Nadjala Ghabar - Dissertação Sobre Druzos
Nadjala Ghabar - Dissertação Sobre Druzos
Nadjala Ghabar - Dissertação Sobre Druzos
PONTIFCIAUNIVERSIDADECATLICADESOPAULO
PUCSP
Najla
SoPaulo
2013
2
PONTIFCIAUNIVERSIDADECATLICADESOPAULO
PUCSP
Najla
LAR DRUZO BRASILEIRO:
O DRUZISMO VERDE E AMARELO
MESTRADOEMCINCIASDARELIGIO
Dissertao apresentada Banca
Examinadora como exigncia parcial para
obtenodottuloemMestreemCinciasda
Religio, pela Pontifcia Universidade Catlica
de So Paulo, sob a orientao do Prof.
DoutorFrank Usarski.
SoPaulo
2013
3
BancaExaminadora
_______________________________
_______________________________
_______________________________
4
DEDICATRIA (OPCIONAL)
5
AGRADECIMENTOS
6
RESUMO
Esta pesquisa se refere presena do druzismo no Brasil, especificamente no Lar
Druzo Brasileiro de So Paulo, uma das instituies representativas da comunidade
druza no pas. O objetivo deste trabalho conhecer a histria dessa instituio, bem
como identificar os elementos que a caracterizam como uma comunidade-referncia na
formao da identidade druza no Brasil.
Esta dissertao composta por trs captulos. No primeiro captulo "O
Druzismo" recuperada a histria da religio, desde suas origens at assumir a forma
como a conhecemos. Posteriormente, so apresentados os elementos da organizao, da
doutrina e das prticas que caracterizam essa tradio religiosa. No segundo captulo
"Lar Druzo Brasileiro, do passado ao presente, feito um resgate da histria dessa
instituio, bem como das aes que promovem o exerccio da identidade druza entre os
pares da comunidade. Para finalizar, o terceiro captulo "O papel do Lar Druzo
Brasileiro luz dos depoimentos da prpria comunidade" discute o papel que o LDB
ocupa na formatao da identidade druza para seus membros.
Palavras-chave: Druzismo, druzos, religio, Lar Druzo Brasileiro.
7
ABSTRACT
This research refers to the presence of the Druzism in Brazil, specificallly in the
Lar Druzo Brasileiro de So Paulo, one of the representative institutions of the Druze
community in the country. This work aims at knowing the history of this institution as
well as identifying the elements which characterize it as a reference in the formation of
Druzes identity in Brazil.
This work has been divided in three chapter. In the first one entitled The
Druzism, has been rescued the history of religion since its origins until nowadays.
Subsequently, it is presented the elements of the organization, doctrine and practices
that characterize this religious tradition. In the second chapter, entitled Lar Druzo
Brasileiro, from past to present, it is rescued the history of this institution, as well as
the actions that promote the practice of identity among peers in a Durze community.
And finally, in the third chapter, entitled "O papel do Lar Druzo Brasileiro luz dos
depoimentos da prpria comunidade" which discusses the role of the LDB in the Druze
identity formating towards its members.
Keywords: Druzism, druzes, religion, Lar Druzo Brasileiro.
8
SUMRIO
INTRODUO.............................................................................................................09
CAPTULO I - O Druzismo..........................................................................................11
CAPTULO II - Lar Druzo Brasileiro, do passado ao presente....................................30
CAPTULO III - O papel do Lar Druzo Brasileiro luz dos depoimentos da prpria
comunidade.....................................................................................................................66
CONSIDERAES FINAIS........................................................................................81
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................83
9
INTRODUO
A presente pesquisa Lar Druzo Brasileiro: O Druzismo Verde Amarelo, refere-se
presena do druzismo no Brasil, especificamente no Lar Druzo Brasileiro de So Paulo
(LDB
1
), uma das trs instituies que rene e representa a comunidade druza no Brasil.
O objetivo deste trabalho conhecer a histria dessa instituio, bem como identificar
os elementos que a caracterizam como uma comunidade referncia na formao da
identidade druza no Brasil.
Nosso estudo tambm visa ampliar o universo do conhecimento sobre o Unitarismo,
visto que esse um campo de pesquisa praticamente indito no Brasil. Apesar de fazer
parte das muitas tradies religiosas que compem o campo religioso brasileiro, o
druzismo uma religio absolutamente negligenciada no mbito das Cincias da
Religio brasileira, pois no h nenhum estudo sistemtico que o trate como religio
que . Os dois nicos trabalhos encontrados que tangenciam essa temtica pertencem a
outras abordagens, e ambos no tm como objeto a religio, apesar de utiliz-la para
desenvolver seus trabalhos.
Para colaborarmos com a diminuio dessa lacuna, elaboramos um percurso didtico
que permitir ao leitor compreender os principais elementos que caracterizam o
universo druzo, identificando os elementos de permanncia desta comunidade, que
faz com que a gerao que nasceu no Brasil - a segunda gerao dos druzos
brasileiros - ainda se reconheam como tal e assumam a tarefa anunciada, pelos
fundadores, de preservar a tradio.
O primeiro captulo - O Druzismo - resgata a histria da origem dessa religio at
assumir a forma como a conhecemos. Posteriormente, so apresentados elementos que
caracterizam a organizao, a doutrina e as prticas dessa tradio.
O segundo captulo - LDB, do passado ao presente - recuperamos a histria desta
associao, bem como as aes que promovem o exerccio dessa identidade entre os
pares da comunidade. Partiremos das motivaes e circunstncias que envolveram a
fundao do LDB; conheceremos o caminho criado pelas diferentes lideranas, que na
1
O Lar Druzo Brasileiro ser identificado pela sigla LDB.
10
preocupao de unir o passado ao presente, criaram caminhos que de alguma forma
envolvessem no s a gerao imigrada como aqueles que nasceram e nascero longe
das razes que os geraram. Nesse contexto, sero apresentados alguns dos principais
elementos que caracterizam essa instituio, que vo desde estrutura fsica e financeira,
atividades no religiosas e religiosas que so realizadas intra e extra muros .
O terceiro captulo - O papel do LDB luz dos depoimentos da prpria comunidade-
teremos a oportunidade de nos aproximarmos da subjetividade dos participantes dessa
comunidade, "dando voz" aos seus membros, para compreendermos como essa
identidade elaborada. Num primeiro momento conheceremos os aspectos
metodolgicos que envolveram essa pesquisa, em seguida apresentaremos os resultados,
para ento finalizarmos com a interpretao das entrevistas luz do quadro terico.
Vale lembrar que a identidade dos entrevistados ser protegida, portanto, no haver
qualquer identificao na apresentao dos depoimentos.
11
Captulo I - O DRUZISMO
1.1 Reflexo preliminar
Tendo o presente trabalho como ttulo: Lar Druzo Brasileiro: O Druzismo Verde
Amarelo, para nos aproximarmos do objeto desta dissertao faz-se necessrio
conhecermos o druzismo, religio dos druzos que justifica a existncia do Lar Druzo
Brasileiro, e que nas palavras de um dos scios fundadores Rafic Chaar seria "um lugar
que proporcionasse a unio familiar, fortalecesse os laos e preservasse os costumes e a
tradio".
Para tanto, elaboramos um percurso didtico que permitir ao leitor compreender os
principais elementos que caracterizam o universo druzo. Nosso ponto de partida a
histria da origem da religio at assumir a forma como a conhecemos. Posteriormente,
nos debruaremos sobre a organizao, doutrina e prticas que caracterizam essa
tradio.
Ao longo do texto teremos a oportunidade de conhecer uma das principais fontes do
druzismo que influenciou de maneira significante a articulao final dessa religio: o
xiismo, uma das principais vertentes do Isl. Concentram-se aqui apenas os aspectos
que so essenciais para essa compreenso, j que no nossa inteno trabalhar com
todos os elementos que o caracterizam, mas sim, os que so comuns a ambas. So eles:
monotesmo, mahdi, Id al-Adha (celebrao da Festa do Sacrifcio) e Taqiyyah
(dissimulao).
1.2 Os Druzos
Apresentar os druzos e sua religio, o druzismo, no tarefa fcil pois as controvrsias
comeam pelo prprio nome. Apesar de publicamente serem conhecidos como druzos,
autodenominam-se Unitaristas, em rabe Muahidin. Insistem que essa nomenclatura
mais correta j que anuncia o cerne de sua f, a crena no Deus nico:
Reconhecem Deus Todo-Poderoso como Ser nico e Eterno [...] Uma
religio que se desenvolveu, prosperou, amadureceu e cresceu junto
ao Islamismo, Cristianismo e outras fs mais antigas (MOUKARIM,
2003, p.11).
12
Na literatura possvel encontrar diferentes justificativas para o termo druzo. A mais
popular estaria relacionada ao missionrio Nachtakin Adrazi (da, druzo), que
incumbido de disseminar a doutrina no Lbano e na Sria, traiu sua comunidade
alterando as mensagens e os ditos em benefcio prprio e por isso acabou sendo morto
por seus pares. Outra possvel explicao para o termo apresentada pelo Sheique
Nagib Assarauy (1967, p.24):
Outros historiadores afirmam que o nome Durzi (em rabe) no vem de Adrazi
e sim do nome do clebre comandante Anujur Adduruzi que dirigiu as foras
Fatimitas na Sria e foi vencedor dos Marceditas (habitantes de Alepo), que se
movimentaram rumo Palestina para fazer retroceder as tropas Fatimitas.
Afirmam tambm que o nome Durzi no pode de ser corruptela de Addraz.
A controvrsia no se limita ao nome, tambm diz respeito a como diferentes autores
apresentam essa religio. Vejamos: Assrauy refere-se a ela como seita xiita islmica
qual foram acrescentadas contribuies de filsofos gregos, gerando um tipo de
sincretismo religioso. Makarem a ela se refere como uma ordem secreta, de cunho
esotrico. Mircea Eliade a classifica como uma seita de ghults, ou extremistas, que
proclamam a divindade dos ims e a crena na metensomatose das almas
2
(tansukh al-
arwh) e Firro acrescenta a presena de princpios do hindusmo doutrina original.
Por enquanto, em linhas gerais, podemos dizer que druzo todo aquele que nasce dentro
da religio druza, no havendo converso, isto , no h possibilidade de algum de
outro credo tornar-se druzo. Estes acreditam que, perante Deus, o fundamental a
verdade, e que a falsidade o pior mal. Por serem transmitidos fundamentalmente por
tradio oral, os ensinamentos so aprendidos na famlia, sendo pai e me os
responsveis por manter viva a tradio druza. na infncia que aprendem a lngua e os
preceitos que aliceram as regras de convivncia; afinal, para o druzo, viver aprende-se
vivendo, ser druzo aprende-se no dia-a-dia convivendo, casando-se entre seus pares e
enterrando seus mortos, com a promessa de que suas almas reencarnaro novamente
como druzos.
2
Transmigrao de corpos
13
1.3 As Origens e Perodo Formativo
O druzismo tem sua origem no sculo X, no ano de 1017, na cidade do Cairo, Egito
3
.
fundado no perodo de ascenso do califa fatimida Al Hakim Bi Amr Allah,
"governante por merc de Deus", quando alguns de seus seguidores, o proclamam
Mahdi, " a encarnao divina"
4
.
O perodo que compreende a origem e a formao do druzismo recebe o nome de
Da'wa, em portugus, Chamado Divino. Inicia-se em 1017, com o reconhecimento do
califa fatmida
5
Al Hakim, como a encarnao do Uno
6
e caracteriza-se pela pregao e
divulgao da nova f. Aps sua morte, desencadeia-se uma srie de perseguies e
como decorrncia dessas, em 1043 encerra-se "o Chamado" e a comunidade torna-se
fechada, pois no buscava e nem aceitava novos convertidos. Foram vinte e seis anos de
Da'wa.
Para compreendermos o que vem a ser o Chamado e seus desdobramentos preciso
voltar no tempo. Al Hkim promove a abertura do Chamado (1017-1021) em que ele
[...] anuncia uma nova era, na qual a verdade sobre a Unicidade de Deus seria
revelada e o conhecimento divino seria aberto para aqueles que tinham se
preparado para este momento desde a origem do homem. Editou um decreto,
estabelecendo que as pessoas removessem, de si mesmas, as causas do medo, da
alienao, do conformismo e encorajou-as a declarar abertamente a sua crena
(KADI, 1997, p.50).
Nesse momento a converso deveria ser voluntria. A aceitao do novo membro
acontecia numa conveno, na qual testemunhas atestavam quanto honestidade,
integridade e valor pessoal do candidato. Posteriormente, as listas com os nomes dos
novos adeptos eram encaminhadas para o primeiro e o segundo Dignitrios. Aps serem
aceitos na comunidade, os convertidos que acreditavam no novo Chamado reuniam-se
3
Algumas fontes bibliogrficas datam o druzismo como uma religio que teria surgido no sculo XI, na
Sria.
4
Desde o estabelecimento deste califado (unio do poder temporal e espiritual), em 909-1171, com uma
pregao extensiva, estimulou-se uma expectativa em torno da volta do Mahdi (guiado por Deus,
designando o im de que se espera a vinda ou o regresso), personificado na figura do im califa.
5
Dinastia que alegava serem descendentes de Ali e Ftima, genro e filha do Profeta Mohamed,
respectivamente.
6
Deus nico.
14
de comum acordo, por sua livre escolha. Ser druzo, portanto, no uma atribuio
divina, mas sim uma escolha, opo consciente, feita historicamente. considerado
como um ato irreversvel e naturalizado como uma herana gentica (KADI, 1997,
p.51).
Para angariar novas converses o califa Al Hakim liderou um grupo de cinco homens,
espcie de ministros (hudud), cuja funo bsica era servi-lo e revel-lo como Senhor
do universo. So conhecidos como hudud Sham'a deTawhid (vela do Unitarismo), no
por acaso descritos como cinco Luminares ou Dignitrios Espirituais, ou seja, aqueles
que de alguma forma so responsveis pela "vela que emana a luz" da mensagem, que
a Unicidade de Deus. So os nicos que revelaram a religio de Tawhid e que
chamaram a humanidade a abra-la. Cada um deles seria representante de um estado
fsico e outro espiritual. Durante o Chamado, foram eles:
I - Hamza bin-Ali, conhecido como Al-AKel, a Mente Universal (razo);
II - Ismail Mohammad Al-Tamimi, conhecido como Al- Nafs, a Alma
Universal;
III Mohammad Wahd Al Qurashi, conhecido como Al-Kalima, o Verbo;
IV - Salama Abdel-Wahhab, Al-Samurri, a Asa Direita, tambm conhecido
como o Antecessor e a Causa;
V - Baha Al-Din, Al-Muqtana, a Asa Esquerda, tambm conhecido como o
Sucessor e o Efeito (MOUKARIM, 2003, p.18).
Os drusos acreditam que os Luminares so emanaes da Mente Universal,
repetidamente passam de uma vida para a outra. Para exemplificar, o primeiro dos cinco
Luminares: Hamza bin-Ali, Al Akel (A Mente Universal), teria aparecido em todas as
pocas, mas sob diferentes nomes. So eles: na era de Ado, ele foi Shantil; na era de
No, ele foi J ibrael; na era de Abro, ele foi Duwijanis; na era de Isaas, ele foi Cristo;
na era de Maom, ele foi Salman El-Farsi e na era de Al Hakim, ele foi Hmza Bin-Ali.
Entre os Luminares destaca-se a figura de Hamza bin-Ali, que deu vida nova f.
Considerado o verdadeiro pai da doutrina druza, mostra-se um pregador incansvel,
convoca todos os partidrios do califa Al Hakim que nele veem a emanao do Uno.
Desta forma:
A f dos druzos vinha da doutrina de Hamza ibn 'Ali ; ele levou em frente a
ideia ismaelita de que os ims eram encarnaes das inteligncias emanadas do
Deus nico, e afirmava que o prprio Uno estava presente para os seres
humanos, e havia finalmente se encarnado no califa fatimida Al -Hakim (966-
15
1021) que desaparecera das vistas humanas mas ia voltar (HOURANI, 2001,
p.194).
Por volta de 1018, Hamza se retira para meditar e planejar. Sua relao com Al Hakim
fica cada vez mais slida. Hamza se proclama im, guia e porta-voz do califa. Em 1021,
misteriosamente Al Hakim desaparece. Hamza declara que o califa se retirara, mas
haveria de voltar. Quarenta dias aps o desaparecimento de Al Hakim, seu sucessor, o
califa al-Zahir comeou a perseguio aos Unitaristas.
Uma nova fase se iniciou conhecida como os sete anos de perseguio (1021 a 1027).
Aqui encontraremos duas verses. Uma delas relata que, juntamente com outros trs
luminares, Hamza se refugia no Cairo, ficando em silncio durante os anos de
perseguio. A outra, narra o desaparecimento de Hamza, bem como dos outros trs
Luminares:
Hamza teria desaparecido no final de 1021 como o xiita Al-Mahdi, mas
aparecer no fim dos tempos em grande poder e glria para destruir aqueles que
rejeitaram a apoteose de Al- Hakim. Depois dele os hudud -ministros tambm
desaparecem, com exceo De Baha al-Din al-Muqtana, que assumiu o
comando da administrao da comunidade druza- (MOOSA, 2011, p 4).
De 1027 a 1035 o Unitarismo volta a se expandir, agora sob a liderana do luminar
Baha al Din. Este recebe uma carta de Hamza, ordenando-lhe escrever, pregar e difundir
publicamente a mensagem, enviando missionrios e assumindo a responsabilidade do Chamado
na ausncia dos demais luminares (MOUKARIM, 2003, p.19).
Baha al Din, alm de enfrentar a austera perseguio, deparou-se com resistncias
internas, devido s divises dentro da prpria comunidade, decide pela suspenso do
Chamado (1035 - 1043). Despede-se de seus companheiros e retira-se. Desta forma, os
Unitaristas se tornaram uma comunidade fechada que no buscava e nem aceitava novos
convertidos (MOUKARIM, 2003, p.20).
Essa perspectiva se mantm at os dias de hoje, permanecendo apenas aqueles que
entraram durante os vinte e seis anos em que esteve aberta a Da'wa (Chamado Divino) a
novos fieis. Desde ento so considerados druzos apenas aqueles que nascem de pais
druzos. Para sobreviverem, os adeptos tiveram que manter segredo em torno da nova f.
Praticando aquilo que chamam de Taqiyyah , que consiste em permitir a adoo formal
de outra crena, na inteno de proteger a "crena interior". At hoje, essa perspectiva
se mantm.
16
1.4 Organizao
Atualmente podemos encontrar comunidades druzas espalhadas pelo mundo todo, no
entanto a maioria est concentrada no Lbano, na Sria e em Israel. No por acaso, as
instncias representativas desse grupo, tribunais reconhecidos pelo governo local, esto
localizadas no Lbano e na Sria, em nmero de quatro e um, respectivamente.
Os druzos, como grupo religioso, organizam-se a
partir dos princpios da religio. O druzismo
uma religio hierarquizada que se estrutura pela
liderana dos telogos (Maxihhat Akel). Nessa
tradio, identificamos uma estrutura
hierrquica, que est sob a coordenao de um
lder reconhecido como ministro espiritual de
toda comunidade druza, o qual denominado
sheique Al Akel
7
, o sbio (imagem 1) Sua funo
liderar a comunidade druza, dentro e fora do
Lbano, bem como supervisionar o tribunais
druzos que legislam sobre vrios assuntos, dentre
eles: divrcio, herana e casamento.
A comunidade dividida em duas categorias: os Uukkal (plural de Akel, sbio, em
algumas literaturas traduzido como inteligentes) e os Juhal, (ignorantes ou
imperfeitos). Os primeiros so os nicos iniciados no estudo da religio e em seus
segredos. Somente eles podem participar de determinadas celebraes religiosas. Nas
palavras de Kadi (1997, p.52):
Os al-Uukkal diferenciam-se pelo grau de iniciao, dada em parte pela leitura
dos Al Hikmat (livros de sabedoria) e por mritos prprios e devem praticar
rigorosamente a doutrina, abstendo-se de hbitos (fumar e beber) e servindo de
exemplo moral comunidade. Esta distino pode ser notada pelo tipo de lafeu
usado pelos homens. Os chefes religiosos possuem um papel de liderana que
ultrapassa o limite da atuao religiosa formal e estende-se ao campo da
poltica, atuando inclusive em situaes de guerra, como a Civil Libanesa; ou
no campo social, como a proibio de uso de som mecnico nas festas e
reintroduo do drbak (tamborim) e manjaira (flauta doce).
7
Segundo Kadi, Makarem observa que, embora a palavra Akel tenha sido traduzida para o ingls como
inteligncia, razo, ela no apreende a ideia original que envolve a vontade de Deus, seu pensamento e
viso (KADI, 1997, p.49).
Imagem 1 - Sheique Al Akel Naim Hasan
Revista Al-Rissalah, maro de 2007
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Ao adentrarmos o terreno da doutrina druza, possvel identificar que os princpios que
aliceram essa religio, criada por telogos, so compostos por vrios elementos das
tradies que a antecedem, como podemos confirmar nas citaes abaixo:
Escritos drusos, antigos e contemporneos, mostram que seu sistema religioso
um conglomerado de ismaelismo, xiismo, maniquesmo, zoroastrismo, sufismo,
os ensinamentos do Ikhwan al-Safa (Irmos da Pureza), e da filosofia grega,
especialmente o neoplatonismo (MOOSA, 2011, p.2).
Margarida Santos Lopes (2010, p.106) destaca ainda que os druzos reconhecem uma parte do
Coro, adaptaram a crena judaica de que Deus exclusivo e aceitaram a doutrina da
reencarnao de J esus.
No entanto, apesar de diferentes autores apontarem para a diversidade de influncias
caractersticas do corpo doutrinrio druzo, possvel observar que a presena do xiismo
merece um olhar mais apurado. Os telogos dessa tradio encontraram boa parte da sua
fundamentao no ismaelismo fatmida. Tal fato pode ser verificado nas terminologias
bem como na filosofia presente nos livros denominados Al-Hikmat, que tm como tema
central a Unicidade de Deus.
A seguir poderemos conhecer alguns aspectos estruturais da doutrina druza, bem como
as afinidades que a aproximam da elaborao xiita.
1.5.1 Monotesmo
Aqui o druzismo mostra suas razes. A crena no Deus nico de tal relevncia que os
seguidores dessa tradio se auto-identificam como Unitaristas, em rabe, Muahidin. Os
textos sagrados so enfticos:
A principal crena dos Unitaristas a absoluta singularidade de Deus, que no
responde a nenhum nome, caracterstica ou expresso; que no gera e no
gerado. Est alm da compreenso e do entendimento humano, pois o
reconhecimento da Unidade de Deus, sem procurar entender a natureza do Seu
Ser, a base da f dos Unitaristas. A conscientizao do Unitarismo a meta
mais alta, o tesouro mais precioso, a mais nobre realizao; o equilbrio da
Verdade sobre a qual se apoiam o Cu e a Terra (MOUKARIM, 2003, p.21).
20
O princpio da unicidade de Deus (tawhid) tem suas razes no isl. Afinal, ambos
reconhecem Deus como o nico criador, o misericordioso, o nico amparo, entre tantas
outras qualidades, Deus o nico merecedor de adorao.
Mas, apesar do monotesmo aproximar a f islmica do druzismo, os caminhos
percorridos pelos muulmanos e pelos druzos na crena no Deus nico bifurcaram-se e
os druzos encontraram uma elaborao bastante prpria. Um dogma fundamental da
tradio druza a revelao da divindade em forma humana (tajalli)
10
. Na concepo
desse grupo a divindade deveria fazer-se conhecer.
Segundo Matti Moosa (2011, p.), o dogma fundamental que separa os drusos de outras seitas
extremistas xiitas a sua crena em Al-Hakim como a divindade e apenas um. Estamos nos
referindo deificao do califa ismaelita fatmida Al-Hakim bi Amr Allah, bem como a
doutrina druza concede a Hamza ibn Ali al-Zawzani al-Khurasani, um contemporneo
de Al-Hakim, uma posio de destaque em seu sistema religioso. Segundo os textos
druzos a divindade quis aparecer em uma forma corprea, e isso se d na figura do
califa Al-Hakim, considerado aqui a teofania final de Deus. Nessa perspectiva, o califa
a encarnao do Uno (Deus) e que s ser enxergado como tal se for visto com "o olho
do conhecimento"; em uma abordagem espiritual, o seguidor no v uma imagem
humana, e sim o prprio Deus.
Al-Hakim teria aparecido em 72 ciclos que duraram milhes de anos, mas apenas alguns
so conhecidos. Aqui ciclo compreendido como perodo entre as diferentes aparies
da divindade, at que teria aparecido nos califas fatmidas, dos quais Al-Hakim foi a
ltima manifestao, que agora estaria em segredo at sua apario no ltimo dia. Este
perodo chamado de al-Zaman Sitr (o perodo de ocultao).
Atrelada figura de Al Hakim, est Hamza Bin-Ali, que se outorgou uma posio de
divindade no sistema religioso druzo. possvel observar que vrios textos druzos so
de sua autoria, o que nos permite dizer que parte importante da teologia do druzismo
est associada perspectiva de Hamza. No por acaso atribuda a ele a
responsabilidade da criao do Unitarismo.
10
Este dogma to fundamental que os drusos se chamam Banu Ma'ruf, ou seja, aqueles que arafu
(atingido) o conhecimento do divino em forma humana.
21
1.5.2 Mahdi
Segundo a elaborao xiita o mundo no pode prescindir do im, seja presente ou oculto
(como estaria agora o Mahdi), j que este visto como um intrprete autorizado que tem
como tarefa dar continuidade presena do Profeta; em outras palavras, um guia
divinamente orientado por Deus e como tal recebe sua autoridade do prprio Deus.
Como j mencionado, o druzismo uma religio que apresenta uma forte influncia do
xiismo. Os principais preceitos religiosos dos drusos so os dos xiitas fatmidas, que por
sua vez esto baseados no sistema religioso dos ismaelitas. Em ambas as tradies
identificamos a figura do Mahdi, o im oculto: Hamza o Mahdi do druzismo, isto ,
um homem guiado por Deus e por Ele enviado para restaurar o reinado da justia que
precederia o fim do mundo.
Para os druzos, a Mente Universal Hamza, que se tornou o
governante do universo. Ele uma espcie de semideus, mas
suficientemente poderoso que no dia do juzo vai agir em nome da Al-
Hakim para julgar se os homens acreditam em Al-Hakim ou o negaro
(MOOSA, 2011, p.9).
Hamza teria proclamado a divindade do califa Al-Hakim que, na sua ausncia,
proclama-se seu im, guia e porta-voz. De fato, sua atuao de interlocutor entre a
divindade, no caso, emanada na figura de Al-Hakim e os novos seguidores do
Unitarismo.
Os relatos druzos apresentam Hamza bin-Ali, Al Akel como a A Mente Universal, que
teria desaparecido no final de 1021 mas aparecer no fim do tempo em grande poder e
glria para destruir aqueles que rejeitaram a apoteose da Al-Hakim.
1.5.3 A reencarnao, alma e a soteoriologia
Indiscutivelmente um dos grandes pontos de divergncia entre druzos e muulmanos a
crena na reencarnao. A perspectiva druza de reencarnao chamada de taqammus,
que significa:
[...] a alternncia sucessiva das almas em corpos humanos para que esses sejam
testados e purificados. Assim que uma alma deixa um corpo, Deus prepara para
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ela renascer em outro corpo. Deus faz isso com grande sabedoria, pois cada
alma precisa de um corpo e no pode existir sem ele. (MOOSA, 2011, p.10)
Aps essa considerao, no nos causar estranhamento quando Kadi (1997, p.53)
afirma que, para o druzismo, a reencarnao a base de toda a compreenso de
evoluo humana, a evoluo espiritual progressiva do homem e faz parte do
movimento mais geral do Universo em direo Doutrina do Uno (Tawhid).
Para compreendermos o caminho percorrido pelo druzismo para afastar-se da
perspectiva islmica do ps morte, preciso retroceder s origens desta religio, mais
precisamente figura de Al Hakim, que dentre as vrias histrias que envolvem seu
califado, uma delas fundamental na formatao daquilo que conhecemos da teologia
druza. Estamos falando da criao da Casa da Sabedoria, (Dar Al-Hikmat), cuja funo
era ensinar s pessoas de todas as classes sociais a f dos ismaelitas. Era um lugar no
qual se encontravam telogos versados no apenas no islamismo, mas tambm em
outras tradies religiosas como zoroastrismo. O conhecimento religioso e o
conhecimento filosfico gozavam do mesmo status, ambos vistos como fonte de
sabedoria. No por acaso que na teologia druza filsofos como Scrates e Plato so
deificados, afinal, so eles que trazem para o druzismo a concepo de alma e a sua
relao com a identidade.
Entre os numerosos conceitos elaborados por Plato em seus dilogos, um dos
que mais marcaram a reflexo filosfica foi certamente a da alma. [...] props
uma viso sobre o homem na qual a noo de alma desempenha papel central e
est intimamente associada s principais caractersticas e aspectos do seu
pensamento [...] Plato desenvolve uma anlise da natureza humana que afirma
forte distino entre a alma, como sede da identidade, do pensamento e da
deliberao, e o corpo, como seu invlucro frequentemente a pr-se como
obstculo ao pleno exerccio de suas capacidades (BOLZANI, 2012, p.25).
Podemos observar que a perspectiva platnica de alma e da relao com a identidade do
sujeito reverbera no druzismo, j que nessa tradio acredita-se que ao longo das
encarnaes a alma vai acumulando conhecimento e discernimento especialmente no
que se refere "ser muahidin." O fato de ter nascido no seio de uma famlia druza
indicador de um compromisso assumido na abertura do Chamado (dawa), que
atravessou o tempo e o espao, por isso que para "ser druzo" necessrio nascer druzo,
isto j o suficiente para dizer quem ele e a que veio, j que a alma quem carrega a
identidade.
23
O grande objetivo da alma a busca da pureza, por isso sua passagem pela morada
humana um srio desafio. Para tanto, importante que, nas suas diferentes vidas, por
meio do exerccio da verdade, f, honestidade, integridade, perdo, respeito, modstia,
generosidade, coragem, controle dos anseios e necessidades fsicas, entre outras, alcance
um maior conhecimento.
No de se estranhar que no druzismo, aqueles que fazem a opo pela vida religiosa
busquem viver no ascetismo, pois os desejos do corpo so vistos como "amarras" que
podem afast-los da pureza. Muitos dos sheiques reconhecidamente religiosos, quando
decidem pela vida religiosa, alm de despir-se de qualquer tipo de vaidade, por isso a
roupa que os caracterizam (uma espcie de uniforme que os igualam), adotam o
celibato. Segundo relatos, mesmo entre os casados no h vida sexual.
Segundo a doutrina desenvolvida por Plato, a clebre doutrina das Formas,
existem realidades invisveis e inacessveis aos sentidos, apreensveis apenas
pelo pensamento. Ora, o pensamento a atividade da alma, e esta, para poder
conhecer plenamente tais realidades deve alcanar um estado de completa
independncia das limitaes impostas pelas sensaes, as quais esto
intimamente relacionadas a desejos e paixes resultantes de necessidades
corporais, como fome, sede e sexo. Por isso, a alma s alcana esse pleno
conhecimento da suprema realidade suprassensvel, quando est livre das
amarras corporais - depois da morte. (...) Estamos, portanto perante a tese de
que a alma sobrevive morte (BOLZANI, 2012, p.25).
Vale lembrar que ela, a alma, possui condies suficientes para vencer o desafio, desde
que o deseje. A ideia que diferentes experincias, como riqueza, pobreza, sorte,
doena, entre outras, oportunizem a redeno da alma. dessa forma que se realiza a
justia divina.
A imortalidade da alma (...), envolve, assim toda uma viso da realidade, uma
metafsica que privilegia o conhecimento do que puramente inteligvel e
desvaloriza os eventos relacionados vida corporal e sensvel (...) a alma deve
controlar o corpo e viver uma vida, na medida do possvel, voltada para valores
como justia e virtude (BOLZANI, 2012, p.26).
Todas as almas humanas foram criadas de uma s vez. Seu nmero para sempre fixo e
no est submetido a aumentos ou diminuies. As almas esto livres para escolher
entre o certo e o errado, afinal so criadas com igual tendncia tanto para o bem quanto
para o mal.
Os druzos acreditam tambm que no ltimo Dia as almas recobraro a memria de
todas as existncias, em ordem de acontecimentos e obras. Esse dia ou o Dia do Juzo
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visto como o fim de uma longa jornada de repetidas existncias para que a alma alcance
o pleno desenvolvimento. Gradualmente se aproximar e se unir Mente Universal,
segundo seu grau de elegibilidade e competncia podendo alcanar a perfeio em sua
busca de pureza (MOUKARIM, 2003, p.26).
A reencarnao permite alma transcender a experincia humana e sua durao
estende-se at o ltimo julgamento, quando ser avaliada pelas suas aes e pela adeso
ao Unitarismo.
Naquele dia Hamza ir vingar aqueles que derramaram o sangue dos Muahidin
(druzos), e ir encerrar todas as leis e religies do planeta. Ele ento proclamar
o Tawhid e os druzos herdaro a Terra para sempre [...] Para os druzos a Janna
(paraso) um lugar espiritual onde s eles gozaro de felicidade por terem
conhecido e abraado a verdadeira religio de Tawhid. Esta recompensa final
baseada em sua crena de que eles so os melhores da criao de Deus, isto , o
povo escolhido de Deus (MOOSA, 2011, p11).
No final dos tempos, Al Hakim e Hamza retornaro, troves e relmpagos sacudiro a
Terra. Aqueles que tiveram uma vida digna e piedosa iro participar do governo do
mundo, junto com Deus.
1.6 Prtica
Apesar de ser uma religio, com uma doutrina especfica, quando nos referimos s
prticas que a caracterizam, iremos observar que no estamos falando de uma religio
convencional, pois a prtica unitarista quase no apresenta um ritualismo formal. Nas
palavras de Same Makarem (1976 apud KADI, 1997, p.53):
uma religio simples, que no envolve nenhum ritual. Ela considera apenas a
constante busca do homem por sua autorrealizao em Deus, a realidade
absoluta, sem o qual ningum pode realizar-se, a menos que ele se afaste de seu
prprio ego que o separa e aliena da Unidade que compreende toda a existncia.
Alguns autores chegam a afirmar que o druzismo insiste menos nas manifestaes
exteriores do culto que nas obrigaes morais, talvez por isso a prtica religiosa
encontra-se muito mais voltada ao plano individual que ao coletivo.
A vivncia dessa religiosidade no exige necessariamente a sua exteriorizao
como ida regular ao templo (obrigatria apenas para os religiosos, s quintas
feiras) ou cultos coletivos. O exerccio da religiosidade fica mais no plano
individual, podendo realizar suas oraes, ou outra atividade em casa. Esse tipo
25
de ritualismo os faz parecer muitas vezes como no-religiosos (KADI, 1997,
p.58).
Os sete mandamentos druzos, podem ser um bom exemplo, j que deixam claro ambas
perspectivas: as obrigaes morais, que podemos observar em cada um dos
mandamentos e a ao sempre direcionada ao sujeito. Segundo Moukarim (2003, p.21):
1. Falar a verdade.
2. Cultivar e proteger os irmos.
3. Extirpar os enganos e a falsidade.
4. Rejeitar o vilo e o agressor.
5. Adorar a Deus em todo tempo e lugar.
6. Aceitar alegremente tudo que provm de Deus.
7. Submeter-se espontaneamente vontade de Deus.
Apesar dessa nfase da experincia de f ser vivida no plano individual, no seria
correto dizer que o druzismo uma religio completamente desprovida de prticas
coletivas. Grosso modo, poderamos destacar trs momentos em que a comunidade se
rene: O Id al-Adha, o casamento e os funerais.
Alguns poderiam sentir falta da meno das reunies realizadas nas noites de quinta-
feira, j que foi neste dia da semana que teve incio o Chamado e, que tambm teria
ocorrido o nascimento de Hamza bin-Ali. No entanto, a obrigatoriedade da presena
est circunscrita apenas ao grupo dos religiosos Uukkal.
1.6.1 Eid El Adha Al Mubarak
Os encontros e desencontros com o isl tambm se do no plano da prtica. Alguns
autores afirmam que os sete mandamentos druzos tm substitudo os deveres religiosos
considerados sagrados pelo Isl: a profisso de f, a orao, o zakat (esmola), o jejum, o
Hajj, e a Jihad. Se olharmos cuidadosamente para cada um dos pilares do Isl, veremos
que parte significativa deles est voltada para a prtica coletiva. O que dizer das
refeies antes da aurora e depois do pr do sol durante o perodo de Ramadan? Ou
ento da peregrinao Meca?! Qual muulmano no sonha em estar junto dos seus
pares realizando aquilo que esperado de todo seguidor: que pelo menos uma vez na
vida, se tiver sade e condio financeira, faa o Hajj. Apesar do dever ser individual, a
realizao acontece na coletividade. Intrigante pensar como o druzismo conseguiu ficar
longe de tudo isso.
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A nica celebrao que faz parte do calendrio religioso dos druzos tem suas razes no
Isl. o Eid El Adha Al Mubarak, isto , a Festa do Sacrifcio, na qual celebrada a
obedincia de Abrao. A festa coincide com o final da peregrinao a Meca, conhecida
como Hajj, que acontece no ltimo ms do calendrio islmico. Os muulmanos
sacrificam animais para lembrar o carneiro substitudo por Deus quando Abrao foi
chamado a sacrificar seu filho Ismael, como um teste de f. Para os druzos no h
sacrifcio animal, apesar de a carne fazer parte dos pratos tpicos dessa celebrao. Em
ambas as tradies dia de prece, mas tambm dia de festa, dia de reunir a famlia e
amigos que se abraam e se cumprimentam com votos de Eid.
1.6.2 O casamento
O casamento endogmico uma das especificidades do druzismo. Tem como princpio
a unio entre os membros da comunidade, a "mistura" com um no druzo ameaaria a
pureza do grupo, j que seus descendentes no seriam Unitaristas legtimos, no trariam
em si o conhecimento acumulado pelas diferentes encarnaes. Em muitos casos, a
transgresso dessa prtica pode trazer como consequncia o no reconhecimento da
pertena comunidade druza, em outras palavras, o transgressor banido do grupo. As
portas at ento abertas se fecham para aqueles que no cumprem com o compromisso
assumido no Chamado.
O casamento na f Unitarista monogmico. A poligamia e os casamentos temporrios
no so permitidos. Os casamentos so baseados no regime de comunho parcial de
bens, segundo os prprios druzos, prtica indita em poca anterior ao Chamado.
Os noivos e as testemunhas dirigem-se a um juiz da seita, onde so arguidos sobre a
livre vontade de realizarem a unio, constatado o fato, este compromisso escrito. No
Lbano isso acontece quando o casal toma a deciso de casarem-se, o que caracterizaria
aquilo que chamamos de noivado. J aqui no Brasil, isso pode acontecer momentos
antes da cerimnia.
Segundo os preceitos druzos, o marido deve tornar a esposa uma scia paritria e dar-
lhe o que devido de tudo que ele tem. O casamento no visto como indissolvel e a
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separao ou divrcio so previstos em algumas circunstncias, como explica
Moukarim (2003, p.25):
a. Caso se verifique que a esposa tenha confrontado o marido e que
ele se comportou de forma justa com ela, e que no haja outra
alternativa seno a separao ou divrcio, o marido poder
reclamar a metade do que a esposa possui.
b. Caso o marido seja culpado e ela tenha se rebelado por coao, vai
embora com tudo o que ele tem, sem que o marido tenha o direito
de reclamar parte alguma.
c. Caso o marido queira a separao ou divrcio, sem que haja
conduta imprpria por parte da mulher, ela tem o direito metade
daquilo que ele tem em riquezas e propriedades, inclusive sua
prpria camisa.