Andrea Pequeno - Socio Juridico
Andrea Pequeno - Socio Juridico
Andrea Pequeno - Socio Juridico
*Assistente Social da Vara da Infncia, da Juventude e do Idoso da Capital / Tribunal do Rio de Janeiro. Conselheira do Cress 7 Regio RJ nas Gestes 2002/2005 e 2005/2008. Membro da Comisso Scio-Jurdica do Cress 7 Regio no perodo de 2003/2006
Tenho observado que ao longo dos ltimos anos os assistentes sociais vm se dedicando a pensar sobre o campo scio-jurdico, mas ainda h pouca produo bibliogrfica nesta rea, na qual h registros da insero profissional desde os anos 1930. Assim, imperativa a dimenso investigativa de nossa interveno, a sistematizao da prtica profissional, bem como a divulgao do contedo de eventos como este para alimentar o debate e, certamente, incentivar a realizao de outros eventos que promovam a reflexo sobre a interveno profissional nesta arena scio-ocupacional. Scio-jurdico um tema recente entre ns e vou tentar resgatar brevemente sua constituio no seio do Servio Social. Foi no X Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em 2001, ocorrido no Rio de Janeiro, que tivemos pela primeira vez uma sesso temtica denominada Servio Social e o Sistema Scio-jurdico, a qual gerou uma agenda poltica que deveria orientar a ao poltica das entidades representantes da categoria. Neste mesmo evento aconteceu o lanamento da edio n 67 da Revista Servio Social e Sociedade, da Editora Cortez, que versou sobre Temas Scio-Jurdicos e foi adquirida celeremente pelos profissionais presentes ao Congresso. No ano de 2002 novos assistentes sociais assumem as gestes dos Cress e do CFESS e, no Rio de Janeiro, estive entre um dos dezoito profissionais a compor o grupo de conselheiros. Dentre as aes elencadas pela gesto do meu estado, uma delas apontou a fundao da Comisso Temtica Scio-Jurdica como fruto do reconhecimento da demanda da categoria que, principalmente no X CBAS, revelou-se vida por discutir as particularidades do exerccio profissional neste campo de atuao profissional. Como trabalhava no Tribunal de Justia, fui uma das que participou do processo de construo desta Comisso scio-jurdica, que seria a primeira do Brasil no mbito do Conjunto CFESS / Cress. poca no havia acmulo sobre que parcela da categoria estaria abarcada por esta rea temtica. luz do ocorrido no X CBAS/2001 ousamos contemplar os profissionais que atuavam no Poder Judicirio, nas unidades penitencirias, no Ministrio Pblico e nas unidades de cumprimento de medidas scio-educativas. Definir estas instituies foi importante, pois precisvamos de uma metodologia para mobilizar a categoria a participar desta indita Comisso Temtica. Assim, o CRESS convidou os profissionais para reunies por instituies, nas quais se apresentou a proposta de criao da Comisso e se definiu representantes de cada uma das instituies para comp-la. Inicialmente as aes da Comisso foram traadas com base na agenda poltica para a rea scio-jurdica aprovada no CBAS. Em um dos eventos que a Comisso realizou pudemos contar com a presena da colega Elisabete Borgianni2 como palestrante. Naquela ocasio, a mesma foi indagada a respeito da
Palestra proferida no evento intitulado Encontro de Assistentes Sociais do Sistema scio-jurdico paranaense, realizado em 26 de junho de 2008, promovido pelo Programa de Mestrado em Servio Social e Poltica Social da Universidade Estadual de Londrina.
nomeclatura Scio-jurdico e esclareceu que a Editora Cortez desejava fazer o lanamento de uma edio especial da revista Servio Social e Sociedade, com textos sobre um campo de atuao demarcado por pouca produo bibliogrfica, tendo sido escolhidas as reas penitenciria e do judicirio. Para a capa da revista definiu-se o ttulo Temas Sciojurdicos.3 No Rio de Janeiro a ateno ao campo sociojurdico permeou tambm o contexto da Comisso de Orientao e Fiscalizao do Exerccio Profissional / Cress 7 Regio se dedicou a fazer visitas a todas as unidades do Ministrio Pblico, Tribunal de Justia, sistema penal, unidades de cumprimento de medidas scio-educativas, levantando dados sobre o exerccio profissional, os quais foram sistematizados e devolvidos para a categoria por meio de eventos institucionais. So dados preciosos que revelam a realidade profissional do contexto do Rio de Janeiro: a formao acadmica, graduao e formao continuada, condies de trabalho, a interlocuo do profissional com o aparato tico normativo da profisso, a organizao poltica da categoria. Em setembro de 2004 o Conjunto CFESS / Cress realiza o I Encontro Nacional Sciojurdico, em Curitiba, o qual possibilitou que os profissionais de todo o Brasil pudessem se encontrar e partilhar experincias e mapear a realidade nacional. Nesta oportunidade foi possvel identificar diferenas nas condies efetivas de trabalho, desde a condio fsica at a remunerao, bem como emergiram algumas angstias da categoria e demandas por normatizao, pelo CFESS, de questes importantes para o exerccio profissional, ficando explcita a necessidade de debates sobre a realidade profissional em todo o pas. Esse encontro aprovou um relatrio, que podemos considerar um primeiro retrato da realidade nacional da categoria neste campo scio-ocupacional. Aos poucos vrios Cress tm construdo suas comisses temticas do scio-jurdico e vrios eventos e debates tm sido realizados pelo pas. Estes so alguns dados sobre o surgimento do scio-jurdico para o Servio Social, temtica que est se fortalecendo. Embora este campo englobe instituies distintas, com particularidades e especificidades para o exerccio profissional, no h duvidas que existem questes que demarcam a interveno para alm da instituio onde se est alocado. Avalio que algumas questes so gerais, apesar das singularidades de cada instituio. Falar destas questes importante para enfrentar os desafios e para amadurecer a interveno profissional luz do projeto tico-poltico construdo pela categoria. Este projeto tem enfrentado muitas dificuldades, sendo fundamental defend-lo para que no seja transfigurado pela conjuntura neoliberal, que viola direitos e investe na desregulamentao do mundo do trabalho. E me parece que nesta perspectiva que estaria se colocando o Tribunal de Justia aqui no Paran ao propor a contratao, sem vnculos empregatcios mas a partir de um cadastro, dos servios dos assistentes sociais, descumprindo a norma constitucional que prev a consolidao de quadro de funcionrios concursados para as instituies pblicas. Quero destacar alguns elementos importantes que vim identificando ao longo de minha atuao profissional no campo scio-jurdico. O primeiro se refere a uma espcie de autorizao que as instituies desta rea tm para interferir na vida privada. So instituies pblicas cuja razo de existir expressa a probabilidade de intervir na vida do sujeito, embora
Elisabete Borgianni foi assessora temtica do X CBAS / 2001 e responsvel pela assessoria editorial da Revista Servio Social e Sociedade. 3 Um relato mais detalhado a respeito pode ser encontrado na Revista Em Foco: O Servio Social e o Sistema Sociojurdico, editada pelo Cress 7 Regio, ano 2004, pginas 43 a 45.
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esta interveno se efetive por caminhos diferentes. Tm como perspectiva o controle das relaes sociais e podem, at, usar,para este controle, a represso, a coero, prticas autoritrias dos profissionais, que determinam interveno na vida privada das pessoas, ainda que esta ingerncia possa ser pleiteada pelo prprio sujeito. Como exemplo temos o papel do Poder Judicirio nas aes de adoo. Esta ao judicial implica na intromisso na vida privada, abrangendo a condio de vida da genitora e dos futuros pais. O mesmo acontece para as demais reas, perfazendo-se ainda mais repressiva tal interveno, porque no so os adolescentes em conflito com a lei e nem os rus de aes criminais que solicitam a interveno. Ainda assim, muitas vezes tm suas vidas invadidas em sua plenitude, em nome da garantia de melhores condies de vida para a sociedade e at para o prprio sujeito infrator, embora se saiba o quo distante est tal garantia. Tal como as unidades penitencirias que, institudas tambm sob a perspectiva de ressocializao dos indivduos, esto muito distantes de realizarem tal promessa. Hoje dados revelam que esta modalidade de interveno do Estado na vida dos sujeitos tem contornos de violao de direitos. Isso nos atinge, pois estamos inseridos neste contexto institucional e somos os profissionais que vamos penetrar na intimidade da vida das pessoas quando estamos a realizar as entrevistas, os pareceres sociais, os exames criminolgicos que nos so requeridos pelas autoridades. Esta requisio que a instituio nos apresenta da maior importncia e precisamos estar atentos sobre como lidamos com a mesma, pois seu cumprimento tem importncia crucial para a vida da populao carcerria e mesmo para o significado de nossa profisso. No campo scio-jurdico ocupa centralidade na vida laborativa dos assistentes sociais a elaborao do parecer social, o qual a expresso da nossa avaliao sobre aquela situao e exige de ns um mergulho na vida alheia. Na maioria das vezes ele no pressupe autorizao do sujeito para que se cumpra a invaso em sua vida: tal ocorrncia se efetiva como expresso do poder que est institudo no sistema scio-jurdico e nos profissionais que nele atuam. E como se lida com este poder, com a invaso da privacidade alheia? A produo do parecer social, o produto do nosso trabalho, contribui para a construo de um modelo de sociedade; no se pode esquecer que nossa prtica est vinculada a um projeto societrio e a um projeto profissional. Cada ao se coloca numa perspectiva de garantia ou violao de direitos. Outra caracterstica importante das instituies deste campo que parecem primar pela burocracia, a qual tambm interfere no fazer profissional; expressa em papis, a burocracia corrobora para que se transformem o sujeito em papel e vidas em nmeros, processos. H uma incessante produo de pareceres, exames, relatrios, que alimentam as estatsticas e, por vezes, inviabilizam que priorizemos a dimenso pedaggica do nosso exerccio profissional. Como enfrentar esta realidade? Se, de um lado, da apresentao do parecer depende uma deciso que uma autoridade vai tomar sobre a vida do sujeito, por outro a ausncia da expresso pedaggica e educativa de nossa ao traz prejuzos para o processo de emancipao da populao usuria. Temos que pensar sobre o contedo que colocamos nestes relatrios, pareceres e exames e que est submerso no binmio garantia e violao de direitos. Em que medida tais documentos tm revelado as contradies que demarcam a realidade da vida social que traz implcita a violao de direitos?
Os pareceres sociais deveriam expressar as desigualdades sociais decorrentes do modo capitalista de organizao societria, situando-as no contexto neoliberal de violao de direitos. recorrente a categoria se sentir sobrecarregada com a quantidade de trabalho e com os exguos prazos para a elaborao dos pareceres sociais. Para cumpri-los meio que nos distanciamos de uma possvel prtica pedaggica e emancipatria. Assim, destaco que a escrita de um projeto de interveno profissional fundamental, porque vai orientar o cotidiano da atuao, por vezes demarcado por uma tica de criminalizao dos pobres. O movimento de redemocratizao deste pas, a construo do novo ordenamento jurdico, expresso na Constituio de 1988 e no conjunto de leis construdo a partir dela, ofertou para ns um cenrio que prometia avanos na perspectiva da garantia de direitos e na forma de lidar com a questo das desigualdades sociais, com a misria que massacra a populao. Conseguimos construir um aparato normativo que prev o acesso a inmeros direitos. No entanto, esta conquista tem sofrido o ataque de movimentos conservadores que defendem seu retrocesso, que no reconhecem os direitos da populao a uma vida com dignidade, o que tem expresso nas inmeras propostas de polticas sociais e at mesmo de projetos de leis que se circunscrevem a tica da criminalizao e aprisionamento dos pobres, em especial da nossa juventude, e de um atendimento assistencialista. Vrias pesquisas mostram que uma parcela da populao brasileira vem morrendo, ainda na juventude, em razo de vrias questes, o que expresso da fragilidade das polticas sociais, as quais no foram ainda devidamente implementadas neste pas. Temos identificado propostas absurdas que se colocam na contramo da garantia de direitos e so, por vezes, maquiadas como avanos, mas quando as analisamos com profundidade percebemos que esto demarcadas pela tica da criminalizao de uma parcela de nossa populao. Um exemplo a proposta denominada Depoimento sem danos, originada no sul do pas, e defendida por um juiz de Direito que atua na rea da infncia e juventude. Tal proposta apresenta uma nova forma de ouvir crianas e adolescentes, vtimas de violncia sexual, em audincias. Este pblico no seria inquirido diretamente pelo juiz, mas por um profissional de confiana da autoridade judiciria, geralmente o assistente social ou o psiclogo; o depoimento seria gravado e constaria nos autos. O juiz continua com sua autoridade, no pedestal, detentor do seu poder, distante da populao e protegido do encontro com as emoes e das dificuldades que a vida impe ao trabalhador. O depoimento, gravado, pode ser assistido vrias vezes e por todas as instncias julgadoras. Contudo, est previsto no ordenamento jurdico que tarefa do juiz a inquirio das partes em audincia; no h previso de que seja atribuio do assistente social. Porm, tal tarefa foi transferida para os assistentes sociais e psiclogos, que so convocados para o papel de inquiridor em nome da defesa do melhor interesse da criana e do adolescente. Porm, a preocupao com a garantia dos direitos deste publico infanto-juvenil parece estar reduzida ao mbito da violncia sexual (onde difcil consolidar provas contra o acusado), cabendo indagar por que os adolescentes em conflito com a lei no esto contemplados com esta proposta de oitiva mais humanizada, realizada por outros profissionais especializados. Penso que este elemento j possibilita colocar em xeque a maquiagem da garantia dos direitos das crianas e adolescentes que vem acoplada defesa do denominado Depoimento sem danos. Parece-me que esta prtica est comprometida, de fato, com a consolidao de prova material que o depoimento da criana para responsabilizar o acusado, j que o depoimento de uma criana sensibilizaria, emocionaria as autoridades que iro julgar a lide. 4
A defesa desta modalidade de inquirio uma proposta sria, h um projeto tramitando para legaliz-la e, no por acaso, defendido por entidades que congregam profissionais denominados operadores do Direito. O Conselho Federal de Psicologia j se manifestou contrrio participao daquela categoria nesta proposta. O Conjunto CFESS/CRESS est apreciando esta metodologia de inquirio e preciso que a categoria discuta a proposta do Depoimento sem danos e se posicione tambm, o que, certamente, no ser fcil, pois temos colegas que esto executando e defendendo nossa participao nesta experincia. O CFESS encomendou pareceres a respeito desta metodologia a um colega que defende nossa contribuio a esta prtica e a outro que no favorvel. Acredito que os documentos possam ser acessados na pgina eletrnica do Conselho Federal. Ainda sobre o campo scio-jurdico, quero destacar uma perspectiva de atuao profissional que parece demarcar nosso fazer profissional neste campo. Nossa categoria tem tradio de atuao no cenrio da execuo final das polticas sociais, mas nossa interveno profissional nesta rea balizada pela perspectiva da assessoria, e isso me parece algo novo, ainda no maturado pelo Servio Social: o exerccio profissional expresso na atribuio da assessoria. Nosso trabalho, que por vezes se expressa em um parecer social, se apresenta como uma subveno para uma autoridade tomar deciso sobre algo. Logo, em ltima instncia, esta deciso no nossa: cabe-nos produzir os pareceres para ofertar subsdios para que o outro decida sobre vida de sujeitos. Parece-me que isto tem se revelado grande desafio para os assistentes sociais, pois estamos habituados a definir as situaes. Ainda que trabalhemos na ponta, muitas vezes o assistente social quem avalia se o sujeito preenche os critrios para ser inserido no programa, o encaminha para este ou para aquele servio (quando existe), e isto nos confere certo poder efetivo de deciso. Na elaborao do parecer para subsidiar a deciso, que prerrogativa de uma autoridade, tambm temos um poder, pois o contedo de nosso parecer, se acatado, poder definir contornos para a vida de inmeros cidados. No entanto, este poder se expressa de forma diferenciada, porque a deciso final no nossa atribuio e, portanto, pode se apresentar de forma distinta do que foi proposto no parecer que elaboramos. Quando isto ocorre, o que no me parece ser freqente, percebo que alguns colegas parecem se sentir ofendidos, tm dificuldades em lidar com este fato. Assim, considero que precisamos amadurecer o significado da assessoria no contexto do campo scio-jurdico. O nosso fazer profissional luz do projeto tico poltico do Servio Social vem encontrando desafios importantes no campo scio-jurdico e para super-los precisamos aprofundar o debate sobre o exerccio profissional nesta rea, investir na dimenso investigativa e na sistematizao da prtica profissional para conhecermos intimamente o nosso fazer profissional. Isto exige superar o perfil profissional burocrtico, compreender nosso papel em cada uma das instituies, como as mesmas se colocam no processo de organizao societria, qual a correlao de foras, e como possvel construir parcerias neste contexto. Ressalto que no exerccio da profisso de assistente social estamos submetidos a um ordenamento normativo especfico, do qual destaco o Cdigo de tica Profissional de 1993, que est fazendo quinze anos agora em 2008. Ele define nossos compromissos tico-polticos, aos quais devemos dar vida no nosso cotidiano profissional. So onze princpios absolutamente interligados, cuja realizao extrapola o sujeito profissional individual e exige interlocuo com outras categorias profissionais, com a sociedade, com movimentos sociais e com a massa usuria dos nossos servios. 5
Para que possamos, de fato, nos fortalecer e organizar melhor o fazer profissional parece-me ser fundamental a construo factual de um projeto de interveno profissional. Pelo que tenho acompanhado a maioria da categoria no se dedica a escrever seu projeto de atuao, no define os objetivos do trabalho, as metas, a metodologia. Ao no faz-lo, fragilizamo-nos, ficando suscetveis de sermos engolidos pela burocracia institucional, pela lgica que nos exige produo quantitativa para alimentar a estatsticas. A elaborao de um projeto de interveno profissional exige que paremos para pensar sobre nossa prtica profissional, implica numa etapa de avaliao e nos oportuniza repensar nosso fazer profissional. Exige que tenhamos clareza dos objetivos do nosso trabalho, que no so, necessariamente, os mesmos da instituio. Ainda que consigamos compreender que os objetivos do trabalho so distintos de instrumentos e tcnicas do fazer profissional e das atribuies. Abordo esta questo, pois tenho observado que alguns colegas confundem todos estes elementos que constituem a atuao profissional e isto apareceu nos dados que os agentes fiscais do Cress 7 Regio levantaram nas visitas de fiscalizao ao campo sciojurdico. H, tambm, meno a respeito no livro O Servio Social e a realidade da criana e do adolescente, Caderno I, produzido pelo Cress 9 Regio/SP. Ora se temos dificuldades com isto e consideramos que fazer visita domiciliar nossa atribuio e no um instrumento do nosso fazer profissional como queremos que outras categorias compreendam melhor o Servio Social ? Se ns algumas vezes fazemos esta confuso, imaginemos aquele que no assistente social! Imaginemos o empregador! Outro elemento importante a ser destacado a tica do atendimento individualizado, atendimento ao indivduo. As prticas coletivas de atendimento quase inexistem no campo scio-jurdico. No estou desvalorizando o atendimento individual, mas estou provocando a reflexo a respeito da importncia de uma prtica que priorize e valorize a dimenso do coletivo. Por vezes a demanda nos chega individualizada. Por exemplo, uma requisio de estudo social da situao de um sujeito expressa em um processo judicial ou a realizao de relatrio de um menino em privao de liberdade. Mas isto no significa que precisemos atuar sob esta tica. Destaco, ainda, a importncia do investimento permanente na nossa formao profissional. A graduao em Servio Social oferece uma formao generalista que nos possibilita atuar em infinitas reas. Porm, quando ingressamos em um campo ocupacional, ele nos convoca a conhecer sua realidade, suas particularidades. E precisamos, ento, estudarmos sobre as questes que permeiam este campo de atuao e comear a construir o domnio de um saber mais especializado daquele contexto. Principalmente por que nestas instituies do campo scio-jurdico nossa atuao tem carter de assessoria, o que exige um saber especializado sobre o assunto sobre o qual nos pronunciaremos. Quando voc sabe muito de alguma coisa chamado para oferecer elementos ao outro sujeito que, no tendo este conhecimento, vai usufruir do seu saber para tomar uma deciso. A formao continuada fundamental, sobretudo por que a realidade dinmica. Pensemos o que era trabalhar na Vara da Infncia antes do Estatuto da Criana e do Adolescente? Hoje outra coisa. Portanto, preciso se atualizar. Se no crio o movimento de ir atrs do saber, minha atuao profissional fica fragilizada e o produto do meu trabalho, empobrecido. Por exemplo, os elementos, o saber que preciso para construir um parecer sobre adoo, so distintos dos que preciso para um parecer sobre abuso sexual. Embora tenhamos registros da atuao do Servio Social no mbito do Judicirio desde meados de 1930 e no sistema penal desde 1950, temos uma fragilidade na formao continuada e no exerccio da dimenso investigativa da prtica profissional, da sistematizao 6
do fazer profissional e, conseqentemente, certa pobreza na produo terica sobre o conhecimento do campo scio-jurdico. Nosso longo tempo de permanncia nestas instituies est em descompasso com o saber que vimos produzindo. Ouso apresentar a hiptese de que esta escassa produo bibliogrfica sobre est rea do fazer profissional guarda relao com a resistncia que os profissionais que nela atuam possuem de exercerem a atribuio de supervisores de estgio. Pelo menos no Rio de Janeiro, avalio que o campo scio-jurdico ainda no se consolidou como campo de estgio. Isto enclausura ainda mais os profissionais aos limites da instituio, descolando a interveno da interlocuo com a Universidade, com o processo de formao, quando esse contato com o estgio curricular favorece a formao continuada do supervisor, porque o aluno nos traz questes s quais temos que dar resposta. Por vezes, os colegas justificam tal resistncia pelo excesso de trabalho, e tambm dizem no se sentirem em condies de assumir a superviso, como se para ser assistente social eu tivesse que saber X e, para ser supervisor, X + Y. Tal perspectiva parece-me complicada, pois o exerccio da profisso de assistente social exige um profissional qualificado para executar todas as atribuies previstas na Lei 8662/93 e a superviso de estgio uma delas. No quero banalizar esta atribuio, no fcil exerc-la, no fcil lidar com o estagirio, mas tambm no fcil lidar com a produo de pareceres que vo contribuir para decidir sobre a vida de outros. Ser assistente social enfrentar tarefas que so desafiadoras, e quando ns recusamos a assumir a superviso de estgio estamos colaborando para a escassez da produo de conhecimento sobre o fazer profissional no campo scio-jurdico, pois recorrente que os alunos elaborem suas monografias sobres os campos de estgio. Quero ainda abordar um ltimo elemento que se refere ao debate sobre os direitos humanos do qual considero que a categoria ainda est muito distante, embora o assunto guarde uma ntima relao com o que est posto no Cdigo de tica do Assistente Social de 1993. Alm disso, a conjuntura vem apresentando questes de muita relevncia para o Servio Social: refiro-me aos debates sobre a pena de morte, sobre a reduo da idade penal, sobre a ampliao do tempo de aprisionamento dos sujeitos, os quais em sua maioria so pobres e negros, como revelam as pesquisas que traam o perfil dos aprisionados. Precisamos fazer um mergulho no debate dos direitos humanos. Para concluir, tenho que falar sobre as condies de trabalho que demarcam este campo de insero profissional, cuja precariedade se revela nas instalaes fsicas, nos seus equipamentos, na remunerao e forma de contratao, nos frgeis vnculos contratuais do assistente social que, por vezes, no ingressa como funcionrio pblico, o que no particularidade da realidade do Rio de Janeiro. Temos, ainda, a fragilidade da organizao sindical: a categoria no sindicalizada e este ainda um caminho importante para o trabalhador buscar a defesa de seus interesses e direitos. Enfim, existe um conjunto de questes desafiadoras que nos convidam a aprofundar o debate e definir as estratgias de defesa e consolidao do projeto tico-poltico no campo sciojurdico.