Feijoada
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Feijoada
A feijoada est diretamente ligada presena do negro em terras brasileiras. Resultado da fuso de costumes alimentares europeus e a criatividade do escravo africano, a feijoada o simbolo da culinria nacional. Esta fuso teve origem na poca do descobrimento do ouro na Capitania de So Vicente/SP, na virada do sculo XVII. 0 inicio da minerao no Brasil levou criao de novas capitanias e modificou sensivelmente a economia brasileira. A partir dai incentivou-se o uso da moeda nas trocas comerciais, antes baseadas em produtos como o cacau e o algodo e fez crescer a necessidade de mo-de obra escrava, intensificando o trfico de negros africanos e, como conseqncia, sua influncia em nossos hbitos alimentares. Nas regies das minas de ouro (Minas Gerais, Gois, Tocantins e Mato Grosso), como o escravo ficava totalmente absorvido pela busca do ouro e dos diamantes, e sem disponibilidade para cuidar de sua prpria comida, os mantimentos vinham de outras regies (litoral paulista e carioca) carregados nos lombos dos animais, dai a origem do no menos famoso 'Feijo tropeiro', indicando a forte apreciao nacional pelos pratos feitos base de feijo. Naquela poca, a refeio dos escravos de Diamantina era composta basicamente de fub de milho, feijo e sal. Assim, o feijo misturado corn farinha de mandioca ou fub grosso de milho, antes de ser servido, virou prato tradicional naquela poca. Pouco depois, acrescentou-se a este prato a carne, fundindo o apreciado cozido portugus, prato corn diversos tipos de carne e legumes, cozidos todos juntos, com o j adotado feijo, toucinho e farinha. Estava feita a feijoada. Hoje, feijoada, constituida de feijo preto cozido sobretudo com partes do porco (orelhas, rabo, ps etc.) acrescenta-se como acompanhamento a couve refogada corn alho, o arroz branco, a farofa de farinha de mandioca e o molho de pimenta. INSTITUTO GASTRONMICO BRASILEIRO Histria da feijoada A feijoada, um dos pratos mais famosos da culinria brasileira, se originou por meio dos costumes dos escravos africanos. O prato consiste na mistura de feijo preto, carne de porco, farofa, entre outros ingredientes. Na poca da escravido, os senhores de escravos no comiam as partes menos nobres do porco, como orelhas, rabos ou ps, e davam tais partes aos seus escravos. Como a alimentao dos mesmos era baseada apenas em cereais, como milho e feijo, resolveram pegar as partes do porco que eram rejeitadas e junt-las com o feijo, cozinhando tudo em um mesmo recipiente, alm de adicionar gua, sal e pimentas diversas mistura. Estava feita a primeira feijoada.
isso, bom conhecer um pouco da trajetria dessa instituio nacional que, alm de ser uma das mais perenes, tem a vantagem de ser comestvel. Convencionou-se que a feijoada foi inventada nas senzalas. Os escravos, nos escassos intervalos do trabalho na lavoura, cozinhavam o feijo, que seria um alimento destinado unicamente a eles, e juntavam os restos de carne da casa-grande, partes do porco que no serviam ao paladar dos senhores. Aps o final da escravido, o prato inventado pelos negros teria conquistado todas as classes sociais, para chegar s mesas de carssimos restaurantes no sculo XX. Mas no foi bem assim. A histria da feijoada se quisermos tambm apreciar seu sentido histrico nos leva primeiro histria do feijo. O feijo-preto, aquele da feijoada tradicional, de origem sul-americana. Os cronistas dos primeiros anos de colonizao j mencionam a iguaria na dieta indgena, chamado por grupos guaranis ora comanda, ora coman, ora cuman, j identificando algumas variaes e subespcies. O viajante francs Jean de Lry e o cronista portugus Pero de Magalhes Gndavo, ainda no sculo XVI, descreveram o feijo, assim como o seu uso pelos nativos do Brasil. A segunda edio da famosa Historia Naturalis Brasiliae, do holands Willen Piso, revista e aumentada em 1658, tem um captulo inteiro dedicado nobre semente do feijoeiro. O nome pelo qual o chamamos, porm, portugus. Na poca da chegada dos europeus Amrica, no incio da Idade Moderna, outras variedades desse vegetal j eram conhecidas no Velho Mundo, aparecendo a palavra feijo escrita pela primeira vez, em Portugal, no sculo XIII (ou seja, cerca de trezentos anos antes do Descobrimento do Brasil). Apenas a partir de meados do sculo XVI, comeou-se a introduzir outras variedades de feijo na colnia, algumas africanas, mas tambm o feijo consumido em Portugal, conhecido como feijo- fradinho (de cor creme, ainda hoje muito popular no Brasil, utilizado em saladas e como massa para outros pratos, a exemplo do tambm famoso acaraj). Os cronistas do perodo compararam as variedades nativas com as trazidas da Europa e frica, e foram categricos, acompanhando a opinio do portugus Gabriel Soares de Souza, expressa em 1587: o feijo do Brasil, o preto, era o mais saboroso. Caiu no gosto dos portugueses. As populaes indgenas obviamente o apreciavam, mas tinham preferncia por outro vegetal, a mandioca, raiz que comiam de vrias formas e at transformavam em bebida fermentada, o cauim e que caiu tambm nas graas dos europeus e dos africanos. A mandioca era o alimento principal dos lusoamericanos da capitania de So Paulo, os paulistas, que misturavam sua farinha carne cozida, fazendo uma paoca que os sustentava nas suas interminveis viagens de caa a ndios para a escravizao. Mas tambm comiam feijo. Feijo-preto. O feijoeiro, em todas as suas variedades, tambm facilitou a fixao das populaes no territrio lusoamericano. Era uma cultura essencialmente domstica, a cargo da mulher e das filhas, enquanto o homem se ocupava com as outras plantaes e com o gado. A facilidade do manejo e seus custos relativamente baixos fizeram com que a cultura do feijo se alastrasse no sculo XVIII entre os colonos. Segundo Cascudo, tornou-se lugar-comum nas residncias humildes do interior do Pas a existncia do roadinho, no qual era atributo quase que exclusivo das mulheres o apanhar ou arrancar feijes. A disperso populacional dos sculos XVIII e XIX (at ento a colonizao era restrita s reas litorneas), seja por conta dos currais do Nordeste, do ouro e dos diamantes do Centro-Oeste ou das questes de fronteira com os domnios espanhis no Sul, foi extremamente facilitada pelo prestigiado vegetal. Atrs dos colonos, foi o feijo. Ao lado da mandioca, ele fixava o homem no territrio e fazia, com a farinha, parte do binmio que governava o cardpio do Brasil antigo. No incio do sculo XIX, absolutamente todos os viajantes que por aqui passaram e descreveram os hbitos dos brasileiros de ento mencionaram a importncia central do feijo como alimento nacional. No incio do sculo XIX, absolutamente todos os viajantes que por aqui passaram e descreveram os hbitos dos brasileiros de ento mencionaram a importncia central do feijo como alimento nacional.
Henry Koster afirmou em Recife, em 1810, que o feijo cozido com o sumo da polpa do coco era delicioso. O prncipe Maximiliano de Wied-Neuwied comeu feijo com coco na Bahia, em 1816, e adorou. O francs Saint-Hilaire sentenciava, nas Minas Gerais de 1817: O feijo-preto forma prato indispensvel na mesa do rico, e esse legume constitui quase que a nica iguaria do pobre. Carl Seidler, militar alemo, narrando o Rio de Janeiro do Primeiro Reinado, descrevia, em 1826, a forma como era servido: acompanhado de um pedao de carne de rs (boi) seca ao sol e de toucinho vontade, reproduzindo em seguida uma mxima que atravessaria aquele sculo e constitui ainda hoje, para o brasileiro comum, uma verdade insupervel: no h refeio sem feijo, s o feijo mata a fome. Mas, destoando dos outros cronistas, opinava: o gosto spero, desagradvel. Segundo ele, s depois de muito tempo o paladar europeu poderia acostumar-se ao prato. Spix e Martius, naturalistas que acompanharam a comitiva da primeira imperatriz do Brasil, a arquiduquesa austraca Leopoldina, fizeram referncia alimentao grosseira de feijo-preto, fub de milho e toucinho em Minas Gerais. Tambm citaram o feijo como alimento bsico dos baianos, inclusive dos escravos. O norte-americano Thomas Ewbank, em 1845, escreveu que feijo com toucinho o prato nacional do Brasil. Porm, o retrato mais vivo do preparo comum do feijo no ainda a feijoada foi feito pelo pintor francs Jean-Baptiste Debret, fundador da pintura acadmica no Brasil, sobrinho e discpulo de JacquesLouis David. Descrevendo o jantar da famlia de um humilde comerciante carioca durante a estadia da corte portuguesa no Rio de Janeiro, afirmou que se compe apenas de um miservel pedao de carneseca, de trs a quatro polegadas quadradas e somente meio dedo de espessura; cozinham-no a grande gua com um punhado de feijes-pretos, cuja farinha cinzenta, muito substancial, tem a vantagem de no fermentar no estmago. Cheio o prato com esse caldo, no qual nadam alguns feijes, joga-se nele uma grande pitada de farinha de mandioca, a qual, misturada com os feijes esmagados, forma uma pasta consistente que se come com a ponta da faca arredondada, de lmina larga. Essa refeio simples, repetida invariavelmente todos os dias e cuidadosamente escondida dos transeuntes, feita nos fundos da loja, numa sala que serve igualmente de quarto de dormir. Alm de professor da Academia Real de Belas-Artes, Debret, que esteve no Brasil entre 1816 e 1831, notabilizou- se pela realizao de uma verdadeira crnica pictrica do pas do incio do sculo XIX, em especial do Rio de Janeiro, na qual constam pinturas como Armazm de carne-seca e Negros vendedores de lingia, alm da referida cena da refeio. Portanto, nem s de feijo viviam os homens. Os indgenas tinham uma dieta variada, e o feijo nem mesmo era o seu alimento preferido. Os escravos tambm comiam mandioca e frutas, apesar da base do feijo. Mas h o problema da combinao de alimentos, tambm levantado por Cmara Cascudo na sua belssima Histria da Alimentao no Brasil. Havia, na poca Moderna, entre os habitantes da colnia (sobretudo os de origem indgena e africana), tabus alimentares que no permitiam uma mistura completa do feijo e das carnes com os outros legumes. Entre os africanos, alis, muitos de origem muulmana ou influenciados por esta cultura, havia interdio do consumo da carne de porco. Como, afinal, poderiam fazer nossa conhecida feijoada? Na Europa, sobretudo na Europa de herana latina, mediterrnica, havia e h, informa Cascudo um prato tradicional que remonta pelo menos aos tempos do Imprio Romano. Consiste basicamente em uma mistura de vrios tipos de carnes, legumes e verduras. H variaes de um lugar para o outro, porm um tipo de refeio bastante popular, tradicional. Em Portugal, o cozido; na Itlia, a casoeula e o bollito misto; na Frana, o cassoulet; na Espanha, a paella, esta feita base de arroz. Essa tradio vem para o Brasil, sobretudo com os portugueses, surgindo com o tempo na medida em que se acostumavam ao paladar, sobretudo os nascidos por aqui a idia de prepar-lo com o onipresente feijo-preto, inaceitvel para os padres europeus. Nasce, assim, a feijoada. O que se sabe de concreto que as referncias mais antigas feijoada no tm nenhuma relao com escravos ou senzalas,
mas sim a restaurantes freqentados pela elite escravocrata urbana. Segundo Cmara Cascudo, o feijo com carne, gua e sal, apenas feijo. Feijo ralo, de pobre. Feijo todo-dia. H distncia entrefeijoada e feijo. Aquela subentende o cortejo das carnes, legumes, hortalias. Essa combinao s ocorre no sculo XIX, e bem longe das senzalas. O padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, conhecido como Padre Carapuceiro, publicou no jornal O Carapuceiro, de Pernambuco, em 3 de maro de 1840, um artigo no qual condenava a feijoada assassina, escandalizado pelo fato de que era especialmente apreciada por homens sedentrios e senhoras delicadas da cidade isso em uma sociedade profundamente marcada pela ideologia escravocrata. Vale lembrar que as partes salgadas do porco, como orelha, ps, e rabo, nunca foram restos. Eram apreciados na Europa enquanto o alimento bsico nas senzalas era uma mistura de feijo com farinha. O que se sabe de concreto que as referncias mais antigas feijoada no tm nenhuma relao com escravos ou senzalas, mas sim a restaurantes freqentados pela elite escravocrata urbana. O exemplo mais antigo est no Dirio de Pernambuco de 7 de agosto de 1833, no qual o Hotel Thtre, de Recife, informa que s quintas-feiras seriam servidas feijoada brasileira (referncia ao carter adaptado do prato?). No Rio de Janeiro, a meno feijoada servida em restaurante espao da boa sociedade aparece pela primeira vez no Jornal do Commercio de 5 de janeiro de 1849, em anncio sob o ttulo A bela feijoada brasileira: Na casa de pasto junto ao botequim da Fama do Caf com Leite, tem-se determinado que haver em todas as semanas, sendo s teras e quintas-feiras, a bela feijoada, a pedido de muitos fregueses. Na mesma casa continua-se a dar almoos, jantares e ceias para fora, com o maior asseio possvel, e todos os dias h variedade na comida. noite h bom peixe para a ceia. Nas memrias escritas por Isabel Burton, esposa do aventureiro, viajante, escritor e diplomata ingls Richard Burton, em 1893, remetendo- se ao perodo em que esteve no Brasil, entre 1865 e 1869, aparece um interessante relato sobre a iguaria. Falando sobre a vida no Brasil (seu marido conquistou a amizade do imperador D. Pedro II, e ela compartilhou do requintado crculo social da marquesa de Santos, amante notria do pai deste, D. Pedro I), Isabel Burton diz que o alimento principal do povo do Pas segundo ela equivalente batata para os irlandeses um saboroso prato de feijo (a autora usa a palavra em portugus) acompanhado de uma farinha muito grossa (tambm usa o termo farinha), normalmente polvilhada sobre o prato. O julgamento da inglesa, aps ter provado por trs anos aquilo a que j se refere como feijoada, e lamentando estar h mais de duas dcadas sem sentir seu aroma, bastante positivo: deliciosa, e eu me contentaria, e quase sempre me contentei, de jant-la. A Casa Imperial e no escravos ou homens pobres comprou em um aougue de Petrpolis, no dia 30 de abril de 1889, carne verde (fresca), carne de porco, lingia, lingia de sangue, rins, lngua, corao, pulmes, tripas, entre outras carnes. D. Pedro II talvez no comesse algumas dessas carnes sabe-se de sua preferncia por uma boa canja de galinha , mas possvel que outros membros de sua famlia, sim. O livro O cozinheiro imperial, de 1840, assinado por R. C. M., traz receitas para cabea e p de porco, alm de outras carnes com a indicao de que sejam servidas a altas personalidades. Hoje em dia no h apenas uma receita de feijoada. Pelo contrrio, parece ser ainda um prato em construo, como afirmou nosso folclorista maior no final dos anos 1960. H variaes aqui e acol, adaptaes aos climas e produes locais. Para Cmara Cascudo, a feijoada no um simples prato, mas sim um cardpio inteiro. No Rio Grande do Sul, como nos lembra o pesquisador Carlos Ditadi, ela servida como prato de inverno. No Rio de Janeiro, vai mesa de vero a vero, todas as sextas-feiras, dos botecos mais baratos aos restaurantes mais sofisticados. O que vale mesmo a ocasio: uma comemorao, uma confraternizao, a antecipao do fim-de-semana no centro financeiro carioca, ou at mesmo uma simples reunio de amigos no domingo. Um cronista brasileiro da segunda metade do sculo XIX, Frana Jnior, chegou a dizer mesmo que a feijoada no era o prato em si, mas o festim, a patuscada, na qual comiam todo aquele feijo. Como na Feijoada completa de Chico Buarque: Mulher / Voc vai gostar / T levando uns amigos pra conversar. O sabor e a ocasio, portanto, que garantem o sucesso da feijoada. Alm, claro, de uma certa dose
de predisposio histrica (ou mtica) para entend-la e apreci- la, como vm fazendo os brasileiros ao longo dos sculos.
Bibliografia
CASCUDO, Lus da Cmara. Histria da Alimentao no Brasil. 2a edio. Belo Horizonte; So Paulo: Ed. Itatiaia; Ed. da USP, 1983 (2 vols.). DITADI, Carlos Augusto da Silva. Feijoada completa. in: Revista Gula. So Paulo, no 67, outubro de 1998. DRIA, Carlos Alberto. Culinria e alta cultura no Brasil. in: Novos Rumos. Ano 16, no 34, 2001. Rodrigo Elias Fonte: www.mre.gov.br
A VERDADEIRA HISTRIA DA FEIJOADA Prof. Almir Henrique da Costa Filho - mestre em Histria Poltica e Social pela UERJ, professor de Antropologia da Nutrio e tica e Legislao Profissional do curso de Gastronomia e Culinria, Instituto Politcnico/Universidade Estcio de S e professor de vrias disciplinas de outros cursos de graduao da Estcio. Prof Maria Clara Pecorelli - mestre em Histria Social pela UFRJ, professora de Antropologia da Nutrio e tica e Legislao Profissional do curso de Gastronomia e Culinria, Instituto Politcnico/Universidade Estcio de S e professora de Histria da FAETEC, Fundao de Apoio Escola Tcnica do Estado do Rio de Janeiro. Dizem que os dois pilares mais importantes da identidade cultural de um povo so a lngua e a culinria. Joo Ubaldo Ribeiro1, por exemplo, afirmou certa vez que a adoo cada vez mais indiscriminada de palavras do universo norte-americano nesses trpicos auriverdes est minando nossa cultura, mas - graas a Deus - por enquanto ainda no havamos comeado a macaquear o hbito do peru assado no Dia de Ao de Graas2. Quando isso acontecesse, a sim seria o fim da nossa singularidade como povo. O que ele no atinou foi para o seguinte: nessa nossa vida cada vez mais fast, a exemplo do cotidiano dos irmos do norte, j h menos lugares para uma refeio prazerosa, dando-se um espao crescentemente maior para o fast-food e para as medidas do nosso contorno fsico. Claro, estamos falando do aumento de peso do brasileiro mdio, j aparecendo significativamente nas estatsticas, mais uma importao nefasta do american way of life. Mas, se para valorizarmos a nossa cultura alimentar, no podemos deixar de citar Lus da Cmara Cascudo, autor de uma vastssima obra em torno dos costumes, usos e prticas do mundo brasileiro, de hoje e de ontem, no s sobre questes de comida. ele a maior referncia quando se fala em estudos da alimentao no Brasil, mais ainda quanto ao enfoque histrico. Para fazermos um breve relato sobre a feijoada, o prato mais "tpico" da culinria ptria3, e sua verdadeira histria, vamos recorrer ao artigo escrito no ano passado por Rodrigo Elias4, pesquisador da Universidade Federal Fluminense, que d conta do recado com base principalmente no trabalho pioneiro do nosso folclorista maior, alm de outros estudiosos. Segue, ento, um resumo do texto, para que tenha acesso a ele uma grande maioria de interessados que deixaram escapar esse tesouro: A histria da feijoada nos leva histria do feijo. O feijo preto, aquele da feijoada tradicional, de origem sul-americana. Os primeiros cronistas coloniais j mencionam essa iguaria na dieta indgena, como o viajante Jean de Lry e o cronista Pero Gandavo, ainda no sc. XVI. No sculo seguinte, foi a vez de um naturalista holands descrever a nobre semente do feijoeiro. O nome que usamos para cham-lo, porm, foi dado pelos portugueses. Quando aqui chegaram, h 500 anos, j se conhecia na Europa diversas variedades desse
vegetal. Outras variedades foram introduzidas na colnia, como o feijo-fradinho, consumido em Portugal. Mas a opinio geral era de que o feijo do Brasil, o preto, era o mais saboroso. As populaes indgenas o apreciavam, embora consumissem mais a mandioca sob vrias formas, inclusive como bebida, e esta caiu nas graas de todos. Os paulistas em suas andanas ingeriam muita farinha de mandioca, misturada com carne, mas tambm comiam feijo preto. O feijoeiro em todas as suas variedades facilitou a fixao das populaes no territrio luso-americano. A facilidade do manejo e seus baixos custos fizeram que a cultura do feijo, essencialmente domstica, se alastrasse. Segundo Cascudo, em todas as residncias humildes do interior do pas encontrava-se um "roadinho", a cargo das mulheres. Na expanso do territrio ao longo dos scs. XVIII e XIX, alargando-se fronteiras de norte a sul, atrs do colono ia o feijo e a mandioca em especial a farinha - formando o binmio que "governava o cardpio do Brasil antigo". No sc. XIX, todos os viajantes que aqui vieram descreveram a importncia central do feijo nos hbitos alimentares dos brasileiros, ricos ou pobres (para estes, quase sempre iguaria nica). Vrios deles destacavam a forma como o prato era servido, acompanhado de toucinho. Debret5 descreveu o jantar da famlia de um humilde comerciante dos tempos de D. Joo VI: "se compe apenas de um miservel pedao de carne-seca, de trs a quatro polegadas quadradas e somente meio dedo de espessura; cozinham-no a grande gua com um punhado de feijes-pretos, cuja farinha cinzenta, muito substancial, tem a vantagem de no fermentar no estmago". Porm, nem s de feijo viviam os homens. Os ndios tinham uma dieta variada, os escravos tambm comiam mandioca e frutas, apesar da base do feijo. Havia entre os habitantes da colnia, por outro lado, tabus alimentares que NO permitiam uma mistura completa do feijo e das carnes com outros legumes. Pergunta Elias: Como poderiam fazer nossa conhecida feijoada? Na Europa, sobretudo a mediterrnica, havia - e h - um prato tradicional que remonta pelo menos aos tempos do Imprio Romano: uma mistura de vrios tipos de carnes, legumes e verduras. H variaes de um lugar para o outro, porm um prato bastante popular e tradicional. Em Portugal, o cozido; na Itlia, a casoeula; na Frana, o cassoulet; na Espanha, a paella, esta feita base de arroz. Esta tradio vem para o Brasil com os portugueses e, medida que se adapta ao paladar local, surge a idia, inaceitvel para os europeus, da incluso do feijo. Nasce a feijoada. Para Cmara Cascudo o feijo preto de todo dia, com carne, gua e sal, apenas feijo. "H distncia entre feijoada e feijo. Aquela subentende o cortejo de carnes, legumes, hortalias." Essa combinao s ocorre no sc. XIX, e bem longe das senzalas. Em artigo escrito num jornal de Pernambuco, em maro de 1840, o padre Miguel Gama condenava a "feijoada assassina", escandalizado pelo fato de que era muito apreciada por homens sedentrios e senhoras delicadas da cidade. importante lembrar que as partes salgadas do porco, como orelha, ps e rabo, nunca foram restos. Eram apreciados na Europa, enquanto o alimento bsico nas senzalas era uma mistura de feijo com farinha. Uma das referncias mais antigas que se conhece a feijoada em restaurantes, est no Dirio de Pernambuco de 7 de agosto de 1833, no qual o Hotel Thatre, do Recife, informa que s quintasfeiras seria servida "feijoada brasileira". No Rio de Janeiro, a meno feijoada servida em restaurante aparece pela primeira vez no Jornal do Commercio de 5 de janeiro de 1849. O historiador Rodrigo Elias cita ainda em seu artigo outros exemplos de degustao da feijoada por indivduos de extrao nobre. Destaca que o livro O Cozinheiro Imperial, de 1840, assinado por R.C.M., traz receitas para cabea e p de porco, alm de outras carnes - com a indicao de que sejam servidas a "altas personalidades". Um cronista brasileiro da segunda metade do sc. XIX, Frana
Jnior, dizia que feijoada no era o prato em si, mas o nome de uma comemorao entre amigos, a "patuscada", na qual comiam todo aquele feijo. Hoje em dia h vrias receitas, trata-se de um prato em construo, j afirmava Cmara Cascudo h 40 anos. Em alguns lugares do Brasil, consumido no inverno. No Rio de Janeiro, vai mesa de vero a vero, dos botecos mais baratos aos restaurantes mais sofisticados. O sabor mas tambm a ocasio que garantem o sucesso da feijoada.
Anncio de 1848 no Jornal do Commercio do Rio: (extrado de Rodrigo Elias, op.cit.) Na casa de pasto junto ao botequim da Fama do Caf com Leite tem-se determinado que haver em todas as semanas, sendo s teras e quintas-feiras, a bella feijoada, a pedido de muitos freguezes. Na mesma casa continua-se a dar almoos, jantares e cas para fra, com o maior asseio possvel, e todos os dias h variedade na comida. noite h bom peixe para a ca.