Reflexoes Do Poeta Os Lusiadas
Reflexoes Do Poeta Os Lusiadas
Reflexoes Do Poeta Os Lusiadas
CANTO I
O poeta indica o assunto global da obra, pede
inspirao s Ninfas do Tejo e dedica o poema ao rei D.
Sebastio. Na estrofe 19, inicia a narrao da viagem de
Vasco da Gama ndia, referindo brevemente que a
Armada j se encontra no Oceano ndico no momento em
que os deuses do Olimpo se renem em Conslio
convocado por Jpiter para decidirem se os portuguese
devero chegar ndia. Apesar da oposio de Baco e
graas interveno de Vnus e Marte, a deciso
favorvel aos portugueses que entretanto chegaram Ilha
de Moambique. A Baco prepara-lhes vrias ciladas que
culminam no fornecimento de um piloto por ele
industriado a conduzi-los ao perigoso porto de Quloa.
Vnus intervm, afastando a armada do perigo e fazendo-a
retomar o caminho certo at Mombaa. No final do
Canto, o poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a
parte espreitam o homem.
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O recado que trazem de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto,
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
grandes e gravssimos perigos,
caminho de vida nunca certo,
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No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde ter segura a curta vida,
Que no se arme e se indigne o Cu sereno
Contra um bicho da terra to pequeno?
Reflexo do Poeta:
Sempre inconformado com a deciso dos deuses do
Olimpo, e depois de ter falhado vrias ciladas contra os
portugueses, Baco faz uma ltima tentativa. Quando a
armada de Vasco da Gama se dirige ao porto de Mombaa,
avisa o rei daquela cidade e influencia-o no sentido de
destruir os portugueses, ao mesmo tempo que um piloto
falso convencia Vasco da Gama da existncia de cristos
em Mombaa.
Depois de ter contado estes perigos a que a armada esteve
e est sujeita ciladas, hostilidade disfarada que reduz as
defesas e cria esperanas o poeta interrompe a
Narrao para expor as suas reflexes sobre a
insegurana da vida.
De facto, as traies e perigos a que os navegadores esto
sujeitos justificam o desabafo do poeta sobre a fragilidade
da condio humana que submete o homem a inmeros e
permanentes perigos.
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CANTO V
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao rei de
Melinde, contando agora a viagem da Armada, de Lisboa a
Melinde. a narrativa da grande aventura martima, em
que os marinheiros observaram maravilhados ou inquietos
o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a Tromba
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Quo doce o louvor e a justa glria
Dos prprios feitos, quando so soados! (1)
Qualquer nobre trabalha que em memria
Vena ou iguale os grandes j passados.
As invejas da ilustre e alheia histria
Fazem mil vezes feitos sublimados.
Quem valerosas obras exercita,
Louvor alheio muito o esperta e incita. (2)
(1) divulgados
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No tinha em tanto os feitos gloriosos
De Aquiles, Alexandro na peleja,
Quanto de quem o canta, os numerosos
Versos; isso s louva, isso deseja. (3)
()
(3) Alexandre Magno no prezava tanto os feitos de Aquiles como os versos de quem os cantou
(Homero);
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Trabalha por mostrar Vasco da Gama
Que essas navegaes que o mundo canta
No merecem tamanha glria e fama
Como a sua, que o cu e a terra espanta.
()
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D a terra lusitana Cipies,
Csares, Alexandros, e d Augustos; (4)
Mas no lhe d contudo aqueles dois
Cuja falta os faz duros e robustos. (5) a falta desses dotes f-los insensveis
Octvio, entre as maiores opresses,
Compunha versos doutos e venustos. (6)
(6) elegantes
()
(4) Csares, Alexandros,,Augustos e Octvio: dirigentes militares e polticos da Antiguidade
Clssica
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()
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Enfim, no houve forte Capito,
Que no fosse tambm douto e ciente, (10)
Da Lcia, Grega, ou Brbara nao,
Seno da Portuguesa to somente.
Sem vergonha o no digo, que a razo
De algum no ser por versos excelente, (11)
no se ver prezado o verso e rima,
Porque, quem no sabe arte, no na estima.
(10) erudito e sabedor (dado s letras e ao conhecimento)
(11) nenhum capito ser cantado em verso como ilustre
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()
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As Musas agradea o nosso Gama
o Muito amor da Ptria, que as obriga
A dar aos seus na lira (12) nome e fama
(12) em verso
De toda a ilustre e blica fadiga:
Que ele, nem quem na estirpe seu se chama ((13),
Calope (14) no tem por to amiga,
(14) musa da epopeia
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas de ouro fino e que o cantassem.(15)
(13) nem Vasco da Gama nem nenhum dos seus familiares
(15) as ninfas do Tejo no deixariam as suas tarefas para cantar os feitos do Gama
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Por meio destes hrridos (1) perigos,
Destes trabalhos graves e temores,
Alcanam os que so de fama amigos
As honras imortais e graus maiores;
No encostados sempre nos antigos
Troncos nobres de seus antecessores;
No nos leitos dourados, entre os finos
Animais de Moscvia zibelinos (2);
(1) terrveis
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No cos manjares novos e esquisitos,
No cos passeios moles e ociosos,
No cos vrios deleites e infinitos,
Que afeminam os peitos generosos;
No cos nunca vencidos apetitos,
Que a Fortuna tem sempre to mimosos,
Que no sofre a nenhum que o passo mude (3)
Pera alga obra herica de virtude;
(3) que no consente que algum altere a sua vida de prazeres.
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Mas com buscar, co seu foroso brao,
As honras que ele chame prprias suas;
Vigiando e vestindo o forjado ao (4),
Sofrendo tempestades e ondas cruas,
Vencendo os torpes (5) frios no regao
Do Sul, e regies de abrigo nuas,
Engolindo o corrupto mantimento (6)
Temperado com um rduo sofrimento;
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E com forar o rosto, que se enfia (7),
A parecer seguro, ledo, inteiro,
Pera o pelouro ardente que assovia
E leva a perna ou brao ao companheiro.
Destarte o peito um calo honroso (8) cria,
Desprezador das honras e dinheiro,
Das honras e dinheiro que a ventura
Forjou (9), e no virtude justa e dura.
(4) armaduras
(5) entorpecedores
(8) fora que lhe permite desprezar honrarias e riquezas dadas pela sorte e no obtidas pela virtude
prpria
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Destarte (10) se esclarece o entendimento,
Que experincias fazem repousado,
E fica vendo, como de alto assento,
O baxo trato humano embaraado (11).
Este, onde tiver fora o regimento
Direito (12) e no de afeitos ocupado (13),
Subir, como deve, a ilustre mando (14),
Contra vontade sua, e no rogando.
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Vede-los Alemes, soberbo gado(2),
(2) rebanho orgulhoso.
Que por to largos campos se apascenta,
Do sucessor de Pedro(3), rebelado,
(3) Papa.
Novo pastor(4), e nova seita inventa:
(4) Lutero.
Vede-lo em feias guerras ocupado,
Que ainda com o cego error (5) se no contenta,
(5) Luteranismo.
No contra o soberbssimo Otomano(6),
(6) Turco.
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(7) Jerusalm.
(8) Muulmanos
(10) Ilegtimo.
(11) Jerusalm.
(12) francs.
7
Achas que tens direito em senhorios
De Cristos, sendo o teu to largo e tanto,
E no contra o Cinfio (14) e Nilo, rios
Inimigos do antigo nome santo (15)?
Ali se ho de provar da espada os fios
Em quem quer reprovar da Igreja o canto (16).
(16) Papa
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Pois que direi daqueles(19) que em delcias,
Que o vil cio no mundo traz consigo,
Gastam as vidas, logram as divcias(20),
Esquecidos de seu valor antigo?
Nascem da tirania inimiccias(21),
Que o povo forte tem de si inimigo:
Contigo, Itlia, falo, j submersa
Em Vcios mil, e de ti mesma adversa.
(19) Italianos
(20) riquezas
(21) inimizades. Esta estrofe alude corrupo das cortes e s violncias dos condottieri e tiranos das cidades
italianas.
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mseros Cristos, pela ventura,
Sois os dentes de Cadmo(22) desparzidos,
Que uns aos outros se do a morte dura,
Sendo todos de um ventre produzidos?
No vedes a divina sepultura(23)
Possuda de ces(24), que sempre unidos
Vos vm tomar a vossa antiga terra,
Fazendo-se famosos pela guerra?
(24) Turcos
(22) Cadmofilho de um rei fencio, matou um drago que guardava uma fonte, para onde ele mandar alguns
companheiros, logo devorados pelo monstro; depois semeou os dentes do animal e deles nasceram homens armados
que se mataram uns aos outros.
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Vedes que tm por uso e por decreto,
Do qual so to inteiros observantes,
Ajuntarem o exrcito inquieto
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Se cobia de grandes senhorios
Vos faz ir conquistar terras alheias,
No vedes que Pactolo e Hermo(25), rios,
Ambos volvem aurferas areias?
Em Ldia, Assria, lavram de ouro os fios;
frica esconde em si luzentes veias;
Mova-vos j sequer riqueza tanta,
Pois mover-vos no pode a Casa Santa(26).
(25) rios da Ldia, sia Menor, segundo a lenda, tinham areias de ouro.
(26) Palestina
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Aquelas invenes feras e novas
De instrumentos mortais da artilharia,
J devem de fazer as duras provas
Nos muros de Bizncio(27) e de Turquia.
Fazei que torne l s silvestres covas
Dos Cspios montes, e da Ctia fria(28)
A Turca gerao, que multiplica
Na polcia(29) da vossa Europa rica.
(27) Constantinopla
(29) Civilizao
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Gregos, Traces, Armnios, Georgianos,
Bradando-vos esto que o povo bruto(30)
Lhe obriga os caros filhos aos profanos
(30) Turcos
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(31) Portugal
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Pois logo em tantos males forado,
Que s vosso favor me no falea,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandea:
Dai-mo vs ss, que eu tenho j jurado
Que no o empregue em quem o no merea,
Nem por lisonja louve algum subido,
Sob pena de no ser agradecido.
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Nem creiais, Ninfas, no, que a fama desse
A quem ao bem comum e do seu Rei
Antepuser seu prprio interesse,
Inimigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso, que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
S por poder com torpes exerccios
Usar mais largamente de seus vcios;
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Nenhum que use de seu poder bastante,
Para servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, tambm cuideis que canto
Quem, com hbito honesto e grave, veio,
Por contentar ao Rei no ofcio novo,
A despir e roubar o pobre povo.
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Nem quem acha que justo e que direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
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CANTO IX
Aps vencerem algumas dificuldades, os portugueses
saem de Calecute, iniciando a viagem de regresso Ptria.
Vnus decide preparar uma recompensa para os
marinheiros, fazendo-os chegar Ilha dos Amores. Para
isso, manda o seu filho Cupido desfechar setas sobre as
ninfas que, feridas de amor e pela deusa instrudas,
recebero, de forma apaixonada, os portugueses.
A Armada avista a Ilha dos Amores e, quando os
marinheiros desembarcaram para caar, vem as ninfas
que se deixam perseguir e depois seduzir. Ttis explica a
Vasco da Gama a razo daquele encontro, referindo as
futuras glrias que lhe sero dadas a conhecer. Aps a
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92
Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu no Mundo nomes to estranhos
De Deuses, Semideuses, Imortais,
Indgetes (1), Hericos e de Magnos. (1) ilustres, venerados como divindades
Por isso, vs que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai j do sono do cio ignavo (2),
(2) indolente
Que o nimo, de livre, faz escravo.
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E ponde na cobia um freio duro,
E na ambio tambm, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vcio da tirania infame e urgente (3);
Porque essas honras vs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor no do gente:
Milhor merec-los sem os ter,
Que possu-los sem os merecer.
(3)que oprime
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Ou dai na paz as leis iguais, constantes,
Que aos grandes no dem o dos pequenos (4),
Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Contra a lei dos imigos Sarracenos:
Fareis os Reinos grandes e possantes,
E todos tereis mais e nenhum menos:
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E fareis claro (5) o Rei que tanto amais,
(5) ilustre
Agora cos conselhos bem cuidados,
Agora co as espadas, que imortais
Vos faro, como os vossos j passados (6). (6) antepassados
Impossibilidades no faais,
Que quem quis, sempre pde; e numerados (7) (7) mencionados
Sereis entre os Heris esclarecidos
E nesta Ilha de Vnus recebidos.
CANTO X
As ninfas oferecem um banquete aos portugueses.
Aps uma Invocao do poeta a Calope, uma ninfa faz
profecias sobre as futuras vitrias dos portugueses no
Oriente. Ttis conduz Vasco da Gama ao cume de um
monte para lhe mostrar a Mquina do Mundo e indicar
nela os lugares onde chegar o Imprio Portugus. Os
portugueses despedem-se e regressam a Portugal. O poeta
termina, lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta
incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o
rei D. Sebastio a continuar a glria dos Portugueses.
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Assi foram cortando o mar sereno,
Com vento sempre manso e nunca irado,
At que houveram vista do terreno
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(1) desafinada
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E no sei por que influxo de Destino
No tem um ledo orgulho e geral gosto,
Que os nimos levanta de contino
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vs, Rei, que por divino
Conselho estais no rgio slio (2) posto,
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor s de vassalos excelentes.
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Olhai que ledos vo, por vrias vias,
Quais rompentes (3) lies e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros (4),
A quentes regies, a plagas (5) frias,
A golpes de Idoltras (6) e de Mouros,
(2) trono
(3) dilaceradores
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Reflexo do Poeta:
O poeta reflecte sobre o desinteresse da nao face s
manifestaes artsticas, dirigindo-se sua Musa (est.
145) inspiradora sobre esse assunto, e ainda acerca da
cobia e da tristeza que dominam os nimos. Interpela
tambm o Rei D. Sebastio (est. 146) para que valorize os
verdadeiros heris.
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