DEZEM, Rogério - Matizes Do Amarelo
DEZEM, Rogério - Matizes Do Amarelo
DEZEM, Rogério - Matizes Do Amarelo
o japons no Brasil
Rogrio Dezem1
Abstract: Based on the analysis of texts and illustrations published in the maganizes O
Malho and Revista da Semana between 1903 and 1908, this article aims to present how
the
discussions
related
to
the
oriental
immigrants
in
Brazil
were
Professor, Mestre em Histria Social pela FFLCH/USP (2003) e pesquisador do PROIN (Projeto Integrado
Arquivo do Estado de So Paulo/Universidade de So Paulo desde 1997). Autor de ShindRenmei:terrorismo e represso. Inventrio Deops. So Paulo: AESP/ Imprensa Oficial, 2000 e Matizes do
amarelo: a gnese dos discursos sobre os orientais no Brasil. Srie Histrias da Intolerncia. So Paulo:
Humanitas, 2005.
Segundo a sociloga Elisa Sasaki, a palavra de origem japonesa dekassegui significa trabalhar fora de
casa. No Japo do final do sculo XIX, o termo referia-se aos trabalhadores que saam temporariamente de
suas regies de origem e iam em direo a outras mais desenvolvidas, sobretudo aqueles provenientes do
norte e nordeste do Japo, durante o rigoroso inverno que interrompia suas produes agrcolas no campo.
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Maru um sufixo de nomes masculinos que tambm pode significar crculo, redondo. Denominao
que recebiam os navios de emigrantes japoneses como por exemplo: Kasato Maru, Brasil Maru,
Argentina Maru entre outros. Entre 1908 e 1940 aportaram no Brasil 309 marus.
Imagem 1. O chim como transio entre o negro e o europeu (branco), cartun de ngelo
Agostini. (Revista Illustrada 1878)
Era a Questo Chinesa (1879) que passava a ser debatida entre as elites agrrias
e representantes do governo. Entre os defensores da vinda destes imigrantes se
encontrava Moreira de Barros, Ministro dos Negcios Estrangeiros que afirmou: Pode-se
chamar os chins de raa inferior, mas onde eles se estabelecerem ho de multiplicar-se,
crescer, espalhar-se por toda parte, e ainda que a raa superior os domine, os escravize,
os governe, qualquer que seja o futuro da raa branca no mundo, onde eles obtiverem
uma ptria, ho de fatalmente ocupar o pas. Para isso basta-lhes viver, o que eles
conseguem nas piores condies (Idem, p. 97).
A lavoura de caf se expandia rapidamente pelo antigo Oeste Paulista (Jundia,
Campinas, Ribeiro Preto entre outras cidades da regio), a necessidade de mo-de-obra
se tornou o principal tema de debates entre os cafeicultores nas dcadas de 1870 e 1880.
O imigrante branco, europeu e catlico era o mais desejado, pois deveria vir trabalhar e
colonizar, alm disso, ele deveria contribuir para branquear a populao mestia
brasileira. Inicialmente, existiam dificuldades em conseguir trazer este imigrante ideal,
pois havia o desejo de italianos, espanhis, suos, alemes em emigrar para os Estados
Unidos e a Argentina.
A existncia da escravido no Brasil dificultava ainda mais a atrao de imigrantes
europeus. Pensou-se ento, em trazer mo-de-obra em carter de urgncia ou
transio, at que o pas estivesse preparado para receber os superiores europeus.
Tentou-se a imigrao chinesa, que na realidade estava associada a uma rede de trfico
amarelo (Ibidem, p. 163), na qual boa parte dos trabalhadores, conhecidos como coolies,
era aliciada de forma violenta nos portos de Hong Kong, Amoy, Canto e Macau. Nestes
locais grupos de chineses eram amontoados em barraces, semins, com uma placa
pendurada ao pescoo na qual estava pintada a letra do ponto a que se destinavam:
poderia ser C (Califrnia), P (Peru), H (Havana) ou S (Ilhas Sandwich). Eram recrutados
sujeitos ao criminal em seus pases, sejam vlidos e aptos para trabalhos de qualquer
indstria (Idem. p. 97)
A inteno era de promover a execuo do Tratado de 5 de novembro de 1890
com a China e celebrar um Tratado de Comrcio, Paz e Amizade com o Japo.
Concomitantemente, pretendia-se criar legaes e consulados para a manuteno e a
consolidao de uma possvel imigrao, inteno reafirmada pela tentativa de trazer,
novamente, trabalhadores chineses para a lavoura de caf. Os debates continuavam
acirrados. No entanto, o chins j tinha o seu veredicto confirmado, conforme as palavras
do Senador Ubaldino Amaral em 1892: A raa chinesa invasora (...) o que certo
que, uma vez aberto o caminho e iniciada a torrente, no h mais quem possa cont-la.5
Considerando-se a dinmica dos mitos, podemos afirmar que ocorreu uma
metamorfose: o japons tornou-se o elemento novo na equao imigratria. Seria ele
uma segunda opo? Na realidade, o japons emergia ao olhar dos imigrantistas - e
graas a fatores externos, como a ascenso na sia e o descrdito com relao ao chins
como o principal denominador dessa equao amarela de onde o chins foi subtrado
para dar lugar a opo japonesa: trabalhador bom, barato e dcil.
Para garantir a viabilidade desse projeto, Jos da Costa Azevedo, Baro de
Ladrio, foi enviado em 1893 para uma misso especial ao Extremo Oriente (China e
Japo), com o objetivo de consolidar as relaes diplomticas e de contatar cidados
interessados em imigrar para o Brasil. Apesar do malogro da misso, que no chegou ao
seu final. Ladrio escreveu ao presidente Floriano Peixoto, manifestando-se contrrio
imigrao chinesa, segundo ele um mal moral para o Brasil, no entanto, colocava-se
como favorvel imigrao japonesa, pois no Japo havia melhores e mais econmicos
trabalhadores (Abranches, 1918 vol. 1, p. 484).
Influenciado ou no por esse parecer to enftico, o governo brasileiro
interrompeu as tentativas de aproximao com o governo chins. No incio do ano de
1895, os esforos voltaram-se para o estabelecimento de relaes diplomticas com o
Japo. O assunto imigrao asitica tornou-se novamente tema de pauta no Senado e
Cmara dos Deputados, onde muitos lamentavam o insucesso da misso no Extremo
5
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(Dezem, 2005). O vis irnico dos cartuns do jornalista ngelo Agostini (1843-1910)
contribuu para consolidar esteretipos relativos a esse elemento, constatao que
denomino equao amarela, na qual o outro denominador seria o japons.
Os esteretipos veiculados com relao ao chim materializaram uma imagem
negativa desse elemento, que alm de ter sua figura associada s suas tranas, foi
sempre lembrado como preguioso, viciado em pio, ladro de galinhas, pouco
higinico, civilizadamente atrasado, supersticioso, racialmente inferior etc. Em um
primeiro momento a perpetuao desses estigmas no imaginrio coletivo deve-se ao fato
de que, segundo o historiador da arte, E. Gombrich, todos ns temos a faculdade de
fabricar mitos, e inserido nesse universo de mitologizao do mundo que o
cartunista/chargista assume um importante e, talvez, nico papel ao encaixar toda uma
cadeia de idias ou uma idia mais complexa dentro de uma imagem inventiva
(Gombrich, 1999, pp. 130-139) de modo que o leitor possa captar tudo num simples olhar.
No caso do chim, sua imagem tambm permaneceu associada de um elemento
transitrio. O fato de no ter se efetivado a imigrao de trabalhadores chineses em
nmero significativo para o Brasil, deu ensejo para que, a partir de meados da dcada de
1890, a palavra chim praticamente desaparecesse dos discursos imigratrios, sendo
substituda pela palavra japons. No entanto, veremos que, assim mesmo, elementos
pertencentes ao imaginrio relacionado ao trabalhador chins ainda permaneceram.
Associado ou fazendo contraponto ao outro elemento amarelo (japons), o fato foi que
os cartunistas que retrataram o chim como ngelo Agostini - ao se utilizar de maneira
to perfeita daquilo que E. Gombrich chama de recursos do arsenal do cartunista, ou
seja, a capacidade/necessidade de condensar em um cartum o tpico e o permanente, a
aluso de passagem e a caracterizao duradoura (Idem. p. 137), acabaram dando
sobrevida imagem desse elemento ainda nos primrdios do sculo XX.
As imagens, em nosso caso os cartuns e as charges, so de extrema importncia,
pois elas nos permitem no somente estudar o uso de smbolos num contexto
circunscrito, como tambm descobrir que papel podem representar nos escaninhos de
nossa mente (Ibidem, p. 127). a partir dessa proposio que coloco lado a lado palavra
e imagem, fato que pode ser constatado no discurso escrito relativo ao japons e que se
mostrou, desde o final da dcada de 1890, dissociado da figura do chim. Por outro lado,
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O Malho, Rio de Janeiro, ns 77,78,79,80,81 e 82, ano III. 5 de maro a 9 de abril de 1904.
O Malho, Rio de Janeiro, n. 78, ano III. 12 de maro de 1904. p. 17.
13
escrutnio, a revista havia recebido um total de quase seis mil cartas, sendo que apenas
uma pequena parcela do total enviado redao do O Malho foram publicadas. A maioria
das cartas vinha assinada por pseudnimos.
No dia 10 de maro, aps a primeira apurao de votos, o resultado parcial foi o
seguinte:
Pelo Japo ............... 549 votos.
Pela Russia .............. 231 votos 12
Constata-se que essa margem favorvel de votos ao Japo aumentou de forma
significativa, mesmo aps o ataque de surpresa efetuado pelos japoneses base naval
russa de Port Arthur um ms antes da pesquisa. A que se deveu essa simpatia pelo
Japo? Seria ela apenas resultado da guerra em si, na qual o gigante russo era
malvisto, pois representava o atraso de um regime monrquico, autocrtico aos olhos
da jovem Repblica brasileira? Aliado a esse fato estaria o chamado perigo eslavo,
identificado com os planos russos de expansionismo na sia? Ou essa simpatia j vinha
sendo cultivada h um certo tempo, no s por aqueles que admiravam as coisas do
Japo como tambm por aqueles que viam nesse pequeno pas que se desenvolvia a
cada dia, afeito ao progresso e em sintonia com a civilizao ocidental um modelo?
Admirao ou desconhecimento por parte dos leitores? Percebe-se que admirao e
desconhecimento acerca do outro conviveram lado a lado, produzindo algumas
distores.
Alguns como o leitor Odagab Arievilonoch, evocavam a ptria e alertavam para o
perigo de uma expanso japonesa no mundo. Por ser brasileiro e patriota, ele desejava a
vitria russa, caso isso no ocorresse (...) a Victoria dos filhos do Nippon poria em pratica
o fallado Perigo Amarelo, no s para o Brasil como para o mundo em geral.13
Em outras cartas favorveis vitria russa, os japoneses eram freqentemente
acusados de haverem provocado covardemente a guerra, desleais, prfidos,
traidores, salteadores do Oriente, raa orgulhosa e semi-selvagem. Para esse menor
nmero de leitores que eram favorveis Rssia, a raa amarela deveria ser destruda,
isto , derrotada para que o perigo amarello fosse destrudo.
12
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Idem.
O Malho, Rio de Janeiro, n. 81, ano III. 2 de abril de 1904, p. 15.
14
O Malho, Rio de Janeiro, ns 77,78, 79, 80, 81 e 82, ano III. 5 de maro a 9 de abril de 1904.
O Malho, Rio de Janeiro, n. 78, ano III. 12 de maro de 1904, p. 18.
16
O Malho, Rio de Janeiro, n. 82, ano III. 9 de abril de 1904, p. 21.
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grandes nomes da caricatura nacional no perodo. Importante lembrar que foi nessa
mesma edio que teve incio o Escrutnio Russo-Japonez. Na charge, que mostra o
representante russo em luta com o representante japons, um primeiro dado merece a
nossa ateno: o modo original como o desenho da capa da revista foi idealizado ao se
utilizar a tcnica chamada trompe doeil, que possibilita virar a pgina de cabea para
baixo de maneira que o contendor que est por cima fique por baixo, dando ao leitor a
liberdade para escolher o provvel vencedor... Outro dado a figura do representante
japons, que, se observado atentamente, nota-se que na realidade se trata da figura de
um chins, pois a trana (herana da dinastia Manchu na China) denota esse aspecto.
Brincadeira de K. Lixto ou isso seria resultado do desconhecimento com relao ao Japo
e os japoneses?
Ao nosso ver, a imagem do japons/chins denota um certo desconhecimento,
podendo ser considerada expresso do imaginrio coletivo que, at certo ponto, ainda se
mostrava ambguo com relao aos orientais no Brasil. A princpio parece que no
importava quem vencesse (ao longo da guerra nota-se que boa parte dos leitores da
revista e da opinio pblica torcia pelos japoneses) e que aos olhos do cartunista
chineses e japoneses, ou seja, amarelos pareciam ser a mesma coisa. Confuso que, se
realmente existia para alguns, foi desfeita aps o trmino da guerra entre russos e
japoneses.
Com o objetivo de informar os leitores sobre quem era aquele valente oponente
dos russos, foi publicada no decorrer da guerra uma srie de artigos sobre os costumes
japoneses. Quase nada se falava sobre a Rssia ou os russos. Parecia que a imprensa
ilustrada nacional, acompanhando o esprito do escrutnio, estava deslumbrada com a
possibilidade de um pas extico e de raa amarela vencer o colosso branco russo.
Em quase todas as edies do ano de 1904 dos peridicos pesquisados
identificamos artigos e imagens sobre a guerra. Na revista O Malho, por exemplo, foram
criadas colunas semanais com o ttulo de Desenhos Japonezes e Costumes
Japonezes, enquanto na Revista da Semana, os assuntos relacionados ao Japo faziam
parte da seo Curiosidades Mundiais. O contedo dos artigos veiculados nessas
colunas ainda idealizava os japoneses, no mais vistos unicamente sob a forma de uma
inofensiva e misteriosa gueixa, mas tambm como Os voluntrios da morte, expresso
18
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Os voluntrios da Morte. In: O Malho. Rio de Janeiro, n. 97, ano III. 23 de julho de 1904, p. 18.
Seo Curiosidades Mundiais As religies japonezas. Revista da Semana, n. 222, 14 de agosto de 1904,
pp.1469-1471.
18
19
19
Idem.
Gueisha Impresso por Olgario Carneiro Cunha. Revista da Semana. Rio de janeiro. N. 290, 3 de
dezembro de 1905, p. 2932.
21
O Malho, Rio de Janeiro, n. 94, ano III. 2 de julho de 1904, p. 20.
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20
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At no Japo!. O Malho. Rio de Janeiro, n. 301, ano VII. 20 de junho de 1908, p. 10.
Entre Asiaticos. O Malho. Rio de Janeiro, n. 227, 4 de janeiro de 1908, p. 40.
21
Immigrao Japoneza. O Malho, Rio de Janeiro, n. 325, ano VII. 5 de dezembro de 1908, p.9.
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