Este documento descreve uma pesquisa de campo sobre a cerâmica do povo indígena Paiter Suruí em Rondônia entre 1970-2010. O estudo analisou os processos de fabricação, matérias-primas, técnicas, funções e mudanças culturais na cerâmica. A pesquisa comparou peças atuais com coleções antigas para verificar continuidade e influência do contato com não-índios.
Este documento descreve uma pesquisa de campo sobre a cerâmica do povo indígena Paiter Suruí em Rondônia entre 1970-2010. O estudo analisou os processos de fabricação, matérias-primas, técnicas, funções e mudanças culturais na cerâmica. A pesquisa comparou peças atuais com coleções antigas para verificar continuidade e influência do contato com não-índios.
Este documento descreve uma pesquisa de campo sobre a cerâmica do povo indígena Paiter Suruí em Rondônia entre 1970-2010. O estudo analisou os processos de fabricação, matérias-primas, técnicas, funções e mudanças culturais na cerâmica. A pesquisa comparou peças atuais com coleções antigas para verificar continuidade e influência do contato com não-índios.
Este documento descreve uma pesquisa de campo sobre a cerâmica do povo indígena Paiter Suruí em Rondônia entre 1970-2010. O estudo analisou os processos de fabricação, matérias-primas, técnicas, funções e mudanças culturais na cerâmica. A pesquisa comparou peças atuais com coleções antigas para verificar continuidade e influência do contato com não-índios.
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Universidade EstaduaI PauIista
"JuIio de Mesquita FiIho"
Instituto de Artes Programa de Ps-Graduao em Artes
Jean-Jacques Armand VidaI
A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia: continuidade e mudana cuIturaI, 1970-2010
So PauIo 2011 Universidade EstaduaI PauIista "JuIio de Mesquita FiIho" Instituto de Artes Programa de Ps-Graduao em Artes
Jean-Jacques Armand VidaI
A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia: continuidade e mudana cuIturaI, 1970-2010
Dissertao submetida UNESP como requisito parcial exigido pelo programa de Ps-Graduao em Artes, rea de concentrao em Artes Visuais, linha de pesquisa processos e procedimentos artsticos, Sob orientao da Prof a . Dr a . Geralda Mendes F. S. Dalglish (Lalada). Para obteno do ttulo de Mestre em Artes.
So PauIo 2011
V648c Vidal, Jean-Jacques Armand, 1960- A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia: continuidade e mudana cultural, 1970-2010 / Jean-Jacques Armand Vidal. - So Paulo, 2011. 142 f.; il.
Bibliografia Orientador: Prof. Dr. Geralda Mendes F. S. Dalglish(Lalada) Dissertao (Mestrado em Artes) Universidade Estadual Paulista, nstituto de Artes, 2011.
1. Cermica Suru Rondnia. 2. Artesanato. . Dalglish, Geralda Mendes F. S.. . Universidade Estadual Paulista, nstituto de Artes. . Ttulo
Jean-Jacques Armand Vidal
A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia: Continuidade e mudana cuIturaI, 1970-2010
Dissertao submetida UNESP como requisito parcial exigido pelo programa de Ps-Graduao em Artes, rea de concentrao em Artes Visuais, linha de pesquisa processos e procedimentos artsticos, Sob orientao da Prof a . Dr a . Geralda Mendes F. S. Dalglish (Lalada), para obteno do ttulo de Mestre em Artes.
Aprovada em: ___/____/____
Banca examinadora
Professora Doutora Geralda Mendes F. S. Dalglish (Lalada). A/UNESP
Professor Doutor Milton Terumitsu Sogabe (suplente). A/UNESP
Agradecimentos
Para esta pesquisa e redao final de mestrado pude contar com o apoio de muitas pessoas e instituies, agradeo principalmente:
A Prof. Dr Geralda Mendes F.S. Dalglish (Lalada), por aceitar me orientar e estar sempre atenta ao desenvolvimento de meu trabalho.
A Prof. Dr Mrcia Angelina Alves, Arqueloga do MAE/ USP Pelo incentivo e apoio pesquisa.
A Prof. Dr Betty Mindlin, antroploga que nos anos 70 e 80 trabalhou entre os Suru, publicando varias obras sobre este povo e que generosamente colocou sua coleo cermica a minha disposio, incentivando tambm meu trabalho.
Ao Prof. Dr. Alberto keda, pelas suas numerosas consideraes durante a banca de qualificao.
Ao Prof. Jos Carlos Levinho, diretor do Museu do ndio- RJ, por facilitar meu relacionamento com os funcionrios da FUNA em Rondnia.
Agradeo tambm a antroploga Lux Vidal pela leitura atenciosa e suas consideraes.
Devo muito tambm, aqui em So Paulo, ao apoio de Beatriz Katinsky pela leitura atenciosa do texto, alm de sua amizade e disponibilidade.
Em Rondnia agradeo a Maria do Carmo Barcellos e sua famlia por ter me acolhido em sua casa, Cacoal Rondnia, em diferentes ocasies e por ter me acompanhado em parte durante minha pesquisa de campo.
Agradecimentos especiais aos ndios Paiter Suru da aldeia Gbgir da linha 14. Em primeiro lugar Uraan Anderson Suru e sua esposa e famlia em cuja casa me hospedei durante a pesquisa de campo. Uraan me acompanhou na maioria das expedies, traduzindo quando necessrio a fala das artess. Agradeo muito tambm ao seu pai Gasadap Suru que me autorizou a fazer esta pesquisa como tambm a Manoel Suru.
Agradeo especialmente as artess: Pamatoa, Gobi, Sobag, Pagopur, mgui, Pamalong, Akapeti, Tereza Suru, Lurdes Suru, Margarida Suru, Susana Suru e Mapinr que sempre me trataram gentilmente, me transmitindo seus conhecimentos com muita pacincia e competncia.
Agradeo ainda aos funcionrios da FUNA de Cacoal, especialmente Ana Nri Santos de Souza pela sua ateno e por nos acompanhar at a aldeia. Como tambm a Laide Ruiz Ferreira, Funcionria da Secretria de Educao de Rondnia.
No posso deixar de mencionar o apoio de Victor Toniceli Balaton do setor tecnolgico SAT cermica da Escola SENA Mario Amato- SP, pelas anlises laboratoriais.
Agradeo ao Programa de apoio a pesquisa do A/UNESP PROAP.
Resumo
Esta pesquisa o resultado de um trabalho de campo sobre um aspecto especfico da cultura material dos ndios Suru de Rondnia, a cermica. A investigao se fez atravs de levantamento etnogrfico, registro fotogrfico e vdeo dos procedimentos utilizados por este povo para fabricar suas peas, verificando a localizao da matria-prima, procedimentos de extrao deste material, possveis temperos agregados a argila, tcnicas de modelagem, queima, tratamento de superfcie e funo utilitria e ritualstica das peas, com nfase nas relaes sociais envolvidas neste processo. Este estudo props-se tambm a recolher e documentar peas cermicas contemporneas, com a finalidade de comparar a produo atual com as colees Suru dos anos 70 e 80 do sculo XX, do acervo particular da antroploga Betty Mindlin, e de peas elaboradas em 2010 na aldeia Gbgir, de modo a verificar, de um lado, a continuidade dos processos tecnolgicos e de outro lado as mudanas culturais, em termos de morfologia, volume, acabamento de superfcie, alm de observar se fatos histricos como os contatos com os no indgenas influram ou alteraram a produo cermica em relao aos processos de manufatura, implementos utilizados, tcnicas empregadas, usos e interferncias nas relaes sociais.
PaIavras chave: Cermica Suru - Cultura material Artesanato indgena - Formas e volumes - Continuidade e mudana cultural - Estado de Rondnia. Abstract
This paper proposes to do a field research about an specific feature of the Rondonian Suru's material culture, particularly the ceramic. The research is carried out through an ethnographic survey, electronic media (video) and photographic register of the procedures followed by this group in making its clay containers. This search also involves trying to investigate their methods in finding the raw material, the extraction of this material, the possible elements added to the clay, the modeling techniques and the firing process. Additionally t intends to verify the possible relations between the manufactured containers and the Suru's myths together with their ritualistic and/or utilitarian function, focusing on the social relations involved in this process. Moreover, This paper also intends to gather and document contemporary ceramic containers comparing the production of the last thirty years of the 20 th
century, to the anthropologist Betty Mindlin's private collection, as well as to the ceramic manufactured in Gbgir settlement in 2010 in order to examine, on one hand, the continuity in the technological procedures and, on the other hand, the cultural changes in relation to the clay pieces morphology, volume, surface finishing, as well as observing if historical facts like the contact with the western society influenced or altered the ceramic production in relation to their manufacturing procedures, implements, morphology and techniques, usage and interferences in their social relations.
Key words: Ceramic material culture Suru from Rondnia Form and volume cultural continuity and change.
Abstract
Esta investigacin es el resultado de un trabajo de campo sobre un aspecto especfico de la cultura material de los indgenas Suru de Rondnia, la cermica. La pesquisa se hizo a travs de levantamiento etnogrfico, registro fotogrfico y vdeo de los procesos utilizados por este pueblo para fabricar sus piezas, verificando la ubicacin de la materia prima, procesos de extraccin de este material, posibles sustancias aadidas a la arcilla, tcnicas de modelado, quema, tratamiento de superficie y funcin utilitaria y ritualstica de las piezas, con nfasis en las relaciones sociales involucradas en este proceso. Este estudio se propone, adems, a recolectar y documentar piezas cermicas contemporneas, con la finalidad de comparar la producin actual con las colecciones Suru de los aos 70 y 80 del siglo XX, del acervo particular de la antroploga Betty Mindlin, y de piezas elaboradas en 2010 en la aldea Gbgir, de modo a averiguar, de un lado, la continuidad de los procesos tecnolgicos y de otro los cambios culturales en trminos de morfologa, volmen, acabado de superficie, adems de observar si hechos histricos como los contactos con los no indgenas han influenciado o han alterado la produccin cermica respecto a los procesos de manufactura, implementos utilizados, tcnicas empleadas, usos e interferencias en las relaciones sociales.
PaIavras chave: Cermica Suru - Cultura material Artesanato indgena - Formas e volumes - Continuidad e cambios culturales - Estado de Rondnia.
Lista das Figuras.
Figura 1: Apoena e Francisco Meirelles na poca do contato com os Suru. Foto autor desconhecido Figura 2: Mapa do Estado de Rondnia, por satlite junho de 1985, em 20/07/2011 www.zonu.com/brasil_mapas_esp/mapa_satelital_foto_imagen_satelite_deforestacio n_estado_rondonia_brasil_3htm. s 12:00 horas. Figura 3: Mapa do Estado de Rondnia- Fonte mapa em 20/03/2011 s 18:00 horas, WWW.guianet.com.br/ro/maparo.htm Figura 4: Mapa T. Sete de Setembro, fonte act_brasil 2008, em 20/07/2011, WWW.equipe.org.br/mapas_dentro.php?tipoid=5 Figura 5:. Casa tradicional Suru. Foto Betty Mindlin, 1982. Figura 6: Casas Suru atuais da linha 14. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 7: Banners de divulgao dos projetos culturais Suru. Figura 8: Apetrechos de tralhas domsticas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 9: Grfico do percentual de famlias que praticam atividade de coleta. Fonte Associao Metarela, 2010. Figura 10: Percentuais e nmeros de famlias que praticam os diversos tipos de coleta no total das 158 famlias entrevistadas. Fonte associao Metarela, 2010. Figura 11: Sada da aldeia para buscar argila. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura12: Artes entrando na mata carregando cesto-cargueiro ad. Foto Jean- Jacques Vidal, 2010. Figura13: Artes no fundo do igarap seco, procurando argila. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 14 a 22: Extrao da argila. Fotos Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 23: Artess no leito do igarap. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010 Figura 24: Artess limpando a argila. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 25 a 27: Armazenamento da argila. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 28: Fabricao do balaio. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 29 a 31: forrando o Balaio. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 32: Caminho de volta para a aldeia. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 33: Pausa no caminho. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 34: Pausa na chegada. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 35 e 36: Sementes. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 37: Palhoa, ambiente domstico. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 38: Local de produo. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 39 a 41: Umedecendo a argila.Foto Jean-Jacques Vidal. Figura 42 a 46: Seqncia do gesto de sovar a argila. Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 47 a 49: Seqncia da modelagem. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 50: Molde de apoio. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 51 a 53: Seqncia da construo de uma pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 54: Sustentao da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 55: Amarrao da borda da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 56: Alisamento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 57: Polimento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 58: Proteo da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 59: Pr aquecimento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 60: Na roa tirando a casca do breu. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 61: Carregando a lenha. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 62: Preparao do local da queima. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 63: Preparao da estrutura para queima. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 64: Preparao da fogueira. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 65: Emborcando a pea na fogueira. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 66 a 68: Cobrir a pea com a casca de breu. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 69 a 71: Queima. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 72: Fogueira para produzir fumaa. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 73: Esfumaamento. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 74: Entrecasca do jequitib. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 75 e 76: Aplicao do jequitib. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 77: Acabamento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 78: Cesto gameliforme, tampa das peas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 79: Detalhe do tranado. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 80: Pea lobeah. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 81: Pea men-moya. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 82: Pea toruk. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 83: Pea para armazenar jenipapo. Foto Jean Jacques Vidal, 2010. Figura 84: Pea fuso. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 85: Pea soup-soupey. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 86: Panela com tampa de barro. Foto Jean Jacques Vidal, 2010. Figura 87: Reutilizao de cacos. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 88: Acondicionamento das peas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 89: Produo de artefatos. Grfico, fonte Associao Metarela, 2010. Figura 90: Percentual de matrias prima mais coletada. Grfico, fonte Associao Metarela, 2010. Figura 91 e 92: Lbios das peas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 93: Itxirah. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 94: Soup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 95: Toruk. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 96: Lobeup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 97: Itirgup.Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 98: Soup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 99: Itxirah. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 100: Soup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 101: Tabela - porosidade e absoro de gua, fonte relatrio SENA, 2010. Figura 102: Grfico - curva de porosidade, fonte relatrio SENA, 2010 Figura 103: Grfico - curva absoro de gua, fonte relatrio SENA, 2010. Figura 104: Tabela - Anlise qumica, fonte relatrio SENA, 2010. Figura 105 e 106: Superfcie de peas queimadas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2011 Figura 107: Queima redutora. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 108: Microscopia. Foto, fonte relatrio SENA, 2010. Figura 109: Microscopia. Foto, Fonte relatrio SENA, 2010. Figura 110: Tintura de jequitib. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 111: Radiografia de uma pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 112: Vasilha lobeah com peixe e milho. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 113: Crianas com a me. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 114: Artes Pamatoa. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 115: Preparao das crianas para o ensaio da festa Mapimi. Foto professora Dilma 2006. Figura 116: Ensaios da festa ritualstica do Mapimi. Foto professora Dilma, 2006. Figura 117: Desenhos. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 118: Metare. Foto Betty Mindlin, 1982. Figura 119: Roa. Foto Betty Mindlin,1982 Figura 120: Mapima. Foto Betty Mindlin, 1982 Figura 121: Mapima. Detalhe foto Betty Mindlin, 1982 Escola. Figura 122: Bebendo Makaloba. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. ( painel exposto na casa da cultura Apoena Meireles). Figura 123: Cozinhando a sopa. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 124: Modelagem de uma pea. Foto Jesco Von Puttmaker, 1970. Figura 125: Modelagem de uma pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. Figura 126: Reutilizao de um caco cermico. Foto Jesco Von Puttmaker, 1970. Figura 127: Reutilizao de um caco cermico. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACT Brasil Equipe de Conservao da Amaznia CERNC Centro de Reabilitao Neurolgica nfantil de Cacoal EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria FUNA Fundao Nacional do ndio FUNASA Fundao Nacional de Sade AM nstituto de Antropologia e Meio Ambiente BAMA nstituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis BDF - nstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal BGE - nstituto Brasileiro de Geografia e estatstica EB nstituto nternacional de Educao do Brasil FAM nstituto Federal do Amazonas NCRA - nstituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria SA - nstituto Socioambiental KANND Associao de Defesa Etno Ambiental METAREL Associao Metareil do Povo ndgena Suru ONG - Organizao No-Governamental PACA Proteo Ambiental Cacoalense PC - Projeto ntegrado de Colonizao PN - Programa de ntegrao Nacional POLAMAZNA - Programa de Plos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia PLANAFLORO Plano Agropecurio e Florestal de Rondnia POLONOROESTE - Programa ntegrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil PND - Plano Nacional de Desenvolvimento SENA - Servio Nacional de Aprendizagem ndustrial T. Terra ndgena
TabeIa Peridica dos eIementos Qumicos
C - Carbono O Oxignio NA Sdio MG Magnsio Ca Clcio AL Alumnio Si Silcio CL Cloro K Potssio Ti Tlio Fe Ferro
SUMRIO
INTRODUO....................................
CAPTULO 1: Contexto histrico e sntese bibliogrfica da ocupao do Estado de Rondnia aos primeiros contatos com os ndios Suru ................... Os primeiros contatos dos ndios com os indigenistas................. Anotaes sobre a organizao social e poltica dos Suru.............. Diviso sexual do trabalho............................
CAPTULO 2: Estudo do processo para produo cermica....................
Extrao da matria prima............................ Local de trabalho................................ Tcnicas de modelagem............................. Acabamento antes da queima............................ Secagem........................................ Queima..................................... Acabamento aps a queima............................ Uso da cermica................................. Reutilizao ou descarte dos cacos cermicos.................... Comercializao.................................
CAPTULO 3: Anlise tecnotipolgica da cermica Suru...................... Anlise das formas................................ Anlise laboratorial: componentes das argilas, presena de pinturas vegetais ou minerais de superfcie e temperatura de queima ......................
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CAPTULO 4: A presena da Cermica nos mitos e ritos...................... A cermica nos mitos............................... Rituais no processo de produo cermica....................
Esta dissertao visou elaborar uma etnografia da cultura material cermica do povo indgena Suru, com nfase na pesquisa de campo. Props ainda, recolher e documentar peas cermicas contemporneas, com a finalidade de comparar a produo atual com as colees Suru dos anos 70 e 80 do sculo XX, do acervo particular da antroploga Betty Mindlin, e de peas elaboradas em 2010 na aldeia Gbgir, de modo a verificar, de um lado, a continuidade dos processos tecnolgicos e de outro lado, as mudanas culturais. A partir dos dados recolhidos, procurou-se prosseguir no sentido de observar se fatos histricos, como os contatos com no ndios, influram ou alteraram a produo cermica em relao aos processos de manufatura, implementos utilizados e tcnicas empregadas, alm da interferncia do uso de utenslios industrializados. Procurou-se ainda avaliar as mudanas em relao obteno da matria prima tendo em vista o grande desmatamento ocorrido na regio. O desenvolvimento da pesquisa de campo, para observar a cadeia operatria da cermica Suru, foi feito em Julho de 2010 na terra indgena Sete de Setembro, no Estado de Rondnia, com intuito de analisar a produo cermica atual no que diz respeito escolha de matrias primas e tcnicas de manufatura. Paralelamente realizou-se um estudo comparativo tecnotipolgico e morfolgico em 40 peas cermicas Suru das colees citadas acima. Sabemos da existncia de peas cermicas Suru no acervo do Museu do ndio - FUNA, RJ. No nos foi possvel, por enquanto conhecer esta coleo, apesar do interesse demonstrado pelo diretor do museu, professor Jos Carlos Levinho, em apoiar a produo e valorizao de artefatos Suru assim como sua comercializao. Estudar a cermica Suru envolve muito mais do que apenas o fator cermico. Sabemos que em uma sociedade indgena a cultura material se insere em um universo maior, que incluem as relaes sociais, a relao com a natureza e com a sobrenatureza. A arte e mesmo as prticas tecnolgicas no ficam desligadas destas outras dimenses. Sendo os ndios, em sua maioria, grandes ceramistas sempre nos interessamos em pesquisar e ler sobre este assunto. Foi assim que conhecemos melhor cermicas como as dos Assurini, Palikur, Galibi, Kadiweu,
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Maxacali como tambm e especialmente peas arqueolgicas como as da cultura Santarm e Marajoara entre outras. Ficava claro para ns que para a maioria das sociedades indgenas a decorao dos recipientes cermicos era tambm um modo de expresso esttica, reveladora da identidade de um povo e de sua maneira de interpretar o mundo. Em 1986, pela primeira vez, tivemos a oportunidade de visitar a cidade de Cacoal em Rondnia. Naquela ocasio, enquanto ceramista, fomos chamados para montar um atelier de cermica no Centro de Recuperao Neurolgico de Cacoal- CERNC, cujo objetivo era o de estruturar o atelier de forma a atender a populao local e os prprios alunos do CERNC, alm de formar dois responsveis pelas atividades e produes cermicas. Nesta ocasio ficamos hospedados na casa de uma das fundadoras deste centro, Maria do Carmo Barcellos que tambm conhecia bem os ndios desta regio e possua em sua casa peas cermicas dos Suru, eram peas que admirvamos bastante, pelas belas formas e a colorao de tons quentes, sem nenhuma decorao a no ser os matizes provenientes da prpria matria prima. Ao longo destes ltimos trinta anos tivemos vrias oportunidades de voltar a trabalhar nesta regio, mas somente em 2010 nos interessamos em fazer um levantamento aprofundado da cermica Suru. Entendemos que se queramos estudar a cermica deste povo indgena, deveramos acompanhar todo o processo, junto com as ceramistas, observando, alm das tcnicas, os comportamentos, atitudes, gestos e emoes, sempre atentos s explicaes das artess sobre o seu trabalho e sua arte. O primeiro captulo desta dissertao trata do contexto histrico atravs de uma sntese bibliogrfica, fazendo um breve levantamento da colonizao da Amaznia, mais especificamente do Estado de Rondnia a partir dos anos 70 do sculo XX, perodo no qual foram feitos os primeiros contatos com o povo Suru. O segundo capitulo, diretamente relacionado pesquisa de campo, procura verificar o estudo da cadeia operatria da produo dos artefatos cermicos. Neste captulo esto relacionados os processos da produo cermica, tais como: a retirada da matria prima, ferramentas utilizadas, local de trabalho, tcnicas de modelagem, acabamentos de superfcie, secagem das peas, queimas, uso social da cermica e comercializao.
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O terceiro captulo consistiu em uma anlise tcnotipolgica e morfolgica das peas. Esta anlise procurou verificar as formas e medidas das peas, tcnicas empregadas e interpretao dos dados obtidos atravs da anlise dos componentes fsico-qumicos realizados pelo Ncleo de Tecnologia Cermica do laboratrio de microscopia da Escola do Servio Nacional de Aprendizagem ndustrial-SENA Mario Amato, a fim de verificar a estrutura do material empregado no fabrico das peas. No quarto captulo verificou-se a presena da cermica nos mitos e possveis rituais que envolvem a produo cermica das artess Suru, alm de relacionar a produo cermica atual com a cermica dos anos 70 e 80 verificando a continuidade e as mudanas culturais ocorridas ao longo do tempo.
O mtodo de observao participante institudo por Malinowski assim como o indutivo e intensivo institudo por Boas foram empregados nesta pesquisa em 2010. Os procedimentos foram os seguintes: acompanhamento de todas as etapas de produo, entrevistas, registro fotogrfico e realizao de um DVD documentando todos os aspectos da produo cermica. Foram executados exames laboratoriais de amostras cermicas via: microscopia de luz transmitida alm de Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) e anlise por EDS (Espectro por Energia Dispersiva). Esses Mtodos empregados foram fundamentais para detectar a estrutura sedimentolgica das argilas, da presena ou no de tempero na argila e verificar quais os componentes de impermeabilizao que foram utilizados nas peas. O estudo tcnicotipolgico das colees particulares formado por 40 vasilhames possibilitou verificar se formas elaboradas no perodo do contato ainda se encontram presentes na produo cermica atual das artess Suru. Nesta dissertao foram empregados alguns conceitos procedentes da escola sociolgica francesa, direcionados arqueologia e etnologia: gesto (Leroi- Gourhan, 1964), habitus (Bourdieu, 1977) e cadeia operatria (Lemonnier, 1976) e a obra de Boas (1927) voltada para o paradigma do particularismo histrico cultural e a noo de esttica e de simbolismo na produo da cultura material e nas atividades produtivas do grupo.
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O conceito de Gesto elaborado por Leroi-Gourhan (1964), refere-se a operaes mentais executadas pelas mos para transformar matrias primas, atravs de tcnicas e materializao na produo da forma fsica do objeto para verificar a continuidade ou a mudana de gestos culturais. Na definio de Bourdieu, o conceito de habitus trata de conhecimentos adquiridos, que se concretizam na prtica no necessariamente de forma consciente. Assim, sem alterar a transmisso de competncias, os indivduos podem transformar esse conhecimento em funo de determinados acontecimentos ou alteraes sejam elas ambientais, sociais ou materiais e que estejam ligadas prtica. (Bourdieu, 1977). Os processos de mudana cultural na teoria de Bourdieu possuem um aspecto muito significativo, pois eles relacionam as prticas sociais s histrias culturais da sociedade. Para esse autor o hbito transmitido ao longo do tempo desempenha um papel ativo dentro de uma sociedade atravs da ao e se transforma atravs dessas mesmas aes. O conceito de cadeia operatria procura caracterizar o processo de produo como: seleo de matrias-primas, energia gasta, tcnicas de montagem e acabamento do artefato, queima, uso e reuso da cermica indgena Surui, centrada nos seguintes autores: Leroi-Gourhan (1943 e 1964) e Lemonnier (1976 e 1983) O conceito de cadeia operatria formado por um encadeamento de tcnicas onde as operaes so articuladas como malhas ao longo de um processo. Tal processo objetiva um resultado, de tal maneira que o observador deve poder reproduzir o ato tcnico, mesmo isolado numa srie em que faz sentido, tanto tecnicamente como socialmente (Balfet, 1991). A introduo do conceito de cadeia operatria foi formada no inicio de 1950, por Marcel Mauss que sublinhou a necessidade de estudar "os diferentes momentos da fabricao, desde o material bruto at o objeto terminado (Mauss, 1947). Em Leroi-Gourhan (1964), no conceito de cadeia operatria "a tcnica ao mesmo tempo gesto e ferramenta, organizados em cadeias por uma verdadeira sintaxe que d s sries operatrias, ao mesmo tempo, sua firmeza e flexibilidade. Para Lemonnier (1983), cadeia operatria o meio pelo qual podemos compreender no s a cultura material, mas as tcnicas como um sistema, objetivando entender os
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processos mentais e materiais envolvidos na tecnologia propriamente dita. (Lemonnier, 1983) Segundo Boas, um valor esttico conferido ao trabalho quando o tratamento tcnico atinge um determinado grau de excelncia e quando o controle dos processos envolvidos tal que algumas formas caractersticas so produzidas. Chamamos arte ao processo sendo que os resultados podem ser julgados do ponto de vista da perfeio formal (Boas, 1927).
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CAPTULO 1 Contexto histrico e sntese bibIiogrfica da ocupao do estado de Rondnia aos primeiros contatos com os ndios Suru
A ocupao do Estado de Rondnia deu-se de diversas maneiras ao longo da sua histria. Desde o Brasil colnia, por este territrio atravessaram diversas expedies como as dos bandeirantes. Pela regio tambm passaram, expedies de captura de ndios realizadas por colonos e aventureiros, missionrios jesutas, comerciantes, militares, empresas com interesse na borracha e posteriormente no minrio e na madeira. Do ponto de vista das polticas pblicas, o Estado promoveu aes de segurana nacional e ocupao do territrio durante o governo militar nos anos 70 do sculo XX. Devido demanda da borracha nos sculos XX e XX houve a necessidade da construo da estrada de ferro Madeira-Mamor. Frente s dificuldades de encontrar mo de obra especializada na regio, as vrias empresas envolvidas na construo desta ferrovia tiveram que contratar mo de obra de outras regies e at mesmo estrangeira. No entanto, havia dificuldades em manter essa mo de obra devido s condies rduas da regio e s doenas tropicais, em especial a malria, que causavam uma mortalidade acentuada dos trabalhadores. De 1940 a 1950, um novo ciclo econmico da borracha e a minerao de cassiterita promoveram o crescimento de 50% na populao do ento territrio Guapor (criado em 1943 e que veio a se chamar "Territrio de Rondnia" em 1956 em homenagem a Cndido Rondon). Conseqentemente, sobretudo a partir dos anos 50, novamente os Suru Paiter tiveram que abandonar as aldeias. Essa poca lembrada em cantos e relatos, como o do heri Waii, que j convivera com no-ndios no incio do sculo XX e que, sem ser acreditado, contava aos seus a vida daquela gente que comia arroz e feijo e tinha panelas, faces, machados e armas de fogo. (nstituto Scio-ambiental, 2011) 1
O perodo da primeira metade do sculo XX caracteriza-se por diversas empreitadas no territrio de Rondnia. Os ciclos da borracha, a criao da ferrovia
1 nstituto Socioambiental (SA): uma organizao da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994 para propor solues que integrem questes sociais e ambientais, com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimnio cultural e s populaes indgenas e tradicionais. Referencia: www.socioambiental.org ou www.pib.socioambiental.org. "O verbete sobre os Suru Paiter foi elaborado a partir de um esforo conjunto entre a Metareil (Organizao Metareil do Povo ndgena Paiter), a Associao de Defesa Etnoambiental Kanind e a Antroploga Betty Mindlin. Cada um dos colaboradores contribuiu com suas experincias adquiridas junto aos Paiter, a fim de que o povo Suru fosse apresentado da melhor forma possvel.
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madeira-mamor e as picadas abertas por Rondon 2 , durante sua tarefa de instalar vias de telgrafos para expandir a comunicao pelo territrio brasileiro, tiveram um papel importante na ocupao da regio. Tais fatos contriburam para uma forte migrao de outras regies do pas como a do nordeste para as terras deste estado. Diferentemente das outras investidas, Rondon, formado dentro de um pensamento positivista, encorajava cientistas de reas e especialidades diversas para participarem de suas expedies. Os cientistas que colaboraram com a Comisso Rondon realizaram estudos e pesquisas sobre a flora, a fauna, o solo, o subsolo e no campo das pesquisas minerais. As expedies cientficas que se realizaram na Amaznia, at ento, foram financiadas por governos estrangeiros ou por entidades a eles vinculados. Caracterizando-se por adotar uma postura diferente da mentalidade que prevalecia at ento, a ao do General Rondon frente aos conflitos com os indgenas, ao invs de extermin-los, realizava a pacificao e a proteo dos mesmos, exigindo dos seus comandados a obedincia e o respeito aos valores da concepo positivista que defendia os povos indgenas, expressa no lema: "Morrer se preciso for, matar nunca. (MATAS, 2001, p.63) 3
Foi nesse contexto histrico que a regio de Rondnia foi recebendo migrantes das regies do nordeste, mas, principalmente com o fim da economia extrativista da borracha, o governo inicia na dcada de 60 do sculo XX os projetos de rodovias na Amaznia. Segundo MATAS:
Aps o colapso da economia extrativista da borracha, o governo federal e estadual promoveu inmeras tentativas de colonizao e de recuperao econmica objetivando superar o perodo de retrao e estagnao das frentes de ocupao e da situao de penria e misria em que se encontrava a populao da Amaznia. Efetivamente, foi na dcada de 60 que teve incio um novo processo de ocupao econmico-demogrfico, com a abertura das Rodovias Belm-Braslia, Transamaznica, Cuiab- Santarm e da Rodovia Marechal Rondon, hoje BR-364, que liga Cuiab a Porto Velho e ainda, com a elaborao e implementao de inmeros planos e programas de desenvolvimento regional, a partir da segunda metade desta dcada, durante os governos militares e da Nova Repblica. (MATAS, 2001, p.66)
Podemos constatar que a partir da construo da rodovia BR-364, que atravessa o Estado de Rondnia, abriram-se possibilidades efetivas de ocupao deste territrio. Neste perodo, as polticas do governo militar, sob o pretexto de
2 'Candido Mariano da Silva Rondon conhecido como Marechal Rondon nasceu em maio de 1865, em Mimoso, distrito prximo a Cuiab. Ao implantar as linhas telegrficas, percorreu mais de 50 mil quilmetros descobrindo um Brasil escondido entre selvas e sertes. Teve primordial atuao na integrao nacional. O marechal tornou-se um pacifista defensor das populaes indgenas gerando uma nova relao entre estado e indgenas(FRERE, Carlos Augusto da Rocha,2009). 3 MATAS, O, F. Ocupao, polticas pblicas e gesto ambiental de unidade de conservao do estado de Rondnia. O estudo de caso do parque estadual de Guajar Mirim. Dissertao de Mestrado Universidade Estadual Paulista, nstituto de Geocincias e Cincias Exatas, Rio Claro. 2001.
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ocupar o territrio por uma questo de segurana nacional, proporcionaram, segundo o ltimo Levantamento Socioeconmico, (2010) uma migrao de sulistas, principalmente de pequenos produtores rurais em busca de terras.
Na dcada de 1960, o processo de intensificao da mecanizao das lavouras e a industrializao nas regies sul e sudeste do Brasil determinaram conflitos que levaram a populao rural a promover um grande xodo. Para responder a presses e conflitos, o governo federal necessitava disponibilizar reas para assentar a populao migrante. O Territrio Federal de Rondnia foi escolhido como alvo principal da ocupao. A BR 364, construda nos anos 60, se tornou a espinha dorsal que traria levas e levas de colonos sem terra para Rondnia. O lema integrar para no entregar justificava a violncia do processo colonizador imposto aos tradicionais habitantes que no eram contabilizados pela matemtica oficial. Neste contexto de polticas governamentais, os povos indgenas que se interpunham ao caminho traado pela colonizao deveriam ser atrados e integrados sociedade nacional. (Levantamento Socioeconmico, 2010,) 4
A partir dessas polticas vrios projetos foram implantados na regio, provocando mudanas no sistema de produo, passando de um sistema extrativista, para a pecuria e a agropecuria provocando desmatamentos e conflitos dos imigrantes com a populao nativa, neste caso os ndios. O programa integrado de desenvolvimento do Noroeste do Brasil POLONOROESTE 5 , financiado pelo Banco Mundial concluiu a construo e a pavimentao da BR 364 acelerando brutalmente o processo migratrio. Essa migrao transformou o Estado de Rondnia em curto espao de tempo - apenas uma dcada num dos Estados mais devastados, com problemas de infraestrutura nas cidades que se multiplicavam. As conseqncias nestes ltimos 30 anos foram brutais principalmente na rea ambiental e social.
Os primeiros contatos dos ndios com os indigenistas
Os Suru foram contatados em 1969 pela expedio da Fundao Nacional do ndio- FUNA, atravs da frente de trabalho de atrao, coordenada pelos
4 Levantamento socioeconmico, 2010. Associao Metareil do povo indgena Suru. [email protected] site www.surui.org . A Associao Metareil, criada em 1988, foi a primeira organizao indgena de Rondnia, criada para defender os direitos indgenas, em especial os direitos do povo Paiter, e voltada para promover aes que valorizem a cultura, o desenvolvimento sustentvel e o combate explorao ilegal de madeira que ocorre na terra indgena Sete de Setembro. 5 O Programa ntegrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil - POLONOROESTE foi criado pelo Decreto N 86.029, de 27 de maio de 1981
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sertanistas Francisco Meirelles e seu filho Apoena Meirelles 6 , no dia 7 de setembro de 1969, aps uma longa e paciente troca de presentes. Segundo Coimbra Junior:
A Histria do contato dos Suru com a sociedade nacional reveste-se de situaes dramticas, haja vista a violncia que caracterizou o processo de "integrao desta comunidade na sociedade Nacional. nicialmente os conflitos ocorriam esporadicamente com grupos de garimpeiros que chegaram a Rondnia na dcada de 50 em busca de diamantes e cassiterita."Em sua maioria eram ex-seringueiros que chegaram Amaznia nos anos 40, vindos principalmente dos sertes nordestinos na categoria de soldados da borracha. Com a derrocada da empresa extrativista da borracha logo aps a segunda guerra, estes homens foram impelidos a arriscarem suas vidas, jogando com a sorte nos novos garimpos que estavam sendo descobertos no territrio, como nica forma de sobreviverem. Com a concluso da BR- 364 (rodovia Cuiab-Porto Velho), milhares de colonos vindos principalmente do Paran e Esprito Santo, afluram ao Territrio em busca de terras frteis e com documentao que estavam sendo to propaladas em suas terras de origem. Apossavam-se das terras aleatoriamente e assim, iniciou-se mais uma frente de conflitos que perdura at os dias de hoje. A estes fatores somam-se s enfermidades infecto-contagiosas e certos hbitos adquiridos a partir dos "civilizados acarretando em um processo de descaracterizao do grupo que, pela sua intensidade, nos impressiona como uma luta sem paralelos na nossa histria, a qual se trava na ltima fronteira para a expanso da sociedade nacional na Amaznia. (COMBRA JUNOR, 1981) 7 .
Atravs desses diferentes fatos histricos, podemos perceber, como, a partir do contato com a sociedade nacional, inmeras alteraes ocorreram no modo de vida dos povos indgenas que habitavam estas reas. Um ano apenas aps o contato os ndios so vtimas de inmeras doenas o que segundo a antroploga Betty Mindlin 8 (1985) levou-os a morar mais prximo ao posto da FUNA criado na terra indgena Sete de Setembro na Linha 14 9 (ver figura 02), buscando assistncia
6 LEONEL, M e MNDLN, B. Apoena MeireIIes 1949-2004. Uma grande perda frente s Ieis das mineradoras, Em dois momentos do indigenismo. Revista de Estudos e Pesquisas, Brasilia, FUNAI, v.4/n.1, jul 2007 ISSN 1807-1279 : Apoena foi, por dois perodos, e em vrias regies, o smbolo e o primeiro exemplo de uma relao de respeito aos ndios por parte da sociedade brasileira. Durante a ditadura militar, na fase conhecida como "Sertanista, com poucos recursos, na floresta amaznica inexplorada, trabalhando numa Funai onde predominava a mentalidade integracionista, Apoena Meirelles continuou a obra de seu pai e do Marechal Rondon, lutou pela demarcao das terras indgenas e pela vida espiritual e material destes povos 7 COMBRA JUNOR, A, E, C. Pahiter Arte e vida Suru. mpresso: Sbrindes LTDA- Braslia-DF 1981. (biblioteca do Museu nacional). 8 MNDLN, B, Ns Paiter. Os Suru de Rondnia. Petrpolis: Vozes, 1985. Betty Mindlin: economista e antroploga trabalha com os Suru de Rondnia desde 1978. Realizou projetos de ao social com muitos povos da Amaznia alm de ter escrito extensa bibliografia sobre os Suru e sobre mitos indgenas. 9 A denominao de Linhas corrente na regio, proveniente da marcao dos lotes dos projetos de colonizao, donde o nome do posto, que fica, na rea indgena, na extenso da linha 14.
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mdica. Diz um Suru "que os faces, machados, panelas, espingardas, espelhos, objetos que os ndios no tinham e desejavam. trouxe tambm a doena e a morte. Os ndios adoeceram ao visitar os novos conhecidos e muitssimos morreram. (MNDLN, p.23, 1985) s lhes sobraram como soluo para sua sobrevivncia se aproximarem dos brancos para obter assistncia mdica j que eles prprios no tinham conhecimento para a cura de epidemias como sarampo, tuberculose e gripes trazidas pelos no ndios
Figura 1: Apoena Meirelles e seu pai Francisco Meirelles pendurando os objetos para troca de presentes, procedimento utilizado para atrair os ndios e estabelecer o contato.
Se na poca do contato, os Suru eram aproximadamente 600 ndios segundo dados da FUNA, um ano depois sua populao se viu reduzida aproximadamente metade, 250 ndios foram vitimados pelas epidemias trazidas pelos no ndios. Para se somar a este quadro esse povo teve que lidar com questes econmicas que no eram do seu conhecimento e articular-se rapidamente para defender suas terras que eram constantemente invadidas pelos colonos. Com a implantao por parte do governo, em 1970, do PIC- Projeto
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Integrado de Colonizao, a ocupao se intensificou. Segundo Matias, na primeira metade desta dcada:
O fluxo migratrio cresceu significativamente provocando a inchao dos pequenos centros urbanos localizados ao longo da BR-364 e o afloramento de inmeros problemas sociais, uma vez que, estes centros urbanos no dispunham dos equipamentos infra-estruturais que pudessem atender a crescente demanda por alguns servios bsicos, tais como, luz, gua, saneamento bsico, servios de sade, de escola, de hospedagem, moradia, etc. Parte desse contingente migratrio dirigia-se diretamente para a zona rural, realizando uma ocupao (invaso) espontnea, na maioria das vezes ilegal, dando margem para que surgissem srios conflitos sociais no campo, quer com os colonos ocupantes tradicionais da regio, quer com os posseiros que migraram recentemente, quer ainda, com os povos da floresta, especialmente, com as naes indgenas (MATAS, 2001, p.74, 75).
Podemos afirmar que em dez anos de polticas de colonizao e assentamento nesta regio, Rondnia foi um dos estados mais devastados em to curto espao de tempo. As prprias polticas de assentamento administradas pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria- INCRA estimulava o desmatamento como comprovao da ocupao efetiva das terras pelo colono. Este fato levou a um dos maiores desmatamentos, sem precedentes, na histria da ocupao da Amaznia. O POLONOROESTE no atingiu os objetivos projetados durante o perodo em que teve vigncia (1981/1992). Dentre tantas distores, destaca-se a prpria concepo ideolgica desenvolvimentista autoritria e que fundamentou as estratgias e diretrizes dos diversos projetos e subprojetos que constituram este Programa Especial. A caracterstica marcante deste Programa foi a concentrao impositiva que se evidenciou desde a elaborao e planejamento centralizada pelo governo federal (no contou com a participao de atores regionais), passando pela coordenao e execuo excessivamente burocratizada at chegar operacionalizao das metas junto aos que seriam os beneficirios ou pblicos-meta. (MATAS, p. 81)
Frente a essa nova situao foi necessrio definir novas estratgias. No final dos anos 80 foi elaborado um plano de ao que no teria como foco apenas os fatores socioeconmicos, mas tambm os fatores ecolgicos. Para definir estas novas diretrizes foi criado o Plano Agropecurio e Florestal de Rondnia- PLANAFLORO. A devastao ambiental que ocorreu com a poltica de colonizao praticada na dcada de 60 baseada no assentamento de pequenos e mdios proprietrios ampliou-se consideravelmente com os novos planos e programas implementados pelo governo federal nas dcadas de 70 e 80 que priorizaram a colonizao particular de grandes grupos econmicos nacionais e estrangeiros, atravs dos projetos agropecurios,
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agroindustriais, agro florestais e de extrativismo mineral. (MATAS, 2001, p.89)
Podemos afirmar que as sucessivas tentativas de polticas pblicas atravs de inmeros planos agropecurios e agrominerais, institudos pelo NCRA e outros rgos governamentais, foram incapazes de propiciar uma forma adequada de assentamento do homem naquela regio. No mapa (fig.2) verificamos como se formaram as linhas de ocupao e desmatamento no Estado de Rondnia. Conseqentemente, a partir da dcada de setenta do sculo XX, os ndios Suru referem-se localizao de suas aldeias como pertencentes a uma "linha, como a linha 14 onde se situa a aldeia Gbgir na qual foi realizada nossa pesquisa.
Foto SatIite do desmatamento do estado de Rondnia
Figura 2- Mapa satlite de desmatamento no estado de Rondnia. As linhas de cor claras representam reas de desmatamento feitas pelos colonos a partir da BR 364 -1982.
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Mapa de Rondnia Com localizao de Cacoal, municpio mais prximo das terras indgenas Suru
Figura 3- mapa de Rondnia.
Anotaes sobre a organizao sociaI e poItica dos Suru
Os Suru se autodenominam Paiter, que quer dizer "Ns mesmos, Gente Verdadeira. comum encontrarmos em vrios povos este tipo de denominao para si mesmo. Segundo Lvi-Strauss:
A maioria dos povos chamados de "primitivos considera que a humanidade acaba em suas fronteiras tnicas ou lingsticas e por isso que eles se denominam freqentemente usando um etnnimo que significa segundo o caso "os homens, "os excelentes ou ainda "os verdadeiros, em oposio aos estrangeiros. (apud, CUCHE, Denys P.47) 10
Os Paiter hoje totalizam segundo dados do levantamento socioeconmico 2010, uma populao aproximada de 1200 pessoas. Vivem majoritariamente em 24
10 CUCHE, D. A noo de cultura nas cincias sociais/Denys Cuche; traduo de Viviane Ribeiro, Bauru: EDUSC, 1999.
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aldeias, distribudos em 215 famlias ao longo e nas proximidades das fronteiras da Terra ndgena Sete de Setembro. Segundo MNDLN (2007), quando houve o primeiro contato com este grupo em 1969, eles eram 600, na poca do contato com a FUNA contavam com 280 indivduos e em 2006 j eram aproximadamente 1000 pessoas. Podemos notar uma crescente e significativa retomada demogrfica deste povo, que ao longo das ltimas quatro dcadas, vinha sofrendo grandes perdas. "Suas terras, demarcadas em 1976, tm todas as garantias legais, e uma extenso de 240 mil hectares (MNDLN, 2007). As terras indgenas Suru encontram-se a 50 km de Cacoal cidade que se localiza margem da BR 364 e estendem-se, at leste, fazendo fronteira com o estado do Mato Grosso tendo seu territrio drenado pelo rio Branco chamado de bacia do Roosevelt.( ver figura 3).
Figura 4- Mapa satlite daTerra ndgena. Sete de Setembro, com sua rea demarcada 2010.
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Os Suru so um povo de lngua tupi, da famlia lingstica Tupi-Mond. Hoje na sua maioria so bilnges, falam o portugus e o tupi, com exceo de mulheres mais velhas que falam somente o Tupi. J os homens, como participam mais das negociaes e reinvidicaes com a FUNA, colonos, garimpeiros, madeireiros e outros, tiveram que aprender forosamente mais rpido o portugus. O fato das mulheres ficarem mais nas terras indgenas e cuidarem da vida domstica fez com que conservassem ainda viva, alm da lngua de origem, muitas tradies, dentre estas a produo dos artefatos cermicos. Ao longo dessas ltimas dcadas, os Suru tiveram que negociar freqentemente com invasores e principalmente com as empresas madeireiras. Grande parte da T. Suru foi desmatada durante esse perodo entre 1970 a 2009. A venda de madera, muitas vezes incentivada pela FUNA, provocou um desmatamento com conseqncias ambientais muitas vezes irreparveis. Em 2009 os madeireiros saem das terras ndgenas Suru. Em 2010 percebemos a fiscalizao por parte da Policia Federal Ambiental no T. Sete de Setembro para impedir a entrada de madeireiros e garimpeiros. Segundo o nstituto Scio-ambiental, SA: A m administrao dos recursos disponibilizados pelo POLONOROESTE acarretou na falta de oramento para atender a sade e a comercializao dos produtos dos Paiter, fazendo com que, em 1987, os funcionrios da FUNA estimulassem algumas lideranas indgenas a vender madeira. Calcula-se que aproximadamente dois milhes de dlares em madeira tenham sido retirados da rea indgena. (SA, 2011).
Hoje a Associao Metarela, representada pelo seu lder Almir Suru, busca uma alternativa para a preservao das florestas que sobraram, atravs de projetos sustentveis, mantendo as riquezas da floresta alm do reflorestamento de suas terras. Quanto organizao social encontramos neste grupo uma diviso por cls. So quatro as linhagens clnicas: os GAMEB ( O povo do marimbondo preto), os GABGR ( O povo do marimbondo amarelo), os KABAN ( O povo da frutinha Kaban) e os MAKR ( O povo da taquara). Segundo Mindlin (1985, p.33), esses grupos so exogmicos patrilineares e se estruturam em metades. Os Paiter tradicionalmente so poligmicos. Mantm o casamento avuncular, isto , a regra de casamento em que o homem se casa com a filha da sua irm. Tambm h
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ocorrncia de casamentos entre primos cruzados que so filhos de um irmo e irm. Na aldeia da linha 14, onde foi desenvolvida esta pesquisa encontrei dois cls, os GABGR e os KABAN sendo que os outros grupos se encontravam em outras aldeias. Os Suru tradicionalmente se organizam por metades: os que so do mato e os da roa. Essas metades se alternam anualmente sendo que a metade do mato passa a ser da roa e a da roa passa a ser do mato. Segundo Mindlin uma metade:
nstala-se durante a estao seca, no "metare, que quer dizer clareira ou mato ralo, a 500 ou 1.000 metros da aldeia, local proibido ao outro. Vai haver troca entre os dois lados. O da roa ou da comida (os "wai) deve prover nas festas "makaloba ou bebida fermentada com a qual os Suru se embriagam levemente. Feita de car, mandioca, milho ou outro farinceo, a "makaloba tomada em quantidade por homens e mulheres e vomitada imediatamente em buracos apropriados, fora da casa. (MNDLN, 1985).
Nesta ocasio, quando as duas metades se encontram, os da roa oferecem uma abundncia de alimentos e bebidas, em contrapartida, os do mato oferecem colares, panelas, cocares e flechas. neste momento que as metades estabelecem um sistema de trocas. No entanto muitas destas tradies se perderam ao longo destes ltimos 40 anos.
Lutando como podem contra essas adversidades, os Paiter procuram manter a vitalidade de suas tradies culturais, em que a sociedade compreendida a partir de uma diviso em metades, de modo que os segmentos sociais, as atividades produtivas e a vida ritual constituem expresses do dualismo entre a aldeia e a mata, a roa e a caa, o trabalho e a festa - sendo as festas de troca de oferendas e os mutires a elas associados os momentos culminantes do intercmbio e da alternncia entre essas metades. (SA, 2011).
As festas do Mapima 11 se tornaram mais raras inclusive pela interferncia das igrejas que se instalaram nas terras indgenas. Na linha 14 foram observadas uma Assemblia de Deus e uma igreja Batista, estas igrejas j conseguiram fazer com que os pajs se convertessem e, aos poucos, se infiltraram de tal modo nessa sociedade que muitos de seus costumes foram deixados de lado, inclusive as formas tradicionais de corte de cabelo, proibio do uso de adereos, de beber, de fumar, fazendo que muitas prticas e festas tradicionais fossem abandonadas.
11 Segundo Mindlin, (1985, p.58): a Iesta do Mapimai e uma grande Iesta onde ocorrem as trocas entre as duas metades, os da clareira e os da roa.
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Tradicionalmente as casas eram imensas ocas elpticas onde se vivia coletivamente, famlia extensa, nas quais eles se organizavam internamente por grupos familiares. Aps o contato com a sociedade nacional, em 1969 passaram a ter novas necessidades, alterando sua forma tradicional de modo de vida refletida na necessidade de adquirir bens de consumo e alimentos industrializados, alm de mudarem a maneira de construrem suas habitaes.
As casas tradicionais so compridas, sendo a planta em forma de elipse, medindo cerca de 25m x 8m, com uma nica porta na parte mais estreita. Na entrada h um espao de uso comum, onde, entre outros objetos de uso domiciliar, ficam grandes panelas de cermica, pertencentes a cada mulher da casa e que so usadas para fazer vrias sopas e a bebida cerimonial 'i', feita base de milho (Mindlin, 1985). Figura 5- Casa tradicional Surui- 1982
Atualmente, constroem suas casas em forma retangular, empregando as tcnicas de construo dos colonos. So casas individuais com piso de cimento, paredes de tbuas e telhados com telha de amianto e, em alguns raros casos, com telha de barro. Entretanto, ao lado destas casas ou na frente, eles constroem uma palhoa onde se desenrola a vida cotidiana e domstica, ficando a casa no
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tradicional apenas para dormir e guardar bens materiais como eletrodomsticos adquiridos, o que passa a estabelecer fronteiras materiais entre as diferentes moradias alm de ter desestruturado a famlia extensa. Alm destas casas, onde moram somente membros da famlia nuclear, os Suru dispem hoje de banheiros coletivos com duchas e sanitrio instalados pela FUNASA- Fundao Nacional de Sade.
Figura 6 - Casas Suru atuais na linha 14 - 2010
A rede eltrica chega at a aldeia trazendo energia e a gua coletada em poos artesianos. A disposio das casas feita maneira dos centros urbanos, com ruas paralelas e estreitas. Eles dispem de eletrodomsticos e antenas parablicas. Atualmente percebemos que quando uma residncia possui banheiro e ducha na prpria casa, alm de outros bens industrializados, cria-se uma distino social no espao coletivo. Quanto sua organizao poltica, os Suru mantm os padres tradicionais de chefia, isto , cada cl tem um chefe e este cargo transmitido de pai para filho ou para um irmo caso o chefe no tenha filhos. Hoje tambm surgem novas
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lideranas. Segundo documentao do SA: "No mbito da representao do povo frente aos agentes da sociedade nacional, os Suru elegem chefes mais jovens por falarem melhor o portugus; porm, na vida alde, a chefia continua sendo a tradicional. Quanto s organizaes polticas, os Suru se organizam em associaes, cada uma representando seu cl. Assim, temos atualmente segundo o relatrio socioeconmico-2010 da Associao Metarela, cinco associaes do povo Paiter Suru: 1) Associao Metareil do povo ndgena Suru. 2) Associao Gbgir 3) Associao Kaban 4) Associao Gameb 5) Associao Makor Todas essas associaes tm representao poltica e desenvolvem projetos de sustentabilidade e culturais. Os objetivos destas instituies so muito semelhantes. Por exemplo, segundo o estatuto da Associao Gbgir os objetivos so preservar suas terras, proteger e difundir seus costumes, cultura e identidade, promoo da educao e da sade e busca de recursos para melhoria da qualidade de vida do seu povo. (ver anexo 1). Figura 7: Cartaz mvel de divulgao dos projetos culturais.
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Os Suru atualmente promovem encontros culturais em algumas aldeias com a finalidade de divulgar os seus conhecimentos e costumes. Os projetos de revitalizao da cultura Paiter permitem aos ndios mais jovens participarem de encontros que se do atravs de oficinas de dana, prtica da lngua e de produo artesanal, ministradas pelos mais velhos que detm os conhecimentos tradicionais desse povo. Os Suru tambm divulgam sua cultura nas universidades do Estado de Rondnia e em Cacoal cidade mais prxima. Esses eventos permitem divulgar e aproximar a populao local do modo de vida tradicional Suru de forma a diminuir o preconceito em relao a sua cultura.
Diviso sexuaI do trabaIho
Tradicionalmente homens e mulheres produzem artefatos. As mulheres fazem colares, teares, cermicas e cestaria enquanto os homens produzem flechas, cocares, betiga 12 (adorno labial), flautas, paus para fazer fogo e adornos de palha. So tambm os homens que constroem as malocas tradicionais e outras habitaes provisrias ou no. Assim, homens e mulheres produzem objetos com matrias primas das mais variadas. (MNDLN, 1985) A colonizao da regio do centro-leste de Rondnia, a partir da dcada de setenta, gerou algumas mudanas no modo de vida do grupo Suru relacionadas forma e emprego de materiais de construo de suas casas. Surgiram novas necessidades tais como a aquisio de bens de consumo, panela de alumnio e ferro, utenslios plsticos, chinelos e roupas, e de alimentos industrializados como acar, caf, refrigerantes, balas, doces e sorvete e assim por diante. Segundo Lcia Hussak Van Velthem 13 (1987, p.99): Os indcios do grau de contato com a sociedade nacional podem ser detectados pelo exame dos apetrechos de tralha domstica e de trabalho encontrados numa aldeia indgena". Fica ntido na imagem que se segue os apetrechos utilizados pelos Suru. Podemos observar que alm da presena de sapatos, sandlias havaianas, vassouras, rodos, pano de cho, faco e panelas de alumnio, h tambm uma
12 Segundo Betty Mindlin (1985, p. 69): a betiga e um 'Objeto Ieito pelos homens, denomina-se tambem tembeta e era usado abaixo do labio inIerior por homens e mulheres, Ieito de resina de jatoba, polido e lixado com delicadeza durante horas. 13 VAN VELTHEM, L, H, . Suma Etnolgica Brasileira, RBERO, B, G (org.) volume 2. Petrpolis: Editora Vozes, 1987.
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panela de cermica emborcada. Encontramos vrias dessas panelas pela aldeia, o que demonstra uma continuao dos costumes de fabricao para comercializao e uso. Figura 8 - Apetrechos de tralha domstica - 2010 Suas atividades produtivas alm da criao de artefatos esto relacionadas s roas onde encontramos plantio de milho, mandioca, car, batata, inhames, banana, amendoim, mamo, algodo e tabaco. Tradicionalmente, os homens cuidam da derrubada das rvores para abrir a clareira para a roa e so responsveis pela caa. Homens e mulheres plantam e pescam e as mulheres colhem os alimentos os transportam at a aldeia, cuidam das crianas, fabricam artefatos e cozinham. Homens e mulheres tambm se dedicam a coleta de frutos, mel, larvas, palmitos e outros produtos da floresta:
Como praticamente todos os povos que vivem na floresta, os Paiter Suru constituem uma sociedade coletora e agrcola. Continuam desenvolvendo estas atividades, mas em muito menor escala do que nos anos anteriores e nos primeiros anos do ps-contato. Para facilitar a coleta de dados, dividimos o item COLETA em 4 sub itens: alimentares, teraputicos, matria-prima para confeco de artefatos de cultura material e produtos de
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coleta atualmente comercializados.(Levantamento Socioeconmico Associao Metarela, 2010).
Figura 9 - Percentual de famlias entrevistadas que praticam a atividade de coleta no total de 158 famlias. Fonte Relatrio Socioeconmico, Associao Metareil, 2010.
Atravs dos grficos (ver figura 9 e 10) percebemos que ainda existe um percentual significativo de famlias que praticam e sobrevivem da agricultura como: plantaes de car, milho e mandioca, base da alimentao deste povo alm dos recursos naturais. Em 1981 os Suru conseguiram recuperar suas terras j demarcadas que haviam sido invadidas por colonos que ali haviam plantado caf e os ndios passaram tambm a desenvolver esta agricultura. Segundo o SA, "ao se tornarem donos dos cafezais dos invasores expulsos, passaram a vender caf para o mercado. A renda monetria usada em produtos hoje indispensveis, como roupas, ferramentas e alimentos. Outra forma de produo atual por parte dos Suru a piscicultura, a apicultura e a pecuria resultado de projetos elaborados atravs das associaes indgenas que buscam recursos e parcerias e que so cuidados pelos homens. A pecuria, segundo o SA: "Em quase todas as aldeias h criao extensiva de gado bovino para corte. Os rebanhos so pequenos e de propriedade familiar,
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variando de algumas unidades a dezenas de cabeas com fins de produo leiteira para consumo e para venda ao mercado de carne. Esses produtos so comercializados diretamente na cidade de Cacoal. Os Paiter passaram a cuidar dos cafezais e comercializar este produto, que na poca lhes rendiam um bom retorno, e assim foram introduzidos na economia de mercado. Nos anos que se seguiram, porm, o caf sofreu uma drstica queda de preo e fez com que surgisse um desestimulo ao seu cultivo. Muitos cafezais foram abandonados. Na dcada de 90, o caf volta a ter uma acentuada alta de preo, estimulando um retorno dos Suru ao seu cultivo. Hoje, nas aldeias que no exploram madeira, o cultivo do caf a principal atividade geradora de renda. Essas roas de caf so de propriedade das famlias, porm no so todas as famlias que possuem um cafezal. (SA, 2011).
Os Suru viviam tambm at 2009 da venda de madeira, segundo Marcelo Lucian Ferronato 14 (depoimento, 2010):
Os ndios praticam a explorao ilegal de madeiras em suas terras desde meados da dcada 80, ou seja, h cerca de 30 anos. No entanto so eles prprios as maiores vitimas deste processo exploratrio/predatrio. Trata-se de seres humanos que tiveram contato com a civilizao no-indgena h apenas 40 anos. E durante grande parte do convvio com esta nova cultura imposta, os indgenas foram ensinados e aliciados por madeireiros a venderem suas riquezas a preos baixssimos, o que acabou gerando problemas ambientais e sociais, devido intensa explorao irregular. (depoimento, Julho- 2010).
Ainda segundo Ferronato:
Hoje, devido ao intenso processo predatrio que esta rea protegida se encontra, as populaes da fauna e flora podem estar em declnio, uma vez que a explorao seletiva de madeiras, da maneira que realizada naquela rea, causa diminuio da capacidade de suporte do ambiente, devido principalmente reduo do nmero de rvores, que produzem frutos e outros alimentos, o que pode levar ao desaparecimento de espcies especialistas, e aumento de espcies generalistas, conseqncias estas do desequilbrio ecolgico. Este provvel desequilbrio ecolgico tende a afetar diretamente a populao indgena que usufrui dos recursos naturais, seja para caa, pesca, coleta, cultura material e imaterial ou ainda na captao de recursos para execuo de projetos sustentveis de gerao de renda, como por exemplo, seqestro de carbono.(FERRONATO, 2007)
A essas formas econmicas de subsistncia e mercado se somam os cargos de trabalho remunerado ocupado por alguns ndios na cidade de Cacoal, como
14 Marcelo Lucian Ferronato: bilogo, funcionrio da FUNA-Fundao Nacional do ndio - Administrao Executiva de Cacoal/RO.Defendeu sua tese: A EXPLORAO LEGAL DE MADERAS NA TERRA NDGENA SETE DE SETEMBRO, CACOAL RO pelo programa de Ps- graduao do curso de Educao e Gesto Ambiental da Faculdade de Cincias Biomdicas de Cacoal Facimed. 2007.
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funcionrios da FUNA, funcionrios da rede pblica de ensino (professores) e de agentes de sade. A maioria desses trabalhos exercida pelos homens, eles tambm ocupam as diretorias de suas organizaes. As mulheres ficam mais nas aldeias e contribuem para o oramento familiar, fazendo artesanato para venda. No entanto, surge uma nova gerao de mulheres que esto desenvolvendo projetos junto s organizaes com o propsito de conseguir recursos financeiros para a preservao da cultura Paiter Suru. Segundo o SA: As mulheres Paiter vm mobilizando-se para formar uma associao, com apoio e incentivo da Associao Metareil.
Figura 10 - Percentuais e nmeros de famlias que praticam os diversos tipos de coleta - total das famlias entrevistadas- 158. Fonte: Relatrio Socioeconmico Associao Metareil, 2010.
Percebemos que por conta da colonizao desta regio a cultura tradicional deste povo, como a de tantos outros, teve e ainda tem que se adaptar s novas situaes: Presses econmicas da sociedade de consumo os obrigam a uma adaptao difcil e perversa a um mundo ainda to novo e controverso. Afortunadamente, mesmo com a intensa presso a que seus bens culturais vm sendo submetidos, podemos verificar que a lngua, formas de organizao para o trabalho e algumas prticas tradicionais de subsistncia continuam vivas, apesar de serem realizadas com menor freqncia. Acreditamos que estas devam ser fortalecidas. Outras, certamente devem ser revitalizadas. (Associao Metarela, 2010, p.76)
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A partir do contato e das polticas de criao de plos de desenvolvimento na regio amaznica, tendo em vista uma ocupao territorial como poltica de Segurana Nacional, escoamento de madeira de lei, projetos agropecurios e um grande interesse nos recursos minerais da regio, no final do sculo vinte ocorreram mudanas e os Suru passaram a ter novas necessidades alterando sua forma tradicional de modo de vida para adaptar-se a essa nova realidade:
Nestes 40 anos de contato com uma sociedade impositiva, os Paiter no tiveram tempo e nem possibilidades de escolhas. Entretanto, agora vivem um momento em que resgatar e revitalizar os seus bens culturais tradicionais algo imperioso e extremamente urgente, tendo em vista restarem poucos indivduos detentores destes saberes e prticas, que imemorialmente os identificaram como Paiter. (Levantamento Scio econmico, Metareil 2010).
Diante desse contexto, o contato com no ndios provocou uma ruptura de vrias formas de produo. Tendo em vista que os rituais esto intimamente ligados produo de alimentos e manufatura de artefatos, as mudanas culturais foram bruscas. Segundo Laraia (1997, p.100) 15 Existem dois tipos de mudana cultural: uma que interna, resultante da dinmica do prprio sistema cultural, e uma segunda que resultado do contato de um sistema cultural com outro. No caso dos Suru como em tantos outros povos que tiveram um contato abrupto com a sociedade nacional os resultados - conforme este autor- foram catastrficos. Nos captulos que seguem, porm, mostraremos que prticas muito antigas, de grande valor utilitrio e simblico, que necessitam de conhecimentos tecnolgicos apurados, foram preservadas e continuam a ser transmitidas graas s mulheres e ao seu apego pelos processos produtivos tradicionais que elas, por serem mulheres, dominam.
CAPTULO 2 Estudo do processo para produo cermica. Existe muito preparo para organizar a ida para o local onde se encontra a fonte de argila para confeccionar a cermica, Ganiak o equivalente argila na lngua Suru. No dia anterior sada para pegar a argila, as mulheres mais idosas se preparam para esta atividade. A produo cermica um trabalho exclusivamente feminino entre os Suru. noite elas se visitam para se programar e combinam para sair na manh seguinte e buscar a argila. J neste ponto do processo existem certos procedimentos e regras para que se obtenha um bom resultado final. Umas das principais restries refere-se s mulheres grvidas, que no podem acompanhar o grupo, nem saber que iro buscar argila, caso contrrio as panelas no pegariam forma e no ficariam firmes, provocando quebras durante o processo de secagem e queima. Tambm existem restries s mulheres menstruadas que no podem acompanhar o grupo, assim como observam tambm a proibio de ter relao sexual no dia anterior.
Figura 11 A sada da aldeia para buscar argila, as mulheres atravessam um vasto pasto descampado em direo mata. Andam em fila carregando na cabea seu cesto-cargueiro. 2010.
A sada da aldeia deve ser sigilosa, combinada no dia anterior apenas pelas mulheres que participaro da expedio. Assim, de manh, as mulheres que iro buscar a argila saem discretamente, encontram-se no caminho e seguem juntas at a fonte de matria prima. Esta fonte de argila se encontra uma hora e trinta minutos de caminhada da aldeia. As crianas de colo e os homens no as acompanham. No caminho as ceramistas pegam nas roas bananas, mamo e materiais que possam ser utilizados para a confeco de artesanatos e armazenam esses
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alimentos e materiais nos cestos denominados ad 16 (ver figura 12) que carregam nas costas. Elas andam rpido e sempre com um faco na mo. Como pudemos observar, o silncio e a discrio so fundamentais para se encontrar uma boa argila. Depois de atravessar um pasto enorme chegamos ao local onde h mata, e nela entramos.
Figura 12 Margarida Suru carregando cesto-cargueiro ad na cabea, para o transpote da matria prima - 2010.
Extrao da matria prima As mulheres vo sondando os lugares, s vezes comeam a cavar, mas no satisfeitas, continuam a busca por uma fonte de argila adequada e de qualidade para produzir suas cermicas. Para os Suru, quem indica e protege a argila o esprito do caranguejo, este quem cuida da fonte de argila. O silncio fundamental durante todo este processo, principalmente depois de pegar a argila e encher os balaios. A partir deste momento as ndias se comunicam somente atravs de sinais para indicar o trmino da extrao e o retorno aldeia. Segundo relato das
16 RIBEIRO, B. 1988, p 60: DeIinio: Designa cestos-cargueiros paneiriIorme esIericos, providos de ala para cingir a testa e levar nas costas. Destina-se ao transporte de produtos da roa, da mata e a locomoo de objetos durante as viagens por terra.
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artess, o esprito do caranguejo no pode perceber que elas se vo, razo pela qual elas no se comunicam verbalmente, pois se o esprito do caranguejo souber que elas esto se retirando ele pode querer acompanh-las e perder-se no caminho o que tornaria a fonte de argila imprestvel, de m qualidade, o que acarretaria procurar uma nova fonte no futuro. O lugar no meio da mata de onde elas retiram a argila um fundo de igarap. Nesta poca, no ms de Julho, seu leito est seco e ali que elas pegam a argila. Figura 13 - Artes Pagopur no fundo do igarap seco, procurando argila - 2010
A mulher Suru tem muitos cuidados na extrao da argila. Primeiro elas limpam bem o local com as mos, retirando folhas e matria orgnica, em seguida elas cavam lentamente. Retiram a primeira camada de terra da superfcie, e a descartam, at atingir a camada onde se encontra a argila adequada, aproximadamente 20 cm de profundidade no leito do igarap. Com as mos ou com a ajuda de um pedao de pau cortado na hora, ou mesmo usando o prprio faco, elas extraem a argila que se encontra neste espao, at chegar argila mais profunda, quando comea a brotar gua do cho.
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Seqncia do mtodo de extrao da argila no fundo do igarap
Figuras 14 15 16 - Extrao da argila com as mos- 2010.
Figuras 17 18 19 - Extrao da argila com um pedao de pau cortado no local 2010.
Figuras 20 21 22 - Extrao da argila com o faco - 2010
Quando chegam neste ponto em que a argila se mistura com a gua, onde a colorao cinza, a matria no mais extrada. A argila utilizada por elas, ento, a que fica logo abaixo das matrias orgnicas e da terra da superfcie, at meio metro de profundidade. Esta argila tem aspecto cinza meio azulado com algumas partes mais marrons. Cada mulher cava seu prprio buraco e elas dizem que pode haver diferena de qualidade de uma extrao de argila para outra, mesmo sendo o material extrado a apenas meio metro de distncia.
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Figura 23- Extrao no leito do igarap. As artess ficam enfileiradas cada uma escavando o seu prprio local para extrao da matria prima 2010.
Existe um cuidado imenso na extrao desta argila para evitar contaminao com areia, pedras ou outros materiais indesejveis que possam vir a prejudicar o trabalho e o produto final. Para isso as ceramistas preparam suportes com grandes folhas verdes de espcies variadas encontradas e cortadas nos arredores do local de extrao e vo amontoando a argila sobre essas folhas. Utilizam tambm a casca de palmeira seca que forma um recipiente para conter a argila. Depois de extrair a argila, aproximadamente 30 kg para cada mulher, elas forram os balaios ad com folhas verdes, limpam a argila no prprio local (primeira limpeza), retirando pedrinhas ou materiais indesejveis, como razes e folhas.
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Figura 24 - Aqui as mulheres, aps retirarem argila, sentam-se e j no prprio local iniciam o processo de limpeza da argila, extraindo, razes e materiais indesejveis 2010.
Figuras 25 26- 27 - Armazenamento da argila sobre folhas e cascas - 2010.
As pores de argilas so enroladas em pelotinhas e, inicialmente, colocadas sobre estas folhas para depois serem armazenadas nos balaios ad. Alguns balaios so fabricados rapidamente, no prprio local, com a folha de aa, tranada.
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Figura 28 - Ftima Suru fabrica um balaio descartvel no prprio local, com folhas de aa - 2010.
Figura 29 30 31 Forrando os balaios com folha e armazenando a argila que ser transportada para a aldeia 2010.
Em seguida, para sair do local as mulheres se comunicam atravs de sinais e se retiram com muita discrio, para que o esprito do caranguejo no as acompanhe, preservando assim a qualidade de sua fonte de matria prima. Notamos, neste comportamento, uma relao entre a fabricao da cermica e os seres invisveis da cosmologia indgena.
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Figura 32 - Caminho de volta aldeia carregando os balaios cheios de argila - 2010.
No caminho de volta elas carregam seus balaios recheados de argila e em um dado momento elas param e sentam, com as pernas esticadas para frente, a coluna retinha, alinhada em forma de L, muito quietas. A princpio parecia que estavam descansando, mas o olhar distante, o silncio absoluto e a postura davam a entender que aquele momento era de grande concentrao e meditao. Para as ceramistas essa parada no simplesmente um descanso, mas, um ritual. Elas dizem que uma boa postura corporal permitiria chegar a um resultado satisfatrio em relao s propores das peas e sua simetria, evitando assim que sassem tortas. A simetria perfeita muito apreciada entre os Suru e esta preocupao com a
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postura do corpo se reflete na forma dos vasilhames. Segundo elas, uma postura inadequada do corpo, relaxado ou torto, tem como conseqncia um resultado inapropriado do produto final. Ao chegar aldeia as ceramistas sentam ao lado do balaio carregado de argila, mantendo novamente uma postura bem particular, alinhada e de extrema concentrao. Depois elas molham um pouco a argila, cobrem o balaio ad com folhas verdes de maneira a manter a umidade da argila, deixando-a descansar por uma tarde e uma noite.
Figura 33 - Pausa no caminho 2010. Observou-se que o tempo necessrio para procurar a argila, extrair e voltar aldeia de aproximadamente trs horas e trinta minutos. Saram s 9h30min em
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direo ao local apropriado, ficaram 1h20min retirando a argila e voltaram. Acreditamos que andaram aproximadamente 3 km para chegar at a fonte. Figura 34 Pamatoa e sua filha Pamalong. Pausa na chegada aldeia 2010. No segundo dia, na parte da manh as mulheres se prepararam novamente, desta vez com balaios menores adocup 17 prprios para a coleta de sementes, coquinhos de Tucum e folhas medicinais. Ao sair para a floresta, pegaram a mesma direo que no dia anterior, mas entraram rapidamente na mata. A razo desta viagem era buscar raspadores (sementes) para alisar e servir de esptula para "levantar as peas. Passaram aproximadamente trs horas andando pela mata, ali elas recolhiam tudo o que era possvel de aproveitamento como: fibra para fazer as alas dos balaios, coquinhos de tucum, cascos de tatu para fabricar os colares e palha para cestarias mais finas, alm de folhas medicinais. Seus pequenos cestos voltavam cheios de uma quantidade variada de matria prima para fazer artefatos e, especialmente, de sementes utilizadas como
17 'up em Surui designa o diminutivo. Neste caso elas carregam um pequeno cesto-cargueiro.
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instrumento para construo e tratamento de superfcie das peas cermicas. 18
Todas as ceramistas observadas usam a mesma espcie de semente, pipibap 19 em Suru, como instrumento de trabalho.
Figuras 35 36 - Sementes pipibap utilizadas para alisar, raspar e levantar a pea de argila (frente e verso) 2010.
LocaI de trabaIho As artess que trabalham a cermica, sempre o fazem em uma palhoa que pode ficar ao lado da casa ou mais afastada. Se a casa tiver varanda, pode ser usada como local de trabalho. Todos os espaos usados para modelagem das peas so fora da casa onde habitam. Podem ser construes provisrias cobertas com palmeira de aa que servem na maioria das vezes como cozinha, pois, ali sempre h um fogo a lenha bem pequeno e rstico feito de tijolo barreado, ou uma fogueira que fica permanentemente acesa. Neste espao tambm encontramos balaios de uso pessoal, espigas de milho penduradas nos esteios, redes e outros utenslios domsticos. neste espao que as mulheres passam a maioria do tempo produzindo artesanato, cozinhando, cuidando das crianas e modelando suas peas de argila. Todas essas tarefas pertencem ao universo feminino. Nesses locais externos a casa as pessoas se renem para conversar e durante a modelagem as crianas (meninos e meninas) podem participar e brincar com as argilas. Observou-se que algumas mulheres guardavam suas cermicas dentro das casas , fora, na palhoa, s ficavam as peas que estavam sendo modeladas e as que estivessem sendo utilizadas para cozer ou armazenar.
18 Durante esta caminhada as ndias nos faziam provar frutos nativos, indicavam as plantas, apontando suas qualidades medicinais, alm de mostrarem as rvores que davam origem s sementes pipibap utilizadas como raspadores. 19 Pipibap, segundo Uraan Anderson Suru designa ao mesmo tempo o fruto e a rvore em Suru. Seu nome cientfico segundo Harri Lorenzi (1992, p. 39): Bignonia elliptica Vell. Nomes populares: caroba, carobo.
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Figura 37 - Palhoa situadas prximas casa , como um anexo maneira do Cl Gbgir com forno e rede que serve tambm como local de trabalho para modelar as peas cermicas - 2010.
Figura 38 - Local de produo afastado da aldeia. Cl Kaban - 2010.
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Os locais de trabalho so muito agradveis, pois so na sua maioria bem arejados. Sempre h um fogo ou uma brasa incandescente, ali a fumaa sobe e se impregna nas folhas do teto, criando uma camada preta e brilhante de fuligem, semelhante a que encontramos no interior das peas cermicas. As artess gostam de trabalhar em lugar ventilado 20 , porque acelera a secagem das peas, mas no apreciam vento em demasia, pois isso poderia rachar as peas.
Tcnicas de modeIagem a) Preparo do barro
Para se modelar uma pea, a argila umedecida com gua e batida manualmente at tornar-se homognea. O barro, de cor cinzenta, adquiriu uma cor bege ao longo do processo de sovar a massa. Para amassar o barro elas pegam um pedao de argila e vo batendo alternando de mo, de maneira a deix-la plstica, sem sujeira e pronta para ser trabalhada. Neste caso, novamente, evita-se deixar a argila em contato direto com o cho, local inadequado que poderia contamin-la. No se utiliza nenhuma forma de tempero na massa, isto , no se agregam outros elementos matria prima como chamote ou areia, a argila utilizada tal como foi extrada da fonte e processada manualmente.
Figura 39 40 41 - Umedecendo a argila 2010.
20 Notamos que os indios que pertencem ao cl Gbgir utilizavam palhoas construidas como um anexo de suas casas, enquanto os do cl Kaban, produziam suas peas em um rancho aIastado de sua casa e aldeia.
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Figura 42 43 44 45 46 Artess Pamatoa e Pagopur sovando o barro. Este gesto se repete por toda aldeia neste momento e podemos ouvir o batimento das mos sobre a massa -2010.
b) Construo das peas
Para montar os seus potes, as ndias Suru partem de um rolete de argila que enrolam em forma de caracol, a qual servir de base para a sobreposio de roletes de argila previamente esticados manualmente sobre uma esteira tranada, akape 21 . Essas esteiras evitam o contato da argila com o cho, o que contaminaria a matria prima provocando rachaduras ou perda das peas. Figura 47 48 49 - Preparando o rolete (acordelado) de argila 2010 A pea toda trabalhada atravs da tcnica de rolete ou acordelado. Existem, porm, alguns detalhes nessa forma de modelar. Sobe-se a pea com roletes elaborados manualmente sobre um pequeno akape ou um pedao de tbua at uma
21 MINDLIN, 1985, p 67: deIine akape como pequena esteira onde se sentam as mulheres, na casa, no metare ou no patio.
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determinada altura, mantendo-se uma forma cnica. Quando se chega altura da abertura maior do bojo da pea, prepara-se um suporte de areia (ver fig. 50), que serve de molde de apoio, em forma de cratera, bem circular e simtrico, forrado em seguida com folhas verdes, panos ou pedaos de plstico. Coloca-se a pea cnica no centro desta cavidade e, com a esptula de semente, estica-se a argila at ela atingir as paredes do molde, acomodando-se neste suporte que sustenta a pea. Este ser o local onde a pea ficar durante toda sua modelagem. Ao esticar, as paredes afinam-se trazendo leveza pea, qualidade muito apreciada entre os Suru. A leveza das peas e sua espessura representam qualidade e so apreciadas pelo grupo. Figura 50 - Molde de apoio preparado com a terra do prprio local 2010. Figura 51 52 53 Pamatoa modela a pea centrada no molde - 2010
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No suporte de areia forrado, a ceramista deixa a pea descansar e secar um pouco para logo em seguida comear a levantar o restante da parede que equivale a 2/3 a mais de altura, em relao parte apoiada no molde. Existem controle e cuidados constantes neste momento. O tempo de secagem, modelagem e acabamento se seguem com muita ateno e preciso. Os procedimentos descritos so utilizados para fabricar as peas grandes, como as panelas e vasilhames para servir bebidas Itxirah, lobeah, Toruk. J as peas menores Itirgup, lobeup, tarokup, soup e wexomamup (o sufixo up sempre designa o diminutivo) so todas construdas nas prprias mos das artess sem uso de suporte de apoio. Alm das peas grandes e menores h as soup-souey que so as peas midas. No entanto, a mem-moy, que a pea de argila feita para preparar o beiju de milho, uma placa fabricada a partir de um rolete de argila alisado e polido somente em um dos lados e estendido sobre uma esteira para secar na horizontal. As artess dizem que essa pea tem muito valor, pois as perdas so freqentes na sua manufatura. No foi possvel observ-las produzindo este tipo de pea, s foram encontradas duas delas na aldeia e eram para uso prprio, sem inteno de venda para uso externo. Pode ser que haja pouca procura por estas peas j que elas no so consideradas de valor esttico, mas somente funcional, pois era de uso particular e no destinada comercializao. Durante o processo de modelagem das peas grandes existem vrios cuidados e tcnicas para sustentar a estrutura. As ceramistas usam pedaos de gravetos secos que elas quebram na medida desejada para sustentar as paredes internas durante a sobreposio dos roletes de argila, esses gravetos so colocados do lado de dentro da pea e so retirados assim que a pea seca.
Figura 54 -Gravetos cortados devidamente e posicionados no interior para sustentar as paredes da pea molhada - 2010
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Durante a modelagem, uma vez a pea terminada, elas amarram uma fita que pode ser de fibra ou pedao de pano ou outro material que possa amarrar a boca da pea para evitar que ela entorte durante a secagem. So muitos os cuidados para evitar que a pea entorte. Uma pea que no fosse perfeitamente redonda e simtrica seria considerada uma modelagem mal feita.
Figura 55 - Amarrao da borda da pea com pano ou fibra para no perder a forma - 2010.
Acabamento antes da queima O acabamento de superfcie das peas cermicas se d em uma primeira etapa pelo alisamento utilizando a semente pipibap como raspador para tirar o excesso de argila ou eventuais asperezas e tornar a pea mais leve. Nesta etapa a argila j est com uma consistncia mais estruturada permitindo as artess repuxarem a argila de dentro para fora, definindo a forma da pea e principalmente afinando a parede. Elas passam muito tempo alisando o "lbio das peas, chegando a uma espessura de trs milmetros. Em uma segunda etapa, quando a pea esta ainda mais seca e j se sustenta, o que chamamos na linguagem dos ceramistas de ponto de couro, as
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artess usam um seixo de rio bem rolio e liso para polir as peas. Este polimento interno e externo e tem como funo fechar os poros da argila, tornando-a menos porosa, mais impermevel, lustrosa e mais adequada a cumprir sua funo utilitria de conter lquidos sem vazar.
Figura 56 - Alisamento da pea com a semente pipibap - 2010.
Figura 57 - Polimento da pea com seixo de rio. - 2010.
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Secagem A secagem se d gradativamente durante todo o processo de construo da pea. Esse controle da secagem se faz impedindo que o vento sopre diretamente sobre a pea promovendo uma secagem muito rpida, possibilitando o aparecimento de rachaduras ou trincas comprometendo o resultado final. Para proteger as peas utilizam as esteiras de palha, akape, colocadas em torno das peas, formando uma cabana que as protege.
Figura 58 - Proteo da pea durante a secagem para evitar trincas e rachaduras. - 2010.
Esse controle constante durante a secagem das grandes peas, que so mais vulnerveis, obriga as artess a verificar sempre o ponto de umidade das peas para poderem continuar a ergu-las. Uma vez as peas prontas, as ceramistas no aguardam a secagem completa para submet-las queima. Elas dizem que se a pea secar muito ela trinca, sendo assim elas pegam a pea em "ponto de couro (ainda mida) e a levam para um primeiro esfumaamento interno e neste momento que a pea, atravs deste pr- aquecimento, seca de maneira considerada adequada e segura.
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Figura 59 - Mapinor fazendo o Pr-aquecimento das peas ainda midas, provocando um esfumaamento interno. - 2010.
Queima A queima das peas Suru envolve uma srie de procedimentos e envolve trs etapas: pr-aquecimento, queima e esfumaamento alm de um revestimento final com o suco do jequitib. Como j comentamos as peas devem estar em "ponto de couro e no totalmente secas para passarem pelos vrios processos que envolvem a queima. Primeiro, as artess preparam uma pequena instalao de madeira, um pouco verde ainda com braseiro na ponta e que produza bastante fumaa. Nesta etapa no interessa a elas o fogo, mas somente a fumaa com baixo calor; nesta etapa elas emborcam a pea apoiando-a sobre a lenha. Nesse procedimento todo cuidado pouco, pois com a pea ainda mida no pode haver fogo, apenas a fumaa. Quando por alguma razo o fogo acende, as ceramistas prontamente o apagam com gua; neste caso elas retiram a pea, borrifam gua sobre a lenha para apagar a chama e reposicionam a pea de cabea para baixo sobre a fumaa. O lugar escolhido para a queima normalmente mais prximo da mata e protegido do vento para evitar a combusto intensa da lenha: elas no queimam em lugar descampado onde h circulao de vento.
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O processo de esfumaamento pode demorar horas, se forem panelas grandes ou no mximo trinta minutos se forem peas pequenas. Alm de ser um processo de secagem das peas, tambm um procedimento de pr-aquecimento e preparo da pea para a queima. As artess explicam que este processo de esfumaar protege o interior da pea pela fumaa, a qual se impregna nos vasilhames cermicos tornando-os mais impermeveis. Uma vez feito o esfumaamento e secagem da pea, elas pegam os balaios grandes e vo para roa buscar casca de Breu-Branco 22 seco para a queima. A distncia das roas at a aldeia varia de 500 metros a 2 km. Na roa elas encontram troncos de madeira seca, mas se utilizam apenas da casca de rvores que contenham secrees resinosas (breu), substncias combustveis e inflamveis. Berta Ribeiro, (1988) define Breu como: "Denominao comum a varias espcies de Burserceas arbreas, produtoras de resina que, coagulada no tronco da rvore, constitui o breu. As ceramistas descascam os troncos cados e secos e enchem seus balaios, voltando para o lugar onde ser feita a queima das peas.
Figura 60 - Artess na roa tirando a casca de arvore tombada e seca. - 2010.
22 Em rvores da Amaznia o breu definido como da famlia botnica: bursercea e produz uma resina perfumada.(Silva, S, 2006, p.62).
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Figura 61 Lourdes Suru Carregando as cascas de rvore para o local da queima 2010.
Notou-se que durante a queima as mulheres ficam ss, sem a presena das crianas que no participam deste momento do processo. Crianas apenas participam no momento da modelagem quando lhes permitido pelas ceramistas ficarem junto, as meninas modelando e aprendendo a fazer potes e os meninos lambuzando o corpo com a argila.
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Muitas vezes a queima se d em um lugar mais afastado da aldeia, pois no pode haver barulho durante a queima. A queima o momento em que a ceramista se concentra totalmente para no perder todo seu trabalho. interessante destacar que se elas perdem uma pea por acidente como o que ocorreu quando um cachorro passou e amassou a pea, ou quando uma arara ou papagaio arrancam um pedao dos lbios da pea, comprometendo-a, ou uma criana sem querer danifica a pea, isso na viso da ceramista no gera problema. Mas perder a pea por uma falha no processo, seja na modelagem ou na queima, gera desconforto e comentrios na aldeia. Por esta razo, afastar-se do local onde h agitao e barulho se faz necessrio. As ceramistas cuidam individualmente de sua queima, cada uma tem seu fogo e prepara sua prpria queima. Preparam um suporte com a casca do Breu, em seguida acomodam a pea de boca para baixo e depois a envolvem com a casca da rvore criando uma cabana. Se as peas forem pequenas, elas queimam at trs ou quatro de uma s vez, caso contrario, elas a queimam uma a uma.
Figura 62 - Gobi prepara o local para queima. Depois do esfumaamento interno a artes retira a pea com o auxilio de folhas verdes que servem de luva para no se queimar 2010.
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Figura 63- Estrutura feita da casca seca na base da fogueira sobre as brasas da lenha utilizada para o esfumaamento. Elas utilizam a mesma fogueira para o esfumaamento e a queima 2010
Figura 64 Gobi preparando a base de sua fogueira para receber a pea que ser queimada 2010.
Figura 65 Gobi emborcando a pea ainda quente depois do pr- aquecimento sobre a cama de casca de rvore para a queima propriamente dita.
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Figura 66 - Seqncia do procedimento para envolver a pea com a casca seca do breu -2010.
Figura 67 68 - Construo da cabana em volta da pea-2010.
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Figura 69 70 71 -Seqncia da queima 2010
nesta etapa da queima que ocorre a transformao de argila para cermica, e a combusto forte, pois o breu uma resina, podendo as peas atingir uma temperatura entorno dos 700c. A queima se faz sem mais interferncia prosseguindo por si s at a casca da madeira seca ser totalmente consumida. Uma vez a cabana construda em volta da pea, no se acrescenta mais casca de madeira, apenas deixa-se o fogo queimar e diminuir ao seu prprio ritmo. A nica preocupao, como foi mencionada, esta relacionada escolha de lugares mais protegidos do vento, perto da mata para evitar uma combusto muito rpida. Esta queima pode variar de meia hora a quarenta minutos dependendo do tamanho das peas. No entanto, o resfriamento da pea no prprio local da fogueira lento e respeitado como parte do processo da queima, no havendo precipitao para a retirada da pea. As ceramistas em geral tm um olhar clnico e comentam o resultado da queima, se houve trincas ou no durante o processo. So muito raras as trincas, mas se houver, elas sero preenchidas com uma massa de cera de abelha no intuito de vedar a rachadura. Depois de a pea esfriar e chegar a uma temperatura ambiente elas a retiram e limpam para tirar as cinzas. No mesmo dia ou no dia seguinte elas realizam a ltima etapa da queima que consiste em esfumaar a pea por dentro, emborcada sobre madeiras no muito secas a fim de criar maior resistncia e fechar os poros da cermica com a resina que adere superfcie interna das peas. Durante esse processo, alternadamente, passam um caldo feito de gua misturada entrecasca de Jequitib(ver Fig.75) do lado externo para dar maior firmeza cermica. Este caldo s se passa nas panelas grandes que sero
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utilizadas para cozer alimentos. Uma vez feitos todos esses procedimentos as peas estaro prontas para uso e apreciao da comunidade
Figura 72 Mapinor prepara a fogueira sem chamas, borrifando gua manualmente para produzir fumaa 2010.
Figura 73 - Esfumaamento interno da pea cermica 2010.
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Acabamento aps a queima Todas as peas recebem, ainda midas, um esfumaamento interno como pr-aquecimento. Esta fumaa impregna a superfcie da pea provocando um enegrecimento da parte interna, no com o propsito decorativo, mas, para torn-la menos porosa e mais impermevel. No entanto, somente as peas destinadas para cozer recebem o acabamento final com o lquido da casca do Jequitib 23 que aplicado do lado externo da pea j queimada e ainda quente, logo aps o segundo esfumaamento. O Jequitib (Cariniana estrellensis) 24 uma rvore da famlia das Lecitidceas, cuja entrecasca expele seiva vermelha, usada na tintura dos cestos pelos ndios Kayabi (Berta Ribeiro, 1988). Segundo as artess, o lquido da entrecasca do jequitib se infiltra na cermica trazendo maior resistncia das peas ao calor do fogo quando forem usadas para cozer alimentos.
Figura 74 -Entrecasca do jequitib.-2010.
23 O Jequitib contm uma sustncia chamada tanino. A aplicao do tanino nas panelas feita batendo-se, vigorosamente, com uma vassourinha embebida com o mesmo, na pea ainda quente, imediatamente aps ter sado do fogo. Este processo de impregnao conhecido como "aoite". Como resultado, o tanino penetra nos poros da cermica, cobrindo fissuras e tornando-a impermevel, servindo tambm para impedir a proliferao de fungos, que, com o correr do tempo, esfarelam o barro. Referncia Arte Popular, cermicanorio: WWW.ceramicanorio.com. Data: 28/04/2011 s 12h30min. 24 As propriedades bioativas de sua casca tm despertado a depredao de rvores milenares. Os jequitibs pertencem a uma espcie vulnervel, em alguns lugares nativos, como no estado de Pernambuco, por exemplo, j em extino. Esta situao semelhante em Rondnia devido ao desmatamento.
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Figura 75 76 - Aplicao da tintura da entrecasca de Jequitib na parte externa das peas, aps a queima final - 2010
Essa tintura de cor avermelhada preparada com a entrecasca do Jequitib, macerada na gua, e aplicada, em uma primeira etapa, com a pea emborcada, sendo que o lquido espremido escorre da base da pea para suas laterais formando linhas paralelas. Em seguida esfrega-se o lquido com a prpria entrecasca em toda a superfcie externa da pea. Quanto ao acabamento interno, aps a queima, a pea novamente esfumaada, desta vez por dentro, adquirindo uma superfcie lisa, de colorao preta e brilhante. O jequitib na parte externa produz linhas escorridas de tons avermelhados.
Figura 77 - Acabamento interno e externo de uma panela Itxirah pronta - 2010. H: 46,5 cm ; D: 43,7cm.
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Uso da cermica Tradicionalmente a cermica Suru voltada exclusivamente para a produo de peas utilitrias. No se tem conhecimento da criao de peas decorativas produzidas por este povo. Cada forma utilitria tem uma denominao e uso especfico que as diferenciam e as tornam adequadas sua funo como, por exemplo: a Itxirah uma das maiores panelas feitas pelas artess e tem como funo cozer alimentos. Nessas grandes panelas as ndias cozinham numerosas receitas como a sopa de car ou de milho, variedades de caa e, antigamente usavam estas panelas para preparar a makaloba 25 , bebida fermentada consumida durante rituais especficos. Como essas bebidas no so consumidas imediatamente, as artess fabricam cestos que servem como tampa destas panelas de forma a proteger e preservar esta bebida. Figura 78 - Cestos gameliformes utilizados para tampar a boca das panelas que contm sopa de car. Aldeia Joaquim linha 11. 2010.
Esses paneles itxirah tm tampas-cesto, que so feitas pelas mulheres exclusivamente sob medida para a pea de cermica. A funo desta tampa a de preservar o alimento de insetos indesejveis e qualquer outra infeco do alimento por vias areas proporcionando maior conservao da sopa ou bebida.
25 A Makaloba uma bebida fermentada base de car, milho ou macaxeira.
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Figura 79 - Detalhe do tranado da tampa-cesto 2010.
Por definio, os cestos gameliformes so:
Cesto-recipiente e/ou cargueiro (transporte sobre a cabea) semelhante gamela. Ou seja, de borda alargada e dimetro proporcional ao da base. O bojo do cesto caracteriza-se por ser "atarracado, isto , mais largo que alto, podendo assumir as seguintes conformaes: retangular, quadrada, arredondada. Os de tamanho maior servem para a guarda e transporte de provises, sendo freqentes os miniaturizados. Tranados para uso e conforto domstico (RBERO, B, 1988 p.47).
As cermicas lobeah e lobeup so peas utilizadas para servir sopas, bebidas ou gua e tambm alimentos slidos como peixe e outros. uma vasilha raza, mas seu dimetro grande, podendo conter muito lquido. Nas festas so usadas para as pessoas beberem a makaloba. Percebemos que nas laterais das lobeup existe uma impresso de cada lado resultado da aplicao mais fortes do polegar sobre a argila ainda mole. Esses dois pontos facilitam segurar a vasilha no ato de beber seu contedo.
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Figura 80 - cermica Lobeah 2010. H: 20,5 cm; D: 43,5 cm A mem moy uma pea de cermica plana de forma elptica e serve para fazer o beiju Suru, que uma panqueca base de milho.
Figura 81 - A pea men-moy uma placa cermica usada para preparar as panquecas de milho. Para cozinhar a panqueca ela colocada sobre a brasa 2010. 27,0 cm x 32,0 cm.
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A pea torukup possui uma asa e serve para pegar os lquidos das grandes panelas, tem a funo de uma concha. Essa forma lembra muito a de uma cabaa cortada ao meio.
Figura 82 - Toruk e Torukup so peas usadas para servir lquidos 2010.
As wexomamup so peas utilizadas para armazenar a tintura de jenipapo usada na pintura corporal. Essas panelas tm furos laterais e uma ala feita de barbante de algodo para serem transportadas.
Figura 83 - Pea para armazenar tintura de jenipapo. Coleo Betty Mindlin 2010. H: 8,4cm; D: 9,2 cm.
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Os fusos utilizados para fiar o algodo, so feitos de madeira com rodas de cermica. Neste caso a cermica parte de uma ferramenta de trabalho. Segundo Berta Ribeiro:
Figura 84 - Fuso para fiar algodo, feitos de madeira e cermica - 2010.
A fiao do algodo exige o uso deste implemento: o fuso. Consta de uma vareta afinada em sentido pstero-anterior, com inciso, salincia chanfrada ou gancho na ponta, para prender o fio. A aproximadamente 10cm da extremidade da haste adaptado o tortual, que pode ser de cermica, pedra, osso, casco de tatu, jabuti etc. Quando de cermica, o disco do fuso geralmente feito pela mulher.( Ribeiro,B,1997, p.352, Suma Etnolgica)
As soup-soupey so peas midas, usadas para beber ou armazenar gua e guardar material para fazer colares. Na sua maioria, as peas cermicas produzidas pelos Suru tm uma relao com o preparo ou oferenda de alimento, principalmente as Itxirah, panelas grandes, onde preparada a sopa que pode ser considerada a base de todas as receitas deste grupo. importante verificar as informaes sobre alimentao e receitas Suru (Betty Mindlin, 1985, pg. 62 a 66) e observar a importncia e sofisticao que envolve os alimentos e tambm as cermicas utilitrias j que estas ltimas se prestam ao preparo destas receitas.
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Figura 85 - Soup-Soupey, essas peas tm tamanhos variados e normalmente formas de cuias ou de jarra para conter lquidos 2010.
Para os utilitrios em geral a denominao genrica Soup. Entre esses encontramos uma variao de cermicas que foram elaboradas a partir do contato com a sociedade nacional, a exemplo das panelas de alumnio. So panelas pequenas com tampa e asas; estas no so utilizadas no dia a dia pelas ndias Suru e so destinadas exclusivamente a venda para no ndios.
Figura 86 - Panela com tampa criada por uma ndia depois do contato. Essas possuem alas para segurar e tampa feita em argila. Dizem que foi uma criao baseada na forma de panelas dos colonos. Esta foi a nica pea criada recentemente aps o contato, no entanto ela s produzida para venda para no ndios e no utilizada na aldeia Suru.- 2010. H: 15,0 cm; D: 18 cm.
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ReutiIizao ou descarte dos cacos cermicos Quando uma pea de cermica quebra, no totalmente descartada. No caso das grandes panelas, principalmente, existe uma reutilizao dos cacos principalmente dos bojos pois estes ainda permitem conter algo. No preparo do Urucum para pintura de cestarias, por exemplo, as mulheres se utilizam destes cacos. Assim os fragmentos cermicos tm grande utilidade e neste caso servem de recipiente para o preparo da tinta vermelha. Outra forma de reutilizao destes cacos para guardar pequenos fragmentos de casco de tatu ou coquinho de tucum para fabricao de colares. Tambm servem para apoiar a argila sovada enquanto trabalham na confeco de uma pea.
Figura 87 - Caco cermico (bojo de uma panela) onde as ndias preparam a tintura vermelha de urucum, usada, neste caso, para pintar cestaria 2010.
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ComerciaIizao A comercializao dos artefatos Suru se d atualmente de vrias maneiras. Embora o nmero de famlias que produzem cermicas seja significativo, verificamos no grfico (fig.89) que a maior produo a de adornos comuns, como colares, pulseiras, brincos e anis. Estes itens so mais apropriados para venda, j que parecem ser mais atrativos que a cermica, cujo preo final, maior em funo do empreendimento que envolve sua produo, alm das dificuldades para o acondicionamento e o transporte das peas sem perdas.
Figura 88 - Acondicionamento das peas com folhas verdes para transporte e venda- 2010
Esses artefatos produzidos pelos Suru em geral so vendidos em Cacoal, cidade prxima a 50 km da aldeia da linha 14. s vezes so vendidos pela FUNA ou na prpria aldeia quando recebem visitantes ou turistas. A exemplo disto, o Museu do ndio - RJ comprou em 2006 uma coleo de peas Suru e recentemente em 2011 comprou parte das peas que foram produzidas durante a nossa estadia na aldeia Gbgir em Julho de 2010.
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Figura 89 tipos de artefatos, percentual e nmero de pessoas que os produzem entre 158 famlias entrevistadas. (Relatrio Socioeconmico, Associao Metareil do Povo ndgena Suru, 2010)
Figura 90 - Grfico-Percentuais e nmeros das matrias primas mais coletadas para confeco de artefatos de cultura material entre as 158 famlias entrevistadas. (Associao Metareil do Povo ndgena Suru, 2010).
Os aspectos econmicos e culturais tradicionais, ainda vivos entre os Suru, vo deixando de ser produzidos, pelo desuso, pouco uso e ainda pela dificuldade em sua comercializao. Neste levantamento os artefatos que ainda continuam a ser produzidos em maior ou menor escala so os adornos mais tradicionais, como o larpi (cinto masculino feito com casca de tucum), os grossos colares tambm confeccionados com tucum, que muitas vezes contavam at 30 voltas; os utilitrios, como os mais variados tipos de cermica (loba, ixira, lobed, torokup, ixirinup), utilizados para vrias finalidades na culinria tradicional; a cestaria mais sofisticada, como o adhiter (cesto com trip), os diferentes tipos de niti (niti hiter, nakaa etc.); os objetos de tecelagem como redes e tipias (agoyb); as armas como arcos e flechas, esmeradamente trabalhados com algodo, espinhos de porco espinho e at as fibras oratapa para colares so atualmente confeccionados por poucas pessoas dentre os mais velhos do grupo. (Relatrio Socioeconmico Associao Metarela, 2010).
Atravs destes grficos, pudemos verificar que ainda h um percentual bastante representativo de famlias que praticam a coleta de materiais para desenvolverem seu artesanato. A cermica uma produo ainda representativa e sua venda faz parte do oramento das mulheres artess Suru.
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CAPTULO 3 AnIise tecnotipoIgica da cermica Suru.
A morfologia dos vasilhames considerada um elemento definidor da identidade cultural de um povo e est diretamente ligada a utilizao do objeto. A forma est intrinsecamente ligada sua funo. Assim as dimenses das panelas so determinadas em funo do seu contedo. Exemplo: panelas grandes so destinadas a cozinhar o porco, o macaco e ao preparo das sopas e da makaloba. Os vasilhames menores so para servir a bebida ou sopas e os pequenos para conter gua, guardar materiais para confeco de artesanato como colares e tambm para conter o jenipapo utilizado na pintura corporal.
AnIise das formas
Os critrios utilizados aqui, para anlise das formas desses objetos, foram baseados nos estudos empregados por Gomes no seu estudo da coleo cermica Tapajnica: Segundo o uso geral proposto por Chmyz (1976) e o emprego especfico feito por Guapindaia (1993) no estudo da cermica Santarm e por Scatamacchia et alii (1991) no caso da cermica Tupi-guarani. Estes foram usados para descrever as partes constituintes de vasilhames cermicos:
Boca abertura do vaso Borda parte terminal da parede, junto boca Colo parte localizada entre o corpo e a boca ou entre o corpo e o gargalo, determinado pela presena de um ponto angular, situado imediatamente acima do ponto de tangncia vertical. Gargalo forma de boca afunilada, que tem incio acima do ponto de dimetro mximo do vaso, sendo determinado por um ponto angular ou um ponto de inflexo. Corpo parte situada entre a base e a boca, entre a base e o colo ou entre a base e o gargalo. Caritides figuras antropomorfas modeladas, que servem de sustentao vasilha do vaso de caritides e se apiam sobre uma base. Flange salincia horizontal, adicionada parte exterior da vasilha, podendo, neste caso, ser labial (abaixo da borda/gargalo) ou mesial (no corpo). Apndice Salincia externa acrescentada ao corpo da vasilha, podendo ser ala, asa, flange ou, ainda, figuras tridimensionais zooformas ou antropomorfas modeladas. Base parte inferior, que sustenta a vasilha. A fim de estabelecermos a estrutura, o contorno do corpo e a proporo, foram usados os critrios estipulados por Shepard (1985: 224- 248) e utilizados anteriormente por Scatamacchia et alii (1991):
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Ponto Terminal (PT) ponto de tangncia horizontal tomado sobre o lbio ou sobre a base onde se assenta a vasilha. Ponto de Tangncia Vertical (PTV) ponto de tangncia vertical ao corpo da vasilha e que determina o dimetro mximo ou o dimetro mnimo. Ponto Angular (PA) ponto onde a direo da tangente muda abruptamente, por ter sido alterado o contorno da vasilha, induzindo um ngulo. Ponto de nflexo (P) ponto onde a curvatura da vasilha muda de cncava a convexa e vice-versa. Para Shepard (1985:28), a estrutura da vasilha pode ser de dois tipos: fechada ou aberta. Esta definida a partir da relao entre o dimetro da vasilha e o dimetro da boca. Formas fechadas so as que possuem o dimetro da boca menor do que o dimetro mximo da vasilha e formas abertas so aquelas que o dimetro mximo da vasilha coincide com o da boca. Entre as formas fechadas existem aquelas com gargalo, marcado pela existncia de um ponto angular ou de inflexo entre o pescoo e o corpo da vasilha. Segundo os pontos acima estabelecidos por Shepard (1985), as formas da Coleo Tapajnica tiveram seu contorno classificado entre simples, composto, inflectido e complexo. Tal classificao bsica leva em conta os pontos angulares e de inflexo existentes, sendo desconsiderados os pontos angular ou de inflexo, situados entre o corpo e suportes, bem como entre o corpo e a base, pois resultaria em agrupar formas no relacionadas. Desse modo, so formas de contorno simples aquelas que no possuem nem PA e nem P; formas de contorno composto as com apenas um PA; formas de contorno inflectido as com apenas um P; formas de contorno complexo as com dois ou mais PA e ou P. No que se refere s propores, estas foram consideradas a partir das relaes entre altura do vaso e seu dimetro mximo (Shepard 1985; Rice 1987: 215-216), tendo sido por ns estabelecidas as seguintes classes de vasilhas: 1. Prato a altura da pea sempre menor do que 1/5 do dimetro mximo. 2. Tigela Rasa a altura da pea sempre maior do que 1/5 do dimetro mximo, mas menor do que 1/3 do dimetro mximo. 3. Tigela Mdia a altura da pea sempre maior ou igual a 1/3 do dimetro mximo, mas menor do que 1/2 do dimetro mximo. 4. Vasilha a altura da pea maior ou igual a 1/2 do dimetro mximo. 5. Vaso a altura da pea maior ou igual ao dimetro mximo.
Na descrio das formas e de suas partes constituintes foram utilizados os princpios gerais propostos por Shepard (1985: 232-236), que privilegiam a abordagem geomtrica. Embora, como aponta a autora, muitas das combinaes encontradas no vasilhame cermico no possam ser matematicamente expressas, empregamos os termos esfera, calota esfrica, hemisfrico, oval, ovalide, elptico, elipside, hiperbolide, cnico, cilndrico, na tentativa de correlao com os slidos, suas sees, formas aproximadas a eles e superfcies geomtricas. (GOMES, 2002, p.72,73,74).
Em muitos casos percebemos que na produo da cermica indgena existem interferncias, desde pinturas at incises e relevos, uma vez que o material cermico se presta como suporte para receber motivos decorativos.
A maioria dos artefatos de uso domstico e de trabalho objeto de decorao. Entre todos, destaca-se a cermica, No s como o campo decorativo preferencial, no mbito da tralha domstica, mas tambm o
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principal veculo de expresso esttica do grupo feminino (Suma etnolgica, Van Velthem, p.99).
No entanto, a cermica Suru no possui nenhuma interferncia decorativa, a sua preocupao , nica e exclusivamente, com a forma. Sendo assim, podemos dentro dessa anlise simplificar alguns dados, j que no temos a presena de relevos, incises ou modelagem de figuras antropomorfas ou zoomorfas como na cermica Marajoara e Santarm. Neste caso, uma anlise descritiva e minuciosa da cermica Suru se faz necessria para verificar se ocorreram mudanas nas formas, acabamento de superfcie, decorao e volumes dos utenslios cermicos atuais, nas peas adquiridas durante trabalho de campo em 2010, em relao s peas das colees pesquisadas manufaturadas nas dcadas de setenta a noventa do sculo XX. Segundo Sronie-Vivien (1975, p.60) "as cermicas podem ser divididas em duas grandes categorias: essas que o perfil no varia quando se faz girar o objeto em volta de seu eixo e essas que no tem essa simetria. No caso das cermicas Suru trabalhamos na perspectiva de classificao dentro de uma categoria simtrica em que os resultados sero a juno de trs partes elementares que so a base, o bojo e o pescoo da pea. Empregamos os termos, segundo Sronie-Vivien (1975): Base, corpo e abertura, cuja correspondncia se faz relacionada ao fundo da pea, o corpo ao bojo e a abertura boca. Seguindo esse raciocnio podemos afirmar que as cermicas Suru tm em sua maioria: uma base em perfeita continuidade com seu corpo.
Figura 91 92 Podemos verificar as bordas muito finas (variam de 0,2 cm a 0,4 cm) denominadas de lbios. Coleo Mindlin 2010.
A seguir fizemos a catalogao das peas da coleo particular pertencentes a Dra. Betty Mindlin. No total so onze peas, sendo sete panelas Itxirah, uma lobeah, uma Toruk e duas Soup que datam do final dos anos setenta do sculo XX. Faremos tambm o levantamento de uma srie de peas da coleo de Betty Mindlin dos anos oitenta do sculo XX e de algumas peas mais recentes coletadas em 2010 durante nossa pesquisa de campo.
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ITXIRAH
Figura 93 Panela Itxirah- Coleo biblioteca Mindlin - 2010
Altura
45,5 cm Dimetro
43,0 cm Curva
160 Estrutura
Aberta Forma
Ovide Espessura
0,4 cm Contorno
Composto Acabamento
Polido
86
SOUP
Figura 94 Travessa soup. Coleo biblioteca Mindlin 2010.
Altura
11,0 cm Comprimento 31,5 cm Largura 23,5 cm
Curva
90 Estrutura
Simples Forma Elptico Espessura 0,2 cm
Contorno fechado
Acabamento Polido
87
TORUK
Figura 95 Cuia toruk para servir sopas e bebidas. Coleo Biblioteca Mindlin 2010.
Altura
13,0 cm Comprimento 28,0 cm Largura 24,0 cm
Curva
80 Estrutura
Aberta Forma
Esfrica Espessura
0,2 cm Contorno
Simples Acabamento
Polido
88
LOBEAH
Figura 96 Vasilhame lobeah. Coleo biblioteca Mindlin - 2010
Altura
13,0 cm Dimetro
23,0 cm Curva
130 Estrutura
Fechada Forma
Ovide Espessura
0,3 cm Contorno
Composto Acabamento
Polido
89
ITXIRGUP
Figura 97 Panela itxirgup. Coleo biblioteca Mindlin - 2010
Altura
21,0 cm Dimetro
22,0 cm Curva
70 Estrutura
Fechado .forma
Ovide Espessura
0,2 cm Contorno
Composto Acabamento
Polido
90
SOUP
Figura 98 Vasilhame soup. Coleo biblioteca Mindlin 2010.
Altura
17,0 cm Dimetro
21,0 cm Curva
160 Estrutura
Fechado Forma
Ovide Espessura
0,2 cm Contorno
Composto Acabamento
Polido
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ITXIRAH
Figura 99 Panela tingida com tintura do jequitib. Coleo biblioteca Mindlin 2010. Altura
43,0 cm Dimetro
41,0 cm Curva
130 Estrutura
Fechado Forma Ovide Espessura 0,3 cm contorno composto Acabamento Polido
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SOUP
Figura 100 vasilhame soup.Coleo biblioteca Mindlin 2010.
Altura
17,0 cm Dimetro
21,0 cm Curva
60 Estrutura
Fechado Forma
Esfrica Espessura
0,2 cm Contorno
Composto Acabamento
Polido
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AnIise IaboratoriaI: componentes das argiIas, presena de pinturas vegetais ou minerais de superfcie e temperatura de queima
As anlises referidas foram realizadas na Escola SENA Mario Amato Ncleo de Tecnologia Cermica, no Laboratrio de Microscopia Eletrnica de Varredura MEV. So Bernardo do Campo SP. Foi usado o sistema de Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV), anlise por EDS (Espectro por Energia Dispersiva) e Determinao da temperatura de queima atravs da avaliao da porosidade aparente e absoro de gua, Segundo o relatrio do SENA pode-se determinar aproximadamente, atravs da curva de porosidade (fig.102) e da curva de absoro de gua( fig. 103), a temperatura de queima da cermica Suru. "Os grficos foram elaborados para possibilitar a estimativa da temperatura de queima da amostra, utilizando a curva de densificao da amostra, pois as propriedades de absoro, porosidade e densidade esto intimamente ligadas com a sinterizao da pea cermica (relatrio SENA). (ver anexo 2). Para esta anlise foi usado um pote cermico Suru datado de 2010, feito durante nossa estadia na aldeia e tambm uma amostra de um caco cermico coletado aleatoriamente na aldeia Suru Gabgir situada na linha 14 da T. Sete de Setembro. "Atravs da interpolao possvel determinar uma temperatura estimada das amostras, sendo de 665 30C para o pote e 690 30C para a amostra coletada. Na tabela a seguir temos a configurao em porcentagem da porosidade e da absoro de gua do pote e da amostra coletados.
TABELA DE POROSDADE E ABSORO DE GUA orosldade e absoro 1emp. C
a
Aa
1emp. de quelma (LS1lMAuA)
600 700 800 oLe AM l 23,33 16,67 11,12 18,46 17,33 16,86 12,71 8,83 13,88 12,39 . . . 663+-30C 690+-30C
Figura 101 Tabela de porosidade e absoro de gua.
94
Figura 102 - Grfico de Porosidade (Relatrio SENA) 2010.
Figura 103 - Grfico de Absoro de gua (Relatrio SENA) 2010.
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Podemos dizer que essas queimas so de temperatura relativamente baixas. Nessas temperaturas que giram em torno dos 700C, as reaes qumicas so pequenas e apenas servem para tirar a gua de cristalizao e para a queima da matria orgnica (carbono).
A arte de queimar as argilas consiste em obter um grau de fuso e de solidificao suficientes para atingir o objetivo desejado sem derreter a pea ou deform-la. O conjunto deste tratamento das peas denominamos de maturao. (RHODES, p. 26, traduo nossa).
A partir da anlise da tabela de microscopias e anlise qumica abaixo encontramos na cermica Suru a presena dos seguintes elementos: C, O, NA, MG, Ca, Al, Si, Cl, K, Ti e Fe.
110) TABELA DE MCROSCOPAS E ANLSE QUMCA
LlemenLos Arglla
Massa
LsmalLe
C C na Mg Ca Al Sl Cl k 1l le 1oLal 9,36 14,28 0,14 0,32 0,31 13,03 33,39 0,09 3,27 1,20 20,00 100,00 . 14,24 0,02 0,30 0,74 18,19 33,20 0,27 2,38 2,37 27,77 100,00
Figura 104 Tabela de microscopia e anlise qumica relatrio SENA 2010.
Pudemos constatar que os resultados indicam que a argila compatvel com a massa da qual foi confeccionado o pote analisado, pois, as composies elementares que constituem a argila e a massa so semelhantes. A ausncia do carbono (C) na massa indica o processo de queima onde ocorre a dissociao dos carbonatos. A ausncia total de carbono na massa indica tambm que a argila coletada contm apenas carbono resultante de materiais orgnicos novos e de
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superfcie, no indicando a presena de cristais de carbono. Ao verificar o quadro de microscopia e anlise qumica notamos tambm que a presena de carbono nesta porcentagem responsvel pela plasticidade da argila e define tambm sua porosidade, assim, a presena de 9,56 % de carbono nesta argila a torna uma argila de plasticidade adequada para modelagem. O fato de no encontrarmos a presena de carbono na massa j calcinada "nos permite concluir que o carbono presente na argila no composto de cristais de carbono e sim de um material orgnico que volatiliza por inteiro definindo por sua vez a alta porosidade deste material uma vez queimado (Paschoal Giardullo, 2011) 26 . A questo da plasticidade na argila determinada pelo carbono e a sua porosidade pela sua ausncia na massa. Assim:
As argilas, mais apropriadas para manufatura de utilitrios que sero empregados com a finalidade de cozer alimentos, so massas abertas e porosas. Esses tipos de panelas so bastante flexveis e se acomodam facilmente aps a dilatao e contrao que resultam do aquecimento dessas peas. Essas podem ser colocadas sem riscos sobre um fogo a lenha. Peas desse tipo, no entanto, que podem ir ao fogo direto sem correr o risco de se quebrarem, apresentam alta porosidade e normalmente permitiriam os lquidos e gorduras de penetrar e se impregnar na matria. (RHODES, 1976, p.55, 56, traduo nossa).
Outro elemento presente em grande quantidade nesta argila o ferro (F). O ferro, que tem uma temperatura de sinterizao mais baixa, est presente em uma porcentagem de 20% segundo a tabela (fig. 104), o qual determina o ponto de fuso da massa e tambm a sua colorao. Podemos identificar que a presena de tonalidades diferentes nas peas Suru, que variam do bege, amarelados, laranjas e marrons permitem afirmar que h uma presena importante de ferro na argila. O fato de termos estas tonalidades e a presena de manchas escuras em algumas regies externas da pea so determinados pelo tipo de queima que poderia ser classificada como uma queima oxidante-redutora. No entanto, quando a pea emborcada para o esfumaamento no seu interior podemos falar de uma queima interna totalmente redutora. A cermica Suru tem uma colorao que passa pelas tonalidades de amarelos, bege, preto, laranja e marrons. Elas apresentam uma textura lisa e suave devido ao acabamento fino e elaborado. Segundo Rhodes:
26 Depoimento ao autor Ieito por Paschoal Giardullo, geologo, pesquisa materias primas para o preparo de argilas destinadas ao uso por ceramistas, artista e outros. So Paulo 20/02/2011.
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Mesmo tendo, alm do xido de ferro outros xidos, esses esto presentes na composio da massa em to pouca quantidade que seus efeitos de tingir a argila so mnimos, assim o ferro predomina na maioria dos casos. Alm disto, o que pode determinar a colorao da argila a forma pela qual queimada. (Rhodes, 1976, p.44, traduo nossa).
Figura 105 Tonalidades da superfcie de uma pea em queima oxidante-redutora. Coleo Betty Mindlin 2010.
Figura 106 Detalhe da superfcie de pea. Coleo particular Betty Mindlin 2010.
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Conforme as colocaes de Rhodes constatamos como se pode ver na tabela(fig. 104) que existe a presena de outros minerais na argila como Na 0,14%, Mg 0,32%, Ca 0,51%, al 13,03%, K 5,27%, Ti 1,20%. Todos esses elementos se encontram em porcentagens muito inferiores a do ferro, razo pela qual existe uma nitida predominncia de sua colorao na massa. Figura 107 - Queima redutora, parte interna da pea. Coleo biblioteca Mindlin 2010.
Conforme foi descrito no segundo captulo, o processo de queima consiste em trs etapas. A primeira etapa, um pr-aquecimento e esfumaamento interno da pea, propicia a fixao de elementos qumicos na argila. J nesta etapa, a superfcie da pea estando fria gera mais condensao e fixao de elementos que propiciam uma maior impermeabilizao do interior da pea. A segunda etapa consiste em queimar a pea aproximadamente por volta dos 700c, segundo os grficos de porosidade e absoro de gua das tabelas (fig. 102 e 103) e a terceira
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etapa consiste em fazer um esfumaamento interno. O resultado que decorre desses procedimentos permite uma maior vedao dos poros internos da pea. "O esmalte que recobre a pea cermica produto de uma deposio de resina orgnica, indicado pelo alto nvel de carbono (C) e oxignio (O) na composio". (Relatrio SENA, 2010). Esmaltes normalmente utilizados por ceramistas teriam retraes e craquelariam em argilas deste tipo (RHODES, 1976). J os procedimentos de esfumaamento e criao de esmaltes por deposio que esse grupo desenvolveu criam uma fina camada de esmalte que veda os poros das panelas e vasilhames tornando-os impermeveis e possibilitando tanto o armazenamento de lquidos quanto o cozimento de alimentos. Esta camada de esmalte permite tambm limpar com facilidade as peas para serem reutilizadas, obtendo uma excelente higienizao da panela. Nas fotos a seguir realizadas pelo SENA podemos visualizar a fina camada de esmalte natural sobre as peas. Essas fotos foram realizadas por Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) e anlise por EDS (Espectro por Energia Dispersiva).
Figura108 - Foto microscopia. Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) e anlise por EDS (Espectro por Energia Dispersiva) relatrio SENA 2010.
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"A microscopia foi realizada em um fragmento da pea fornecida, cortado para possibilitar a visualizao da camada de revestimento que possui, aproximadamente, 10WM. A estrutura da massa semelhante a uma composio de argila. O ponto indicado refere-se regio onde foi realizada a anlise qumica por EDS, identificada com esmalte. (relatrio SENA, 2010).
Figura 109 - Foto microscopia. Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) e anlise por EDS (Espectro por Energia Dispersiva) relatrio SENA 2010.
Esta microscopia foi realizada em outro fragmento da pea, nota-se que a espessura de revestimento maior, com cerca de 19WM. Os pontos indicados referem-se s regies onde foi realizada a anlise qumica por EDS. O relatrio concluiu que o esmalte que recobre a parte interna das peas Suru produto de uma deposio de resina orgnica, indicado pelo alto nvel de carbono (C) 80,55% e oxignio (O) 18,29% na sua composio. Ainda encontramos nas peas Suru a aplicao de uma tintura da casca do Jequitib na parte externa das grandes panelas que servem para cozer alimentos. Segundo as ndias, ela serve para fechar a massa e torn-la mais impermevel.
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Figura 110 - Tintura da casca do Jequitib aplicada no lado externo da pea. Coleo Betty Mindlin 2010.
Os filetes escorridos so conseqncia da aplicao da tintura. Como os Taninos contm muito ferro, ele acaba ficando com uma colorao mais avermelhada que o fundo da pea. Podemos concluir que esta argila se presta muito para o que se destina. sto , um material plstico o suficiente para se desenvolver uma boa modelagem, uma porosidade que permite o seu uso diretamente sobre o fogo e uma impermeabilizao interna que permite armazenar os lquidos e cozer alimentos, inclusive os gordurosos, que no iro impregnar a massa, tornando-a higinica. A argila, que os Suru empregam, trabalhada sem nenhuma adio de temperos na massa. Segundo Rhodes, 1976:
Podemos definir uma massa cermica como sendo uma mistura de argilas com outros materiais minerais para se obter um determinado produto cermico. Muitas argilas naturais podem ser utilizadas como elas se apresentam. Podemos dizer que estas argilas so massas naturais. No entanto existem argilas que so modificadas agregando temperos como areia para diminuir a retrao, ou elementos que possam aumentar ou diminuir a sua plasticidade conforme as necessidades e tcnicas empregadas para sua queima. (RHODES, 1976 p. 32, traduo nossa).
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Sabemos que a tecnologia empregada na confeco de peas cermicas utilizadas por populaes indgenas na regio do alto amazonas determina que a diferena entre antiplsticos e temperos :
antiplstico em Chmyz(1976:144) o termo aparece como sinnimo de tempero, j em Shepard (1985) e Rye ( 1981 ) antiplstico e tempero tem definies diferentes. Antiplstico, de carter mais amplo, aparece na literatura, segundo os referidos autores, como sendo relativo a vrias classes de materiais no plsticos encontrados na argila, cuja funo de impedir o encolhimento excessivo da cermica durante o processo de secagem e de queima, reduzindo o risco de rachaduras. No entanto, tempero possui uma conotao cultural mais precisa, pois designa elementos que foram intencionalmente adicionados argila. (apud Gomes, 1999, pg.76 )
Todas as modificaes de massas cermicas tm o objetivo de adequar as propriedades fsicas para fornecer maior ou menor plasticidade, melhor resistncia e retrao desejada.
Figura 111 - Nesta radiografia verificamos presenas raras de pedrinhas e uma massa densa branca que prova que a estrutura da pea esta bem compactada. (radiografia tirada no laboratrio veterinrio Salvador em Cotia) 2010.
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No caso dos Suru nenhum tempero foi adicionado massa cermica, os materiais antiplsticos j se encontram presentes na argila permitindo uma modelagem direta, as artess a utilizam no seu estado natural. No entanto, entre vrios outros grupos se faz necessrio modificar a argila encontrada em seu estado natural, como explica Rhodes:
Podemos modificar a argila para trocar a sua colorao, mudar a textura, mudar sua plasticidade para mais ou para menos conforme suas necessidades, modificar para diminuir sua retrao assegurando menos deformao na pea, transformar a temperatura de maturao da massa. (RHODES , pg. 32, traduo nossa)
Podemos concluir que a composio das argilas de boa qualidade e suficientemente plstica para a modelagem de peas utilitrias. A maturao das peas durante a queima suficiente para torn-las resistentes e adequadas para o seu uso.
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CAPTULO 4 A presena da cermica nos mitos e ritos Durante nossa estadia em 2010 entre os Suru no foi possvel recolher relatos sobre mitos. No falar a lngua Suru limitou em parte esta abordagem, mais antropolgica. Entretanto no h como descartar este aspecto mitolgico em se tratando da cermica, pela sua importncia e pelas atividades e atitudes ritualizadas. Por esse motivo, tivemos que recorrer s informaes encontradas na bibliografia, no caso os mitos recolhidos pela antroploga Betty Mindlin quando esteve pesquisando entre estes ndios. Comentaremos apenas as narrativas que citam e se referem cermica. Ainda que estas referncias sejam poucas elas mostram o quanto, desde tempos primevos, a cermica ocupa um lugar central na mitologia Suru. uma verdadeira imerso do cotidiano e de uma prtica relativa cultura material no mundo conceitual, imaterial, revelando a dimenso cosmolgica da atividade cermica. Revela ainda, e isto foi observado inmeras vezes em campo, o aspecto esttico e artstico da fabricao dos artefatos cermicos. Apesar de no possurem decoraes, como muitas outras tradies cermicas amaznicas, o ritual, o processo de fabricao dos potes, as formas e o design, a importncia dos alimentos servidos nos diferentes recipientes, colocam em relevo a presena e avaliao do belo, do bem feito, do adequado, do reconhecidamente perfeito. Entre toda essa produo, a grande arte suru ainda a cermica escura, desde as menores panelas para makaloba at as lindas cuias pequenas, com bico ou no, onde com grande refinamento so oferecidos cajus vermelhos partidos, degustados com a ajuda de colherzinhas de palha, ou larvas. Nos pratos de cermica vm oferendas de alimentos, cada pessoa esperando a sua vez. (MNDLN, 1985, p.68).
Ao mesmo tempo cada artes revela seu estilo, individualidade, mas que tambm um bem, um conhecimento, coletivo. O que impressiona como se reconhecem nesses objetos, a nossos olhos quase idnticos. Todos sabem quem fez um cesto, uma flecha, uma panela, mesmo que se trate de um objeto de outra aldeia visto na sede do parque. Com a maior simplicidade, uma lio do que significa o trabalho concreto, cada pessoa ligada prpria arte. (MNDLN, 1985, p.70)
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Figura 112 - Vasilhame Lobea com peixe e milho 2010. H: 22,0 cm; D: 43,5 cm.
A presena da cermica nos mitos. O barro, matria prima muito especial, no apenas se refere cermica, mas tambm aparece como a prpria matria prima constitutiva dos humanos, assim como a pedra, o que nos informa que humanos e objetos no so algo totalmente diferente, mas ambos so fabricados e tm a sua histria de vida. Um pote de cermica nasce, usado por diferentes pessoas e morre, possui de certo modo, vida, pois est intimamente relacionado s relaes e aos valores sociais em diferentes contextos. ORGEM DO HOMEM
Parece que os primeiros homens, que depois a ona comeu, foram feitos de barro. Os ossos foram feitos de pedra, a carne de barro, os dentes dos "iara de ossos e os dos Suru de caroos de milho, por isso quebram tanto.(MNDLN, 1985, p.190)
nteressante tambm o mito sobre o capacete de barro utilizado durante as guerras. Se por um lado protege o indivduo que o usa, ele tambm possui poderes
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predadores, para cometer aes indesejveis, um alerta para que os guerreiros no matem pessoas em demasia. Em todo caso aqui revelado com clareza o poder mgico, autnomo, do objeto de barro, sujeito moral que merece respeito. Segue abaixo um trecho da histria de Waioi narrada por Gakamam Suru. Anexo(3). Foi a vez de Am ser flechado, embora ainda usasse todas as foras para vingar a morte da mulher. Um Ladnim furou-o com a borduna, mas no morreu. Continuava tentando acertar os Ladnim com as flechas, mas os inimigos usavam uma espcie de capacete de barro, com buracos s para os olhos e a flecha no atingia suas cabeas.(Este capacete protege bem na guerra, mas seu grande defeito que seu uso, segundo ditam as regras da magia, faz morrerem os filhos dos guerreiros). (MNDLM, 2007, p.147- 156).
Entretanto, o mito mais importante o da mulher de barro, mais prximo temtica da produo cermica, informativo e complexo. Trata da origem dos potes de cozinhar. Este mito foi narrado por uma ndia Tupari. Os Tupari vivem tambm no Estado de Rondnia e podemos considerar este mito como um pensamento regionalista indgena.
MTO: A MULHER DE BARRO
Narradora em portugus: Etxowe Etelvina Tupari
Nesse Tempo, as mulheres ainda no tinham potes para cozinhar. Uma moa casada lamentava-se por no ter onde cozinhar a chicha. A me ficou com pena dela, prometeu dar um jeito: - Minha filha, no quero ver voc triste por faltarem potes. Vou virar barro para voc poder fazer um pote. Voc me emborca de cabea para baixo. Minha xoxota vai ser o gargalo do pote. Voc me lava bem por dentro e depois me pe no fogo para cozinhar a chicha. Quando a gua secar, filinha, eu aviso e voc pe mais, para meu corao no queimar. A moa obedeceu direitinho a me. Ps a me de cabea para baixo, e esta ficou sendo uma panela de barro. A moa lavou-a bem pelo gargalo, sabendo que era a xoxota da me. Buscou lenha, acendeu o fogo e ps a me-pote para cozinhar com chicha. Cada vez que a sopa fervia, punha mais gua, tinha medo de esquentar demais o corpo da me, de queimar seu corao. E a foi sendo. toda vez que a chicha estava bem cozidinha, j no ponto tirava do fogo e botava no jirau para esfriar. Esvaziava a panela, aguava bem aguada e a me virava gente de novo, igualzinha a quem fora. -Ai, filhinha, sou uma mulher cansada de tanto ferver gua no fogo! Sentava e coava a chicha para a filha. O marido da moa, genro da me-barro, adorava a nova chicha, achava gostosa demais. Pedia sempre, e, quando saa para a roa, me e filha repetiam a receita de virar barro e cozinhar. - Voc quer fazer chicha outra vez, minha filha? Oferecia a me.- Vire-me de cabea para baixo para eu ser de barro, lave para eu ser o pote de sua comida, cozinhe com bastante gua! Acontece que o marido da moa tinha um xod, uma namorada. Espiou escondida, me e filha e ficou sabendo como as duas faziam a chicha mais
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gostosa da aldeia. Despeitada, foi fazer intriga. Correu para roa atrs do namorado, o genro da me-de-barro: - Voc gosta mais da chicha da tua mulher que da minha, mas ela cozinha a sua comida dentro da periquita da tua sogra! O moo ficou em dvida: como podia ser? - Voc no acredita, v ver! No tem nojo de comer o que sai da xoxota, da periquita de sua sogra? O rapaz ficou desconfiado, matutando. Acabou por acreditar na verso da namorada, ficou furioso. Correu para maloca e esbravejou com a mulher, acusando-a de lhe dar uma comida vergonhosa: - Eu pensando que sua chicha era gostosa, feita num pote limpinho, bem lavado, e voc cozinhando dentro da periquita da tua prpria me! Como pude comer uma sujeira dessas! Deu um chute na panela-sogra, posta a cozinhar no fogo, com chicha at a borda. O pote quebrou-se em uma poro de pedacinhos, pobre da sogra. A moa juntava os cacos, aos prantos. Tentava colar, refazer a me. Esta gemia de dor: - Minha filha, no posso mais morar aqui. Teu marido me esmigalhou lembrar a ofensa di tanto quanto o meu corpo machucado. Quero ir embora, morar onde h barro, para continuar a fazer potes para voc. A me-de-barro, dizem, foi morar no igarap. Virara barro mesmo, e do barro fazia bacias, potes, panelas, todos os utenslios para comida. A mulherada da aldeia descobriu e foi tirar o barro mais bonito para fazerem elas prprias a sua cermica. Tiraram, tiraram barro, mas esqueceram da moa, da filha da me-de-barro. A moa estava grvida, bem barriguda. Vivia chorando, com saudade e com pena da me. _ Vocs esto sovinando barro, no me do nem um pouquinho- queixou- se- mas o barro minha me. Vou ter panelas bem mais bonitas que a de vocs. As outras foram-se, a moa ficou chorando solitria, horas a fio. A me veio, apareceu em forma de gente. Consolou-a, dizendo que o barro que as outras tinham era a cinza do seu fogo, que para filha daria a mais linda loua do mundo. E que as outras iam ver, pedir, com inveja, mas que ela no devia dar a ningum. A me voltou forma do barro, a moa entrou no lamaal, tirando panelas belssimas j prontinhas, de todas as formas e tamanhos. Ps todas no marico, despediu-se da me, que novamente lhe recomendou que no desse a ningum, e tomou o caminho de volta a maloca. Antes da aldeia, escondeu os presentes de barro no mato. Na maloca, as mulheres lhe perguntavam onde fora, mas ela chorava. Sabia que depois de lhe dar tanta cermica, a me iria para bem longe, no se veriam mais. Como barro, s restava a cinza do fogo, era essa que as mulheres iriam usar para fabricar as prprias panelas. Quanto a ela, aos poucos vinha trazendo do mato os potes magnficos, verdadeiras obras de arte, que as outras invejavam e cobiavam. (MNDLN, 1997, p.119-121)
A seguir a seqncia dos acontecimentos listados na narrativa: 1) A falta que uma moa sente de no ter onde cozinhar a chicha. 2) No ter potes causa tristeza. 3) A me se transforma em barro (poderes xamnicos de transformao).
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4) O corpo da me vai se transformando no objeto pote mas h uma inverso, a parte genital e tero ( a parte reprodutiva da mulher) so o gargalo e a cavidade do pote. 5) Coloca no fogo o pote-corpo. O fogo tem o poder de transformao e recebe a bebida ritual, a chicha. 6) O corao da me no pode queimar, o que significa que ela guarda, em parte, sua identidade de pessoa humana, de me. 7) A panela de barro agora, explicitamente comparada e equiparada ao corpo humano feminino. O corpo masculino no se prestaria a esta transformao. 8) H tambm uma relao vital entre corpo-me e chicha, a bebida ritual que permite a conscincia e o comportamento alterados e possibilita o contato com seres do cosmos. 9) reforada a idia dos poderes reprodutivos, biolgicos e de conhecimentos culturais, enfatizando que se trata da "xoxota da me. 10) O cuidado em no queimar o corao da me-pote, alm de considerar o pote como sendo algo vivo, remete ao grande cuidado que as ceramistas precisam ter na fase mais difcil, a queima dos potes. H que prestar muita ateno temperatura para os potes no racharem e tudo isso sempre relacionado produo da chicha. O pote considerado como uma pessoa que deve ser tratada com cuidados. 11) Aps a criao do pote, a me vira gente novamente, sendo que ela havia sido submetida a uma transformao temporria mas no a uma metamorfose irreversvel, o que refora a conscincia moral, volitiva, autnoma de quem se submete a esse tipo de ato de criatividade. O ato do agrado do genro e se torna uma atividade repetitiva, socializada, tradicional. 12) Mas, no fim, intervm o cime dos humanos e o genro vai descobrir que na verdade, a chicha estava sendo produzida e consumida atravs de um ato transgressor, tabu, na sociedade indgena, a relao entre sogra e genro totalmente proibida, regra indgena que o mito tambm reafirma.Vemos assim que o pote, um corpo humano, que produz e reproduz a sociedade, afirma a harmonia nas relaes de consanginidade (me-filha-barro-confiana) e as restries e transgresses nas relaes de afinidade (sogra-genro-chicha-cime).
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Em resumo, a importncia da cermica na cosmologia dos povos indgenas da regio fica claramente comprovada, enfatizando tambm o cotidiano e o ritual, as relaes sociais e os sentimentos e emoes que as acompanham, um guia para as pessoas sobre o que se pode e no se pode fazer.
Rituais no processo de produo cermica Constatou-se que existe um ritual para a produo da cermica Suru. Este foi seguido risca por todas as artess durante a pesquisa de campo. Percebemos que esta atividade ritual, composta de uma seqncia muito bem estruturada, envolvendo etapas, desde a sua organizao inicial at para a coleta da matria prima e a concretizao da forma. Podemos dizer que a primeira etapa da coleta de argila envolve muitos cuidados e um dos principais o silncio na hora de deixar a fonte de argila para que seu esprito protetor, o caranguejo, no siga as artess e se perca tornando a fonte, uma vez desprotegida, imprpria para o uso. Lvi-Strauss comenta esse silncio:
Os Yurucar, que moravam nos ps dos Andes envolviam a arte cermica de precaues e muitas exigncias. Somente as mulheres praticavam esta arte, saiam juntas para buscar a argila durante o perodo do ano que no era destinado a coleta. Por temerem os troves e para se esconder dos olhares, elas se escondiam em lugares retirados, construam uma palhoa, celebravam rituais. No momento de iniciar o trabalho se fazia um silncio completo, se comunicavam entre elas somente por sinais, convencidas que se dissessem uma s palavra seus potes quebrariam durante a queima (LEV-STRAUSS,1985, p. 36, Traduo nossa).
Um segundo aspecto importante tem relao com os procedimentos no momento de extrao da argila. Cada artes tem cuidados excessivos em relao matria prima. Percebemos que elas sempre colocavam a argila sobre folhas verdes limpas ou cascas de palmeira evitando assim o contato da matria diretamente com o cho, na inteno de evitar possveis contaminaes da argila. Tambm forravam os cestos-cargueiros com folhas e durante todo o processo manuseavam a argila sem deix-la em contato direto com o cho. Esta forma de ordenar e de evitar a sujeira, esta higienizao constante durante todo o processo. Segundo Mary Douglas citada por Luce Giard (1996, p.235):
Mary Douglas se interrogava sobre a definio do "sujo, "uma idia relativa, elemento de um sistema simblico pelo qual uma cultura ordena o
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mundo sensvel, classifica e organiza a matria, se bem que dissimulada sob esta obsesso de evitar a sujeira, de cumprir os ritos sagrados da purificao, A reflexo sobre a sujidade implica a reflexo sobre a relao da ordem com a desordem, do ser com o no ser, da forma com a falta de forma, da vida com a morte 2 . (apud, GARD, 1996, p.235).
A prxima etapa deste processo consiste na modelagem. Verificou-se, contrariamente ao processo de extrao da argila, a participao das crianas durante a modelagem das peas. Neste momento crianas pequenas podem pegar a argila, manipul-la e ensaiar por imitao a fabricao de alguns objetos ou simplesmente se lambuzar de barro.
Figura 113 Ftima e crianas em volta observando o processo de sovar a argila 2010.
Neste caso, podemos afirmar que atravs de uma experincia das crianas com as artess, cria-se um espao para a aprendizagem no mbito familiar. trata-se de um processo adquirido progressivamente em brincadeiras, ou na imitao do trabalho dos adultos (Vidal, J-J, A 1987, p.155) A transmisso deste conhecimento
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permite garantir a continuidade das tcnicas de modelagem e a manuteno de suas formas. Os gestos observados tentam ser reproduzidos, e pela aldeia ecoa o ritmo cadenciado de sovar a argila. Conhecer a consistncia ideal da argila, o momento de dar incio construo da pea (dar-lhe forma) acompanhado atentamente e muitas vezes reproduzido pelas crianas. Notou-se tambm que as mes artess tm um olhar especial em relao s meninas j com idade de confeccionar um pote, transmitindo conhecimento para a realizao da seqncia inteira, no intuito de materializar determinadas formas. Segundo Luce Giard:
O gesto se decompe numa seqncia ordenada de aes elementares, coordenadas em seqncias de durao varivel segundo a intensidade e esforo exigido, organizada segundo um modelo aprendido de outra pessoa por imitao, reconstituda de memria, ou estabelecida por ensaios e erros a partir de aes vizinhas. (GARD, 1996, pg.273).
Observou-se que esse momento do processo muito descontrado e propicia uma interao familiar como se fosse uma brincadeira onde as crianas experimentam, aprendem e descobrem as propriedades da argila. Conhecer a seqncia inteira para realizar uma determinada forma depende de uma sucesso sutil de gestos, hbitos herdados e repetidos. A escola um local onde tambm transmitido o conhecimento das tradies dos Suru. Os mais velhos neste caso ensinam danas e cantos da cultura Paiter conforme podemos constatar nas fotos (fig. 115 e 116). Percebemos tambm que h um encontro de geraes (fig. 114). De um lado Pamatoa, artes Suru, mais velha, que conhece os processos de modelagem, queimas, uso das peas cermicas e sua funo em rituais, modelando sua pea seguindo etapas de construo tradicionais, um conhecimento ancestral para elaborao de artefatos da sua cultura, do outro as crianas, pesquisando, perguntando e fazendo anotaes. Foram esclarecedores trs momentos principais neste processo da cermica: o da coleta, o da modelagem e o da queima. E esta ltima etapa exige da ceramista uma extrema concentrao, razo pela qual ela se isola para cuidar da sua queima.
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Figura 114 - Alunos do ensino fundamental da Escola Estadual ndgena: Sertanista Jos do Carmo Santana. Linha 14 Aldeia Gbgir, prestam ateno na fala da artes Pamatoa 2010.
Figura 115 - Preparao das crianas com adereos para o ensaio da festa do mapimi 2006.
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Figura 116 - Ensaios da festa ritualstica do Mapimi - 2006
Figura 117 - Desenho com representaes das formas cermicas feitas em sala de aula da Escola Fundamental Sertanista Jos do Carmo Santana. Linha 14 2010.
Podemos afirmar que existe em cada momento deste processo interaes sociais distintas. Na etapa da extrao observamos um grupo formado por mulheres adultas casadas e por meninas adolescentes que ingressaro no mundo adulto. Em uma segunda etapa, j de volta aldeia, a atividade torna-se familiar. Me e filhos participam, Os homens adultos, ou esto exercendo outra atividade, ou, se esto por perto, observam de longe a fabricao dos potes, sem se envolver.
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Em uma terceira etapa temos a queima, momento em que a artes se encontra s para concluir sua pea, uma perda neste momento seria irreparvel Do mesmo modo que a produo cermica envolve um ritual, a cermica tem uma importncia fundamental na preparao da makaloba para o principal ritual dos Suru que a festa do Mapimi 27 . Como explicamos anteriormente no primeiro captulo, a organizao social em metades estabelece um sistema ritualizado de troca que se encerra em um grande acontecimento denominado Mapima. Segundo Mindlin (2006):
A metade da roa, wai, porm, tem roas maiores, dedica-se mais que a outra a plantar, pois neste ano devem oferecer aos da clareira, do mato ou metare, uma grande festa com bebida, que pode durar muitos dias. A bebida feita de car, milho, inhames, resultado do trabalho na terra. O povo do metare, por sua vez, fica meses na floresta preparando objetos de arte para dar aos da comida por ocasio da festa. (MNDLN, p.17, 2006)
Esse processo de troca fundamental para a organizao social dos Suru. Tradicionalmente durante este ritual que se estruturam os laos entre as metades exogmicas. Segundo MNDLN (2006, p.17). " neste momento que se fazem os casamentos, pois cada homem tem um cunhado na metade oposta sua, portanto dando uma mulher, ou recebendo. O ritual, um processo de atividades que organiza a produo cotidiana, seja ela nos trabalhos relativos roa ou produo artstica, culmina em um encontro de desfecho de um ciclo. No ciclo seguinte h uma inverso das metades e de suas atribuies produtivas. Segundo Boas (1927) existem atividades que do prazer. Os trabalhos que proporcionam prazer esto ligados criao de obras belas e essas atividades de grande valor inventivo permitem uma vida mais descontrada. Assim todas as atividades humanas podem assumir formas que lhes do, por exemplo, um valor esttico. Percebemos segundo a descrio de Mindlin (1985) que a metade da mata esta muito mais ligada s atividades de produo artsticas alm de fazer a derrubada da roa enquanto a outra metade tem o trabalho de plantar, cuidar e colher e preparar os alimentos.
27 Segundo Betty Mindlin, 1985 a festa do mapimi um ritual que acontece quando em um momento culminante entre as duas metades, os da mata e os da aldeia se encontram para fazer as trocas entre os dois lados.
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Figura 118 - Clareira, tapiris do "metare, onde ficam os do mato produzindo arte e caando. 1981
Figura 119 - Os da roa, metade que prepara os alimentos plantados. 1981.
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Figura 120 - Os da mata chegando com sua produo de artefatos 1982.
Na festa do Mapim existe uma produo abundante de bebida e alimentos, momento principal em que se fazem uso das grandes panelas para preparao da makaloba.
O preparo de bebidas fermentadas, uma tarefa valorizada incumbida s mulheres, mas que beneficia tambm toda a famlia. Alm de seu papel na alimentao diria, a cerveja confere um prestigio tambm para o chefe de famlia. Uma mulher que recusasse de preparar cerveja seria duramente criticada, at poderia ser rejeitada por seu marido frente a esta fraqueza social que a falta da bebida traria para ele. Os homens dependem do trabalho das mulheres para desenvolverem suas atividades sociais: convivncia, trabalho comunitrio, ritos, festas, etc. Resulta deste fato, que quanto mais mulheres um homem pode sustentar, mais aliados ele poder encontrar, que viro beber em sua casa. Resumindo, as mulheres assumem a produo e reproduo social, enquanto os homens controlam a esfera poltica. (SGUAS,Nancy Ochoa, 2004, p.85, traduo nossa).
Durante esta festa os que chegam do mato trazem sua produo de artefatos, entre estes encontramos a cermica, geralmente embaladas com barbantes de algodo para facilitar o transporte, parecem embrulhadas para presente.
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Figura 121 - Aqui observamos um detalhe da cermica embalada sendo transportada, durante a chegada da metade metare, na aldeia. detalhe- 1982
Durante este ritual o processo de troca se estabelece entre os da roa e os da aldeia. Os da aldeia, os anfitries oferecem a bebida preparada nas grandes panelas e servida em vasilhas tambm grandes, pois o intuito que se beba muito.
Figura 122 - Durante o ritual mapimi os da aldeia oferecem a bebida em grandes vasilhas cermicas- foto tirada de um painel expositivo no centro cultural Apoena Meireles- (Riozinho - Cacoal, RO) - 2010
H ainda vrios rituais entre os Suru onde a presena do alimento fundamental como nas festas do milho e outras. Notou-se que para os Suru a relao com o alimento muito forte. No livro Paiter Suru (MNDLN, 1985, p. 62- 66) h um captulo que trata exclusivamente da alimentao, incluindo receitas de sopas, panquecas, milhos pocados entre outras. Todas essas receitas esto
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intimamente relacionadas cermica como, por exemplo, as panquecas preparadas sobre um disco de cermica, ou o milho assado em uma cuia cermica ou ainda as sopas e bebidas preparadas nos paneles.
Come-se a toda hora na maloca, quando h alimento, cada um quando tem vontade, sozinhos ou em conjunto. A comida preparada na entrada tem um carter comum. As panquecas de milho e mandioca, as sopas de milho, mandioca e inhames demoram a ser feitas e so espreitadas e esperadas. H rituais ocasionais. Quando se trata, por exemplo, do primeiro milho das chuvas, as primeiras espigas e a primeira sopa, a dona do panelo da porta chama um por um para beber na cuia cermica e ela ou a prpria pessoa antes de tomar faz uma encantao, soprando e cuspindo no corpo todo, pronunciando os nomes de animais: Osso de quati! Osso de veado! Osso de ona! que protegero quem come. A primeira panqueca, quente, encostada no corpo todo e jogada fora. As outras so comidas no dia seguinte. (MNDLN, 1985, p.32).
Figura 123 - Cozinhando o car para preparao da sopa na panela de cermica Itxirah 2010.
Em resumo constatamos a importncia do alimento para este povo e como ele est intimamente relacionado s panelas de cermica, revelando o papel fundamental da oleira, no caso as mulheres artess Suru, especialmente as mais velhas.
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CONSIDERAES FINAIS
Se compararmos alguns registros fotogrficos de Jesco Von Puttmaker no inicio dos anos 70 com algumas situaes registradas atualmente em 2010, percebemos que no houve mudanas no processo de modelagem, nas formas dos recipientes, nos procedimentos necessrios para se obter a argila e no uso dessas peas (vide figura: 124, 125 e 126, 127).
Figura 124: modelagem-1970. Figura 125: Sobag modelando-2010.
No entanto esta continuidade nos processos tecnolgicos da produo material contrasta com outras dimenses socioculturais. Nesses ltimos 40 anos os Suru procuraram segundo depoimento de Uraan Anderson Suru (Julho, 2010) conhecer os diferentes aspectos da vida dos no ndios. Se dedicaram a defender suas terras atravs de instrumentos legais, saram de suas aldeias para estudar, se formar como agentes de sade para poder atuar nesta rea nas suas prprias aldeias. Alguns ndios trabalham como professores, formados pelo ensino publico, nas aldeias, resgatando tambm, como parte do programa oficial, sua lngua e conhecimentos tradicionais. Do ponto de vista ambiental procuram hoje conservar o que lhes restou de floresta e possuem projetos
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de reflorestamento, e principalmente, em um contexto contemporneo, procuram revitalizar seus costumes e suas prticas artesanais.
Figura 126: reutilizao de cacos-1970 Figura 127: reutilizao de cacos-2010
Como explica a antroploga Betty Mindlin, a passagem do mundo tribal para uma situao mais globalizada, se fez a muito custo e os Paiter Suru tiveram que negociar e lutar de maneira extremamente acelerada. Hoje, alm de todas essas mudanas materiais, verificamos tambm interferncias na esfera religiosa e espiritual com a chegada das igrejas evanglicas que ali se instalaram, convencendo os xams da aldeia Gbgir a se converterem. Verificamos em campo que um dos xams, como aconteceu em outros povos indgenas na Amaznia, se tornou pastor da igreja batista Suru, no deixando, entretanto de reconhecer os valores das crenas tradicionais relacionadas cosmologia indgena. Sempre ficamos muito intrigados com a perfeio das formas, acabamento e qualidade tcnica da cermica Suru. Ainda mais por no possuir nenhuma decorao como acontece entre outros grupos indgenas. Enquanto ceramista tivemos a curiosidade de conhecer melhor os procedimentos que apenas seriam
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revelados atravs de exames laboratoriais. E de fato, constatamos que todos os procedimentos para a fabricao destas cermicas, so extremamente elaborados e dirigidos especificamente para a obteno de um resultado de alta qualidade funcional e esttica. Evidentemente que as artess indgenas no possuem o conhecimento qumico da matria tal como revelado pelas tabelas. Trata-se de um conhecimento elaborado a partir de muitas observaes e experimentaes efetuadas ao longo do tempo o que para os ndios remonta aos tempos mticos. Entendemos que a preservao destes conhecimentos seja extremamente preciosa, merecendo os inmeros rituais relacionados prtica da cermica.
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Anexo I - Histrico da instituio e atividades desenvoIvidas peIa Associao Gbgir do povo Suru.