Vidal Jja Me Ia

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Universidade EstaduaI PauIista

"JuIio de Mesquita FiIho"


Instituto de Artes
Programa de Ps-Graduao em Artes






Jean-Jacques Armand VidaI





A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia:
continuidade e mudana cuIturaI, 1970-2010













So PauIo
2011
Universidade EstaduaI PauIista
"JuIio de Mesquita FiIho"
Instituto de Artes
Programa de Ps-Graduao em Artes






Jean-Jacques Armand VidaI





A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia:
continuidade e mudana cuIturaI, 1970-2010




Dissertao submetida UNESP como
requisito parcial exigido pelo programa de
Ps-Graduao em Artes, rea de
concentrao em Artes Visuais, linha de
pesquisa processos e procedimentos
artsticos, Sob orientao da Prof
a
. Dr
a
.
Geralda Mendes F. S. Dalglish (Lalada).
Para obteno do ttulo de Mestre em Artes.





So PauIo
2011


























V648c
Vidal, Jean-Jacques Armand, 1960-
A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia: continuidade e
mudana cultural, 1970-2010 / Jean-Jacques Armand Vidal. - So
Paulo, 2011.
142 f.; il.

Bibliografia
Orientador: Prof. Dr. Geralda Mendes F. S. Dalglish(Lalada)
Dissertao (Mestrado em Artes) Universidade Estadual
Paulista, nstituto de Artes, 2011.

1. Cermica Suru Rondnia. 2. Artesanato. . Dalglish,
Geralda Mendes F. S.. . Universidade Estadual Paulista, nstituto
de Artes. . Ttulo





Jean-Jacques Armand Vidal




A cermica do povo Paiter Suru de Rondnia:
Continuidade e mudana cuIturaI, 1970-2010



Dissertao submetida UNESP como requisito parcial exigido pelo programa de
Ps-Graduao em Artes, rea de concentrao em Artes Visuais, linha de pesquisa
processos e procedimentos artsticos, Sob orientao da Prof
a
. Dr
a
. Geralda Mendes
F. S. Dalglish (Lalada), para obteno do ttulo de Mestre em Artes.


Aprovada em: ___/____/____




Banca examinadora


Professora Doutora Geralda Mendes F. S. Dalglish (Lalada). A/UNESP


Professor Doutor Alberto Tsuyoshi keda.A/UNESP


Professora Doutora Betty Mindlin.


Professora Doutora Mrcia Angelina Alves (Suplente). MAE/USP


Professor Doutor Milton Terumitsu Sogabe (suplente). A/UNESP





Agradecimentos


Para esta pesquisa e redao final de mestrado pude contar com o apoio de muitas
pessoas e instituies, agradeo principalmente:

A Prof. Dr Geralda Mendes F.S. Dalglish (Lalada), por aceitar me orientar e estar
sempre atenta ao desenvolvimento de meu trabalho.

A Prof. Dr Mrcia Angelina Alves, Arqueloga do MAE/ USP Pelo incentivo e apoio
pesquisa.

A Prof. Dr Betty Mindlin, antroploga que nos anos 70 e 80 trabalhou entre os
Suru, publicando varias obras sobre este povo e que generosamente colocou sua
coleo cermica a minha disposio, incentivando tambm meu trabalho.

Ao Prof. Dr. Alberto keda, pelas suas numerosas consideraes durante a banca de
qualificao.

Ao Prof. Jos Carlos Levinho, diretor do Museu do ndio- RJ, por facilitar meu
relacionamento com os funcionrios da FUNA em Rondnia.

Agradeo tambm a antroploga Lux Vidal pela leitura atenciosa e suas
consideraes.

Devo muito tambm, aqui em So Paulo, ao apoio de Beatriz Katinsky pela leitura
atenciosa do texto, alm de sua amizade e disponibilidade.

Em Rondnia agradeo a Maria do Carmo Barcellos e sua famlia por ter me
acolhido em sua casa, Cacoal Rondnia, em diferentes ocasies e por ter me
acompanhado em parte durante minha pesquisa de campo.


Agradecimentos especiais aos ndios Paiter Suru da aldeia Gbgir da linha 14. Em
primeiro lugar Uraan Anderson Suru e sua esposa e famlia em cuja casa me
hospedei durante a pesquisa de campo. Uraan me acompanhou na maioria das
expedies, traduzindo quando necessrio a fala das artess. Agradeo muito
tambm ao seu pai Gasadap Suru que me autorizou a fazer esta pesquisa como
tambm a Manoel Suru.

Agradeo especialmente as artess: Pamatoa, Gobi, Sobag, Pagopur, mgui,
Pamalong, Akapeti, Tereza Suru, Lurdes Suru, Margarida Suru, Susana Suru e
Mapinr que sempre me trataram gentilmente, me transmitindo seus conhecimentos
com muita pacincia e competncia.

Agradeo ainda aos funcionrios da FUNA de Cacoal, especialmente Ana Nri
Santos de Souza pela sua ateno e por nos acompanhar at a aldeia. Como
tambm a Laide Ruiz Ferreira, Funcionria da Secretria de Educao de Rondnia.

No posso deixar de mencionar o apoio de Victor Toniceli Balaton do setor
tecnolgico SAT cermica da Escola SENA Mario Amato- SP, pelas anlises
laboratoriais.

Agradeo ao Programa de apoio a pesquisa do A/UNESP PROAP.








Resumo


Esta pesquisa o resultado de um trabalho de campo sobre um aspecto
especfico da cultura material dos ndios Suru de Rondnia, a cermica. A
investigao se fez atravs de levantamento etnogrfico, registro fotogrfico e vdeo
dos procedimentos utilizados por este povo para fabricar suas peas, verificando a
localizao da matria-prima, procedimentos de extrao deste material, possveis
temperos agregados a argila, tcnicas de modelagem, queima, tratamento de
superfcie e funo utilitria e ritualstica das peas, com nfase nas relaes sociais
envolvidas neste processo.
Este estudo props-se tambm a recolher e documentar peas cermicas
contemporneas, com a finalidade de comparar a produo atual com as colees
Suru dos anos 70 e 80 do sculo XX, do acervo particular da antroploga Betty
Mindlin, e de peas elaboradas em 2010 na aldeia Gbgir, de modo a verificar, de
um lado, a continuidade dos processos tecnolgicos e de outro lado as mudanas
culturais, em termos de morfologia, volume, acabamento de superfcie, alm de
observar se fatos histricos como os contatos com os no indgenas influram ou
alteraram a produo cermica em relao aos processos de manufatura,
implementos utilizados, tcnicas empregadas, usos e interferncias nas relaes
sociais.










PaIavras chave: Cermica Suru - Cultura material Artesanato indgena - Formas
e volumes - Continuidade e mudana cultural - Estado de Rondnia.
Abstract


This paper proposes to do a field research about an specific feature of the
Rondonian Suru's material culture, particularly the ceramic. The research is carried
out through an ethnographic survey, electronic media (video) and photographic
register of the procedures followed by this group in making its clay containers. This
search also involves trying to investigate their methods in finding the raw material,
the extraction of this material, the possible elements added to the clay, the modeling
techniques and the firing process. Additionally t intends to verify the possible
relations between the manufactured containers and the Suru's myths together with
their ritualistic and/or utilitarian function, focusing on the social relations involved in
this process.
Moreover, This paper also intends to gather and document contemporary
ceramic containers comparing the production of the last thirty years of the 20
th

century, to the anthropologist Betty Mindlin's private collection, as well as to the
ceramic manufactured in Gbgir settlement in 2010 in order to examine, on one
hand, the continuity in the technological procedures and, on the other hand, the
cultural changes in relation to the clay pieces morphology, volume, surface finishing,
as well as observing if historical facts like the contact with the western society
influenced or altered the ceramic production in relation to their manufacturing
procedures, implements, morphology and techniques, usage and interferences in
their social relations.





Key words: Ceramic material culture Suru from Rondnia Form and volume
cultural continuity and change.

Abstract


Esta investigacin es el resultado de un trabajo de campo sobre un aspecto
especfico de la cultura material de los indgenas Suru de Rondnia, la cermica. La
pesquisa se hizo a travs de levantamiento etnogrfico, registro fotogrfico y vdeo
de los procesos utilizados por este pueblo para fabricar sus piezas, verificando la
ubicacin de la materia prima, procesos de extraccin de este material, posibles
sustancias aadidas a la arcilla, tcnicas de modelado, quema, tratamiento de
superficie y funcin utilitaria y ritualstica de las piezas, con nfasis en las relaciones
sociales involucradas en este proceso.
Este estudio se propone, adems, a recolectar y documentar piezas cermicas
contemporneas, con la finalidad de comparar la producin actual con las
colecciones Suru de los aos 70 y 80 del siglo XX, del acervo particular de la
antroploga Betty Mindlin, y de piezas elaboradas en 2010 en la aldea Gbgir, de
modo a averiguar, de un lado, la continuidad de los procesos tecnolgicos y de otro
los cambios culturales en trminos de morfologa, volmen, acabado de superficie,
adems de observar si hechos histricos como los contactos con los no indgenas
han influenciado o han alterado la produccin cermica respecto a los procesos de
manufactura, implementos utilizados, tcnicas empleadas, usos e interferencias en
las relaciones sociales.









PaIavras chave: Cermica Suru - Cultura material Artesanato indgena - Formas
e volumes - Continuidad e cambios culturales - Estado de Rondnia.


Lista das Figuras.


Figura 1: Apoena e Francisco Meirelles na poca do contato com os Suru. Foto
autor desconhecido
Figura 2: Mapa do Estado de Rondnia, por satlite junho de 1985, em 20/07/2011
www.zonu.com/brasil_mapas_esp/mapa_satelital_foto_imagen_satelite_deforestacio
n_estado_rondonia_brasil_3htm. s 12:00 horas.
Figura 3: Mapa do Estado de Rondnia- Fonte mapa em 20/03/2011 s 18:00 horas,
WWW.guianet.com.br/ro/maparo.htm
Figura 4: Mapa T. Sete de Setembro, fonte act_brasil 2008, em 20/07/2011,
WWW.equipe.org.br/mapas_dentro.php?tipoid=5
Figura 5:. Casa tradicional Suru. Foto Betty Mindlin, 1982.
Figura 6: Casas Suru atuais da linha 14. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 7: Banners de divulgao dos projetos culturais Suru.
Figura 8: Apetrechos de tralhas domsticas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 9: Grfico do percentual de famlias que praticam atividade de coleta. Fonte
Associao Metarela, 2010.
Figura 10: Percentuais e nmeros de famlias que praticam os diversos tipos de
coleta no total das 158 famlias entrevistadas. Fonte associao Metarela, 2010.
Figura 11: Sada da aldeia para buscar argila. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura12: Artes entrando na mata carregando cesto-cargueiro ad. Foto Jean-
Jacques Vidal, 2010.
Figura13: Artes no fundo do igarap seco, procurando argila. Foto Jean-Jacques
Vidal, 2010.
Figura 14 a 22: Extrao da argila. Fotos Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 23: Artess no leito do igarap. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010
Figura 24: Artess limpando a argila. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 25 a 27: Armazenamento da argila. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 28: Fabricao do balaio. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 29 a 31: forrando o Balaio. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 32: Caminho de volta para a aldeia. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 33: Pausa no caminho. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 34: Pausa na chegada. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 35 e 36: Sementes. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 37: Palhoa, ambiente domstico. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 38: Local de produo. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 39 a 41: Umedecendo a argila.Foto Jean-Jacques Vidal.
Figura 42 a 46: Seqncia do gesto de sovar a argila. Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 47 a 49: Seqncia da modelagem. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 50: Molde de apoio. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 51 a 53: Seqncia da construo de uma pea. Foto Jean-Jacques Vidal,
2010.
Figura 54: Sustentao da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 55: Amarrao da borda da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 56: Alisamento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 57: Polimento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 58: Proteo da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 59: Pr aquecimento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 60: Na roa tirando a casca do breu. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 61: Carregando a lenha. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 62: Preparao do local da queima. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 63: Preparao da estrutura para queima. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 64: Preparao da fogueira. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 65: Emborcando a pea na fogueira. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 66 a 68: Cobrir a pea com a casca de breu. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 69 a 71: Queima. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 72: Fogueira para produzir fumaa. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 73: Esfumaamento. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 74: Entrecasca do jequitib. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 75 e 76: Aplicao do jequitib. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 77: Acabamento da pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 78: Cesto gameliforme, tampa das peas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 79: Detalhe do tranado. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 80: Pea lobeah. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 81: Pea men-moya. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 82: Pea toruk. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 83: Pea para armazenar jenipapo. Foto Jean Jacques Vidal, 2010.
Figura 84: Pea fuso. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 85: Pea soup-soupey. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 86: Panela com tampa de barro. Foto Jean Jacques Vidal, 2010.
Figura 87: Reutilizao de cacos. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 88: Acondicionamento das peas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 89: Produo de artefatos. Grfico, fonte Associao Metarela, 2010.
Figura 90: Percentual de matrias prima mais coletada. Grfico, fonte Associao
Metarela, 2010.
Figura 91 e 92: Lbios das peas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 93: Itxirah. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 94: Soup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 95: Toruk. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 96: Lobeup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 97: Itirgup.Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 98: Soup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 99: Itxirah. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 100: Soup. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 101: Tabela - porosidade e absoro de gua, fonte relatrio SENA, 2010.
Figura 102: Grfico - curva de porosidade, fonte relatrio SENA, 2010
Figura 103: Grfico - curva absoro de gua, fonte relatrio SENA, 2010.
Figura 104: Tabela - Anlise qumica, fonte relatrio SENA, 2010.
Figura 105 e 106: Superfcie de peas queimadas. Foto Jean-Jacques Vidal, 2011
Figura 107: Queima redutora. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 108: Microscopia. Foto, fonte relatrio SENA, 2010.
Figura 109: Microscopia. Foto, Fonte relatrio SENA, 2010.
Figura 110: Tintura de jequitib. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 111: Radiografia de uma pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 112: Vasilha lobeah com peixe e milho. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 113: Crianas com a me. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 114: Artes Pamatoa. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 115: Preparao das crianas para o ensaio da festa Mapimi. Foto
professora Dilma 2006.
Figura 116: Ensaios da festa ritualstica do Mapimi. Foto professora Dilma, 2006.
Figura 117: Desenhos. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 118: Metare. Foto Betty Mindlin, 1982.
Figura 119: Roa. Foto Betty Mindlin,1982
Figura 120: Mapima. Foto Betty Mindlin, 1982
Figura 121: Mapima. Detalhe foto Betty Mindlin, 1982 Escola.
Figura 122: Bebendo Makaloba. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010. ( painel exposto na
casa da cultura Apoena Meireles).
Figura 123: Cozinhando a sopa. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 124: Modelagem de uma pea. Foto Jesco Von Puttmaker, 1970.
Figura 125: Modelagem de uma pea. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
Figura 126: Reutilizao de um caco cermico. Foto Jesco Von Puttmaker, 1970.
Figura 127: Reutilizao de um caco cermico. Foto Jean-Jacques Vidal, 2010.
















LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS


ACT Brasil Equipe de Conservao da Amaznia
CERNC Centro de Reabilitao Neurolgica nfantil de Cacoal
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
FUNA Fundao Nacional do ndio
FUNASA Fundao Nacional de Sade
AM nstituto de Antropologia e Meio Ambiente
BAMA nstituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis
BDF - nstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
BGE - nstituto Brasileiro de Geografia e estatstica
EB nstituto nternacional de Educao do Brasil
FAM nstituto Federal do Amazonas
NCRA - nstituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
SA - nstituto Socioambiental
KANND Associao de Defesa Etno Ambiental
METAREL Associao Metareil do Povo ndgena Suru
ONG - Organizao No-Governamental
PACA Proteo Ambiental Cacoalense
PC - Projeto ntegrado de Colonizao
PN - Programa de ntegrao Nacional
POLAMAZNA - Programa de Plos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia
PLANAFLORO Plano Agropecurio e Florestal de Rondnia
POLONOROESTE - Programa ntegrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
SENA - Servio Nacional de Aprendizagem ndustrial
T. Terra ndgena





TabeIa Peridica dos eIementos Qumicos


C - Carbono
O Oxignio
NA Sdio
MG Magnsio
Ca Clcio
AL Alumnio
Si Silcio
CL Cloro
K Potssio
Ti Tlio
Fe Ferro
























SUMRIO


INTRODUO....................................

CAPTULO 1:
Contexto histrico e sntese bibliogrfica da ocupao do Estado de Rondnia
aos primeiros contatos com os ndios Suru ...................
Os primeiros contatos dos ndios com os indigenistas.................
Anotaes sobre a organizao social e poltica dos Suru..............
Diviso sexual do trabalho............................

CAPTULO 2:
Estudo do processo para produo cermica....................

Extrao da matria prima............................
Local de trabalho................................
Tcnicas de modelagem.............................
Acabamento antes da queima............................
Secagem........................................
Queima.....................................
Acabamento aps a queima............................
Uso da cermica.................................
Reutilizao ou descarte dos cacos cermicos....................
Comercializao.................................

CAPTULO 3:
Anlise tecnotipolgica da cermica Suru......................
Anlise das formas................................
Anlise laboratorial: componentes das argilas, presena de pinturas vegetais ou
minerais de superfcie e temperatura de queima ......................


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CAPTULO 4:
A presena da Cermica nos mitos e ritos......................
A cermica nos mitos...............................
Rituais no processo de produo cermica....................

CONSIDERAES FINAIS...............................

BIBLIOGRAFIA..................................................

ANEXOS..........................................


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105
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119

122

127









18

INTRODUO


Esta dissertao visou elaborar uma etnografia da cultura material cermica do
povo indgena Suru, com nfase na pesquisa de campo. Props ainda, recolher e
documentar peas cermicas contemporneas, com a finalidade de comparar a
produo atual com as colees Suru dos anos 70 e 80 do sculo XX, do acervo
particular da antroploga Betty Mindlin, e de peas elaboradas em 2010 na aldeia
Gbgir, de modo a verificar, de um lado, a continuidade dos processos tecnolgicos
e de outro lado, as mudanas culturais.
A partir dos dados recolhidos, procurou-se prosseguir no sentido de observar
se fatos histricos, como os contatos com no ndios, influram ou alteraram a
produo cermica em relao aos processos de manufatura, implementos
utilizados e tcnicas empregadas, alm da interferncia do uso de utenslios
industrializados. Procurou-se ainda avaliar as mudanas em relao obteno da
matria prima tendo em vista o grande desmatamento ocorrido na regio.
O desenvolvimento da pesquisa de campo, para observar a cadeia operatria
da cermica Suru, foi feito em Julho de 2010 na terra indgena Sete de Setembro,
no Estado de Rondnia, com intuito de analisar a produo cermica atual no que
diz respeito escolha de matrias primas e tcnicas de manufatura. Paralelamente
realizou-se um estudo comparativo tecnotipolgico e morfolgico em 40 peas
cermicas Suru das colees citadas acima. Sabemos da existncia de peas
cermicas Suru no acervo do Museu do ndio - FUNA, RJ. No nos foi possvel, por
enquanto conhecer esta coleo, apesar do interesse demonstrado pelo diretor do
museu, professor Jos Carlos Levinho, em apoiar a produo e valorizao de
artefatos Suru assim como sua comercializao.
Estudar a cermica Suru envolve muito mais do que apenas o fator
cermico. Sabemos que em uma sociedade indgena a cultura material se insere em
um universo maior, que incluem as relaes sociais, a relao com a natureza e com
a sobrenatureza. A arte e mesmo as prticas tecnolgicas no ficam desligadas
destas outras dimenses. Sendo os ndios, em sua maioria, grandes ceramistas
sempre nos interessamos em pesquisar e ler sobre este assunto. Foi assim que
conhecemos melhor cermicas como as dos Assurini, Palikur, Galibi, Kadiweu,




19

Maxacali como tambm e especialmente peas arqueolgicas como as da cultura
Santarm e Marajoara entre outras. Ficava claro para ns que para a maioria das
sociedades indgenas a decorao dos recipientes cermicos era tambm um modo
de expresso esttica, reveladora da identidade de um povo e de sua maneira de
interpretar o mundo.
Em 1986, pela primeira vez, tivemos a oportunidade de visitar a cidade de
Cacoal em Rondnia. Naquela ocasio, enquanto ceramista, fomos chamados para
montar um atelier de cermica no Centro de Recuperao Neurolgico de Cacoal-
CERNC, cujo objetivo era o de estruturar o atelier de forma a atender a populao
local e os prprios alunos do CERNC, alm de formar dois responsveis pelas
atividades e produes cermicas.
Nesta ocasio ficamos hospedados na casa de uma das fundadoras deste
centro, Maria do Carmo Barcellos que tambm conhecia bem os ndios desta regio
e possua em sua casa peas cermicas dos Suru, eram peas que admirvamos
bastante, pelas belas formas e a colorao de tons quentes, sem nenhuma
decorao a no ser os matizes provenientes da prpria matria prima. Ao longo
destes ltimos trinta anos tivemos vrias oportunidades de voltar a trabalhar nesta
regio, mas somente em 2010 nos interessamos em fazer um levantamento
aprofundado da cermica Suru. Entendemos que se queramos estudar a cermica
deste povo indgena, deveramos acompanhar todo o processo, junto com as
ceramistas, observando, alm das tcnicas, os comportamentos, atitudes, gestos e
emoes, sempre atentos s explicaes das artess sobre o seu trabalho e sua
arte.
O primeiro captulo desta dissertao trata do contexto histrico atravs de
uma sntese bibliogrfica, fazendo um breve levantamento da colonizao da
Amaznia, mais especificamente do Estado de Rondnia a partir dos anos 70 do
sculo XX, perodo no qual foram feitos os primeiros contatos com o povo Suru.
O segundo capitulo, diretamente relacionado pesquisa de campo, procura
verificar o estudo da cadeia operatria da produo dos artefatos cermicos. Neste
captulo esto relacionados os processos da produo cermica, tais como: a
retirada da matria prima, ferramentas utilizadas, local de trabalho, tcnicas de
modelagem, acabamentos de superfcie, secagem das peas, queimas, uso social
da cermica e comercializao.




20

O terceiro captulo consistiu em uma anlise tcnotipolgica e morfolgica das
peas. Esta anlise procurou verificar as formas e medidas das peas, tcnicas
empregadas e interpretao dos dados obtidos atravs da anlise dos componentes
fsico-qumicos realizados pelo Ncleo de Tecnologia Cermica do laboratrio de
microscopia da Escola do Servio Nacional de Aprendizagem ndustrial-SENA Mario
Amato, a fim de verificar a estrutura do material empregado no fabrico das peas.
No quarto captulo verificou-se a presena da cermica nos mitos e possveis
rituais que envolvem a produo cermica das artess Suru, alm de relacionar a
produo cermica atual com a cermica dos anos 70 e 80 verificando a
continuidade e as mudanas culturais ocorridas ao longo do tempo.

Fundamentao terica: pressupostos terico-metodoIgicos

O mtodo de observao participante institudo por Malinowski assim como
o indutivo e intensivo institudo por Boas foram empregados nesta pesquisa em
2010. Os procedimentos foram os seguintes: acompanhamento de todas as etapas
de produo, entrevistas, registro fotogrfico e realizao de um DVD
documentando todos os aspectos da produo cermica.
Foram executados exames laboratoriais de amostras cermicas via:
microscopia de luz transmitida alm de Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) e
anlise por EDS (Espectro por Energia Dispersiva). Esses Mtodos empregados
foram fundamentais para detectar a estrutura sedimentolgica das argilas, da
presena ou no de tempero na argila e verificar quais os componentes de
impermeabilizao que foram utilizados nas peas. O estudo tcnicotipolgico das
colees particulares formado por 40 vasilhames possibilitou verificar se formas
elaboradas no perodo do contato ainda se encontram presentes na produo
cermica atual das artess Suru.
Nesta dissertao foram empregados alguns conceitos procedentes da
escola sociolgica francesa, direcionados arqueologia e etnologia: gesto (Leroi-
Gourhan, 1964), habitus (Bourdieu, 1977) e cadeia operatria (Lemonnier, 1976) e a
obra de Boas (1927) voltada para o paradigma do particularismo histrico cultural e
a noo de esttica e de simbolismo na produo da cultura material e nas
atividades produtivas do grupo.




21

O conceito de Gesto elaborado por Leroi-Gourhan (1964), refere-se a
operaes mentais executadas pelas mos para transformar matrias primas,
atravs de tcnicas e materializao na produo da forma fsica do objeto para
verificar a continuidade ou a mudana de gestos culturais.
Na definio de Bourdieu, o conceito de habitus trata de conhecimentos
adquiridos, que se concretizam na prtica no necessariamente de forma
consciente. Assim, sem alterar a transmisso de competncias, os indivduos podem
transformar esse conhecimento em funo de determinados acontecimentos ou
alteraes sejam elas ambientais, sociais ou materiais e que estejam ligadas
prtica. (Bourdieu, 1977).
Os processos de mudana cultural na teoria de Bourdieu possuem um
aspecto muito significativo, pois eles relacionam as prticas sociais s histrias
culturais da sociedade. Para esse autor o hbito transmitido ao longo do tempo
desempenha um papel ativo dentro de uma sociedade atravs da ao e se
transforma atravs dessas mesmas aes.
O conceito de cadeia operatria procura caracterizar o processo de
produo como: seleo de matrias-primas, energia gasta, tcnicas de montagem
e acabamento do artefato, queima, uso e reuso da cermica indgena Surui,
centrada nos seguintes autores: Leroi-Gourhan (1943 e 1964) e Lemonnier (1976 e
1983)
O conceito de cadeia operatria formado por um encadeamento de tcnicas onde
as operaes so articuladas como malhas ao longo de um processo. Tal processo
objetiva um resultado, de tal maneira que o observador deve poder reproduzir o ato
tcnico, mesmo isolado numa srie em que faz sentido, tanto tecnicamente como
socialmente (Balfet, 1991).
A introduo do conceito de cadeia operatria foi formada no inicio de 1950,
por Marcel Mauss que sublinhou a necessidade de estudar "os diferentes momentos
da fabricao, desde o material bruto at o objeto terminado (Mauss, 1947). Em
Leroi-Gourhan (1964), no conceito de cadeia operatria "a tcnica ao mesmo
tempo gesto e ferramenta, organizados em cadeias por uma verdadeira sintaxe que
d s sries operatrias, ao mesmo tempo, sua firmeza e flexibilidade. Para
Lemonnier (1983), cadeia operatria o meio pelo qual podemos compreender no
s a cultura material, mas as tcnicas como um sistema, objetivando entender os




22

processos mentais e materiais envolvidos na tecnologia propriamente dita.
(Lemonnier, 1983)
Segundo Boas, um valor esttico conferido ao trabalho quando o
tratamento tcnico atinge um determinado grau de excelncia e quando o controle
dos processos envolvidos tal que algumas formas caractersticas so produzidas.
Chamamos arte ao processo sendo que os resultados podem ser julgados do ponto
de vista da perfeio formal (Boas, 1927).





























23

CAPTULO 1
Contexto histrico e sntese bibIiogrfica da ocupao do estado de Rondnia
aos primeiros contatos com os ndios Suru

A ocupao do Estado de Rondnia deu-se de diversas maneiras ao longo
da sua histria. Desde o Brasil colnia, por este territrio atravessaram diversas
expedies como as dos bandeirantes. Pela regio tambm passaram, expedies
de captura de ndios realizadas por colonos e aventureiros, missionrios jesutas,
comerciantes, militares, empresas com interesse na borracha e posteriormente no
minrio e na madeira. Do ponto de vista das polticas pblicas, o Estado promoveu
aes de segurana nacional e ocupao do territrio durante o governo militar nos
anos 70 do sculo XX.
Devido demanda da borracha nos sculos XX e XX houve a necessidade
da construo da estrada de ferro Madeira-Mamor. Frente s dificuldades de
encontrar mo de obra especializada na regio, as vrias empresas envolvidas na
construo desta ferrovia tiveram que contratar mo de obra de outras regies e at
mesmo estrangeira. No entanto, havia dificuldades em manter essa mo de obra
devido s condies rduas da regio e s doenas tropicais, em especial a malria,
que causavam uma mortalidade acentuada dos trabalhadores.
De 1940 a 1950, um novo ciclo econmico da borracha e a minerao de
cassiterita promoveram o crescimento de 50% na populao do ento
territrio Guapor (criado em 1943 e que veio a se chamar "Territrio de
Rondnia" em 1956 em homenagem a Cndido Rondon).
Conseqentemente, sobretudo a partir dos anos 50, novamente os Suru
Paiter tiveram que abandonar as aldeias. Essa poca lembrada em cantos
e relatos, como o do heri Waii, que j convivera com no-ndios no incio
do sculo XX e que, sem ser acreditado, contava aos seus a vida daquela
gente que comia arroz e feijo e tinha panelas, faces, machados e armas
de fogo. (nstituto Scio-ambiental, 2011)
1

O perodo da primeira metade do sculo XX caracteriza-se por diversas
empreitadas no territrio de Rondnia. Os ciclos da borracha, a criao da ferrovia

1
nstituto Socioambiental (SA): uma organizao da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos,
fundada em 1994 para propor solues que integrem questes sociais e ambientais, com foco central
na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimnio
cultural e s populaes indgenas e tradicionais. Referencia: www.socioambiental.org ou
www.pib.socioambiental.org. "O verbete sobre os Suru Paiter foi elaborado a partir de um esforo
conjunto entre a Metareil (Organizao Metareil do Povo ndgena Paiter), a Associao de Defesa
Etnoambiental Kanind e a Antroploga Betty Mindlin. Cada um dos colaboradores contribuiu com
suas experincias adquiridas junto aos Paiter, a fim de que o povo Suru fosse apresentado da
melhor forma possvel.




24

madeira-mamor e as picadas abertas por Rondon
2
, durante sua tarefa de instalar
vias de telgrafos para expandir a comunicao pelo territrio brasileiro, tiveram um
papel importante na ocupao da regio. Tais fatos contriburam para uma forte
migrao de outras regies do pas como a do nordeste para as terras deste estado.
Diferentemente das outras investidas, Rondon, formado dentro de um pensamento
positivista, encorajava cientistas de reas e especialidades diversas para
participarem de suas expedies.
Os cientistas que colaboraram com a Comisso Rondon realizaram estudos
e pesquisas sobre a flora, a fauna, o solo, o subsolo e no campo das
pesquisas minerais. As expedies cientficas que se realizaram na
Amaznia, at ento, foram financiadas por governos estrangeiros ou por
entidades a eles vinculados. Caracterizando-se por adotar uma postura
diferente da mentalidade que prevalecia at ento, a ao do General
Rondon frente aos conflitos com os indgenas, ao invs de extermin-los,
realizava a pacificao e a proteo dos mesmos, exigindo dos seus
comandados a obedincia e o respeito aos valores da concepo positivista
que defendia os povos indgenas, expressa no lema: "Morrer se preciso for,
matar nunca. (MATAS, 2001, p.63)
3


Foi nesse contexto histrico que a regio de Rondnia foi recebendo
migrantes das regies do nordeste, mas, principalmente com o fim da economia
extrativista da borracha, o governo inicia na dcada de 60 do sculo XX os projetos
de rodovias na Amaznia. Segundo MATAS:

Aps o colapso da economia extrativista da borracha, o governo federal e
estadual promoveu inmeras tentativas de colonizao e de recuperao
econmica objetivando superar o perodo de retrao e estagnao das
frentes de ocupao e da situao de penria e misria em que se
encontrava a populao da Amaznia. Efetivamente, foi na dcada de 60
que teve incio um novo processo de ocupao econmico-demogrfico,
com a abertura das Rodovias Belm-Braslia, Transamaznica, Cuiab-
Santarm e da Rodovia Marechal Rondon, hoje BR-364, que liga Cuiab a
Porto Velho e ainda, com a elaborao e implementao de inmeros
planos e programas de desenvolvimento regional, a partir da segunda
metade desta dcada, durante os governos militares e da Nova Repblica.
(MATAS, 2001, p.66)

Podemos constatar que a partir da construo da rodovia BR-364, que
atravessa o Estado de Rondnia, abriram-se possibilidades efetivas de ocupao
deste territrio. Neste perodo, as polticas do governo militar, sob o pretexto de

2
'Candido Mariano da Silva Rondon conhecido como Marechal Rondon nasceu em maio de 1865,
em Mimoso, distrito prximo a Cuiab. Ao implantar as linhas telegrficas, percorreu mais de 50 mil
quilmetros descobrindo um Brasil escondido entre selvas e sertes. Teve primordial atuao na
integrao nacional. O marechal tornou-se um pacifista defensor das populaes indgenas gerando
uma nova relao entre estado e indgenas(FRERE, Carlos Augusto da Rocha,2009).
3
MATAS, O, F. Ocupao, polticas pblicas e gesto ambiental de unidade de conservao do
estado de Rondnia. O estudo de caso do parque estadual de Guajar Mirim. Dissertao de
Mestrado Universidade Estadual Paulista, nstituto de Geocincias e Cincias Exatas, Rio Claro.
2001.




25

ocupar o territrio por uma questo de segurana nacional, proporcionaram,
segundo o ltimo Levantamento Socioeconmico, (2010) uma migrao de sulistas,
principalmente de pequenos produtores rurais em busca de terras.

Na dcada de 1960, o processo de intensificao da
mecanizao das lavouras e a industrializao nas regies sul e sudeste do
Brasil determinaram conflitos que levaram a populao rural a promover um
grande xodo. Para responder a presses e conflitos, o governo federal
necessitava disponibilizar reas para assentar a populao migrante. O
Territrio Federal de Rondnia foi escolhido como alvo principal da
ocupao. A BR 364, construda nos anos 60, se tornou a espinha dorsal
que traria levas e levas de colonos sem terra para Rondnia. O lema
integrar para no entregar justificava a violncia do processo colonizador
imposto aos tradicionais habitantes que no eram contabilizados pela
matemtica oficial. Neste contexto de polticas governamentais, os povos
indgenas que se interpunham ao caminho traado pela colonizao
deveriam ser atrados e integrados sociedade nacional. (Levantamento
Socioeconmico, 2010,)
4


A partir dessas polticas vrios projetos foram implantados na regio,
provocando mudanas no sistema de produo, passando de um sistema
extrativista, para a pecuria e a agropecuria provocando desmatamentos e conflitos
dos imigrantes com a populao nativa, neste caso os ndios. O programa integrado
de desenvolvimento do Noroeste do Brasil POLONOROESTE
5
, financiado pelo
Banco Mundial concluiu a construo e a pavimentao da BR 364 acelerando
brutalmente o processo migratrio. Essa migrao transformou o Estado de
Rondnia em curto espao de tempo - apenas uma dcada num dos Estados mais
devastados, com problemas de infraestrutura nas cidades que se multiplicavam. As
conseqncias nestes ltimos 30 anos foram brutais principalmente na rea
ambiental e social.

Os primeiros contatos dos ndios com os indigenistas

Os Suru foram contatados em 1969 pela expedio da Fundao Nacional
do ndio- FUNA, atravs da frente de trabalho de atrao, coordenada pelos

4
Levantamento socioeconmico, 2010. Associao Metareil do povo indgena Suru.
[email protected] site www.surui.org .
A Associao Metareil, criada em 1988, foi a primeira organizao indgena de Rondnia, criada
para defender os direitos indgenas, em especial os direitos do povo Paiter, e voltada para promover
aes que valorizem a cultura, o desenvolvimento sustentvel e o combate explorao ilegal de
madeira que ocorre na terra indgena Sete de Setembro.
5
O Programa ntegrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil - POLONOROESTE foi criado
pelo Decreto N 86.029, de 27 de maio de 1981




26

sertanistas Francisco Meirelles e seu filho Apoena Meirelles
6
, no dia 7 de setembro
de 1969, aps uma longa e paciente troca de presentes. Segundo Coimbra Junior:

A Histria do contato dos Suru com a sociedade nacional reveste-se de
situaes dramticas, haja vista a violncia que caracterizou o processo de
"integrao desta comunidade na sociedade Nacional. nicialmente os
conflitos ocorriam esporadicamente com grupos de garimpeiros que
chegaram a Rondnia na dcada de 50 em busca de diamantes e
cassiterita."Em sua maioria eram ex-seringueiros que chegaram Amaznia
nos anos 40, vindos principalmente dos sertes nordestinos na categoria
de soldados da borracha. Com a derrocada da empresa extrativista da
borracha logo aps a segunda guerra, estes homens foram impelidos a
arriscarem suas vidas, jogando com a sorte nos novos garimpos que
estavam sendo descobertos no territrio, como nica forma de
sobreviverem.
Com a concluso da BR- 364 (rodovia Cuiab-Porto Velho), milhares de
colonos vindos principalmente do Paran e Esprito Santo, afluram ao
Territrio em busca de terras frteis e com documentao que estavam
sendo to propaladas em suas terras de origem. Apossavam-se das terras
aleatoriamente e assim, iniciou-se mais uma frente de conflitos que perdura
at os dias de hoje.
A estes fatores somam-se s enfermidades infecto-contagiosas e certos
hbitos adquiridos a partir dos "civilizados acarretando em um processo de
descaracterizao do grupo que, pela sua intensidade, nos impressiona
como uma luta sem paralelos na nossa histria, a qual se trava na ltima
fronteira para a expanso da sociedade nacional na Amaznia. (COMBRA
JUNOR, 1981)
7
.

Atravs desses diferentes fatos histricos, podemos perceber, como, a partir
do contato com a sociedade nacional, inmeras alteraes ocorreram no modo de
vida dos povos indgenas que habitavam estas reas. Um ano apenas aps o
contato os ndios so vtimas de inmeras doenas o que segundo a antroploga
Betty Mindlin
8
(1985) levou-os a morar mais prximo ao posto da FUNA criado na
terra indgena Sete de Setembro na Linha 14
9
(ver figura 02), buscando assistncia

6
LEONEL, M e MNDLN, B. Apoena MeireIIes 1949-2004. Uma grande perda frente s Ieis das
mineradoras, Em dois momentos do indigenismo. Revista de Estudos e Pesquisas, Brasilia, FUNAI,
v.4/n.1, jul 2007 ISSN 1807-1279 : Apoena foi, por dois perodos, e em vrias regies, o smbolo e o
primeiro exemplo de uma relao de respeito aos ndios por parte da sociedade brasileira. Durante a
ditadura militar, na fase conhecida como "Sertanista, com poucos recursos, na floresta amaznica
inexplorada, trabalhando numa Funai onde predominava a mentalidade integracionista, Apoena
Meirelles continuou a obra de seu pai e do Marechal Rondon, lutou pela demarcao das terras
indgenas e pela vida espiritual e material destes povos
7
COMBRA JUNOR, A, E, C. Pahiter Arte e vida Suru. mpresso: Sbrindes LTDA- Braslia-DF
1981. (biblioteca do Museu nacional).
8
MNDLN, B, Ns Paiter. Os Suru de Rondnia. Petrpolis: Vozes, 1985. Betty Mindlin:
economista e antroploga trabalha com os Suru de Rondnia desde 1978. Realizou projetos de ao
social com muitos povos da Amaznia alm de ter escrito extensa bibliografia sobre os Suru e sobre
mitos indgenas.
9
A denominao de Linhas corrente na regio, proveniente da marcao dos lotes dos projetos de
colonizao, donde o nome do posto, que fica, na rea indgena, na extenso da linha 14.




27

mdica. Diz um Suru "que os faces, machados, panelas, espingardas, espelhos,
objetos que os ndios no tinham e desejavam. trouxe tambm a doena e a morte.
Os ndios adoeceram ao visitar os novos conhecidos e muitssimos morreram.
(MNDLN, p.23, 1985) s lhes sobraram como soluo para sua sobrevivncia se
aproximarem dos brancos para obter assistncia mdica j que eles prprios no
tinham conhecimento para a cura de epidemias como sarampo, tuberculose e gripes
trazidas pelos no ndios

Figura 1: Apoena Meirelles e seu pai Francisco Meirelles pendurando os objetos para troca de
presentes, procedimento utilizado para atrair os ndios e estabelecer o contato.


Se na poca do contato, os Suru eram aproximadamente 600 ndios
segundo dados da FUNA, um ano depois sua populao se viu reduzida
aproximadamente metade, 250 ndios foram vitimados pelas epidemias trazidas
pelos no ndios. Para se somar a este quadro esse povo teve que lidar com
questes econmicas que no eram do seu conhecimento e articular-se
rapidamente para defender suas terras que eram constantemente invadidas pelos
colonos. Com a implantao por parte do governo, em 1970, do PIC- Projeto




28

Integrado de Colonizao, a ocupao se intensificou. Segundo Matias, na primeira
metade desta dcada:

O fluxo migratrio cresceu significativamente provocando a inchao dos
pequenos centros urbanos localizados ao longo da BR-364 e o afloramento
de inmeros problemas sociais, uma vez que, estes centros urbanos no
dispunham dos equipamentos infra-estruturais que pudessem atender a
crescente demanda por alguns servios bsicos, tais como, luz, gua,
saneamento bsico, servios de sade, de escola, de hospedagem,
moradia, etc. Parte desse contingente migratrio dirigia-se diretamente para
a zona rural, realizando uma ocupao (invaso) espontnea, na maioria
das vezes ilegal, dando margem para que surgissem srios conflitos sociais
no campo, quer com os colonos ocupantes tradicionais da regio, quer com
os posseiros que migraram recentemente, quer ainda, com os povos da
floresta, especialmente, com as naes indgenas (MATAS, 2001, p.74,
75).


Podemos afirmar que em dez anos de polticas de colonizao e
assentamento nesta regio, Rondnia foi um dos estados mais devastados em to
curto espao de tempo. As prprias polticas de assentamento administradas pelo
Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria- INCRA estimulava o
desmatamento como comprovao da ocupao efetiva das terras pelo colono. Este
fato levou a um dos maiores desmatamentos, sem precedentes, na histria da
ocupao da Amaznia.
O POLONOROESTE no atingiu os objetivos projetados durante o
perodo em que teve vigncia (1981/1992). Dentre tantas distores,
destaca-se a prpria concepo ideolgica desenvolvimentista autoritria e
que fundamentou as estratgias e diretrizes dos diversos projetos e
subprojetos que constituram este Programa Especial. A caracterstica
marcante deste Programa foi a concentrao impositiva que se evidenciou
desde a elaborao e planejamento centralizada pelo governo federal (no
contou com a participao de atores regionais), passando pela coordenao
e execuo excessivamente burocratizada at chegar operacionalizao
das metas junto aos que seriam os beneficirios ou pblicos-meta.
(MATAS, p. 81)

Frente a essa nova situao foi necessrio definir novas estratgias. No final
dos anos 80 foi elaborado um plano de ao que no teria como foco apenas os
fatores socioeconmicos, mas tambm os fatores ecolgicos. Para definir estas
novas diretrizes foi criado o Plano Agropecurio e Florestal de Rondnia-
PLANAFLORO.
A devastao ambiental que ocorreu com a poltica de colonizao
praticada na dcada de 60 baseada no assentamento de pequenos e
mdios proprietrios ampliou-se consideravelmente com os novos planos e
programas implementados pelo governo federal nas dcadas de 70 e 80
que priorizaram a colonizao particular de grandes grupos econmicos
nacionais e estrangeiros, atravs dos projetos agropecurios,




29

agroindustriais, agro florestais e de extrativismo mineral. (MATAS, 2001,
p.89)


Podemos afirmar que as sucessivas tentativas de polticas pblicas atravs
de inmeros planos agropecurios e agrominerais, institudos pelo NCRA e outros
rgos governamentais, foram incapazes de propiciar uma forma adequada de
assentamento do homem naquela regio.
No mapa (fig.2) verificamos como se formaram as linhas de ocupao e
desmatamento no Estado de Rondnia. Conseqentemente, a partir da dcada de
setenta do sculo XX, os ndios Suru referem-se localizao de suas aldeias
como pertencentes a uma "linha, como a linha 14 onde se situa a aldeia Gbgir na
qual foi realizada nossa pesquisa.

Foto SatIite do desmatamento do estado de Rondnia

Figura 2- Mapa satlite de desmatamento no estado de Rondnia. As linhas de cor claras
representam reas de desmatamento feitas pelos colonos a partir da BR 364 -1982.




30

Mapa de Rondnia
Com localizao de Cacoal, municpio mais prximo das terras indgenas Suru























Figura 3- mapa de Rondnia.

Anotaes sobre a organizao sociaI e poItica dos Suru

Os Suru se autodenominam Paiter, que quer dizer "Ns mesmos, Gente
Verdadeira. comum encontrarmos em vrios povos este tipo de denominao
para si mesmo. Segundo Lvi-Strauss:

A maioria dos povos chamados de "primitivos considera que a humanidade
acaba em suas fronteiras tnicas ou lingsticas e por isso que eles se
denominam freqentemente usando um etnnimo que significa segundo o
caso "os homens, "os excelentes ou ainda "os verdadeiros, em oposio
aos estrangeiros. (apud, CUCHE, Denys P.47)
10



Os Paiter hoje totalizam segundo dados do levantamento socioeconmico
2010, uma populao aproximada de 1200 pessoas. Vivem majoritariamente em 24

10
CUCHE, D. A noo de cultura nas cincias sociais/Denys Cuche; traduo de Viviane Ribeiro, Bauru:
EDUSC, 1999.




31

aldeias, distribudos em 215 famlias ao longo e nas proximidades das fronteiras da
Terra ndgena Sete de Setembro. Segundo MNDLN (2007), quando houve o
primeiro contato com este grupo em 1969, eles eram 600, na poca do contato com
a FUNA contavam com 280 indivduos e em 2006 j eram aproximadamente 1000
pessoas. Podemos notar uma crescente e significativa retomada demogrfica deste
povo, que ao longo das ltimas quatro dcadas, vinha sofrendo grandes perdas.
"Suas terras, demarcadas em 1976, tm todas as garantias legais, e uma extenso
de 240 mil hectares (MNDLN, 2007). As terras indgenas Suru encontram-se a 50
km de Cacoal cidade que se localiza margem da BR 364 e estendem-se, at leste,
fazendo fronteira com o estado do Mato Grosso tendo seu territrio drenado pelo rio
Branco chamado de bacia do Roosevelt.( ver figura 3).

Figura 4- Mapa satlite daTerra ndgena. Sete de Setembro, com sua rea demarcada 2010.





32

Os Suru so um povo de lngua tupi, da famlia lingstica Tupi-Mond.
Hoje na sua maioria so bilnges, falam o portugus e o tupi, com exceo de
mulheres mais velhas que falam somente o Tupi. J os homens, como participam
mais das negociaes e reinvidicaes com a FUNA, colonos, garimpeiros,
madeireiros e outros, tiveram que aprender forosamente mais rpido o portugus.
O fato das mulheres ficarem mais nas terras indgenas e cuidarem da vida
domstica fez com que conservassem ainda viva, alm da lngua de origem, muitas
tradies, dentre estas a produo dos artefatos cermicos.
Ao longo dessas ltimas dcadas, os Suru tiveram que negociar
freqentemente com invasores e principalmente com as empresas madeireiras.
Grande parte da T. Suru foi desmatada durante esse perodo entre 1970 a 2009. A
venda de madera, muitas vezes incentivada pela FUNA, provocou um
desmatamento com conseqncias ambientais muitas vezes irreparveis.
Em 2009 os madeireiros saem das terras ndgenas Suru. Em 2010
percebemos a fiscalizao por parte da Policia Federal Ambiental no T. Sete de
Setembro para impedir a entrada de madeireiros e garimpeiros. Segundo o nstituto
Scio-ambiental, SA:
A m administrao dos recursos disponibilizados pelo POLONOROESTE
acarretou na falta de oramento para atender a sade e a comercializao
dos produtos dos Paiter, fazendo com que, em 1987, os funcionrios da
FUNA estimulassem algumas lideranas indgenas a vender madeira.
Calcula-se que aproximadamente dois milhes de dlares em madeira
tenham sido retirados da rea indgena. (SA, 2011).

Hoje a Associao Metarela, representada pelo seu lder Almir Suru, busca
uma alternativa para a preservao das florestas que sobraram, atravs de projetos
sustentveis, mantendo as riquezas da floresta alm do reflorestamento de suas
terras.
Quanto organizao social encontramos neste grupo uma diviso por cls.
So quatro as linhagens clnicas: os GAMEB ( O povo do marimbondo preto), os
GABGR ( O povo do marimbondo amarelo), os KABAN ( O povo da frutinha
Kaban) e os MAKR ( O povo da taquara). Segundo Mindlin (1985, p.33), esses
grupos so exogmicos patrilineares e se estruturam em metades. Os Paiter
tradicionalmente so poligmicos. Mantm o casamento avuncular, isto , a regra de
casamento em que o homem se casa com a filha da sua irm. Tambm h




33

ocorrncia de casamentos entre primos cruzados que so filhos de um irmo e irm.
Na aldeia da linha 14, onde foi desenvolvida esta pesquisa encontrei dois cls, os
GABGR e os KABAN sendo que os outros grupos se encontravam em outras
aldeias. Os Suru tradicionalmente se organizam por metades: os que so do mato e
os da roa. Essas metades se alternam anualmente sendo que a metade do mato
passa a ser da roa e a da roa passa a ser do mato. Segundo Mindlin uma metade:

nstala-se durante a estao seca, no "metare, que quer dizer clareira ou
mato ralo, a 500 ou 1.000 metros da aldeia, local proibido ao outro. Vai
haver troca entre os dois lados. O da roa ou da comida (os "wai) deve
prover nas festas "makaloba ou bebida fermentada com a qual os Suru
se embriagam levemente. Feita de car, mandioca, milho ou outro
farinceo, a "makaloba tomada em quantidade por homens e mulheres e
vomitada imediatamente em buracos apropriados, fora da casa. (MNDLN,
1985).


Nesta ocasio, quando as duas metades se encontram, os da roa oferecem
uma abundncia de alimentos e bebidas, em contrapartida, os do mato oferecem
colares, panelas, cocares e flechas. neste momento que as metades estabelecem
um sistema de trocas. No entanto muitas destas tradies se perderam ao longo
destes ltimos 40 anos.

Lutando como podem contra essas adversidades, os Paiter procuram
manter a vitalidade de suas tradies culturais, em que a sociedade
compreendida a partir de uma diviso em metades, de modo que os
segmentos sociais, as atividades produtivas e a vida ritual constituem
expresses do dualismo entre a aldeia e a mata, a roa e a caa, o trabalho
e a festa - sendo as festas de troca de oferendas e os mutires a elas
associados os momentos culminantes do intercmbio e da alternncia entre
essas metades. (SA, 2011).

As festas do Mapima
11
se tornaram mais raras inclusive pela interferncia
das igrejas que se instalaram nas terras indgenas. Na linha 14 foram observadas
uma Assemblia de Deus e uma igreja Batista, estas igrejas j conseguiram fazer
com que os pajs se convertessem e, aos poucos, se infiltraram de tal modo nessa
sociedade que muitos de seus costumes foram deixados de lado, inclusive as
formas tradicionais de corte de cabelo, proibio do uso de adereos, de beber, de
fumar, fazendo que muitas prticas e festas tradicionais fossem abandonadas.

11
Segundo Mindlin, (1985, p.58): a Iesta do Mapimai e uma grande Iesta onde ocorrem as trocas entre as duas
metades, os da clareira e os da roa.




34

Tradicionalmente as casas eram imensas ocas elpticas onde se vivia
coletivamente, famlia extensa, nas quais eles se organizavam internamente por
grupos familiares.
Aps o contato com a sociedade nacional, em 1969 passaram a ter novas
necessidades, alterando sua forma tradicional de modo de vida refletida na
necessidade de adquirir bens de consumo e alimentos industrializados, alm de
mudarem a maneira de construrem suas habitaes.

As casas tradicionais so compridas, sendo a planta em forma de elipse,
medindo cerca de 25m x 8m, com uma nica porta na parte mais estreita.
Na entrada h um espao de uso comum, onde, entre outros objetos de uso
domiciliar, ficam grandes panelas de cermica, pertencentes a cada mulher
da casa e que so usadas para fazer vrias sopas e a bebida cerimonial 'i',
feita base de milho (Mindlin, 1985).
Figura 5- Casa tradicional Surui- 1982

Atualmente, constroem suas casas em forma retangular, empregando as
tcnicas de construo dos colonos. So casas individuais com piso de cimento,
paredes de tbuas e telhados com telha de amianto e, em alguns raros casos, com
telha de barro. Entretanto, ao lado destas casas ou na frente, eles constroem uma
palhoa onde se desenrola a vida cotidiana e domstica, ficando a casa no




35

tradicional apenas para dormir e guardar bens materiais como eletrodomsticos
adquiridos, o que passa a estabelecer fronteiras materiais entre as diferentes
moradias alm de ter desestruturado a famlia extensa.
Alm destas casas, onde moram somente membros da famlia nuclear, os
Suru dispem hoje de banheiros coletivos com duchas e sanitrio instalados pela
FUNASA- Fundao Nacional de Sade.


Figura 6 - Casas Suru atuais na linha 14 - 2010

A rede eltrica chega at a aldeia trazendo energia e a gua coletada em
poos artesianos. A disposio das casas feita maneira dos centros urbanos,
com ruas paralelas e estreitas. Eles dispem de eletrodomsticos e antenas
parablicas. Atualmente percebemos que quando uma residncia possui banheiro e
ducha na prpria casa, alm de outros bens industrializados, cria-se uma distino
social no espao coletivo.
Quanto sua organizao poltica, os Suru mantm os padres tradicionais
de chefia, isto , cada cl tem um chefe e este cargo transmitido de pai para filho
ou para um irmo caso o chefe no tenha filhos. Hoje tambm surgem novas




36

lideranas. Segundo documentao do SA: "No mbito da representao do povo
frente aos agentes da sociedade nacional, os Suru elegem chefes mais jovens por
falarem melhor o portugus; porm, na vida alde, a chefia continua sendo a
tradicional. Quanto s organizaes polticas, os Suru se organizam em
associaes, cada uma representando seu cl. Assim, temos atualmente segundo o
relatrio socioeconmico-2010 da Associao Metarela, cinco associaes do povo
Paiter Suru:
1) Associao Metareil do povo ndgena Suru.
2) Associao Gbgir
3) Associao Kaban
4) Associao Gameb
5) Associao Makor
Todas essas associaes tm representao poltica e desenvolvem
projetos de sustentabilidade e culturais. Os objetivos destas instituies so muito
semelhantes. Por exemplo, segundo o estatuto da Associao Gbgir os objetivos
so preservar suas terras, proteger e difundir seus costumes, cultura e identidade,
promoo da educao e da sade e busca de recursos para melhoria da qualidade
de vida do seu povo. (ver anexo 1).
Figura 7: Cartaz mvel de divulgao dos projetos culturais.




37

Os Suru atualmente promovem encontros culturais em algumas aldeias com a
finalidade de divulgar os seus conhecimentos e costumes. Os projetos de
revitalizao da cultura Paiter permitem aos ndios mais jovens participarem de
encontros que se do atravs de oficinas de dana, prtica da lngua e de produo
artesanal, ministradas pelos mais velhos que detm os conhecimentos tradicionais
desse povo. Os Suru tambm divulgam sua cultura nas universidades do Estado de
Rondnia e em Cacoal cidade mais prxima. Esses eventos permitem divulgar e
aproximar a populao local do modo de vida tradicional Suru de forma a diminuir o
preconceito em relao a sua cultura.

Diviso sexuaI do trabaIho

Tradicionalmente homens e mulheres produzem artefatos. As mulheres
fazem colares, teares, cermicas e cestaria enquanto os homens produzem flechas,
cocares, betiga
12
(adorno labial), flautas, paus para fazer fogo e adornos de palha.
So tambm os homens que constroem as malocas tradicionais e outras habitaes
provisrias ou no. Assim, homens e mulheres produzem objetos com matrias
primas das mais variadas. (MNDLN, 1985)
A colonizao da regio do centro-leste de Rondnia, a partir da dcada de
setenta, gerou algumas mudanas no modo de vida do grupo Suru relacionadas
forma e emprego de materiais de construo de suas casas. Surgiram novas
necessidades tais como a aquisio de bens de consumo, panela de alumnio e
ferro, utenslios plsticos, chinelos e roupas, e de alimentos industrializados como
acar, caf, refrigerantes, balas, doces e sorvete e assim por diante. Segundo
Lcia Hussak Van Velthem
13
(1987, p.99): Os indcios do grau de contato com a
sociedade nacional podem ser detectados pelo exame dos apetrechos de tralha
domstica e de trabalho encontrados numa aldeia indgena".
Fica ntido na imagem que se segue os apetrechos utilizados pelos Suru.
Podemos observar que alm da presena de sapatos, sandlias havaianas,
vassouras, rodos, pano de cho, faco e panelas de alumnio, h tambm uma

12
Segundo Betty Mindlin (1985, p. 69): a betiga e um 'Objeto Ieito pelos homens, denomina-se tambem
tembeta e era usado abaixo do labio inIerior por homens e mulheres, Ieito de resina de jatoba, polido e lixado
com delicadeza durante horas.
13
VAN VELTHEM, L, H, . Suma Etnolgica Brasileira, RBERO, B, G (org.) volume 2. Petrpolis:
Editora Vozes, 1987.




38

panela de cermica emborcada. Encontramos vrias dessas panelas pela aldeia, o
que demonstra uma continuao dos costumes de fabricao para comercializao
e uso.
Figura 8 - Apetrechos de tralha domstica - 2010
Suas atividades produtivas alm da criao de artefatos esto relacionadas
s roas onde encontramos plantio de milho, mandioca, car, batata, inhames,
banana, amendoim, mamo, algodo e tabaco. Tradicionalmente, os homens
cuidam da derrubada das rvores para abrir a clareira para a roa e so
responsveis pela caa. Homens e mulheres plantam e pescam e as mulheres
colhem os alimentos os transportam at a aldeia, cuidam das crianas, fabricam
artefatos e cozinham. Homens e mulheres tambm se dedicam a coleta de frutos,
mel, larvas, palmitos e outros produtos da floresta:

Como praticamente todos os povos que vivem na floresta, os Paiter Suru
constituem uma sociedade coletora e agrcola. Continuam desenvolvendo
estas atividades, mas em muito menor escala do que nos anos anteriores
e nos primeiros anos do ps-contato. Para facilitar a coleta de dados,
dividimos o item COLETA em 4 sub itens: alimentares, teraputicos,
matria-prima para confeco de artefatos de cultura material e produtos de




39

coleta atualmente comercializados.(Levantamento Socioeconmico
Associao Metarela, 2010).


Figura 9 - Percentual de famlias entrevistadas que praticam a atividade de coleta no total de
158 famlias. Fonte Relatrio Socioeconmico, Associao Metareil, 2010.


Atravs dos grficos (ver figura 9 e 10) percebemos que ainda existe um percentual
significativo de famlias que praticam e sobrevivem da agricultura como: plantaes
de car, milho e mandioca, base da alimentao deste povo alm dos recursos
naturais. Em 1981 os Suru conseguiram recuperar suas terras j demarcadas que
haviam sido invadidas por colonos que ali haviam plantado caf e os ndios
passaram tambm a desenvolver esta agricultura. Segundo o SA, "ao se tornarem
donos dos cafezais dos invasores expulsos, passaram a vender caf para o
mercado. A renda monetria usada em produtos hoje indispensveis, como
roupas, ferramentas e alimentos. Outra forma de produo atual por parte dos Suru
a piscicultura, a apicultura e a pecuria resultado de projetos elaborados atravs
das associaes indgenas que buscam recursos e parcerias e que so cuidados
pelos homens.
A pecuria, segundo o SA: "Em quase todas as aldeias h criao extensiva
de gado bovino para corte. Os rebanhos so pequenos e de propriedade familiar,




40

variando de algumas unidades a dezenas de cabeas com fins de produo leiteira
para consumo e para venda ao mercado de carne. Esses produtos so
comercializados diretamente na cidade de Cacoal.
Os Paiter passaram a cuidar dos cafezais e comercializar este produto, que
na poca lhes rendiam um bom retorno, e assim foram introduzidos na
economia de mercado. Nos anos que se seguiram, porm, o caf sofreu
uma drstica queda de preo e fez com que surgisse um desestimulo ao
seu cultivo. Muitos cafezais foram abandonados. Na dcada de 90, o caf
volta a ter uma acentuada alta de preo, estimulando um retorno dos Suru
ao seu cultivo. Hoje, nas aldeias que no exploram madeira, o cultivo do
caf a principal atividade geradora de renda. Essas roas de caf so de
propriedade das famlias, porm no so todas as famlias que possuem um
cafezal. (SA, 2011).

Os Suru viviam tambm at 2009 da venda de madeira, segundo Marcelo
Lucian Ferronato
14
(depoimento, 2010):

Os ndios praticam a explorao ilegal de madeiras em suas terras desde
meados da dcada 80, ou seja, h cerca de 30 anos. No entanto so eles
prprios as maiores vitimas deste processo exploratrio/predatrio. Trata-se
de seres humanos que tiveram contato com a civilizao no-indgena h
apenas 40 anos. E durante grande parte do convvio com esta nova cultura
imposta, os indgenas foram ensinados e aliciados por madeireiros a
venderem suas riquezas a preos baixssimos, o que acabou gerando
problemas ambientais e sociais, devido intensa explorao irregular.
(depoimento, Julho- 2010).

Ainda segundo Ferronato:

Hoje, devido ao intenso processo predatrio que esta rea protegida se
encontra, as populaes da fauna e flora podem estar em declnio, uma vez
que a explorao seletiva de madeiras, da maneira que realizada naquela
rea, causa diminuio da capacidade de suporte do ambiente, devido
principalmente reduo do nmero de rvores, que produzem frutos e
outros alimentos, o que pode levar ao desaparecimento de espcies
especialistas, e aumento de espcies generalistas, conseqncias estas do
desequilbrio ecolgico.
Este provvel desequilbrio ecolgico tende a afetar diretamente a
populao indgena que usufrui dos recursos naturais, seja para caa,
pesca, coleta, cultura material e imaterial ou ainda na captao de recursos
para execuo de projetos sustentveis de gerao de renda, como por
exemplo, seqestro de carbono.(FERRONATO, 2007)

A essas formas econmicas de subsistncia e mercado se somam os cargos
de trabalho remunerado ocupado por alguns ndios na cidade de Cacoal, como

14
Marcelo Lucian Ferronato: bilogo, funcionrio da FUNA-Fundao Nacional do ndio -
Administrao Executiva de Cacoal/RO.Defendeu sua tese: A EXPLORAO LEGAL DE
MADERAS NA TERRA NDGENA SETE DE SETEMBRO, CACOAL RO pelo programa de Ps-
graduao do curso de Educao e Gesto Ambiental da Faculdade de Cincias Biomdicas de
Cacoal Facimed. 2007.




41

funcionrios da FUNA, funcionrios da rede pblica de ensino (professores) e de
agentes de sade. A maioria desses trabalhos exercida pelos homens, eles
tambm ocupam as diretorias de suas organizaes. As mulheres ficam mais nas
aldeias e contribuem para o oramento familiar, fazendo artesanato para venda. No
entanto, surge uma nova gerao de mulheres que esto desenvolvendo projetos
junto s organizaes com o propsito de conseguir recursos financeiros para a
preservao da cultura Paiter Suru. Segundo o SA: As mulheres Paiter vm
mobilizando-se para formar uma associao, com apoio e incentivo da Associao
Metareil.

Figura 10 - Percentuais e nmeros de famlias que praticam os diversos tipos de coleta - total das
famlias entrevistadas- 158. Fonte: Relatrio Socioeconmico Associao Metareil, 2010.

Percebemos que por conta da colonizao desta regio a cultura tradicional
deste povo, como a de tantos outros, teve e ainda tem que se adaptar s novas
situaes:
Presses econmicas da sociedade de consumo os obrigam a uma
adaptao difcil e perversa a um mundo ainda to novo e controverso.
Afortunadamente, mesmo com a intensa presso a que seus bens culturais
vm sendo submetidos, podemos verificar que a lngua, formas de
organizao para o trabalho e algumas prticas tradicionais de subsistncia
continuam vivas, apesar de serem realizadas com menor freqncia.
Acreditamos que estas devam ser fortalecidas. Outras, certamente devem
ser revitalizadas. (Associao Metarela, 2010, p.76)




42


A partir do contato e das polticas de criao de plos de desenvolvimento
na regio amaznica, tendo em vista uma ocupao territorial como poltica de
Segurana Nacional, escoamento de madeira de lei, projetos agropecurios e um
grande interesse nos recursos minerais da regio, no final do sculo vinte ocorreram
mudanas e os Suru passaram a ter novas necessidades alterando sua forma
tradicional de modo de vida para adaptar-se a essa nova realidade:

Nestes 40 anos de contato com uma sociedade impositiva, os Paiter no
tiveram tempo e nem possibilidades de escolhas. Entretanto, agora vivem
um momento em que resgatar e revitalizar os seus bens culturais
tradicionais algo imperioso e extremamente urgente, tendo em vista
restarem poucos indivduos detentores destes saberes e prticas, que
imemorialmente os identificaram como Paiter. (Levantamento Scio
econmico, Metareil 2010).

Diante desse contexto, o contato com no ndios provocou uma ruptura de
vrias formas de produo. Tendo em vista que os rituais esto intimamente ligados
produo de alimentos e manufatura de artefatos, as mudanas culturais foram
bruscas. Segundo Laraia (1997, p.100)
15
Existem dois tipos de mudana cultural:
uma que interna, resultante da dinmica do prprio sistema cultural, e uma
segunda que resultado do contato de um sistema cultural com outro. No caso dos
Suru como em tantos outros povos que tiveram um contato abrupto com a
sociedade nacional os resultados - conforme este autor- foram catastrficos.
Nos captulos que seguem, porm, mostraremos que prticas muito antigas,
de grande valor utilitrio e simblico, que necessitam de conhecimentos tecnolgicos
apurados, foram preservadas e continuam a ser transmitidas graas s mulheres e
ao seu apego pelos processos produtivos tradicionais que elas, por serem mulheres,
dominam.






15
LARAIA, B, R; CULTURA: Um conceito antropologico. 11 edio, editora Jorge Zahar Editor Ltda, 1997.




43

CAPTULO 2
Estudo do processo para produo cermica.
Existe muito preparo para organizar a ida para o local onde se encontra a
fonte de argila para confeccionar a cermica, Ganiak o equivalente argila na
lngua Suru. No dia anterior sada para pegar a argila, as mulheres mais idosas se
preparam para esta atividade. A produo cermica um trabalho exclusivamente
feminino entre os Suru. noite elas se visitam para se programar e combinam para
sair na manh seguinte e buscar a argila. J neste ponto do processo existem certos
procedimentos e regras para que se obtenha um bom resultado final. Umas das
principais restries refere-se s mulheres grvidas, que no podem acompanhar o
grupo, nem saber que iro buscar argila, caso
contrrio as panelas no pegariam forma e no
ficariam firmes, provocando quebras durante o
processo de secagem e queima. Tambm
existem restries s mulheres menstruadas
que no podem acompanhar o grupo, assim
como observam tambm a proibio de ter
relao sexual no dia anterior.


Figura 11 A sada da aldeia para
buscar argila, as mulheres atravessam
um vasto pasto descampado em direo
mata. Andam em fila carregando na
cabea seu cesto-cargueiro. 2010.

A sada da aldeia deve ser sigilosa, combinada no dia anterior apenas pelas
mulheres que participaro da expedio. Assim, de manh, as mulheres que iro
buscar a argila saem discretamente, encontram-se no caminho e seguem juntas at
a fonte de matria prima. Esta fonte de argila se encontra uma hora e trinta
minutos de caminhada da aldeia. As crianas de colo e os homens no as
acompanham.
No caminho as ceramistas pegam nas roas bananas, mamo e materiais
que possam ser utilizados para a confeco de artesanatos e armazenam esses




44

alimentos e materiais nos cestos denominados ad
16
(ver figura 12) que carregam
nas costas. Elas andam rpido e sempre com um faco na mo. Como pudemos
observar, o silncio e a discrio so fundamentais para se encontrar uma boa
argila. Depois de atravessar um pasto enorme chegamos ao local onde h mata, e
nela entramos.

Figura 12 Margarida Suru carregando cesto-cargueiro ad na cabea, para o transpote da
matria prima - 2010.

Extrao da matria prima
As mulheres vo sondando os lugares, s vezes comeam a cavar, mas no
satisfeitas, continuam a busca por uma fonte de argila adequada e de qualidade
para produzir suas cermicas. Para os Suru, quem indica e protege a argila o
esprito do caranguejo, este quem cuida da fonte de argila. O silncio
fundamental durante todo este processo, principalmente depois de pegar a argila e
encher os balaios. A partir deste momento as ndias se comunicam somente atravs
de sinais para indicar o trmino da extrao e o retorno aldeia. Segundo relato das

16
RIBEIRO, B. 1988, p 60: DeIinio: Designa cestos-cargueiros paneiriIorme esIericos, providos de ala para
cingir a testa e levar nas costas. Destina-se ao transporte de produtos da roa, da mata e a locomoo de objetos
durante as viagens por terra.




45

artess, o esprito do caranguejo no pode perceber que elas se vo, razo pela
qual elas no se comunicam verbalmente, pois se o esprito do caranguejo souber
que elas esto se retirando ele pode querer acompanh-las e perder-se no caminho
o que tornaria a fonte de argila imprestvel, de m qualidade, o que acarretaria
procurar uma nova fonte no futuro.
O lugar no meio da mata de onde elas retiram a argila um fundo de igarap.
Nesta poca, no ms de Julho, seu leito est seco e ali que elas pegam a argila.
Figura 13 - Artes Pagopur no fundo do igarap seco, procurando argila - 2010

A mulher Suru tem muitos cuidados na extrao da argila. Primeiro elas
limpam bem o local com as mos, retirando folhas e matria orgnica, em seguida
elas cavam lentamente. Retiram a primeira camada de terra da superfcie, e a
descartam, at atingir a camada onde se encontra a argila adequada,
aproximadamente 20 cm de profundidade no leito do igarap. Com as mos ou com
a ajuda de um pedao de pau cortado na hora, ou mesmo usando o prprio faco,
elas extraem a argila que se encontra neste espao, at chegar argila mais
profunda, quando comea a brotar gua do cho.




46

Seqncia do mtodo de extrao da argila no fundo do igarap


Figuras 14 15 16 - Extrao da argila com as mos- 2010.

Figuras 17 18 19 - Extrao da argila com um pedao de pau cortado no local 2010.

Figuras 20 21 22 - Extrao da argila com o faco - 2010

Quando chegam neste ponto em que a argila se mistura com a gua, onde a
colorao cinza, a matria no mais extrada. A argila utilizada por elas, ento,
a que fica logo abaixo das matrias orgnicas e da terra da superfcie, at meio
metro de profundidade. Esta argila tem aspecto cinza meio azulado com algumas
partes mais marrons. Cada mulher cava seu prprio buraco e elas dizem que pode
haver diferena de qualidade de uma extrao de argila para outra, mesmo sendo o
material extrado a apenas meio metro de distncia.




47



















Figura 23- Extrao
no leito do igarap.
As artess ficam
enfileiradas cada
uma escavando o
seu prprio local para
extrao da matria
prima 2010.


Existe um cuidado imenso na extrao desta argila para evitar contaminao
com areia, pedras ou outros materiais indesejveis que possam vir a prejudicar o
trabalho e o produto final. Para isso as ceramistas preparam suportes com grandes
folhas verdes de espcies variadas encontradas e cortadas nos arredores do local
de extrao e vo amontoando a argila sobre essas folhas. Utilizam tambm a casca
de palmeira seca que forma um recipiente para conter a argila. Depois de extrair a
argila, aproximadamente 30 kg para cada mulher, elas forram os balaios ad com
folhas verdes, limpam a argila no prprio local (primeira limpeza), retirando
pedrinhas ou materiais indesejveis, como razes e folhas.




48















Figura 24 - Aqui as mulheres, aps
retirarem argila, sentam-se e j no
prprio local iniciam o processo de
limpeza da argila, extraindo, razes e
materiais indesejveis 2010.


Figuras 25 26- 27 - Armazenamento da argila sobre folhas e cascas - 2010.

As pores de argilas so enroladas em pelotinhas e, inicialmente, colocadas
sobre estas folhas para depois serem armazenadas nos balaios ad. Alguns balaios
so fabricados rapidamente, no prprio local, com a folha de aa, tranada.





49

Figura 28 - Ftima Suru fabrica um balaio descartvel no prprio local, com folhas de aa -
2010.


Figura 29 30 31 Forrando os balaios com folha e armazenando a argila que ser
transportada para a aldeia 2010.


Em seguida, para sair do local as mulheres se comunicam atravs de sinais e
se retiram com muita discrio, para que o esprito do caranguejo no as
acompanhe, preservando assim a qualidade de sua fonte de matria prima.
Notamos, neste comportamento, uma relao entre a fabricao da cermica e os
seres invisveis da cosmologia indgena.




50

Figura 32 - Caminho de volta aldeia carregando os balaios cheios de argila - 2010.

No caminho de volta elas carregam seus balaios recheados de argila e em
um dado momento elas param e sentam, com as pernas esticadas para frente, a
coluna retinha, alinhada em forma de L, muito quietas. A princpio parecia que
estavam descansando, mas o olhar distante, o silncio absoluto e a postura davam a
entender que aquele momento era de grande concentrao e meditao. Para as
ceramistas essa parada no simplesmente um descanso, mas, um ritual. Elas
dizem que uma boa postura corporal permitiria chegar a um resultado satisfatrio em
relao s propores das peas e sua simetria, evitando assim que sassem tortas.
A simetria perfeita muito apreciada entre os Suru e esta preocupao com a




51

postura do corpo se reflete na forma dos vasilhames. Segundo elas, uma postura
inadequada do corpo, relaxado ou torto, tem como conseqncia um resultado
inapropriado do produto final.
Ao chegar aldeia as ceramistas sentam ao lado do balaio carregado de
argila, mantendo novamente uma postura bem particular, alinhada e de extrema
concentrao. Depois elas molham um pouco a argila, cobrem o balaio ad com
folhas verdes de maneira a manter a umidade da argila, deixando-a descansar por
uma tarde e uma noite.



Figura 33 - Pausa no caminho 2010.
Observou-se que o tempo necessrio para procurar a argila, extrair e voltar
aldeia de aproximadamente trs horas e trinta minutos. Saram s 9h30min em




52

direo ao local apropriado, ficaram 1h20min retirando a argila e voltaram.
Acreditamos que andaram aproximadamente 3 km para chegar at a fonte.
Figura 34 Pamatoa e sua filha Pamalong. Pausa na chegada aldeia 2010.
No segundo dia, na parte da manh as mulheres se prepararam novamente,
desta vez com balaios menores adocup
17
prprios para a coleta de sementes,
coquinhos de Tucum e folhas medicinais. Ao sair para a floresta, pegaram a
mesma direo que no dia anterior, mas entraram rapidamente na mata. A razo
desta viagem era buscar raspadores (sementes) para alisar e servir de esptula para
"levantar as peas. Passaram aproximadamente trs horas andando pela mata, ali
elas recolhiam tudo o que era possvel de aproveitamento como: fibra para fazer as
alas dos balaios, coquinhos de tucum, cascos de tatu para fabricar os colares e
palha para cestarias mais finas, alm de folhas medicinais.
Seus pequenos cestos voltavam cheios de uma quantidade variada de
matria prima para fazer artefatos e, especialmente, de sementes utilizadas como

17
'up em Surui designa o diminutivo. Neste caso elas carregam um pequeno cesto-cargueiro.




53

instrumento para construo e tratamento de superfcie das peas cermicas.
18

Todas as ceramistas observadas usam a mesma espcie de semente, pipibap
19
em
Suru, como instrumento de trabalho.







Figuras 35 36 - Sementes pipibap utilizadas para alisar, raspar e levantar a pea de
argila (frente e verso) 2010.


LocaI de trabaIho
As artess que trabalham a cermica, sempre o fazem em uma palhoa que
pode ficar ao lado da casa ou mais afastada. Se a casa tiver varanda, pode ser
usada como local de trabalho. Todos os espaos usados para modelagem das
peas so fora da casa onde habitam. Podem ser construes provisrias cobertas
com palmeira de aa que servem na maioria das vezes como cozinha, pois, ali
sempre h um fogo a lenha bem pequeno e rstico feito de tijolo barreado, ou uma
fogueira que fica permanentemente acesa. Neste espao tambm encontramos
balaios de uso pessoal, espigas de milho penduradas nos esteios, redes e outros
utenslios domsticos. neste espao que as mulheres passam a maioria do tempo
produzindo artesanato, cozinhando, cuidando das crianas e modelando suas peas
de argila. Todas essas tarefas pertencem ao universo feminino.
Nesses locais externos a casa as pessoas se renem para conversar e
durante a modelagem as crianas (meninos e meninas) podem participar e brincar
com as argilas. Observou-se que algumas mulheres guardavam suas cermicas
dentro das casas , fora, na palhoa, s ficavam as peas que estavam sendo
modeladas e as que estivessem sendo utilizadas para cozer ou armazenar.

18
Durante esta caminhada as ndias nos faziam provar frutos nativos, indicavam as plantas,
apontando suas qualidades medicinais, alm de mostrarem as rvores que davam origem s
sementes pipibap utilizadas como raspadores.
19
Pipibap, segundo Uraan Anderson Suru designa ao mesmo tempo o fruto e a rvore em Suru. Seu
nome cientfico segundo Harri Lorenzi (1992, p. 39): Bignonia elliptica Vell. Nomes populares: caroba,
carobo.




54

Figura 37 - Palhoa situadas prximas casa , como um anexo maneira do Cl Gbgir
com forno e rede que serve tambm como local de trabalho para modelar as peas
cermicas - 2010.

Figura 38 - Local de produo afastado da aldeia. Cl Kaban - 2010.




55

Os locais de trabalho so muito agradveis, pois so na sua maioria bem
arejados. Sempre h um fogo ou uma brasa incandescente, ali a fumaa sobe e se
impregna nas folhas do teto, criando uma camada preta e brilhante de fuligem,
semelhante a que encontramos no interior das peas cermicas. As artess gostam
de trabalhar em lugar ventilado
20
, porque acelera a secagem das peas, mas no
apreciam vento em demasia, pois isso poderia rachar as peas.

Tcnicas de modeIagem
a) Preparo do barro

Para se modelar uma pea, a argila umedecida com gua e batida
manualmente at tornar-se homognea. O barro, de cor cinzenta, adquiriu uma cor
bege ao longo do processo de sovar a massa. Para amassar o barro elas pegam um
pedao de argila e vo batendo alternando de mo, de maneira a deix-la plstica,
sem sujeira e pronta para ser trabalhada. Neste caso, novamente, evita-se deixar a
argila em contato direto com o cho, local inadequado que poderia contamin-la.
No se utiliza nenhuma forma de tempero na massa, isto , no se agregam outros
elementos matria prima como chamote ou areia, a argila utilizada tal como foi
extrada da fonte e processada manualmente.

Figura 39 40 41 - Umedecendo a argila 2010.



20
Notamos que os indios que pertencem ao cl Gbgir utilizavam palhoas construidas como um anexo de suas
casas, enquanto os do cl Kaban, produziam suas peas em um rancho aIastado de sua casa e aldeia.




56






Figura 42 43 44 45 46
Artess Pamatoa e Pagopur
sovando o barro. Este gesto
se repete por toda aldeia
neste momento e podemos
ouvir o batimento das mos
sobre a massa -2010.

b) Construo das peas

Para montar os seus potes, as ndias Suru partem de um rolete de argila que
enrolam em forma de caracol, a qual servir de base para a sobreposio de roletes
de argila previamente esticados manualmente sobre uma esteira tranada, akape
21
.
Essas esteiras evitam o contato da argila com o cho, o que contaminaria a matria
prima provocando rachaduras ou perda das peas.
Figura 47 48 49 - Preparando o rolete (acordelado) de argila 2010
A pea toda trabalhada atravs da tcnica de rolete ou acordelado. Existem,
porm, alguns detalhes nessa forma de modelar. Sobe-se a pea com roletes
elaborados manualmente sobre um pequeno akape ou um pedao de tbua at uma

21
MINDLIN, 1985, p 67: deIine akape como pequena esteira onde se sentam as mulheres, na casa, no metare
ou no patio.




57

determinada altura, mantendo-se uma forma cnica. Quando se chega altura da
abertura maior do bojo da pea, prepara-se um suporte de areia (ver fig. 50), que
serve de molde de apoio, em forma de cratera, bem circular e simtrico, forrado em
seguida com folhas verdes, panos ou pedaos de plstico. Coloca-se a pea cnica
no centro desta cavidade e, com a esptula de semente, estica-se a argila at ela
atingir as paredes do molde, acomodando-se neste suporte que sustenta a pea.
Este ser o local onde a pea ficar durante toda sua modelagem. Ao esticar, as
paredes afinam-se trazendo leveza pea, qualidade muito apreciada entre os
Suru. A leveza das peas e sua espessura representam qualidade e so apreciadas
pelo grupo.
Figura 50 - Molde de apoio preparado com a terra do prprio local 2010.
Figura 51 52 53 Pamatoa modela a pea centrada no molde - 2010





58

No suporte de areia forrado, a ceramista deixa a pea descansar e secar um
pouco para logo em seguida comear a levantar o restante da parede que equivale a
2/3 a mais de altura, em relao parte apoiada no molde. Existem controle e
cuidados constantes neste momento. O tempo de secagem, modelagem e
acabamento se seguem com muita ateno e preciso. Os procedimentos descritos
so utilizados para fabricar as peas grandes, como as panelas e vasilhames para
servir bebidas Itxirah, lobeah, Toruk. J as peas menores Itirgup, lobeup, tarokup,
soup e wexomamup (o sufixo up sempre designa o diminutivo) so todas
construdas nas prprias mos das artess sem uso de suporte de apoio. Alm das
peas grandes e menores h as soup-souey que so as peas midas. No entanto,
a mem-moy, que a pea de argila feita para preparar o beiju de milho, uma
placa fabricada a partir de um rolete de argila alisado e polido somente em um dos
lados e estendido sobre uma esteira para secar na horizontal. As artess dizem que
essa pea tem muito valor, pois as perdas so freqentes na sua manufatura. No
foi possvel observ-las produzindo este tipo de pea, s foram encontradas duas
delas na aldeia e eram para uso prprio, sem inteno de venda para uso externo.
Pode ser que haja pouca procura por estas peas j que elas no so consideradas
de valor esttico, mas somente funcional, pois era de uso particular e no destinada
comercializao.
Durante o processo de modelagem das peas grandes existem vrios
cuidados e tcnicas para sustentar a estrutura. As ceramistas usam pedaos de
gravetos secos que elas quebram na medida desejada para sustentar as paredes
internas durante a sobreposio dos roletes de argila, esses gravetos so colocados
do lado de dentro da pea e so retirados assim que a pea seca.






Figura 54 -Gravetos cortados
devidamente e posicionados no interior
para sustentar as paredes da pea
molhada - 2010




59

Durante a modelagem, uma vez a pea terminada, elas amarram uma fita que
pode ser de fibra ou pedao de pano ou outro material que possa amarrar a boca da
pea para evitar que ela entorte durante a secagem.
So muitos os cuidados para evitar que a pea entorte. Uma pea que no
fosse perfeitamente redonda e simtrica seria considerada uma modelagem mal
feita.

Figura 55 - Amarrao da borda da pea com pano ou fibra para no perder a forma -
2010.

Acabamento antes da queima
O acabamento de superfcie das peas cermicas se d em uma primeira
etapa pelo alisamento utilizando a semente pipibap como raspador para tirar o
excesso de argila ou eventuais asperezas e tornar a pea mais leve. Nesta etapa a
argila j est com uma consistncia mais estruturada permitindo as artess
repuxarem a argila de dentro para fora, definindo a forma da pea e principalmente
afinando a parede. Elas passam muito tempo alisando o "lbio das peas,
chegando a uma espessura de trs milmetros.
Em uma segunda etapa, quando a pea esta ainda mais seca e j se
sustenta, o que chamamos na linguagem dos ceramistas de ponto de couro, as




60

artess usam um seixo de rio bem rolio e liso para polir as peas. Este polimento
interno e externo e tem como funo fechar os poros da argila, tornando-a menos
porosa, mais impermevel, lustrosa e mais adequada a cumprir sua funo utilitria
de conter lquidos sem vazar.

Figura 56 - Alisamento da pea com a semente pipibap - 2010.







Figura 57 - Polimento da pea com
seixo de rio. - 2010.






61

Secagem
A secagem se d gradativamente durante todo o processo de construo da
pea. Esse controle da secagem se faz impedindo que o vento sopre diretamente
sobre a pea promovendo uma secagem muito rpida, possibilitando o aparecimento
de rachaduras ou trincas comprometendo o resultado final. Para proteger as peas
utilizam as esteiras de palha, akape, colocadas em torno das peas, formando uma
cabana que as protege.


Figura 58 - Proteo da pea durante a secagem para evitar trincas e rachaduras. -
2010.



Esse controle constante durante a secagem das grandes peas, que so mais
vulnerveis, obriga as artess a verificar sempre o ponto de umidade das peas para
poderem continuar a ergu-las.
Uma vez as peas prontas, as ceramistas no aguardam a secagem completa
para submet-las queima. Elas dizem que se a pea secar muito ela trinca, sendo
assim elas pegam a pea em "ponto de couro (ainda mida) e a levam para um
primeiro esfumaamento interno e neste momento que a pea, atravs deste pr-
aquecimento, seca de maneira considerada adequada e segura.




62

Figura 59 - Mapinor fazendo o Pr-aquecimento das peas ainda midas,
provocando um esfumaamento interno. - 2010.


Queima
A queima das peas Suru envolve uma srie de procedimentos e envolve
trs etapas: pr-aquecimento, queima e esfumaamento alm de um revestimento
final com o suco do jequitib. Como j comentamos as peas devem estar em "ponto
de couro e no totalmente secas para passarem pelos vrios processos que
envolvem a queima. Primeiro, as artess preparam uma pequena instalao de
madeira, um pouco verde ainda com braseiro na ponta e que produza bastante
fumaa. Nesta etapa no interessa a elas o fogo, mas somente a fumaa com baixo
calor; nesta etapa elas emborcam a pea apoiando-a sobre a lenha. Nesse
procedimento todo cuidado pouco, pois com a pea ainda mida no pode haver
fogo, apenas a fumaa. Quando por alguma razo o fogo acende, as ceramistas
prontamente o apagam com gua; neste caso elas retiram a pea, borrifam gua
sobre a lenha para apagar a chama e reposicionam a pea de cabea para baixo
sobre a fumaa. O lugar escolhido para a queima normalmente mais prximo da
mata e protegido do vento para evitar a combusto intensa da lenha: elas no
queimam em lugar descampado onde h circulao de vento.




63

O processo de esfumaamento pode demorar horas, se forem panelas
grandes ou no mximo trinta minutos se forem peas pequenas. Alm de ser um
processo de secagem das peas, tambm um procedimento de pr-aquecimento e
preparo da pea para a queima. As artess explicam que este processo de
esfumaar protege o interior da pea pela fumaa, a qual se impregna nos
vasilhames cermicos tornando-os mais impermeveis. Uma vez feito o
esfumaamento e secagem da pea, elas pegam os balaios grandes e vo para roa
buscar casca de Breu-Branco
22
seco para a queima. A distncia das roas at a
aldeia varia de 500 metros a 2 km. Na roa elas encontram troncos de madeira seca,
mas se utilizam apenas da casca de rvores que contenham secrees resinosas
(breu), substncias combustveis e inflamveis. Berta Ribeiro, (1988) define Breu
como: "Denominao comum a varias espcies de Burserceas arbreas,
produtoras de resina que, coagulada no tronco da rvore, constitui o breu. As
ceramistas descascam os troncos cados e secos e enchem seus balaios, voltando
para o lugar onde ser feita a queima das peas.











Figura 60 - Artess na roa tirando a casca de
arvore tombada e seca. - 2010.

22
Em rvores da Amaznia o breu definido como da famlia botnica: bursercea e produz uma
resina perfumada.(Silva, S, 2006, p.62).




64

Figura 61 Lourdes Suru Carregando as cascas de rvore para o local da queima 2010.

Notou-se que durante a queima as mulheres ficam ss, sem a presena das
crianas que no participam deste momento do processo. Crianas apenas
participam no momento da modelagem quando lhes permitido pelas ceramistas
ficarem junto, as meninas modelando e aprendendo a fazer potes e os meninos
lambuzando o corpo com a argila.




65

Muitas vezes a queima se d em um lugar mais afastado da aldeia, pois no
pode haver barulho durante a queima. A queima o momento em que a ceramista
se concentra totalmente para no perder todo seu trabalho. interessante destacar
que se elas perdem uma pea por acidente como o que ocorreu quando um
cachorro passou e amassou a pea, ou quando uma arara ou papagaio arrancam
um pedao dos lbios da pea, comprometendo-a, ou uma criana sem querer
danifica a pea, isso na viso da ceramista no gera problema. Mas perder a pea
por uma falha no processo, seja na modelagem ou na queima, gera desconforto e
comentrios na aldeia. Por esta razo, afastar-se do local onde h agitao e
barulho se faz necessrio. As ceramistas cuidam individualmente de sua queima,
cada uma tem seu fogo e prepara sua prpria queima.
Preparam um suporte com a casca do Breu, em seguida acomodam a pea
de boca para baixo e depois a envolvem com a casca da rvore criando uma
cabana. Se as peas forem pequenas, elas queimam at trs ou quatro de uma s
vez, caso contrario, elas a queimam uma a uma.

























Figura 62 - Gobi prepara o local para queima. Depois do esfumaamento interno a artes retira
a pea com o auxilio de folhas verdes que servem de luva para no se queimar 2010.





66











Figura 63- Estrutura feita da casca
seca na base da fogueira sobre as
brasas da lenha utilizada para o
esfumaamento. Elas utilizam a
mesma fogueira para o
esfumaamento e a queima 2010










Figura 64 Gobi preparando a
base de sua fogueira para receber
a pea que ser queimada 2010.








Figura 65 Gobi emborcando a
pea ainda quente depois do pr-
aquecimento sobre a cama de
casca de rvore para a queima
propriamente dita.





67

Figura 66 - Seqncia do procedimento para envolver a pea com a casca seca do breu
-2010.

Figura 67 68 - Construo da cabana em volta da pea-2010.




68

Figura 69 70 71 -Seqncia da queima 2010

nesta etapa da queima que ocorre a transformao de argila para
cermica, e a combusto forte, pois o breu uma resina, podendo as peas atingir
uma temperatura entorno dos 700c.
A queima se faz sem mais interferncia prosseguindo por si s at a casca
da madeira seca ser totalmente consumida. Uma vez a cabana construda em volta
da pea, no se acrescenta mais casca de madeira, apenas deixa-se o fogo queimar
e diminuir ao seu prprio ritmo. A nica preocupao, como foi mencionada, esta
relacionada escolha de lugares mais protegidos do vento, perto da mata para
evitar uma combusto muito rpida. Esta queima pode variar de meia hora a
quarenta minutos dependendo do tamanho das peas. No entanto, o resfriamento da
pea no prprio local da fogueira lento e respeitado como parte do processo da
queima, no havendo precipitao para a retirada da pea.
As ceramistas em geral tm um olhar clnico e comentam o resultado da
queima, se houve trincas ou no durante o processo. So muito raras as trincas,
mas se houver, elas sero preenchidas com uma massa de cera de abelha no
intuito de vedar a rachadura. Depois de a pea esfriar e chegar a uma temperatura
ambiente elas a retiram e limpam para tirar as cinzas. No mesmo dia ou no dia
seguinte elas realizam a ltima etapa da queima que consiste em esfumaar a pea
por dentro, emborcada sobre madeiras no muito secas a fim de criar maior
resistncia e fechar os poros da cermica com a resina que adere superfcie
interna das peas.
Durante esse processo, alternadamente, passam um caldo feito de gua
misturada entrecasca de Jequitib(ver Fig.75) do lado externo para dar maior
firmeza cermica. Este caldo s se passa nas panelas grandes que sero




69

utilizadas para cozer alimentos. Uma vez feitos todos esses procedimentos as peas
estaro prontas para uso e apreciao da comunidade








Figura 72 Mapinor
prepara a fogueira sem
chamas, borrifando gua
manualmente para produzir
fumaa 2010.

Figura 73 - Esfumaamento interno da pea cermica 2010.





70

Acabamento aps a queima
Todas as peas recebem, ainda midas, um esfumaamento interno como
pr-aquecimento. Esta fumaa impregna a superfcie da pea provocando um
enegrecimento da parte interna, no com o propsito decorativo, mas, para torn-la
menos porosa e mais impermevel. No entanto, somente as peas destinadas para
cozer recebem o acabamento final com o lquido da casca do Jequitib
23
que
aplicado do lado externo da pea j queimada e ainda quente, logo aps o segundo
esfumaamento. O Jequitib (Cariniana estrellensis)
24
uma rvore da famlia das
Lecitidceas, cuja entrecasca expele seiva vermelha, usada na tintura dos cestos
pelos ndios Kayabi (Berta Ribeiro, 1988). Segundo as artess, o lquido da
entrecasca do jequitib se infiltra na cermica trazendo maior resistncia das peas
ao calor do fogo quando forem usadas para cozer alimentos.














Figura 74 -Entrecasca
do jequitib.-2010.

23
O Jequitib contm uma sustncia chamada tanino. A aplicao do tanino nas panelas feita
batendo-se, vigorosamente, com uma vassourinha embebida com o mesmo, na pea ainda quente,
imediatamente aps ter sado do fogo. Este processo de impregnao conhecido como "aoite".
Como resultado, o tanino penetra nos poros da cermica, cobrindo fissuras e tornando-a
impermevel, servindo tambm para impedir a proliferao de fungos, que, com o correr do tempo,
esfarelam o barro. Referncia Arte Popular, cermicanorio: WWW.ceramicanorio.com. Data:
28/04/2011 s 12h30min.
24
As propriedades bioativas de sua casca tm despertado a depredao de rvores milenares. Os
jequitibs pertencem a uma espcie vulnervel, em alguns lugares nativos, como no estado de
Pernambuco, por exemplo, j em extino. Esta situao semelhante em Rondnia devido ao
desmatamento.




71


Figura 75 76 - Aplicao da tintura da entrecasca de
Jequitib na parte externa das peas, aps a queima
final - 2010

Essa tintura de cor avermelhada preparada com a entrecasca do Jequitib,
macerada na gua, e aplicada, em uma primeira etapa, com a pea emborcada,
sendo que o lquido espremido escorre da base da pea para suas laterais formando
linhas paralelas. Em seguida esfrega-se o lquido com a prpria entrecasca em toda
a superfcie externa da pea.
Quanto ao acabamento interno, aps a queima, a pea novamente
esfumaada, desta vez por dentro, adquirindo uma superfcie lisa, de colorao
preta e brilhante. O jequitib na parte externa produz linhas escorridas de tons
avermelhados.











Figura 77 - Acabamento interno e externo
de uma panela Itxirah pronta - 2010.
H: 46,5 cm ; D: 43,7cm.




72

Uso da cermica
Tradicionalmente a cermica Suru voltada exclusivamente para a produo
de peas utilitrias. No se tem conhecimento da criao de peas decorativas
produzidas por este povo. Cada forma utilitria tem uma denominao e uso
especfico que as diferenciam e as tornam adequadas sua funo como, por
exemplo: a Itxirah uma das maiores panelas feitas pelas artess e tem como
funo cozer alimentos. Nessas grandes panelas as ndias cozinham numerosas
receitas como a sopa de car ou de milho, variedades de caa e, antigamente
usavam estas panelas para preparar a makaloba
25
, bebida fermentada consumida
durante rituais especficos. Como essas bebidas no so consumidas
imediatamente, as artess fabricam cestos que servem como tampa destas panelas
de forma a proteger e preservar esta bebida.
Figura 78 - Cestos gameliformes utilizados para tampar a boca das panelas
que contm sopa de car. Aldeia Joaquim linha 11. 2010.

Esses paneles itxirah tm tampas-cesto, que so feitas pelas mulheres
exclusivamente sob medida para a pea de cermica. A funo desta tampa a de
preservar o alimento de insetos indesejveis e qualquer outra infeco do alimento
por vias areas proporcionando maior conservao da sopa ou bebida.

25
A Makaloba uma bebida fermentada base de car, milho ou macaxeira.




73















Figura 79 - Detalhe do
tranado da tampa-cesto
2010.

Por definio, os cestos gameliformes so:

Cesto-recipiente e/ou cargueiro (transporte sobre a cabea) semelhante
gamela. Ou seja, de borda alargada e dimetro proporcional ao da base. O
bojo do cesto caracteriza-se por ser "atarracado, isto , mais largo que alto,
podendo assumir as seguintes conformaes: retangular, quadrada,
arredondada. Os de tamanho maior servem para a guarda e transporte de
provises, sendo freqentes os miniaturizados. Tranados para uso e
conforto domstico (RBERO, B, 1988 p.47).

As cermicas lobeah e lobeup so peas utilizadas para servir sopas, bebidas ou
gua e tambm alimentos slidos como peixe e outros. uma vasilha raza, mas seu
dimetro grande, podendo conter muito lquido. Nas festas so usadas para as
pessoas beberem a makaloba. Percebemos que nas laterais das lobeup existe uma
impresso de cada lado resultado da aplicao mais fortes do polegar sobre a argila
ainda mole. Esses dois pontos facilitam segurar a vasilha no ato de beber seu
contedo.




74

Figura 80 - cermica Lobeah 2010. H: 20,5 cm; D: 43,5 cm
A mem moy uma pea de cermica plana de forma elptica e serve para
fazer o beiju Suru, que uma panqueca base de milho.














Figura 81 - A pea men-moy uma placa
cermica usada para preparar as panquecas
de milho. Para cozinhar a panqueca ela
colocada sobre a brasa 2010.
27,0 cm x 32,0 cm.




75

A pea torukup possui uma asa e serve para pegar os lquidos das grandes
panelas, tem a funo de uma concha. Essa forma lembra muito a de uma cabaa
cortada ao meio.







Figura 82 - Toruk e Torukup so peas
usadas para servir lquidos 2010.

As wexomamup so peas utilizadas para armazenar a tintura de jenipapo usada na
pintura corporal. Essas panelas tm furos laterais e uma ala feita de barbante de
algodo para serem transportadas.

Figura 83 - Pea para armazenar tintura de jenipapo. Coleo Betty Mindlin 2010.
H: 8,4cm; D: 9,2 cm.




76

Os fusos utilizados para fiar o algodo, so feitos de madeira com rodas de
cermica. Neste caso a cermica parte de uma ferramenta de trabalho. Segundo
Berta Ribeiro:

Figura 84 - Fuso para fiar algodo, feitos de madeira e cermica - 2010.

A fiao do algodo exige o uso deste implemento: o fuso. Consta de uma
vareta afinada em sentido pstero-anterior, com inciso, salincia chanfrada
ou gancho na ponta, para prender o fio. A aproximadamente 10cm da
extremidade da haste adaptado o tortual, que pode ser de cermica,
pedra, osso, casco de tatu, jabuti etc. Quando de cermica, o disco do fuso
geralmente feito pela mulher.( Ribeiro,B,1997, p.352, Suma Etnolgica)

As soup-soupey so peas midas, usadas para beber ou armazenar gua e
guardar material para fazer colares.
Na sua maioria, as peas cermicas produzidas pelos Suru tm uma relao
com o preparo ou oferenda de alimento, principalmente as Itxirah, panelas grandes,
onde preparada a sopa que pode ser considerada a base de todas as receitas
deste grupo. importante verificar as informaes sobre alimentao e receitas
Suru (Betty Mindlin, 1985, pg. 62 a 66) e observar a importncia e sofisticao que
envolve os alimentos e tambm as cermicas utilitrias j que estas ltimas se
prestam ao preparo destas receitas.




77












Figura 85 - Soup-Soupey,
essas peas tm tamanhos
variados e normalmente
formas de cuias ou de jarra
para conter lquidos 2010.

Para os utilitrios em geral a denominao genrica Soup. Entre esses
encontramos uma variao de cermicas que foram elaboradas a partir do contato
com a sociedade nacional, a exemplo das panelas de alumnio. So panelas
pequenas com tampa e asas; estas no so utilizadas no dia a dia pelas ndias
Suru e so destinadas exclusivamente a venda para no ndios.
















Figura 86 - Panela com tampa criada por
uma ndia depois do contato. Essas
possuem alas para segurar e tampa
feita em argila. Dizem que foi uma
criao baseada na forma de panelas
dos colonos. Esta foi a nica pea criada
recentemente aps o contato, no entanto
ela s produzida para venda para no
ndios e no utilizada na aldeia Suru.-
2010. H: 15,0 cm; D: 18 cm.






78

ReutiIizao ou descarte dos cacos cermicos
Quando uma pea de cermica quebra, no totalmente descartada. No caso
das grandes panelas, principalmente, existe uma reutilizao dos cacos
principalmente dos bojos pois estes ainda permitem conter algo. No preparo do
Urucum para pintura de cestarias, por exemplo, as mulheres se utilizam destes
cacos. Assim os fragmentos cermicos tm grande utilidade e neste caso servem de
recipiente para o preparo da tinta vermelha. Outra forma de reutilizao destes
cacos para guardar pequenos fragmentos de casco de tatu ou coquinho de tucum
para fabricao de colares. Tambm servem para apoiar a argila sovada enquanto
trabalham na confeco de uma pea.


Figura 87 - Caco cermico (bojo de uma panela) onde as ndias
preparam a tintura vermelha de urucum, usada, neste caso, para
pintar cestaria 2010.






79

ComerciaIizao
A comercializao dos artefatos Suru se d atualmente de vrias maneiras.
Embora o nmero de famlias que produzem cermicas seja significativo, verificamos
no grfico (fig.89) que a maior produo a de adornos comuns, como colares,
pulseiras, brincos e anis. Estes itens so mais apropriados para venda, j que
parecem ser mais atrativos que a cermica, cujo preo final, maior em funo do
empreendimento que envolve sua produo, alm das dificuldades para o
acondicionamento e o transporte das peas sem perdas.

Figura 88 - Acondicionamento das peas com folhas verdes para transporte e
venda- 2010

Esses artefatos produzidos pelos Suru em geral so vendidos em Cacoal,
cidade prxima a 50 km da aldeia da linha 14. s vezes so vendidos pela FUNA ou
na prpria aldeia quando recebem visitantes ou turistas. A exemplo disto, o Museu
do ndio - RJ comprou em 2006 uma coleo de peas Suru e recentemente em
2011 comprou parte das peas que foram produzidas durante a nossa estadia na
aldeia Gbgir em Julho de 2010.




80

Figura 89 tipos de artefatos, percentual e nmero de pessoas que os produzem entre 158
famlias entrevistadas. (Relatrio Socioeconmico, Associao Metareil do Povo ndgena
Suru, 2010)


Figura 90 - Grfico-Percentuais e nmeros das matrias primas mais coletadas para
confeco de artefatos de cultura material entre as 158 famlias entrevistadas. (Associao
Metareil do Povo ndgena Suru, 2010).

19
19
13 3
19
8
3
3
3
7
1
colares-118
Pulseiras-118
Brincos-90
Enfeite cabelo-11
Aneis-118
Cermicas-47
Flechas-19
Arcos-19
Cocar-29
Tecelagem-37
Outros-4




81

Segundo o Relatrio Socioeconmico 2010:

Os aspectos econmicos e culturais tradicionais, ainda vivos entre os Suru,
vo deixando de ser produzidos, pelo desuso, pouco uso e ainda pela
dificuldade em sua comercializao. Neste levantamento os artefatos que
ainda continuam a ser produzidos em maior ou menor escala so os
adornos mais tradicionais, como o larpi (cinto masculino feito com casca de
tucum), os grossos colares tambm confeccionados com tucum, que
muitas vezes contavam at 30 voltas; os utilitrios, como os mais variados
tipos de cermica (loba, ixira, lobed, torokup, ixirinup), utilizados para
vrias finalidades na culinria tradicional; a cestaria mais sofisticada, como
o adhiter (cesto com trip), os diferentes tipos de niti (niti hiter, nakaa etc.);
os objetos de tecelagem como redes e tipias (agoyb); as armas como
arcos e flechas, esmeradamente trabalhados com algodo, espinhos de
porco espinho e at as fibras oratapa para colares so atualmente
confeccionados por poucas pessoas dentre os mais velhos do grupo.
(Relatrio Socioeconmico Associao Metarela, 2010).

Atravs destes grficos, pudemos verificar que ainda h um percentual
bastante representativo de famlias que praticam a coleta de materiais para
desenvolverem seu artesanato. A cermica uma produo ainda representativa e
sua venda faz parte do oramento das mulheres artess Suru.























82

CAPTULO 3
AnIise tecnotipoIgica da cermica Suru.

A morfologia dos vasilhames considerada um elemento definidor da
identidade cultural de um povo e est diretamente ligada a utilizao do objeto. A
forma est intrinsecamente ligada sua funo. Assim as dimenses das panelas
so determinadas em funo do seu contedo. Exemplo: panelas grandes so
destinadas a cozinhar o porco, o macaco e ao preparo das sopas e da makaloba.
Os vasilhames menores so para servir a bebida ou sopas e os pequenos para
conter gua, guardar materiais para confeco de artesanato como colares e
tambm para conter o jenipapo utilizado na pintura corporal.

AnIise das formas

Os critrios utilizados aqui, para anlise das formas desses objetos, foram
baseados nos estudos empregados por Gomes no seu estudo da coleo cermica
Tapajnica:
Segundo o uso geral proposto por Chmyz (1976) e o emprego especfico
feito por Guapindaia (1993) no estudo da cermica Santarm e por
Scatamacchia et alii (1991) no caso da cermica Tupi-guarani. Estes foram
usados para descrever as partes constituintes de vasilhames cermicos:

Boca abertura do vaso
Borda parte terminal da parede, junto boca
Colo parte localizada entre o corpo e a boca ou entre o corpo e o
gargalo, determinado pela presena de um ponto angular, situado
imediatamente acima do ponto de tangncia vertical.
Gargalo forma de boca afunilada, que tem incio acima do ponto
de dimetro mximo do vaso, sendo determinado por um ponto angular ou
um ponto de inflexo.
Corpo parte situada entre a base e a boca, entre a base e o colo
ou entre a base e o gargalo.
Caritides figuras antropomorfas modeladas, que servem de
sustentao vasilha do vaso de caritides e se apiam sobre uma base.
Flange salincia horizontal, adicionada parte exterior da
vasilha, podendo, neste caso, ser labial (abaixo da borda/gargalo) ou mesial
(no corpo).
Apndice Salincia externa acrescentada ao corpo da vasilha,
podendo ser ala, asa, flange ou, ainda, figuras tridimensionais zooformas
ou antropomorfas modeladas.
Base parte inferior, que sustenta a vasilha.
A fim de estabelecermos a estrutura, o contorno do corpo e a
proporo, foram usados os critrios estipulados por Shepard (1985: 224-
248) e utilizados anteriormente por Scatamacchia et alii (1991):




83

Ponto Terminal (PT) ponto de tangncia horizontal tomado sobre
o lbio ou sobre a base onde se assenta a vasilha.
Ponto de Tangncia Vertical (PTV) ponto de tangncia vertical ao
corpo da vasilha e que determina o dimetro mximo ou o dimetro mnimo.
Ponto Angular (PA) ponto onde a direo da tangente muda
abruptamente, por ter sido alterado o contorno da vasilha, induzindo um
ngulo.
Ponto de nflexo (P) ponto onde a curvatura da vasilha muda de
cncava a convexa e vice-versa.
Para Shepard (1985:28), a estrutura da vasilha pode ser de dois
tipos: fechada ou aberta. Esta definida a partir da relao entre o dimetro
da vasilha e o dimetro da boca. Formas fechadas so as que possuem o
dimetro da boca menor do que o dimetro mximo da vasilha e formas
abertas so aquelas que o dimetro mximo da vasilha coincide com o da
boca. Entre as formas fechadas existem aquelas com gargalo, marcado
pela existncia de um ponto angular ou de inflexo entre o pescoo e o
corpo da vasilha.
Segundo os pontos acima estabelecidos por Shepard (1985), as
formas da Coleo Tapajnica tiveram seu contorno classificado entre
simples, composto, inflectido e complexo. Tal classificao bsica leva em
conta os pontos angulares e de inflexo existentes, sendo desconsiderados
os pontos angular ou de inflexo, situados entre o corpo e suportes, bem
como entre o corpo e a base, pois resultaria em agrupar formas no
relacionadas. Desse modo, so formas de contorno simples aquelas que
no possuem nem PA e nem P; formas de contorno composto as com
apenas um PA; formas de contorno inflectido as com apenas um P; formas
de contorno complexo as com dois ou mais PA e ou P.
No que se refere s propores, estas foram consideradas a partir
das relaes entre altura do vaso e seu dimetro mximo (Shepard 1985;
Rice 1987: 215-216), tendo sido por ns estabelecidas as seguintes classes
de vasilhas:
1. Prato a altura da pea sempre menor do que 1/5 do dimetro
mximo.
2. Tigela Rasa a altura da pea sempre maior do que 1/5 do
dimetro mximo, mas menor do que 1/3 do dimetro mximo.
3. Tigela Mdia a altura da pea sempre maior ou igual a 1/3 do
dimetro mximo, mas menor do que 1/2 do dimetro mximo.
4. Vasilha a altura da pea maior ou igual a 1/2 do dimetro mximo.
5. Vaso a altura da pea maior ou igual ao dimetro mximo.

Na descrio das formas e de suas partes constituintes foram
utilizados os princpios gerais propostos por Shepard (1985: 232-236), que
privilegiam a abordagem geomtrica. Embora, como aponta a autora,
muitas das combinaes encontradas no vasilhame cermico no possam
ser matematicamente expressas, empregamos os termos esfera, calota
esfrica, hemisfrico, oval, ovalide, elptico, elipside, hiperbolide, cnico,
cilndrico, na tentativa de correlao com os slidos, suas sees, formas
aproximadas a eles e superfcies geomtricas. (GOMES, 2002, p.72,73,74).

Em muitos casos percebemos que na produo da cermica indgena
existem interferncias, desde pinturas at incises e relevos, uma vez que o material
cermico se presta como suporte para receber motivos decorativos.

A maioria dos artefatos de uso domstico e de trabalho objeto de
decorao. Entre todos, destaca-se a cermica, No s como o campo
decorativo preferencial, no mbito da tralha domstica, mas tambm o




84

principal veculo de expresso esttica do grupo feminino (Suma etnolgica,
Van Velthem, p.99).

No entanto, a cermica Suru no possui nenhuma interferncia decorativa,
a sua preocupao , nica e exclusivamente, com a forma. Sendo assim, podemos
dentro dessa anlise simplificar alguns dados, j que no temos a presena de
relevos, incises ou modelagem de figuras antropomorfas ou zoomorfas como na
cermica Marajoara e Santarm.
Neste caso, uma anlise descritiva e minuciosa da cermica Suru se faz
necessria para verificar se ocorreram mudanas nas formas, acabamento de
superfcie, decorao e volumes dos utenslios cermicos atuais, nas peas
adquiridas durante trabalho de campo em 2010, em relao s peas das colees
pesquisadas manufaturadas nas dcadas de setenta a noventa do sculo XX.
Segundo Sronie-Vivien (1975, p.60) "as cermicas podem ser divididas em
duas grandes categorias: essas que o perfil no varia quando se faz girar o objeto
em volta de seu eixo e essas que no tem essa simetria. No caso das cermicas
Suru trabalhamos na perspectiva de classificao dentro de uma categoria simtrica
em que os resultados sero a juno de trs partes elementares que so a base, o
bojo e o pescoo da pea. Empregamos os termos, segundo Sronie-Vivien (1975):
Base, corpo e abertura, cuja correspondncia se faz relacionada ao fundo da pea, o
corpo ao bojo e a abertura boca. Seguindo esse raciocnio podemos afirmar que
as cermicas Suru tm em sua maioria: uma base em perfeita continuidade com
seu corpo.


Figura 91 92 Podemos verificar as bordas muito finas (variam de 0,2 cm a 0,4 cm) denominadas
de lbios. Coleo Mindlin 2010.

A seguir fizemos a catalogao das peas da coleo particular
pertencentes a Dra. Betty Mindlin. No total so onze peas, sendo sete panelas
Itxirah, uma lobeah, uma Toruk e duas Soup que datam do final dos anos setenta do
sculo XX. Faremos tambm o levantamento de uma srie de peas da coleo de
Betty Mindlin dos anos oitenta do sculo XX e de algumas peas mais recentes
coletadas em 2010 durante nossa pesquisa de campo.




85





ITXIRAH



Figura 93 Panela Itxirah- Coleo biblioteca Mindlin - 2010





Altura

45,5 cm
Dimetro

43,0 cm
Curva

160
Estrutura

Aberta
Forma

Ovide
Espessura

0,4 cm
Contorno

Composto
Acabamento

Polido





86





SOUP



Figura 94 Travessa soup. Coleo biblioteca Mindlin 2010.









Altura

11,0 cm
Comprimento
31,5 cm
Largura
23,5 cm

Curva

90
Estrutura

Simples
Forma
Elptico
Espessura
0,2 cm

Contorno
fechado

Acabamento
Polido






87






TORUK




Figura 95 Cuia toruk para servir sopas e bebidas. Coleo Biblioteca Mindlin 2010.





Altura

13,0 cm
Comprimento
28,0 cm
Largura
24,0 cm

Curva

80
Estrutura

Aberta
Forma

Esfrica
Espessura

0,2 cm
Contorno

Simples
Acabamento

Polido





88






LOBEAH





Figura 96 Vasilhame lobeah. Coleo biblioteca Mindlin - 2010







Altura

13,0 cm
Dimetro

23,0 cm
Curva

130
Estrutura

Fechada
Forma

Ovide
Espessura

0,3 cm
Contorno

Composto
Acabamento

Polido





89





ITXIRGUP





Figura 97 Panela itxirgup. Coleo biblioteca Mindlin - 2010








Altura

21,0 cm
Dimetro

22,0 cm
Curva

70
Estrutura

Fechado
.forma

Ovide
Espessura

0,2 cm
Contorno

Composto
Acabamento

Polido




90





SOUP



Figura 98 Vasilhame soup. Coleo biblioteca Mindlin 2010.

Altura

17,0 cm
Dimetro

21,0 cm
Curva

160
Estrutura

Fechado
Forma

Ovide
Espessura

0,2 cm
Contorno

Composto
Acabamento

Polido






91





ITXIRAH




Figura 99 Panela tingida com tintura do jequitib. Coleo biblioteca Mindlin 2010.
Altura

43,0 cm
Dimetro

41,0 cm
Curva

130
Estrutura

Fechado
Forma
Ovide
Espessura
0,3 cm
contorno
composto
Acabamento
Polido




92






SOUP




Figura 100 vasilhame soup.Coleo biblioteca Mindlin 2010.




Altura

17,0 cm
Dimetro

21,0 cm
Curva

60
Estrutura

Fechado
Forma

Esfrica
Espessura

0,2 cm
Contorno

Composto
Acabamento

Polido





93

AnIise IaboratoriaI: componentes das argiIas, presena de pinturas vegetais
ou minerais de superfcie e temperatura de queima

As anlises referidas foram realizadas na Escola SENA Mario Amato
Ncleo de Tecnologia Cermica, no Laboratrio de Microscopia Eletrnica de
Varredura MEV. So Bernardo do Campo SP. Foi usado o sistema de
Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV), anlise por EDS (Espectro por Energia
Dispersiva) e Determinao da temperatura de queima atravs da avaliao da
porosidade aparente e absoro de gua,
Segundo o relatrio do SENA pode-se determinar aproximadamente,
atravs da curva de porosidade (fig.102) e da curva de absoro de gua( fig. 103),
a temperatura de queima da cermica Suru. "Os grficos foram elaborados para
possibilitar a estimativa da temperatura de queima da amostra, utilizando a curva de
densificao da amostra, pois as propriedades de absoro, porosidade e densidade
esto intimamente ligadas com a sinterizao da pea cermica (relatrio SENA).
(ver anexo 2).
Para esta anlise foi usado um pote cermico Suru datado de 2010, feito
durante nossa estadia na aldeia e tambm uma amostra de um caco cermico
coletado aleatoriamente na aldeia Suru Gabgir situada na linha 14 da T. Sete de
Setembro.
"Atravs da interpolao possvel determinar uma temperatura estimada
das amostras, sendo de 665 30C para o pote e 690 30C para a amostra
coletada. Na tabela a seguir temos a configurao em porcentagem da porosidade
e da absoro de gua do pote e da amostra coletados.

TABELA DE POROSDADE E ABSORO DE GUA
orosldade e absoro 1emp.
C

a

Aa

1emp. de
quelma
(LS1lMAuA)

600
700
800
oLe
AM l
23,33
16,67
11,12
18,46
17,33
16,86
12,71
8,83
13,88
12,39
.
.
.
663+-30C
690+-30C

Figura 101 Tabela de porosidade e absoro de gua.




94

Figura 102 - Grfico de Porosidade (Relatrio SENA) 2010.

Figura 103 - Grfico de Absoro de gua (Relatrio SENA) 2010.





95


Podemos dizer que essas queimas so de temperatura relativamente baixas.
Nessas temperaturas que giram em torno dos 700C, as reaes qumicas so
pequenas e apenas servem para tirar a gua de cristalizao e para a queima da
matria orgnica (carbono).

A arte de queimar as argilas consiste em obter um grau de fuso e de
solidificao suficientes para atingir o objetivo desejado sem derreter a pea
ou deform-la. O conjunto deste tratamento das peas denominamos de
maturao. (RHODES, p. 26, traduo nossa).

A partir da anlise da tabela de microscopias e anlise qumica abaixo
encontramos na cermica Suru a presena dos seguintes elementos: C, O, NA, MG,
Ca, Al, Si, Cl, K, Ti e Fe.

110) TABELA DE MCROSCOPAS E ANLSE QUMCA

LlemenLos Arglla

Massa

LsmalLe


C
C
na
Mg
Ca
Al
Sl
Cl
k
1l
le
1oLal
9,36
14,28
0,14
0,32
0,31
13,03
33,39
0,09
3,27
1,20
20,00
100,00
.
14,24
0,02
0,30
0,74
18,19
33,20
0,27
2,38
2,37
27,77
100,00

80,33
18,29
.
0,01
.
0,29
.
0,21
0,19
.
0,37
100,00

Figura 104 Tabela de microscopia e anlise qumica relatrio SENA 2010.

Pudemos constatar que os resultados indicam que a argila compatvel com
a massa da qual foi confeccionado o pote analisado, pois, as composies
elementares que constituem a argila e a massa so semelhantes. A ausncia do
carbono (C) na massa indica o processo de queima onde ocorre a dissociao dos
carbonatos. A ausncia total de carbono na massa indica tambm que a argila
coletada contm apenas carbono resultante de materiais orgnicos novos e de




96

superfcie, no indicando a presena de cristais de carbono. Ao verificar o quadro de
microscopia e anlise qumica notamos tambm que a presena de carbono nesta
porcentagem responsvel pela plasticidade da argila e define tambm sua
porosidade, assim, a presena de 9,56 % de carbono nesta argila a torna uma argila
de plasticidade adequada para modelagem. O fato de no encontrarmos a presena
de carbono na massa j calcinada "nos permite concluir que o carbono presente na
argila no composto de cristais de carbono e sim de um material orgnico que
volatiliza por inteiro definindo por sua vez a alta porosidade deste material uma vez
queimado (Paschoal Giardullo, 2011)
26
. A questo da plasticidade na argila
determinada pelo carbono e a sua porosidade pela sua ausncia na massa. Assim:

As argilas, mais apropriadas para manufatura de utilitrios que sero
empregados com a finalidade de cozer alimentos, so massas abertas e
porosas. Esses tipos de panelas so bastante flexveis e se acomodam
facilmente aps a dilatao e contrao que resultam do aquecimento
dessas peas. Essas podem ser colocadas sem riscos sobre um fogo a
lenha. Peas desse tipo, no entanto, que podem ir ao fogo direto sem correr
o risco de se quebrarem, apresentam alta porosidade e normalmente
permitiriam os lquidos e gorduras de penetrar e se impregnar na matria.
(RHODES, 1976, p.55, 56, traduo nossa).

Outro elemento presente em grande quantidade nesta argila o ferro (F). O
ferro, que tem uma temperatura de sinterizao mais baixa, est presente em uma
porcentagem de 20% segundo a tabela (fig. 104), o qual determina o ponto de fuso
da massa e tambm a sua colorao. Podemos identificar que a presena de
tonalidades diferentes nas peas Suru, que variam do bege, amarelados, laranjas e
marrons permitem afirmar que h uma presena importante de ferro na argila.
O fato de termos estas tonalidades e a presena de manchas escuras em
algumas regies externas da pea so determinados pelo tipo de queima que
poderia ser classificada como uma queima oxidante-redutora. No entanto, quando a
pea emborcada para o esfumaamento no seu interior podemos falar de uma
queima interna totalmente redutora.
A cermica Suru tem uma colorao que passa pelas tonalidades de
amarelos, bege, preto, laranja e marrons. Elas apresentam uma textura lisa e suave
devido ao acabamento fino e elaborado. Segundo Rhodes:


26
Depoimento ao autor Ieito por Paschoal Giardullo, geologo, pesquisa materias primas para o preparo de argilas
destinadas ao uso por ceramistas, artista e outros. So Paulo 20/02/2011.




97

Mesmo tendo, alm do xido de ferro outros xidos, esses esto presentes
na composio da massa em to pouca quantidade que seus efeitos de
tingir a argila so mnimos, assim o ferro predomina na maioria dos casos.
Alm disto, o que pode determinar a colorao da argila a forma pela qual
queimada. (Rhodes, 1976, p.44, traduo nossa).

Figura 105 Tonalidades da superfcie de uma pea em queima oxidante-redutora. Coleo
Betty Mindlin 2010.











Figura 106
Detalhe da
superfcie de pea.
Coleo particular
Betty Mindlin
2010.




98

Conforme as colocaes de Rhodes constatamos como se pode ver na tabela(fig.
104) que existe a presena de outros minerais na argila como Na 0,14%, Mg 0,32%,
Ca 0,51%, al 13,03%, K 5,27%, Ti 1,20%. Todos esses elementos se encontram em
porcentagens muito inferiores a do ferro, razo pela qual existe uma nitida
predominncia de sua colorao na massa.
Figura 107 - Queima redutora, parte interna da pea. Coleo biblioteca Mindlin 2010.

Conforme foi descrito no segundo captulo, o processo de queima consiste
em trs etapas. A primeira etapa, um pr-aquecimento e esfumaamento interno
da pea, propicia a fixao de elementos qumicos na argila. J nesta etapa, a
superfcie da pea estando fria gera mais condensao e fixao de elementos que
propiciam uma maior impermeabilizao do interior da pea. A segunda etapa
consiste em queimar a pea aproximadamente por volta dos 700c, segundo os
grficos de porosidade e absoro de gua das tabelas (fig. 102 e 103) e a terceira




99

etapa consiste em fazer um esfumaamento interno. O resultado que decorre
desses procedimentos permite uma maior vedao dos poros internos da pea.
"O esmalte que recobre a pea cermica produto de uma deposio de
resina orgnica, indicado pelo alto nvel de carbono (C) e oxignio (O) na
composio". (Relatrio SENA, 2010).
Esmaltes normalmente utilizados por ceramistas teriam retraes e
craquelariam em argilas deste tipo (RHODES, 1976). J os procedimentos de
esfumaamento e criao de esmaltes por deposio que esse grupo desenvolveu
criam uma fina camada de esmalte que veda os poros das panelas e vasilhames
tornando-os impermeveis e possibilitando tanto o armazenamento de lquidos
quanto o cozimento de alimentos. Esta camada de esmalte permite tambm limpar
com facilidade as peas para serem reutilizadas, obtendo uma excelente
higienizao da panela.
Nas fotos a seguir realizadas pelo SENA podemos visualizar a fina camada
de esmalte natural sobre as peas. Essas fotos foram realizadas por Microscopia
Eletrnica de Varredura (MEV) e anlise por EDS (Espectro por Energia Dispersiva).

Figura108 - Foto microscopia. Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) e anlise por EDS
(Espectro por Energia Dispersiva) relatrio SENA 2010.




100

"A microscopia foi realizada em um fragmento da pea fornecida, cortado para
possibilitar a visualizao da camada de revestimento que possui,
aproximadamente, 10WM. A estrutura da massa semelhante a uma composio
de argila. O ponto indicado refere-se regio onde foi realizada a anlise qumica
por EDS, identificada com esmalte. (relatrio SENA, 2010).

Figura 109 - Foto microscopia. Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) e anlise por
EDS (Espectro por Energia Dispersiva) relatrio SENA 2010.

Esta microscopia foi realizada em outro fragmento da pea, nota-se que a
espessura de revestimento maior, com cerca de 19WM. Os pontos indicados
referem-se s regies onde foi realizada a anlise qumica por EDS.
O relatrio concluiu que o esmalte que recobre a parte interna das peas
Suru produto de uma deposio de resina orgnica, indicado pelo alto nvel de
carbono (C) 80,55% e oxignio (O) 18,29% na sua composio.
Ainda encontramos nas peas Suru a aplicao de uma tintura da casca do
Jequitib na parte externa das grandes panelas que servem para cozer alimentos.
Segundo as ndias, ela serve para fechar a massa e torn-la mais impermevel.




101

Figura 110 - Tintura da casca do Jequitib aplicada no lado externo da pea.
Coleo Betty Mindlin 2010.

Os filetes escorridos so conseqncia da aplicao da tintura. Como os
Taninos contm muito ferro, ele acaba ficando com uma colorao mais
avermelhada que o fundo da pea.
Podemos concluir que esta argila se presta muito para o que se destina. sto
, um material plstico o suficiente para se desenvolver uma boa modelagem, uma
porosidade que permite o seu uso diretamente sobre o fogo e uma
impermeabilizao interna que permite armazenar os lquidos e cozer alimentos,
inclusive os gordurosos, que no iro impregnar a massa, tornando-a higinica.
A argila, que os Suru empregam, trabalhada sem nenhuma adio de
temperos na massa. Segundo Rhodes, 1976:

Podemos definir uma massa cermica como sendo uma mistura de argilas
com outros materiais minerais para se obter um determinado produto
cermico. Muitas argilas naturais podem ser utilizadas como elas se
apresentam. Podemos dizer que estas argilas so massas naturais. No
entanto existem argilas que so modificadas agregando temperos como
areia para diminuir a retrao, ou elementos que possam aumentar ou
diminuir a sua plasticidade conforme as necessidades e tcnicas
empregadas para sua queima. (RHODES, 1976 p. 32, traduo nossa).






102

Sabemos que a tecnologia empregada na confeco de peas cermicas
utilizadas por populaes indgenas na regio do alto amazonas determina que a
diferena entre antiplsticos e temperos :

antiplstico em Chmyz(1976:144) o termo aparece como sinnimo de
tempero, j em Shepard (1985) e Rye ( 1981 ) antiplstico e tempero tem
definies diferentes. Antiplstico, de carter mais amplo, aparece na
literatura, segundo os referidos autores, como sendo relativo a vrias
classes de materiais no plsticos encontrados na argila, cuja funo de
impedir o encolhimento excessivo da cermica durante o processo de
secagem e de queima, reduzindo o risco de rachaduras. No entanto,
tempero possui uma conotao cultural mais precisa, pois designa
elementos que foram intencionalmente adicionados argila. (apud Gomes,
1999, pg.76 )

Todas as modificaes de massas cermicas tm o objetivo de adequar as
propriedades fsicas para fornecer maior ou menor plasticidade, melhor resistncia e
retrao desejada.

Figura 111 - Nesta radiografia verificamos presenas raras de
pedrinhas e uma massa densa branca que prova que a estrutura
da pea esta bem compactada. (radiografia tirada no laboratrio
veterinrio Salvador em Cotia) 2010.




103

No caso dos Suru nenhum tempero foi adicionado massa cermica, os
materiais antiplsticos j se encontram presentes na argila permitindo uma
modelagem direta, as artess a utilizam no seu estado natural.
No entanto, entre vrios outros grupos se faz necessrio modificar a argila
encontrada em seu estado natural, como explica Rhodes:

Podemos modificar a argila para trocar a sua colorao, mudar a textura,
mudar sua plasticidade para mais ou para menos conforme suas
necessidades, modificar para diminuir sua retrao assegurando menos
deformao na pea, transformar a temperatura de maturao da massa.
(RHODES , pg. 32, traduo nossa)

Podemos concluir que a composio das argilas de boa qualidade e
suficientemente plstica para a modelagem de peas utilitrias. A maturao das
peas durante a queima suficiente para torn-las resistentes e adequadas para o
seu uso.



















104

CAPTULO 4
A presena da cermica nos mitos e ritos
Durante nossa estadia em 2010 entre os Suru no foi possvel recolher
relatos sobre mitos. No falar a lngua Suru limitou em parte esta abordagem, mais
antropolgica. Entretanto no h como descartar este aspecto mitolgico em se
tratando da cermica, pela sua importncia e pelas atividades e atitudes ritualizadas.
Por esse motivo, tivemos que recorrer s informaes encontradas na
bibliografia, no caso os mitos recolhidos pela antroploga Betty Mindlin quando
esteve pesquisando entre estes ndios. Comentaremos apenas as narrativas que
citam e se referem cermica. Ainda que estas referncias sejam poucas elas
mostram o quanto, desde tempos primevos, a cermica ocupa um lugar central na
mitologia Suru. uma verdadeira imerso do cotidiano e de uma prtica relativa
cultura material no mundo conceitual, imaterial, revelando a dimenso cosmolgica
da atividade cermica.
Revela ainda, e isto foi observado inmeras vezes em campo, o aspecto
esttico e artstico da fabricao dos artefatos cermicos. Apesar de no possurem
decoraes, como muitas outras tradies cermicas amaznicas, o ritual, o
processo de fabricao dos potes, as formas e o design, a importncia dos
alimentos servidos nos diferentes recipientes, colocam em relevo a presena e
avaliao do belo, do bem feito, do adequado, do reconhecidamente perfeito.
Entre toda essa produo, a grande arte suru ainda a cermica escura,
desde as menores panelas para makaloba at as lindas cuias pequenas,
com bico ou no, onde com grande refinamento so oferecidos cajus
vermelhos partidos, degustados com a ajuda de colherzinhas de palha, ou
larvas. Nos pratos de cermica vm oferendas de alimentos, cada pessoa
esperando a sua vez. (MNDLN, 1985, p.68).

Ao mesmo tempo cada artes revela seu estilo, individualidade, mas que
tambm um bem, um conhecimento, coletivo.
O que impressiona como se reconhecem nesses objetos, a nossos olhos
quase idnticos. Todos sabem quem fez um cesto, uma flecha, uma panela,
mesmo que se trate de um objeto de outra aldeia visto na sede do parque.
Com a maior simplicidade, uma lio do que significa o trabalho concreto,
cada pessoa ligada prpria arte. (MNDLN, 1985, p.70)





105

Figura 112 - Vasilhame Lobea com peixe e milho 2010. H: 22,0 cm; D: 43,5 cm.

A presena da cermica nos mitos.
O barro, matria prima muito especial, no apenas se refere cermica,
mas tambm aparece como a prpria matria prima constitutiva dos humanos, assim
como a pedra, o que nos informa que humanos e objetos no so algo totalmente
diferente, mas ambos so fabricados e tm a sua histria de vida. Um pote de
cermica nasce, usado por diferentes pessoas e morre, possui de certo modo,
vida, pois est intimamente relacionado s relaes e aos valores sociais em
diferentes contextos.
ORGEM DO HOMEM

Parece que os primeiros homens, que depois a ona comeu, foram feitos de
barro. Os ossos foram feitos de pedra, a carne de barro, os dentes dos
"iara de ossos e os dos Suru de caroos de milho, por isso quebram
tanto.(MNDLN, 1985, p.190)

nteressante tambm o mito sobre o capacete de barro utilizado durante as
guerras. Se por um lado protege o indivduo que o usa, ele tambm possui poderes




106

predadores, para cometer aes indesejveis, um alerta para que os guerreiros no
matem pessoas em demasia. Em todo caso aqui revelado com clareza o poder
mgico, autnomo, do objeto de barro, sujeito moral que merece respeito. Segue
abaixo um trecho da histria de Waioi narrada por Gakamam Suru. Anexo(3).
Foi a vez de Am ser flechado, embora ainda usasse todas as foras para
vingar a morte da mulher. Um Ladnim furou-o com a borduna, mas no
morreu. Continuava tentando acertar os Ladnim com as flechas, mas os
inimigos usavam uma espcie de capacete de barro, com buracos s para
os olhos e a flecha no atingia suas cabeas.(Este capacete protege bem
na guerra, mas seu grande defeito que seu uso, segundo ditam as regras
da magia, faz morrerem os filhos dos guerreiros). (MNDLM, 2007, p.147-
156).

Entretanto, o mito mais importante o da mulher de barro, mais prximo
temtica da produo cermica, informativo e complexo. Trata da origem dos potes
de cozinhar. Este mito foi narrado por uma ndia Tupari. Os Tupari vivem tambm no
Estado de Rondnia e podemos considerar este mito como um pensamento
regionalista indgena.

MTO: A MULHER DE BARRO

Narradora em portugus: Etxowe Etelvina Tupari

Nesse Tempo, as mulheres ainda no tinham potes para cozinhar. Uma
moa casada lamentava-se por no ter onde cozinhar a chicha. A me ficou
com pena dela, prometeu dar um jeito: - Minha filha, no quero ver voc
triste por faltarem potes. Vou virar barro para voc poder fazer um pote.
Voc me emborca de cabea para baixo. Minha xoxota vai ser o gargalo do
pote. Voc me lava bem por dentro e depois me pe no fogo para cozinhar
a chicha. Quando a gua secar, filinha, eu aviso e voc pe mais, para meu
corao no queimar.
A moa obedeceu direitinho a me. Ps a me de cabea para baixo, e
esta ficou sendo uma panela de barro. A moa lavou-a bem pelo gargalo,
sabendo que era a xoxota da me. Buscou lenha, acendeu o fogo e ps a
me-pote para cozinhar com chicha. Cada vez que a sopa fervia, punha
mais gua, tinha medo de esquentar demais o corpo da me, de queimar
seu corao. E a foi sendo. toda vez que a chicha estava bem cozidinha,
j no ponto tirava do fogo e botava no jirau para esfriar.
Esvaziava a panela, aguava bem aguada e a me virava gente de novo,
igualzinha a quem fora.
-Ai, filhinha, sou uma mulher cansada de tanto ferver gua no fogo!
Sentava e coava a chicha para a filha.
O marido da moa, genro da me-barro, adorava a nova chicha, achava
gostosa demais. Pedia sempre, e, quando saa para a roa, me e filha
repetiam a receita de virar barro e cozinhar.
- Voc quer fazer chicha outra vez, minha filha? Oferecia a me.- Vire-me
de cabea para baixo para eu ser de barro, lave para eu ser o pote de sua
comida, cozinhe com bastante gua!
Acontece que o marido da moa tinha um xod, uma namorada. Espiou
escondida, me e filha e ficou sabendo como as duas faziam a chicha mais




107

gostosa da aldeia. Despeitada, foi fazer intriga. Correu para roa atrs do
namorado, o genro da me-de-barro:
- Voc gosta mais da chicha da tua mulher que da minha, mas ela cozinha a
sua comida dentro da periquita da tua sogra!
O moo ficou em dvida: como podia ser?
- Voc no acredita, v ver! No tem nojo de comer o que sai da xoxota, da
periquita de sua sogra?
O rapaz ficou desconfiado, matutando. Acabou por acreditar na verso da
namorada, ficou furioso. Correu para maloca e esbravejou com a mulher,
acusando-a de lhe dar uma comida vergonhosa:
- Eu pensando que sua chicha era gostosa, feita num pote limpinho, bem
lavado, e voc cozinhando dentro da periquita da tua prpria me! Como
pude comer uma sujeira dessas!
Deu um chute na panela-sogra, posta a cozinhar no fogo, com chicha at a
borda. O pote quebrou-se em uma poro de pedacinhos, pobre da sogra.
A moa juntava os cacos, aos prantos. Tentava colar, refazer a me. Esta
gemia de dor:
- Minha filha, no posso mais morar aqui. Teu marido me esmigalhou
lembrar a ofensa di tanto quanto o meu corpo machucado. Quero ir
embora, morar onde h barro, para continuar a fazer potes para voc.
A me-de-barro, dizem, foi morar no igarap. Virara barro mesmo, e do
barro fazia bacias, potes, panelas, todos os utenslios para comida.
A mulherada da aldeia descobriu e foi tirar o barro mais bonito para fazerem
elas prprias a sua cermica. Tiraram, tiraram barro, mas esqueceram da
moa, da filha da me-de-barro.
A moa estava grvida, bem barriguda. Vivia chorando, com saudade e com
pena da me.
_ Vocs esto sovinando barro, no me do nem um pouquinho- queixou-
se- mas o barro minha me. Vou ter panelas bem mais bonitas que a de
vocs.
As outras foram-se, a moa ficou chorando solitria, horas a fio. A me veio,
apareceu em forma de gente. Consolou-a, dizendo que o barro que as
outras tinham era a cinza do seu fogo, que para filha daria a mais linda
loua do mundo. E que as outras iam ver, pedir, com inveja, mas que ela
no devia dar a ningum.
A me voltou forma do barro, a moa entrou no lamaal, tirando panelas
belssimas j prontinhas, de todas as formas e tamanhos. Ps todas no
marico, despediu-se da me, que novamente lhe recomendou que no
desse a ningum, e tomou o caminho de volta a maloca. Antes da aldeia,
escondeu os presentes de barro no mato.
Na maloca, as mulheres lhe perguntavam onde fora, mas ela chorava.
Sabia que depois de lhe dar tanta cermica, a me iria para bem longe, no
se veriam mais. Como barro, s restava a cinza do fogo, era essa que as
mulheres iriam usar para fabricar as prprias panelas. Quanto a ela, aos
poucos vinha trazendo do mato os potes magnficos, verdadeiras obras de
arte, que as outras invejavam e cobiavam. (MNDLN, 1997, p.119-121)

A seguir a seqncia dos acontecimentos listados na narrativa:
1) A falta que uma moa sente de no ter onde cozinhar a chicha.
2) No ter potes causa tristeza.
3) A me se transforma em barro (poderes xamnicos de transformao).




108

4) O corpo da me vai se transformando no objeto pote mas h uma inverso, a
parte genital e tero ( a parte reprodutiva da mulher) so o gargalo e a cavidade do
pote.
5) Coloca no fogo o pote-corpo. O fogo tem o poder de transformao e recebe a
bebida ritual, a chicha.
6) O corao da me no pode queimar, o que significa que ela guarda, em parte,
sua identidade de pessoa humana, de me.
7) A panela de barro agora, explicitamente comparada e equiparada ao corpo
humano feminino. O corpo masculino no se prestaria a esta transformao.
8) H tambm uma relao vital entre corpo-me e chicha, a bebida ritual que
permite a conscincia e o comportamento alterados e possibilita o contato com seres
do cosmos.
9) reforada a idia dos poderes reprodutivos, biolgicos e de conhecimentos
culturais, enfatizando que se trata da "xoxota da me.
10) O cuidado em no queimar o corao da me-pote, alm de considerar o pote
como sendo algo vivo, remete ao grande cuidado que as ceramistas precisam ter na
fase mais difcil, a queima dos potes. H que prestar muita ateno temperatura
para os potes no racharem e tudo isso sempre relacionado produo da chicha.
O pote considerado como uma pessoa que deve ser tratada com cuidados.
11) Aps a criao do pote, a me vira gente novamente, sendo que ela havia sido
submetida a uma transformao temporria mas no a uma metamorfose
irreversvel, o que refora a conscincia moral, volitiva, autnoma de quem se
submete a esse tipo de ato de criatividade. O ato do agrado do genro e se torna
uma atividade repetitiva, socializada, tradicional.
12) Mas, no fim, intervm o cime dos humanos e o genro vai descobrir que na
verdade, a chicha estava sendo produzida e consumida atravs de um ato
transgressor, tabu, na sociedade indgena, a relao entre sogra e genro totalmente
proibida, regra indgena que o mito tambm reafirma.Vemos assim que o pote, um
corpo humano, que produz e reproduz a sociedade, afirma a harmonia nas relaes
de consanginidade (me-filha-barro-confiana) e as restries e transgresses nas
relaes de afinidade (sogra-genro-chicha-cime).




109

Em resumo, a importncia da cermica na cosmologia dos povos indgenas
da regio fica claramente comprovada, enfatizando tambm o cotidiano e o ritual, as
relaes sociais e os sentimentos e emoes que as acompanham, um guia para as
pessoas sobre o que se pode e no se pode fazer.

Rituais no processo de produo cermica
Constatou-se que existe um ritual para a produo da cermica Suru. Este
foi seguido risca por todas as artess durante a pesquisa de campo. Percebemos
que esta atividade ritual, composta de uma seqncia muito bem estruturada,
envolvendo etapas, desde a sua organizao inicial at para a coleta da matria
prima e a concretizao da forma. Podemos dizer que a primeira etapa da coleta de
argila envolve muitos cuidados e um dos principais o silncio na hora de deixar a
fonte de argila para que seu esprito protetor, o caranguejo, no siga as artess e se
perca tornando a fonte, uma vez desprotegida, imprpria para o uso. Lvi-Strauss
comenta esse silncio:

Os Yurucar, que moravam nos ps dos Andes envolviam a arte cermica
de precaues e muitas exigncias. Somente as mulheres praticavam esta
arte, saiam juntas para buscar a argila durante o perodo do ano que no
era destinado a coleta. Por temerem os troves e para se esconder dos
olhares, elas se escondiam em lugares retirados, construam uma palhoa,
celebravam rituais. No momento de iniciar o trabalho se fazia um silncio
completo, se comunicavam entre elas somente por sinais, convencidas que
se dissessem uma s palavra seus potes quebrariam durante a queima
(LEV-STRAUSS,1985, p. 36, Traduo nossa).

Um segundo aspecto importante tem relao com os procedimentos no
momento de extrao da argila. Cada artes tem cuidados excessivos em relao
matria prima. Percebemos que elas sempre colocavam a argila sobre folhas verdes
limpas ou cascas de palmeira evitando assim o contato da matria diretamente com
o cho, na inteno de evitar possveis contaminaes da argila. Tambm forravam
os cestos-cargueiros com folhas e durante todo o processo manuseavam a argila
sem deix-la em contato direto com o cho. Esta forma de ordenar e de evitar a
sujeira, esta higienizao constante durante todo o processo. Segundo Mary
Douglas citada por Luce Giard (1996, p.235):

Mary Douglas se interrogava sobre a definio do "sujo, "uma idia
relativa, elemento de um sistema simblico pelo qual uma cultura ordena o




110

mundo sensvel, classifica e organiza a matria, se bem que dissimulada
sob esta obsesso de evitar a sujeira, de cumprir os ritos sagrados da
purificao, A reflexo sobre a sujidade implica a reflexo sobre a relao
da ordem com a desordem, do ser com o no ser, da forma com a falta de
forma, da vida com a morte
2
. (apud, GARD, 1996, p.235).

A prxima etapa deste processo consiste na modelagem. Verificou-se,
contrariamente ao processo de extrao da argila, a participao das crianas
durante a modelagem das peas. Neste momento crianas pequenas podem pegar
a argila, manipul-la e ensaiar por imitao a fabricao de alguns objetos ou
simplesmente se lambuzar de barro.



Figura 113 Ftima e crianas em volta observando o processo de sovar a argila 2010.

Neste caso, podemos afirmar que atravs de uma experincia das crianas
com as artess, cria-se um espao para a aprendizagem no mbito familiar. trata-se
de um processo adquirido progressivamente em brincadeiras, ou na imitao do
trabalho dos adultos (Vidal, J-J, A 1987, p.155) A transmisso deste conhecimento




111

permite garantir a continuidade das tcnicas de modelagem e a manuteno de suas
formas. Os gestos observados tentam ser reproduzidos, e pela aldeia ecoa o ritmo
cadenciado de sovar a argila. Conhecer a consistncia ideal da argila, o momento de
dar incio construo da pea (dar-lhe forma) acompanhado atentamente e
muitas vezes reproduzido pelas crianas. Notou-se tambm que as mes artess
tm um olhar especial em relao s meninas j com idade de confeccionar um
pote, transmitindo conhecimento para a realizao da seqncia inteira, no intuito de
materializar determinadas formas. Segundo Luce Giard:

O gesto se decompe numa seqncia ordenada de aes elementares,
coordenadas em seqncias de durao varivel segundo a intensidade e
esforo exigido, organizada segundo um modelo aprendido de outra pessoa
por imitao, reconstituda de memria, ou estabelecida por ensaios e erros
a partir de aes vizinhas. (GARD, 1996, pg.273).

Observou-se que esse momento do processo muito descontrado e
propicia uma interao familiar como se fosse uma brincadeira onde as crianas
experimentam, aprendem e descobrem as propriedades da argila. Conhecer a
seqncia inteira para realizar uma determinada forma depende de uma sucesso
sutil de gestos, hbitos herdados e repetidos.
A escola um local onde tambm transmitido o conhecimento das
tradies dos Suru. Os mais velhos neste caso ensinam danas e cantos da cultura
Paiter conforme podemos constatar nas fotos (fig. 115 e 116).
Percebemos tambm que h um encontro de geraes (fig. 114). De um
lado Pamatoa, artes Suru, mais velha, que conhece os processos de modelagem,
queimas, uso das peas cermicas e sua funo em rituais, modelando sua pea
seguindo etapas de construo tradicionais, um conhecimento ancestral para
elaborao de artefatos da sua cultura, do outro as crianas, pesquisando,
perguntando e fazendo anotaes.
Foram esclarecedores trs momentos principais neste processo da
cermica: o da coleta, o da modelagem e o da queima. E esta ltima etapa exige da
ceramista uma extrema concentrao, razo pela qual ela se isola para cuidar da
sua queima.




112

Figura 114 - Alunos do ensino fundamental da Escola Estadual ndgena: Sertanista Jos do
Carmo Santana. Linha 14 Aldeia Gbgir, prestam ateno na fala da artes Pamatoa
2010.


Figura 115 - Preparao das crianas com adereos para o ensaio da festa do mapimi 2006.





113

Figura 116 - Ensaios da festa ritualstica do Mapimi - 2006









Figura 117 - Desenho com representaes
das formas cermicas feitas em sala de
aula da Escola Fundamental Sertanista
Jos do Carmo Santana. Linha 14 2010.

Podemos afirmar que existe em cada momento deste processo interaes
sociais distintas. Na etapa da extrao observamos um grupo formado por mulheres
adultas casadas e por meninas adolescentes que ingressaro no mundo adulto. Em
uma segunda etapa, j de volta aldeia, a atividade torna-se familiar. Me e filhos
participam, Os homens adultos, ou esto exercendo outra atividade, ou, se esto por
perto, observam de longe a fabricao dos potes, sem se envolver.




114

Em uma terceira etapa temos a queima, momento em que a artes se
encontra s para concluir sua pea, uma perda neste momento seria irreparvel
Do mesmo modo que a produo cermica envolve um ritual, a cermica
tem uma importncia fundamental na preparao da makaloba para o principal ritual
dos Suru que a festa do Mapimi
27
. Como explicamos anteriormente no primeiro
captulo, a organizao social em metades estabelece um sistema ritualizado de
troca que se encerra em um grande acontecimento denominado Mapima. Segundo
Mindlin (2006):

A metade da roa, wai, porm, tem roas maiores, dedica-se mais que a
outra a plantar, pois neste ano devem oferecer aos da clareira, do mato ou
metare, uma grande festa com bebida, que pode durar muitos dias. A
bebida feita de car, milho, inhames, resultado do trabalho na terra. O
povo do metare, por sua vez, fica meses na floresta preparando objetos de
arte para dar aos da comida por ocasio da festa. (MNDLN, p.17, 2006)

Esse processo de troca fundamental para a organizao social dos Suru.
Tradicionalmente durante este ritual que se estruturam os laos entre as metades
exogmicas. Segundo MNDLN (2006, p.17). " neste momento que se fazem os
casamentos, pois cada homem tem um cunhado na metade oposta sua, portanto
dando uma mulher, ou recebendo.
O ritual, um processo de atividades que organiza a produo cotidiana, seja
ela nos trabalhos relativos roa ou produo artstica, culmina em um encontro
de desfecho de um ciclo. No ciclo seguinte h uma inverso das metades e de suas
atribuies produtivas.
Segundo Boas (1927) existem atividades que do prazer. Os trabalhos que
proporcionam prazer esto ligados criao de obras belas e essas atividades de
grande valor inventivo permitem uma vida mais descontrada. Assim todas as
atividades humanas podem assumir formas que lhes do, por exemplo, um valor
esttico. Percebemos segundo a descrio de Mindlin (1985) que a metade da mata
esta muito mais ligada s atividades de produo artsticas alm de fazer a
derrubada da roa enquanto a outra metade tem o trabalho de plantar, cuidar e
colher e preparar os alimentos.

27
Segundo Betty Mindlin, 1985 a festa do mapimi um ritual que acontece quando em um
momento culminante entre as duas metades, os da mata e os da aldeia se encontram para fazer as
trocas entre os dois lados.




115

Figura 118 - Clareira, tapiris do "metare, onde ficam os do mato produzindo arte e caando. 1981




Figura 119 - Os da roa, metade que prepara os alimentos plantados. 1981.





116

Figura 120 - Os da mata chegando com sua produo de artefatos 1982.

Na festa do Mapim existe uma produo abundante de bebida e
alimentos, momento principal em que se fazem uso das grandes panelas para
preparao da makaloba.

O preparo de bebidas fermentadas, uma tarefa valorizada incumbida s
mulheres, mas que beneficia tambm toda a famlia. Alm de seu papel na
alimentao diria, a cerveja confere um prestigio tambm para o chefe de
famlia. Uma mulher que recusasse de preparar cerveja seria duramente
criticada, at poderia ser rejeitada por seu marido frente a esta fraqueza
social que a falta da bebida traria para ele. Os homens dependem do
trabalho das mulheres para desenvolverem suas atividades sociais:
convivncia, trabalho comunitrio, ritos, festas, etc. Resulta deste fato, que
quanto mais mulheres um homem pode sustentar, mais aliados ele poder
encontrar, que viro beber em sua casa. Resumindo, as mulheres assumem
a produo e reproduo social, enquanto os homens controlam a esfera
poltica. (SGUAS,Nancy Ochoa, 2004, p.85, traduo nossa).

Durante esta festa os que chegam do mato trazem sua produo de
artefatos, entre estes encontramos a cermica, geralmente embaladas com
barbantes de algodo para facilitar o transporte, parecem embrulhadas para
presente.






117















Figura 121 - Aqui observamos um detalhe da
cermica embalada sendo transportada, durante a
chegada da metade metare, na aldeia. detalhe-
1982

Durante este ritual o processo de troca se estabelece entre os da roa e os
da aldeia. Os da aldeia, os anfitries oferecem a bebida preparada nas grandes
panelas e servida em vasilhas tambm grandes, pois o intuito que se beba muito.














Figura 122 - Durante o ritual
mapimi os da aldeia oferecem a
bebida em grandes vasilhas
cermicas- foto tirada de um
painel expositivo no centro
cultural Apoena Meireles-
(Riozinho - Cacoal, RO) - 2010


H ainda vrios rituais entre os Suru onde a presena do alimento
fundamental como nas festas do milho e outras. Notou-se que para os Suru a
relao com o alimento muito forte. No livro Paiter Suru (MNDLN, 1985, p. 62-
66) h um captulo que trata exclusivamente da alimentao, incluindo receitas de
sopas, panquecas, milhos pocados entre outras. Todas essas receitas esto




118

intimamente relacionadas cermica como, por exemplo, as panquecas preparadas
sobre um disco de cermica, ou o milho assado em uma cuia cermica ou ainda as
sopas e bebidas preparadas nos paneles.

Come-se a toda hora na maloca, quando h alimento, cada um quando tem
vontade, sozinhos ou em conjunto. A comida preparada na entrada tem um
carter comum. As panquecas de milho e mandioca, as sopas de milho,
mandioca e inhames demoram a ser feitas e so espreitadas e esperadas.
H rituais ocasionais. Quando se trata, por exemplo, do primeiro milho das
chuvas, as primeiras espigas e a primeira sopa, a dona do panelo da porta
chama um por um para beber na cuia cermica e ela ou a prpria pessoa
antes de tomar faz uma encantao, soprando e cuspindo no corpo todo,
pronunciando os nomes de animais: Osso de quati! Osso de veado! Osso
de ona! que protegero quem come. A primeira panqueca, quente,
encostada no corpo todo e jogada fora. As outras so comidas no dia
seguinte. (MNDLN, 1985, p.32).

Figura 123 - Cozinhando o car para preparao da sopa na panela de cermica Itxirah
2010.

Em resumo constatamos a importncia do alimento para este povo e como
ele est intimamente relacionado s panelas de cermica, revelando o papel
fundamental da oleira, no caso as mulheres artess Suru, especialmente as mais
velhas.




119

CONSIDERAES FINAIS

Se compararmos alguns registros fotogrficos de Jesco Von Puttmaker no inicio dos
anos 70 com algumas situaes registradas atualmente em 2010, percebemos que
no houve mudanas no processo de modelagem, nas formas dos recipientes, nos
procedimentos necessrios para se obter a argila e no uso dessas peas (vide
figura: 124, 125 e 126, 127).

Figura 124: modelagem-1970. Figura 125: Sobag modelando-2010.

No entanto esta continuidade nos processos tecnolgicos da produo material
contrasta com outras dimenses socioculturais. Nesses ltimos 40 anos os Suru
procuraram segundo depoimento de Uraan Anderson Suru (Julho, 2010) conhecer
os diferentes aspectos da vida dos no ndios.
Se dedicaram a defender suas terras atravs de instrumentos legais, saram
de suas aldeias para estudar, se formar como agentes de sade para poder atuar
nesta rea nas suas prprias aldeias. Alguns ndios trabalham como professores,
formados pelo ensino publico, nas aldeias, resgatando tambm, como parte do
programa oficial, sua lngua e conhecimentos tradicionais. Do ponto de vista
ambiental procuram hoje conservar o que lhes restou de floresta e possuem projetos




120

de reflorestamento, e principalmente, em um contexto contemporneo, procuram
revitalizar seus costumes e suas prticas artesanais.

Figura 126: reutilizao de cacos-1970 Figura 127: reutilizao de cacos-2010


Como explica a antroploga Betty Mindlin, a passagem do mundo tribal para
uma situao mais globalizada, se fez a muito custo e os Paiter Suru tiveram que
negociar e lutar de maneira extremamente acelerada. Hoje, alm de todas essas
mudanas materiais, verificamos tambm interferncias na esfera religiosa e
espiritual com a chegada das igrejas evanglicas que ali se instalaram, convencendo
os xams da aldeia Gbgir a se converterem. Verificamos em campo que um dos
xams, como aconteceu em outros povos indgenas na Amaznia, se tornou pastor
da igreja batista Suru, no deixando, entretanto de reconhecer os valores das
crenas tradicionais relacionadas cosmologia indgena.
Sempre ficamos muito intrigados com a perfeio das formas, acabamento e
qualidade tcnica da cermica Suru. Ainda mais por no possuir nenhuma
decorao como acontece entre outros grupos indgenas. Enquanto ceramista
tivemos a curiosidade de conhecer melhor os procedimentos que apenas seriam




121

revelados atravs de exames laboratoriais. E de fato, constatamos que todos os
procedimentos para a fabricao destas cermicas, so extremamente elaborados e
dirigidos especificamente para a obteno de um resultado de alta qualidade
funcional e esttica.
Evidentemente que as artess indgenas no possuem o conhecimento
qumico da matria tal como revelado pelas tabelas. Trata-se de um conhecimento
elaborado a partir de muitas observaes e experimentaes efetuadas ao longo do
tempo o que para os ndios remonta aos tempos mticos. Entendemos que a
preservao destes conhecimentos seja extremamente preciosa, merecendo os
inmeros rituais relacionados prtica da cermica.







































122

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Anexo I - Histrico da instituio e atividades desenvoIvidas peIa
Associao Gbgir do povo Suru.






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Anexo II - ReIatrio de Ensaio feito peIo SENAI




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Anexo III- Narrao de histria de Waioi.







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