao governo autoritrio e tirnico do enfurecido Chvez... Isaas Rodrguez distinguira-se sempre pelo seu alto sentido de dever e respeito aos direitos humanos, at excessivos, poderia dizer. No fala em atir-los na cadeia sob a luz das cmeras, fazendo-os passar todos pela multido exaltada sistema adotado poucas horas antes pelos democrticos carmonianos, mas aplica simplesmente a lei, sancionada pela nova Constituio. No recinto esto presentes tambm algumas mulheres, todos esto desmoralizados e trocam olhares de incerteza e preocupao, mas as palavras daquele bom homem levantam os nimos e tranquiliza-os, ao menos em parte. Os chavistas que haviam coordenado os membros da perseguio advertem-nos de mudanas e os acompanha em seguida ao palcio. Jos Vicente Rangel organiza um grupo seleto, composto naquele momento pelos melhores elementos disponveis, de completa confiana. Envia um grupo a Catia para resgatar Diosdado Cabello, e outro a Caracas para buscar William Lara. Assim chegam Maria Cristina Iglesias, Jorge Giordani e muitos outros. Chega tambm o negro Aristbulo Istriz, o professor ministro da Educao, um dos mais fiis. Entrevistado, responde assim: Estamos voltando e retomando a constitucionalidade. Custodiaremos esse palcio at a chegada do presidente Hugo Chvez, que estar livre nas prximas horas. Tem certeza?, pergunta o jornalista, referindo-se libertao do presidente. Toda a certeza!, Istriz responde. Como chegaram at aqui?; Caminhando ao lado do povo. As respostas s diversas perguntas dos jornalistas so todas na mesma linha: No negociaremos com ningum. Esperamos
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somente a volta do presidente! a nica coisa que queremos nesse momento!. Militares, membros do governo, funcionrios e humildes criados se abraam entusiasmadamente, e as lgrimas j desapareceram dos olhos de Mara Cristina Iglesias. Est presente o procurador Isaas Rodrguez e chega tambm William Lara, que evidentemente no pode ir at sua casa trocar de roupa porque ela estava vigiada pela polcia golpista. O ministro da Secretaria diz: Samos da clandestinidade, agora voltou a legalidade, e convida todos os ministros presentes a sentar e dar vida a um conselho improvisado. A sala fica cheia e quase impossvel organizar uma discusso porque todos esto muito excitados. Aristbulo Istriz se queixa pedindo um pouco de disciplina, enquanto os jornalistas presentes no tm inteno de acalmar-se: o momento indito e nenhum deles quer perder uma s palavra dos protagonistas. Por fim, todo mundo se move em meio a um delicioso caos onde os ministros tm que coordenar aes importantes e tomar decises de muita relevncia, enquanto reprteres, cmeras e jornalistas de jornais estrangeiros esto rodeando-os. So quase 15h e as emissoras golpistas no tem nenhuma inteno de transmitir informaes contrrias aos seus criminosos objetivos. Falta informar o pas que Miraflores estava nas mos dos chavistas, falta reativar a VTV e o Canal 8! E a multido repetia sem parar: Chvez, Chvez. Alguns haviam subido at nos postes de luz, enquanto outros competiam para ficar na primeira fileira, diante das grades, para gritar sua verdade para as cmeras, no por vaidade, mas porque se davam conta da enorme importncia que o protesto popular teria se alcanasse seu objetivo: reconduzir Chvez sua casa, Miraflores. A CNN transmite ao vivo uma entrevista de Carmona. A jornalista pergunta: Sr. Carmona, onde se encontra ele [Chvez]
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nesse momento? Qual agora a situao no palcio de Miraflores? Como o senhor sabe, apresentaram-se algumas manifestaes de sustentao a Chvez; qual a sua opinio?. E Carmona responde: Veja, mesmo que tenham ocorrido alguns distrbios, o controle j total. O pas est num estado de normalidade e controle. Ao ouvir essa declarao, Wiliam Lara, presidente da Assembleia Nacional, decide desmentir Carmona imediatamente. Os jornalistas presentes chamam por telefone suas correspondentes agncias e Lara se dirige a um certo Arismendi da CNN de lngua espanhola: Aqui fala Wiliam Lara, jornalista venezuelano, presidente da Assembleia Nacional da Repblica Bolivariana da Venezuela. Nos encontramos no palcio de Miraflores, e continua afirmando que, segundo a Constituio, no caso da ausncia temporria do presidente, o cargo deveria ser assumido pelo vice-presidente. O vice-presidente Diosdado Cabello estava ainda na clandestinidade. Era necessrio lev-lo com urgncia ao palcio para que assumisse o cargo de presidente temporrio, tarefa assumida, at o momento, por Jos Vicente Rangl.
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PARTE VII
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Lameda, e mais um certo nmero de civis provavelmente do grupo de seguranas de Isaac Prez Recao. O objetivo da reunio era retirar definitivamente o apoio a Pedro Carmona. A discusso se anima tambm porque os golpistas mais intransigentes, como Velazco, Lameda, Guzmn e Rosendo, queriam a todo custo reconhecer e apoiar completamente o governo de Carmona, o nico que dava garantias democrticas contra aquele criminoso assassino que era Chvez. Mas a razo verdadeira foi que, fracassado o golpe, encontrariam-se sem proteo, expostos vingana de Chvez. Carneiro se aborrece e lembra que o acordo era de respeitar a Constituio. O mais combativo se demonstrou Guaicaipuro Lameda que, evidentemente, via frustrados seus esforos e traies de muitos meses: Chvez no poderia vencer, custe o que custasse! Carneiro reage violentamente dizendo: No problema seu!. Lameda, realmente, j no estava em servio ativo. Estas so decises que concernem somente aos comandantes de batalho!. E intervm o general Martnez Vidal que, em tom beligerante, defende Carmona e diz aos comandantes: Esto defendendo o que armou a gentalha que provocou todos os mortos da quinta-feira!. Carneiro, cada vez mais aborrecido, diz: No esse o problema. Agora temos que decidir se atenderemos aos princpios legais ou no!. Depois de muitas brigas, comea a ser escrito o documento que deveria ser lido na televiso por Vazquez Velazco. Garca Carneiro insiste em querer controlar o documento, mas os demais o ignoram. Quando o documento est pronto, o general Navarro Chacn intervm e convida Vsquez Velazco a sair do recinto para confabular longe de ouvidos indiscretos. Carneiro intervm uma vez mais tentando impedir a sada de Velazco, mas os dois se distanciam deixando na sala o documento que acabaram de escrever. Enquanto os dois tramam em particular, Carneiro toma o documento e se d conta de
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que nele era reconhecido o governo de Carmona e que Chvez deveria deixar o pas. Evidentemente o medo da volta de Chvez estava mais forte do que qualquer outra considerao. Carneiro, pacientemente, pega sua caneta, apaga e corrige o texto colocando-o da forma que segundo ele ficava melhor. Depois, vendo que Velazco no retornava, se dirige aos comandantes do batalho: J gastamos bastante tempo esperando. Vamos buscar o general Velazco para que ele volte reunio. Uma vez que todos retornaram sala, indica a Velazco o documento e diz: Leia-o e pratique um pouco, para falar corretamente ao pas!. Ao darse conta do contedo do documento, os generais golpistas se revoltam com violncia, mas Carneiro rapidamente faz com que os jornalistas entrem. Velazco, muito contrariado, comea a ler com m vontade e, enquanto o faz, Rosendo passa-lhe um pedao de papel no qual estava escrito que Chvez tinha que ser exilado. Para transmitir essa declarao, buscou-se o apoio de uma das emissoras que naquele caso estavam ativas, a Globovisin. Apesar de vrios jornalistas de televises locais e estrangeiras estarem no Forte Tiuna, estas no puderam transmitir ao vivo, portanto tentou-se a Globovisin. Vsquez Velazco liga para Alberto Federico Ravell, diretor dessa rede, esta figura, no entanto, quando escuta o motivo, responde que as ruas estavam inseguras e que, portanto, no podia colocar em risco os equipamentos e o pessoal necessrios para efetuar a transmisso. necessrio dizer tambm que as outras trs emissoras irms evitaram esmeradamente transmitir ao vivo o protesto popular e a atitude dos seus proprietrios no mudou at que fossem literalmente obrigados a faz-lo. Mas disso falaremos mais adiante. Outra prova da cumplicidade dos meios com o golpe. Vsquez Velazco grava a mensagem, que logo transmitida. Antes das 16h, o coronel Morao informa a Carneiro que est com
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Chvez. Uma hora depois Carneiro estar no olho do furaco. Os golpistas tm que impedir que ganhe apoiadores e cometa danos posteriores. Algum informa Carneiro que o general Ruiz Guzmn havia dado ordem de prend-lo e de isol-lo em um dos batalhes do Exrcito. Para evitar a captura decide agir imediatamente. Acompanhado do general Wilfredo Silva e dos coronis Jos Gregorio Montilla Pantoja, da polcia militar, e Granadillo Perozo, vai a uma das sadas do Forte Tiuna, a guarita nmero trs, onde esto amontoados centenas de milhares de manifestantes que pedem a libertao de Chvez. Naquele ponto estavam dispostos seis tanques desde o dia 11, pela tarde, por ordem dos generais golpistas, com o objetivo de impedir a aplicao do Plano vila. Agora aqueles tanques esto praticamente entre a multido, e os militares esto todos do lado dos manifestantes. Carneiro sobe em um tanque, passamlhe um megafone, e ele se dirige multido dizendo: Me escutem todos. muito importante que vocs permaneam por aqui conosco, porque daqui no sairemos at que reaparea Hugo Chvez. Deixo que imaginem com quanta alegria essas palavras foram acolhidas pela multido. Foram as mesmas palavras que Iris Varela havia pronunciado havia pouco, diante da entrada principal do Forte Tiuna, ditas com um nico objetivo e sem prvio acordo entre os dois. Estava presente tambm um forte contingente da polcia militar, e Carneiro ordena ao capito que estava no comando que retirasse seus homens porque j no era necessrio, enquanto o entusiasmo sobe s estrelas. So quase 17h30. Os tanques se transformam em palanques de onde falam oradores improvisados, entre os quais tambm esteve o ministro Nelson Merentes. Carneiro pede um equipamento de som, que chega em poucos minutos, e as pessoas cantam e danam com a msica e as palavras do cantor do povo Al Primera. De Maracay, colocam em dia a lista das guarnies que se declaram leais a Chvez e Car-
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neiro, de seu tanque-palanque, com um microfone, d a notcia multido, que responde ovacionando-o. A guarnio de Barinas foi uma das primeiras que se somou lista.
No renunciei!
Voltemos a Maracay, Estado de Aragua, perto da base area na qual a torre que se encontra na entrada se convertera em palanque, e sobre a qual sobem militares e notveis que tm contato com a multido. Entre eles est o general Baduel com um microfone em mos. Por volta das 19h40, j havia escurecido. Algum segura uma lanterna que ilumina o documento que o general segura com a mo esquerda. Consegue um pouco de silncio e depois fala multido: Recebemos uma carta, e depois de uma breve pausa, do senhor presidente da Repblica. Suas palavras so cobertas pelo grito unnime das pessoas acompanhado por um enorme e frentico aplauso. Uns 20 segundos depois, Baduel pode reiniciar sua leitura. Turiamo, 13 de abril de 2002, s 14h45, ou um quarto para as trs da tarde, para quem conhece a hora militar, acrescenta brincando, tambm para acalmar sua agitao. Quer manter a postura adequada solenidade do momento, mesmo que se sentisse estourando de alegria. Depois, aumentando o tom e com a voz segura volta a falar: Ao povo venezuelano e a quem interessar, e, enfatizando as palavras, eu, Hugo Chvez Frias, venezuelano..., outra ovao da multido, e algum, de cima do palanque, grita: calem-se!. Presidente da Repblica Bolivariana da Venezuela... outro grito forte. Declaro: no renunciei; dessa vez a confuso no se acalma e Baduel obrigado a concluir a leitura do documento entre os gritos desenfreados da multido que comea a ver a clssica luz no fim do tnel. (...) no renunciei ao poder que o povo me deu. Para sempre. E logo acrescenta: posso testemunhar que a caligrafia e a assinatura do senhor
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presidente so autnticas.... E o restante das suas palavras coberto pelo clamor... Vocs devem recordar que o cabo Juan Bautista Rodrguez havia entregado este documento a Baduel antes, umas quatro horas, por volta das 15h30. Baduel, junto ao general Montoya, bons estrategistas, utilizaram aquelas horas para consolidar a posio das guarnies fieis, evitando que o contedo explosivo da carta do presidente fosse de conhecimento dos golpistas antes da hora. Carneiro ainda se encontrava na guarita nmero trs de Forte Tiuna, onde os chavistas iam aumentando. Sobre as palavras a favor de Chvez e contra Carmona algum fala ao celular, provavelmente um comandante de guarnio:
As Foras Armadas so fieis institucionalidade democrtica e fazem com que se realizem os princpios sancionados na Constituio Bolivariana da Repblica da Venezuela. Assim no podemos continuar, permitindo e aceitando um presidente autonomeado, como um autogolpe. Esto repartindo o bolo ao seu gosto e acreditavam que o povo... acreditaram que ns militares ramos eunucos e que iramos permitir... essa farsa, compadre!
Enquanto falava estava muito aborrecido e gesticulava bastante, como um bom Venezuelano. Pouco depois, com um microfone, se dirige ao povo chavista: comunico a todos que as guarnies militares esto com o presidente Hugo Rafael Chvez Fras. A multido aplaude e os militares que rodeiam Carneiro levantam o punho ao cu em sinal de vitria.
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que esto lutando contra o tempo. De Washington, pressionam para ver o documento assinado, tal como os comandantes das guarnies e alguns generais que passaram do lado dos golpistas ao de Chvez por terem sido enganados sobre a matana de civis e pelas conspiraes. Carmona repete algumas vezes a ordem de obrigar, de qualquer maneira, Chvez a assinar a renncia e com isso poderem fazer o que quisessem. Enquanto isso, em Turiamo, a situao vai se complicando, seja pela relativa proximidade a Maracay, j claramente chavista, seja pela atitude dos prprios militares, que no demonstram o repdio contra o presidente que os golpistas desejavam. Era necessrio afast-lo para o mais longe possvel. O translado a La Orchila tinha que ser imediato. Dessa forma, na tarde do dia 13, chega a Turiamo um helicptero que leva o presidente ilha. La Orchila uma ilha que se encontra a uns 170 quilmetros em direo nordeste de Caracas e a 50 quilmetros a leste do arquiplago Los Roques. De Turiamo, cerca de 240 quilmetros de distncia em direo nordeste, o helicptero levou umas duas horas para percorr-la. Na base esto presentes umas 70 pessoas, com poucos civis, como uma famlia de pescadores que vive h muito tempo na ilha e alguns familiares dos militares 43a. ilha La orchila para o final de semana. A nica forma de se chegar ilha por meio de um voo militar que parte s manhs de La Guaira e ali volta pela tarde, numa viagem que dura cerca de uma hora. A foto da direita da imagem 43, eu tirei em 1996, quando fui convidado para ir at 43b. Sala de recreao na base navall
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l junto de um professor da Universidade Central da Venezuela. Tive que realizar um projeto de viabilidade para uma instalao de potabilizao de gua marinha capaz tambm de tornar a ilha autnoma no cultivo de hortalias. At ento, a ilha era abastecida de gua potvel uma vez ao ms por meio de um navio, portanto, a gua um elemento precioso na ilha. Lembro dos contos do velho pescador que economizava cada gota de gua para regar um par de mseras flores e de como tinha que lutar contra as lagartixas negras que saqueavam dois metros quadrados de jardim. Em todo caso o projeto no se realizou porque alguns generais da poca embolsaram o dinheiro e no se soube de nada. Voltemos nossa histria. Naquela mesma manh, trs barcos de guerra dos EUA entraram nas guas territoriais venezuelanas navegando nas vizinhanas de La Orchila. Eles foram avistados por volta das 9h e se mantiveram na zona at as 16h, distanciando-se em direo ao norte. Estes barcos foram identificados perfeitamente com as siglas NC1 3300, NC2 2027 e NC3 2132. Logo depois do meiodia, dois helicpteros com sigla NC 11100 e NC 10107 levantaram voo desses barcos, sobrevoaram a ilha e voltaram bordo. Os trs barcos faziam parte de um comboio maior que ficara em guas internacionais. A presena, na rea, de outro helicptero, com sigla NC 20212 que, at as 16h, vindo do norte sobrevoou os trs barcos em questo e voltou atrs prova disso. Estes reconhecimentos foram comunicados ao comando das Foras Armadas Nacionais e a Carmona, que evidentemente estava a par de tais manobras. Eram barcos de transporte e se chegou hiptese de que iriam servir evacuao de cidados dos EUA, mas havia tambm outra verso: transportavam marines prontos para atuar em territrio venezuelano. Certo que estes barcos desapareceram, no momento em que os golpistas fugiram de Miraflores. Coincidncia muito
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curiosa! O comandante da base, capito Jos Aguilera, desde as primeiras horas da manh, foi advertido pelo vice-almirante Hctor Ramrez Prez sobre a chegada de Chvez. Vindo do helicptero como um incmodo personagem, designam a ele um alojamento com uma vigilncia no muito estrita como em Turiamo, pois era impossvel escapar da ilha. Um capito da Marinha se encarrega dele, o leva ao alojamento reservado e o informa de que a sua famlia est bem. Antes de deix-lo, acrescenta em voz baixa para que ele olhe com calma debaixo do colcho. Chvez olha-o com cara de interrogao, mas o capito sai sem dizer nada mais. Depois de alguns minutos sozinho, Chvez vai at a cama, levanta o colcho e l encontra um celular. Depois da declarao do general Efrain Vsquez Velazco na televiso, quando solicita a retratao de Carmona, o grupo de mando dos golpistas se rene com urgncia e discute sobre uma sugesto do monsenhor Baltazr Porras. Todos estiveram de acordo em pedir ao cardeal Jos Ignacio Velasco para que fosse pessoalmente falar com Chvez e que tentasse convenclo a assinar a renncia, pelo bem do pas, e com a garantia de ir a Cuba. Entram em contato com Vctor Gil, um banqueiro proprietrio do TotalBank, por sugesto de Cisneros, pois ele colocara disposio dos golpistas seu avio particular, matriculado nos EUA, mas que se encontrava na Venezuela. Com o senhor Gil ciente, os golpistas preparam o plano de voo que levar o cardeal a La Orchila, de onde Chvez seria levado at Porto Rico (territrio estadunidense), enquanto disseram a ele que o destino seria Cuba e por fim, voltaria a Caracas. Sem dvida o cardeal no foi informado sobre a deciso de levar o presidente a territrio estadunidense, pois assim, no poderia trair sua boa f e jogar a favor dos maquiavlicos criminosos. Mas certo que o monsenhor Baltazr Porras conhecia o movimento porque sempre esteve presente quando os golpistas tomaram decises importantes.
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O presidente passa uma hora em relativa calma, passeando sobre a cndida e deslumbrante areia da ilha, admirando os reflexos do pr do sol sobre as guas verde esmeralda. J so as horas em que o vento varre continuamente a ilha, tudo parece calmo, em paz. O sussurro da ressaca tranquilizador e Chvez aproveita daqueles poucos momentos de serenidade observando dezenas de pequenssimos caranguejos, seres quase transparentes, que correm pela praia e se escondem, entrando rapidamente sob a areia quando ele se aproxima. No sabe o que se passava com o cabo da Guarda Nacional de Turiamo. Haveria encontrado o documento na lixeira? Chvez tentara usar o celular mas no conseguiu contatar ningum. No tem informaes certas e suas perguntas aos militares da base haviam ficado sem resposta. V certo movimento na base, alguns carros, um deles com o comandante a bordo, que se dirige em direo pista de aterrissagem. Quase ao mesmo tempo ouve o som das turbinas de um pequeno avio que se prepara para aterrissar. Chvez intui que haveria algumas novidades na chegada, visto que era um avio civil. Pouco depois os carros voltam trazendo vrias pessoas que Chvez identifica em seguida como golpistas, mas fica bastante surpreso vendo que no primeiro carro est o cardeal Velasco junto ao coronel e advogado do Exrcito Julio Rodrguez Salas, e entende ento o motivo daquela inesperada presena na ilha. O cardeal um homem bom que fora sequestrado por figuras como Baltazr Porras e Mikel de Viana. Estes, realmente, no poderiam ter participado to ativamente dos fatos dos ltimos anos se o cardeal tivesse se mostrado mais decidido em fazer com que o alto clero venezuelano se comportasse de maneira coerente com a misso que a Igreja os havia confiado. Por outro lado, tais figuras conseguiram convenc-lo de que era seu dever ajudar a Pedro Carmona na eliminao do marxismo da cena poltica, assim como o castro-comunismo e o ditador Chvez
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que estava levando o pas runa e acentuando incrivelmente as divises que ameaavam o pas. Assim, as raposas golpistas pediram ao cardeal para que fosse a La Orchila por motivos nobres, como consolar o prisioneiro, averiguar suas condies de sade, se o tratavam cristmente e, por fim, alent-lo de que ningum tinha inteno de fazer-lhe mal. Mas ele deveria tambm estender a mo, colaborar para o apaziguamento do pas, por meio de mais um sacrifcio pelo bem comum, que seria assinar sua renncia, permitindo que o levem a algum lugar como Havana, em Cuba, com a presena constante do cardeal como garantia. Visto que no se conseguiu arrancar do presidente sua renncia com ameaas, agora estavam tentando uma gota de mel, e tudo em nome de Deus. Com esse programa, sugerido por seus colaboradores mais prximos, empurrados por seu desejo de ver o fim daqueles dias turbulentos e em perfeita boa f, o cardeal vai ao encontro de Chvez. Quando o alcana, vendo-o um pouco desarrumado e em um vesturio bastante modesto, o cardeal se comove e, em lugar de um cumprimento formal, aproxima-se e o abraa compadecido. O cardeal reprova brandamente Chvez por ter abusado das redes de televiso e por suas palavras, no muito ternas, usadas contra os adversrios, mais ou menos as mesmas coisas que o monsenhor Baltazr Porras o havia dito em Forte Tiuna. Chvez no um poltico de carreira e tambm tem que ganhar experincia nesse novo papel, assim reconhece que suas aes poderiam ter sido menos traumticas para a oposio e poderia ter usado um linguajar mais tolerante, mesmo que no acreditasse ter transgredido os princpios que o inspiram. O tom da conversa conciliador e as posies dos dois tornam-se menos distantes. O presidente diz: Como pastor da Igreja, lhe peo perdo pelos erros que possa haver cometido. O perdoo de bom grado e tambm lhe peo perdo por nossos er-
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ros. Aqui todos ns nos equivocamos. Umas palmadas sobre os ombros para romper com as emoes que os invade e se dirigem at a praia. O presidente no pode saber o que ocorre em Caracas e no resto do pas. Comea a ficar cansado, a tenso nervosa o desgasta. No v como escapar, avalia a possibilidade de distanciarse da Venezuela e do que isso significaria para o pas. Repensa nas palavras de Fidel: () trata com dignidade (). Pouco depois o coronel Rodrguez Salas submete ao presidente o documento que Napolen Bravo lera. Chvez o l, percebe que est com a data do dia anterior e isso uma forma de ganhar tempo. () no se demita e no renuncie. Rapaz, eu no assinarei este decreto. Como pode achar que vou assinar um documento que est com a data errada? E depois, outra coisa. Eu declarei que estou abandonando o cargo sob ameaas, mas no renuncio!. E isso no acaba por a O cardeal est presente negociao e tenta esconder seu incmodo inerente. A tenso tambm est lhe criando srios problemas, sente-se fora do lugar, mas pensa que sua participao fundamental para solucionar a crise e cr que seu dever carregar tudo aquilo. A discusso continua sem mudanas nas posies assumidas, at quando Rodrguez Salas, para sair daquele ponto, j exausto, decide perguntar o parecer dos seus superiores. Liga para o ministro da Defesa e comunica a mudana que Chvez quer fazer. O ministro responde que no havia problema, que se pudessem modificar o texto, o importante era fazlo assinar e lev-lo o mais distante possvel. Fazem as correes no documento, o escrevem mquina e apresentam novamente a Chvez. Ele l vrias vezes e depois, deixando-o sobre a escrivaninha, diz: no assinarei um documento annimo. Escreverei tudo mo depois podem fazer todas as cpias que quiserem!. No se demita, no renuncie.... Enquanto isso, Miraflores passava mo dos chavistas.
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te forte e impossvel de ser detida. Chegam cmeras e reprteres que gravam o acontecimento e, a essa altura, polcia no resta alternativa seno afastar-se das milhares de pessoas que no se deixavam intimidar pelas armas. Deixam o local definitivamente entre assovios e gritos dos manifestantes. Jess Romero Anselmi, com pouca presena de mestrana, junto aos tcnicos das rdios locais e alguns voluntrios, entra por fim no edifcio. Comeam a telefonar incessantemente procura dos trabalhadores da rede para faz-la voltar ao ar. Era necessrio reativ-la o mais rpido possvel. Em meio a uma incrvel confuso chegam algumas motos transportando os tcnicos da emissora, amigos de amigos que trabalham na RCTV escondidos dos donos, obviamente, vindo dar uma mo liberdade de imprensa, pela volta da legalidade. Ningum fala de remuneraes, somente perguntam em que podem ajudar. Comeam a funcionar algumas instalaes e as pessoas levam uma televiso gigante para o meio da rua. Os manifestantes, chavistas e no chavistas, alinham-se ao redor do edifcio para impedir um improvvel retorno da polcia. Por volta das 20h aparece o monoscpio, um pouco desbotado e cambaleante, com a msica do canal como udio. Pouco depois chegam os tcnicos de outras redes, que regularo melhor o equipamento, mas ningum se importa com a qualidade da imagem, era o de menos. Iniciam-se as transmisses da VTV. Desaparece o monoscpio e aparece uma imagem desfocada, toda branca. Entrev-se uma mesa ao redor da qual esto sentadas trs pessoas que no podem ser reconhecidas. Escuta-se a voz de Anselmi, que diz: Estou convocando a todos os trabalhadores da Venezolana de Televisin que queiram vir contribuir com a misso pois esse canal de todos os venezuelanos; as portas da emissora esto novamente abertas e o sinal da VTV est de volta ao ar. Faz tambm um chamado para que os parlamentares se dirigissem Assembleia Nacional. Logo Juan Bar-
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reto adverte: Esto mantendo o presidente Chvez na ilha La Orchila e fazendo presso para que ele saia do pas. O presidente Chvez nunca renunciou!. A mesma coisa dir Jess Romero Anselmi. Pela primeira vez h uma nova voz que d uma verso diferente sobre os acontecimentos. Pouco antes das 22h, a VTV transmite Miraflores. O presidente da Assembleia Nacional, William Lara, faz o juramento do vice-presidente Diosdado Cabello como presidente temporrio da Repblica, na espera da volta do presidente constitucional, tal como estava previsto no caso da ausncia temporria do presidente eleito. Esto presentes o fiscal Isaas Rodrguez e Germn Mundaran, da Defensoria do Povo. A partir desse momento, o canal do Estado transmitir tudo o que as quatro TVs irms no quiseram transmitir.
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pequenas manifestaes que so reprimidas pela polcia com bombas de gs lacrimogneo e balas de borracha. Tivemos contato com muitos membros das Foras Armadas Nacionais, falamos com o secretrio permanente do conselho de segurana nacional durante o governo Chvez, general Julio Garcia Montoya. Ele est em atividade e mantm o controle de uma das bases mais importantes do pas, a base de Maracay, onde se encontram os F-16. Eles dizem que no so chavistas e que no reconhecem a autoridade de Pedro Carmona. Consideram-no um governo de fato e asseguraram que no querem derramamento de sangue nesse pas, mas querem manter a calma, as instituies e a institucionalidade.
Sobre essa declarao so transmitidas imagens do protesto popular e as aes repressivas da polcia metropolitana, armadas exatamente como na manh do dia 11, com M-16 e HK, bem visveis em todos os vdeos gravados. As emissoras venezuelanas seguiam ignorando esses fatos e transmitiam temas esportivos e desenho animado, distanciados por alguma espordica notcia que assinalava cinicamente ao pas que tudo ia bem, em plena tranquilidade. A CNN seria a nica fonte de notcias at o meio da tarde. Tambm ser transmitida uma entrevista de Alfredo Pea, que segue mentindo descaradamente e de maneira categrica que a polcia militar s utilizava projteis de plstico. As imagens, no entanto, mostram efetivamente os armamentos de M-16, fuzilmetralhadora de emprego militar, arma de guerra como as usadas na manh do dia 11 pelos mesmos policiais estas armas simplesmente no disparam projteis de borracha! Com o passar das horas, a presena da polcia militar est cada vez menos numerosa, enquanto a mar chavista ocupa todos os espaos civis e militares em todo o pas. Pouco antes das 17h, as quatro TVs irms tentam justificar a ausncia de notcias nas suas transmisses com desculpas ridculas. s 16h52, a Globovisin sai com o seguinte comentrio:
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Globovisin, como meio de comunicao social, mas, sobretudo, como uma famlia venezuelana que trabalha e luta por seu pas, condena qualquer atividade irregular que possa causar desajuste ou confuso na coletividade, no importando de qual grupo provenha. Nesse momento, em nome da prudncia e do clima de incerteza e falta de informaes seguras sobre os acontecimentos, no temos dado informaes ou transmitido imagens que poderiam vir a causar danos maiores ao nosso pas. Mas isso no quer dizer, em absoluto, que escondemos intencionalmente informaes ou que estamos violando o direito de vocs de serem informados. Por isso insistimos em comunicar a existncia de focos de perturbao e recomendamos que se mantenham nas suas casas.
Um minuto depois, s 16h54, a Venevisin se incorpora essa linha editorial. Um comentarista, com expresso muito preocupada, diz: Nossos jornalistas receberam ameaas de morte por parte dos prprios crculos chavistas. Nessa circunstncia no possvel que nos movamos em segurana para conseguir informaes precisas. E depois continua sugerindo que se mantenha a calma, que todos fiquem em casa, e que, assim que tivessem notcias seguras as transmitiriam. Em resumo, exatamente as mesmas informaes: fiquem em casa por medo das hordas chavistas. A histria das ameaas uma mentira colossal que dentro de pouco tempo seria revelada. Os crculos chavistas no mataram ningum e nunca exerceram violncia gratuita como foi feito pelos golpistas contra os chavistas. Pela tarde, a RCTV circundada por chavistas, a maioria motorizados, que gritam contra o canal que se autocensurara. Pedem que seja transmitida a verdade, isto , o protesto popular e tudo o mais que estava ocorrendo no pas. A polcia metropolitana desaparecera. O canal transmite imagens da presso dos chavistas, que gravam de dentro de edifcios e por trs de vidros. Um jornalista, bastante assustado, pede ajuda:
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Ns da RCTV lanamos um chamado para que, por favor, o povo da Venezuela nos proteja! [e acrescenta, com voz trmula] porque um pas onde no existam meios de comunicao, onde no exista liberdade de expresso, e sim uma s linha de pensamento, algo muito perigoso.
Plenamente de acordo, mas ningum na RCTV protestou quando fecharam a VTV! O mesmo est ocorrendo na Venevisin, onde, no entanto, h um cordo da polcia metropolitana para proteger o edifcio. O jornalista diz: () vejam como esto se amontoando os simpatizantes do ex-presidente Chvez. Entendemos que o protesto livre, mas. Tambm diante da Globovisin os chavistas chegam para protestar. Mas, contrariando o que essas emissoras queriam dar a entender, os chavistas no foram l para invadir e destruir as instalaes e atacar de maneira selvagem os que ali se encontrassem, por mais que tivessem uma grande vontade de faz-lo. Sabem que seu presidente no permitiria isso e, portanto, se limitam a tentar transmitir as suas declaraes, a verdade do que ocorria pelas ruas. Creio que nunca ocorrera isso em nenhuma outra parte do mundo; manifestantes reivindicando da televiso o cumprimento da lei e os direitos da populao de ser informada corretamente. Os editores so obrigados, para evitar problemas mais srios, a mandar cmeras entre as pessoas. Alguns operadores mais atrevidos decidem aderir solicitao dos manifestantes e vo entrevistar os chavistas. No acontece nada dramtico, ningum atacado e a massa pode, por fim, falar diante das cmeras. Assim, mesmo que por poucos minutos, j h as primeiras imagens dos protestos populares difundidas nacionalmente. Na RCTV, os jornalistas insistem em declarar que tm medo de sair para acompanhar os acontecimentos e que a sua integridade fsica no pode ser garantida por nenhum rgo do Estado. Qual Estado? O de Chvez ou o de Carmona? Nenhuma
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das quatro TVs irms pensou na segurana dos seus primeiros operadores, quando gravavam ao vivo os homicdios da polcia metropolitana e dos franco-atiradores, quando os mesmos jornalistas foram bem contentes de encontro guerrilha urbana, realizando seu melhor servio! Logo depois desses acontecimentos, os canais golpistas se fecharo em um hermetismo total.
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contrava-se no ministrio da Defesa. Para tanto poderiam contar com o Batalho Caracas. Montilla avisa Carneiro do que est para acontecer e ele aprova inteiramente. Montilla vai ao ministrio da Defesa, liga para o comandante do Batalho Caracas e o coloca a par da operao. O comandante se mostra surpreso e indeciso, pois, bastava um pequeno erro para perder no s a carreira mas tambm a prpria vida. Prender Pedro Carmona significava colocar-se contra os altos oficiais, o que significava muitos perigos. Por fim, cede e coloca-se s ordens de Montilla. Escoltados por homens do batalho, se encaminham para o escritrio do quinto andar. Alm de Montilla, do comandante e dos trs majores, havia o general Martnez Mendoza, que acalma os nimos aconselhando Montilla a discutir melhor antes de agir. O comando chega porta do escritrio, Montilla para um momento, observa aqueles que o acompanham e depois, com um suspiro, segura a maaneta da porta, abre e entra com passo firme. No escritrio, encontram-se mais de 50 generais que se viram para olhar o intruso, surpreendidos e emudecidos. Montilla no d tempo a perguntas e, com voz autoritria e cara fechada diz: Venho prender Pedro Carmona Estanga como responsvel pelos fatos que acometeram o pas!, e, como ningum ousou abrir a boca, continuou, Ns no aceitamos ficar sob o mando de vocs pois vocs violaram a Constituio. O general Navarro Chacn o enfrenta: Sob qual mando est atuando? Quem voc representa?. E Montilla responde: ns, os oficiais jovens do pas, no estamos de acordo com o que est acontecendo. Chacin, enfurecido, responde aos gritos: Os militares no falam em grupo!. Eu falo pessoalmente!, responde Montilla, no mesmo tom. E o mesmo gritam os outros que o acompanham. Muitos generais esto visivelmente chocados e resignados. Montilla acrescenta: Vocs esto todos em estado de priso. Vamos agora prender Pedro Carmona!. E depois repreende as-
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peramente Molina Tamayo, que estava sentado em silncio: Por que est sentado, foi demitido da Marinha?, e o vice-almirante, cada vez mais nervoso e assustado, coloca-se de p, sem dizer uma palavra. Depois Montilla continua: Vocs, entreguem-me agora os seus celulares! Daqui no sai ningum. Repito, esto presos! Enquanto seus homens recolhem os celulares, ele sai do recinto, fecha a porta e d um grande suspiro de alvio. O pior j passara, mas ainda no sabiam onde estava Pedro Carmona. Enquanto caminham pelo corredor, v que se aproxima o capito Guerrero Nez, e Montilla lhe pergunta em qual escritrio se encontra Pedro Carmona. O capito no sabe, mas um cabo encarregado dos servios deveria sab-lo. Encontram ento o cabo e ele os conduz por um corredor lateral at que param diante de uma porta. Est aqui dentro, disse ele. Montilla abre a porta e v Pedro Carmona, sentado, agachado, enquanto procura algo no criado mudo. Senhor Pedro Carmona, o senhor est preso. Por qu?, pergunta ele com uma voz fraca, j que o medo lhe fecha a garganta. Por ter violado a Constituio da Repblica Bolivariana [e marca bem a palavra bolivariana] da Venezuela. Montilla o pega pelo brao e percebe que Carmona est tremendo, visivelmente perturbado. O homem que mandou eliminar Chvez agora teme que aquela sorte se destinasse a ele prprio, mas Montilla o alenta: No se preocupe. Ns respeitamos a lei e a Constituio e respeitaremos seus direitos humanos e civis. Vejam, justamente a Constituio que ele queria eliminar que agora o protege! Pedro Carmona, escoltado por Montilla e outros homens, encaminhado pelo corredor. Encontram o general Rosendo que, sabendo da deteno dos generais e da inteno de prender tambm Pedro Carmona, queria alcan-lo antes que Montilla, evidentemente sem xito. Rosendo se impe a Montilla, como se ignorasse o que estava acontecendo: O que est acontecendo aqui? Onde pensa que vai com esse homem? Preste ateno no que faz,
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coronel!. E o outro responde, firmemente: Este homem est detido por haver cometido um golpe de Estado. Calma coronel, calma, no tome decises impetuosas, insiste Rosendo. O gordo traidor salva seu novo dono. Montilla diz que Pedro Carmona tem que renunciar diante do pas, na televiso, e para isso daria algum tempo aos dois para que discutissem a forma, enquanto ele se ocuparia de organizar a coletiva de imprensa. Os generais advertem que no h maneira de ir ao ar, ao vivo, porque nenhuma das quatro TVs irms quer enviar equipes at Forte Tiuna. Naquele momento, William Lara est juramentando Diosdado Cabello, e esse acontecimento acaba com todas as esperanas dos generais, e Pedro Carmona cede definitivamente. Garca Carneiro acorda com Montilla e com os outros oficiais o texto da declarao que o resignado Pedro Carmona l diante das cmeras. Alm da renncia tambm h a comunicao de que o novo ministro da Defesa seria o general Lucas Rincn. Carneiro poderia ter dado uma nfase maior ao acontecimento, mas preferiu concluir rapidamente aquela baguna. Apressou o tempo justamente para evitar que pudessem nascer problemas e complicar um quadro que j estava sendo definido em detalhes, e da melhor maneira: no se disparou um s tiro e estava sendo levada a cabo a operao Restituio da Dignidade, encaminhada por Baduel e Montoya, e em pleno acordo com a Constituio e as leis. Pelas indiscries filtradas uns dias depois, parece que os nicos feridos foram os altos oficiais golpistas por causa das brigas desatadas entre eles por melhores cargos, brigando para ver quem ficaria com o maior pedao de bolo. Para que no houvesse mal entendido, no fechamento da coletiva de imprensa o coronel Montilla repete o nome dos generais que esto presos. Depois contatam Diosdado Cabello e os outros ministros do governo de Chvez.
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Pouco depois, chega ao Forte Tiuna Jos Vicente Rangel, que segue para o Batalho Caracas. Depois de felicitar o grupo de oficiais autores da captura, vai ao encontro de Carmona. Num primeiro momento, trata-o duramente como traidor e, depois de ver que o homem j estava vencido e inerme, sentado com a cabea reclinada, repreende-o sem tanta dureza, reprovando suas aes fascistas daqueles dois dias, os ataques e prises ilegais. Pedro Carmona no tem nada a dizer, no sabe como responder. Depois Jos Vicente vai at o quarto onde esto reunidos os dois generais: Como possvel que vocs tenham entregado o pas Fedecmaras? Onde estava o amor ptrio quando acabou o juramento defendendo as instituies?. Os generais esto chocados, muito nervosos, e algum gagueja desculpas. Pouco depois Diosdado Cabello e Lucas Rincn chegam e vo tambm reclamar algo aos generais que, instalados em seus escritrios, j haviam separado todos os documentos de trabalho e coisas pessoais.
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savam das 23h quando, por fim, conseguiram que fossem disponibilizados quatro helicpteros Super Puma. Enquanto isso, Chvez est metido em sua renncia digitada e quer reescrev-la a seu punho. O coronel Julio Rodrguez Salas comea a perder a pacincia, mas sente que o assunto j est quase resolvido e no custa nada conceder aquele capricho. Levam alguns papis e Chvez comea a escrever sua renncia, lentamente. Faz pausas, rel, faz correes e depois continua, sempre com extrema lentido. O coronel queria chut-lo, mas a presena do cardeal o obriga a ficar tranquilo enquanto Chvez perde tempo intencionalmente. O coronel, para descarregar a tenso, fala com o cardeal, olhando continuamente para o prisioneiro. Por fim o documento est escrito e Chvez o entrega ao coronel, dizendo: Faa as cpias mquina e ento assinarei. No tem inteno de assinar nada, est pensando a qual desculpa ir recorrer, uma vez feitas as cpias. O cardeal Velasco e o coronel do um suspiro de alvio. Pronto! Agora basta copi-lo mquina, assin-lo e partir com o incmodo prisioneiro para seu destino final. O coronel entrega o documento a um soldado para que passasse mquina. O soldado, enquanto pega o documento das mos do superior, olha para Chvez, que corresponde com o olhar ao mesmo tempo em que transparece uma expresso irnica. O soldado j se deu conta do que tentava fazer o presidente: perder tempo. Sendo assim, tambm age no mesmo sentido. Comea a digitar lentamente, logo se equivoca intencionalmente, dissimulando grande nervosismo, arranca a folha e comea de novo. Jos Vicente Rangl deixa o Forte Tiuna e regressa a Miraflores. Acaba de chegar e liga para Montoya e Baduel para colocar-lhes a par dos detalhes do ltimo minuto, e assim tambm fica sabendo da disponibilizao dos helicpteros, que j decolaram. A notcia se difunde em La Orchila e deixa todos agitados. Chvez percebe que algo de muito grave acontecera,
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pois de repente toda a calma da ilha se transforma em agitao frentica. Os oficiais se renem e analisam a situao. A chegada dos Super Puma com um esquadro de paraquedistas decididos no um fato que se podia ignorar. Era necessrio decidir se os enfrentariam ou se se renderiam, mas tambm tinham que considerar a ordem dada por Baduel aos seus homens. Melhor estar preparados para tudo. Dispem alguns homens na defesa ao redor da casa onde estava Chvez, outros utilizam visores noturnos e se posicionam em uma segunda linha defensiva. O cardeal comea a ficar assustado, no entende o que ocorre, mas Chvez logo se d conta dos sentidos daqueles movimentos: esto organizando linhas defensivas. Quem estaria chegando? Amigos ou hostis? A esperana comea a transformar-se em certeza e Chvez se dirige aos militares que estavam dispondo-se ao longo do permetro da casa: Vocs a, o que esto fazendo?. Comandante, estamos executando ordens do almirante. Chamem-me o almirante!. Naquele momento, Chvez est com o cardeal e com dois coronis, um dos quais Julio Rodrguez. Quando o almirante chega diante de Chvez, coloca-se firme e diz: s suas ordens, presidente. Chvez fica pasmado, mas entende logo o sentido daquela situao. O cardeal e os dois coronis empalidecem, a superioridade se transformara em medo. E o almirante continua: Senhor presidente, queria falar com o senhor em particular. O presidente, que estava sentado, pede licena ao cardeal e aos outros dois e saem. O que ocorre, o que te preocupa?; Comandante, a situao no continente est muito difcil. O povo invadiu as ruas protestando. Eu estou executando ordens, mas fique tranquilo, o protegeremos. Eu estou aqui para proteg-lo; Proteger-me de quem?; O general Baduel com um comando de paraquedistas est a ponto de chegar com quatro helicpteros Super Puma. No quero confronto. Se puder, ligue para ele por favor.
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O almirante no consegue saber se o comando quer libertar Chvez ou elimin-lo e no quer ficar de braos cruzados em nenhuma das hipteses. Chvez consente imediatamente, ele tambm no queria conflitos armados. Os dois dirigem-se ao centro de comunicao e Chvez pode falar com o comandante do grupo de helicpteros, mas Baduel no est com eles. Est claro que o objetivo do grupo era o de resgatar o presidente, e ento Chvez explica a situao, diz que no quer conflitos e que no haver problemas com o presdio da ilha. O prprio Chvez, referindo-se queles momentos, contar que o cardeal Velasco iniciou uma conversa com Hugo Chvez prisioneiro e a concluiu com o mesmo homem, mas que voltara a ser o presidente da Venezuela. Agora s restava esperar. A notcia chega a todos os presentes na ilha e a atmosfera muda radicalmente, desaparecem as expresses aborrecidas, os rostos se estendem e volta a simples alegria natural dos caribenhos. A tripulao que levou o cardeal agora se encontrava incomodada e temia uma retaliao, mas ningum nem se importou com a presena deles. J era 14 de abril, domingo, e se prenunciavam as melhores perspectivas: Os helicpteros que reconduziriam o presidente a Miraflores aterrissaram a 1h30. Enquanto lidavam com os preparativos para a decolagem, Chvez aproxima-se do cardeal e diz: monsenhor, vamos dar as mos. Juntos, na praia, em uma noite sem lua, o monsenhor e o presidente como dupla improvisada de personagens como Don Camillo e Peppone, protagonistas inesquecveis de alguns romances de Guareschi, rezam juntos. Depois Chvez diz: Pedimos a Deus que nos ilumine, o invocamos para que nos faa capazes de aceitar nossas diferenas e dialogar. Nossos objetivos so os mesmos: a paz e o progresso do pas. No permitamos que as nossas diferenas se imponham. Depois Chvez sobe no helicptero dando palmadinhas nos ombros daqueles que encontra, maneira venezuelana. Pouco antes das 3h o helicptero sobrevoa Caracas.
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A volta
Durante o voo at Caracas Chvez faz muitas perguntas aos militares que viajam com ele, e a coisa que mais o impressiona a notcia de que em todo o pas o povo est ocupando as ruas desde a noite do dia 11, e ainda esto cercando todas as instalaes militares e o palcio de Miraflores, onde soldados celebram junto a civis. Mas, quando so 2h25 e o Super Puma entra no vale de Caracas, o presidente sente uma grande angstia ao ver a cidade salpicada de focos de incndio dos quais sobem fios de fumaa cinzenta, lhe dizem que os saques comearam h mais de 24 horas e a polcia desaparecera. Lembra-se ento do seu pior pesadelo, o bogotao, a destruio de Bogot na Colmbia por causa do assassinato de Jorge Elicer Gaitn. Sabe que ali a coisa nascera do desespero das pessoas humildes e pobres que se viam de algum modo vtimas de abusos e violncias parecidas, e espera ansiosamente chegar a tempo de por fim naquelas desgraas. Tambm faz a autocrtica e, como da sua natureza, se responsabiliza at por coisas que no so de sua responsabilidade, mesmo que no tenha sido a causa. Pensa em uma frase de Che Guevara: no h revoluo sem derramamento de sangue. Roga a Deus para que o futuro seja diferente, que possa completar a pacfica Revoluo Bolivariana sem mais violncia. Depois repete: Deus queira que todos saibamos aprender a lio que a Venezuela recebeu por esses dias. Pelo Canal 8 do a notcia da iminente chegada do presidente constitucional da Repblica Bolivariana da Venezuela, ex-tenente-coronel, comandante Hugo Rafael Chvez Fras, enquanto Miraflores se converte no centro do universo para todos os venezuelanos que deram tudo que tinham por seu sonho. E alguns deram a vida! O bravo povo grita com a voz j rouca, mas com todo o fervor de seu nimo, o nome de Chvez. Misturam-se
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risos e lgrimas, danam e cantam o hino nacional. Em cada canto do pas, nos bairros, nas praas, pelas ruas. Ao redor das sedes das instituies, via-se repetir a mesma cena de jbilo. As quatro TVs irms e toda a oposio emudecem. Talvez estivessem buscando nos armrios o traje propcio circunstncia, negro, para chorar a oportunidade perdida para sempre! Algum tempo depois, falando por telefone com minha esposa na Itlia, conto, com uma piada, como naquele dia ocorreram diversas intervenes nos servios de emergncia, com as quais curaram um grande nmero de opositores de Chvez que estavam mordidos, ou melhor, automordidos, comendo-se de nervoso as prprias mos e dedos. Mas respeitemos sua dor e voltemos a Miraflores. So 3h55, quando a massa amontoada em Miraflores vislumbra a luz do helicptero que leva um passageiro excepcional. O rudo do veculo coberto pelos gritos das pessoas, empoleiradas nos muros, grades e postes de luz, enquanto os jornalistas, ali no meio de todos, se esforam muito para que sejam notados, cercados de maneira respeitosa do carinho dos jovens. Enquando o helicptero aterrissa, so lanados fogos de artifcio. O caminho entre o helicptero e o interior do palcio fica literalmente atolado e os guarda-costas precisam suar muito para fazer com que o presidente passe, sem dvida feliz, mas tambm um pouco transtornado. Depois de muito silncio, encontra-se imerso numa massa que grita e sente-se at intimidado, como se toda aquela acolhida o assustasse. Escuta-se o refro: voltou, voltou, voltou, que se extende s adjacncias de Miraflores at a Avenida Urdaneta, Baralt, em toda Caracas, enquanto nos nichos ricos os ricos se fecharam em suas casas, preocupados e assustados, espera da certeira vingana do tirano. Por fim, Chvez consegue chegar ao salo onde esto reunidos seus fiis amigos e onde foi recolocado em seu lugar o quadro de Simn Bolvar. O primeiro abrao em
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Diosdado Cabello, dois verdadeiros amigos, e a quem diz: temi por sua vida, e eu pela sua!. Depois leem o decreto nmero 1.743 com o qual o engenheiro Diosdado Cabello devolve as funes de presidente Chvez. Logo o presidente toma a palavra.
O discurso de Chvez
So 4h40 e toda a Venezuela est grudada nas telas da televiso, em silncio: A Deus o que de Deus, a Csar o que de Csar, ao povo o que do povo, inicia com estas palavras seu discurso, apertando entre as mos aquele crucifixo que o seguiu durante as 48 terrveis horas. Depois continua:
Nesse momento me sinto como um mar multicolorido, e contudo tenho que lhes confessar que estou assombrado, estou ainda assimilando tudo o que ocorreu como pude dizer alguns dias atrs, na Avenida Urdaneta o povo chegou nesse edifcio e aqui ficar para sempre j foi demonstrado. Falando do povo tenho que dizer que o que ocorreu na Venezuela nestas ltimas horas foi, na verdade, um fato indito no mundo. O povo venezuelano e seus verdadeiros soldados, o povo venezuelano e suas Foras Armadas, esses soldados escreveram uma nova pgina na histria da Amrica Latina, exemplo de um povo que acordou definitivamente, de um povo que reconheceu e praticou seus prprios direitos e obrigaes. Uma Fora Armada cuja essncia, cuja razo estrutural, cujos oficiais, suboficiais, tropas, esto conscientes de suas responsabilidades histricas e no se deixaram confundir, manipular, enganar, e ressurgiram com uma fora que devolveu a legitimidade e a Constituio da Repblica Bolivariana da Venezuela.
O cansao e a emoo so evidentes e as pessoas sentem e entendem os sentimentos que aquele homem transmite. So pala-
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vras humildes, no h raiva ou sentimento de vingana, e ainda insiste chamando o dilogo. Ele, primeiramente, est disposto a retificar, mas tambm chama mesma retificao todos os atores principais, como a Igreja, os empresrios privados, os partidos polticos. Diz claramente que no voltava com sentimento de vingana, que no ser desatada nenhuma caa s bruxas e que sero respeitados os direitos humanos, tal como prev a Constituio. Um discurso conciliador que, lamentavelmente, ser mal entendido pela oposio, considerando-o um sinal de debilidade e inconsistncia poltica. Depois Chvez convida a que todos retornem s suas casas, s suas famlias, e que abandonem qualquer ao violenta. Haveria tempo para celebrar. Os saques acabam imediatamente e, lentamente, o pas volta calma e a uma aparncia de normalidade.
Os culpados
Nos meses seguintes aos acontecimentos dos dias entre 11 e 14 de abril de 2002, houve a maior descarga de responsabilidade da histria venezuelana, na qual a concluso foi que na Venezuela no aconteceu nada, que se algo aconteceu eu no estava, e, se estava, no vi nada, no sei nada, me equivoquei, me enganei Parece uma farsa, mas a trgica realidade. Foram todos inocentados! Quero citar um artigo de 20 de abril de 2002, com um ttulo muito significativo e claramente sarcstico: Puros inocentes, escrito por Augusto Hernndez, que encontrei em uma pgina da internet, La BitBiblioteca.
A Fedecmaras como instituio, no teve nenhuma responsabilidade no golpe de Estado, somente convocou a greve geral e a marcha contra o governo. O doutor Pedro Carmona Estanga agiu em total inocncia, pois no podia prever o que ocorreria. Os sindicatos apenas tentaram fazer uma greve insurrecional indefinida, mas sem ms intenes. Carlos Orte-
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ga, presidente da CTV, no sabia o que fazia quando instigou os manifestantes a seguirem em direo a Miraflores. Os generais, almirantes e coronis envolvidos que organizaram a chuva de declaraes na televiso at desembocarem em um protesto armado, atuaram inocentemente, enganados pelos polticos de sempre. Monsenhor Jos Igncio, cardeal Velasco, assinou a ata da ditadura com toda ingenuidade [talvez o nico verdadeiro ingnuo, eu diria]. O partido Copei no teve nada a ver com a ata inconstitucional. A nomeao de Jos Rodrguez Iturbe para chanceler de Carmona foi a ttulo pessoal e nem sequer compromete a Opus Dei. Jos Curiel, secretrio geral democrata cristo, assinou o decreto ditatorial sem saber o que estava fazendo. O partido Primeiro Justia no estava presente em Miraflores e acabou contando com um ministro para o gabinete de Carmona; o fez ingenuamente. A polcia de Baruta (de Capriles Rodonsky) prendeu e humilhou muitos chavistas sem saber que o fazia. Suas tropas de choque invadiram a embaixada de Cuba acreditando que l dentro estavam delinquentes comuns. Os executivos das empresas aplaudiram freneticamente o que ocorria em Miraflores e assinaram a violao da Constituio sem se dar conta de nada! Miguel ngel Martnez, em nome dos meios de comunicao, das cmaras de rdio e televiso, assinou de boa f a ata de usurpao presidencial. A Globovisin, RCTV, Venevisin e Televn, as emissoras de televiso que boicotaram o discurso do chefe de Estado, no combinaram a sabotagem nem a programaram com antecedncia. Os proprietrios e editores de alguns jornais nacionais de Caracas pecaram pela ingenuidade. As edies especiais que foram lanadas nos dias do golpe foram mera casualidade. Nem o Departamento de Estado nem a embaixada dos EUA tiveram conhecimento prvio dos fatos. O general em chefe Lucas Rincn um leal colaborador de Chvez que foi enganado
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quando anunciou ao pas a renncia de Chvez. O diretor da polcia tcnica judicial (PTJ) no traiu, somente cumpriu seu dever buscando criminosos entre as hordas chavistas, e em nenhuma outra parte. Os comentaristas e reprteres de alguns canais, tal como de alguns jornais, no tomaram atitudes prejudiciais, no agiram em conivncia com os conspiradores e nunca souberam o que se estava preparando. Na realidade, o golpe deveria ter sido preparado para o dia 28 de dezembro, que seria mais apropriado porque dia dos santos inocentes.
Na Venezuela o dia 28 de dezembro como o nosso 1 de abril, o dia dos ingnuos e das mentiras e piadas.
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PARTE VIII
A evoluo
A volta de Chvez pe em crise momentnea os opositores, mas quando se do conta de que Chvez no cometeria represlias, tudo recomea.
A teoria do autogolpe
J no ms de abril a oposio comeou a fazer circular a teoria do autogolpe segundo a qual o nico que teria a ganhar com a histria toda seria o prprio Chvez; surpreendente ver at onde chegam as maquinaes das mentes retorcidas destes acrobticos intelectuais. Antes de tudo, uma simples considerao: se se tratasse realmente de um autogolpe, os mortos deveriam todos ser atribudos a Chvez, enquanto que a oposio sairia cndida como neve. Muito simples e cmodo! Mas todas as provas emergidas nos anos seguintes demonstraram amplamente que o autogolpe uma teoria que somente um tonto cego pelo dio poderia apoiar. Uma sntese desse teorema foi dada por um tal de Antonio Ward num artigo seu publicado em 15 de abril de 2002, no qual diz: Um dos melhores resultados desse regime foi o dividir. Sobre o conceito das divises j discutimos bastante. Em seguida, sob o ttulo de Uma teoria possvel, diz:
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Foi imposta uma lgica fria e o corao sereno, e dizem que ambas as coisas tm todas as caractersticas de um autogolpe. A tese no descabida. Esta ideia no teria outro objetivo que o de descobrir por fim quem eram os inimigos de Chvez nas Foras Armadas, no governo e na sociedade civil, alm de quem era que estava com eles. Por que algum irascvel e violento como Hugo Rafael Chvez Fras sai de Miraflores de maneira to pacfica nas primeiras horas do dia 12 de abril? Por que os assassinos do Viaduto de Carmelitas (Llaguno) disparam sem se importar com as consequncias, apesar de estarem sobre as cmeras de vrias emissoras de televiso? A voz fora das cmeras que fora apresentada como de Marisabel na verdade no era sua
Dentre muitas outras colocaes. O senhor Ward apenas escreve o que os muitos intelectuais e afins tentaram demonstrar nos dias seguintes ao golpe. Ainda hoje, realmente, h muitas coisas na internet que falam dessa bobagem. certo que, se o senhor Ward tivesse a bondade de esperar um pouco antes de publicar seu artigo, talvez suas emoes tivessem sido acalmadas depois e sua lgica pudesse alcanar uma temperatura mais baixa, vendo os fatos sem o filtro do antichavismo. Em todo caso, a tcnica da oposio sempre fora a mesma: utilizar um acontecimento e distorc-lo de modo a confirm-lo com a teoria da comodidade. luz do bom senso, por que Chvez, uma vez descobertos os seus inimigos, no os eliminou? Uma pessoa violenta, tirnica, cruel, irascvel, por que permitiria que estes delinquentes lhe criassem problemas por tantos anos? Parece impossvel que um gnio do mal no consiga se desfazer de um punhado de inaptos charlates. Alm das perguntas, o senhor Ward tambm d as respostas, enumerando as vantagens que Chvez conseguira: neutralizar a greve geral indefinida porque no tinha outra maneira de recobrar a popularidade perdida, neutralizar Pedro Carmona
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nico lder honesto da oposio , se fazer de mrtir internacional, descobrir seus inimigos dentro das Foras Armadas Nacionais, justificar a represso que antes fora difcil faz-lo. Conclui o artigo como um autntico bartono:
No quero parecer obcecado, mas no posso crer nas mensagens conciliadoras do presidente. Esta outra charada. Outra palhaada. Outra mentira. Os inimigos da revoluo, ou rouboluo, como dizem alguns, esto sendo desmascarados Ns, antichavistas, agora somos motivo de guerra. Sobre isso no h dvida.
Toda a oposio vtima e no tem nenhuma responsabilidade! Este senhor foi simplesmente desmentido pelos fatos, mas os argumentos ficam e a oposio tambm seguir elaborando a tese da ditadura contra todas as evidncias, sempre propondo aes desestabilizadoras com o auxlio contnuo e constante das quatro TVs irms e da CIA.
A sociedade civil
A velha classe poltica estava acostumada unicamente a uma dialtica hipcrita e a um tipo de comparao poltica baseada em palavras, em projetos apenas formulados, sobre a marginalizao dos desamparados e a populao indgena e sobre a repartio crist dos lucros entre os poderosos. Chvez irrompe como um redemoinho, desorganiza os velhos equilbrios e levanta todas as hipocrisias ou erros que sempre estiveram sob os olhos de todos, mas que ningum teve vontade ou nimo de afrontar. A chegada de Chvez desmonta definitivamente os esquemas polticos existentes e d voz ao povo que sempre esteve marginalizado. Assim, a luta de classes sai da sombra da clandestinidade e se manifesta em todas as suas trgicas matizes, dando s massas o poder que nunca haviam tido.
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Mas ainda assim a oposio diz que antes de Chvez os venezuelanos viviam em paz, fraternalmente, enquanto essa paz a que se referem trata-se daquela imposta pelos colonizadores aos colonizados, que acabam por aceitar sem reagir, de tanto receber chicotadas, como se a sua pobreza fosse somente culpa sua. Chvez usa palavras como: solidariedade, oportunidades iguais em igualdade de condies, que no devem existir cidados de categoria B ou C Tambm fala dos direitos fundamentais que o Estado deve garantir a todos, como sade e educao gratuita e de qualidade, acesso gua potvel, uma distribuio mais justa da riqueza. Tambm diz que a sociedade tem que ser do tipo humanista, que a solidariedade deve ser um elemento fundamental na conscincia social, que no so s esmolas e subsdios, mas companheirismo e senso de coletividade para com os mais frgeis. Declara que um dos objetivos da Revoluo Bolivariana criar governos estveis que garantam ao povo a maior soma possvel de felicidades. Mas estes discursos no agradam aos intelectuais, aos ricos e Igreja, cada um deles preocupados em perder os privilgios de que gozam. Chvez criticado porque no seu governo no h verdadeiros sbios, gente culta, preferindo utilizar os militares e a populao dos bairros. Esse critrio foi uma escolha necessria porque quase todos os intelectuais que Chvez chamou para compor o governo ou o desdenharam e no quiseram sujar as prprias mos com aquele ser desprezvel ou aceitaram, mas logo mudaram de ideia ao perceber que nunca iriam ganhar dinheiro e poder, justificando que era impossvel dialogar com aquele ignorante; houve alguns tambm que foram colocados para fora por corrupo. Somente poucos, bem poucos, ficaram, sendo taxados de traidores e isolados como a peste. Quem quisesse seguir fazendo parte da sociedade civil deveria demonstrar seu desprezo por tudo o que Chvez e por tudo que ele representa, deveria abjurar da revoluo bolivariana. Cada desero do governo Chvez acolhida
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pela oposio com jbilo, e estes ex-chavistas recebem honras e glrias em cada sede, includos obviamente os estdios das quatro TVs irms, onde encontram formas de cativar novos colegas (ou donos) dizendo todas as besteiras possveis sobre Chvez.
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do revogatrio. A Constituio prev que este referendo pode ser organizado em meados do mandato, portanto, em agosto de 2004. Muito longe no tempo. Com Chvez no governo, caso ele consiga realizar seu programa, a oposio no conseguiria tirlo nunca mais como, portanto necessrio impedir que realize seus projetos, mesmo que quem sofra as consequncias seja o prprio povo e o pas. Se no se pode organizar o referendo imediatamente, resta a ao violenta. Na segunda metade de 2001, iniciou-se o pedido de eleies antecipadas e no ms de dezembro daquele ano irrompe a greve geral organizada pelos empresrios que fecharam fbricas e lojas para obrigar os trabalhadores a fazer greve. Os meios de comunicao ativaram um martelante programa para fazer a populao acreditar que a maioria estava com a oposio, provocando um dio irracional em relao a Chvez que envolveu boa parte do pas, encaminhando-o para o golpe de 11 de abril. Depois do golpe a oposio continua sua campanha para demonstrar que Chvez contava com no mximo 30% de apoio da populao e que os militares se arrependiam de ser a causa de seu retorno ao poder. Esta mentira vendida como verdade absoluta opinio pblica nacional e internacional, e, principalmente, a Washington. Os EUA pensavam que financiando oportunamente a oposio para realizar o referendo revogatrio, Chvez seria indubitavelmente colocado para fora do jogo. Uma grande parte desse financiamento de dezenas de milhes de dlares acaba nos bolsos dos patriticos opositores. Difunde-se muita insegurana por fim e se discute se Chvez, uma vez pedido o referendo, poderia apresentar-se para novas eleies. A oposio encaminha uma campanha nacional pela coleta de 2 milhes de assinaturas para solicitar e convocar o referendo. Surgem as primeiras dificuldades porque no conseguem superar 1 milho. Para alcanar o quorum, as empresas obrigam os empregados a assinar, e quem se nega est despe-
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dido, depois recorrem a coisas como assinaturas falsas e outras assinaturas claramente duplicadas. Por fim, a oposio, com uma marcha triunfal, apresenta as assinaturas ao conselho nacional eleitoral, querendo que o referendo fosse realizado imediatamente, mesmo que a Constituio previsse que apenas a partir da metade do mandato. Inicia-se outra polmica, organizam-se mesas redondas, mas Chvez est irredutvel: houve uma eleio, ele presidente eleito, a oposio poder pedir referendo no devido tempo, assim como diz a lei; a Constituio deveria ser respeitada.
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nos, embora ainda no estivesse aberto ao pblico. Este hotel se converteu em seu quartel general e era abastecido, no se sabe por quem, de vveres e armas em quantidade suficiente para resistir a um longo cerco. Tudo isto para evitar que os dissidentes pudessem ser presos pela Guarda Nacional ou pela polcia militar ao sair da zona protegida pelos homens de Leopoldo Lpez, . Invocava-se o artigo 350 da constituio, oportunamente adaptado e interpretado como convinha. Um conhecido advogado venezuelano, Carlos Escarr, disse que a oposio tratou as leis como se fossem massa de modelar, modelando-as conforme suas necessidades, conferindo uma leitura muito pessoal aos cdigos. As motivaes alegadas pelos militares dissidentes, ex-golpistas, eram sempre as mesmas, vejamos algumas delas: Primeira A traio de Chvez que teria entregado o territrio venezuelano guerrilha colombiana. Esta notcia totalmente falsa e se verdade que foi diminuda a eficcia do controle das fronteiras com a Colmbia, embora tenham sido quadruplicados os efetivos e recursos para isso, a responsabilidade tambm dos Estados Unidos que boicotaram a venda de material de reposio, sobretudo para helicpteros, e armamentos, para no falar dos radares, j em nmero insuficiente, que comearam a parar de funcionar pelo mesmo problema de falta de manuteno e de material de reposio. De um lado os EUA negam o fornecimento de material de reposio, de outro, de maneira bastante cnica, tratam de atribuir a Chvez a culpa pela ineficincia dos controles. Segunda Chvez se disfara de democrata mas a amizade com Fidel Castro demonstra suas verdadeiras intenes, isto , estabelecer um regime comunista, totalitrio e fundamentalista. Este perigo no existe porque impossvel estabelecer um regime totalitrio na Venezuela exatamente por causa da nova Constituio, da qual as Foras Armadas Nacionais so as protetoras.
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Terceira Chvez manipula as informaes. preciso uma notvel dose de cinismo para fazer esta afirmao, quando a manipulao e a parcialidade da informao tem sido uma constante entre a oposio desde 1998, desde a campanha eleitoral para as eleies presidenciais vencidas por Chvez. A oposio, na tentativa de criar uma frente nica de luta crvel, d vida Coordenadora Democrtica em torno da qual a frente golpista se rene. Outra vez se encontram reunidos os partidos de oposio, os meios de comunicao, Fedecmaras e os generais golpistas. Tambm nasce uma associao civil golpista: Sumate. A presidente desta associao se chama Mara Corina Machado. Para definir esta associao suficiente ver a fig. 44, em Washington, onde aparece Machado, feliz, enquanto recebe a alta 44. Corina e Bush honra de apertar a mo do presidente dos Estados Unidos, em maio de 2005. Mas por que Bush recebeu Machado com todas as honras? Que ganhavam os Estados Unidos? Era Machado uma herona que estava sacrificando o seu tempo em nome de uma causa nobre? Hoje esta dama da alta sociedade venezuelana, na qualidade de presidente da associao, est sob julgamento por ter recebido dezenas de milhes de dlares em financiamentos ilcitos dos EUA. No dia dois de novembro de 2002, inicia-se a greve geral por tempo indeterminado que deveria mais uma vez obrigar Chvez a renunciar, enquanto do lado, digamos, legal, se recolhem as assinaturas para solicitar o referendo revogatrio; a Sumate, com os dlares estadunidenses, a entusiasta de tudo isto. Em 2 de dezembro de 2002 a Coordenadora inicia a greve geral indefinida. A gerncia e quase todos os empregados da PDVSA participaram em massa, assim como as empresas de servios, in-
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cluindo os do Estado Zulia, onde eu trabalhei. Fecharam mais uma vez as instalaes e no permitiam nem sequer que fossem postos guardas para proteger os equipamentos. Por esta situao, decidi adiantar meu regresso Itlia para celebrar o natal em famlia e, antes de partir, fui me despedir de alguns empresrios da empresa em que colaborei. No escritrio do presidente, encontrei outras cinco pessoas, dentre as quais meu amigo Pedro P., que discutiam os acontecimentos do dia. Em sntese, diziam que a greve estava parando as atividades da PDVSA e Chvez resistiria apenas por poucos dias, logo teria que declarar estado de emergncia, decretando assim o seu fim. Enquanto um daqueles senhores, que eu via pela primeira vez, expunha a tese da oposio, Pedro P. me observava e, em seguida, disse aos outros que eu pensava de outra maneira. Todos dirigiram seus olhares, em um primeiro momento, com curiosidade e surpresa, para Pedro e, em seguida, dirigiram sua ateno para mim, como se houvesse dito uma blasfmia. Com presuno, expuseram-me os detalhes do que poderia ocorrer nos prximos dias e que eu fazia bem em voltar Itlia. Mais uma vez Pedro P., que me conhecia melhor que os outros, disse que at aquele momento todas as previses que fiz se confirmaram pontualmente. O que parecia o porta-voz do grupo me perguntou com uma atitude bastante sarcstica, como se falasse com um menino bobo: Interesante! Podemos saber ento quais so as suas consideraes? Em sua opinio, o que far Chvez? Como bom siciliano que sou, estava comeando a me esquentar, mas por respeito ao presidente da companhia, um verdadeiro gentleman, embora no chavista, esforcei-me para manter a calma e respondi: Quer saber o que far Chvez? Nada! No far absolutamente nada. Tarde ou cedo a greve acabar, a oposio sair com os ossos quebrados e, para a infelicidade dos senhores, Chvez permanecer.
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Naturalmente me acharam estpido e quase em coro me disseram: Faa boa viagem. Veremos nos prximos dias quem ter razo! Como se dissessem v para o inferno!. O nico realmente preocupado, depois de minhas palavras, foi Pedro.
A Venezuela hoje
A greve foi um verdadeiro desastre para o pas, deixando para trs perdas de mais de 13 bilhes de dlares. Apesar de paralisar o pas por meses, e principalmente a PDVSA, a greve foi derrotada. Chvez praticamente desmantelou a velha PDVSA, completamente podre, despedindo mais de 18 mil empregados, toda a direo e colocando em seus lugares pessoas aposentadas ou enviadas por outros pases. O sistema de informtica foi sabotado, paralisando todas as atividades de exportao. Descobriu-se pouco depois que o software utilizado pela PDVSA foi produzido por uma companhia estadunidense ligada CIA. Descobriu-se tambm que os servidores tinham uma conexo disfarada, com a passagem de cabos clandestinos em cmodos isolados, de onde foram enviadas informaes sobre a PDVSA para fora da empresa. Alm disso, destes terminais clandestinos se podia interferir na parte ativa do sistema, boicotando-o com interrupes e sabotagem de dados. Assim, dos escritrios se mandavam ordens para carregar um navio no terminal do porto, com todos os dados relativos, mas estas ordens no chegavam ao terminal de carga ou chegavam com dados alterados: mudava-se o destino, as quantidades, os dados de referncia dos contratos etc.
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Foram necessrios anos de trabalho para construir todos esses sistemas de espionagem, prevendo claramente a greve e com a cumplicidade da alta gerncia! Logo aps as demisses massivas, quando se reconstruiu o corpo de funcionrios da PDVSA, mais uma vez haviam infiltrados que continuaram as sabotagens, ainda que em menor intensidade, mas estas personagens tambm foram descobertas e expulsas. Em qualquer outro pas, esses criminosos acabariam na cadeia e as chaves teriam sido jogadas fora, mas na Venezuela, lamentavelmente, ainda hoje o sistema judicial muito corrupto, os julgamentos so lentos e frequentemente os processos acabam em nada, com o jbilo da oposio que financia este tipo de corrupo. Em 15 de agosto de 2004, Chvez venceu o referendo com 59% de NO contra 40,6% de SIM. Votaram acerca de 70% dos que tinham direito. A Coordenadora e a Sumate se lanaram em acusaes de fraudes das quais rapidamente apresentaram provas. Para defender esta tese, utilizaram falsas investigaes que davam Chvez como derrotado, mas, como no perdeu, iniciou-se o escndalo. O Centro Crter, tal como todos os outros observadores internacionais, declarou que o voto foi claro, mas Csar Gaviria, presidente da OEA, Organizao dos Estados Americanos, se negou a aceitar aquele veredicto, indubitavelmente pela enorme presso exercida pelos Estados Unidos, que acreditavam ter concludo o captulo Chvez. A oposio iniciou acusaes absurdas contra o Centro Crter, chamando-o de vendido e desqualificando-o de todas as maneiras. Mas, ao final, sem que fosse apresentada uma s prova que sustentasse as acusaes de fraude, tambm a OEA teve que aceitar o veredicto. A ofensiva antichavista no parou e recomeou quase em seguida, preparando o terreno para as eleies presidenciais de dezembro de 2006.
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A oposio contrape Chvez ao senhor Manuel Rosales, governador do Estado Zulia. As quatro TVs irms se calam frente ao fato deste senhor no ter sequer terminado o segundo grau; ningum da oposio lhe tem como ignorante, simplesmente porque um branco e faz parte de seus quadros, o vendem como Maracaibino, embora, ao que parece, tenha nascido em Mrida. Quando se menciona que Rosales foi um dos signatrios do decreto de Pedro Carmona, dizem que ele no assinou o decreto, mas sim uma simples lista e que em todo caso os golpistas lhe enganaram. Recentemente vieram luz duas provas que desmentem definitivamente esta explicao: um artigo no jornal La Verdad de 13 de abril de 2002 e uma gravao de uma coletiva de imprensa, em que ele declara suas verdadeiras convices em apoio ao golpe. Descobriu-se que Lpez Sisco, preso no ms de outubro de 2006 sob a acusao de massacre, era o chefe de segurana de Rosales e seu velho amigo. O senhor Leopoldo Lpez, um dos prefeitos golpistas, um dos mais ativos entre os seus partidrios, junto a muitos outros j qualificados como ex-golpistas. Tambm nesta campanha, todo o potencial da oposio foi posto em campo, mas no bastou para mudar o inelutvel. Em trs de dezembro de 2006, Chvez venceu a eleio com 62,87%, enquanto Rosales obteve 36,88% e esta a real relao de foras na Venezuela de hoje.
A companhia Intesa
Para entender melhor a dimenso da influncia dos EUA na gesto do golpe, vamos ver quem e o que esta companhia. Mencionei este nome falando do envolvimento do general Rosendo com os golpistas, subornado com a nomeao de sua filha nesta companhia, seu nome completo : Informtica, Negocios y Tecnologa, S.A, (Intesa). A PDVSA detm 40% das quotas acionrias
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enquanto os 60% restantes, portanto a maior parte, pertence a uma associao estadunidense chamada Saic. No site desta associao na internet se l: My Work Aids In Our Nations Defense. [Meu trabalho contribui na defesa de nossa nao]. My Company is Saic [Minha empresa a Saic] Agora, quando aparece a palavra mgica defense sempre existe uma ligao com a CIA, da qual a Saic , efetivamente, um desdobramento. O grupo Saic fatura mais de 2 milhes de dlares por ano e deste montante, 90% provm de contratos com o governo estadunidense na rea de defesa e inteligncia. Intesa, portanto, a empresa que controla todo o sistema de informtica da PDVSA, colocando-a, de fato, sob o controle do governo dos Estados Unidos. Esta associao foi orquestrada pela alta gerncia da PDVSA, com a justificativa de baixar os custos deste servio, mas na realidade foi outro passo em direo submisso da PDVSA aos interesses dos Estados Unidos. Em 1996, a PDVSA tomou a deciso de criar uma sociedade comercial com a Saic, registrando na Venezuela uma nova empresa, e a Saic participa como uma de suas empresas registradas fora dos Estados Unidos, denominada Saic Bermuda. Tambm desta vez, como, em geral, em todos os assuntos administrados pela junta diretiva da poca, a PDVSA estipulou um acordo que favorecia aos seus scios estrangeiros, perdendo sistematicamente dinheiro e prestgio. Assim, muitos milhes de dlares passaram para os caixas de companhias estadunidenses e uma parte proporcional acabou nos bolsos dos responsveis pelos contratos. A Intesa no foi uma exceo, vejamos por qu. A Saic s investiu 1.300 dlares, enquanto que a PDVSA aportou o capital necessrio para a operao, alm de disponibilizar equipamentos, escritrios, pessoal e 800 dlares em espcie. O objeto da sociedade foi um acordo de servios de informtica por cinco anos, renovvel com o consentimento das partes.
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Naturalmente, a PDVSA deixou nas mos da Saic tanto a direo administrativa como tambm o controle da junta diretiva. A Saic forneceu todos os softwares com que a PDVSA foi administrada at 2003, quando uma greve tentou colocar de joelhos a PDVSA e a Venezuela. Para a Saic este foi um tema realmente rentvel, porque a criao da Intesa e seus custos foram muito mais altos que o orado, revelando-se, de fato, uma posterior fonte de perdas para a PDVSA. A Saic, com efeito, ganhou mais de 40 milhes de dlares como dividendos e, alm disso, faturou da PDVSA outros 53 milhes de dlares por servios um total de quase 100 milhes de dlares frente a um investimento financeiro de apenas 1.200 dlares! No um erro de impresso. Esta soma ridcula foi tudo o que a Saic desembolsou: 1.200 dlares! Estes foram os mtodos com os quais foi administrada a PDVSA de ento, meritocrtica e protegida pela alta gerncia, pela velha classe poltica e pela Igreja contra as ingerncias de Chvez, at desembocar em um golpe e, em seguida, numa greve indefinida. A coisa mais importante a destacar que a Intesa controlava toda a informao vital da PDVSA, tendo o controle da gesto direta de todo o sistema de informtica. Seus servidores armazenavam todos os dados financeiros, tcnicos, alm de oramentos e contratos comerciais. Quando comeou a greve indefinida, a Intesa boicotou as informaes, impedindo o desenvolvimento normal das atividades, sendo assim a base, o ncleo central de toda a operao contra a Venezuela. Naturalmente, a Saic estendeu sua rede em quase toda a regio sul-americana, com os mesmos objetivos. Citar Intesa, portanto, como mencionar diretamente a Saic que quem, de fato, tem o controle total. Quando, no ms de dezembro de 2002, comeou a sabotagem da PDVSA, a Intesa (ou melhor, a Saic) obrigou seus empregados a abandonar seus postos de trabalho correspondentes, pa-
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O racismo na Venezuela
Nos primeiros meses da minha estadia na Venezuela, convencime de que o racismo naquele pas no existia. Todos os meus amigos pareciam muito tranquilos deste ponto de vista e a mistura de etnias era um fato aceito com naturalidade. Lamentavelmente, tratava-se de uma capa de respeitabilidade superficial que escondia um mal-estar profundo na sociedade venezuelana. Os brancos aceitam os negros contanto que estes sempre estejam submetidos a eles, segundo as mais arraigadas tradies coloniais espanholas. No existem negros ricos com criados brancos e os maiores empresrios so quase todos de origem europeia ou estadunidense. Fui hspede de vrias famlias que podem ser chamadas de ricas, de brancos obviamente, e a coisa que mais me impactou foi a presena destas pessoas de cor empregadas nos servios da casa, que se moviam como se fossem transparentes, invisveis, silenciosas e eficientes, mas tratadas com arrogncia, sem nenhuma familiaridade e como mal necessrio: algum tem que cozinhar, lavar a roupa e limpar o cho, cuidar do jardim, ser o motorista etc. Mas os negros custam pouco e no tm muitas pretenses. Se se tem convidados importantes para uma refeio, cuidado ao lhes oferecer frutas como manga ou bananas, porque amavelmente recusaro, e se forem pessoas prximas lhe diro que comida de negros, porque so coisas comuns, muito baratas. Se, em vez dessas frutas, oferecer-lhes peras, mas, morango ou mamo papaia certamente aceitaro, porque estas frutas custam muito mais caro e, portanto... Pode lhes parecer inacreditvel, mas o mais srio problema introduzido no pas por Chvez aquele que resultado de seus
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traos somticos, provocando na Venezuela o mesmo alvoroo que causaria nos EUA se um presidente de cor fosse eleito. A alta burguesia culta, rica, branca no pode aceitar aquele aborto de presidente quase negro! Ser negro e pobre significa ser um feroz inimigo dos ricos, de seus privilgios consolidados por uma longa tradio de corrupo e roubos. preciso interromper a sua marcha, elimin-lo a todo custo. Como ensina Maquiavel: os fins justificam os meios! Os opositores temem que Chvez construa um Estado ditatorial, autoritrio, vingativo e mobilizam todos os recursos disponveis para criar uma fonte de opinio negativa. Dizem que um assassino, mas no se sabe bem quem ele matou ou mandou matar. Dizem que faz presso sobre a imprensa e atua contra a liberdade de expresso, mas nunca foi preso um s jornalista nem qualquer pessoa por razes ideolgicas. As emissoras de televiso e a maior parte da imprensa esto nas mos de empresas ricas ligadas velha ordem e que se posicionam contra Chvez sem parar, todo santo dia, em todas as horas, evitando cuidadosamente falar dos sucessos conseguidos pelo governo e s mencionando os problemas no solucionados, generalizando cada caso individual, fazendo de cada banalidade um assunto grave. Assim, se uma escola tem um problema de infraestrutura, colocam todas as escolas do pas como tendo o mesmo problema. Se sequestram algum culpa do governo, ainda que os culpados sejam presos e condenados. Dizem que controla o Tribunal Supremo de Justia (TSJ), mas, meses depois dos acontecimentos de abril de 2002, com uma sentena escandalosa e desleal, os magistrados deste Tribunal deliberaram que no houve nenhum golpe, demonstrando com fatos de que lado esto alinhados. Chvez acusado de acorrentar as emissoras nas chamadas cadeias nacionais, em que o governo transmite informaes em redes unificadas e que abusa deste direito. Mas este sistema o
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nico meio de que o governo dispe para que o pas possa tomar conhecimento do quanto est fazendo, porque as televises privadas ignoram e censuram toda informao que possa, mesmo que de maneira longnqua, ser considerada como favorvel a Chvez; o Canal 8 no cobre todo o territrio nacional, alm de ser sabotado continuamente. Tudo isso em nome de uma interpretao pessoal de liberdade de imprensa e direito informao cunhada pela oligarquia, digamos que sua prpria imagem e semelhana. Dizem que menospreza as Foras Armadas, mas agora seus membros adquiriram o direito ao voto, que no tinham, e as mulheres so admitidas sem discriminao de qualquer tipo; esto melhorando tecnologicamente e profissionalmente todas as divises, as escolas militares so a vanguarda e na Venezuela tambm so treinados militares de outros pases sul-americanos. Nunca como hoje as Foras Armadas foram to queridas pelo povo e pela primeira vez na Venezuela no representam um rgo repressivo, porque Chvez nunca as utilizou contra civis. Que ditador estranho! Fala-se de Jesus e menciona alguma passagem do evangelho; identificado como o bobo do interior, uma vez que a Igreja a nica que tem o direito de difundir os ensinamentos do Novo Testamento, enquanto todos os outros tm apenas que escutar em atitude piedosa, mas, sobretudo, obedecer incondicionalmente. Os bispos podem falar em todas as oportunidades contra Chvez e seu governo, mas Chvez no pode retrucar porque cada palavra sua analisada no microscpio pelos cultos sbios que sempre foram respeitosos dos ensinamentos cristos e sempre respeitaram os prelados e sua misso. Ser talvez pelo modo partidrio de interpretar a passagem do evangelho? mais fcil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos cus.
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Assim, melhor que todos os venezuelanos sejam pobres de modo que a eles esteja garantido o reino dos cus, enquanto polticos e clero nobre se sacrificam, gozando nesta terra, desse modo, colocando em risco a salvao de sua alma e tudo pelo bem do povo ingrato.
O colonialismo interno
Estas formas de racismo implicam inevitavelmente em instaurarse uma organizao social que pode ser definida como colonialismo interno. De fato, quando existe uma relao de explorao entre um grupo ou uma categoria social que exerce o poder sobre uma classe mais frgil, se pode com razo falar em colonialismo. Se os colonizadores que exploram e os colonizados explorados pertencem a pases diferentes se pode falar em colonialismo internacional, mas quando estas duas categorias pertencem ao mesmo sistema ou pas, esta condio se define como colonialismo interno. Na Venezuela um sistema semelhante se desenvolveu em mais de 50 anos de falsa democracia. Faz alguns anos, a Sumate custeou um livro com o ttulo Apartheid del siglo XXI, onde o autor atribui a Chvez as divises sociais que hoje so claramente visveis, e acaba fazendo apologia aos governos passados, vistos como a perfeio em poltica. Citarei o comeo do primeiro captulo:
Depois de ter mantido por mais de quatro dcadas uma das democracias mais estveis do continente americano, no ano de 2001 se iniciou na Venezuela um dos perodos de choque e polarizao poltica mais radical de sua histria moderna (). O regime [de Hugo Chvez] no s provocou fraturas dentro da sociedade venezuelana, mas tambm revela as verdadeiras intenes de sua assim chamada revoluo bolivariana e tem causado acalorados debates nos cenrios internacionais.
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Isto o que afirma a oposio que pode ser entendida como coincidente com a classe dos colonizadores, internos e externos, os primeiros sendo financiados pelos segundos. A radicalizao ainda existe. Constituram-se duas frentes bem claras: de um lado os marginalizados que se rebelaram porque querem sair da condio de explorao atvica, onde sistematicamente tem sido violados seus direitos humanos e civis; de outro lado os poderosos das democracias anteriores, que no querem ceder nem uma mnima parte de seus privilgios e de seu poder, exercido com arrogncia durante as mencionadas quatro dcadas, com os pobres que aumentavam a cada ano. A radicalizao existir enquanto a velha classe dominante no admitir que a massa de explorados tem os mesmos direitos e que este processo no tem como voltar atrs. Portanto, no depende de Chvez aproximar as duas frentes, mas sim do quanto a oposio est disposta a faz-lo. Alm de todas as consideraes possveis, h uma prova que crava a velha classe poltica de suas responsabilidades: a presena dos ranchos! Por que proliferaram sob os olhos de todos, sem que nunca um governo tenha tomado medidas de tipo social para a ajudar aquelas pessoas? Por que a Igreja Catlica, to ativa durante os anos do governo de Chvez, no fez nada pelos milhes de indivduos obrigados pela misria a viver de um modo indigno de um pas civil e democrtico? Onde estiveram os valentes defensores atuais dos direitos humanos? E a voz da livre imprensa e da televiso, por que no se levantaram e denunciaram este estado de coisas? Agora vamos reler mais uma vez o livro da Sumate. Agora poderemos entender melhor toda a hipocrisia da rica burguesia que viveu tranquilamente sua vida de colonizadora. A PDVSA foi o poo de San Patricio dos colonizadores, e dela tiveram privilgios inimaginveis, como salrios fabulosos e direito a casas em
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condomnios privados e protegidos, energia, casas para frias, avies da companhia para suas viagens, e tambm privados. Os empregos na PDVSA eram hereditrios ou de carter familiar, se convertendo em uma casta intocvel. Para no falar logo nas tramoias na atribuio de trabalhos a empresas que para poderem desenvolver em paz as atividades contratadas tinham que pagar comisses milionrias a gerentes e similares. Esta era a PDVSA que a oposio desejava. Quando Chvez chegou Presidncia, tentou de todas as maneiras recuperar estes funcionrios corruptos, mas, em vez de ceder legalidade, estes preferiram participar de um golpe de Estado e, depois de uma greve indefinida, sabotando refinarias e oleodutos, exercendo inclusive atos de pirataria real, como quando paralisaram um navio cheio de combustvel nas proximidades de Maracaibo, no canal. O governo tentou retomar este navio, em Pil Len, mas encontrou-se com muitos barcos e iates que a circundavam, pertencentes obviamente classe rica e que, de fato, impediram a sua recuperao. Se Chvez tivesse sido aquele sanguinrio violento descrito pelos meios de comunicao, no teria tido qualquer dificuldade em enviar navios de guerra, helicpteros de combate, e de varr-los como cacos. Em vez disso o governo solucionou a espinhosa questo sem disparar um s tiro. Uma vez mais! Na Venezuela, hoje se diz que se algum no chavista no encontra trabalho, porque discriminado pelo governo de Chvez, principalmente na PDVSA. O problema no o credo poltico que os discrimina, mas o modo como a oposio gostaria de extirpar este cncer chamado Chvez. No se trata de simples ideologias polticas em embate em uma dialtica democrtica, porque sempre so autores de aes desestabilizadoras. Durante o ano de 2006, a oposio articulou inumerveis tentativas de empurrar alguns militares em outra insurreio, e os poucos que se deixaram manipular foram localizados e pos-
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tos fora do jogo, exatamente porque a maioria das FAN so fiis Constituio. Tambm na PVDSA realizaram aes de sabotagem: no ms de outubro de 2006, vazou a notcia de que um navio carregado de petrleo saiu de Maracaibo para um destino errado; sabotaram os documentos da viagem, assim como ocorreu em 2003. No se tratava de ineficincia, mas sim de sabotagem real, e o governo foi obrigado a encontrar os criminosos e tentar jog-los na priso. E certamente no so chavistas! As aes do governo so definidas pela Sumate como discriminatrias, enquanto as aes puramente criminais de elementos da oposio so nobres expresses democrticas. A Sumate o smbolo da oligarquia soberba e porta-voz dos interesses dos Estados Unidos e para esta atividade recebe financiamento ilegal do estrangeiro. Trabalha em estreito contato com a embaixada dos EUA e membros da CIA. Recentemente, o embaixador dos Estados Unidos colocou em prtica uma nova poltica, pelo menos at o ms de dezembro de 2006, com o objetivo de conseguir se infiltrar nos bairros onde financia pesquisas e estudos sociolgicos disfarados, pois na verdade busca proslitos, tentando minar a Revoluo Bolivariana, mas as pessoas j esto com os olhos abertos e no se deixam surpreender: o que chamam de sabedoria popular funciona perfeitamente e nos meses anteriores s eleies de 2006 foram desmascaradas dezenas de tentativas desestabilizadoras. Chvez repete que a essncia da revoluo o despertar definitivo do povo, que no se deixar enganar jamais. Ouve-se, frequentemente nas manifestaes, as pessoas gritarem o bordo: Caminha, caminha, a espada de Bolvar na Amrica Latina!. Bolvar se converteu mais uma vez no smbolo de um movimento anticolonial que est se estendendo na Amrica do Sul. Venezuela, Brasil, Argentina, Bolvia, Equador e, em parte, Chile esto trabalhando nesta direo: talvez o sonho de integrao en-
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tre os Estados do continente meridional, que Bolvar chamou de Gran Colombia, hoje esteja mais prximo do que se imaginava. Em 3 de dezembro de 2006, Chvez venceu com 62,87%, com mais de 7 milhes de votos e se tornou presidente por mais seis anos. A guerra contra o colonialismo foi declarada e ser conduzida em todas as frentes para a recuperao do controle dos recursos estratgicos, a luta contra a burocracia intil, contra a corrupo e, por fim, a luta mais dura e mais importante: a que elevar o nvel sociocultural de todo o povo venezuelano utilizando-se das novas estruturas que nascero da realizao do socialismo do sculo 21. Utilizando as palavras do presidente Hugo Chvez, este novo socialismo ser solidrio, humanista e cristo, com um autntico poder popular, conceitos que encontraro uma resistncia feroz no mundo globalizado e neoliberal, onde impera a busca pelo poder pessoal e a riqueza, explorando abjetamente os indivduos. Na Venezuela, nos prximos anos, a oposio se arriscar em um referendo revogatrio?
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