Artigo Bakhtin
Artigo Bakhtin
O presente trabalho tem o propsito de propor uma reflexo em torno de conceitos considerados fundadores da
noo de gnero discursivo, na concepo bakhtiniana, a saber: lngua, discurso, texto, dialogismo e sujeito. A
predileo em torno de tais noes se pauta no preceito de que, para Bakhtin, alm de linguagem e sujeito se
implicarem mutuamente, todos esto interligados e estabelecem uma relao de dependncia mtua. De posse
da compreenso desses conceitos, empreendemos esforos no tratamento do gnero a partir de tais postulados,
alicerados numa perspectiva dialgica, scio-histrica e ideolgica da lngua(gem).
INTRODUO
0.1 Enunciado
A ideia de que o uso da lngua se efetua em forma de
enunciados (orais e escritos), concretos e nicos,
proferidos pelos participantes de uma ou outra esfera da
atividade humana; que o enunciado irrepetvel, tendo em
vista que um evento nico (pode somente ser citado); que
o enunciado a unidade real da comunicao discursiva, j
que o discurso s tem possibilidade de existir na forma de
enunciados e que o estudo do enunciado como unidade real
da comunicao discursiva permite compreender de uma
maneira mais correta a natureza das unidades da lngua (a
palavra e a orao, por exemplo), faz parte das afirmaes
feitas por Bakhtin no texto Os gneros do discurso
(2003a). Em outro manuscrito, O problema do texto na
lingstica, na filosofia e em outras cincias humanas, h a
afirmao de que a lngua, a palavra so quase tudo na
vida humana (BAKHTIN, 2003b, p. 324).
O enunciado visto por Bakhtin como a unidade da
comunicao discursiva. Cada enunciado constitui um
novo acontecimento, um evento nico e irrepetvel da
comunicao discursiva. Ele s pode ser citado e no
repetido, pois, nesse caso, constitui-se como um novo
acontecimento. O enunciado nasce na inter-relao
discursiva, por isso que no pode ser nem o primeiro nem o
ltimo, pois j resposta a outros enunciados, ou seja,
surge como sua rplica.
Diante disso, observo que a concepo bakhtiniana de
enunciado no pode ser a frase enunciada, que se
constituiria em partes textuais enunciada, mas trata-se de
uma unidade mais complexa que transcende os limites do
prprio texto, quando este tratado apenas sob o prisma da
lngua e de sua organizao textual. Na teoria de Bakhtin,
os romances, as crnicas, as saudaes, as cartas, as
conversas de salo etc., so considerados exemplos de
enunciado. Porm, tomando como um a priori a ideia de
que todo enunciado constitui-se a partir de outros
enunciados (tanto os j-ditos como os previstos), muitos
deles atravessam as fronteiras do enunciado,
CAVALCANTE FILHO
CAVALCANTE FILHO
0.5 Dialogismo
A noo de dialogismo2 - escrita em que se l o outro, o
discurso do outro - pode ser encarado como filosofia de
vida, fundamentao da poltica, concepo de mundo,
entre outras perspectivas. Aqui, interessa-me pens-lo e
restringi-lo aos domnios da linguagem. Para tal
empreitada, tomo como aporte, novamente, o pensamento
do intelectual sovitico, Mikhail Bakhtin.
Na perspectiva bakhtiniana, o princpio dialgico a
caracterstica essencial da linguagem, um princpio
constitutivo da linguagem e intrnseco mesma. Nas
palavras de Barros (2003, p. 2), a condio do sentido
do discurso. Partindo da concepo bakhtiniana, Barros
afirma que o processo dialgico da linguagem pode ser
entendido sob dois aspectos: o da interao verbal entre o
enunciador e o enunciatrio, no espao do texto; e o da
intertextualidade no interior do discurso.
Na primeira dimenso, a linguagem o elemento que
estabelece a relao entre os seres humanos e propicia a
experincia da interseco ou interao entre
interlocutores. Assim, o homem encontra-se numa relao
dialgica entre o eu e o tu, ou entre o eu e o outro, no texto.
A existncia est subordinada abertura para o outro;
dessa forma, estabelece-se uma relao de alteridade,
noo, alis, fundamental compreenso de dialogismo.
Nessa perspectiva, condio sine qua non considerar o
papel do outro na constituio do sentido, tendo em vista
que nenhuma palavra nossa, mas traz em si a perspectiva
de outra voz.
J na segunda dimenso, percebe-se que o indivduo no
a origem do seu dizer. Dito de outra forma, o sentido no
originado no instante da enunciao, ele faz parte de um
processo contnuo, em que tudo vem do exterior por meio
da palavra do outro, sendo o enunciado um elo de uma
cadeia infinita de enunciados, um ponto de encontro de
opinies e vises de mundo. O texto tecido
polifonicamente por fios dialgicos de vozes que
polemizam entre si, se completam ou respondem umas s
outras.
0.6 Sujeito
Sabendo-se que, em seus escritos, Bakhitn deixa clara sua
concepo dialgica de lngua, consequentemente, tambm
o ser a de sujeito: ambos (lngua e sujeito) so povoados
por discursos alheios e por relaes dialgicas (confronto,
aceitao, recusa, negao...) entre esses discursos. Nessas
relaes, so reproduzidas as dinmicas sociais e as lutas
ideolgicas presentes em uma dada comunidade de classes.
Dessa forma, nessa esteira de entendimento da concepo
dialgica da linguagem, posso afirmar que o sujeito se
constitui na sua relao com os outros: tudo o que pertence
conscincia chega a ela atravs dos outros, das palavras
dos outros. Na voz de Bakhtin (1997b, p. 317): nosso
prprio pensamento [...] nasce e forma-se em interao e
em luta com o pensamento alheio, o que no pode deixar
CAVALCANTE FILHO