A Ascensão Do Culto A Jurema PDF
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e sobre esse prisma que pensaremos os atuais caminhos da visibilidade da jurema no campo religioso e seu lugar na constituio de uma
arena poltica fundamentada pela religio.
A jurema sagrada
A jurema uma religio tipicamente encontrada no nordeste brasileiro.
Sua presena estende-se entre reas do serto e urbanas. recente o interesse acadmico sobre o tema, no que diz respeito ao encontro da jurema
no espao urbano, que envolve a confluncia de vrios outros tipos religiosos, como a umbanda, o catolicismo, o candombl e o vodum maranhense. Seu nome, de origem tupi, liga-se a espcies de rvores encontradas
no serto. So elas a Mimosa hostilis, hoje reclassificada como Mimosa
tenuiflora, a Mimosa verrucosa e tambm a Vitex agnus-castus, conhecidas como jurema preta, jurema mansa e jurema branca, respectivamente.3
A jurema preta utilizada na fabricao da bebida que d nome a esse
universo religioso. Sua origem remonta a pajelana e ao tor, ambos regimes religiosos que fundamentam a estrutura indgena do sagrado.
No caso especfico de Pernambuco, a jurema era inicialmente
tida como um culto um pouco escondido dentro dos terreiros de religio
de matriz africana, um culto secundrio aos orixs.4 Entretanto, o quarto
mestres juremeiros na umbanda de Alhandra, Recife: UFPE, 2010; Waldemar Valente, Sincretismo religioso afro-brasileiro, So Paulo: Nacional, 1955; Ren Vandezande, Catimb:
pesquisa exploratria sobre uma forma nordestina de religio medinica (Dissertao de
Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, 1975).
Clarice Novaes da Mota e Jos Flvio Pessoa de Barros, O complexo da Jurema: representaes e drama social negro-indgena, in Clarice Novaes da Mota, Ulysses Paulino de Albuquerque (orgs.), As muitas faces da Jurema: de espcie botnica a divindade afro-indgena
(Recife: Bagao, 2002), pp. 19-60.
Neste ponto, desejamos destacar que muito provavelmente os motivos dessa invisibilidade
residem na dicotomia magia/religio como juzos valorativos. A perseguio sofrida pelos
terreiros, principalmente durante os anos do Estado Novo, os coloca sob a tutela da polcia
acompanhados do jargo charlatanismo. Em 1933, criado em Pernambuco o Servio de
Higiene Mental, liderado por Ulisses Pernambucano e tendo entre seus intelectuais Gilberto
Freyre, Gonalves Fernandes, Ren Ribeiro, entre outros. De forma bem simplificada, o SHM
foi uma tentativa de elevar o candombl categoria de religio, colocando-o como um componente na formao do Brasil e retirando-o da alada policial. O mesmo no aconteceu com
a jurema, que continuou a ser reconhecida como magia e, principalmente, acusada de
charlatanismo e falsa medicina por realizar trabalhos de cura. Essa postura frente jurema fez
com que seus altares fossem escondidos nos terreiros.
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Ressalvamos que a presena da jurema nos terreiros de candombl no pode ser entendida
como uma ocorrncia geral. H casas que somente se destinam ao candombl e casas que
cultuam somente jurema. Estas ltimas, geralmente, no so terreiros, mas o local de moradia
do juremeiro, que tem ali seu altar de jurema e onde realiza suas consultas.
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morte se apresentam como entidades que auxiliam os juremeiros e todos que procuram a ajuda da jurema por alguma razo.6 Em muitos casos esses mestres foram figuras da Histria do Brasil, como o mestre
Corisco, que em vida comps o grupo de Lampio, e Malunguinho,
hoje visto como uma das principais entidades da jurema, lder do Quilombo do Catuc - PE.7 Temos ainda os ciganos e os preto-velhos, numa
clara reapropriao a partir da umbanda.
Quando comparamos a jurema ao candombl, em termos
ritualsticos, as diferenas so ntidas.8 De um lado, temos as toadas
cantadas em portugus e de outro, em iorub; as vestimentas tambm
diferem, na jurema h um espetculo de cores nos tecidos de chita
usados pelas juremeiras, enquanto no candombl cada filha e filho de
santo veste a cor especfica de seu orix, quando no esto todos de
branco. A jurema pode ser celebrada em ritos festivos que so embalados ao ritmo do coco, em que, na maioria das ocasies, so os prprios
mestres/entidades os cantantes, e tambm em rituais chamados de
jurema de mesa. Esses ltimos caracterizam-se pela presena de um
nmero menor de pessoas, fechado ao pblico, as vestimentas j no
so coloridas, mas brancas, e a alegria caracterstica da festa, com toques de ils e danas,9 d lugar a uma tmida entoao das cantigas
acompanhadas de rezas e do barulho do marac ao redor de uma mesa
ou de uma toalha colocada ao cho. A presena marcante da fumaa
est nos dois tipos de rituais. Os juremeiros invertem seus cachimbos
colocando o fornilho (onde se queima o fumo) na boca o soprando a
fumaa que sai atravs da piteira. A fumaa responsvel pela limpeza,
ela eleva os desejos dos fiis ao mesmo tempo em que comunica o desejo das entidades.
Nessa pequena descrio o que mais nos chama ateno nas es6
So diversos os motivos que levam as pessoas jurema, entre os mais corriqueiros podemos
citar problemas de sade, financeiros e amorosos.
Malungo era o ttulo dado liderana do Quilombo do Catuc PE (1817-1830) e significa
amigo, companheiro de viagem.
Apesar de falarmos sobre o candombl, nos deteremos mais especificamente nas descries
da jurema por ser esta o ponto central de nosso argumento, alm de compreendermos as
inmeras etnografias j realizadas sobre o candombl e que podem ser tomadas como modelos descritivos do ritual para o presente trabalho.
Nome dado aos tambores tocados na jurema e no candombl.
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Dessa forma, os eventos aqui trabalhados sero fontes de conhecimento para o processo de visibilidade da jurema, eventos estruturados numa lgica culturalista, como colocou Sahlins. Para o autor, os
sistemas simblicos so estruturadores da ao social, o que podera10
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Roberto Motta, O corpo e a religio no xang e na umbanda, Revista de Teologia e Cincias da Religio, ano VII, n. 7 (2008), pp. 55-69.
Marshal Sahlins, Ilhas de Histria, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
Sahlins, Ilhas de Histria, p. 191.
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Michelle Gonalves Rodrigues, Conhecimento e alteridade: histria, estrutura, funo, cultura e significado em trs perspectivas antropolgicas, CSOline Revista Eletrnica de
Cincias Sociais, ano 2, v. 5 (2008), pp. 242-65.
Sahlins, Ilhas de Histria.
Clifford Geertz, Nova luz sobre a Antropologia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 157.
Geertz, Nova luz sobre a Antropologia.
Geertz, Nova luz sobre a Antropologia, pp. 151-2.
Clifford Geertz, A interpretao das culturas, So Paulo: LCT, 1989, p. 90.
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Roberta Bivar Carneiro Campos e Eduardo Henrique Arajo de Gusmo, Religio em movimento: relaes entre religio e modernidade, Campos, v. 11, n. 1 (2011), pp. 65-83.
O QCM uma entidade surgida, em 2004, a partir de um grupo de estudos realizado no
Arquivo Pblico Estadual Joo Emereciano na cidade de Recife PE, durante o perodo de
2004 a 2007. Os trs principais lderes do QCM so Sandro de Juc (pai de santo, juremeiro
e coordenador religioso do QCM), Alexandre LOmi LOd (filho de santo, juremeiro e coordenador do QCM) e Joo Monteiro (filho de santo, juremeiro e coordenador do QCM). Para
maiores esclarecimentos http://www.qcmalunguinho.blogspot.com.br/.
Alexandre LOmi LOd possui um blog constantemente atualizado sobre as aes realizadas pelo
QCM e sobre assuntos que envolvem a jurema: <http://alexandrelomilodo.blogspot.com.br/>
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cumba deles. Aquele toque assim, tac rutac tac... uma levada baseada
na linha de coco e as toadas da jurema so linhas de coco.22
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reparar com folclore no d. A nossa fase de ser visto como folclore passou. Hoje, somos povo de terreiro. Certo? E temos o nosso espao [...].23
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Mattjs van der Port, Candombl in Pink, Green and Black. Re-scripting the Afro-Brazilian
Religious Heritage in the Public Sphere of Salvador, Bahia, Social Anthropology, v. 13, n. 1
(2005), pp.3-6.
Sahlins, Ilhas de Histria, p. 182.
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Quando utilizamos o termo linguagem nos remetemos a Jrgen Habermas, Religion in the
Public Sphere, European Journal of Philosophy, v. 14, n. 1 (2006), p. 1-25. Para o autor a
religio pode ser vislumbrada como um componente lingustico que compe a modernidade
para a compreenso desta. Essa abordagem se coloca contra o paradigma de secularizao de
Weber, entretanto Habermas avana por meio de uma referncia de procedimento embasada
no direito para a busca do consenso entre o conflito de discursos normativos. Acreditamos
que este ltimo ponto no pode ser objeto de compreenso para nossa realidade brasileira.
Gabriel Tarde, A opinio e as massas, So Paulo: Martins Fontes, 2005.
Max Weber, A tica protestante e o esprito do capitalismo, So Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Georg Simmel, O conceito e a tragdia da cultura, in Jess Souza e Berthold elze (orgs.),
Simmel e a modernidade (Braslia: Editora da UnB, 2005).
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O pblico e o privado se entrelaam, e mais ainda, podemos dizer, ao contrrio de Weber e Simmel, que a religio na modernidade
pode novamente galgar o espao de uma esfera social que estrutura o
mundo. Nesses termos, a religio uma linguagem de compreenso
sobre o mundo, um fato social total em termos maussianos. o que
percebemos com o relato de Joo Monteiro sobre Sandro de Juc. Em
uma das vezes que se reuniram para o grupo de estudos, no Arquivo
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Pblico Estadual Joo Emereciano, o historiador Marcus Carvalho estava presente. Marcus fora fazer uma exposio de sua pesquisa que
culminou no livro Liberdade rotinas e rupturas do escravismo no
Recife, 1822-1850. Nesse livro o autor cita a figura histrica de Malunguinho. Vamos fala de Joo Monteiro, interessante notar que esse
foi o primeiro momento de encontro de Sandro com os outros coordenadores do QCM:
O depoimento de Sandro... num primeiro momento ele foi l no Arquivo, mexeu comigo at hoje. Porque ele foi na primeira vez assistir a
palestra de Marcus Carvalho. E Marcus Carvalho comeou, falou da
pesquisa dele e se deteve na questo de Joo Batista, falou de Joo
Batista e Malunguinho e tal... ento Sandro, no final da palestra a gente
sempre abria o debate, e Sandro foi... eu vim aqui dar um depoimento
porque eu estou emocionado, que eu no entendia porque a minha av,
assentamento dela de Malunguinho, tinha uma imagem de So Joo
Batista. Era um assentamento bem antigo da av dele. [...] Por que
essa construo simblica? Ele no entendia. E a partir da fala de Marcos Carvalho ele linkou uma coisa com a outra. Pode ser, provavelmente, pelo nome dele, o ltimo, ter sido Joo Batista, a av linkou com So
Joo Batista e montou l a histria.45
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Resumo
Neste artigo discutimos a ascenso da jurema no campo religioso de Recife PE. Esta religiosidade tem origem indgena e est, muitas vezes, presente nos
terreiros de candombl, xang e umbanda. A visibilidade que a jurema tem no
cenrio religioso atual vislumbrada a partir da confluncia de dois rituais, o
Kipupa e a Caminhada dos Terreiros de Pernambuco. Tomamos estes dois
momentos como eventos que envolvem questes relacionadas religio, poltica, tradio, etnicidade e questes de identidade. Numa tentativa de perseguir a rede latouriana, podemos perceber disputas entre campos de poder
distintos que envolvem no s as comunidades religiosas, mas que se estendem s instituies governamentais e a todo conjunto social. A mediao entre
as formas culturais e polticas ser um espao privilegiado para a compreenso
de como se d a ascenso da jurema no campo religioso pernambucano.
Palavras-chave: jurema - campo religioso poltica - cultura
Abstract
This article discusses the ascension of jurema in the religious sphere of Recife,
Pernambuco, Brazil. This religiosity has its indigenous origin and is frequently
present in terreiros of Candombl, Xang, and Umbanda. The visibility that
jurema suffers in current religious scenario is glimpsed from the confluence of
two rituals: the Kipupa and the Caminhada of Terreiros of Pernambuco. We
will observe these two moments as events that involve issues related to religion,
politics, tradition, ethnicity, as well as issues of identity. In an attempt to pursue
the Latourian network, we can perceive disputes between distinct fields of power
involving not only religious communities, but the disputes that extend to
governmental institutions and to the whole social set. The mediation between
cultural forms and policies will be a privileged strategy for understanding
how the ascension of jurema occurs in the religious sphere of Pernambuco.
Keywords: Jurema - religious sphere politics culture
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