José Murilo de Carvalho - Construção Da Ordem - Teatro Das So

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José Murilo de Carvalho

Construção da Ordem / Teatro das Sombras

CONSTRUÇÃO DA ORDEM
INTRODUÇÃO

Os territórios do Brasil mantiveram-se unidos, ao contrário das ex-colônias espanholas, que se fragmentaram,
principalmente por causa da atuação da nossa elite política, que demonstrava uma certa homogeneidade ideológica e,
graças à tradição burocrática portuguesa, havia adquirido o treinamento necessário para dirimir os conflitos intra-elite e
fundamental para a construção de um sistema político tal qual adotamos: uma monarquia representativa com o poder
centralizado, afastado o predomínio militar. Ele não ignora, contudo, o fato de que as elites atuavam dentro de certos
fatores que restringiam seu campo de atuação e de decisão.
Carvalho defende que a unidade territorial do Brasil foi uma opção política dentro das várias disponíveis,
rejeitando a idéia de que os fatores econômicos predominaram na constituição dessa unidade (o Brasil não era composto
por ilhas, da mesma forma que havia fatores de desintegração havia outros que motivavam a desintegração), bem como
verifica uma casualidade reversa entre o escravagismo e a manutenção da unidade. Ele afirma que os políticos
preocupavam-se antes com a unidade do que com o escravagismo, ou seja, manteve-se a escravidão para manter a
integridade, e não o contrário. Opõe-se também à teoria de que a unidade foi mantida graças à prosperidade tardia do
ouro no Brasil, afirmando que tal riqueza já amainava quando da Independência. Também, afirma que a transmigração
da Corte para o Brasil não poderia ser considerada sozinha como um fator determinante para a manutenção da unidade –
poder-se-ia argumentar que a experiência monárquica preparou os brasileiros para tal transição -, pois a Independência
viria com ou sem monarquia.
José Murilo conclui que tal modelo político foi uma escolha dentro de várias existentes, dentro das limitações
em que atuava a elite e de acordo com a sua relativa homogeneidade ideológica e com o treinamento que haviam obtido
graças ao modelo político português.

ELITES POLÍTICAS E CONSTRUÇÃO DO ESTADO

No início do capítulo Murilo expõe as teorias de Mosca e Pareto sobre a atuação das elites. Para o primeiro, a
elite se sustenta no domínio de alguma força social, e quando esse domínio esvanece, ela perde suas bases de
sustentação, dando espaço à ascensão de um novo corpo de elite. Para Pareto, a elite atua por meio da combinação entre
a força e persuasão, e é essa dosagem que, se não adequada ao contexto, gera sua queda.
Murilo explica que a formação dos Estados modernos se deu através do fortalecimento do poder régio sobre
quatro elementos básicos: a burocratização, o monopólio da força, a criação da legitimidade e a homogeneização dos
súditos. Segundo ele, o que determina a forma de um novo Estado é a forma como se dá o ajustamento entre a
burocracia e a representação das classes – o parlamento. Em Portugal, um país de revolução burguesa abortada, e
conseqüentemente no Brasil, houve o predomínio do corpo burocrático sobre o elemento representativo. Esse sistema
foi caracterizado ainda pela forte presença de funcionários públicos no parlamento, ou seja, a própria burocracia do
governo representava o povo diante dela mesma. Ainda, constante foi a presença de legistas formados em Coimbra na
composição desse corpo burocrático. Diferentemente da Inglaterra, as poucas oportunidades de emprego fora da
agricultura colocava sobre o Estado o peso de fornecer empregos, tornando-o mais visível. Os nobres, em Portugal e no
Brasil, dependiam dos empregos do Estado para obter suas rendas.
Essa característica da formação política portuguesa fez surgir uma elite política razoavelmente homogênea,
graças, senão a sua origem social, a uma socialização e ao treinamento para as funções administrativas obtido na
Universidade de Coimbra. A concentração dessa formação em Coimbra, diferentemente da pluralidade das
universidades espanholas, trazia um fator de homogeneidade para as formadas lá. Também, concentrava-se na formação
jurídica e desligava-se de influências religiosas. Assim, as elites políticas portuguesas se isolavam de doutrinas
revolucionárias. Os juristas que de lá saíram foram os responsáveis pela criação e sustentação do modelo político
português, estendendo sua influência na construção do Estado brasileiro. Daí, a sua maior preocupação foi a
manutenção da unidade. Murilo atribui à transposição dessa elite política homogênea para o Brasil uma importância
maior do que a própria transmigração da Corte na formação do modelo político brasileiro. Por outro lado, as elites
políticas dependiam da renda da agricultura, daí que enfrentaram algumas restrições na sua atuação.
O efeito principal de uma elite homogênea seria a redução dos conflitos internos apenas aos grupos dominantes,
por um lado dirimindo conflitos sociais e por outro reduzindo a mobilidade social, que se complicava com a escravidão.
Assim, o único canal de ascensão social era a própria burocracia. No último quartel do século XIX houve uma maior
pressão das classes sociais por representação, culminando em uma significativa redução no número de magistrados na
composição da elite política e à ascensão dos advogados e dos profissionais liberais.

A ELITE POLÍTICA NACIONAL: DEFINIÇÕES

José Murilo de Carvalho delimita neste capítulo quem é a elite a que se refere, ou seja, quem de fato exerce
poder sobre as decisões políticas da nação. Em primeiro lugar, ele coloca o corpo de Ministros, os Senadores,
encastelados na sua vitaliciedade, os Deputados Gerais, que são quase sempre um caminho de passagem para setores
mais altos e no topo o Conselho de Estado. Segundo ele, o Exército teve, durante o Império, quase nenhuma força
política dentro do sistema, enquanto instituição. O mesmo se aplica à igreja. A imprensa funcionou como um fórum
alternativo de debate político para a oposição. Algumas associações de classe, no entanto, conseguiram exercer poder de
forma direta ou indireta, como a Associação Comercial. Por último, fala da burocracia de segundo escalão, esta com
pouca possibilidade de ascensão, mas que, diferentemente do alto escalão, não possuía um esprit de corps.

A UNIFICAÇÃO DA ELITE: UMA ILHA DE LETRADOS

O estudo superior foi um forte elemento na unificação da elite política do Brasil. Quase todos os membros da
elite tinham formação superior. Os conselheiros mais do que os ministros, e estes mais do que os senadores, que se
equiparavam aos deputados. A grande maioria tinha formação jurídica, obtida primeiro em Coimbra (antes da
Independência) e depois em Recife e São Paulo. Outras opções para o bacharelato eram o Colégio dos Nobres e a Real
Academia da Marinha. Coimbra, depois do domínio jesuíta, passou a dar ênfase também nas ciências naturais, para
permitir melhor exploração dos recursos das colônias portuguesas, porém, com a viradeira, voltou seu foco à carreira
jurídica. Foi no período que sucedeu a essa reação que se formou a maioria dos políticos do Império. Portanto, tivemos
duas gerações de elite: a primeira formada em Coimbra, que dominou a cena política até 1840, sumindo em 1853, e a
segunda, formada no Recife ou São Paulo, dominando o quadro daí por diante. Vemos portanto que a geração de
Coimbra teve importante papel na fase de consolidação do Império.
As universidades ibéricas se diferenciavam por terem uma orientação instrumental, pelo seu comprometimento
com o fortalecimento do poder real e pela defesa da fé católica. No Brasil, os cursos de Direito adaptaram-se às
necessidades do país, na medida do possível. Com o passar dos anos, a geração de bacharéis em direito foi maior do que
as oportunidades de trabalho poderiam oferecer, apresentando-se um forte problema ao governo, uma vez que esses
bacharéis poderiam ser um instrumento de oposição dos adversários do regime, uma vez que poderiam elaborar suas
críticas na forma legal.
O preço dessa homogeneidade de formação da elite foi uma distribuição elitista da educação e menor difusão de
idéias que o governo poderia achar subversivas, como ocorreu nas ex-colônias, com a propagação do pensamento
ilustrado francês, dada a descentralização.

A UNIFICAÇÃO DA ELITE: O DOMÍNIO DOS MAGISTRADOS

Outro fator fundamental de construção de uma homogeneidade da elite é a ocupação, pois através de uma
profissão comum, os elegíveis para a elite compartilhariam valores, treinamento e defenderiam os mesmos interesses.
Carvalho explica que, parafraseando Marx, no momento de acumulação primitiva de poder, ou seja, os anos em cruciais
para a formação do Estado, quando o problema da unidade ainda ocupava o primeiro plano (até 1850), houve forte
predomínio de burocratas na composição da elite política, sendo substituídos por profissionais liberais a partir daí, com
o aumento das exigências por representação graças ao aumento do estoque de elegíveis para a elite.
Para o estudo da ocupação dos membros da elite, Carvalho procede à divisão das ocupações em três grandes
grupos, a saber, GOVERNO (empregados públicos e políticos), PROFISSÕES (professores, advogados, jornalistas),
que compunham o que Mannheim chamava de intelligentsia, ou sejam uma elite intelectual capaz de criticar os valores
e instituições vigentes e, por último, ECONOMIA (proprietários rurais, banqueiros, industriais e comerciantes), que era
o grupo menos preparado politicamente para a tarefa de construção do estado por possuírem menos treinamento e menor
socialização, e, conseqüentemente, homogeneidade.
Carvalho discorda que a elite política esteve sob o domínio dos fazendeiros. Os números apresentados mostram
que cerca de 50 dos ministros e dos magistrados estavam ligados à terra. Além disso, muitos fazendeiros tinham
interesse na expansão da burocracia, uma vez que dependiam do emprego público por causa das crises, principalmente
no nordeste. Essa dependência do governo colocava muitos fazendeiros contra os interesses da própria classe e à favor
do governo em várias ocasiões.
Vimos grande predominância do primeiro grupo, ou seja, o do GOVERNO, na elite política. Desse modo, havia
uma tendência de a elite política se fundir com a burocracia, uma vez que grande parte dos que poderiam chegar à elite
estava vinculada à máquina do Estado.
Murilo mostra que a composição do Senado foi dominada pelos magistrados, passando para as mãos dos
advogados no final do império, enquanto os fazendeiros mantiveram uma razoável participação desde o início. O
Senado, por possuir menor unidade ideológica, dada as origens diversas, mostrava-se mais conservador, dada a sua
vitaliciedade, atuou como fator de bloqueio de reformas e de desgaste do próprio sistema político. Entre os deputados
ressalta-se o fato de que entre 70 e 90 por cento dos seus membros possuíam curso superior, a maioria bacharéis em
direito. Além disso, foi constante a presença de fazendeiros.

A UNIFICAÇÃO DA ELITE: A CAMINHO DO CLUBE

Outro fator de relevo para a compreensão da formação da unidade ideológica e do treinamento da elite era a
circulação geográfica e por cargos por que passava o político. Desse modo, a circulação tinha um efeito unificador, uma
vez que o magistrado, militar ou o político tinha que conhecer outras províncias que não a sua. Ainda, os militares
poderiam circular tanto como ministros, magistrados ou militar.
Outro elemento determinante da unidade de pensamento era a taxa de renovação dos políticos. Uma elite que se
renova rapidamente perde em treinamento e experiência, mas ganha em representatividade e em visão de novos
problemas que se apresentam. Uma elite que tarda a se renovar obtém maior treinamento e adquire maior capacidade
administrativa em troca de uma menor representatividade e de uma estabilidade artificial que pode minar o próprio
sistema de poder que ela mantém, uma vez que impede a ascensão de outros grupos ao poder. Vimos que os deputados
se renovavam a uma taxa de 50 por cento a cada nova legislatura, com uma alta rotatividade de muitos e um pequeno
grupo que tendia a se manter no poder por muito tempo.
A carreira política tinha como condição para iniciar o diploma de Direito. Junto a ele, o apoio da família e dos
amigos, bem como a intervenção de um patrono. Tentaria primeiramente a magistratura até chegar a Câmara, de onde
tentaria partir para um cargo importante como a presidência de uma província, ou para o Senado. O presidente de
província era um cargo importante, pois dele dependia a vitória do governo nas eleições, dado o controle sobre a
máquina eleitoral que ele tinha. Eles adquiriam ampla experiência administrativa através da circulação e do treinamento
em províncias menores. A presidência da província dava a oportunidade de acelerar a carreira, uma vez que tinha a
máquina a seu dispor. O Conselho de Estado era a coroação da carreira do político. Muitos deles haviam sido senadores,
ministros ou deputados, e para chegar a tal patamar era necessário ter ampla vivência política. O Senado por sua vez era
um bloqueio à circulação da elite política, uma vez que era vitalício e muitos senadores proviam da classe dos
fazendeiros sem educação superior, que daí não poderiam galgar outros postos mais avançados por não possuírem tal
requerimento.
José Murilo de Carvalho mostra que, uma vez alcançado a Câmara, o político teria a oportunidade de circular
dentro do clube do poder, configurado pelo Ministério, Conselho e Câmara, sendo o Senado o ponto de onde
normalmente não se saía.

A BUROCRACIA: VOCAÇÃO DE TODOS

Um elemento que diferenciava o corpo burocrático entre si eram as divisões verticais (por funções) e as
horizontais (por salário). Variavam ainda por grau de profissionalização e pela natureza mais ou menos política de suas
atribuições. A divisão vertical se dava em nível Político, Diretorial, Auxiliar e Proletário. Alguns setores como o militar,
o judiciário e eclesiástico conseguiram maior unidade institucional, sendo, como não seria de se estranhar, portanto,
esses três setores que mais forneceram membros à elite política. O setor do fisco, entretanto, conseguiu obter maior
desenvolvimento profissional de seus funcionários, sendo muito bem estruturada e pagando bons salários.
Quanto às origens, o corpo burocrático tinha origens diversas, mas não era vocação de todos, como dissera
Nabuco, mas das minorias urbanas. Era um poderoso elemento de cooptação dos potenciais opositores, oriundos dos
setores médios urbanos, dos profissionais liberais e dos proprietários rurais em decadência. No setor militar e
eclesiástico, contudo, foi maior a participação das camadas pobres da população.
A divisão poderia ainda ocorrer em níveis geográficos: central, provincial e local. Uruguai apontou que o
governo sofria de uma macrocefalia, ou seja, não conseguia estender seu poder ao nível local. De fato, teve que recorrer
aos tipos de administração chamados litúrgicos (Weber) para fazer valer nesses domínios o seu poder. Para tal, contava
com a cooperação de poderes locais em troca de favores e concessões. Um exemplo foi a Guarda Nacional e a
nomeação de inspetores e delegados de polícia.
Devido ao fato de o sistema econômico agro-exportador e escravista limitar as possibilidades de emprego, os
cargos públicos se tornavam mais visados pelas camadas excluídas das oportunidades de emprego, daí que esses,
quando ingressavam na máquina administrativa do governo por meio de um emprego público tratavam de sustentar esse
mesmo sistema que lhes alheava das oportunidades, por depender das rendas oriundas desse sistema. Para resumir essa
situação Murilo evoca a dialética da ambigüidade, como chamada por Guerreiro Ramos.
Murilo aponta confronta o pensamento de Nabuco com o de Faoro. O primeiro, diz, acredita que a escravidão
limitava as possibilidades de surgimento de atividades econômicas e portanto colocava o domínio da Estado nas mãos
dos proprietários. Faoro, por sua vez, falava de um estamento burocrático sobranceiro à sociedade, regulando com mãos
firmes toda a atividade econômica do país, como um Leviatã. Murilo discorda de ambos, e mais enfaticamente de Faoro,
afirmando que o segredo da duração da elite estava no fato de não ter a estrutura rígida de um estamento e de dar a
ilusão de acessibilidade aos seus opositores.
Não era, portanto, a burocracia imperial tão homogênea quanto se pode pensar, fracionada por divisões
geográficas, de funções, de nível de profissionalização e institucionalização.

JUÍZES, PADRES E SOLDADOS: OS MATIZES DA ORDEM

Neste capítulo Murilo faz um estudo dos três setores que mais forneceram membros à elite: o magistrado, o
militar e o eclesiástico. O primeiro setor, do magistrado, constituiu ampla maioria até o terceiro quartel do século XIX.
Foi indubitavelmente o setor que teve melhor profissionalização e treinamento, pois em sua carreira o magistrado era
submetido a alta circulação para não criar vínculos com situações locais, inclusive em Portugal, não sofrendo
preconceitos. Grande parte do seu treinamento e profissionalização se deveu ao fato de que desempenhavam não só
tarefas judiciárias, mas também administrativas. Por dependerem do governo para sua ascensão profissional e melhorias
de salário, quando entravam na política normalmente se colocavam do lado do governo. A carreira do magistrado
começava no juizado municipal, daí, pleiteava o cargo de juiz de direito. O nível superior era o de desembargador e o
cume era ser juiz do STJ, que tinha status de ministro. Houve grande debate em torno da participação dos magistrados
na política. Com a reforma judiciária de 1871 eles foram afastados dos cargos políticos, uma vez que os municípios sob
sua jurisdição sofriam sem a sua presença. No final do século, vimos o magistrado sumir do quadro político, ao tempo
em que ascendia o militar.
A primeira geração de tropas de linhas brasileiras seguir a tradição portuguesa, ou seja, recrutavam-se os
oficiais dentro das classes dominantes e os praças entre as camadas populares. Já antes da Independência, foi permitido
aos filhos de militares das ordenanças e milícias o ingresso como cadetes, o que mudou a composição social do
Exército. Na Marinha, por outro lado, manteve-se a discriminação, aumentando a distância entre oficiais e praças. As
divergências entre militares e civis aumentou com a Guerra do Paraguai e com o positivismo. Esses elementos criaram
no Exército um sentimento coletivo de instituição. Poderiam, assim, por contar com recursos de poder e de atuação
política e terem pensamento próprio, constituir uma contra-elite. Murilo resume a idéia em um parágrafo: Pode-se dizer
que os militares foram os substitutos dos magistrados no final do Império e início da República. A mesma preocupação
centralizadora os dominava, a mesma oposição à fragmentação privatista do poder. A diferença estava no sentido
político da centralização. Os magistrados, mesmo que o quisessem, tinham poucas condições de atacar os baluartes da
grande propriedade. A centralização que promoviam, para ser viável, tinha que conciliar com a grande propriedade. Os
militares começaram a agir em tempos novos e com novas forças. Deram à centralização um conteúdo muito mais
urbano e burguês, na medida em que combatiam a escravidão e propunham a libertação do país da economia agrícola de
exportação. Seu inimigo na República era o bacharel representante do café, embora por razões táticas com ele às vezes
se aliassem.
Os padres foram uma fonte permanente de conflito com o Estado, graças a sua composição social, mais
democrática, e por sua atuação mais próxima da população. Também, diferentemente de Coimbra, os seminários não se
mantiveram fechados à influência francesa, incendiando sua oposição ao absolutismo e às suas práticas. As
possibilidades de ascensão eram menores do que as dos magistrados, portanto eram menos coesos. Muitos dos padres
estavam ligados a elementos locais, com interesses locais, muitos deles sendo proprietários e comerciantes, não
formando, portanto, uma unidade de pensamento nacional enquanto instituição. Com esse clero de atuação mais popular
e democrática contrastava-se o alto clero, sendo muitos de seus membros formados em Coimbra, como os magistrados.

OS PARTIDOS POLÍTICOS IMPERIAIS: COMPOSIÇÃO E IDEOLOGIA


Murilo inicia o capítulo lembrando da complexa tarefa de definir as diferenças entre os dois partidos. Para tal,
refere-se às correntes que ou negam ou admitem a existência de divergências entre os partidos. A primeira é composta
por Caio Prado Jr., Werneck Sodré, Nestor Duarte e Maria Isaura Pereira. Prado até admite certo conflito entre a
burguesia reacionária (ligada aos donos de terra) e a progressista (setores do comércio e finanças), mas tal conflito não
chega a se manifestar nos partidos. Nestor Duarte e Maria Isaura, por sua vez, defendem que os dois partidos
representam interesses agrários e que, portanto, na prática, não há diferença entre eles. Do lado oposto se colocam
Faoro, Azevedo Amaral, Fernando Azevedo e João Camilo de Oliveira Torres. Faoro atribui ao partido Conservador
representa os integrantes do estamento burocrático, enquanto os Liberais representam os setores agrários que se opõem
à centralização do poder. Azevedo Amaral diz que os Conservadores representam os interesses rurais, enquanto os
liberais os dos grupos intelectuais e outros grupos marginais do processo produtivo. Fernando de Azevedo e João
Camilo dizem que os setores urbanos são representados pelos liberais (imbuídos de certa ideologia importada e utópica),
enquanto os rurais pelos conservadores. Afonso Arinos coloca que o partido Conservador representa os cafeeiros do Rio
de Janeiro e que os liberais os setores urbanos, como os intelectuais, magistrados, comerciantes e burguesia.
Carvalho diz que até 1837 não se pode falar em partidos políticos no Brasil. Eles surgiram com a criação do
partido Conservador, da voz de Bernardo Pereira de Vasconcelos, agrupando ex-liberais moderados e ex-restauradores
em torno da reação à Regência, chamada de regresso. Eles buscavam reformar as leis descentralizadoras implantadas no
período Regencial. Suas principais figuras foram Uruguai, Paulino José Soares de Sousa e o próprio Vasconcelos. No
futuro, o partido Conservador viria a perder força com o gradual afastamento dos magistrados da política e com a
decadência das áreas tradicionais de agricultura, cujos proprietários (PE, BA e RJ) constituíam o grosso de suas fileiras.
O partido Liberal surge como oposição a essas reformas, sendo fortes defensores das leis descentralizadoras.
Suas principais figuras foram Teófilo Ottoni, Paula Souza e Vergueiro, e mais na frente, Zacarias de Góes.
Durante o período de 1853 e 1857, os dois partidos formaram o ministério de Conciliação, amainando as
diferenças entre os partidos. Fruto dessa aliança foi a criação da Liga Progressista, que se tornou Partido Progressista,
por iniciativa de um liberal, Nabuco de Araújo, em 1868. O grupo era formado de Conservadores dissidentes e de
Liberais históricos. Seu programa defendia a separação dos poderes judiciais do corpo policial e exigia a
profissionalização e autonomia da profissão dos magistrados para garantir a proteção às liberdade individuais. Com a
dissolução do partido, graças à queda de Zacarias, uma parte de seus membros ingressou no novo partido Liberal e a
outra no partido Republicano.
Os principais conflitos entre os partidos se deram em torno das tendências centralizadoras do poder. A partir de
1860, esses conflitos passaram a girar sobre a exigência de representação e reforma social, ou seja, sobre as liberdades
individuais, culminando em reformas políticas que afastaram os magistrados do poder. O principal defensor dessa
corrente foi Silveira da Motta, liberal. Em 1868 os liberais criaram o Clube Radical, que deu origem adiante aos
Republicanos.
O partido Republicano surgiu no Rio de Janeiro em 1870, formado por dissidentes da liga Progressista e de
Liberais radicais. Na ideologia, não diferia muito do pensamento liberal, concentrando suas reivindicações na questão
das liberdades individuais e na representatividade política. No Rio, foi composto principalmente de intelectuais e
profissionais liberais urbanos. Já o Partido Republicano Paulista foi mais pragmático, adotando a bandeira do
federalismo para proteger seus interesses econômicos e abandonando o liberalismo democrático. Era composto
principalmente por cafeicultores. Ao contrário do grupo carioca, conseguir formar sólidas bases municipais.
Sobre a origem social dos membros dos partidos políticos, Carvalho quebra um paradigma. Afirma que os
donos de terra não se filiavam predominantemente a um ou outro partido, mas para tal, possuíam certas distinções. Os
donos de terra do partido conservador tendiam a pertencer às áreas antigas de colonização como PE, BA e RJ, que
tinham mais interesses na centralização do poder. Já os liberais vinham predominantemente de SP, MG e RS, mais
interessados na descentralização para garantir seus interesses econômicos.
Sobre a questão da formação do Estado, Carvalho explica que ela se deu graças à reação centralizadora do
grupo que deu origem ao partido Conservador, composto por burocratas, fazendeiros e comerciantes interessados em
manter a ordem social, o que não foi conseguido pela Regência. Essa coalizão só foi possível por causa da riqueza
carioca. A oposição veio principalmente de São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Mais na frente, quando esses três
últimos Estados viraram núcleos de importância econômica passaram a se opor a tal centralização para proteger seus
interesses econômicos.

CONCLUSÃO

Murilo retoma o argumento da dialética da ambigüidade, segundo o qual o Estado, se por uma lado não podia
prescindir das rendas dos impostos de importação e exportação, que representavam 70 por cento do total, nem dos
serviços litúrgicos prestados por particulares em nível local, por outro era o maior fornecedor de empregos para os
fazendeiros decadentes. Ele mostra que havia entre os proprietários uma desunião uma vez que eles não possuíam a
mesma homogeneidade ideológica de classe, como os magistrados, por dependerem das rendas de seus negócios e não
poderem se dedicar exclusivamente às tarefas do Estado, como os ingleses. Essa dependência dos senhores de terra do
governo os fez ir de encontro aos interesses da própria classe em diversas ocasiões. Além disso, foi mostrado que
grande parte da elite política era formada por magistrados, que, como foi dito, não eram considerados representantes
legítimos pelos fazendeiros.
O autor enfatiza que da união da elite imperial dependeu a tarefa de construção do Estado brasileiro, e que
melhor do que afirmar que essa elite representava os interesses da classe dominante, é salientar o seu caráter não
representativo das camadas dominadas.

TEATRO DAS SOMBRAS


INTRODUÇÃO: O REI E OS BARÕES

Murilo afirma que, passado o período de acumulação primitiva de capital, ou seja, de formação do Estado
brasileiro, se deu a aliança entre, de um lado o rei e a burocracia, e de outro o setor do grande comércio e da agricultura,
por meio dos magistrados. Essa aliança só foi possível ao lograr o governo convencer os agricultores que a monarquia
seria o arranjo ideal para manter a ordem e atuar como árbitro dos dissídios entre as camadas dominantes.
As revoltas regenciais são divididas em duas fases: a primeira, que vai de 1831 a 35, se caracterizou por
consistir em inquietações populares provocadas pelo exército e pelo povo, em protestos contra as condições de vida,
marcadas por forte antilusitanismo. Entre elas a Setembrizada e a revolta do Malês na Bahia. O governo usou a Guarda
Municipal como instrumento de controle dessas revoltas a partir do Ato Adicional. A segunda fase, que vai de 1835 a
48, mostrou um deslocamento para o interior. Em 1842 houve a revolta dos proprietários em MG e SP, que deixou
transparecer que o arranjo monárquico ainda não era consensualmente aceito entre os fazendeiros. Não sabiam qual
arranjo político seria mais adequado para atender aos seus interesses. Entre as revoltas da segunda fase cita a Sabinada,
Balaiada, Cabanos, Cabanada e Farroupilha.
Conclui explicando que a aliança entre o governo, leia-se rei e burocracia, com o setor comercial e agrícola, só
se deu após o regresso conservador, após convencerem-se os fazendeiros de que a monarquia seria o melhor arranjo aos
seus interesses. A partir daí, foram realizadas reformas para fortalecer o poder central, tal como a interpretação do Ato
Adicional em 1840, a reforma do Código de Processo Civil em 1841, a centralização da Guarda Nacional nas mãos do
poder central em 1850 e, no mesmo ano, o Código Comercial.

O ORÇAMENTO IMPERIAL: OS LIMITES DO GOVERNO

Murilo explica que a aprovação do orçamento do Executivo era uma grande fonte de dissensões entre este e o
poder Legislativo. Esse conflito incorporava a luta entre o governo, querendo aumentar seu poder de arrecadação, e os
proprietários, representados no Legislativo, opondo-se a novas taxações. Em 1867 para fazer frente às despesas da
guerra, foram criados os impostos de indústria e profissões, de transmissão de propriedade e de renda, porém, durante
todo o Império, o governo dependeu fortemente dos impostos de exportação e de importação, este último de natureza
mais fiscal do que por protecionismo da indústria nativa. Os primeiros, apesar da oposição constante, ficaram entre 5 e 7
por cento ad valorem. Carvalho aponta que o Estado era a grande fonte de receitas para ele próprio, chegando a mais de
40 por cento da receita arrecadada, grande parte oriunda da construção das estradas de ferro. Ele chama o fenômeno de
incesto fiscal.
As despesas do governo com administração sofreram, ao longo do império, uma queda de 90, no início, a 60 nos
anos finais, o que demonstra uma mudança de direção por parte do governo, ou seja, passada a fase de construção do
Estado com o aumento do poder central do Estado, ele passa a fomentar o desenvolvimento econômico de modo a
aproveitar melhor as potencialidades dos setores economicamente produtivos, principalmente a agricultura, daí que os
principais gastos do governo mostraram a preocupação com o setor agrário, com a construção de estradas de ferro e
engenhos centrais. Contudo, o governo limitava-se na sua capacidade de aumentar a arrecadação primeiro por
dificuldades burocráticas, ou seja, pela difícil operação da máquina fiscal, e em segundo lugar por causa da forte
oposição à criação dos impostos.
O governo gastou pouquíssimo com a imigração, 1 por cento em 1870 e 3,8 em 1889, o que mostra que o
discurso do governo a favor da imigração não passou de retórica para acalmar os proprietários do sul. Ainda, sofreu a
imigração forte oposição dos representantes do norte, a que se devem, em parte, tão insignificantes gastos.
Outro elemento importante foi a político de crédito rural, que se dava por meio de empréstimos do Banco do
Brasil. Ela constituiu fonte constante de batalha entre o governo, proprietários e banqueiros. O norte queixava-se que
apenas o sul se beneficiava com os empréstimos. O quadro mudou quando Ouro Preto, depois da Abolição, expandiu o
crédito para o norte, com a clara intenção de evitar conflitos com os senhores de terra.
O ponto que nos interessa ressaltar com referência a esta tentativa final de apaziguar os proprietários é a
contradição em que vivia o governo imperial com relação a eles. Deles dependia para as rendas do Estado que, como
vimos, se prendiam estreitamente ao comércio externo. Muitos dos investimentos favoráveis aos proprietários do setor
exportador eram também importantes como fontes de renda para o governo. De outro lado, havia no governo espaço
para influências e inspirações que não se vinculavam aos proprietários, ou que podiam aliar-se a um grupo de
proprietários contra outro. O que não aceitavam era a falta de indenização. Os empréstimos foram maneira indireta de
tentar indenizar. Mas quebrava-se definitivamente a confiança dos proprietários na monarquia, quebra esta que tivera
início com a Lei do Ventre Livre de 1871.

A POLÍTICA DA ABOLIÇÃO: OS REIS CONTRA OS BARÕES

José Murilo de Carvalho fala em abolição como processo, iniciado no fim do tráfico e culminando na abolição
em si. Ele ordena em três fases.
A primeira foi fruto de reformas levadas a cabo por pressões externas, leia-se inglesas, culminando na abolição
do tráfico em 1850. Já em 1807 a Inglaterra aboliu a escravidão em seus territórios e passou a fazer pressão para que os
outros países também o fizessem. Com isso, conseguiu tratados com Portugal em 1810, 15 e 17, através dos quais nossa
metrópole se comprometia a reduzir gradualmente a escravidão. Em 1826, em troca do reconhecimento da
Independência, forçaram-nos a aceitar um acordo que consideraria o tráfico de escravos pirataria, três anos após essa
data. Junto com ele, impuseram-nos um tratado comercial, com amplo favorecimento ao inglês. Em 1831 passamos uma
lei antitráfico, “pra inglês ver”, motivada em parte por medo do haitianismo e das revoltas populares que poderiam
ocorrer em decorrência de um aumento desproporcional da população escrava. Contudo, a população escrava subiu
vertiginosamente nesse período. Nos anos de 1839 até 1842, recrudesceu a pressão inglesa com visitas a navios
brasileiros. Tais ações geraram um sentimento de revolta no Brasil, sentíamos nossa soberania ameaçada. Em 1843, não
concordamos em renovar o tratado anterior, que concedia aos ingleses o direito de visita. A reação inglesa foi o
Aberdeen Act em 1845. Em 1849 mandou navios para patrulhar a costa brasileira, derrubando navios e atacando portos,
sob o comando de Palmerson e Hudson, causando ampla indignação popular. Nesse ano, as condições eram outras:
Eusébio argumentava que se chegou a um desequilíbrio insustentável do número de escravos e que as nossas
propriedades estavam passando para as mãos dos especuladores e traficantes. O Estado contou com os elementos
coercitivos necessários para fazer valer a proibição, graças às reformas centralizadora de 1840 e 41, que criou os chefes
de polícia e delegados sob o domínio do estado, fortaleceu o poder dos juízes de direito e que em 50 colocou nas mãos
do ministro da justiça toda a Guarda Nacional.
A segunda etapa foi o processo de aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871. Para tal, houve forte influência
pessoal do rei, que consultou o Conselho de Estado em 1867, este achando melhor esperar o fim da guerra. Incumbiu
Nabuco de Araújo pela elaboração do projeto, que sofreu forte oposição. Rio Branco lembrava que não havia nenhuma
pressão interna por medidas abolicionista, nem por parte dos escravos. Em defesa do plano, Nabuco adota a tática de
reform-mongering, ou seja, de ressaltar a necessidade de prevenir os problemas que adviriam em decorrência do
adiamento de tais medidas, como as revoltas populares e o recrudescimento do movimento abolicionista. A lei passou
sob o gabinete de Rio Branco, agora convencido de sua importância, depois de tentativas de Zacarias, Itaboraí e São
Vicente, que não conseguiram mobilizar bases políticas para a aprovação do projeto. Rio Branco, por sua vez,
conseguiu mobilizar o apoio das províncias do norte, sofrendo forte oposição das do sul. No norte, havia grande número
de funcionários públicos (magistrados) no Congresso, que votaram com o governo. Nabuco conseguiu convencer parte
dos liberais. Vimos que, com a libertação do ventre, o governo se descola das bases socioeconômicas do Estado, os
fazendeiros, sem se preocupar em reforçar seu aparato coercitivo, ao contrário, desmobilizando-o. Em 1871 também foi
reformada a lei de aparato policial e em 1973 foi desmobilizada a Guarda Municipal. Os escravistas viram que, daí por
diante, não contariam mais com a Coroa ao seu lado. Vimos portanto, que a aprovação da Lei do Ventre livre saiu por
iniciativa do governo e não por pressões, numa tática de reform-mongering, de um gabinete conservador (Rio Branco),
com o apoio dos magistrados do norte e uns poucos liberais mobilizados por Nabuco, plantando o afastamento dos
escravistas do fulcro da monarquia.
A última etapa foi o processo entre a libertação dos sexagenários e a abolição irrestrita. Ela se caracterizou pela
ampla participação popular e pelo recrudescimento do abolicionismo, seja através da imprensa ou pela ação de grupos.
Vimos também a participação do Imperador, que deu títulos a quem libertasse seus escravos e até transigiu com a
publicação de um jornal abolicionista dentro do próprio palácio. O ministério de Dantas não conseguiu passar a lei dos
Sexagenários em duas legislaturas, o que coube a Saraiva em 1884/85. Já em 1887 os republicanos paulistas se
decidiram pela abolição e o Clube Militar se recusava a perseguir escravos fugidos. O sul se dividiu em dois setores: o
mais decadente e portanto mais dependente dos braços negros, que se apegaria até o final à escravidão, e o setor mais
dinâmico, que, vendo ruir o sistema escravista, se agarrariam à perspectiva de usar os braços alienígenas. O norte do
Brasil, por sua vez, contava com mais braços livres e, portanto, não dependia tão fortemente da escravidão quanto o
Vale do Paraíba.
Murilo conclui afirmando que o sistema monárquico começou a ruir em 1871, com a libertação dos braços,
rompendo-se a aliança entre a coroa e os donos de terra, uma vez que foi a partir daí que se deu o aumento do
republicanismo.
Ela fracassou, então, não pela ineficácia, mas, pelo contrário, por ter promovido ou facilitado ação contrária a
grupos dominantes, sem ao mesmo tempo construir uma base de poder que substituísse ou equilibrasse a dos donos de
terra. Essa base ao final do século XIX dificilmente poderia ser popular, pois 90 por cento da população vivia ainda sob
o controle dos donos de terra. Ela só poderia ser o exército nacional, mas este se achava incompatibilizado com a
Monarquia, tanto em termos institucionais, devido ao enraizado civilismo do imperador, como em termos ideológicos
pela influência do positivismo entre os oficiais. Além disso, os militares se achavam também distanciados dos grandes
proprietários. Ao invés, então, de se ver legitimado pela atuação reformista, pela eficácia em solucionar problemas, o
sistema imperial perdeu a legitimidade que conquistara. É que as principais reformas que promovera atendiam a
interesses majoritários da população que não podia representar-se politicamente. A representatividade do sistema
assumia assim um caráter burkiano, no sentido de ser representação do país como um todo, em oposição a uma
representatividade de natureza liberal que se referisse a interesses específicos de grupos, classes e indivíduos, cujo
somatório supostamente resultasse no interesses geral.

A POLÍTICA DAS TERRAS: O VETO DOS BARÕES

A política de terras foi vetada pelos barões. Duro embate sofreu para poder ser aprovada. A Lei das Terras tinha
o objetivo primeiro de promover a imigração para substituição dos braços escravos, diante da irreversível decadência do
escravagismo diante da pressão inglesa. Em 1822 haviam sido suspensas todas as sesmarias futuras até que se regulasse
a matéria. Só 20 anos depois, Vasconcelos foi o relator da proposta em 1842, mas sofreu a resistência do Senado, de
maioria liberal, sob o comando de SP e MG. Além disso, a demora se deu por conta da diminuição das preocupações
dos cafeicultores do Vale do Paraíba, em seu auge na década de 40, devido ao aumento da entrada de braços negros
nesse período. A Lei das Terras se baseou na inspiração de Wakefield, que recomendava o encarecimento das terras
para constranger o imigrante a emprestar sua força de trabalho por um tempo, antes que possa se tornar proprietário, e,
ao mesmo tempo, com os recursos obtidos traria mais imigrantes, num sistema que se auto-alimentava. A Lei das Terras
foi um claro favorecimento aos fazendeiros cariocas, na medida em que representou uma socialização dos custos da
imigração entre todas as áreas, sofrendo a oposição daquelas menos dependentes de braços, então o norte e SP e MG.
As cláusulas de expropriação e os impostos foram outro motivo de dissídio. Representou, portanto, a implantação da lei
das terras a coroação da força dos fazendeiros cariocas sobre o governo. A grande presença de representantes da grande
lavoura no governo confirma tal suposição.
Entretanto, na prática, a Lei das Terras não vigorou. Os mecanismos de transformar a lei em realidade foram a
demarcação das terras, o registro paroquial, a legalização de posses e a revalidação de sesmarias. Essas ações tinham
custos muitas vezes mais altos do que a própria terra, e grande parte dos proprietários não tinha condições de arcar com
tais custos. Uma vez fracassada a ação, soçobrou também a atração de imigrantes. Foi então que o gabinete de Sinimbu
em 1878 propôs a reforma da lei, que reduziria o tamanho dos lotes mínimos de terra e instaurava as vendas a prazo,
como forma de atrair os colonos, principalmente da Itália, que haviam sido avessos ao sistema de parceria, agora com a
possibilidade de se tornarem proprietários. Em contraste ao que ocorreu em 1850, a reforma favoreceria os setores mais
dinâmicos da economia cafeeira, no caso o Oeste paulista, uma vez em franca decadência o Vale do Paraíba. Vemos que
ao se negarem os fazendeiros a aceitar o imposto sobre a terra para financiamento da imigração, deslocavam o ônus de
tal empresa para o conjunto da sociedade, socializando os custos da imigração.
O contexto gerado pela decretação e implantação da Lei das Terras revelou a incapacidade do governo central
em aprovar medidas que contradizem os interesses dos proprietários na ausência de pressões extraordinárias, ao tempo
em que mostrou a falta de coesão e unidade da classe proprietária, vislumbrada na clivagem entre as áreas mais ou
menos dependentes do braço escravo.
O CONSELHO DE ESTADO: A CABEÇA DO GOVERNO

O Conselho de Estado foi criado pelos conservadores em 1841, mas perdeu muito de sua força pelo fato de,
diferentemente do Conselho de Pedro I, ter perdido a obrigatoriedade de consulta nos assuntos mais sérios do império.
O Conselho foi um grupo homogêneo, que por conta da longa convivência desenvolveram um etos, um pensamento
próprio, um esprit de corps, além de desenvolverem uma jurisprudência administrativa e de possuírem um consenso
sobre alguns princípios básicos de política, economia e administração. Eles tendiam à parcialidade em favor do sistema,
já que grande parte havia sido magistrado ou presidente de província. Joaquim Nabuco disse que o Conselho de Estado
foi o cérebro da monarquia. De fato, foram várias as consultas realizadas pelo Imperador a esse órgão e em 84 por cento
das vezes sua opinião foi aceita. Em todas as 12 dissoluções da Câmara ele foi consultado. Seus debates, graças à
vitaliciedade do cargo e à confiança do Imperador, tendiam a ser francos, desvinculados de elementos partidários, em
que os conselheiros realmente davam sua opinião, mesmo que discordassem do monarca.
Murilo salienta que os conselheiros possuíam a Europa como modelo de civilização, mas que suas doutrinas, em
especial o liberalismo, deveriam ser moldadas à realidade brasileira. Mesmo que essa noção não estivesse presente em
seu discurso, subjazia na prática. Eles tendiam a não confiar nos mecanismos de mercado, uma vez que eram a favor do
protecionismo na defesa da indústria nascente.
Sobre a representação popular na política, preocupavam-se mais com o perigo de revoltas do que com a
representatividade em si. Acreditavam que o povo não tinha maturidade política para tomar as rédeas da nação. Por isso
foram a favor de dobrar o censo e da exclusão do voto do analfabeto quando da reforma pela eleição direta. Para os
Conselheiros, os interesses do Estado em sua soberania externa e interna eram defendidos com ênfase, posição essa
refletida no apoio ao Conselho ao governo na Questão Religiosa e até na ofuscação da defesa dos interesses dos grupos
dominantes.
Ao buscarem os caminhos da indústria e do progresso, viram-se antagonizardos pelas classes agrárias, sem
contudo poderem construir uma base social junto a uma burguesia industrial nascente, que, se existia, não tinha força
para fazer frente aos interesses cafeeiros. A oposição ao Conselho foi feita junto com o recrudescimento da oposição ao
Poder Moderador em 1860, na figura de Zacarias. Em 1889, Ouro Preto inclui em seu programa de reforma uma
redução do papel político do Conselho, reforma essa que não precisou acontecer.

ELEIÇÕES E PARTIDOS: O ERRO DE SINTAXE POLÍTICA

No último capítulo do livro, Murilo trata do sistema eleitoral e da forma como era exercida a representatividade.
Ele aponta que desde o começo do Segundo Reinado houve a preocupação no sentido de promover a regulamentação
eleitoral em três eixos, a saber, a definição da cidadania (quem poderia votar); a garantia da representação da minoria
(evitar o monopólio do poder por um partido) e a verdade eleitoral (impedir que influências espúrias determinassem os
resultados das eleições).
Durante o Segundo Reinado o governo fez as eleições por meio da ação do presidente da província. Com a
reforma do Código de Processo Criminal em 1841, colocou nas mãos desses representantes os chefes de polícia com
seus delegados e subdelegados, bem como a Guarda Municipal sob o comando direto do ministro da Justiça. Outro
elemento marcante sobre a verdade eleitoral é que o Executivo atuava no Legislativo por meio da presença de seus
funcionários nesse corpo.
O primeiro passo no sentido de impedir o monopólio do poder por um grupo partiu dele mesmo: o conservador
marquês do Paraná, que foi presidente de PE depois da Revolução da Praia, percebeu a importância em impedir que o
partido Conservador se encastelasse no poder, promovendo o entendimento entre as facções rivais, de modo a diminuir
o poder de seu próprio partido. Para tal, seu ministério foi conhecido como o ministério da Conciliação (1853-57), que
levou a cabo algumas reivindicações liberais sob forma de reformas. Introduziu a incompatibilidade eleitoral, ou seja,
diminuiu o peso dos funcionários públicos e magistrados no Legislativo. Daí por diante verificou-se a queda acentuada
no número de magistrados no corpo político. A segunda reforma foi a introdução do voto distrital com o círculo de um
deputado. Essa última medida aumentou o poder dos chefes locais, que agora entrariam em contato direto com o poder –
o país entrou na Câmara sem ser por meio da representação. O impacto dessas medidas na legislatura de 57-60 foi
imenso, aumentando-se o círculo para 3 deputados na seguinte, modelo que durou até 1875, quando foi introduzido o
voto pelo terço e o título eleitoral.

CONCLUSÃO
Os dois parágrafos abaixo resumem o conflito existente entre a representação da vontade do povo pelo governo
e as tensões entre esse intento e a oposição das classes dominantes.
Tanto as idéias e valores que predominavam entre a elite, como as instituições implantadas por esta mesma elite
mantinham relação tensa de ajuste e desajuste com a realidade social do país: uma sociedade escravocrata governada
por instituições liberais e representativas; uma sociedade agrária e analfabeta dirigida por uma elite cosmopolita voltada
para o modelo europeu de civilização.
A face absolutista da Constituição permitia ao rei arbitrar os conflitos dos grupos dominantes, uma das grandes
necessidades políticas do sistema, mas, ao mesmo tempo, permitia-lhes também contrariar os interesses desses grupos.
A representação burkiana da nação exercida pelo rei, isto é, a representação que pretendia atender ao interesse geral,
podia conflitar, e muitas vezes conflitava, com a representação dos interesses feita pelo Parlamento e pelos partidos
formados dentro dos constrangimentos das leis eleitorais da época.

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