ARTIGO 2. Serviço Social e Poder Judiciário
ARTIGO 2. Serviço Social e Poder Judiciário
ARTIGO 2. Serviço Social e Poder Judiciário
ARTIGO
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.206
Resumo: O texto socializa reflexões sobre o Abstract: The text shares reflections about
trabalho profissional junto as necessidades the professional work with the judicialized
sociais judicializadas que requerem dos social needs and that require the social
assistentes sociais no Poder Judiciário um workers in the Judiciary Power a set of
conjunto de conhecimentos e competências. knowledge and skills. Permanent Education
A Educação Permanente surge como propos‑ emerges as a pedagogical proposal for the
ta pedagógica de formação dos trabalhado‑ training of workers and has a mediating
res com função mediadora capaz de propor function capable of proposing competent
respostas competentes às exigências éticas e answers to the ethical and political demands
políticas da profissão. A construção coletiva of the profession. The collective construction
de uma agenda de educação permanente é of a permanent education agenda has
um desafio para os assistentes sociais. become a challenge for social workers.
Palavras-chave: Serviço Social. Poder Judi‑ Keywords: Social Service. Judicial power.
ciário. Educação permanente. Permanent education.
a
Poder Judiciário do Rio Grande do Sul/RS, Brasil.
b
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS, Brasil.
Recebido: 24/6/2019 Aprovado: 9/10/2019
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 155
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
Introdução
V
ivemos tempos de corrosão dos direitos sociais sob comando das
forças de mercado demarcadas pelos ditames neoliberais e que,
por meio das ações governamentais e políticas, vêm definindo
novos arranjos no âmbito das políticas sociais e, concomitantemente,
desprezando as desigualdades sociais estruturais que caracterizam a
sociedade brasileira. São processos que ameaçam também as estrutu‑
ras democráticas, a organização popular e que fomentam novas faces à
exclusão social, atingindo significativa parcela da população. Impactos
sociais, políticos, ambientais e culturais que acirram no cenário brasileiro
as disputas e a necessária busca pela justiça social, uma condição para
a sobrevivência da classe trabalhadora no seio da luta de classes.
Assim, entendendo o Serviço Social como partícipe das respostas que
o Estado e a sociedade têm que dar aos antagonismos de classe, como o
referenciado por Iamamoto (2015), iniciamos essas reflexões introdutórias
reconhecendo que o Serviço Social se inscreve na dinâmica contraditória
de interesses e projetos societários em disputa nos seus espaços ocupa‑
cionais, com suas particularidades, mas, fundamentalmente, trata-se de
uma profissão comprometida com um projeto ético-político. A essência
de tal projeto tem como princípio uma perspectiva crítica da realidade e
como propósito contribuir para a superação da ordem social vigente de
uma sociedade capitalista que mantém sua lógica de produção e repro‑
dução do capital atingindo as condições de vida da classe trabalhadora
(CFESS, 1993).
É no campo sociojurídico que o fenômeno da judicialização dos con‑
flitos e dos direitos sociais se manifesta e os desafios postos à profissão
nos mobilizam para a reflexão que propomos neste artigo. A natureza
jurídica da aplicação da lei, assim como a ética e a política do trabalho do
assistente social tem exigido a busca e a construção de conhecimentos
específicos capazes de atender às necessidades sociais que chegam ao
Judiciário, muitas vezes veladas nos processos judiciais.
156 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
No Brasil, o Poder Judiciário (que é um dos três poderes que compõem o modelo de Estado
1
moderno junto aos Poderes Legislativo e Executivo) está regulamentado nos artigos 92 a 126
da Constituição Federal de 1988, sendo composto pelo Supremo Tribunal Federal, o Conselho
Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribu‑
nais do Trabalho, os Tribunais Eleitorais, os Tribunais Militares e os Tribunais dos Estados e
do Distrito Federal. Na esfera estadual, o Poder Judiciário é composto por: Tribunal de Justiça,
Tribunal Militar do Estado, juízes de direito, Tribunais do Júri, Conselhos da Justiça Militar,
juizados especiais, pretores e juízes de paz.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 157
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
158 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 159
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
160 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
Bueno, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: FTD, 2007.
2
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 161
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
162 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 163
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
No Brasil, a mediação é vista como meio distinto de solução de conflitos. O Código de Processo
3
Civil (Lei n. 13.105/2015) reafirma que na mediação o mediador facilita o diálogo entre as
164 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
pessoas para que elas mesmas proponham soluções (art. 165, § 3º). A outra diferenciação está
pautada no tipo de conflito. Para conflitos objetivos, mais superficiais, nos quais não existe
relacionamento duradouro entre os envolvidos, aconselha-se o uso da conciliação; para conflitos
subjetivos, nos quais exista relação entre os envolvidos ou desejo de que tal relacionamento
perdure, indica-se a mediação. Muitas vezes, somente durante o procedimento é identificado
o meio mais adequado. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao‑
-e-mediacao-portal-da-conciliacao/perguntas-frequentes/85619-qual-a-diferenca-entre‑
-conciliacao-e-mediacao. Acesso em: 10 set. 2018.
Trata-se de uma técnica psicoterapêutica criada pelo alemão Bert Hellinger, usada no Poder
4
Judiciário, pelas varas de família, de pelo menos dezesseis estados, que se mostra eficaz
quando o assunto é disputa de guarda de crianças, alienação parental, inventários e pensão
alimentícia. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86659-constelacao-pacifica‑
-conflitos-de-familia-no-judiciario. Acesso em: 10 mar. 2018.
Ver CFESS, 2008.
5
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 165
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
vezes diz respeito ao coletivo que atua nas diferentes instâncias, e não
somente a um profissional.
O trabalho em rede realizado com a participação do assistente social
judiciário pode incidir no processo de judicialização da questão social e
no fortalecimento das políticas públicas e, fundamentalmente, no aten‑
dimento das necessidades humanas dos sujeitos de direitos. No âmbito
das estratégias profissionais, a reflexão sobre a intersetorialidade se
justifica quando se observa a configuração fragmentada e desarticulada
das políticas públicas no Brasil, a qual obstaculiza o atendimento das
necessidades da população em sua integralidade. Assim, a intersetoria‑
lidade é um pilar estruturante do princípio da integralidade das ações de
algumas políticas públicas, colocando-se como um dos maiores desafios
aos trabalhadores da área (Nogueira e Mioto, 2006).
O lugar estratégico do Serviço Social no Judiciário requer dos as‑
sistentes sociais uma intervenção técnica-operativa que articule com
as políticas sociais, principalmente com aqueles profissionais que tra‑
balham no atendimento da população que enfrenta cotidianamente a
desarticulação dos serviços. A precarização e o desmonte das políticas
públicas, principalmente no âmbito da Seguridade Social, impactam
direto no aumento das demandas judiciais, diante da negação do acesso
aos direitos sociais, principalmente na área da infância e da juventude,
com a instauração crescente de processos judiciais.
166 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 167
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
168 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
Processo Civil (Lei n. 13.105/2015); Lei da Alienação Parental (Lei n. 12.318/2010); Estatuto
do Idoso (Lei n. 10.741/2003); Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984); Lei Violência Domés‑
tica e Familiar contra a Mulher (Lei n. 11.340/2006); Lei n. 9.099/1995, que regulamenta os
juizados especiais criminais; Lei n. 11.343/2006, que regulamenta a política antidrogas; Lei
n. 10.826/2003, que regulamenta o uso de arma; Constituição Federal de 1988 (art. 5º, entre
outros); marcos regulatórios: Sistema Único de Saúde (Lei n. 8.080/1990), Sistema Único de
Assistência Social (Lei n. 12.435/2011).
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 169
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
170 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
Considerações finais
O Serviço Social brasileiro vem se consolidando como uma profissão
marcada por uma direção social crítica e democrática, modificando-se
no contexto das relações sócio-históricas da sociedade, as quais são
permeadas pela disputa de projetos societários e das classes sociais nas
respostas às múltiplas expressões da questão social. Pensar o Serviço
Social no Poder Judiciário — em um cenário de rearticulação de forças
conservadoras que buscam instaurar uma agenda neoliberal no campo
econômico e social, com graves consequências no campo dos direitos e
políticas sociais conquistados historicamente — implica a reafirmação de
compromissos. A postura ético-política e o aprofundamento dos funda‑
mentos para o trabalho profissional são necessários para a compreensão
do movimento contraditório da realidade e para a construção de estraté‑
gias de resistência, de ampliação da participação da população usuária
e afirmação da cidadania é um caminho.
A crescente judicialização da questão social na busca pela garantia
da efetivação de direitos sociais é um desafio para a construção de estra‑
tégias coletivas de ação que envolve, dialeticamente e de maneira tênue,
transitar da perspectiva do controle para a da emancipação. A construção
de mediações e acúmulos no que tange à dimensão técnico-operativa,
especialmente a partir de uma perspectiva dialético-crítica, pode superar
concepções praticistas e aproximar a dimensão teleológica do trabalho
na articulação do instrumental, trazendo os fundamentos do Serviço
Social como base para a formação profissional no âmbito do trabalho.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 171
Borba, M.P.; Fernandes, R.M.C.
Referências
AGUINSKY, Beatriz G. Eticidades discursivas do Serviço Social no campo jurídico: no claro-
escuro da legalidade da moral. Tese (Doutorado) — PPG/FSS-PUCRS, Porto Alegre, 2003.
ARAÚJO, R. de. Perícia social judiciária: o modelo de Porto Alegre. Cadernos de Serviço
Social, Campinas, n. 16, 2000.
BORBA, Mariana P. A construção de uma agenda de educação permanente no trabalho dos
assistentes sociais do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado) —
Programa de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social, Instituto de Psicologia,
UFRGS, Porto Alegre, 2019.
BORGIANNI, Elisabete. Para entender o Serviço Social na área sociojurídica. Serviço Social
& Sociedade, São Paulo, n. 115, p. 442-470, 2013.
_______. LEI MARIA DA PENHA. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/ato2004-2006/2006/lei/111340.htm. Acesso em:
3 maio 2017.
172 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020
Serviço Social e Poder Judiciário
IAMAMOTO. Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2015.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Identidade e alienação. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
MIOTO, Regina. C. T. Família e políticas sociais. In: BOSCHETTI, Ivanete et al. (org.).
Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
p. 130-148.
NETTO, J. P. Cinco notas a propósito da questão social. Temporalis, Brasília, ano 2, n. 3,
jan.-jul. 2001.
______. Perspectivas teóricas sobre a questão social no Serviço Social. Temporalis, Brasília,
ano IV, jan.-jun. 2003.
Sobre as autoras
Mariana Pires Borba – Assistente social, mestre em Política Social e Serviço
Social.
E-mail: [email protected]
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 137, p. 155-173, jan./abr. 2020 173